artigo o valor da educação

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O Valor da Educação Jaqueline Vieira de Aguiar * Mauro Fernandes dos Santos ** Resumo: A Globalização das teorias neoliberais e as novas TICs modificaram as condições sociais de produção agregando valor às mercadorias em todo o planeta. E uma exigência por mão de obra mais qualificada tem levado pessoas e governos a elegerem a educação como prioridade. A Educação à Distância vem proporcionando o acesso de estudantes à educação formal semipresencial e continuada. Porém, numa razão inversa, ela transforma o professor num operário da educação e, em consequência disso, verifica-se uma precarização do trabalho docente na medida em que surge a figura do tutor. Logo, cabe aos profissionais da educação resgatar a Educação Humanística e seus nobres valores, antes que o valor de troca a transforme numa mera mercadoria. Palavras-chave: Educação à Distância, Valor, Trabalho Docente Introdução A Educação à Distância (EAD) institucionalizada a partir do século XIX tem se utilizado, ao longo do tempo, dos mais variados suportes pedagógicos desde a correspondência manual ao correio eletrônico. Essa modalidade de ensino proporciona o acesso do estudante (afastado dos grandes centros) à educação formal semipresencial. Possibilita ainda, a formação continuada de maneira que o aluno é quem administra o seu tempo/espaço de estudo de forma flexível. Sendo assim, ampliam-se as possibilidades de estudo tanto no ensino público como no privado. Entretanto, verifica-se uma precarização do trabalho docente, à medida que são introduzidas as novas tecnologias da informação e da comunicação ( TICs ), e surge a figura do tutor, através da * Mestra em Educação pela Universidade Católica de Petrópolis –UCP (2012). Graduada em História (MSB, 2002). **Mestre em Educação pela Universidade Católica de Petrópolis –UCP (2012). Graduado em Ciências Sociais (UFRJ,1992).

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O Valor da Educação

Jaqueline Vieira de Aguiar*

Mauro Fernandes dos Santos **

Resumo: A Globalização das teorias neoliberais e as novas TICs modificaram as condiçõessociais de produção agregando valor às mercadorias em todo o planeta. E uma exigência pormão de obra mais qualificada tem levado pessoas e governos a elegerem a educação comoprioridade. A Educação à Distância vem proporcionando o acesso de estudantes à educaçãoformal semipresencial e continuada. Porém, numa razão inversa, ela transforma o professor numoperário da educação e, em consequência disso, verifica-se uma precarização do trabalhodocente na medida em que surge a figura do tutor. Logo, cabe aos profissionais da educaçãoresgatar a Educação Humanística e seus nobres valores, antes que o valor de troca a transformenuma mera mercadoria.

Palavras-chave: Educação à Distância, Valor, Trabalho Docente

Introdução

A Educação à Distância (EAD) institucionalizada a partir do século XIX tem se utilizado,

ao longo do tempo, dos mais variados suportes pedagógicos desde a correspondência manual ao

correio eletrônico. Essa modalidade de ensino proporciona o acesso do estudante (afastado dos

grandes centros) à educação formal semipresencial. Possibilita ainda, a formação continuada de

maneira que o aluno é quem administra o seu tempo/espaço de estudo de forma flexível. Sendo

assim, ampliam-se as possibilidades de estudo tanto no ensino público como no privado.

Entretanto, verifica-se uma precarização do trabalho docente, à medida que são introduzidas as

novas tecnologias da informação e da comunicação ( TICs ), e surge a figura do tutor, através da

*Mestra em Educação pela Universidade Católica de Petrópolis –UCP (2012). Graduada em História (MSB, 2002). **Mestre em Educação pela Universidade Católica de Petrópolis –UCP (2012). Graduado em Ciências Sociais(UFRJ,1992).

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flexibilização das relações do trabalho. Junto a este fenômeno surge, também, uma divisão social

do trabalho do profissional da educação, separando as tarefas do professor conteudista das do

tutor: exigindo-se, assim, mais produtividade e alcançando maior customização para a

instituição privada, para a pública e para os estudantes.

