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Educação contemporânea: disputa de concepções, práticas e caminhos.
Gaudencio Frigotto(1)A história nunca se fecha por si mesma e nunca se fecha para sempre. São os homens,
em grupos e confrontando-se como classes em conflito, que ´fecham´ ou ´abrem´ os circuitos da história. ( Fernande, 1977, p.5)
A epígrafe acima busca
demarcar o eixo deste pequeno texto
resultante da conferência proferida no XXIV
Encontro Estadual do Sindicato dos
Supervisores do Magistério do Estado de São
Paulo (APASE) e, ao mesmo tempo, sublinhar
a justeza e atualidade do tema central e das
demais atividades do evento. Com efeito, a
educação não está pendurada na sociedade.
Ela é parte visceral constituída e constituinte
das relações sociais, dos conflitos, interesses e
embates que se travam entre as classes sociais,
frações de classes e grupos sociais. Isto tem
como
consequência que uma análise da situação presente da educação escolar implica entendê-la dentro
do conjunto de determinações estruturais no plano econômico-social, cultural e político.
A compreensão acima delineada nos conduz a tratar, dentro do tema, primariamente que
projetos societários nos conduziram até aqui e como a educação a eles se articula, as concepções e
práticas educacionais em disputa no presente e quais os desafios e caminhos para um sindicato que
busca defender os interesses de sua categoria e os interessas da classe trabalhadora.
1. Projetos societários nos circuitos de nossa história.
Um breve inventário histórico dos projetos de desenvolvimento em disputa no Brasil, mormente a
partir do século XX, nos ajudam entender porque a educação nunca foi prioridade efetiva no Brasil
Um breve percurso pela produção de alguns clássicos e contemporâneos do pensamento crítico
social brasileiro(2) nos permite traçar os elementos estruturantes do inventário do que nos conduziu
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a um projeto de capitalismo dependente onde a educação básica universal não é prioridade.
O traço que, talvez, mais dissimula o caráter de violência das relações de classe no Brasil nos é
revelado por Sérgio Buarque de Holanda (1995) em Raízes do Brasil. Com efeito, o título nos
convida a desvelar os traços profundos de nossas heranças, sobretudo, culturais na figura do
“homem cordial”, na aversão à impessoalidade e seus reflexos no plano social, econômico e político
mediante o personalismo, o populismo, o clientelismo e o patrimonialismo ou da apropriação
privada dos bens públicos.
No âmbito político esta tradição cultural se expressa, em momentos de crise e riscos para a classe
dominante, por ditaduras e reiterados golpes institucionais e, em tempos de democracia restrita, por
mudanças pelo alto que alteram a realidade na sua superfície e mantém e reforça as estruturas
produtoras da desigualdade. Nos termos das análises de Coutinho com base nas categorias
gramscianas, o que se reitera no Brasil são as estratégias da revolução passiva, processos de
cooptação e, na atual conjuntura, o transformismo(3). Trata-se de estratégias políticas que
mascaram, negam ou esmaecem o conflito e antagonismo de classe e estabelecem alianças de
classes na manutenção das estruturas dominantes.
O projeto societário que se afirma ao longo de nossa história vai definindo três características
estruturantes destacadas por Caio Prado Júnior (1966), primeiro intelectual que se valeu do método
materialista histórico para analisar a formação social, econômica e cultural do Brasil. A primeira é
omimetismo que se caracteriza por uma colonização intelectual onde prevalece a cópia das teorias e
ideias dos centros hegemônicos, hoje, das teses dos organismos internacionais e de seus intelectuais
e técnicos, também da ideia de que não precisamos produzir ciência e tecnologia e podemos
importá-la. A segunda é opção pelo crescente endividamento externo e a forma de efetivá-lo pelas
frações dominantes da burguesia brasileira. E, por fim, a última, a abismal assimetria entre o poder
e ganhos do capital e do trabalho configurando uma das forças-de-trabalho de maior nível de
exploração do mundo.
Furtado (1966, 1982 e 1992), o pesquisador e autor que mais publicou sobre a formação
econômico-social brasileira e sobre a especificidade do nosso desenvolvimento. Uma de suas
conclusões originais e base para análises de outros pensadores críticos que nos dão o inventário do
que nos conduziu até o presente é de que o subdesenvolvimento não é uma etapa do
desenvolvimento, mas uma forma específica de construção de nossa sociedade.
