artigo paradigmas contemporÂneos de educaÇÃo
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PARADIGMAS CONTEMPORÂNEOS DE EDUCAÇÃO
CONSTRUINDO REFERENCIAIS DE APOIO PARA A PRÁTICA DOCENTE
Prof. Dr. Adelar Hengemühle1
Março/2010
Resumo: 06 dimensões para construir um campo teórico que sustente práticas pedagógicas inovadoras e qualificadas ; 09 passos para preparar as instituições educacionais, principalmente os docentes, com o propósito de levar o idealizado para a prática, é o que resume este ensaio.
Palavras-chave: Fundamentos Teóricos – Projeto Pedagógico - Perfil de Estudante – Conteúdos – Metodologia - Avaliação
Referencial teórico consistente; projeto pedagógico para orientar as ações e as metas; gestão que
coordene esforços coletivos para dinamizar coletivamente o projeto, operacionalizando as ações que
levem às metas; formação continuada para qualificar os docentes e material didático de apoio coerente
com o projeto pedagógico, são pressupostos sobre os quais se assentam as bases de uma instituição
educacional que deseja caminhar para a excelência em sua missão.
Este ensaio,
fundamentado em paradigmas teóricos da contemporaneidade,
centrado no projeto pedagógico como referência para a ação;
preocupado em superar os entraves históricos que limitam a ação qualificada dos docentes, entre
os quais os conceitos que permeiam as várias dimensões dos conteúdos e do seu sentido de ser,
somado às dificuldades da metodologia e avaliação;
focado na elaboração de material didático de apoio, coerente com os paradigmas teóricos,
deseja contribuir com aqueles educadores abnegados que buscam ação diferenciada em sua atuação
profissional.
A temática aqui abordada é ampla e complexa. Neste pequeno ensaio, sucintamente, vamos retomar
alguns referenciais teóricos e voltar o foco para indicadores práticos. Por isso, o (a) prezado leitor (a), para
ter a compreensão fundamentada do presente ensaio, necessitará da leitura de produções anteriores2.
1 Mestre em Educação pela UNICAMP/Campinas/SP (Linha de Pesquisa: Metodologia de Ensino), Doutor em Educação pela PUCRS (Linha de Pesquisa Formação de Professores), autor dos livros Gestão de Ensino e Práticas Pedagógicas e Formação de Professores: da função de Ensinar ao Resgate da Educação, ambos editados pela Ed. Vozes e organizador dos livros “Significar a Educação: da Teoria à Sala de Aula”, pela EDIPUCRS e “Da teoria à prática: a escola dos sonhos é possível” editado pela Universidade Federal do Ceará, Diretor do Instituto de Educação Cenecista Marquês de Herval e da Faculdade Cenecista de Osório, Osório/RS2 Artigos “(Re) avaliando processos e conceitos” (/Agosto/2009), “Desenvolver habilidades, formar para as competências: modelos novos, práticas antigas” (Fev/2010) e o livro “Formação de Professores: da função de Ensinar ao Resgate da Educação”
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BENGALAS DE APOIO: REFERENCIAIS TEÓRICOS
Toda a ação do presente que desprezar ou não se apoiar nos conhecimentos gerados e testados pela
humanidade no passado corre grande risco de tatear no escuro e cometer erros que, na educação, às
vezes, são irrecuperáveis, ou causam grandes problemas para os estudantes. É sobre as teorias do
passado que se assentam nossas práticas e é a partir delas que construímos as novas, sempre mais
complexas. Projetos e ações educacionais precisam ser prospectados e executados com cuidado e zelo,
pois mexem com pessoas, em especial, pessoas, normalmente, em fases conflituosas (crianças,
adolescentes...) da vida e de formação. As teorias, como nos ensinou o Prof. Von Zuben, da Unicamp, são
nossas bengalas de apoio que ajudam a caminhar com segurança.
Em linhas gerais, nesses referenciais teóricos, aprendemos, entre outras coisas, que é desejo e
necessidade da pessoa, desde os primórdios, encontrar respostas para compreender o meio, agir
conscientemente e de forma integrada no mesmo, constituindo-se como sujeito capaz e em movimento.
Portanto, nossos referenciais precisam estar apoiados, entre outros, no respeito às dimensões humanas e
na visão sobre os cenários do contexto. A partir deles, construímos fundamentos de apoio educacional
para que possamos delinear as práticas desenvolvidas na comunidade escolar com objetividade,
disciplina, metas e, principalmente, voltadas para possibilitar ao ser humano desenvolver seu sentido de
vida, compreendendo a vida de forma sempre mais complexa.
Portanto, para ordenar a bússola da caminhada pedagógica, apontamos, a seguir, uma filtragem de
pensamentos que nos ajudam a organizar a visão e a prática pedagógica. O pensamento dos teóricos, a
seguir, procura fundamentar e levar à compreensão 06 dimensões (cenários, concepção de homem, perfil
de estudante, fundamentos educacionais, perfil de professor e modelo de gestão) que, acrescentadas à
avaliação3 do processo, podem ser uma referência de campo teórico para a construção do projeto
pedagógico da instituição educacional.
DIMENSÃO 1
CENÁRIOS LOCAIS, REGIONAIS E MUNDIAIS:
REFLEXÕES SOBRE A REALIDADE DE ONDE VÊM NOSSOS ESTUDANTES E PARA A QUAL
PRECISAMOS TORNÁ-LOS COMPETENTES
A vida é dinâmica. Os referenciais mudam de forma célere. Não há mais, aliás nunca houve,
verdades acabadas. A cultura é herdada e reconstruída. Assim, segundo Bordenave e Pereira (2001:24),
3 Aqui nos referimos à avaliação do projeto pedagógico que necessita de processo (pesquisa junto à comunidade interna e externa) para conhecer as aproximações e distanciamentos ocorridos na prática, a luz do que foi idealizado no projeto pedagógico. A partir destes dados, a instituição promove seus reposicionamentos.
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“Em um mundo de mudanças rápidas, o importante não são os conhecimentos ou idéias, nem os
comportamentos corretos e fáceis que se esperam, mas sim o aumento da capacidade do aluno –
participante e agente da transformação social – para detectar os problemas reais e buscar para eles
soluções originais e criativas”.
Sobre as transformações e análises dos cenários, temos vastas referências hoje. Entre tantos
fundamentos, segundo nossa compreensão, esta acima sintetiza o desafio educacional quando
pretendemos desenvolver práticas pedagógicas que capacitem os discentes a bem viver em contexto
volátil, onde os referenciais mudam diariamente e a pessoa precisa ter cérebro sistêmico preparado para
olhar a realidade, acessar seu conhecimento teórico ou buscar novos conhecimentos e ser capaz de
compreender ou resolver os novos desafios presentes em seu dia-a-dia.
REFLEXÃO: O material de apoio didático precisa incorporar os problemas locais, regionais e mundiais,
para que o estudante, apoiado nos fundamentos teóricos desenvolvidos na prática pedagógica, seja
capaz de compreender, resolver e agir em situações reais de vida.
DIMENSÃO 2
EDUCAÇÃO: RESPEITO À NATUREZA HUMANA
A primeira preocupação de quem planeja e desenvolve ações educativas é com a pessoa, pois ela é o
ponto de partida e de chegada de toda reflexão e ação pedagógica. Sucintamente, trazemos algumas
reflexões sobre a pessoa que consideramos importantes para iluminar as práticas pedagógicas. De
acordo com Popper, (1995: 70), “Possuímos uma curiosidade inata geneticamente fundamentada e um
instinto de exploração, que nos torna ativos na exploração do nosso meio ambiente físico e social. Em
ambos os casos, somos ativos solucionadores de problemas”. Seguem Bordenave e Pereira (2001:24),
“ A aprendizagem precisa ser desejada, apoiada no interesse por resolver um problema, detectar os
problemas reais e buscar para eles soluções”. Rosa (1994, 48) afirma que “Só pensamos sobre alguma
coisa quando esta nos parece intrigante, curiosa ou interessante”.
Percebemos, nas afirmações acima, alguns termos importantes que caracterizam o ser humano; entre
estes, curioso, desejoso, interessado. Para provocar desejo, a situação precisa ser interessante. O
problema é um instigador da motivação. É preciso ser ativo, ter instinto de exploração... Temos, portanto,
um quadro interessante para pensar a educação voltada para pessoas.
Outros referenciais, em síntese, sugerem que, mesmo com toda a individualidade característica da
pessoa, o ser humano possui, no mínimo, três dimensões e potencialidades: a dimensão afetiva e as
potencialidades de ter inteligência e vontade de querer saber por que as coisas são como são. Portanto,
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uma prática pedagógica que não cultive a afetividade, não considere que todos são inteligentes e têm
vontade de saber por que as coisas são como são, estará distanciada da natureza humana.
