as agências de propaganda, o golpe e a ditadura militar

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Dossiê Novas Faces do Poder http://revistaecopos.eco.ufrj.br/ – ISSN 2175-8689 – v. 22, n. 2, 2019. DOI: 10.29146/eco-pos.v22i2.26228 112 As agências de propaganda, o golpe e a ditadura militar brasileira Advertising agencies, the coup and Brazil’s military dictatorship David Antonio Castro Netto É doutor em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Paraná. Pesquisa história do Brasil República, com ênfase no período da ditadura militar e nas suas relações com o campo da comunicação e da propaganda. Submetido em 14 de Junho de 2019 Aceito em 10 de Agosto de 2019 RESUMO O objetivo deste texto é discutir qual o papel das agências de propaganda durante uma fase da ditadura militar brasileira, 1964-1968. Primeiro, qual seu papel no período anterior ao golpe (1963 - 1964); segundo, como foi sua atuação na produção de discursos que, de alguma maneira, dessem sustentação à atuação do governo. A partir da análise de algumas campanhas e da posição das instituições de classe, procuramos demonstrar que os profissionais da propaganda, as agências e as campanhas já se mostravam alinhados à ditadura militar, antes mesmo da criação da agência oficial em 1968. Palavras–chave: Propaganda; Ditadura Militar; Agências de Propaganda. ABSTRACT The purpose of this paper is to discuss the role of advertising agencies during a phase of the Brazilian military dictatorship, 1964-1968. First, what role did they play in the pre- coup period (1963-1964) and, second, how they produced discourses that supported the government's actions. From the analysis of some campaigns and the position of the class institutions, we tried to demonstrate that the propaganda professionals, the agencies and the campaigns were already aligned with the military dictatorship, even before the creation of the official agency in 1968. Keywords: Advertising; Military Dictatorship; Advertising Agencies.

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DossiêNovasFacesdoPoder–http://revistaecopos.eco.ufrj.br/–ISSN2175-8689–v.22,n.2,2019.DOI:10.29146/eco-pos.v22i2.26228

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Asagênciasdepropaganda,ogolpeeaditadura

militarbrasileiraAdvertisingagencies,thecoupandBrazil’smilitarydictatorship

DavidAntonioCastroNettoÉdoutoremHistóriapeloProgramadePós-GraduaçãoemHistóriadaUniversidadeFederaldoParaná.PesquisahistóriadoBrasilRepública,comênfasenoperíododaditaduramilitarenassuasrelaçõescomocampodacomunicaçãoedapropaganda.

Submetidoem14deJunhode2019Aceitoem10deAgostode2019

RESUMOOobjetivodestetextoédiscutirqualopapeldasagênciasdepropagandaduranteumafase da ditadura militar brasileira, 1964-1968. Primeiro, qual seu papel no períodoanterior ao golpe (1963 - 1964); segundo, como foi sua atuação na produção dediscursosque,dealgumamaneira,dessemsustentaçãoàatuaçãodogoverno.Apartirdaanálise de algumas campanhas e da posição das instituições de classe, procuramosdemonstrar que os profissionais da propaganda, as agências e as campanhas já semostravamalinhadosàditaduramilitar,antesmesmodacriaçãodaagênciaoficialem1968.Palavras–chave:Propaganda;DitaduraMilitar;AgênciasdePropaganda.ABSTRACTThepurposeofthispaperistodiscusstheroleofadvertisingagenciesduringaphaseoftheBrazilianmilitarydictatorship,1964-1968.First,whatroledidtheyplayinthepre-coupperiod(1963-1964)and,second,howtheyproduceddiscoursesthatsupportedthegovernment'sactions.Fromtheanalysisofsomecampaignsandthepositionoftheclassinstitutions, we tried to demonstrate that the propaganda professionals, the agenciesandthecampaignswerealreadyalignedwiththemilitarydictatorship,evenbeforethecreationoftheofficialagencyin1968.Keywords:Advertising;MilitaryDictatorship;AdvertisingAgencies.

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RESUMENEl objetivo de este texto es discutir cuál es el papel de las agencias de propagandasduranteunafasedeladictaduramilitarbrasileña,1964-1968.Primero,cuálessupapelen el período anterior al golpe (1963-1964); segundo, cómo fue su actuación en laproducción de discursos que, de alguna manera, dieran soporte a la actuación delgobierno.Apartirdelanálisisdealgunascampañasydelaposicióndelasinstitucionesdeclase,procuramosdemostrarquelosprofesionalesdelapropaganda, lasagenciasylas campañas ya se mostraban alineados a la dictadura militar, antes incluso de lacreacióndelaagenciaoficialen1968.Palabras-clave:Propaganda,DictaduraMilitar,AgenciasdePublicidad

Introdução

Passados mais de 50 anos do golpe militar de 1964, um conjunto robusto de

pesquisas conseguiu avaliar de quemaneira o contexto social brasileiro degenerou a

ponto de a saída golpista ter sido viabilizada, não apenas pelas Forças Armadas,mas

tambémporumconjuntoamploeheterogêneodeforçaspolíticas.

Ocampodacomunicaçãotambémfaziapartedestecomplexojogodeforçasque,à

suamaneira,agiuereagiuaoconturbadoperíodoquevaidarenúnciadeJânioQuadros

aogolpemilitariniciadoem31demarçoefinalizadoem01deabrilde1964.

São muitos e sólidos os estudos que procuram dimensionar o papel de alguns

meiosdecomunicação,especialmenteaatuaçãoda imprensaescritanaconstruçãoda

imagem“esquerdista”, “ditatorial”, “golpista”ou“antidemocrática”.AutorescomoSilva

(2014)atéavançamnaexpressão “golpe-midiático-civil-militar”,para reforçaropapel

importantedosmeiosde comunicaçãona campanhadevastadora contra JoãoGoulart,

sobretudoapartirdojornal“TribunadaImprensa”.Outroscampostambémsão/foram

dignos de pesquisas e análises profundas, como o cinema (ASSIS, 2001) e mesmo a

atuação da própria Associação Brasileira de Imprensa (ROLLEMBERG E QUADRAT,

2010).

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Por outro lado, também é notório o papel da comunicação na defesa de João

Goulart, a partir da “Campanha da Legalidade”, organizada por Leonel Brizola, que

contou com apoio e a construção de uma cadeia de rádios para tentar enfrentar as

informações produzidas pelo campo alinhado à fração golpista da direita e extrema

direitabrasileiras.

Comoépossívelapreender,existeumadiscussão,tantonocampodacomunicação,

quantoforadele,arespeitodaquiloquepodemoschamarde“disputacomunicacional”

paragarantirumaaçãolegitimadadoespectrovencedor.Adecisãoautoritáriajáhavia

sidoclamadapelosjornaisdegrandecirculação,comooGloboeJornaldoBrasil,oqueé

mais um elemento que demonstra a importância que a comunicação tinha naquele

cenário.