Como observa Eloisa Höfling,1 visões diferentes de sociedade, Estado, política

educacional geram projetos diferentes de intervenção nesta área. Nestes termos, entende-se a

educação como uma política pública social de responsabilidade do Estado mas não pensada

somente por seus organismos.

O contexto do pensamento neoliberal aplicado a educação e somado ao aumento da

produtividade advinda das TICs, cria uma demanda por mão de obra cada vez mais qualificada.

Isso gera uma grande procura por certificados que comprovem uma formação educacional

formal, logo, muitos estudantes têm se matriculado nos mais variados cursos de EAD sem ter

noção do que é oferecido pelos mesmos. A partir de então, proprietários de estabelecimentos

educacionais têm visto na EAD uma forma de se aumentar os lucros não se preocupando com a

qualidade do ensino, mas sim, com a quantidade de alunos. Nesse contexto, seria possível

considerar a educação sendo tratada como mera mercadoria? E o mais grave, sem levar em conta

o seu propósito originário com os valores humanísticos, sociais e de contribuição para a resolução

de problemas nacionais e globais?

Conceituando a EAD e conhecendo a sua trajetória

A sociedade do século XXI tem vivenciado o mundo da comunicação através do jornal,

do rádio, da TV, e cada vez mais da internet que vem seduzindo a população de forma constante.

Nos diferentes setores da sociedade, ter o conhecimento dessa nova linguagem da informática

tornou-se primordial. E a educação também está inserida neste contexto, ganhando uma dimensão

nunca antes imaginada. Os que pensam ser a EAD uma nova modalidade de ensino enganam-se,

pois sua origem está no século XIX, quando muito se utilizou da correspondência manual.

Entretanto, nos últimos dois séculos a EAD passou por muitas transformações principalmente por

causa do uso das TICs, como suporte pedagógico. Segundo Chermann e Bonini, a EAD

”possibilita a autoaprendizagem a partir de mediação de recursos didáticos sistematicamente

1Cf HÖFLING, Eloisa de M. Estado e Políticas (Públicas) Sociais. Cadernos Cedes, ano XXI, nº 55,novembro/2001. p.30.

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organizados e apresentados em diferentes suportes de informação, utilizados isoladamente ou

combinados e veiculados pelos diversos meios de comunicação existentes.”2 Para Edith Litwin

a EAD é “uma nova proposta, na qual os docentes ensinam e os alunos aprendem mediante

situações não – convencionais, ou seja, em espaços e tempos que não compartilham.”3 Quanto

aos suportes pedagógicos ela afirma que:

Livros, cartilhas ou guias especialmente redigidos foram as propostas iniciais; atelevisão e o rádio constituíram os suportes da década de 70; os áudios e vídeos, dadécada de 80. Nos anos 90, a incorporação de redes de satélites, o correio eletrônico, autilização da internet e os programas especialmente concebidos para os suportesinformáticos aparecem como os grandes desafios dos programas na modalidade.4

Múltiplas são as possibilidades oferecidas pela educação à distância como: a flexibilidade

de espaço e tempo de educador e educando, o incentivo à autonomia e o autodidatismo do

educando e a utilização dos recursos pedagógicos como facilitadores na construção do

conhecimento. Outros recursos didáticos da educação presencial podem ser mantidos, desde que

se mantenha a preocupação com a qualidade, como o trabalho colaborativo entre os alunos e

entre alunos e professores. Porém, aspectos importantes podem ser perdidos ou diminuídos, como

a interatividade. Entretanto, sem contar o mérito das vantagens e desvantagens pedagógicas, esta

modalidade de ensino vem crescendo inexoravelmente, é um caminho sem volta. E vários

estabelecimentos têm abraçado essa idéia, como é o caso das instituições acadêmicas e

corporativas, presenciais, à distância, mistas, consórcios, parcerias, etc.