REFLEXÃO: O material de apoio didático precisa oferecer subsídios para que os desejos e necessidades
naturais da pessoa possam ser contemplados e desenvolvidos.
DIMENSÃO 3:
PERFIL DE ESTUDANTE NECESSÁRIO NO CONTEXTO DO SÉCULO XXI
Os cenários, as dimensões e potencialidades do ser humano são os parâmetros para definir o perfil
de estudante. O referencial mais significativo para definir este perfil a ser buscado pelas Instituições
Educacionais no Século XXI e que tem a preocupação em resgatar o ser humano em sua inteireza, são os
quatro pilares da educação apresentados por Delors (1996), dos quais transcrevemos e destacamos
alguns tópicos abaixo.
Aprender a Ser Aprender a Conhecer Honestidade e coerência. Valores éticos e morais. Liberdade e responsabilidade. Perseverança, constância e
persistência. Equilíbrio emocional.
Consciência de aprender a aprender, atualizar-se sempre.
Espírito de pesquisa e de busca. Capacidade de argumentar. Integração da teoria e da prática. Apropriação crítica das informações e recursos
tecnológicos. Aprender a Fazer Aprender a Conviver
Criatividade. Liderança Capacidade de comunicação. Espírito de iniciativa, invento
e imaginação. Solução de problemas.
Autoconhecimento para conhecer e compreender os outros.
Respeito às diferenças culturais, sociais e religiosas.
Espírito cooperativo e de equipe. Capacidade para enfrentar as tensões entre as
pessoas, grupos e nações. Capacidade de dialogar.
Temos, assim, as dimensões subjetivas e cognitivas da pessoa, elencadas nos pilares, ou seja, ser,
conviver, conhecer e fazer. O desafio maior não está em elaborar este perfil, mas em conceituar cada um
dos termos e dar-lhes dimensão concreta no processo das práticas pedagógicas. A comunidade escolar,
interna e externa, precisa refletir e definir os conceitos (ética, espírito de pesquisa, capacidade de
argumentar, solução de problemas, espírito cooperativo e de equipe...) para que, com os conceitos claros,
possa pensar e elaborar a metodologia e a avaliação para que desenvolvam o perfil almejado, buscando a
coerência entre o idealizado e o praticado.
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IMPORTANTE: O perfil almejado de estudante é o ponto central de todo projeto pedagógico. O estudante
é o motivo de existir da instituição educacional. É dele e para ele que convergem as reflexões e as
práticas. Portanto, ao ter identificado o cenário contextual, ao ter refletido o ser humano, ao ter esclarecido
o perfil de estudante a formar nesta realidade, desenvolvendo as dimensões e potencialidades da pessoa;
precisamos fundamentar a educação que leve a este desenvolvimento, tendo docentes e gestão adequada
para dinamizar o processo da ação pedagógica.
REFLEXÃO: O material didático de apoio precisa apresentar subsídios que embasem, orientem e levem
professores e estudantes ao desenvolvimento do perfil almejado.
DIMENSÃO 4
EDUCAÇÃO: FUNDAMENTOS PARA ORIENTAR A AÇÃO EDUCACIONAL
São os fundamentos educacionais que sustentam nossa prática e orientam o caminho para as
metas a serem alcançadas. Temos hoje um vasto material de referenciais teóricos, alguns dos quais
procuramos filtrar a seguir. Este conjunto de fundamentos tem em comum a preocupação com as
dimensões e potencialidades humanas, suas necessidades e desejos, além do olhar voltado para os
contextos que precisam ser compreendidos e nos quais cada pessoa busca realizar o seu sentido de vida.
Na educação, o desafio, hoje, é apropriar-se e desenvolver fundamentos que possibilitem desenvolver ao
máximo as potencialidades humanas.
Na educação, historicamente, os referenciais têm mudado, à medida que a humanidade vai avançando em
sua compreensão da vida e da pessoa. Hoje, de acordo com Gadotti (1992, 09), “Educar significa
capacitar, potencializar para que o educando seja capaz de buscar a resposta do que pergunta, significa
formar a autonomia”. Complementando Gadotti, Bordenave e Pereira (2001, 47) citam Rogers quando este
afirma que
“... o único homem educado é aquele que aprendeu como aprender, como adaptar-se à mudança; o
homem que tenha compreendido que nenhum conhecimento é seguro, e que somente o processo de
buscar o conhecimento dá uma busca para a segurança”
Partindo destes pensamentos, podemos afirmar que o processo de potencializar o ser humano, ou
seja, o processo de educação nunca estará concluído. Logo, o segredo de educar está relacionado com o
ato de preparar o cérebro, para que a pessoa possa buscar, por si, infinitamente, novas respostas para
problemas sempre mais complexos. Os conceitos de educação, hoje, estão muito aderentes aos
pensamentos acima.
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A partir de algumas categorias que estão em voga na atualidade, apresentaremos, a seguir, o pensamento
mais pontual de alguns teóricos, organizados em 08 princípios, nos quais, além de referendar
fundamentos, também estaremos apontando possíveis alternativas para superar entraves que limitam a
prática idealizada.
PRINCÍPIO EDUCACIONAL 1
Os Conhecimentos Teóricos desenvolvidos nas práticas pedagógicas devem ser úteis na vida das
pessoas
Se os conhecimentos escolares não ajudarem as pessoas a viver com mais qualidade, então a
escola precisa rever suas práticas. Estas idéias são expressas por muitos teóricos, como Paulo Freire
(1999), quando insistia em que a aprendizagem escolar precisa ser útil para a vida. Tomaz Tadeu da
Silva (1995), afirmando que “aprender gramática, ciências ou geografia é também aprender disposições,
consciência e sensibilidades em relação ao mundo que está sendo descrito”. Delors (1996) que, nos
quatro pilares da educação para o séc. XXI, além de preocupar-se com o SER e o CONVIVER, propunha,
no CONHECER e FAZER, a necessidade de formar pessoas com espírito de pesquisa, com capacidade
de resolver problemas, entre outros. E Morin (2000, 40), quando criticava que os problemas fundamentais
e os problemas globais estão ausentes das ciências disciplinares.
Os seres humanos somos movidos pela motivação de encontrar sentido de vida e utilidade quando
nos empreendemos em uma ação. Portanto, a ação educativa precisa expressar sentido e utilidade, tanto
para os docentes como para os estudantes. Sem isto, o fazer se torna automático no cumprimento de uma
tarefa insignificante que fazemos, porque alguém mandou fazer e da qual pouco proveito levaremos.
Reflexão: O material de apoio didático precisa aproximar o conteúdo teórico dos conteúdos do senso
comum (empíricos), para que o estudante veja sentido no mesmo e possa usá-lo para a compreensão e a
solução de problemas do seu contexto.
PRINCÍPIO EDUCACIONAL 2
A Educação do Século XXI precisa preparar o sujeito para ser Competente
O termo formar para as Competências, nos últimos anos, é muito abordado, pouco compreendido e, muito
menos, praticado nas salas de aula. Vamos tentar simplificar este tema a partir dos conceitos de
pensadores contemporâneos. Segundo Moretto (2001, 86) “O objetivo da nova proposta para o ensino é
desenvolver a capacidade do sujeito para abordar situações complexas”. E assim, Moretto (2001, 19)
conceitua o termo: “Competência é a capacidade de o sujeito mobilizar recursos (cognitivos) visando a
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abordar uma situação complexa”. Segue-se Perrenoud (1999, 07) quando afirma que
“Competência..é .capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiada em
conhecimento, mas sem limitar-se a eles”. E acrescenta o mesmo autor (1999, 53)
“Uma abordagem por competências determina o lugar dos conhecimentos – eruditos ou não – na ação:
eles constituem recursos, frequentemente determinantes para identificar e resolver problemas, para
preparar e para tomar decisões”.
Por fim, mais alguns pensamentos de Perrenoud (1999) afirmando que competência é a capacidade de o
sujeito mobilizar recursos (cognitivos) visando a abordar uma situação complexa. Em outro momento o
autor diz que competência em educação é a faculdade de ompetência em educação é a faculdade de mobilizar mobilizar um conjunto de um conjunto de recursos cognitivosrecursos cognitivos
- como saberes, habilidades e informações - para - como saberes, habilidades e informações - para solucionarsolucionar com pertinência e eficácia uma série de com pertinência e eficácia uma série de
situações complexas fora da rotina. situações complexas fora da rotina. Por fim,Por fim, João Carlos Wilke,4 lembra que visar ao desenvolvimento
de competências é quebrar a cabeça para criar situações-problema que sejam, ao mesmo tempo,
mobilizadoras e orientadoras para aprendizagens específicas.
Portanto, formar para as competências requer introduzir e trabalhar a partir de problemas significativos do
contexto dos estudantes nas práticas pedagógicas e exercitá-los para que resolvam os mesmos, apoiados
nos conteúdos teóricos. Assim, compreendemos estar formando pessoas competentes, capazes de
resolver problemas fora da rotina.