Contudo,existeumcampoaindapoucoexplorado,aomenosnoquedizrespeitoà

formacomocontribuiuparaaconstruçãodelegitimidadeantesedepoisdogolpemilitar

de 1964: o campo das agências de propaganda, seus profissionais e instituições de

classe. Este será o objetivo deste texto: examinar de que maneira as agências de

propaganda e suas instituições contribuíram na campanha de desestabilização do

governo JoãoGoulart e durante operíodode1964–1968, antesda criaçãoda agência

oficial–aAssessoriaEspecialdeRelaçõesPúblicas(AERP)–,produzindodiscursosque

sealinhavamàspropostasdaditadura.

Paracumprir taisobjetivos,utilizaremos,basicamente,umconjuntodemateriais

recolhidosnoperiódicoPropaganda, não apenaspor ser omais antigo,mas, também,

por sua recepção no meio publicitário e circulação. Ali encontramos não apenas as

campanhas institucionais das agências, como também a posição das instituições que

representavampartesignificativadomercadopublicitáriobrasileiro.

Aditaduramilitareapropagandabrasileira:doapoioaogolpeà legitimaçãoda

ditadura

A relação entre as agências e a ditadura militar brasileira começou a ser

construída a partir da aproximação entre os golpistas e uma de suas principais

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instituições de classe, a Associação Brasileira de Agências de Publicidade1 (Abap). No

imediatopós-golpe,umgrupodemilitareschefiadospeloGal.MoacyrGaiaeocoronel

ArakendeOliveirasolicitouàAbapacriaçãodeumacampanhapublicitáriacujasmetas

eram“desarmarosespíritos”e“serenarosânimos”naquelemomentodeincerteza.

De acordo com Cadena (2001), o resultado dessa aproximação foi a criação do

Serviço deDifusãoDemocrática (SDD), cujas incumbências se aproximavamàs de um

órgão de relações públicas, a partir da produção de boletins diários. Ainda que o

trabalho do SDD tenha sido efêmero, representou a primeira aproximação entre

ditaduraeagênciasdepropaganda.

OutrainstituiçãodeclasseasemanifestarfoiaAssociaçãoPaulistadePropaganda

(APP).AAPPpatrocinou,juntoàagênciaJ.W.Thompson,umanúnciointitulado“ÀBeira

doAbismo”.Oanúncioressaltavao “alívio”daAPPapósaderrubadadogoverno João

Goulart e projetava novas possibilidades para o Brasil. A revista Propaganda abriu

espaçoparaacirculaçãodoanúncionaediçãonúmero98,maiode1964:

1 Em reunião realizada em23de fevereiro de 1949 entre os proprietários das 11maiores agências doBrasil,discutiu-seaideiadacriaçãodoórgão.AABAPnasciaem1ºdeagostode1949,comsedenoRiodeJaneiro,etevecomoprimeiropresidenteAldoXavierdaSilva.Osobjetivosdainstituiçãoeramdefenderonegóciodapropagandaeregulamentarosetor.AABAPestevepresenteemtodasasgrandesdecisõesdahistória da propaganda brasileira, como regulamentação das comissões, a organização dos primeiroscongressosdepropagandaeacriaçãodoConar.

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Figura1-AnúncioAPP:

Fonte1:RevistaPropaganda,maio,1964,s/p.

Emborasoasseenigmático,oanúncioiaaoencontrodasoutrasmanifestaçõesem

favordaaçãodosgolpistas.Odestaquevaiparaaúltimaestrofequeapostavanofuturo

glorioso, tendo em vista a ultrapassagem do “momento chave”, representado pelo

governoGoulart.Essaperspectivaotimistaaindaencontravaespaçoparasemanifestar

àmedidaqueasociedadesesentiaatorprincipaldosnovosrumosqueoBrasiltrilharia.

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O editorial da revista ressalta o caráter “necessário” da intervenção militar na

políticabrasileira.Numamisturadelamentopelaausênciadeliderançasmaisatuantes

no setor da propaganda, preocupação com o “projeto estatizante” de João Goulart e

comemoraçãopelasaídaencontrada:

Antes da Revolução recente, havia preocupação nosmeios publicitários. Nãosemmotivos,receava-sepelaestatização(?)daatividade.Comtodoocoroláriofácil de prever. A coleção de nossos números editados desde abril de 1963,testemunha a nossa própria preocupação. Principalmente pela tranquilidadecom que as associações de classe, líderes da profissão, deixam correr osacontecimentos.Sóquandoprincipiouafaltaroaréqueumaououtrajanelafoiaberta, para o esclarecimento e a definição da independência, da ética, dasintoniadapublicidadecomomomentoeosproblemasdopaís2.

O corolário de tais aproximações deu-se com a criação do ConselhoNacional de

Propaganda(CNP),em02dejunhode1964,emassembleiarealizadanasededaAPP.De

acordocomCadena(2001,p.157),“arevoluçãoamadureceaideiadacriaçãodentroda

classedeumórgãoqueelaborecampanhas institucionaisparaesclareceraverdadeira

funçãodapropaganda”.

O CNP foi formado por anunciantes, agências de propaganda e veículos de

divulgação, e seus objetivos iam além da defesa da propaganda. Entre o rol de suas

prerrogativasestava“arealização,semfinslucrativos,decampanhasdecarátercívico,

socialefilantrópico”3.

No editorial de maio de 1964, a revista salientava o papel que o CNP deveria

exercer, sobretudo devido à sua “preocupação de esclarecer autoridades e público”4

sobreosimportantesbenefíciosquetrariaparaadefesadosetorcontraastentativasde

controledoseventuaisgovernos.OCNPpatrocinoudiversascampanhas“apolíticas”ede

cunho cívico. É provável que seuprincipal trabalho tenha sido a “CampanhaNacional

pelaLivreIniciativa”,veiculadaduranteosanos1979–1989.

As campanhas do CNP podem demonstrarmuito pouco de apolítico emuito de

ideológico.DestacamosumanúncioveiculadonarevistaVeja,em16/04/1969:

2RevistaPropaganda,nº98,maio1964,p.11.3RevistaPropaganda,nº99,junho1964,s/p.4RevistaPropaganda,nº98,junho1964,p.11.

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Figura2:AnúncioConselhoNacionaldePropaganda:

Fonte2:RevistaVeja,abril,1969,p.10.

O CNP começava a veicular a ideia que marcaria os “anos de chumbo”. Nessa

construção,ogovernoGoularte,emúltimaanálise,osgovernoscivisforamentendidos

como caóticos e incapazes de conduzir o Brasil no cumprimento do seu “destino

glorioso”.Por suavez,osgovernosmilitares, ao implantarema “ordem”,pautadapela

“hierarquia”,teriamcomoresultadoosucessoeconômico.

