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Educação contemporânea: disputa de concepções, práticas e caminhos. Gaudencio Frigotto(1) A história nunca se fecha por si mesma e nunca se fecha para sempre. São os homens, em grupos e confrontando-se como classes em conflito, que ´fecham´ ou ´abrem´ os circuitos da história. ( Fernande, 1977, p.5) A epígrafe acima busca demarcar o eixo deste pequeno texto resultante da conferência proferida no XXIV Encontro Estadual do Sindicato dos Supervisores do Magistério do Estado de São Paulo (APASE) e, ao mesmo tempo, sublinhar a justeza e atualidade do tema central e das demais atividades do evento. Com efeito, a educação não está pendurada na sociedade. Ela é parte visceral constituída e constituinte das relações sociais, dos conflitos, interesses e embates que se travam entre as classes sociais, frações de classes e grupos sociais. Isto tem como consequência que uma análise da situação presente da educação escolar implica entendê-la dentro do conjunto de determinações

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Page 1: Artigo_Frigotto_2010_Educação contemporânea-disputa de concepções, práticas e caminhos

Educação contemporânea: disputa de concepções, práticas e caminhos.

Gaudencio Frigotto(1)A história nunca se fecha por si mesma e nunca se fecha para sempre. São os homens,

em grupos e confrontando-se como classes  em conflito, que ´fecham´ ou ´abrem´ os circuitos da história. ( Fernande, 1977, p.5)

                              A epígrafe acima busca

demarcar o eixo deste pequeno texto

resultante da conferência proferida no XXIV

Encontro Estadual do Sindicato dos

Supervisores do Magistério do Estado de São

Paulo (APASE) e, ao mesmo tempo, sublinhar

a justeza e atualidade do tema central e das

demais atividades do evento. Com efeito, a

educação não está pendurada na sociedade.

Ela é parte visceral constituída e constituinte

das relações sociais, dos conflitos, interesses e

embates que se travam entre as classes sociais,

frações de classes e grupos sociais. Isto tem

como

consequência que uma análise da situação presente da educação escolar implica entendê-la dentro

do conjunto de determinações estruturais no plano econômico-social, cultural e político.

              A compreensão acima delineada nos conduz a tratar, dentro do tema, primariamente que

projetos societários nos conduziram até aqui e como a educação a eles se articula, as concepções e

práticas educacionais em disputa no presente e quais os desafios e caminhos para um sindicato que

busca defender os interesses de sua categoria e os interessas da classe trabalhadora.

1. Projetos societários nos circuitos de nossa história.

Um breve inventário histórico dos projetos de desenvolvimento em disputa no Brasil, mormente a

partir do século XX, nos ajudam entender porque a educação nunca foi prioridade efetiva no Brasil 

Um breve percurso pela produção de alguns clássicos e contemporâneos do pensamento crítico

social brasileiro(2) nos permite traçar os elementos estruturantes do inventário do que nos conduziu

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a um projeto de capitalismo dependente onde a educação básica universal não é prioridade.

O traço que, talvez, mais dissimula o caráter de violência das relações de classe no Brasil nos é

revelado por Sérgio Buarque de Holanda (1995) em Raízes do Brasil. Com efeito, o título nos

convida a desvelar os traços profundos de nossas heranças, sobretudo, culturais na figura do

“homem cordial”, na aversão à impessoalidade e seus reflexos no plano social, econômico e político

mediante o personalismo, o populismo, o clientelismo e o patrimonialismo ou da apropriação

privada dos bens públicos.  

  No âmbito político esta tradição cultural se expressa, em momentos de crise e riscos para a classe

dominante, por ditaduras e reiterados golpes institucionais e, em tempos de democracia restrita, por

mudanças pelo alto que alteram a realidade na sua superfície e mantém e reforça as estruturas

produtoras da desigualdade. Nos termos das análises de Coutinho com base nas categorias

gramscianas, o que se reitera no Brasil são as estratégias da revolução passiva, processos de

cooptação e, na atual conjuntura, o transformismo(3). Trata-se de estratégias políticas que

mascaram, negam ou esmaecem o conflito e antagonismo de classe e estabelecem alianças de

classes na manutenção das estruturas dominantes.