Reflexão: Material de apoio didático precisa trazer problemas significativos do contexto local, regional e
mundial e encaminhar os estudantes para que, apropriando-se dos conteúdos teóricos, sejam capazes de
mostrar compreensão e/ou solução dos problemas.
PRINCÍPIO EDUCACIONAL 3
Formar Pessoas Competentes pressupõe desenvolver as suas Habilidades
Não há pessoas competentes se não tivermos cérebros exercitados em situações complexas. Tal qual o
termo formar para as Competências, o termo desenvolver Habilidades está em voga nos últimos anos,
embora, na maioria das vezes, mal compreendido e muito menos praticado. A sua prática, aliás, está
ligada a uma mudança significativa das práticas pedagógicas - metodologia e avaliação. Vamos ao
pensamento de alguns teóricos. Afirma Moretto (2001, 21) que
4 www.jcwilke.hpg.ig.com.brwww.jcwilke.hpg.ig.com.br
7
“Habilidade... saber fazer algo específico. Isto significa que estará sempre associado a uma ação, física ou
mental, indicadora de uma capacidade adquirida. Assim, identificar, relacionar, correlacionar, aplicar,
analisar, avaliar, manipular com destreza são verbos que podem indicar a habilidade do sujeito em
campos específicos”.
Ação física, como sabemos, origina-se na ação mental e para haver ação mental, precisamos de
cérebro desenvolvido. A grande função da educação hoje é exercitar o cérebro em ações complexas. Por
isso, restringimo-nos a relacionar, neste momento, o termo habilidade à ação de exercitar o cérebro com
exercícios mentais superiores (argumentar, analisar, compreender...).
Aqui, Thereza Bordoni5 traz também sua contribuição, ao afirmar que em lugar de continuar a decorar
conteúdos, o aluno passará a exercitar habilidades e, através delas, à aquisição de grandes
competências, ou seja, desenvolvendo habilidades através dos conteúdos. Percebe-se que os termos
competência, habilidade e conteúdo estão interligados na ação pedagógica. Fica pertinente que,
para formar pessoas competentes, precisamos mudar a metodologia e avaliação: de receber informações,
decorá-las e repeti-las, PARA receber problemas, analisá-los à luz dos conteúdos teóricos e ter
capacidade de argumentar, refletir... possíveis compreensões ou aplicar, reconstruir, solucionar
problemas, sempre embasados na teoria.
Reflexão: Material de apoio didático de qualidade precisa desafiar os estudantes para que exercitem o
cérebro, a partir de problemas, fundamentados nos conteúdos teóricos, provocando o desenvolvimento de
exercícios mentais superiores (refletir, analisar, argumentar...) que denominamos aqui de habilidades.
PRINCÍPIO EDUCACIONAL 4
UM DOS PRESSUPOSTOS BÁSICOS PARA QUE AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS SEJAM BEM
SUCEDIDAS EXIGE QUE OS DOCENTES TENHAM CLAREZA DOS CONCEITOS SOBRE OS
CONTEÚDOS: SENSO COMUM E TEÓRICO
Conteúdo é um termo utilizado no cotidiano das Instituições de Educação. Seu conceito, no entanto, não
está claro no nível pedagógico. Em dicionários, encontramos definições como, que está dentro de algo
(O conteúdo do copo é água), assunto ou matéria (o conteúdo do texto), ou ainda, fatos, temas,
situações, problemas, conceitos, princípios, valores, conhecimentos, etc, produzidos pelo ser
humano ou pelo meio ambiente (natureza). Nesse sentido, parece que tudo está situado no mesmo nível
de compreensão, mas não é. Senão vejamos:
na história da humanidade, como nos dias atuais, as pessoas, no seu dia-a-dia, estão diante de
fatos, problemas, situações... , alguns corriqueiros, outros novos, normalmente com limitada
5 www.vaganaescola.com.brwww.vaganaescola.com.br
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compreensão ou solução. É o chamado campo empírico, ou senso comum, pois está incorporado
no imaginário das pessoas;
também, tanto na história, como hoje, temos pessoas que, através de processos investigativos
sempre mais avançados, são capazes, segundo Carlos Fontes6, de organizar um conjunto
coerente de princípios que explicam fenômenos complexos, tornando-os compreensíveis aos
olhos das pessoas que têm limitada compreensão diante de certos fatos, situações e problemas. É
o chamado campo teórico.
Para haver compreensão, é preciso aproximar o campo empírico do campo teórico, onde um explica o
outro e abre o horizonte de análise de fatos, situações e problemas sempre mais complexos.
Aqui temos, como já foi abordado nos artigos anteriores, um grande problema na educação, pois não há
clareza dos conteúdos que se encontram no campo empírico e no campo teórico. É preciso classificar o
que é empírico (que precisa ser explicado) e o que é teórico (que explica algo). Para ilustrar essa
problemática dos conteúdos e seus conceitos, temos a figura abaixo, onde o campo empírico (senso
comum do presente e do passado) e o senso teórico estão interligados e significados.
Reflexão: O material de apoio didático precisa deixar claro o que é conteúdo do senso comum e o que é
conteúdo do senso teórico, onde os conteúdos do senso teórico serão a luz para compreender e/ou
resolver os problemas do senso comum (empírico).
PRINCÍPIO EDUCACIONAL 5
OS CONTEÚDOS TEÓRICOS DO PASSADO PRECISAM SER RESSIGNIFICADOS NO PRESENTE,
COM SENTIDO PARA O PROFESSOR E ESTUDANTES.
Se Paulo Freire ensina que aquilo que se aprende na escola precisa ser útil na vida dos estudantes,
então, antes de tudo, o professor precisa conhecer o porquê de cada fórmula, lei e conceito. No entanto,
6 www.afilosofia.no.sapo.pt/conceitos
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SENSO COMUM DO PASSADO
SENSO COMUM DO PRESENTE
CAMPO EMPÍRICO
SENSO TEÓRICO
na realidade, além da falta de clareza sobre o que é conteúdo, poucos profissionais conhecem o sentido
de ser dos mesmos. De acordo com Moretto (2001, 20), “Para resolver uma situação complexa, o primeiro
elemento exigido é conhecer os conteúdos.”
Temos aqui outro problema: como o docente que não conhece os problemas que o conteúdo é capaz de
resolver, vai saber, diante de um problema, que conteúdo abordar?
Para ressignificar os conteúdos do passado, hoje, Gramsci, citado por Perrenoud (1999), afirma que
“as idéias e formulações mais iluminadoras são tipicamente do tipo conjuntural. Para fazer um uso mais
geral delas, elas têm que ser cuidadosamente extraídas de sua concreta e específica imersão histórica
e transplantadas para novo solo com considerável cuidado e paciência”.
Portanto, conhecer os porquês do surgimento dos conteúdos teóricos possibilita ao docente olhar para a
realidade hoje e visualizar situações e problemas no contexto do estudante, onde estes se tornam
significativos. Para que o professor tenha esta visão, precisa pesquisar e ter à sua disposição material de
apoio que lhe possibilite conhecer a origem dos conteúdos teóricos e, a partir destes dados,
significá-los no presente dos estudantes.
Para corroborar, acrescentamos o pensamento de mais alguns teóricos. Freire (1997, 33) diz que é
preciso “Discutir com os alunos a razão de ser dos saberes em relação com o ensino dos conteúdos”.
Morin (2000, 36) afirma que é “Preciso situar as informações e os dados em seu contexto para que
adquiram sentido”. Perrenoud (1999, 45) comenta que “Para ter sentido para os alunos, o aprendizado
precisa ser associado às práticas sociais.”
Para ajudar no processo de ressignificação, há alguns anos adotamos a figura abaixo, onde o professor se
apropria da história dos conteúdos – senso comum do passado e senso teórico e, desta forma, tem visão
significativa dos conteúdos na realidade dos estudantes.
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Reflexão: O material didático de apoio precisa apresentar, de cada conteúdo teórico, os fatos, situações e
problemas que o originaram e sugerir fatos, situações e problemas do contexto local, regional e mundial
dos estudantes, onde este conteúdo teórico se torna significativo.
PRINCÍPIO EDUCACIONAL 6
PARA MOTIVAR E PROVOCAR O DESEJO NOS ESTUDANTES, OS CONTEÚDOS DEVEM ESTAR
RELACIONADOS A PROBLEMAS SIGNIFICATIVOS PARA ELES EM SEU CONTEXTO
Formar pessoas competentes, com espírito de pesquisa, pressupõe compreender e resolver problemas,
apoiado em conteúdos teóricos. Além desta relação com a formação de competências, o termo problema
também está relacionado à motivação humana. Receber um enigma/problema para resolver significa pôr-
se em situação de desconforto, de caos. O ser humano, no entanto, ao encontrar-se no caos, põe-se em
constante movimento para sair do mesmo, procurando estabelecer uma nova ordem. O caos causa
aflição, a ordem causa conforto que, no entanto, leva a novos caos e à busca de novas zonas de conforto.