Nesta linha de raciocínio, o progresso seria um produto da autoridade imposta

peladitaduramilitar.Apartirdetalperspectiva,osgovernoscivisseriammarcadospela

má gestão administrativa, os partidarismos políticos, além dasmazelas da corrupção.

Por sua vez, o governo acreditava operar fora de tais marcos, promovendo o que

acreditavamserumagestãoracional.

Esse raciocínio sugere uma leitura simplista dos conceitos de autoridade e

autoritarismo. Como sugere Hannah Arendt (2016), o exercício da autoridade é

confundidocomamanifestaçãodealgumtipodepodereaexigênciadousodealguma

formadeviolência,físicaousimbólica.

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ParaArendt,aautoridadeprescindedequalquerformadeviolência,umavezque

opera nos marcos da persuasão argumentativa, o que pressupõe uma igualdade de

posições de fala. O autoritarismo, por sua vez, opera nos marcos da hierarquia e da

repressão, e a obediência, portanto, é obtida tanto pela opressão quanto pela

desigualdadedolugardefala:

Contra a ordem igualitária da persuasão ergue-se a ordem autoritária, que ésemprehierárquica. Seaautoridadedeve serdefinidadealguma forma,devesê-lo, então, tanto em contraposição à coerção pela forma como à persuasãoatravés de argumentos. (A relação autoritária entre o que manda e o queobedecenãoseassentanemnarazãocomumnemnopoderdoquemanda;oqueelespossuememcomuméaprópriahierarquia,cujodireitoelegitimidadeambos reconhecem e na qual ambos têm seu lugar estável predeterminado).(ARENDT,2016,p.133)

Acampanhadialogavacomonacionalismotípicodaditaduramilitaraoressaltara

potencialidadedoterritórionacional,aomesmotempoemqueconvocavaapopulaçãoa

“marcharconosco”.Essenacionalismopodeseranalisadonumaescalaascendente,cujo

augeserianosanos1970,tantonaformado“nacionalismoingênuo”do“Paísquevaipra

frente!”,quantonoformatoautoritáriodo“Brasil:ame-ooudeixe-o!”,patrocinadopela

OperaçãoBandeirantes(OBAN)5.

As agências e as instituições de classe procuraram, cada vez mais, participar

ativamentedo“novogoverno”.EmmeioaosdebatesdapreparaçãoparaoIICongresso

BrasileirodePropaganda(23–28defevereirode1969),algunslíderesdapropaganda

brasileira semanifestaram, tanto no sentido de defender a propaganda das possíveis

interferências do Estado (censura) quanto das possibilidades de sua utilização como

partefundamentalparaosucessodopaís.

EmentrevistapublicadapelarevistaPropaganda,RenatoCasteloBranco(diretor

da J. W. Thompson e um dos fundadores do CNP) reivindica para a propaganda a

capacidadede“ilustrar”asmassas:

5Criadaem1969, tinha sedeno2ºBatalhãodeReconhecimentoMecanizadodaPolíciadoExército,nacapital paulista. Sua ação era articulada com aDops, Exército,Marinha e Aeronáutica. Seu objetivo eraintegrar a repressão contra os partidos de extrema esquerda, ainda realizada demaneira fragmentadapelasdiversasagências.AOBANconseguiufinanciamentodediversosempresáriospaulistaspormeiodaatuaçãodaFIESP.Emmarçode1970,nogovernoMédici,suaatuaçãofoiampliadapormeiodacriaçãodosistemaDOI-CODI.

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Um dosmaiores problemas da sociedademoderna”, prosseguiu Castelo, “é acomunicação. Do produtor com o consumidor, do empregador com oempregado,doprofessorcomoaluno,dospaiscomosfilhos,doGovêrnocomopovo.Comunicarbeméumdosgrandessegrêdosdoêxitoemnossasociedade.E a propaganda é, por excelência, a técnica de comunicar. Na atual fase daevolução social do Brasil, poucas atividades poderiam dar uma contribuiçãomaisdecisiva.Háumanecessidadeurgentede informaraopovo,emtodosossetores:econômico,socialepolítico.Eoscaminhosdopovovãodepender,emgrandeextensão,dacapacidadedosdirigentesdeinformá-lo,educá-lo,atravésdacomunicação6.

Em seguida registra a importante participação da propaganda brasileira na

aceleraçãoenoaumentododesenvolvimentoeconômico.ParaRenatoCasteloBranco,a

propagandamereciaumlugardedestaquenahistórianacional:

Ainda está por ser devidamente estudado o papel que os homens depropaganda desempenharam no estímulo e aceleramento dêste processoevolutivo.Masumdia,nahistóriadodesenvolvimentoindustrialecomercialdoBrasil, haverá um importante capítulo dedicado à contribuição dospublicitários, neste quarto de século, para o desenvolvimento das indústrias,para o lançamento e aprimoramento de produtos, para a difusão de novoshábitos,paraaeducaçãodoconsumidoreaexpansãodomercadobrasileiro7.

OsobjetivosapontadosporRenatoCasteloBrancoestavamemacordocomvárias

dasobservaçõesdoManualBásicodaEscolaSuperiordeGuerra.Permaneciaaideiade

queestesujeitoamorfo,chamadode“povo”,deveriaserguiadoetuteladoe,seassimo

fosse,RenatoCasteloBrancoabririaasportasparaacontribuiçãodapropagandaemtal

empreitada.

Outrodestaquerelevanteeraanecessidadedeapropagandadeixarsuamarcana

execuçãodoprojeto“Brasilpotência”.Oapelo finaldodiretordoCNPeraparaqueos

publicitáriosparticipassem,defato,dapolíticanacional:

Proponhoqueoshomensdepropagandasejammobilizadosparaoestudodosproblemas de comunicação internos e externos do país: para os esforçosnacionais de promoção, nas áreas de turismo, exportação e propaganda noexterior. Para funções de assessoria e funções executivas adequadas nosMinistérioseGovernosdosEstadosedaUnião8.

Emjaneirode1968,MauroSalles(Salles-Interamericana),enquantopresidenteda

AssociaçãoBrasileiradePropaganda(ABP),jáapresentavaasqualidadesdapropaganda

brasileiraeaintensaparticipaçãodestanavidanacional:6RevistaPropaganda,nᵒ145,junho1968,p.24.7Idem.8Idem.

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ApropagandanoBrasiléumaatividadeeconômicaqueaplica500milhõesdecruzeirosnovosporanoparaajudaraindústriaeocomércioavenderosseusprodutos. Somos os profissionais da prosperidade, os aceleradores dodesenvolvimento, osmultiplicadoresde riqueza, os educadoresdobem-estar,osapologistasdacompetiçãosadia,ossentinelasavançadosda livreemprêsa.Osnossosestudos,asnossaspesquisas,osnossosplanejamentossãocadavezmaisnecessáriosemummercadoqueaospoucossedespededeumainflaçãomutiladora. Os nossos investimentos na imprensa, no rádio, na televisão seconstituememfavorimprescindívelàsobrevivênciadaliberdadedeexpressão,semaqualnãosobreviveumregimedemocrático9.