      O projeto societário que se afirma ao longo de nossa história vai definindo três características

estruturantes destacadas por Caio Prado Júnior (1966), primeiro intelectual que se valeu do método

materialista histórico para analisar a formação social, econômica e cultural do Brasil. A primeira é

omimetismo que se caracteriza por uma colonização intelectual onde prevalece a cópia das teorias e

ideias dos centros hegemônicos, hoje, das teses dos organismos internacionais e de seus intelectuais

e técnicos, também da ideia de que não precisamos produzir ciência e tecnologia e podemos

importá-la. A segunda é opção pelo crescente endividamento externo e a forma de efetivá-lo pelas

frações dominantes da burguesia brasileira. E, por fim, a última, a abismal assimetria entre o poder

e ganhos do capital e do trabalho configurando uma das forças-de-trabalho de maior nível de

exploração do mundo. 

    Furtado (1966, 1982 e 1992), o pesquisador e autor que mais publicou sobre a formação

econômico-social brasileira e sobre a especificidade do nosso desenvolvimento. Uma de suas

conclusões originais e base para análises de outros pensadores críticos que nos dão o inventário do

que nos conduziu até o presente é de que o subdesenvolvimento não é uma etapa do

desenvolvimento, mas uma forma específica de construção de nossa sociedade. 

  Corroboram a tese de Furtado, aprofundando-a e contrariando o pensamento conservador

dominante e de grande parte do pensamento da esquerda, Florestan Fernandes e Francisco de

Oliveira rechaçam a tese da estrutura dual da sociedade brasileira que atribui nossos impasses para

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nos desenvolvermos a existência de um país cindido entre o tradicional, o atrasado, o

subdesenvolvido e o moderno e desenvolvido, sendo as características primeiras impeditivas do

avanço da segunda. Pelo contrário, mostram-nos estes autores a relação dialética entre o arcaico,

atrasado, tradicional, subdesenvolvido, e o moderno e o desenvolvido na especificidade ou

particularidade de nossa formação social capitalista.

O que se reitera para Fernandes (1968) no plano estrutural é que as crises entre as frações da classe

dominante acabam sendo superadas mediante processos de rearticulação do poder da classe

burguesa numa estratégia de conciliação de interesses entre o arcaico e o moderno. Trata-se, para

Fernandes, de um processo de “modernização do arcaico”.

 Dentro da mesma perspectiva Francisco de Oliveira (2003) nos mostra que é a imbricação do

atraso, do tradicional e do arcaico com o moderno e desenvolvido que potencializa a nossa forma

específica de sociedade capitalista dependente e de nossa inserção subalterna na divisão

internacional do trabalho. Mais incisivamente, os setores denominados de atrasado, improdutivo e

informal, se constituem em condição essencial do núcleo integrado ao capitalismo orgânico

mundial. Assim, a persistência da economia de sobrevivência nas cidades, uma ampliação ou

inchaço do setor terciário ou da "altíssima informalidade" com alta exploração de mão-de-obra de

baixo custo são funcionais à elevada acumulação capitalista, ao patrimonialismo e à concentração

de propriedade e de renda. 

. Esta opção hegemônica, em termos de consequências societárias, a expressa recorrendo à metáfora

doornitorrinco. Esta metáfora faz a síntese emblemática das mediações do tecido estrutural de

nosso subdesenvolvimento e a associação subordinada da classe burguesa brasileira aos centros

hegemônicos do capitalismo e os impasses a que fomos sendo conduzidos no presente. Uma

particularidade estrutural de nossa formação econômica, social, política e cultural, que nos

transforma num monstrengo social. 

    O conceito de capitalismo dependente que combina elevada concentração de riqueza e capital e

de desigualdade desenvolvido especialmente por Florestan Fernandes (1973) defineo caráter de

nossa especificidade histórica na sua raiz mais profunda. Permite compreender, de forma mais

precisa, um processo histórico de aliança dependente e subordinada da burguesia brasileira com os

centros hegemônicos do capital tem como resultado a combinação de nichos de alta tecnologia,

elevadíssimos ganhos do capital, concentração abismal de capital e de renda e super exploração do

trabalhador e uma concentração de miséria e de mutilação dos direitos elementares a grande

maioria.  

Fiori (2000) num sucinto texto, descreve três projetos societários que conviveram e lutaram entre si

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durante todo o século XX. O liberalismo econômico centrado na política monetarista ortodoxa e na

defesa intransigente do equilíbrio fiscal. Este projeto sempre se contrapôs ao que Fiori denomina de

nacional desenvolvimentismo ou desenvolvimentismo conservador, presente na Constituinte de

1891 e nos anos 30, e, mais enfaticamente, opunha-se ao projeto de desenvolvimento econômico

nacional e popular. Esta terceira alternativa, de forma passageira, teve presente no Governo João

Goulart com a política desenhada pelo ministro do Planejamento Celso Furtado, interrompido pelo

golpe civil-militar de 1964. Destaca, todavia, que este projeto teve enorme presença no campo da

luta ideológico cultural e das mobilizações democráticas. 