Portanto, o problema é um recurso significativo para provocar o desejo e a motivação nos estudantes.
No entanto, problematizar nas práticas pedagógicas já é por si só, um problema, pois há muita confusão
para conceituar o termo. Por isso vamos a algumas possíveis compreensões. Em Saviani,7 encontramos
contribuições bem pontuais e simples para este conceito, já com dimensão pedagógica. Ressalta o autor
que a essência do problema é a necessidade. Algo que eu não sei não é problema, mas quando eu
ignoro alguma coisa que eu preciso saber, eis-me diante de um problema. Em outro momento, diz o
autor, que da mesma forma, um obstáculo que é necessário transpor, uma dificuldade que precisa ser
superada, uma dúvida que não pode ser dissipada são situações que se nos configuram como
verdadeiramente problemáticas. Mais adiante, continua o autor, a compreensão do conceito problema
supõe a necessidade. Esta só pode existir se ascender ao plano consciente, ou seja, se for sentida pelo
homem como tal. O conceito problema implica tanto a conscientização de uma situação de necessidade
(aspecto subjetivo) como uma situação conscientizadora da necessidade (aspecto objetivo). Conclui
Saviani que, em suma, problema, apesar do desgaste determinado pelo uso excessivo do termo, possui
um sentido profundamente vital e altamente dramático para a existência humana, pois indica uma
situação de impasse.
Reflexão: Retomamos – problema está relacionado a formar pessoas competentes. Como já frisado
anteriormente no termo competência, o material de apoio didático precisa apresentar problemas do
contexto local, regional e mundial e levar os estudantes a utilizar os conteúdos teóricos para compreender
e/ou resolver os mesmos.
7 Saviani, Dermeval. Educação do Senso Comum à consciência filosófica. 17 ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2007
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PRINCÍPIO EDUCACIONAL 7
A METODOLOGIA ORIENTA O CAMINHO QUE NOS LEVA ÀS METAS
Com os fundamentos de apoio teórico construídos e clareados, chegamos mais próximos da prática.
Chegamos à reflexão da metodologia. Vamos iniciar com possíveis conceitos. O termo Método (do Grego
methodos), met' hodos significa, literalmente, "caminho para chegar a um fim". Se a etimologia da palavra
nos diz que é “o caminho para chegar a um fim”, precisamos definir qual o caminho e a que fim queremos
chegar. Aqui recorremos a uma passagem de Lênin quando este autor afirma que “ a essência do método
é a teoria”. Portanto, o método está embasado na teoria, a partir da qual compreendemos o mundo e a
vida que, em consequência vai estar expressa no projeto pedagógico, principalmente na parte onde está
definido o perfil de estudante que queremos formar.
É no perfil de estudante buscado que vamos focar nossas reflexões sobre a metodologia.
Costumeiramente, hoje, este perfil está aderente com “ a formação de pessoas que tenham espírito
investigativo, críticos, capacidade argumentativa, capazes de compreender e resolver problemas...” Para
orientar–nos metodologicamente no caminho desta formação, há alguns anos temos indicado a figura
abaixo, cujo objetivo é levar o estudante de sua realidade e compreensão empírica para a compreensão
científica. Neste processo, o professor organiza a ação pedagógica, desafiando o estudante a partir de
problemas, levando-o a situar-se diante destes problemas no passado, tendo o conteúdo teórico como luz
para compreender e/ou resolver o problema e, a partir deste momento, o estudante recebe outros
problemas os quais precisa resolver, apoiando-se no conteúdo teórico desenvolvido. Precisa mostrar
compreensão. Teremos, assim, um processo de pesquisa e, além de estarmos coerentes com o perfil
idealizado, estamos apoiados nos fundamentos teóricos que embasam a educação da
contemporaneidade.
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Reflexão: Material didático de qualidade precisa organizar o desenvolvimento de cada conteúdo teórico,
partindo de problemas, ou sugerindo os mesmos; apontando aspectos empíricos do passado, para que os
estudantes se situem historicamente nestes problemas; apresentar, de preferência, mais do que um
conteúdo ou referenciais teóricos para que os estudantes possam compreender/resolver os problemas e,
na parte da exercitação (passo 4 e 5 do arco acima), apresentar novos problemas do contexto, solicitando
que os estudantes os resolvam ou mostrem sua compreensão, sempre com fundamento teórico.
PRINCÍPIO EDUCACIONAL 8
AVALIAÇÃO - O REFERENCIAL PARA CONHECER AS APROXIMAÇÕES E DISTANCIAMENTOS
DAS METAS ALMEJADAS
Se no perfil de estudante definimos as metas e na metodologia o caminho para chegar às metas, na
avaliação precisamos saber até que ponto as metas almejadas e exercitadas foram ou não atingidas.
Tyler8, considerado o pai da avaliação educacional, encara a avaliação como a comparação constante
entre os resultados dos alunos, ou o seu desempenho e objetivos, previamente definidos. A avaliação
é, assim, o processo de determinação da extensão com que os objetivos educacionais se realizam.
Outros autores citados no mesmo artigo como Bloom, Hastings e Madaus também relacionam a
avaliação com a verificação de objetivos educacionais. Noizet, Caverni e Cardinet, também citados, se
referem à avaliação como um processo de verificação de objetivos Também Ketele, continuando no
mesmo artigo acima, referencia a avaliação ao processo de verificação de objetivos previamente
definidos. Segundo esse autor, é no próprio processo de ensino-aprendizagem que surge a avaliação,
funcionando como um mecanismo que verifica se os objetivos pretendidos foram efetivamente
atingidos.
Fica constatado que o ponto de apoio do processo avaliativo está no perfil de estudante a ser formado,
que:
também está relacionado com as competências;
está focado nos exercícios mentais (habilidades);
é provocado pelos problemas do contexto;
está fundamentado nos conteúdos teóricos; e
é desenvolvido pelo caminho metodológico.
8 António Rosado & Catarina Silva. Artigo “Conceitos Básicos sobre avaliação das aprendizagens” http://home.fmh.utl.pt/~arosado/ESTAGIO/conceitos.htm
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Apoiados nos fundamentos teóricos educacionais abordados e nos indicativos de perfil de estudante a ser
formado, os instrumentos de avaliação, sejam provas, trabalhos, produções... dos estudantes, estão
apoiados no perfil de estudante almejado, nas habilidades superiores, na problematização e nos
conteúdos teóricos. Vamos exemplificar estas idéias abaixo:
a) O Instrumento de avaliação focado na verificação do desenvolvimento das habilidades
superiores
A estrutura de um instrumento de avaliação que busca verificar o desenvolvimento das habilidades
superiores (identificar, argumentar, compreender...) é diferente das práticas tradicionais, nas quais o
estudante repete informações/verdades repassadas pelo professor. Agora trabalhamos com referenciais
que precisam estar muito bem claros, pois, como vimos nos artigos anteriores, não trabalhamos mais com
questões que exigem respostas do tipo certas ou erradas, mas sim, com exercícios mentais superiores,
onde precisamos conhecer o maior ou menor grau de desenvolvimento da mente. Algumas escolas estão
adotando, com dificuldades, mas com avanços, o seguinte cabeçalho para os instrumentos de avaliação:
(DADOS DA INSTITUIÇÃO E DO ALUNO)
1. Conteúdo teórico a ser avaliado: Ex: Ecossistema2. Habilidades que serão avaliadas:Ex: a) Identificar as causas do problema da poluição do Rio dos Sinosb) Analisar os focos dos problemas, à luz dos referenciais teóricosc) Apresentar propostas, teoricamente fundamentadas e argumentadas para a solução do problema
3. Outros critérios:- Ortografia, ...
- Em cada análise e argumento devem ser citados, no mínimo, um autor e de cada autor, no mínimo, uma citação.
4. Critérios para obtenção dos conceitos:APTO: o aluno será considerado apto se desenvolver as habilidades de analisar e argumentar solicitadas acima, dentro dos critérios estabelecidos.NÃO APTO: Se o aluno desenvolver apenas uma das seguintes habilidades: analisar ou argumentar.Obs: Poderá ser considerado “APTO” o aluno que tenha desenvolvido uma das duas habilidades – analisar e argumentar, e que tenha desenvolvido bem a habilidade de identificar.
Onde:
1. é apontado o conteúdo teórico a ser avaliado;
1
2. os verbos indicam as habilidades que serão avaliadas. Lembramos que o conceito dos termos
deve estar claro para o professor e para o estudante (o que é Identificar? Comparar? Analisar?
Argumentar?)