Corroboram a tese de Furtado, aprofundando-a e contrariando o pensamento conservador
dominante e de grande parte do pensamento da esquerda, Florestan Fernandes e Francisco de
Oliveira rechaçam a tese da estrutura dual da sociedade brasileira que atribui nossos impasses para
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nos desenvolvermos a existência de um país cindido entre o tradicional, o atrasado, o
subdesenvolvido e o moderno e desenvolvido, sendo as características primeiras impeditivas do
avanço da segunda. Pelo contrário, mostram-nos estes autores a relação dialética entre o arcaico,
atrasado, tradicional, subdesenvolvido, e o moderno e o desenvolvido na especificidade ou
particularidade de nossa formação social capitalista.
O que se reitera para Fernandes (1968) no plano estrutural é que as crises entre as frações da classe
dominante acabam sendo superadas mediante processos de rearticulação do poder da classe
burguesa numa estratégia de conciliação de interesses entre o arcaico e o moderno. Trata-se, para
Fernandes, de um processo de “modernização do arcaico”.
Dentro da mesma perspectiva Francisco de Oliveira (2003) nos mostra que é a imbricação do
atraso, do tradicional e do arcaico com o moderno e desenvolvido que potencializa a nossa forma
específica de sociedade capitalista dependente e de nossa inserção subalterna na divisão
internacional do trabalho. Mais incisivamente, os setores denominados de atrasado, improdutivo e
informal, se constituem em condição essencial do núcleo integrado ao capitalismo orgânico
mundial. Assim, a persistência da economia de sobrevivência nas cidades, uma ampliação ou
inchaço do setor terciário ou da "altíssima informalidade" com alta exploração de mão-de-obra de
baixo custo são funcionais à elevada acumulação capitalista, ao patrimonialismo e à concentração
de propriedade e de renda.
. Esta opção hegemônica, em termos de consequências societárias, a expressa recorrendo à metáfora
doornitorrinco. Esta metáfora faz a síntese emblemática das mediações do tecido estrutural de
nosso subdesenvolvimento e a associação subordinada da classe burguesa brasileira aos centros
hegemônicos do capitalismo e os impasses a que fomos sendo conduzidos no presente. Uma
particularidade estrutural de nossa formação econômica, social, política e cultural, que nos
transforma num monstrengo social.
O conceito de capitalismo dependente que combina elevada concentração de riqueza e capital e
de desigualdade desenvolvido especialmente por Florestan Fernandes (1973) defineo caráter de
nossa especificidade histórica na sua raiz mais profunda. Permite compreender, de forma mais
precisa, um processo histórico de aliança dependente e subordinada da burguesia brasileira com os
centros hegemônicos do capital tem como resultado a combinação de nichos de alta tecnologia,
elevadíssimos ganhos do capital, concentração abismal de capital e de renda e super exploração do
trabalhador e uma concentração de miséria e de mutilação dos direitos elementares a grande
maioria.
Fiori (2000) num sucinto texto, descreve três projetos societários que conviveram e lutaram entre si
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durante todo o século XX. O liberalismo econômico centrado na política monetarista ortodoxa e na
defesa intransigente do equilíbrio fiscal. Este projeto sempre se contrapôs ao que Fiori denomina de
nacional desenvolvimentismo ou desenvolvimentismo conservador, presente na Constituinte de
1891 e nos anos 30, e, mais enfaticamente, opunha-se ao projeto de desenvolvimento econômico
nacional e popular. Esta terceira alternativa, de forma passageira, teve presente no Governo João
Goulart com a política desenhada pelo ministro do Planejamento Celso Furtado, interrompido pelo
golpe civil-militar de 1964. Destaca, todavia, que este projeto teve enorme presença no campo da
luta ideológico cultural e das mobilizações democráticas.
O balanço das últimas três décadas é de que ao longo do mandato de Fernando Henrique Cardoso
afirmou-se o projeto monetarista fiscal e de sociedade de capitalismo dependente de
desenvolvimento desigual e combinado. Isso através, sobretudo, da privatizando o patrimônio
público e sedimentando o Brasil como plataforma do capital especulativo e afirmação das forças
atrasadas, sustentáculos do latifúndio e do agro negócio na mão de grandes grupos e empresas
internacionais.