  O balanço das últimas três décadas é de que ao longo do mandato de Fernando Henrique Cardoso

afirmou-se o projeto monetarista fiscal e de sociedade de capitalismo dependente de

desenvolvimento desigual e combinado. Isso através, sobretudo, da privatizando o patrimônio

público e sedimentando o Brasil como plataforma do capital especulativo e afirmação das forças

atrasadas, sustentáculos do latifúndio e do agro negócio na mão de grandes grupos e empresas

internacionais. 

Passados quase oito anos do Governo do ex-metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva, eleito presidente

por uma base social herdeira do projeto nacional popular, pode-se afirmar que, embora tenha

grandes diferenças dos oito anos de desmonte do Estado e da economia do governo Fernando

Henrique Cardoso e que haja avanços na questão social, não se alterou o tecido estrutural do projeto

social dominante da classe burguesas brasileira. A opção que vem se solidificando é do

desenvolvimentismo nos moldes, como algumas análises apontam de conciliação de classe, ainda

que em outro contexto, do que foi o governo Vargas.

2 .Educação pública e a insistente retórica de sua prioridade e

a negação efetiva de seu direito.

        O sucinto percurso do processo histórico que nos conduziu até

o presente, cuja marca específica é de capitalismo dependente, nos

permite compreender as  (im)possibilidades dos embates no campo

educacional. A mesma travessia dolorosa em que nos encontramos

no âmbito do projeto societário no seu plano cultural, econômico-

social e político atinge frontalmente o campo educacional. 

           O retrato de precariedade da educação básica como direito

social e subjetivo no Brasil, como o equivalente a quatro

populações do Uruguai de analfabetos absolutos. O Brasil convive,

...O que as análises críticas

no campo educacional nos

indicam é que após 1930 as

propostas educacionais

inovadoras foram aquelas

vincadas às lutas por

mudanças no projeto

societário dominante no

Brasil...

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em pleno século XXI, com mais de 14 milhões de brasileiros

analfabetos o que equivale a 10,5% da população maior de 15

anos, um ensino fundamental precário um ensino médio que

atinge, também precariamente, apenas metade da população de

jovens que constitucionalmente o tem por direito.

Aproximadamente 50% dos jovens têm acesso ao ensino médio e,

destes, apenas a metade na idade adequada. A aproximadamente

60% dos que chegam ao ensino médio o fazem no turno noturno

em precaríssimas condições. O acesso ao ensino superior é um dos

mais baixos da América Latina.

  Esta situação não é fruto de uma fatalidade, mas uma produção social construída historicamente

pela burguesia brasileira. O seu projeto societário resulta de um consenso atrasado do ponto de vista

da classe burguesa do capitalismo hegemônico ao qual se vincula de forma associada, mas

subordinada. Projeto de capitalismo dependente impediu e impede, por diferentes mecanismos, a

universalização da educação escolar básica (fundamental e média), pública, laica e unitária, mesmo

nos limites dos interesses de um capitalismo avançado dentro de um projeto de autonomia nacional.

Ou seja, burguesia brasileira nunca se colocou de fato o projeto de uma escolaridade e formação

técnico-profissional para a maioria dos trabalhadores para prepará-los para o trabalho complexo que

a tornasse, enquanto classe detentora do capital, em condições de concorrer com o capitalismo

central.   

Tomando-se como referência a década de 1930 podemos perceber que o Brasil conviveu com duas

ditaduras que somadas perfazem três décadas e, nos períodos de democracia restrita, permanentes

golpes institucionais. A constituição de 1986, muito embora tenha tido avanços os mesmos foram

sendo esmaecidos na prática ao longo da década de 1990 sob a férrea adesão às políticas do ajuste

neoliberal.  

  Dois pensadores críticos ao projeto societário dominante, Antônio Cândido e Florestan Fernandes,

nos evidenciam o caráter limitado das reformas educacionais das décadas de 1930 e de 1980.