3. neste quadro, o professor fica à vontade para colocar outros critérios que deseja avaliar;
4. aqui, o professor deixa claro o que estudante precisa desenvolver para atingir o conceito. Neste
exemplo acima, a escola trabalha com conceito APTO e NÃO APTO.
b) Possível estrutura das questões, tendo como fundamento as habilidades, a
problematização, o apoio dos conteúdos teóricos e o perfil de estudante a ser formado
Um dos problemas percebidos na prática é a incoerência entre o proposto no cabeçalho (habilidades...) e
as questões. Para haver coerência, sugerimos a seguinte estrutura para as questões.
o estudante recebe um ou mais problemas do contexto;
são indicados os referenciais teóricos nos quais o estudante irá apoiar-se nas análises e
formar o quadro de fundamentos para a argumentação; e
será solicitado que, fundamentado nos conteúdos teóricos... e nos autores... estudados,
apresente suas conclusões argumentadas sobre a compreensão e/ou solução do(s)
problema(s).
De acordo com o exemplo de cabeçalho do instrumento apresentado acima, segue um referencial de
questões coerentes com o proposto:
Na coleta de dados realizada sobre o ecossistema da bacia do Rio dos Sinos, detectou-se o
grave problema da poluição da água, da precária condição de sobrevivência da fauna e da
flora. Identifique as cinco maiores causas dessa situação, tendo como referencial os dados
apontados nas aulas.
Analise os focos dos problemas (no mínimo 02 problemas), à luz dos referenciais teóricos (no
mínimo 01 para cada problema) desenvolvidos durante as aulas
A partir dos estudos e análises, escreva uma carta ao Secretário Municipal do Meio Ambiente,
apresentando a sua proposta, argumentada teoricamente (no mínimo dois fundamentos),
para a solução de um dos problemas focados.
1
REFLEXÃO: O material didático de apoio, as avaliações precisam pôr-se de acordo com a proposta
pedagógica, principalmente para conhecer as distâncias e as aproximações entre o perfil de estudante
almejado e efetivamente desenvolvido.
DIMENSÃO 5
O PERFIL DE DOCENTE NECESSÁRIO PARA DINAMIZAR A AÇÃO PEDAGÓGICA
A crise da formação e das práticas incorporadas na cultura dos docentes parece que, finalmente, se
instalou em nossas instituições. Hoje é preciso atentar para uma função do docente diferenciada daquela
que saudosamente trazemos do passado. Alguns teóricos nos ajudam a pensar a ação do professor hoje.
Vygostsky (1994), afirma que o papel do professor é mediar o processo entre o que o aluno já sabe e o
novo conhecimento a ser aprendido. Oliva (1990), completa que compete ao professor desafiar, instigar a
dúvida, retirar dos alunos as certezas que os colocam em situação tão confortável. Para Freire, citado por
Berbel (1998, 19),
“a tarefa do professor, e num sentido mais amplo a do educador, é a de problematizar aos educandos, os
conteúdos que os mediatizam, e não a de dissertar sobre ele, de dá-lo, de entendê-lo, de entregá-lo como
se tratasse de algo já feito, elaborado, acabado, terminado”.
Antunes (1998) argumenta que o professor deve usar a ferramenta dos conteúdos postos pelo meio
ambiente e pelo meio social para estimular as diferentes inteligências de seus alunos e levá-los a se
tornarem aptos a resolver problemas ou, quem sabe, criar produtos válidos para seu tempo e sua
cultura.
Estes pensamentos vêm ao encontro do referencial teórico que defendemos no presente ensaio, ou
seja, se queremos práticas pedagógicas apoiadas em determinados referenciais teóricos e perfil de
estudante a ser desenvolvido, então precisamos nos preocupar para que o perfil do professor seja
aderente. Para reverter o cenário atual dos problemas da formação inicial dos professores, precisamos
investir em projetos de formação continuada, exercitando a teoria na prática, para que os docentes se
tornem capazes de responder com competência diante dos desafios contemporâneos e dos ideais que
buscamos como instituição.
REFLEXÃO: O material didático, tendo ciência da realidade, das sequelas da formação dos professores e
das práticas incorporadas por estes, precisa, além de institucionalmente preocupar-se com a formação
continuada, fornecer material de apoio para que os professores possam sentir-se seguros na prática.
1
DIMENSÃO 6
A GESTÃO DOS PROCESSOS EDUCACIONAIS COORDENA ESFORÇOS COLETIVOS PARA QUE
AS METAS INSTITUCIONAIS SEJAM ATINGIDAS
Levar os referenciais teóricos contemporâneos à prática também necessita de nova postura dos
dirigentes. Segundo Faundez (1993), é preciso mudar o foco do gestor.
De o gestor ser visto como chefe, autoritário, burocrata PARA líder, empreendedor, que coordena
esforços coletivos em busca da inovação, focado nas metas do plano institucional;
da postura centralizadora, individualista e busca de culpados para os resultados insatisfatórios,
PARA uma postura de delegação, trabalho em equipe, buscando as causas dos resultados
insatisfatórios;
de ver satisfeitos seus desejos de poder e ser centro das atenções, PARA preocupar-se em suprir
as necessidades da equipe;
de centralizar as informações, PARA disseminar as informações e municiar a equipe;
de decidir sozinho, PARA decidir em equipe;
da visão fragmentada da organização, PARA visão sistêmica da organização;
de tomar decisões baseado em “achismos”, PARA tomar decisões baseadas em dados
investigados;
de tentar resolver todos os problemas sozinho PARA analisar, chegar a consensos, assumindo e
resolvendo os problemas no coletivo.
Acrescentamos a essas considerações outras reflexões que contribuem para a boa gestão:
Cultura do planejamento, prática e avaliação do planejado.
O sucesso das inovações depende da construção coletiva e do sentido que as mesmas causam
aos colaboradores.
Ser empreendedor criativo, responsável e com agilidade de ação.
Reflexão: Dos gestores, em especial dos diretores e coordenadores, depende, em grande parte, o
sucesso ou não do processo educacional das instituições. É preciso que esses estejam atualizados,
conheçam e exercitem a proposta pedagógica e tenham perfil adequado para dinamizar a organização
institucional que, apoiada em planejamento, coordene esforços coletivos, levando às metas almejadas e
definidas pela Mantenedora.
DOS REFERENCIAIS TEÓRICOS PARA A PRÁTICA
1
Embasados pelo referencial teórico refletido, propomos, a seguir, 09 passos para aproximar a teoria da
prática
Compreendemos que, assim, estaremos dando unidade à nossa ação, podendo, em cada escola
legitimar os discursos, pois teremos aporte teórico, projeto e material de apoio interligados e consistentes.
Temos consciência de ser esta uma missão que irá demandar muito estudo, pesquisa, esforço, em
especial no que se refere aos termos conteúdo, metodologia e avaliação.
Estamos diante de uma mudança paradigmática e toda mudança vem acompanhada de um
reposicionamento do nosso pensar e agir, o que não ocorre em um passe de mágica, mas traz
resistências, comodismos, entre outros, pelas complexidades humanas que têm, em seu pano de fundo,
dimensões e segredos nem sempre fáceis de serem compreendidos e desvendados. No entanto, um
projeto institucional que se mostre coerente com as dimensões, potencialidades humanas e as
necessidades dos cenários do contexto, que cause impacto e sentido nas pessoas, tem grandes chances
de, progressivamente, ser adotado e efetivado satisfatoriamente pela comunidade educacional.
Os passos a seguir são apenas sugestão, mas vêm permeados por lógicas que foram amplamente
testadas com instituições e profissionais da educação durante muitos anos.
Passo 1
Projeto Pedagógico Institucional
O pressuposto primeiro para a elaboração de material didático de apoio aos docentes e orientação para as
unidades é a necessidade de uma referência. Onde vamos apoiar e justificar nossa ação? Para onde
vamos caminhar? Este é aspecto primeiro. Esta referência, em nível de Mantenedora, comumente, é
denominada Projeto Pedagógico Institucional. A Mantenedora, de forma coletiva e participativa, define as
bases que serão as referências para a fixação das metas: aonde queremos chegar. Clareado e definido
AONDE queremos chegar, podemos nos ater a refletir e a definir os caminhos: COMO vamos chegar às
metas.