Passados quase oito anos do Governo do ex-metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva, eleito presidente
por uma base social herdeira do projeto nacional popular, pode-se afirmar que, embora tenha
grandes diferenças dos oito anos de desmonte do Estado e da economia do governo Fernando
Henrique Cardoso e que haja avanços na questão social, não se alterou o tecido estrutural do projeto
social dominante da classe burguesas brasileira. A opção que vem se solidificando é do
desenvolvimentismo nos moldes, como algumas análises apontam de conciliação de classe, ainda
que em outro contexto, do que foi o governo Vargas.
2 .Educação pública e a insistente retórica de sua prioridade e
a negação efetiva de seu direito.
O sucinto percurso do processo histórico que nos conduziu até
o presente, cuja marca específica é de capitalismo dependente, nos
permite compreender as (im)possibilidades dos embates no campo
educacional. A mesma travessia dolorosa em que nos encontramos
no âmbito do projeto societário no seu plano cultural, econômico-
social e político atinge frontalmente o campo educacional.
O retrato de precariedade da educação básica como direito
social e subjetivo no Brasil, como o equivalente a quatro
populações do Uruguai de analfabetos absolutos. O Brasil convive,
...O que as análises críticas
no campo educacional nos
indicam é que após 1930 as
propostas educacionais
inovadoras foram aquelas
vincadas às lutas por
mudanças no projeto
societário dominante no
Brasil...
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em pleno século XXI, com mais de 14 milhões de brasileiros
analfabetos o que equivale a 10,5% da população maior de 15
anos, um ensino fundamental precário um ensino médio que
atinge, também precariamente, apenas metade da população de
jovens que constitucionalmente o tem por direito.
Aproximadamente 50% dos jovens têm acesso ao ensino médio e,
destes, apenas a metade na idade adequada. A aproximadamente
60% dos que chegam ao ensino médio o fazem no turno noturno
em precaríssimas condições. O acesso ao ensino superior é um dos
mais baixos da América Latina.
Esta situação não é fruto de uma fatalidade, mas uma produção social construída historicamente
pela burguesia brasileira. O seu projeto societário resulta de um consenso atrasado do ponto de vista
da classe burguesa do capitalismo hegemônico ao qual se vincula de forma associada, mas
subordinada. Projeto de capitalismo dependente impediu e impede, por diferentes mecanismos, a
universalização da educação escolar básica (fundamental e média), pública, laica e unitária, mesmo
nos limites dos interesses de um capitalismo avançado dentro de um projeto de autonomia nacional.
Ou seja, burguesia brasileira nunca se colocou de fato o projeto de uma escolaridade e formação
técnico-profissional para a maioria dos trabalhadores para prepará-los para o trabalho complexo que
a tornasse, enquanto classe detentora do capital, em condições de concorrer com o capitalismo
central.
Tomando-se como referência a década de 1930 podemos perceber que o Brasil conviveu com duas
ditaduras que somadas perfazem três décadas e, nos períodos de democracia restrita, permanentes
golpes institucionais. A constituição de 1986, muito embora tenha tido avanços os mesmos foram
sendo esmaecidos na prática ao longo da década de 1990 sob a férrea adesão às políticas do ajuste
neoliberal.
Dois pensadores críticos ao projeto societário dominante, Antônio Cândido e Florestan Fernandes,
nos evidenciam o caráter limitado das reformas educacionais das décadas de 1930 e de 1980.