A projeção de resultados econômicos positivos para o início da década de 1970

manteveelevadoootimismodasagências.Váriasdelasencamparamascampanhasdo

CNP que procuravam engrandecer as riquezas nacionais, o trabalho e a coragem dos

empresários. Colocavam-se, assim, em defesa dos benefícios da “revolução de 1964”.

Doisanúnciosretratamcomclarezaoespíritodaqueletempo.Oprimeiro,intitulado“O

Brasil está à beira do abismo”, foi publicado em 1969 pela Salles-Interamericana, e

ocupouapáginainteirano“JornaldoBrasil”.

9 Mauro Salles. Discurso pronunciado em nome da Associação Brasileira de Propaganda na “Festa daPropaganda”, realizada no Rio de Janeiro em homenagem ao Dia Pan-americano de Propaganda. In:RevistaPropaganda,nᵒ140,janeirode1968,p.58.

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Figura3:-AnúncioMauroSalles-Interamericana:

Fonte3:JornaldoBrasil,12/01/1969.

Inspirado em anúncio parecido ao da APP, a agência procurou desconstruir o

“mito”dequeopaísestavaenfrentandodificuldades.Osubtítulodoanúncio, “paraos

pessimistas, saudosistas,oscomodistaseosderrotistas”, indicavao “públicoalvo”.No

decorrer do anúncio eram desconstruídas as “versões” do esgotamento econômico e

apresentadosaquelesque“falamalinguagemsimpleseobjetivadeumBrasilGrande”.

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Aanálisedoanúnciodemonstraqueaagênciafaziaopapeldeumórgãoestatalde

propaganda (ainda que a AERP já estivesse em funcionamento), e trazia informações

como o crescimento do PIB, receita da União, exportações, aumento de depósitos

bancários, resultados agrícolas, misturadas com os resultados dos índices de

escolaridade,pavimentaçãoderodoviaseconstruçãodeferrovias.

Oúltimoparágrafoéumaassertivacontraaquelesqueserecusavama trabalhar

pelo Brasil: “É o Brasil caminhando para frente. Bem depressa. Em ritmo de Brasil

Grande. Contra a opinião dos pessimistas, dos saudosistas, dos comodistas, e dos

derrotistas”.

O anúncio teve grande impacto. A revista Propaganda dedicou um número

especial, lançadoemjaneirode1970,paraveicularosanúnciospremiadosem1969.A

campanhada agência recebeu o prêmio deMelhorAnúncio doAno.De acordo coma

revista,

Êsteanúncio,publicadonosprimeirosdiasdejaneirode1969,foiumagrandemanifestaçãodeotimismoeconfiançanopaíseteveoméritodelançaroslogan“Ritmo de Brasil Grande” que depois foi adotado pelo próprio governo paracaracterizar os seus objetivos.Mais de uma centena de anúncios de tôdas asagências utilizaram posteriormente a expressão lançada na peça publicitáriaquemereceuindicaçãounânimecomooAnúnciodoAno196910.

A história da agência Mauro Salles Publicidade, posteriormente Salles–

Interamericana,épermeadadeligaçõespolíticas.MauroSalleséfilhodeApolônioJorge

deFariaSalles,ministrodaAgriculturaentre1942–1945,senadorporPernambucoem

1947,enovamenteministrodaAgriculturaem1954,nosegundogovernoVargas.Mauro

Sallesera formadoemdireitopelaPontíficeUniversidadeCatólicadoRiode Janeiroe

especialistaemjornalismo.

Sua atuação no jornalismo começou na redação das revistasO mundo eMundo

Ilustrado.Em1950,foitrabalharcomosubchefedereportagemdojornalOGlobo,onde

mantinha uma coluna sobre automóveis e aviões. Depois, ingressou na Alcântara

Machado e passou a cuidar da conta da Volkswagen. Em 1961, assumiu a cadeira de

10RevistaPropaganda,s/nº,janeiro1970,s/p.

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secretáriodoConselhodeMinistros,duranteoperíodoemqueTancredoNevesocupou

ocargodePrimeiroMinistro.

A partir daí, sua carreira na propaganda teve uma escalada impressionante. Em

1964,jáerachefedaredaçãod’OGlobo;noanoseguinte,assumiuocargodediretorda

recém-inauguradaTVGlobo.Em1965, organizou a campanhade lançamentodoAero

WillysLuxo,pormeiodorecém-criadoGrupoTécnicodePropaganda.Paraaexecução

dacampanha,MauroSallesintroduziuomerchandisingnoBrasil.

O sucesso da campanha sacramentou a sociedade entre Mauro Salles e a

montadora, que entrou com 20% do capital para a criação da nova agência, aMauro

Salles Publicidade. Aliado à conta damontadora, recebeu clientes como a Associação

BrasileiradeCimentoPortland,aCastroldoBrasileaCompanhiaGuanabaradeCrédito.

Em1967,aMauroSallesPublicidade fundiu-secomaArmandoD’Almeida, surgindoa

MauroSalles-InteramericanadePublicidadeS/A.

Em 1967, passou a dirigir a revista Propaganda e foi eleito o presidente da

Federação Brasileira de Publicidade e da Associação Brasileira de Propaganda, onde

ficou até 1969. Foi o principal articulador do II Congresso Brasileiro de Propaganda,

realizadoem1969.Em1970foieleitooHomemdePropaganda,eem1972recebeuo

prêmioPublicitáriodoAno.Em1977,emmeioatentativasdesecensurarapropaganda,

foi um dos principais responsáveis pela elaboração do Código Brasileiro de Auto-

regulamentaçãoPublicitária(CONAR),sendooseuprimeirorelator.Nadécadade1980,

MauroSallesfoiumdoslíderesdacampanhadeTancredoNeves,sendooorganizador

doComitêNacionalPublicitárioPró-TancredoNeves.

MauroSalles,portanto,foiumatorhistóricoquesemprepermaneceupróximoàs

instâncias de decisão política, fosse no governo Goulart (quando foi ministro da

Indústria e Comércio), durante os anosdaditaduramilitar (veiculandomensagensde

otimismo como essa) ou já no desmonte da ditadura (com a intensa participação na

campanhaeleitoraldeTancredoNeves).

Oanúncioquedestacamosapresentaumaspectoimportantedarelaçãoagências-

ditadura.Existe,evidentemente,umaexplicaçãoeconômica–aproximidademantémo

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acessoàscontaspúblicas–,porémtambémumaexplicaçãoideológica–oalinhamento

políticoentreasagênciaseaditadura.Em1975,arevistaVejaveiculouumareportagem

sobre o que os empresários esperavam do governo Ernesto Geisel. Caio Alcantâra

Machado, sócio de Mauro Salles na agência, respondeu: “segurança, somente

segurança”11.