Os tipos de cursos que têm aderido a essa modalidade de ensino abrangem várias formas

como: um simples treinamento, a educação de jovens e adultos (EJA), a formação continuada,

cursos regulares de graduação, cursos regulares de pós-graduação, entre outros. Atualmente,

estão concentrados na educação superior, mas brevemente se estenderá ao ensino médio, à

medida que computadores e internet estão chegando aos colégios. Evidentemente, que ainda falta

muito em termos de recursos didáticos, para que as TICs sejam ferramentas adequadas ao

pedagógico, e não temos a ingenuidade de pensar que, por si só, essas ferramentas são boas ou

más. São apenas mais um passo na evolução tecnológica, como foi o livro, o lápis ou a lousa.

2CHERMANN, Maurício & BONINI, Luci Mendes. Educação a distância. Novas tecnologias em ambientes deaprendizagem pela Internet. Universidade Braz Cubas, s/d (2000?). p.17. 3 Edith Litwin. Educação a distância: temas para o debate de uma nova agenda educativa. Porto Alegre: Artmed, 2001. p.13.4 Op.Cit. p.16.

4

Outro conceito de EAD muito utilizado na década de 70 do século XX, e também bastante

presente nos dias de hoje, é o modelo industrial de EAD dentro da lógica fordista do capitalismo.

Ele se define como “um método de transmitir conhecimento, (...) racionalizado pela aplicação de

princípios organizacionais e de divisão do trabalho, bem como pelo uso intensivo de meios

técnicos, (...) o que torna possível instruir um maior número de estudantes ao mesmo tempo...” 5

Para Peters referenciado por Belloni, essa é uma forma industrializada de ensino e aprendizagem

que “pode ser bem mais entendida a partir de princípios que regem a produção industrial,

especialmente os de produtividade, divisão do trabalho e produção de massa.”6

Conceituando valor e o seu papel na educação

Segundo Hessen em Beresford, “o conceito de ‘valor’não pode rigorosamente definir-se.

Pertence ao número daqueles conceitos supremos, como os de ‘ser’, existência etc, que não

admitem definição. Tudo o que se pode fazer a respeito deles é tentar uma clarificação ou

“mostração” do seu conteúdo”.7 Mas Beresford, argumenta que: “ao clarear o conteúdo dos

valores, por meio de uma aproximação sucessiva de argumentos (...) [Hessen] acaba nos

emitindo o que pode ser considerado uma conceituação dos valores.”8 E continua, “ com relação a

explicitação literal do termo valor, temos na obra de I. Kant, Fundamentos da Metafísica dos

Costumes, um dos primeiros registros de tal fato, quando ele se refere a ‘ valor moral’ e, mais

exatamente, a um valor autenticamente moral.”9 O autor nos mostra, ainda, que o termo valor

aparece também no século XVIII, na economia política, no sentido econômico, para se referir ao

preço de uma mercadoria ou de um serviço. E prossegue observando que será Karl Marx, fazendo

uma crítica à economia política, quem vai associar o termo valor à ideia de mais-valia, a qual é

reproduzida hoje, no linguajar da economia popular, por meio da expressão agregar valor.

5 PETERS. Apud BELLONI, Maria Luiza. Educação a distância. Campinas, SP: Autores Associados, 2001.p.27.6 Op.Cit. 28.7 HESSEN, Johannes. Apud BERESFORD, Heron. Valor: saiba o que é. 2ªed.Rio de Janeiro: Shape, 2008.p.41. 8 Op.Cit. p.41.9 Op.Cit. p.26.

5

O conceito de valor associado ao significado de moral, já era utilizado implicitamente

desde a era mitológica, quando Zeus manda distribuir aos homens, dois valores primordiais para

que eles vivessem em harmonia e em sociedade, o respeito e a justiça.10 Popularmente o termo valor está associado ao conceito de cultura, e este tem uma grande

variedade de significados. Para Werneck, “tanto as práticas da agricultura quanto o domínio do

saber erudito são considerados como cultura,”11 o que remete a uma reflexão antropológica sobre:

quem é o homem? E o que é valor para ele? Certamente o homem é um ser em busca de valor e

está constantemente à procura do que pode valorizá-lo. Mas o que vale para o homem? Muito do

que é desejável hoje já foi condenável no passado. E fica a pergunta feita por todos os

pensadores: é possível uma hierarquia universal e atemporal dos valores? Segundo Miguel Reale,

em Werneck, percebe-se uma constância em alguns deles, tais como: a saúde, o bem-estar, a

verdade, a beleza, o afeto e, é claro, o respeito e a justiça, entre outros.12

Logo, há valores para homem que são permanentes e outros, passageiros. Os primeiros

estão mais associados a valores morais e os segundos mais a valor de mercado. A nossa pergunta