Cândido, referindo-se aos ideais educacionais dominantes na década de 1930 conclui:
Tratava-se de ampliar e “melhorar” o recrutamento da massa votante e de enriquecer a
composição da elite votada. Portanto, não era uma revolução educacional, mas uma reforma
ampla, pois o que concerne ao grosso da população a situação pouco se alterou. Nós sabemos que
(ao contrário doque pensavam aqueles liberais)(4) As reformas da educação não geram mudanças
essenciais na sociedade, porque não modificam a sua estrutura e o saber continua mais ou menos u
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como privilégio. São as revoluções verdadeiras que possibilitam as reformas de ensino em
profundidade, de maneira a torná-lo acessível a todos, promovendo a igualitarização das
oportunidades. Na América Latina, até hoje isto só ocorreu em Cuba a partir de 1959 (Cândido,
1984, p. 28)
Quaro décadas depois, Florestan Fernandes, um dos grandes batalhadores por reformas sociais que
não apenas reformassem a estrutura social brasileira, mas a alterasse pela raiz e defensor das teses
dos movimentos sociais e organizações científicas que defendiam um projeto educacional que desse
base a mudanças esturrais, chega, em relação à Constituição de 1988, a conclusão similar a de
Antônio Cândido: A educação nunca foi algo de fundamental no Brasil, e muitos esperavam que
isso mudasse com a convocação da Assembleia Nacional Constituinte. Mas a Constituição
promulgada em 1988, confirmando que a educação é tida como assunto menor, não alterou a
situação (Fernandes, 1992).
O desfecho da aprovação da Lei de Diretrizes e Bases e do Plano Nacional de Educação, ao longo
da década de 1990, em ambos os casos derrotando as forças vinculadas a um projeto nacional
popular que postulava mudanças estruturais na sociedade e na educação, vieram confirmar que
permanece inalterado até o presente as análises de Antônio Cândido e Florestan Fernandes.(5)
O que as análises críticas no campo educacional nos indicam é que após 1930 as propostas
educacionais inovadoras foram aquelas vincadas às lutas por mudanças no projeto societário
dominante no Brasil. Do período entre a Ditadura Vargas o golpe civil-militar de 1964, o livro a
Pedagogia do Oprimido de Freire (1974) efetiva uma síntese, mormente na educação popular, das
lutas que articulavam a educação a reformas de base. A ditadura de 1968 efetivou um ciclo de
reformas educacional, da pré-escola à pós-graduação, ajustando o sistema educacional ao ideário
economicista sob a égide da ideologia do capital humano(6). Esta é a primeira e profunda regressão
onde a educação de direito social e subjetivo passa a ser considerada um serviço, um capital a ser
regulado pelo mercado.
As lutas pelo fim da ditadura e os embates da década de 1980 no processo constituinte e, em
seguida, da nova Lei de Diretrizes da Educação Nacional, reavivaram um novo alvorecer das lutas
sociais por um novo projeto societário e de educação. No plano das concepções a qualidade da
educação, pela primeira vez, é disputada no horizonte da formação, omnilateral ou politécnica e da
escola unitária. Trata-se de concepções vinculadas à luta pela superação das relações sociais e
educacionais capitalistas.
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O golpe que viria na década de 1990, sob no governo Fernando Henrique Cardos e como o Ministra
Paulo Renato de Souza, formado e técnico dos organismos internacionais, seria mais profundo.
Transitamos da ditadura civil militar á ditadura do mercado (Frigotto, 2002). Neste contexto passa-
se a cobrar da instituição escola, e dos processos educativos, um pragmatismo ultra individualista
onde a referência não é mais a sociedade. Trata-se de educar o indivíduo isolado que luta por seu
lugar a qualquer preço, seguindo os ditames do mercado. pois, que não há lugar para todos, mas
apenas para os mais competentes, para os que primam por uma “qualidade total”.
Com efeito, a partir da década de 1990, sob o ideário neoliberal, os grandes formuladores das
reformas educativas são os organismos internacionais vinculados ao mercado e ao capital. São eles
que infestam o campo educativo com as noções de sociedade do conhecimento, qualidade total,
polivalência, formação flexível, pedagogia das competências, empregabilidade e
empreendedorismo. Assim como a sociedade não é mais a referência também o emprego não o é
mais, mas a “empregabilidade”. Esta, como nos mostra Viviane Forrester (1997) é prima irmã da
instabilidade, flexibilidade e precariedade do trabalho e da vida do trabalhador.
Ao longo do governo Luiz Inácio Lula da Silva, como observamos acima há mudanças
tanto no projeto econômico-social quanto e educacional em relação ao governo que o precedeu. As
políticas distributivas, em vários programas, projetos e ações incluem milhões de brasileiros, antes
excluídos, de poderem atender as necessidades básicas. Mas, são mudanças dentro da ordem E que
não alteram as estruturas produtoras da desigualdade
Também no plano educacional além da expansão de Universidades públicas de escolas técnicas,
dezenas de programas e ações especialmente voltados para grupos específicos de jovens e adultos
são um fato incontestável. Mas se trata de uma profusão de programas, projetos e ações sem foco
num projeto societário e educacional contra-hegemônico. A intensa expansão vem se dando no
âmbito da educação profissional sem romper, contudo, com o histórico dualismo. O exemplo mais
emblemático situa-se na revogação do Decreto 2.208/97 e a promulgação do Decreto 5.154/04.