Osvínculos ideológicosentreasagências,ogolpeeaditaduramilitarpodemser

observadosemtodooperíodo,emboraemalgunscasossejammaisclaros,comooda

Norton Propaganda S/A. É possível rastrear o papel da agência desde o contexto

imediatamenteanterioraogolpemilitarde1964.

O fundador da empresa, GeraldoAlonso, eramembro ativo da seção paulista do

Ipes (Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais). Em conjunto com outras agências,

organizava, juntoaosanunciantes,odesviodasverbasdepropagandaparaoinstituto.

Dreifuss (2008, p.221-222), ao analisar a organização da contribuição para o Ipes,

afirma:

Umaformamuitoimportantedecamuflarasdoaçõeseraatravésdeempresasde relações públicas e de propaganda que controlavam os chamados“orçamentos invisíveis” de grandes corporações, orçamentos estes querepresentavam vultosas somas de dinheiro. O que as companhias poderiamfazer seria canalizar suas participações através de fundos assinalados comoorçamentos para propaganda comercial e relações públicas por meio dasagências que apoiavam o IPES. Outra alternativa seria as grandes empresaspagaremantecipadamenteosseuscontratosdedozemesescomasagênciasderelações públicas, que daí canalizariam os fundos, bem como contribuiriamfinanceiramente com suas próprias fontes. Tal operação não seria muitocomplexa, já que muitos dos associados do IPES eram proprietários oudiretoresdeagênciasdepublicidadeemanipulavamascontasdecorporaçõesmultinacionais e associadas, cujos donos dirigentes também eram associadosdoIPES.

Dreifuss(2008)destacaaindadiversosdiretoresdeagênciasqueparticipavamde

reuniões e ofereciam seus serviços. Segundo o autor, foi José Luiz Moreira de Sousa

(DenissonPropaganda12)que “ofereceuseuspréstimosparaoperarcomoumconduto

11Asreaçõesdosempresários.RevistaVeja,nº359,p.81.Apud:Rezende,2001,p.176.12ADenisonfoifundadanoRiodeJaneiro,em1957,porJ.U.ArceeSeppBaendereck.SurgiucomoumahouseagencyeatendiaapenasacontadaDucal,umacadeiadelojasderoupasmasculinas.Aexpansãodaredefacilitouaampliaçãodaagência,quepassouacontarcomnovosclientes,comoaSwifeagravadoraRCAVictor.Em1958,abriufilialemSãoPaulo,e,em1962,emBeloHorizonte.Em1970,jáhaviaabertofiliaisemPortoAlegre,Salvador,RecifeeFortaleza.ApósaformaçãodoConsórcioBrasileirodasAgênciasdePropaganda,passouafazerpartedogrupobatizado“AsCincoIrmãs”.

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paraa ‘limpezadodinheiro’”, e “nãosentiriaomenorconstrangimentoemreceberas

somasatravésdesuaagênciadePropagandaedepoisdevolvê-lasaoIpes”(DREIFUSS,

2008, p. 222). Além da Denisson Propaganda, tiveram essemesmo tipo de atuação a

GallasPropaganda,NortonPropagandaeMultiPropaganda13.

Aoutrapontadessarelação,ouseja,osanunciantes,eraorganizadatendoemvista

amanutençãode suas contasnaquelasagênciasque tinhamalgum tipodeatuaçãono

Ipes. Ainda de acordo com Dreifuss (2008), este foi o caso da Willys Overland, cujo

diretor, Euclides Aranha, era líder do Ipes. A conta da Willys era operada por duas

agências“ipesianas”:aMultiPropaganda,depropriedadedeDavidMonteiro,eaNorton

Propaganda.OutrocasoquevaleodestaqueeraodaNestlé.Seudiretor,GualterMano,

também associado do Ipes,mantinha a conta da empresa junto àNorton Propaganda

S/AeàMcCann-EricksonPropaganda.

Outro apoio ao Ipes veio das instituições de classe da propaganda. David

Monteiro14 e Geraldo Alonso alternavam-se na presidência da Associação Paulista de

Propaganda(APP)edaFederaçãoBrasileiradePropaganda(Febrasp),criadaem1961.

Utilizando-sedos cargos, aproximavam-sedas agências, procurandoapoio.Valendo-se

dessarelaçãoconseguiram,porexemplo,oapoiodeEmilFarhat15,daMcCann-Erickson

Publicidade.

Todoesseesforçodecoleta,desvioeaplicaçãodosrecursostevecomoresultado,

porumlado,ofinanciamentodasatividadesdoIpese,poroutro,omassacremidiático

queJoãoGoulartsofreraduranteoseucurtomandatopresidencial.AatuaçãodoIPESe

13Aagênciafoifundadaem1958pelaMcCannErickson.Suaexistênciafoimuitocurta;em1966assumiuonomedeQuadrantPublicidade,comoobjetivodemelhorarsuaidentificaçãointernacional,eem1972aagênciaencerrousuasatividades.14Suatrajetórianapropagandacomeçouem1935,quandoaagêncianorte-americanaMcCannEricksonseinstalounoBrasil.AoladodeRenatoCasteloBranco,foiumdosprimeirosredatoresdaagência.Em1951,a McCann converteu-se em sociedade anônima, e Monteiro assumiu vice-presidência ao lado de EmilFarhat.AtuounacriaçãodaAssociaçãoPaulistadePropaganda,sendopresidentedainstituiçãoemdoismomentos,1939-1940e1959-1961.Em1958deixouaMcCannparaatuarnaMultiPropaganda.TambémtevedestaquenacriaçãodoConselhoNacionaldePropaganda, sendoeleitopresidentedoconselhoem1966.15Teveextensaatuaçãonahistóriadapropagandabrasileira.Em1941, ingressounaMcCannErickson,permanecendonaagênciapor31anos.Entreseusdestaques,estáacriaçãodosslogansdoRepórterEsso:“O primeiro a dar as últimas” e “Testemunha ocular da história”. Em 1969, tornou-se presidente daagência,eassumiuaSecom(SecretariadeComunicaçãodaPresidênciadaRepública)entre1978e1980.

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deseu“irmão”,oIbad,foialvodeCPI,esuaatuaçãonadesestabilizaçãodogovernocivil

estáamplamentedocumentada16.

Os vínculos ideológicos entre Ipes, agências e anunciantes edificaram uma

associação que foi além dos preparativos para o golpe militar. Essa teia de relações

exercia verdadeiro controle sobre os veículos, à medida que controlava parte das

receitasempropaganda.

ComosustentaChomsky(2003),aformamaiseficienteemais“limpa”decensuraé

ocontroleeconômico.Destaforma,diversosveículosconsideradospróximosaogoverno

João Goulart e críticos à ditadura tinham campanhas publicitárias retiradas, o que

afetava em cheio a saúde financeira. Esse tipo de controle econômico era (e continua

sendo)muitomaisefetivo–ediscreto–doqueaintervençãodiretadoEstado.