é: e quanto à educação, qual o seu lugar na hierarquia de valores? Não temos resposta acabada

para essa pergunta. Mas temos algumas convicções. Os aspectos morais e éticos da educação

devem estar à frente dos aspectos mercadológicos de prestígio e de poder. Sendo assim, a

educação não deve ser tratada como mera mercadoria. O valor da educação não deve se resumir

ao valor de troca. A educação não deve prescindir dos seus valores humanísticos de verdade, de

respeito, de justiça, de amizade, de igualdade, entre outros, para se resumir à busca pelo poder e

pelo prestígio a qualquer custo.

A educação à distância no Brasil a partir da LDBEN/1996

A EAD, no Brasil, teve um marco significativo quando se institucionalizou como

integrante do sistema de educação formal pela Lei nº 9.394 de 20/12/1996 que estabeleceu as

Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN/1996 . A partir de então, iniciou-se, de forma

silenciosa, sua expansão.

10 Cf BERESFORD, Heron. Valor: saiba o que é. 2ªed.Rio de Janeiro: Shape, 2008. p.24.11 WERNECK, Vera Rudge.Cultura e Valor.Rio de Janeiro: Forense Universitária. 2003. p.2.12 REALE, Miguel.Apud WERNECK, Vera Rudge.Cultura e Valor.Rio de Janeiro: Forense Universitária. 2003. p.2.

6

Outros marcos significativos para a EAD no Brasil foram a Portaria nº 4059 de 10/12/2004

e o Decreto nº 5.622 de 19/12/2005. A Portaria chama a atenção ao tratar da oferta de disciplinas

na modalidade semipresencial em cursos superiores já reconhecidos. O Decreto regulamenta o

art. 80 da Lei n. 9.394, de 20/12/1996 e o governo passa a regular de forma mais enérgica esta

modalidade de ensino.

No texto apresentado por Segenreich, verificamos que as agências internacionais como o

Banco Mundial e a OMC influenciaram significantemente para que a EAD se tornasse uma

realidade no Brasil. O texto político se tornou possível a partir das legislações implementadas, o

que se deu sob interferência de

representantes de instituições de ensino superior que acabaram se constituindo em umforte grupo de pressão interna em favor de um modelo industrial de EAD, totalmentenão presencial e baseado no ensino de massa e no intensivo uso de tecnologias digitais.São estes grupos que vão participar intensamente do contexto de produção dos textospolíticos relativos á regulamentação do modelo de funcionamento da EAD na educaçãosuperior, com derrotas e vitórias de ambos os lados.13

A expansão da EAD tem acontecido de forma acelerada desde 1996, mas a partir de 2005

o Estado passou a regular de forma mais efetiva as instituições de ensino que optaram pela EAD.

O interessante é que o próprio Estado adotou a EAD como estratégia central de expansão da

educação superior e formação do magistério, ou seja, o texto político passou para a prática a

partir da UAB (Universidade Aberta do Brasil) e do Plano Nacional de Formação de

Profissionais do Magistério da Educação Básica. Uma das preocupações é quanto à qualidade do

ensino nas instituições que optaram por esta modalidade de ensino.

A Expansão da privatização na educação superior

Um dos eixos básico dessa análise é a mercantilização da educação superior, no contexto

das mudanças ocorridas no mundo do trabalho. No Brasil, essa discussão só recebeu destaque a

13SEGENREICH, Stella.C.D. Relação estado e sociedade na oferta e regulação da graduação a distância no Brasil:da periferia ao centro das políticas públicas. Texto apresentado no VI Congresso Luso-Brasileiro da ANPAErealizado em Portugal, em abril de 2010. Disponível em: www.anpae.org.br/iberolusobrasileiro2010/cdrom/111.pdf . Acesso em: 14 jul.2010.p.14.