Cândido, referindo-se aos ideais educacionais dominantes na década de 1930 conclui:

Tratava-se de ampliar e “melhorar” o recrutamento da massa votante e de enriquecer a

composição da elite votada. Portanto, não era uma revolução educacional, mas uma reforma

ampla, pois o que concerne ao grosso da população a situação pouco se alterou. Nós sabemos que

(ao contrário doque pensavam aqueles liberais)(4) As reformas da educação não geram mudanças

essenciais na sociedade, porque não modificam a sua estrutura e o saber continua mais ou menos u

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como privilégio. São as revoluções verdadeiras que possibilitam as reformas de ensino em

profundidade, de maneira a torná-lo acessível a todos, promovendo a igualitarização das

oportunidades. Na América Latina, até hoje isto só ocorreu em Cuba a partir de 1959 (Cândido,

1984, p. 28)  

Quaro décadas depois, Florestan Fernandes, um dos grandes batalhadores por reformas sociais que

não apenas reformassem a estrutura social brasileira, mas a alterasse pela raiz e defensor das teses

dos movimentos sociais e organizações científicas que defendiam um projeto educacional que desse

base a mudanças esturrais, chega, em relação à Constituição de 1988, a conclusão similar a de

Antônio Cândido: A educação nunca foi algo de fundamental no Brasil, e muitos esperavam que

isso mudasse com a convocação da Assembleia Nacional Constituinte. Mas a Constituição

promulgada em 1988, confirmando que a educação é tida como assunto menor, não alterou a

situação (Fernandes, 1992).

O desfecho da aprovação da Lei de Diretrizes e Bases e do Plano Nacional de Educação, ao longo

da década de 1990, em ambos os casos derrotando as forças vinculadas a um projeto nacional

popular que postulava mudanças estruturais na sociedade e na educação, vieram confirmar que

permanece inalterado até o presente as análises de Antônio Cândido e Florestan Fernandes.(5)

O que as análises críticas no campo educacional nos indicam é que após 1930 as propostas

educacionais inovadoras foram aquelas vincadas às lutas por mudanças no projeto societário

dominante no Brasil. Do período entre a Ditadura Vargas o golpe civil-militar de 1964, o livro a

Pedagogia do Oprimido de Freire (1974) efetiva uma síntese, mormente na educação popular, das

lutas que articulavam a educação a reformas de base. A ditadura de 1968 efetivou um ciclo de

reformas educacional, da pré-escola à pós-graduação, ajustando o sistema educacional ao ideário

economicista sob a égide da ideologia do capital humano(6). Esta é a primeira e profunda regressão

onde a educação de direito social e subjetivo passa a ser considerada um serviço, um capital a ser

regulado pelo mercado.

   As lutas pelo fim da ditadura e os embates da década de 1980 no processo constituinte e, em

seguida, da nova Lei de Diretrizes da Educação Nacional, reavivaram um novo alvorecer das lutas

sociais por um novo projeto societário e de educação. No plano das concepções a qualidade da

educação, pela primeira vez, é disputada no horizonte da formação, omnilateral ou politécnica e da

escola unitária. Trata-se de concepções vinculadas à luta pela superação das relações sociais e

educacionais capitalistas. 

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O golpe que viria na década de 1990, sob no governo Fernando Henrique Cardos e como o Ministra

Paulo Renato de Souza, formado e técnico dos organismos internacionais, seria mais profundo.

Transitamos da ditadura civil militar á ditadura do mercado (Frigotto, 2002). Neste contexto passa-

se a cobrar da instituição escola, e dos processos educativos, um pragmatismo ultra individualista

onde a referência não é mais a sociedade. Trata-se de educar o indivíduo isolado que luta por seu

lugar a qualquer preço, seguindo os ditames do mercado. pois, que não há lugar para todos, mas

apenas para os mais competentes, para os que primam por uma “qualidade total”.

Com efeito, a partir da década de 1990, sob o ideário neoliberal, os grandes formuladores das

reformas educativas são os organismos internacionais vinculados ao mercado e ao capital. São eles

que infestam o campo educativo com as noções de sociedade do conhecimento, qualidade total,

polivalência, formação flexível, pedagogia das competências, empregabilidade e

empreendedorismo. Assim como a sociedade não é mais a referência também o emprego não o é

mais, mas a “empregabilidade”. Esta, como nos mostra Viviane Forrester (1997) é prima irmã da

instabilidade, flexibilidade e precariedade do trabalho e da vida do trabalhador. 