Vejamos o caso do Tribuna da Imprensa: em 31 de março de 1969, o jornal

publicoureportagemintitulada“Boicote”.Deacordocomotexto,existianoBrasiluma

“...batalha da opinião pública, travada pelos conglomerados econômicos norte-

americanos,nosentidodenosconvencerdequea‘soluçãoestánosEstadosUnidos’”17.

Adenúnciadojornalestavavinculadaàformacomoocapitalestrangeirointerferia

na sociedade brasileira. Além das agências estrangeiras J. W. Thompson, McCann-

EricksoneaLintasPublicidadeInternacional(atéentãoaslíderesdorankingnacional),

outras agências nacionais cooperavam com aquilo que o jornal considerava

“proselitismo”e“vendasub-reptíciaeconstantedeumcerto‘wayoflife’”.

Sãoapresentadas,ainda,denúnciasarespeitodocontroleexercidosobreosmeios

decomunicação,viaverbaspublicitárias:

Quem não conhece o caso repetidamente por nós mencionado da série dereportagens de Justino Martins, em “Manchete”, sôbre a União Soviética?Bastou a ABA (Associação Brasileira de Anunciantes), que é virtualmentecontrolada pelos conglomerados norte-americanos, telefonar à direção da

16ACPIIpes/Ibadprocurouanalisarofinanciamentodecampanhaseleitoraisdedeputadosesenadorescomdinheirodasdoações.Em1963aCPIapurouque3%dasagênciascontrolavam45%domercado.Pormeio dessas agências, altas quantias em dinheiro eram transferidas para os fundos do Ipes. Além doestudodeDreifuss(2008),verAssis(2001)17Oboicote.TribunadaImprensa,31demarçode1969.

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revista, dizendo: “se continuar a série, seremos obrigados a recomendar aosnossosassociadosparaboicotar(verbozinhoindecente!)suarevista”18.

Aindadeacordocomoperiódico,essetipodepolíticaalcançouascontaspúblicas:

O anúncio de página inteira que a MPM Propaganda distribui à imprensa,promovendoasrealizaçõesdogovernadorNegrãoLima,excluiacintosamenteotradicional“CorreiodaManhã”,que,emtiragem,éoterceiromaiorvespertinodaGuanabara e em matéria de folha de serviços prestados a êste Páis não temcompetidor entre os matutinos cariocas. É o boicote com que se leva aquelaemprêsaapedirconcordata,forçandosuadireção,portodososmeiosemodos,aabrir mão de posições políticas que resultam de convicções herdadas de seusfundadores e que, longe de serem tão brutalmente esmagadas, deveriam serapreciadasecompreendidas...

O controle econômico demonstra uma rede de relações que envolvia diversos

grupospolíticosque,porsuavez,formavamogrupoheterogêneoquedavasustentação

política à ditaduramilitar. Reconhecer taismovimentos, como sugerem Rollemberg e

Quadrat(2010),édesvendarquetipodevínculossociaisforam/sãoestabelecidosentre

osregimespolíticoseassociedades.Taisredes,emborasofressemalteraçõestendoem

vistaavariedadedesuaconstituição,apontamparaumconjuntomaiordeapoioquetais

regimesobtiveramparaalémdousodaviolênciafísica.

O fator a ser compreendido é que as campanhas levantadas demonstram uma

tentativa deliberada de algum tipo de manipulação emotiva. Como sugerem Ansart

(1977)eMagalhães(1997),osregimespolíticosnecessitamcriarimagensqueincitemo

conjuntodaquelessentimentostidoscomoessenciaisparamanteramobilizaçãosocial

ativaaseu favor.Nocasoemtela,ascampanhasprocuraminsuflarelementoscomoo

“patriotismo”eo“nacionalismo”,sempreentendidoscomomanifestaçõesapolíticasna

defesadosinteressesnacionaisenãodaquelesqueocupamseuscargos.

Ansart (1977), ao analisar as diferentes formas de trabalho ideológico (onde

opera-se a violência simbólica e não a física), as classificou em três tipos: ortodoxia

apoiada (quando as mensagens são produzidas e apoiadas, na maioria das vezes, de

maneira instantânea); ortodoxia consentida (forma organizada e sistematizada de

produção de informações e controle sobre a opinião pública); e ortodoxia terrorista

18Idem.

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(quando o discurso é substituído pelos mitos). Estes três elementos dialogam,

produzindodiversosdiscursosdelegitimação.

Nocasoaseguir,essatipologiafoiassumidanãopeloEstadoAutoritário,maspor

seus apoiadores da sociedade civil. Superado o golpe, a Norton Propaganda S/A

procurou demonstrar a continuidade do seu apoio19 a partir da criação de uma

campanhaemfavordonovo“presidente”,CostaeSilva.Veiculadaem1967,oobjetivo

eradefenderogovernonummomentodeinstabilidadepolíticaeeconômicaemantero

“estado de otimismo”. A campanha ficaria registrada pela utilização da bandeira do

Brasilepeloslogan:“Quemplantaconfiançacolheprogresso!”:

Figura4:Campanha“Quemsemeiaconfiançacolheprogresso”:

Fonte4:RevistaPropaganda,1981,p.36.

19Nãonospareceerrôneoafirmarapermanênciaoucontinuidadedosuporte ideológicoàditaduraporparte da agência. A campanha apresentada foi veiculada em 1967, portanto, quase um ano antes dacriação da AERP e quase dois anos antes do surgimento do Consórcio Brasileiro das Agências dePropaganda,responsávelpela“divisão”dascontaspúblicas.

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Na sequência, o anúncio ia além e adotava o padrão de um órgão oficial de

propaganda.Oque chamaatenção é, exatamente, o tompersonalista que a campanha

apresentou. Em nossas pesquisas, foi a única encontrada nesse formato. A Norton

utilizouumalinguagemquenãofariavergonhaaoDIPdeGetúlioVargas.

Figura5:Campanha“Quemsemeiaconfiançacolheprogresso”:

Fonte5:CorreioBraziliense,22demarçode196720.