7

partir da década de 90, nos governos Collor e FHC, pois ambos foram favoráveis às ideias

neoliberais, as quais, defendem um estado mínimo e sua não intervenção na economia.

Segundo Offe, referenciado por Höfling, “o Estado atua como regulador das relações

sociais a serviço da manutenção das relações capitalista em seu conjunto.”14 A partir disso,

segundo Höfling, “o Estado capitalista moderno cuidaria não só de qualificar permanentemente a

mão-de-obra para o mercado, como também, através de tal política e programas sociais,

procuraria manter sob controle parcelas da população não inseridas no processo produtivo.”15

Em nosso país, essas políticas geraram uma onda de privatização das empresas públicas.

Porém, as Universidades públicas não foram diretamente atingidas devido às suas mobilizações e

resistências. Entretanto, foram criados mecanismos indiretos para a expansão do ensino superior

privado com o crescimento das bolsas de estudo para alunos pobres nas universidades privadas,

como o PROUNI, e houve uma flexibilização das regulamentações para criação de novas

instituições de ensino superior (IES). Esse cenário tornou-se favorável ao crescimento das IES, as

quais implantaram a modalidade de ensino à distância.

Num mundo globalizado e informatizado, mais do que nunca, a educação tornou-se um

dos principais fatores de qualificação e agregação de valor à mão de obra e, no Brasil, essa

consciência cresceu em sintonia com o contexto do cenário neoliberal. Logo, cada vez mais há

uma demanda por diplomas como exigência do mercado. Não é por acaso que o congresso

acabou de aprovar um projeto de lei (faltando ser sancionada pelo presidente), exigindo curso

superior para os futuros professores de todas as séries do ensino básico. E a gestão das

universidades está a cada dia mais semelhante à de uma empresa, e menos preocupada com o seu

propósito humanista para a produção do conhecimento engajado na solução de problemas sociais.

Esses são os fatores que nos levam a pensar na possibilidade da educação em geral, mas em

particular a educação à distância, estar sendo tratada como mera mercadoria.

A educação como mercadoria

Para Karl Marx a mercadoria é a forma elementar da produção capitalista, e o seu valor é

determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário à sua produção.

14 OFFE, Claus. Apud HÖFLING, Eloisa de M.Estado e Políticas (Públicas) Sociais. Cadernos Cedes, ano XXI, nº55, novembro/2001. p. 30.15 Op.Cit. p.33.

8

Acresce ainda que, no mercado, se encontra uma mercadoria muito especial, a força detrabalho. (...) Vendendo os produtos, esse proprietário da força de trabalho recebe, de umlado, uma quantia igual à que investiu anteriormente; de outro, uma mais-valia, umexcedente que provém do resultado do trabalho concreto gerido por ele.16

Dentro dessa discussão a força de trabalho do professor é uma mercadoria “singular”, mas que

vem sendo depreciada e super-explorada, ainda mais, neste novo contexto das tecnologias da

informação e da comunicação através da EAD. E se acompanharmos a continuidade do

raciocínio do Marx vamos entender o porquê.

Todo o sistema capitalista fica, assim, orientado para a exploração da mais-valia: (...)Um modo simples de obter mais-valia é prolongar a jornada de trabalho, procedimento,contudo, que logo encontra seus limites físicos, o dia de 24 horas e o desgaste dotrabalhador. Meio mais eficaz é aumentar a produtividade do trabalho fazendo com que,ao mesmo tempo, mais objetos sejam produzidos. Por causa disso o modo de produçãocapitalista depende (...) essencialmente de uma tecnologia de desenvolvimento dasforças produtivas...17

A EAD reedita ao mesmo tempo as duas maneiras citadas acima de explorar a mão de

obra do professor, primeiro quando insere nessa modalidade a figura do tutor-professor e

segundo quando utiliza as TICs para customizar a estrutura educacional. Embora ainda não

exista um consenso sobre o conceito de tutor e muito menos uma regulamentação trabalhista

dessa função, o papel do tutor ultrapassa a função de mero facilitador. Para Ivashita e Coelho