Decreto, cujo competente relator do parecer no Conselho Federal de Educação foi o mesmo que
relatou o 2.208.(7). As alterações propostas no ensino médio inovador em 2009, não por acaso,
também foram relatadas pelo mesmo conselheiro ligado historicamente ao Sistema S (SENAI,
SENAC, SESI etc.) cujo escopo e produzir uma educação que erve ao mercado. Para colimar esta
representação preside, no atual momento, a Câmara de educação Básica no Conselho Federal de
Educação(8).
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3. Concepções ou caminhos e práticas
educacionais em disputa: Desafios aos
educadores e suas organizações.
O ideário liberal e neoliberal que busca
transforma a educação num serviço mercantil
continua presente e, em vários espaços da
União, estados e municípios se aprofunda. No
plano nacional amplia-se a ambiguidade a
relação pública e privado e em alguns Estados e
uma enorme gama de municípios o ideário das
competências e da empregabilidade orientam o
processo educativo. O fato da presidência da
Câmara de educação Básica estará sendo
presidida pro um intelectual representante do empresariado, Sistema S, é uma indicação
emblemática. Também, não por acaso, estados como o de São Paulo, de Minas Gerais e do Rio
Grande do sul, o ideário mercantil é onde está mais arraigado e se expressa na organização e
conteúdo curricular, nos métodos pedagógicos e no sistema de gestão e de controle.
Um desafio é, pois, uma crítica e um embate organizado contra esta perspectiva já que a mesma
busca transformar os profissionais da educação em meros executores, colaboradores ou facilitadores
do processo pedagógico. Dois mecanismos básicos têm atacado frontalmente a profissão e o
trabalho docente nas últimas décadas. Primariamente a subtração da atividade de selecionar,
organizar e socializar o processo de conhecimento. Isto se traduz pela adoção subordinada dos
Ministérios de Educação, Secretarias de Estado e de Municípios das políticas e reformas educativas
plasmadas pelos organismos internacionais, especialmente o Banco Mundial
Este primeiro mecanismo chega ao chão da escola calcado na ideia de que a esfera pública é
ineficiente e que, portanto, há que se estabelecer parcerias público e privado ou mediante o disfarce
do privado, pelapirataria semântica, com o eufemismo de organizações sociais ou terceiro setor. A
privatização do pensamento e a organização do processo pedagógico chega assim ao chão da escola
básica, especialmente mas não só, pela contratação por órgãos públicos de organizações não
governamentais (ONGs) ou institutos privados, sob o ideário de parcerias público e privado ou da
ideologia do terceiro sector, para compilar apostilas ou manuais, métodos de ensino e processos de
avaliação dos alunos e dos professores(9).
A escalda de desautorização do conhecimento docente ataca hoje no Brasil a natureza da sua
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formação em Universidades, especialmente as públicas, com o argumento que os cursos de
pedagogia e licenciatura ocupam-se de análises, políticas, sociais etc., mas que não ensina o
professor as técnicas do “bom ensinar”. O Estado de São Paulo, o mais rico e importante da
Federação, há oito anos tendo como Secretárias de Educação intelectuais orgânicos ligados aos
organismos internacionais que protagonizam as reformas educativas (no conteúdo, método e forma),
lidera esta escalada.
O segundo mecanismo tem um duplo poder letal e deriva do primeiro. Trata-se de inserir no chão
da escola o espírito e os critérios de competitividade privada entre professores e alunos. Trata-se das
políticas de prêmio às escolas que alcançam melhor desempenho nos processos de avaliação e,
atualmente, a investida para que os professores sejam remunerados de acordo com sua
produtividade em termos de alunos aprovados de acordo com os conteúdos, métodos e processos
avaliativos prescritos por instituições como as acima mencionadas.