AcampanhadaNortonchamaaatençãonãoapenaspela formapersonalistaque

utiliza, pelos apelos à capacidade do presidente de superar a “impopularidade”, mas,

também,porromperabarreiraentreapropagandaeapublicidadepraticadaporuma

20 Transcrição: Houve a coragem de enfrentar a impopularidade para corrigir os erros passados. Einstaurou-senoPaísumclimadeprobidade.Realizou-segigantescoesforçodetransformaçãodeatitudesementalidades.E tomou-seconsciênciadosreaisproblemasbrasileiros.Aconteceuumabatalhapenosaparadesaceleraroritmodainflação.Muitofoifeito,emboratantoporfazer.Logramos,contudo,escaparaoretrocessoeconômico.Lançamosasbasesparaumdesenvolvimentoestável.Mas,odesenvolvimentodeumpaís é antesde tudoumestadode espírito. Por isso –quandoemmeadosdo anopassadomaiscresciaaondadepessimismoedafrustraçãofomosaprimeiraemprêsanestePaísalançarumacalorosacampanhadeotimismo:“NósconfiamosnoBrasil”DesdeentãoaconfiançanosdestinosdoPaístemsidoa tônicade todasasnossaspeçasdecomunicação.Confiamos.Confiamosnogovernoque,emmomentotãoimportantedavidanacional,assumeopoderdamaiornaçãodêstehemisfério.Confiamosemqueseuobjetivoprimordialsejaodesenvolvimentoeconômico,embenefíciodetodososcidadãos.Confiamosnoseu espírito abertoparaodiálogo franco e construtivo com tôdas as classes. Confiamos emquenão sepercamossacrifícios feitospelopovoepelosempresáriosnesseárduoperíododetransição.Confiamosnassementesqueforamplantadas.Confiamos–nóseosnossosClientes–nesteextraordinárioBrasil.Econfiamostodosemseupatriotismo,PresidenteArthurdaCostaeSilva!

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agência comercial. Outros apelos são feitos em nome da “capacidade de diálogo” de

Costa e Silva e de seu “patriotismo”. Gostaríamos de ressaltar o apelo “ao estado de

espírito”:

Mas,odesenvolvimentodeumpaíséantesdetudoumestadodeespírito.Porisso–quandoemmeadosdoanopassadocresciaaondadepessimismoedafrustraçãofomosaprimeiraemprêsanestePaísalaçarumacalorosacampanhadeotimismo:“NósconfiamosnoBrasil!”DesdeentãoaconfiançanosdestinosdaPátriatemsidoatônicadetodasasnossaspeçasdecomunicação.Confiamos–nósenossosClientes–nesteextraordinárioBrasil.

A campanha obteve tanto sucesso que o então presidente Costa e Silva recebeu

GeraldoAlonsoparauma solenidadeemBrasíliapara receber emmãosospôsteres e

anúncios vinculados. A revistaO Cruzeiro de janeiro 1972 fezmatéria especial sobre

GeraldoAlonso.Aotratardacampanha,arevistaafirmaqueaagência“partiuemajuda

doGovêrno,levandoootimismoàsmassaspopulares”.

Aatitudede“socorro”daNortontinharelaçãocomosproblemasenfrentadospor

CostaeSilvaduranteseumandato.Emseudiscursodeposse,acenoucomapromessade

reestabelecimento dos processos eleitorais, do retorno à normalidade democrática e

comdisposiçãoparareceberedialogarcomaoposição.

Essa tentativa, conceituada de “política de alívio” por Alves (2005), tinha como

pedra angular uma interpretação mais flexível da legislação repressiva, contida na

Constituição de 1967. Após algumas reuniões, o governo pareceu oferecer algumas

concessõesàoposiçãoemtrocadealgumtipodeapoioelegitimidade.

Entretanto, naquele contexto, o governo detinha instrumentos que tornavam o

diálogo com a oposição desnecessário. Além da garantia da maioria nas casas

legislativas, contava ainda com o instrumento do decurso de prazo. Outro problema

irremediáveleraaatuaçãodoaparatorepressivoedaPolíciaMilitar,ouseja,enquantoo

governopregavadiálogo,arepressãoaumentavasuasações.Emsuma:

A contradição entre linguagem do consenso e do diálogo e o aumento darepressão nas ruas anulou a legitimidade que se esperava obter com apromessadeliberalização.Comoa“políticadealívio”dependiadeumgraudeconsenso impossível em condições repressivas, o Estado evoluiu para umasituaçãodecriseinternaeexterna.Tambémnapolíticaeconômicaverificou-seligeiramudança de rumos. A equipe econômica do governo Costa e Silva erachefiada pelo Ministro da Fazenda Delfim Netto e pelo Ministro do

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Planejamento Hélio Beltrão. (...) A nova política econômica visava sobretudoalterar opadrãode consumodas classesmédias superioresparapromoverocrescimento do setor de bens duráveis. E enquanto se atrelavam os níveissalariais à taxa oficial de inflação, para diminuir os custos de produção,incentivos fiscais eram concedidos às camadasmais altas da população paraincentivaroinvestimento(ALVES,2005,p.138).

Em termoseconômicos, apolítica salarial foiumdesastre.O saláriomínimoreal

comprava apenas 42%do que poderia comprar em1959. A tendência foi uma queda

constanteatéatingirovalormaisbaixoem1976,quandoseupotencialdecompraera

deapenas31%,comparadoaosaláriode1959.Secompararmososdadosreferentesà

inflação, podemos compreender que a queda no valor do salário era uma política de

controleexercidapelopróprioEstado,umavezqueainflaçãobaixoude87.8%em1964

para20.3%em1969.

O resultado foi o aumento da miséria entre os mais pobres. Aproveitando esse

cenário, a Norton veiculou, em 1969, mais um anúncio, ainda dentro da campanha

“Quem semeia confiança colhe progresso”, agora voltado para a ajuda às crianças

carentes:

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Figura6:Campanha"Quemsemeiaconfiançacolheprogresso":

Fonte6:RevistaPropaganda,novembro,1981,p.36.

Entre os objetivos da campanha estava aquele atrelado ao “papel social” da

propaganda.Comoafirmaotextodoanúncio:

ANortonachaque,basicamente,umaagênciaprecisaserútilàcomunidadeemque ela vive. Fizemos, alguns anos atrás, uma campanha de arrecadação defundosparaomenorabandonado.Fizemosoutraparaascriançasdefeituosas.OutraquequeatéhojeestáajudandoaeliminaratuberculosedoBrasil.

ANortonprocurava,assim, firmarseu“compromissohistórico”comobem-estar

do Brasil e dos brasileiros. Aproveitava o ensejo, ademais, para recuperar a ótima

resposta dada pelo então presidente Costa e Silva a respeito do lançamento da

campanhaem1967:

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Em 1967, no segundo gôverno da Revolução, havia no país um clima deapreensão. Foi quando resolvemos lançar a campanha do otimismo, com abandeiranacionalilustrandooslogan:Quemsemeiaconfiançacolheprogresso.

Milhõesdebrasileirosaceitaramodesafio.

“ExcelentetrabalhodaNorton!Suacampanhainjetouotimismoemtodosnós,brasileiros, com uma precisão quase médica”. Essas foram as palavras doPresidenteArturdaCostaeSilva,elogiandoanossainiciativa.

Emoutroanúncio,entãodepáginadupla,aagênciaafirmavanãomediresforços

para ajudar a solucionar os problemasbrasileiros, uma vez que “nessa hora aNorton

desvia tôda sua equipe, todo seu talento e tôda sua estrutura, para preparar uma

campanha com a mesma seriedade com que ela faz as campanhas de todos os seus

clientes”21.