“O tutor elucida as dúvidas de seus alunos, acompanha seu processo de aprendizagem, corrige

trabalhos fornecendo-lhes um retorno de seu desempenho, e ainda, avalia o aluno.”18 A figura e o

papel socioeconômico do tutor na EAD, mesmo que seja uma ressignificação do papel do

professor neste século XXI, é usado conscientemente como estratégia política de precarização do

trabalho docente. Isto se dá à medida que o tutor tem salários inferiores e não têm os direitos

trabalhistas que os professores, a duras penas, conquistaram. Ele muitas das vezes faz o papel

professor/tutor, o que requer outras habilidades tecnológicas, além daquelas que já possui,

realizando, assim, um sobre trabalho, usando aqui um conceito marxista de trabalho, pois, a

EAD requer muitas horas de home-office. Essas horas a mais de trabalho, ocorrem porque em

16MARX, Karl.Manuscritos econômico-filosóficos e outros textos escolhidos2ªed., São Paulo: Abril Cultural, 1978.(Os Pensadores). p.XX.17 Op.Cit. p.XXII.18 IVASHITA, Simone Burioli & COELHO, Marcos Pereira. O importante papel do professor-tutor. Texto apresentado no IX Congresso Nacional de Educação-EDUCERE - III Encontro Sul Brasileiro de Psicopedagogia, 26 a 29 de outubro de 2009, PUCPR.p.7557.

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casa não se contabilizam as oito horas precisas de trabalho como se teria na empresa. Pois, do

trabalhador é cobrado o cumprimento da tarefa, e não horas de trabalho, mesmo que ele misture

as horas de lazer com as de trabalho ou passe as 24 horas do dia preocupado em dar conta da

tarefa.

Esse sobre trabalho que é possibilitado pelo conceito de home-office é somado ao

aumento da produtividade do trabalho do professor através das TICs, a qual é viabilizada pelos

avanços tecnológicos da informática. Pois, uma aula dada pela internet, pode ser assistida por

uma quantidade de alunos muitíssimo maior que numa sala de aula física e presencial. E não está

longe a possibilidade de termos apenas um professor por disciplina para todas as turmas em cada

escola, e então os demais estarão desempregados ou serão tutores.

Essas duas formas de se obter mais-valia: sobre trabalho e aumento da produtividade

através das TICs, é acrescido a uma terceira, a divisão social do trabalho do professor que se dá

entre o professor conteudista e o tutor. O professor é transformado em operário da educação, que

contraditoriamente, ao mesmo tempo em que agrega valor à mercadoria, precariza a mão de obra

do profissional.

Nesse contexto, o tutor encerra um processo histórico que começa com a transformação

do artesão em operário , visto que separa a concepção da aula, da sua execução. Isso devido ao

fato de o professor conteudista elaborar a aula, mas não interagir com o aluno, e o tutor estar

próximo da realidade do aluno, mas não conceber a aula, alienando a função do professor-tutor.

O tutor é o último trabalhador transformado em operário, num processo histórico

inicializado pelo artesão. Isso porque, no imaginário social, a tarefa de educar jamais sofreria

interferência das máquinas, pois nela estaria contida a transmissão de valores.

Essa conjuntura, como todo processo de aumento da produtividade, gerará, a médio

prazo, uma considerável taxa de desemprego para a categoria dos professores, porque quando a

oferta de mão de obra é maior que a procura diminui-se o valor dos salários, essa é uma lei de

mercado. E nas palavras de Höfling,

Numa sociedade extremamente desigual e heterogênea como a brasileira, a políticaeducacional deve desempenhar importante papel ao mesmo tempo em relação àdemocratização da estrutura ocupacional que se estabeleceu, e à formação do cidadão,

10

do sujeito em termos mais significativos do que torná-lo ‘competitivo frente à ordemmundial globalizada.’19