O caminho a pautar é aquele das lutas do Fórum Nacional em defesa da educação pública,
gratuita, laica, unitária e universal, tendo como concepção pedagógica a perspética formação
politécnica(10). Ou seja, uma formação que desenvolva no educando as bases científicas de todos
os campos do conhecimento e desenvolva no educando a autonomia e a capacidade de análise da
sociedade em que vive lutando por sues direitos coletivamente.
Trata-se de uma concepção de qualidade de educação antagônica à concepção mercantil
fragmentária e pragmática das competências e empregabilidade. Dai a luta por condições objetivas
para que a mesma se efetive no chão da escola. Luta que implica que a organização dos educadores
se junte às demais organizações da classe trabalhadora que lutam por alterar radicalmente nossa
ordem econômica, social, cultural das mais desiguais e injustas do mundo. Só assim se poderá
alcançar que cada docente atue numa só escola, que tenha não mais que 50% do seu tempo em sala
de aula e atue em escolas com laboratórios, bibliotecas, espaços de lazer e de cultura para as
crianças e jovens.
O que se põe como fundamental para a grande massa dos profissionais da educação na construção
deste caminho é, ao mesmo tempo, aprofundamento de sua formação teórica numa perspectiva
histórica (dialética), ampliação e solidificação de suas organizações sindicais, políticas e culturais e
a construção de uma subjetividade com determinação para a luta de altear a atual ordem social que
dilacera a vida da grande maioria dos brasileiros e lhes nega os direitos elementares e, por
consequência, os mutila no direito á educação. Trata-se de criar, no campo da educação, aquilo que
o jovem Karl Marx assinalava à Associação Internacional dos Trabalhadores em relação á
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ciência. Só a classe operária pode converter a ciência de dominação numa força.
Notas:
(1) Doutor em Ciência Humanas (educação) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente professor no Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana da Universidade do estado do Rio de Janeiro.(2)Boa parte das ideias apresentadas neste item e, mesmo, ao longo de todo o texto, direta ou indiretamente, está presente em outros trabalhos publicados em periódicos ou coletâneas. Ver, especialmente, Frigotto (2006). Sua reiteração cumpre um duplo objetivo: dar base para as questões levantadas e socializá-las, enquanto síntese e numa linguagem mais direta, a um maior numero de interlocutores, especialmente aos movimentos sociais, sindicais e populares.(3)Carlos Nelson Coutinho, sem dúvida, é o autor que mais contribui tanto para traduzir e divulgara no Brasil a Obra completa de Antônio Gramsci, quanto e, especialmente, o esforço de produzir, à luz das formulações deste importante intelectual para as lutas dos movimentos sociais e da classe trabalhadora na construção do socialismo, análises do processo político e cultural brasileiro. Ver, sobretudo, Coutinho, (1992, 1999, 2000 e 2002)(4)Cândido, no artigo, refere-se a reformas propostas por Sampaio Dória em 1920; Lourenço Filho no Ceará (1924) e Fernando Azevedo (1928) no Distrito Federal , base para o que se desenvolveria no Governo Provisório após 1930 com a criação do Ministério de Educação e Saúde, confiado Francisco Campos que fora o reformador da instrução pública em Minas Gerais.(5)Para uma crítica à nova LDB e ao Plano Nacional de Educação ver Saviani (1998)
(6)No livro A produtividade da escola improdutiva, Frigotto, 1984), o leitor poderá encontra um balanço crítico do significado do economicismo na educação neste período.
(7) Ver a esse respeito o balanço de Política da educação básica e profissional do Governo Lula ( Frigotto, Ciavatta e Ramos, (2005).(8) Uma observação de duas ordens se faz necessária. Primeiro que não se trata aqui de uma referencia pessoal , mas de representação d e classe. A segunda, ter presente que os milhares de trabalhadores que vendem sua força de trabalho nestas instituições constituem-se parte da classe trabalhadora. (9)Referimo-nos aqui aos Instituto Ayrton Sena, Instituto de Qualidade na Educação (IQE), Positivo, Pitágoras, Fundação Roberto Marinho, Fundação Bradesco e congêneres que assumem a direção pedagógica de muitas Secretarias Estaduais e , especialmente, municipais, em nome do ensinar eficiente.(10)Para uma compreensão de concepção de educação politécnica, ver Saviani, 2003.