É evidente que a agência não entendia a resolução desses tipos de problemas

sociaisenquantopartedaurgênciadacriaçãodepolíticaspúblicasoumesmoenquanto

produtosdomodeloeconômicocolocadoempráticaapós1964;aoqueparece,erapura

e simplesmente a prática do exercício da filantropia, questão de caridade e de

solidariedade.

O governo Costa e Silva teve de lidar também com a ofensiva da oposição. Essa

onda começou a formar-se em 1967, para erguer-se em 1968, tendo, entre outros

eventos,aPasseatadosCemMil,ocorridaapósamortedoestudanteEdsonLuís,eas

primeirasgrevesemContagemeOsasco,alémdaFrenteAmpla,queorganizava,soba

mesmabandeira,JoãoGoulart,JuscelinoKubitscheckeCarlosLacerda.

Paralelo a esse movimento, existia o discurso do “Brasil Potência”, parte do

nacionalismo exacerbado das Forças Armadas, insuflado em meio aos planos de

investimentoeminfraestrutura(comoItaipueaTransamazônica).Contudo,asagências

depropagandaseanteciparamaosucessoeconômicodosanos1970–1974aopropagar

esse “projeto” ainda em 1967, como o caso daNorton, e em 1969, no caso da Salles-

Interamericana,alémdaatuaçãodopróprioConselhoNacionaldePropaganda.

Parecereducionismoafirmarqueessa“primeirafase”tenhasidomarcadaapenas

pelos interesseseconômicos.Adistribuiçãodascontasgovernamentaisparaatendera21RevistaPropaganda,novembro,1981,p.36.

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demanda da AERP só traria impacto para as agências a partir de 197522, quando o

rankingnacional das agências sofre umamudança significativa.Outro elementodessa

equaçãoéapontadopelosprópriospublicitários.RenatoCasteloBranco,aindaem1968,

jácobravadosetorumaaproximaçãomaiorcomaUnião,Estadosemunicípios:

Proponho que nossas associações de classe tomem posição diante dosproblemasnacionaiseespecialmentedaquelesparaosquaispodemosdarumacontribuição válida. Proponho que abandonemos a posiçãomarginal em quenos temos colocado para assumirmos um lugar definitivo e influente nasdecisõesdavidanacional.ProponhoqueestejamospresentesnosCongressosEstaduais e Federal, nas Secretarias de Estado, nosMinistérios, levando, semintermediários, mas nós próprios, nossa contribuição para a solução dosproblemasnacionais23.

MauroSalles,entãopresidentedaABP,destacouaimportânciadacooperaçãocom

o “novo governo”, à medida que as agências deveriam responder positivamente ao

“chamado”:

AAssociaçãoBrasileiradePropaganda,aAssociaçãoBrasileiradeAgênciasdePropaganda têm sido procurados por pessoas e entidades do governo que semostram interessadas em cooperar com os publicitários em sua missão dereativaravidaeconômica.Masprecisaremoscooperarcomêles,ajudando-nosanósmesmos24.

Acooperaçãocomogoverno,aindaquetenhasidoiniciativadealgumasagências,

ganhourelevância, tendoemvistaaposição tantodaSalles-Interamericanaquantoda

Norton Propaganda S/A no mercado publicitário brasileiro. As campanhas foram

veiculadas, ao que tudo indica, numa espécie de “esforço coletivo” das agências e, de

fato, não representavam a totalidade do mercado publicitário brasileiro, ainda que,

como destacamos, outras agências de importância nacional tenham participado do

contextoanterioraogolpe, comoaDenisonPropagandaeasduasmaioresagências,a

McCannEriksoneaJ.W.Thompson.

22Outrodadoaserapontadoéquesomenteasagênciascommaisde50%decapitalnacionalpoderiamparticipar das licitações das contas públicas, o que significou, a partir de 1974, a transformação domercadodeagências,comofortalecimentodasagênciasnacionais.Posteriormente,visandomonopolizaro acesso a estes recursos, foi criado o Consórcio Brasileiro de Agências de Propaganda, formado pelascinco maiores agências nacionais, as “Cinco Irmãs”: MPM, Alcântara Machado, Norton, Salles-InteramericanaeaDenisonPropaganda.23RevistaPropaganda,nº145,junho1968,p.24.24MauroSalles.DiscursopronunciadoemnomedaAssociaçãoBrasileiradePropaganda,emhomenagemaodiaPan-americanodePropaganda.RevistaPropaganda,nº140,janeirode1968,p.24.

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Aquestãoé:porque taiscampanhas foramrealizadasde formaesparsa,ouseja,

semumplanonacionaldecomunicação?ApesquisadeFico(1996)revelouaexecução

deapenasumapartedoprojetooriginaldecriaçãodoSistemaNacionaldeInformações

(SNI),ouseja,esteapenasrecolhiainformações,aoinvésdeproduzi-las.

Essa característica estaria atrelada à personalidade de Humberto de Alencar

CasteloBranco,avessoaqualquer tipodepropagandapolítica.AreticênciadeCastelo

criou um vácuo na comunicação entre a ditadura e a sociedade civil até o staff

presidencialentenderaimportânciadacriaçãodeumórgãoresponsávelpela“imagem

do governo”, culminando na criação da Assessoria Especial de Relações Públicas, em

janeirode1968.

Ainda que a criação da agência tenha sido anterior a algumas campanhas

veiculadas, é importante frisar também que seu trabalho inicial teve caráter mais

informativo e um formato típico dos órgãos oficiais de propaganda. A criação e

implantação de um projeto de comunicação também foi objeto de disputa entre as

facçõesdaditaduramilitar.Portanto,seuperíododemaiorsucessoocorreuparaleloaos

anosdo“milagreeconômicobrasileiro”.AatuaçãodaAERPnessasegundafaseteveum

impactoeconômicosubstantivonasagênciasdecapitalnacional,comoocasodagaúcha

MPMPropaganda, que assumiu o topodo rankingnacional de agências por um longo

período(1974a1991).

O surto econômico dos anos 1970 parecia ser a “recompensa” para os anos “de

trabalho”. Nesse novo contexto, as agências passaram a conviver com um novo

anunciante,aditaduramilitar.Contudo,asdiretrizesda“agênciaoficial”,aomenospor

parte de algumas agências, já estavam em prática, ou pelomenos já davam sinais de

existência.Issosignificadizerquealgumasforamampliadas–comoousoconstanteda

ideiado“Paísquevaiprafrente”eoutrasformasdenacionalismo–,enquantooutras–

comoautilizaçãodemensagensqueveiculassemo“amor”ouqueexaltassema“família”

–forampaulatinamenteincorporadasnodiscursodasagências.

Page 26: As agências de propaganda, o golpe e a ditadura militar

DossiêNovasFacesdoPoder–http://revistaecopos.eco.ufrj.br/–ISSN2175-8689–v.22,n.2,2019.DOI:10.29146/eco-pos.v22i2.26228

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