Um projeto pedagógico precisa ser sucinto, de fácil compreensão e aplicação. Por isso, propõe-se um
referencial de Projeto Pedagógico, a seguir, que pode ter a seguinte estrutura, toda ela já fundamentada
no referencial teórico acima:
a) Cenários: visão do contexto local, regional e mundial de onde vêm nossos estudantes e para o
qual precisamos prepará-los.
b) Concepção de Homem: é preciso definir como compreendemos o Ser Humano? Como ele
aprende? Como se motiva? Suas potencialidades e dimensões (afetivo, inteligente, com
1
vontade....). Ter concepção de Homem pressupõe ter instituições e práticas pedagógicas
voltadas em respeito ao mesmo.
c) Perfil de estudante que queremos: se temos claro o cenário no qual este estudante vive ou
vai viver, a concepção de Homem, então precisamos definir qual é o perfil de estudante que
queremos formar. Aqui está o ponto central do Projeto Pedagógico. É no perfil que estão
nossas metas que indicarão COMO serão as práticas pedagógicas (metodologia e avaliação),
as relações e a organização institucional.
d) Fundamentos Educacionais: neste ponto o Projeto define os fundamentos teóricos nos quais
se apoia. Este apoio dá clareza e segurança aos membros da comunidade educativa em seu
caminhar. Além de saber aonde queremos chegar e como chegaremos lá, é fundamental saber
os porquês.
e) Perfil de Professor: se queremos um perfil de estudante que esteja em consonância com os
cenários e as concepções humanas, se apoiamos o projeto em determinados fundamentos,
então precisamos ter claro o perfil de professor de que precisamos para dinamizar as práticas
pedagógicas. Tendo claro o perfil, tanto na contratação como na exclusão, teremos mais claro
por que estamos procedendo desta ou daquela forma. Assim, também teremos as bases para
definir a Formação Continuada dos Professores.
f) Gestão Institucional: para dinamizar a gestão institucional, coordenar os esforços coletivos e
chegar às metas, precisamos definir o modelo de gestão que queremos e precisamos. É
comprovado que a gestão, passando por todos os níveis, em especial partindo da Direção, é
fundamental para o sucesso ou fracasso da Instituição. Ter claro o modelo de gestão também
ajuda na avaliação da gestão, inclusive quando se necessita contratar ou excluir alguém do
processo.
g) Avaliação do projeto: precisamos ter instrumentos (avaliar práticas, instrumentos de avaliação
pedagógica, pesquisa – focada no perfil de estudante, professor, gestor...almejados) para que
possamos conhecer, coletivamente, como, na prática, o idealizado está ocorrendo e nos
reposicionar para qualificar as fraquezas detectadas.
Passo 2
Ter Clareza de Conceito quanto ao Perfil de Estudante almejado
1
Tendo Projeto Pedagógico construído e documentado, precisamos clarear os termos-chave usados no
perfil de estudante que queremos. Sem saber o conceito simplificado do que significam os termos que
irão nortear a ação, como saber COMO realizar a ação pedagógica? Abaixo, um referencial de como esse
processo pode ser feito em nível de Mantenedora:
Perfil de estudante almejado (Alguns exemplos)
Significado desse perfil para a CNEC
Crítico
Empreendedor
Espírito de pesquisa
Um exemplo de uma escola que está exercitando este processo:
Perfil almejado pela
escola
Sentido deste perfil para os professores
ConscienteConsciente que sabe, que tem a noção, racional, responsávelque sabe, que tem a noção, racional, responsável
Investigativo:Investigativo: pesquisador, inquiridor
Crítico:Crítico: aquele que tem a faculdade de examinar e julgar
InstigadorInstigador que incita, estimula
Pró-ativoPró-ativo que toma a iniciativa da ação
Solidário:Solidário: em que há responsabilidade mútua, em que há responsabilidade mútua, aderido à causa ou sentimento do
outro
Responsável:Responsável: que tem de tratar de algo, alguém que reflete antes de agir que tem de tratar de algo, alguém que reflete antes de agir
Passo 3
Exercitar o Perfil de Estudante na prática
Tendo definido o sentido do perfil pela Mantenedora, cada Instituição, nas reuniões
pedagógicas, nas jornadas pedagógicas... pode avançar no processo, discutindo como será a
metodologia e a avaliação para alcançar o perfil almejado. Vejamos o quadro a seguir:
Perfil de estudante almejado
(Alguns exemplos)
Significado desse perfil para a escola/curso
Como será a metodologia para garantir o desenvolvimento
Como será a avaliação para conhecer em que nível o perfil foi
2
desse perfil? desenvolvido?Crítico
Empreendedor
Espírito de pesquisa
Apoiados pelo Projeto Pedagógico Institucional, conceituados e compreendidos os
principais termos, em especial o Perfil de Estudante almejado que norteia as práticas
institucionais, iniciamos a preparação do material didático que irá apoiar os fazeres dos
docentes.
Passo 4
Mapeamento dos conteúdos teóricos
Para que possamos ter uma visão geral e sistêmica de todos os conteúdos, sugerimos
o mapeamento a seguir:
a) Mapeamento dos conteúdos por componente curricular
Por componente curricular. Ex. Matemática
1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª 9ª 1ªEM 2ªEM 3ªEM
b) Mapeamento dos conteúdos por série: Para que tenhamos uma visão interdisciplinar
dos conteúdos por série, propõe-se o mapeamento abaixo.
Por Série: Ex. 5a Série
Port. Mat..... Hist.... Geo.... Ciências ......
.
2
Tendo feito este segundo mapeamento, poderemos fazer uma primeira classificação
em relação aos conteúdos que se repetem e os temas que se aproximam entre os
componentes curriculares. Este mapeamento, chamado aqui de interdisciplinar, possibilita a
otimização do desenvolvimento dos conteúdos teóricos em cada componente curricular.
Passo 5
Classificação dos conteúdos: senso comum presente/passado e senso teórico (Os
passos 4, 5 e 6 precisam ser feitos concomitantemente, pois estão interligados)
Como já refletido no referencial teórico, diante do contexto atual onde existe, desde os
documentos oficiais, uma grande confusão entre o que é conteúdo teórico (lei, fórmula,
conceito... que explica algo) e senso comum (fatos e problemas empíricos do
presente/passado) que precisam ser explicados, faz-se necessário analisar e classificar os
conteúdos. Propomos a seguinte tabela para organizar a classificação:
Conteúdos do Senso Teórico
(Alguns exemplos)
Conteúdos do senso comum do passado
Conteúdos do senso comum do contexto presente
Ética
Fórmula de Báscara
Raiz Quadrada
Período composto por
subordinação
Passo 6
Ressignificação dos Conteúdos Teóricos
Colocamos a ressignificação dos Conteúdos Teóricos como passo 6 somente a título
de organização. Na verdade, como já frisado, os passos 4, 5 e 6 precisam acontecer de forma
2
concomitante. Explicamos: não é possível conhecer os conteúdos teóricos (mapeamento do
passo 4) sem ter feito a classificação entre teórico e senso comum (passo 5), como também
não é possível estabelecer a aderência do senso comum do presente, com o senso comum do
passado e o senso teórico que o explica, se o docente não tiver clareza das situações e dos
problemas (senso comum do passado) que originaram o senso teórico (passo 6). Trazemos,
abaixo, um referencial para orientar o processo de ressignificação.
Obs: A ordem das colunas depende de cada situação ou do conhecimento sobre o tema.
Podemos partir do conhecimento teórico e depois buscar, tanto na origem como hoje, as
aderências; como também, podemos partir do senso comum – presente e passado – e, depois
buscar a aderência no senso teórico.
Conteúdos do senso comum do contexto presente dos alunos e que são explicados, compreendidos ou solucionados pelos conteúdos teóricos
Conteúdos do senso comum do passado e que deram origem ou são explicados pelos conteúdos teóricos
Conteúdos do Senso Teórico
Criminalidade, discriminações,
acidentes de trânsito, uso de
bebidas alcoólicas
Indisciplina nas civilizações da
antiguidade, a lei do mais
forte, disputas de poder –
gregos, romanos.
O ser humano e as regras de
convivência social
O ser humano e as regras de
convivência social
Astros, mitos, satélite natural Astronomia
Reator nuclear, pequenas
massas e grande geração de
energia
Grandes massas para
pequena geração de energia
(queima de madeira,
combustível, carvão mineral)
Física Quântica – fusão
nuclear
DNA, células tronco,
clonagem, transgênicos,
anticorpos
Cor da pele, etnias humanas,
hereditariedade, albinismos
Genética
Alterações climáticas,
extinção de animais, tsunami,
desmoronamentos
Desertificação, crescimento
urbano, desmatamentos
Relações do homem com o
meio
Na prática e embasados em escolas que já desenvolveram este processo, tanto o
passo 5, como o passo 6 podem ser desenvolvidos por componente curricular. Exemplo: os
2
docentes do mesmo componente dividem os conteúdos teóricos do componente curricular de
todas as séries, a partir do mapeamento, e cada docente assume “x” conteúdos teóricos e faz
a ressignificação presente/passado do senso comum e senso teórico.