             Ao longo do governo Luiz Inácio Lula da Silva, como observamos acima há mudanças

tanto no projeto econômico-social quanto e educacional em relação ao governo que o precedeu. As

políticas distributivas, em vários programas, projetos e ações incluem milhões de brasileiros, antes

excluídos, de poderem atender as necessidades básicas. Mas, são mudanças dentro da ordem E que

não alteram as estruturas produtoras da desigualdade

Também no plano educacional além da expansão de Universidades públicas de escolas técnicas,

dezenas de programas e ações especialmente voltados para grupos específicos de jovens e adultos

são um fato incontestável. Mas se trata de uma profusão de programas, projetos e ações sem foco

num projeto societário e educacional contra-hegemônico. A intensa expansão vem se dando no

âmbito da educação profissional sem romper, contudo, com o histórico dualismo. O exemplo mais

emblemático situa-se na revogação do Decreto 2.208/97 e a promulgação do Decreto 5.154/04.

Decreto, cujo competente relator do parecer no Conselho Federal de Educação foi o mesmo que

relatou o 2.208.(7). As alterações propostas no ensino médio inovador em 2009, não por acaso,

também foram relatadas pelo mesmo conselheiro ligado historicamente ao Sistema S (SENAI,

SENAC, SESI etc.) cujo escopo e produzir uma educação que erve ao mercado. Para colimar esta

representação preside, no atual momento, a Câmara de educação Básica no Conselho Federal de

Educação(8). 

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3. Concepções ou caminhos e práticas

educacionais em disputa: Desafios aos

educadores e suas organizações.           

            O ideário liberal e neoliberal que busca

transforma a educação num serviço mercantil

continua presente e, em vários espaços da

União, estados e municípios se aprofunda. No

plano nacional amplia-se a ambiguidade a

relação pública e privado e em alguns Estados e

uma enorme gama de municípios o ideário das

competências e da empregabilidade orientam o

processo educativo. O fato da presidência da

Câmara de educação Básica estará sendo

presidida pro um intelectual representante do empresariado, Sistema S, é uma indicação

emblemática. Também, não por acaso, estados como o de São Paulo, de Minas Gerais e do Rio

Grande do sul, o ideário mercantil é onde está mais arraigado e se expressa na organização e

conteúdo curricular, nos métodos pedagógicos e no sistema de gestão e de controle. 

Um desafio é, pois, uma crítica e um embate organizado contra esta perspectiva já que a mesma

busca transformar os profissionais da educação em meros executores, colaboradores ou facilitadores

do processo pedagógico. Dois mecanismos básicos têm atacado frontalmente a profissão e o

trabalho docente nas últimas décadas. Primariamente a subtração da atividade de selecionar,

organizar e socializar o processo de conhecimento. Isto se traduz pela adoção subordinada dos

Ministérios de Educação, Secretarias de Estado e de Municípios das políticas e reformas educativas

plasmadas pelos organismos internacionais, especialmente o Banco Mundial

 Este primeiro mecanismo chega ao chão da escola calcado na ideia de que a esfera pública é

ineficiente e que, portanto, há que se estabelecer parcerias público e privado ou mediante o disfarce

do privado, pelapirataria semântica, com o eufemismo de organizações sociais ou terceiro setor. A

privatização do pensamento e a organização do processo pedagógico chega assim ao chão da escola

básica, especialmente mas não só, pela contratação por órgãos públicos de organizações não

governamentais (ONGs) ou institutos privados, sob o ideário de parcerias público e privado ou da

ideologia do terceiro sector, para compilar apostilas ou manuais, métodos de ensino e processos de

avaliação dos alunos e dos professores(9). 

          A escalda de desautorização do conhecimento docente ataca hoje no Brasil a natureza da sua

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formação em Universidades, especialmente as públicas, com o argumento que os cursos de

pedagogia e licenciatura ocupam-se de análises, políticas, sociais etc., mas que não ensina o

professor as técnicas do “bom ensinar”. O Estado de São Paulo, o mais rico e importante da

Federação, há oito anos tendo como Secretárias de Educação intelectuais orgânicos ligados aos

organismos internacionais que protagonizam as reformas educativas (no conteúdo, método e forma),

lidera esta escalada.

   O segundo mecanismo tem um duplo poder letal e deriva do primeiro. Trata-se de inserir no chão

da escola o espírito e os critérios de competitividade privada entre professores e alunos. Trata-se das

políticas de prêmio às escolas que alcançam melhor desempenho nos processos de avaliação e,

atualmente, a investida para que os professores sejam remunerados de acordo com sua

produtividade em termos de alunos aprovados de acordo com os conteúdos, métodos e processos

avaliativos prescritos por instituições como as acima mencionadas. 