Conclusão

Este texto objetivou refletir sobre um aspecto novo e específico da educação que é a

ressignificação do papel do professor ou do professor-tutor, no novo contexto das tecnologias da

informação e da comunicação através da Educação à Distância. Especificamente, este cenário

vislumbra a médio prazo uma desconstrução do papel educativo e das relações de trabalho do

professor, para transformá-lo num operário alienado e mero transmissor de conteúdos. Bem

como, uma super-exploração da sua mão de obra, uma diminuição da taxa salarial, e, finalmente,

um desemprego crescente, na mesma proporção que ascende a EAD. E Esta análise não é

nenhum exercício de futurologia, pois está partindo de uma realidade concreta. Mesmo porque,

processo semelhante já aconteceu com os caixas de banco, com os metalúrgicos das montadoras

de automóveis e com diversas outras profissões. Entretanto, o professor-tutor não precisa ser um

mero expectador da realidade, pode também ser um dos sujeitos da sua própria história. Uma das

possibilidades é um resgate ou uma reapropriação da educação clássica humanística e de seus

nobres valores, onde agregar valor ao homem seja torná-lo menos individualista, menos

consumista, menos egoísta e, enfim, mais humano. Esse é um dos grandes desafios para o

profissional da educação e, principalmente, para os gestores de políticas educacionais no século

XXI.

Texto revisado por Daniela da Cruz G. Marques*

Referências Bibliográficas

BELLONI, Maria Luiza. Educação a distância. Campinas, SP: Autores Associados, 2001.

BERESFORD, Heron. Valor: saiba o que é. 2ªed.Rio de Janeiro: Shape, 2008.

19 HÖFLING, Eloisa de M. Estado e Políticas (Públicas) Sociais. Cadernos Cedes, ano XXI, nº 55, novembro/2001. p. 40.* Especialista em Língua Portuguesa pela FEUC – Fundação Educacional Unificada Campograndense.

11

CHERMANN, Maurício & BONINI, Luci Mendes. Educação a distância. Novas tecnologias emambientes de aprendizagem pela Internet. Universidade Braz Cubas, s/d (2000?).

HÖFLING, Eloisa de M. Estado e Políticas (Públicas) Sociais. Cadernos Cedes, ano XXI, nº 55,p. 30-41, novembro/2001.

HUNT, E. K.; SHERMAN, H. J. História do Pensamento Econômico. 20ª ed. Petrópolis:Vozes, 2001.

IVASHITA, Simone Burioli & COELHO, Marcos Pereira. EAD: O importante papel doprofessor-tutor. Texto apresentado no IX Congresso Nacional de Educação-EDUCERE - IIIEncontro Sul Brasileiro de Psicopedagogia, 26 a 29 de outubro de 2009, PUCPR. Disponível em:www.pucpr.br/eventos/educere/educere2009/anais/pdf/2865_1873.pdf . Acesso em: 23 jun. 2010.

KENSKI, Vani Moreira. Tecnologias e ensino presencial e a distância. Campinas, SP: Papirus,2003.

LITWIN, Edith. Educação a distância: temas para o debate de uma nova agenda educativa.Porto Alegre: Artmed, 2001.

MANCEBO, Deise;SILVA Jr. João dos Reis e OLIVEIRA, João Ferreira de.(org) Reformas ePolíticas: educação superior e pós-graduação no Brasil.Campinas, São Paulo: EditoraAlínea,2008

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WERNECK, Vera Rudge. Cultura e Valor.Rio de Janeiro: Forense Universitária. 2003.

The Distance Education as Merchandise and Precarious Work Faculty.

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Abstract: The Globalization of neoliberal theories and new ICTs have changed the socialconditions of production adding value to goods around the planet. And a requirement for morequalified manpower has led people to elect governments and education as a priority. TheDistance Education has been providing student access to formal education and continuousblended. However, an inverse ratio, it becomes the teacher in worker education and, inconsequence, there is an impoverishment of teaching in that it appears the figure of the tutor.Therefore, it is for education professionals to rescue the Humanistic Education and its noblevalues, before the exchange value to become a mere commodity.

Keywords: Distance Education, Merchandise, Teaching Work.