Passo 7
Problematização dos Conteúdos
O material didático, como apoio e referência à prática, além de fornecer os conteúdos
classificados e ressignificados, precisa apresentar exemplos de problemas da atualidade que
irão ajudar os docentes a organizar o caminho metodológico. Embasados em Saviani, para o
qual o termo problema está relacionado a necessidades humanas não supridas, podemos
construir, por componente curricular, um quadro de necessidades e problemas, como segue:
Necessidades da Pessoa Humana Problemas no Contexto
Beber água limpa Poluição das águas Respirar, equilíbrio ambiental (chuvas...) Desmatamento, poluição do ar, catástrofes
ambientais (ciclones...)Conviver em harmonia, afeto ... Guerras, egoísmos, individualismos,
exclusões , violência (mortes, agressões ...)...Alimentar-se, moradia, agasalhar-se... Fome, moradores de rua, pessoas passando
frio...Fazer uma viagem de férias, a negócios ... Acidentes, carro estragado, curva mal feita no
asfalto...Saúde do corpo, mente... Doenças do corpo (câncer, gripe, coração...)
e mente (depressão, ...)Ética, valores morais, honestidade.. Desvios, roubos, desrespeito, mentiras,
dinheiro a qualquer preço...Desvios, roubos, desrespeito, mentiras, dinheiro a qualquer preço...
Desequilíbrio financeiro, dívidas, cheque especial, ..
Comunicar-se, entre outros, por escrito, criando para tanto símbolos e estruturas linguísticas
Desconhecimento da estrutura linguística, causando, com isso, problemas na comunicação, como, oração subordinada sem oração principal, pontuação, ...
Ligação com um Ser Superior (Deus, Alá, Javé...)
Falta de crença, fé, valores...
Utilizar as riquezas naturais Uso indiscriminado dos recursos naturais
Com este quadro de informações acima, somado com a ressignificação dos conteúdos
teóricos podemos, agora, por componente curricular, aproximar os problemas dos conteúdos
teóricos, como mostra o quadro abaixo:
2
PROBLEMAS DA COMUNIDADE LOCAL,
REGIONAL E MUNDIAL RELACIONADOS À
ÁREA DE FORMAÇÃO
CONTEÚDOS TEÓRICOS ADERENTES
AOS PROBLEMAS
A exclusão por causa da cor da pele, deficiência física, o índio deslocado de suas terras...
O ser humano como ser preconceituoso
Divisões sociais geradas pelas disputas de poder, exclusão dos mais fracos.
O ser humano como um ser competitivo
Chuva ácida, poluição do ar, da água, do solo.
Soluções químicas
Síndrome de down, deficiência mental, ... GenéticaMudança das marés, mudanças climáticas, lixo espacial
Astronomia
Tendo referenciais de problematização para cada conteúdo teórico, estamos agora
instrumentalizados para exercitar os professores na prática pedagógica – metodologia e
avaliação.
Passo 8
Metodologia – o caminho que nos leva às metas
Tendo:
a Mantenedora projeto pedagógico institucional, com perfil de estudante
almejado conceituado, para que todos tenham a compreensão do significado
do perfil pretendido;
os professores referenciais sobre o sentido de ser dos conteúdos, clareza
sobre os conteúdos do senso comum e teórico, referenciais de conteúdos
problematizados;
então estamos preparados para orientar o caminho (metodologia) que nos levará à meta
almejada.
Para exercitar as dimensões até aqui abordadas e a metodologia, tanto a Mantenedora
como cada unidade institucional necessita de projeto de formação, oportunizando aos
docentes refletir e socializar suas práticas, movidos pela base teórica. Esta ação precisa ser
motivada e provocada. Inicialmente os gestores principais – direção e coordenação das
escolas ou faculdades - são “ungidos” e incorporam a proposta projetada. Se as instâncias
superiores das unidades não assumirem o projeto pedagógico, que se supõe foi construído
coletivamente, o mesmo estará fadado ao fracasso.
Da equipe diretiva parte a motivação para os docentes. Jamais sob forma de
imposição, mas sempre sob o prisma da significação. Lembremo-nos: as pessoas assumem
2
novos paradigmas se estes provocarem sentido e as convencerem de que há mais chances
de sucesso do que nas práticas anteriores.
Dito isso, é preciso exercitar o corpo docente. Um bom exemplo para elaborar material
didático de apoio é o livro Estratégias de Ensino e Aprendizagem, de Bordenave e Pereira9,
que vem estruturado a partir da problematização + teorização + produção teoricamente
fundamentada, apoiado no Arco de Maguerez. Nele, o material didático direciona as ações
para que o professor, passo a passo, possa desenvolver o processo pedagógico, onde:
os conteúdos teóricos são ressignificados e úteis para a vida do aluno;
o professor aborda os conteúdos dentro de uma relação de aproximação e significação
– senso comum do presente, senso comum do passado e senso teórico;
os problemas do contexto servem para provocar a motivação e situar os alunos no
presente e no passado, desenvolvendo o espírito de pesquisa; e
os conteúdos teóricos têm a função de explicar e oferecer compreensão dos
problemas ou dos fatos desconhecidos dos estudantes.
Embasados nas teorias indicadas e desenvolvidas, sugerimos os seguintes passos para
desenvolver a abordagem de um conteúdo teórico. Apoiados em Bordenave e Pereira (2001),
esta também pode ser a estrutura do material didático de apoio.
Primeiro Momento da aula
O material apresenta, através de pequenos textos, figuras, ..., problemas comuns do
contexto dos estudantes de várias partes do Brasil e provoca perguntas nos alunos, do tipo:
por que isto acontece?....como podemos resolver esta questão?.... Além de o professor
apresentar determinados problemas, os estudantes podem acrescentar outros. As respostas
dos alunos aos questionamentos, neste momento, estão embasadas nas suas concepções
prévias, sem ou com pouca fundamentação teórica.
Segundo Momento da aula
O material didático apresenta problemas, fatos, situações do passado, similares aos
problemas do presente, para que os estudantes possam situar-se no contexto histórico dos
fatos.
Terceiro Momento da aula
9 Bordenave, Juan Diaz; Pereira, Adair Martins. Estratégias de ensino e aprendizagem. 22 ed. Petrópolis:Vozes, 2001
2
Após esse momento inicial de provocação e de olhar histórico, o material apresenta o
conteúdo teórico que deverá explicar os problemas abordados. Este material pode ser as
fórmulas, os conceitos, os textos explicativos de algum teórico, ou referenciais onde o docente
e os estudantes podem encontrar mais fundamentos. Para os pequenos (educação infantil e
séries iniciais), o conteúdo teórico pode ser uma história em quadrinhos, uma fábula.... O
professor, à medida das necessidades, amplia o material teórico, ou o próprio material de
apoio pode indicar bibliografias onde os estudantes podem ampliar os fundamentos.
Quarto Momento da Aula
No momento seguinte, para exercitar o processo, o material didático pode trazer novos
problemas e solicitar que o estudante, de forma individual ou em grupo, usando o
conteúdo teórico desenvolvido, apresente a solução do(s) problema(s), ou sua
compreensão teoricamente fundamentada e argumentada.
Quinto Momento da aula
Momento final do processo de abordagem de um conteúdo teórico. Embora a
avaliação esteja presente em todo o processo, neste momento final, o estudante, de forma
individual, é submetido a uma produção problematizadora, em consonância com o
processo desenvolvido – problema + teoria + compreensão/solução teoricamente
fundamentada.
Para ajudar os professores a exercitar a prática pedagógica, nos momentos de
formação continuada nas escolas, reuniões pedagógicas, jornadas pedagógicas ...,
sugerimos o seguinte quadro, onde os mesmos, em grupos, por componente curricular,
elaboram suas aulas e socializam com os colegas:
Conteúdo teórico a ser desenvolvido:__________ Série em que será trabalhado:
______________
Passo 1: Problematização Inicial e Compreensão Empíricaa) Que situação-problema do presente dos alunos será apresentada aos alunos, para provocar neles a motivação, o desejo de aprender o conteúdo teórico?Como será desenvolvido esse momento? b) Que questionamentos serão feitos aos alunos para que eles, no seu senso comum, expressem o que entendem em relação à situação-problema e apresentem suas soluções?Como será desenvolvido esse momento?Passo 2: Referencial Histórico da Problematização InicialQue conteúdos do senso comum do passado serão apresentados aos alunos para que eles percebam a relação
2
presente e passado?Como esse momento será desenvolvido?Passo 3: TeorizaçãoQue conteúdo do senso teórico será desenvolvido para que os alunos possam compreender ou apresentar soluções à situação-problema do passo 1?Como será desenvolvido esse momento?Passo 4: Compreensão Teoricamente FundamentadaQue novas situações-problema serão apresentados aos alunos para que os mesmos, utilizando o conteúdo teórico desenvolvido, demonstrem que compreenderam e/ou sabem resolver problemas com o novo conteúdo teórico?Como será desenvolvido esse momento?Passo 5: Produção Teoricamente FundamentadaQue instrumentos serão utilizados na avaliação e como serão as questões de avaliação para avaliar a capacidade de compreensão, solução, aplicação [...] do novo conhecimento teórico?