   O caminho a pautar é aquele das lutas do Fórum Nacional em defesa da educação pública,

gratuita, laica, unitária e universal, tendo como concepção pedagógica a perspética formação

politécnica(10). Ou seja, uma formação que desenvolva no educando as bases científicas de todos

os campos do conhecimento e desenvolva no educando a autonomia e a capacidade de análise da

sociedade em que vive lutando por sues direitos coletivamente. 

           Trata-se de uma concepção de qualidade de educação antagônica à concepção mercantil

fragmentária e pragmática das competências e empregabilidade. Dai a luta por condições objetivas

para que a mesma se efetive no chão da escola. Luta que implica que a organização dos educadores

se junte às demais organizações da classe trabalhadora que lutam por alterar radicalmente nossa

ordem econômica, social, cultural das mais desiguais e injustas do mundo. Só assim se poderá

alcançar que cada docente atue numa só escola, que tenha não mais que 50% do seu tempo em sala

de aula e atue em escolas com laboratórios, bibliotecas, espaços de lazer e de cultura para as

crianças e jovens.

          

O que se põe como fundamental para a grande massa dos profissionais da educação na construção

deste caminho é, ao mesmo tempo, aprofundamento de sua formação teórica numa perspectiva

histórica (dialética), ampliação e solidificação de suas organizações sindicais, políticas e culturais e

a construção de uma subjetividade com determinação para a luta de altear a atual ordem social que

dilacera a vida da grande maioria dos brasileiros e lhes nega os direitos elementares e, por

consequência, os mutila no direito á educação. Trata-se de criar, no campo da educação, aquilo que

o jovem Karl Marx assinalava à Associação Internacional dos Trabalhadores em relação á

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ciência. Só a classe operária pode converter a ciência de dominação numa força.  

 Notas:

(1) Doutor em Ciência Humanas (educação) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente professor  no Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana da Universidade do estado do Rio de Janeiro.(2)Boa parte das ideias apresentadas neste item e, mesmo, ao longo de todo o texto, direta ou indiretamente, está presente em outros trabalhos publicados em periódicos ou coletâneas. Ver, especialmente, Frigotto (2006). Sua reiteração cumpre um duplo objetivo: dar base para as questões levantadas  e socializá-las, enquanto síntese e numa linguagem mais direta, a um maior numero de interlocutores,  especialmente aos movimentos  sociais, sindicais e populares.(3)Carlos Nelson Coutinho, sem dúvida, é o autor que mais contribui tanto para traduzir e divulgara no Brasil a Obra completa de Antônio Gramsci, quanto e, especialmente, o esforço de produzir, à luz das formulações deste importante intelectual para as lutas dos movimentos sociais e da classe trabalhadora  na construção  do socialismo, análises do processo político e cultural brasileiro. Ver, sobretudo, Coutinho,  (1992,  1999, 2000 e 2002)(4)Cândido, no artigo, refere-se a reformas propostas por Sampaio Dória em 1920; Lourenço Filho no Ceará (1924) e Fernando Azevedo (1928) no Distrito Federal , base para o que se desenvolveria no Governo Provisório após  1930 com a criação do Ministério de Educação e Saúde, confiado Francisco Campos que fora o reformador da  instrução pública em Minas Gerais.(5)Para uma crítica à nova LDB e ao  Plano Nacional de Educação ver Saviani (1998)

(6)No livro A produtividade da escola improdutiva,  Frigotto, 1984),   o leitor poderá encontra um balanço crítico do significado do economicismo na educação neste período. 

(7) Ver a esse respeito o balanço de Política da educação básica e profissional do Governo Lula ( Frigotto,  Ciavatta  e Ramos, (2005).(8) Uma observação de duas ordens se faz necessária. Primeiro que não se trata aqui de uma referencia pessoal , mas de representação d e classe. A segunda, ter presente que os milhares de trabalhadores que vendem sua força de trabalho nestas instituições constituem-se parte da classe trabalhadora.   (9)Referimo-nos aqui aos   Instituto Ayrton Sena, Instituto de Qualidade na Educação (IQE), Positivo, Pitágoras, Fundação Roberto Marinho, Fundação Bradesco e congêneres que assumem a direção pedagógica  de muitas Secretarias  Estaduais e , especialmente, municipais, em nome do ensinar eficiente.(10)Para uma compreensão de concepção de educação politécnica, ver Saviani, 2003.