Não existe e nem pode existir a indicação de caminho metodológico único. Lendo as produções dos
professores em dois dos livros que organizamos, “Significar a Educação: da teoria à sala de aula” e
“Teoria e prática – a escola dos sonhos é possível”, verificamos que cada professor, na sua
individualidade e situação, utilizou inúmeras formas para desenvolver o processo, mas nenhum perdeu o
eixo condutor apontado pelo referencial teórico: provocação de problemas – presente e passado +
teorização + produção teoricamente fundamentada.
Passo 9
Avaliação do processo: entre o idealizado e efetivado
Seguindo a linha de pensamento até aqui abordada, a avaliação, como processo, está focada nos
objetivos institucionais – perfil de estudante a ser formado pela Instituição – tendo como referencial:
formar para as competências (perfil de estudante a ser formado) – ser capaz de resolver
problemas fora da rotina. Nos perfis de estudante, temos, comumente, p. ex., espírito de pesquisa,
capaz de argumentar.... Portanto, a partir de problemas da realidade e dos conteúdos teóricos, o
estudante é exercitado; e
desenvolver habilidades - exercitar a mente em exercícios superiores (identificar..., analisar,
argumentar..., reconstruir, aplicar...).
Com estes referenciais, acrescentados dos conteúdos – senso comum e teórico, dos conteúdos
ressignificados, problematizados e com os professores apropriados de referencial metodológico que
oriente o caminho para chegar ao perfil almejado, teremos a base para propor modelos de instrumentos
de avaliação e a estrutura das questões.
2
Independente do tipo de avaliação, as questões de avaliação precisam ter, no mínimo, a seguinte
estrutura:
a) apresentar um problema da realidade; e
b) solicitar ao estudante, fundamentado em conteúdo teórico, apresentar soluções ao problema, ou
refletir o problema, trazendo argumentos que demonstrem a sua compreensão.
A questão de avaliação precisa deixar claros os critérios da resposta solicitada. Por exemplo, se solicito
que o estudante argumente; preciso indicar: quantos autores, quantas citações de cada autor... estou
solicitando na argumentação. Como já frisado no referencial teórico, aqui não há mais respostas do tipo
certas ou erradas, mas sim, temos como referencial o nível de desenvolvimento e a capacidade do
estudante de externar argumentos, apoiado em fundamentos teóricos.
A título de ilustração, como já fizemos na abordagem teórica anteriormente, trazemos, abaixo, algumas
questões já estruturadas de acordo com os fundamentos apresentados:
1. “Uma empresa de biotecnologia anunciou o desenvolvimento de uma planta transgênica contendo um
gene que confere resistência a um herbicida, e de uma cabra transgênica que secreta, através das
glândulas mamárias, um fator de coagulação do sangue humano. O anúncio da comercialização das
sementes da planta provocou reações desfavoráveis por parte dos biólogos que, no entanto, aceitaram
bem a criação das cabras, cujo leite viria a ser utilizado na produção de um medicamento para tratar
hemofílicos.”
a) Fundamentado em 02 dos autores estudados, analise a diferença de reação dos biólogos em relação
à planta e à cabra, trazendo, no mínimo, uma citação de cada autor.
b) Proponha e justifique, baseado nos referenciais teóricos desenvolvidos em sala de aula (no mínimo
02), um teste a que a planta deve ser submetida, antes de ser cultivada em larga escala.
2. Hoje o inverno já não é tão frio e nem o verão tão quente, ou seja, as estações do ano já não estão
mais tão bem definidas.
Apresente 3 argumentos, fundamentado em, no mínimo, 2 autores estudados, o porquê de estes fatos
estarem ocorrendo.
3. Quanto menor o número de árvores em uma região, menor poderá ser a ocorrência de chuvas.
Fundamentado nos conteúdos estudados (no mínimo 3 fundamentos), analise os problemas que este
fato pode gerar e apresente possíveis soluções.
4. Baseados nos teóricos trabalhados em aula (no mínimo 01), onde analisamos o conceito de
hidrodinâmica, descreva, a partir de uma situação real do contexto, como é o processo de irrigação
2
mais utilizado nas lavouras e que resolve o problema da perda das plantações por causa da chuva
escassa.
5. Um prédio de 10 andares possui muitos vazamentos que comprometem sua estrutura. Com base nessa
situação e fundamentado em, no mínimo, 02 autores estudados, explique por que este problema ocorre e
como resolvê-lo.
A avaliação, como a metodologia, precisa ser exercitada pelo corpo docente. Seja nas reuniões, nas
jornadas, nos grupos de estudo..., é fundamental que os docentes formulem a elaboração de instrumentos
de avaliação (cabeçalho com habilidades, questões coerentes...) e socializem com os colegas, para que
fortaleçam suas convicções, adquiram segurança e, coletivamente, desenvolvam a avaliação de acordo
com o Projeto Pedagógico. No entanto, voltamos a lembrar: se o material didático de apoio não estiver
coerente com as bases do Projeto Pedagógico, teremos algumas iniciativas individuais de mudança nas
unidades, no entanto, ficará muito mais difícil atingir as metas no coletivo.
Em uma rede, o grande desafio é construir a unidade. No entanto, a unidade de ação estará muito mais
fragilizada se, em todas as instâncias, não houver aderência, comprometimento, produções e ações que
demonstrem o esforço de consolidar o idealizado na prática.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como inicialmente afirmamos, a produção deste ensaio apoia-se em produções anteriores e em
bibliografias indicadas a seguir. Procuramos apresentar, sucintamente, alguns fundamentos que, na nossa
visão, são aqueles que sintetizam o pano de fundo na compreensão dos cenários, do homem, do perfil de
estudante, dos fundamentos da educação, do perfil de docente e dos modelos de gestão. Todos eles
estão interligados e formam significativo referencial para elaborar o projeto pedagógico, sustentando
práticas educacionais que vêm ao encontro das necessidades da pessoa, nos cenários contemporâneos e
nas dimensões e potencialidades humanas.
À luz da teoria e conscientes dos problemas percebidos durante muitos anos nas práticas
educacionais, sugerimos 09 passos para auxiliar a instituição educacional no processo de dinamização,
aproximando a teoria da prática. Partindo do projeto pedagógico, conceituando o perfil de estudante
almejado, sugerimos o mapeamento dos conteúdos, a classificação dos conteúdos em senso comum –
passado, presente - e senso teórico, a ressignificação e problematização dos conteúdos, o exercício
metodológico e avaliativo. Nossa história de atuação como professor e acompanhando professores em
sua ação pedagógica, sugere que sem estes exercícios e reflexões, os docentes terão dificuldades em
desenvolver sua ação pedagógica com sucesso.
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Refletido isto e permeando todo o texto, tivemos a preocupação em sugerir formas para que o
material didático de apoio possa ser referência aos docentes, tendo em vista o projeto pedagógico
sugerido. Sabemos que estamos diante de um grande desafio. Produzir material didático de apoio, em
acordo com as teorias, é uma grande tarefa. Precisamos de trabalho coletivo de pesquisa para reunir as
informações, principalmente para clarear a questão dos conteúdos: senso comum, senso teórico,
ressignificação e problematização. Existe restrito material disponível para investigação. Em muitas
situações, precisaremos criar e inovar. Nesta tarefa, os docentes da rede têm importante contribuição a
dar.
Assim também, para a estruturação do material de apoio didático, conforme nos sugerem
Bordenave e Pereira (2001) (problematização + teorização + produção teoricamente fundamentada), tanto
na metodologia como na avaliação, necessitaremos de trabalho minucioso e de profunda compreensão do
processo, para que possamos oferecer subsídios aos docentes na orientação da sua prática pedagógica.
Não por último, necessitaremos de um audacioso projeto de formação continuada dos docentes,
para que os ideais do projeto pedagógico sejam compreendidos, refletidos e concretizados. Os docentes
necessitarão, inicialmente, ter acesso ao referencial teórico. Em seguida terão que ser desafiados em
levar a teoria à prática de suas salas de aula. Por consequência, em seminários nas unidades, na
região ..., através de oficinas... socializam a sua prática e também entram em contato com as práticas dos
seus colegas. Por fim, não se pode esquecer de documentar e publicar as práticas, permeadas com base
teórica. Este movimento – teoria – prática - socialização – documentar – publicar... não tem fim.
Por outro lado, não se pode esquecer dos docentes novos que anualmente entram em nossas
unidades. Estes precisam ter a oportunidade de acender à base teórica e inserir-se no movimento teórico-
prático.
O desafio é grande. Necessita de uma rede profissionalizada. Necessita de profissionais
competentes e audaciosos. No entanto, compreendemos que, somente assim, teremos a oportunidade
histórica de concretizar nossos ideais como Educadores.
“UM SONHO QUE SE SONHA SÓ É APENAS UM SONHO
UM SONHO QUE SE SONHA JUNTO É A REALIDADE QUE COMEÇA”
(DOM HELDER CÂMARA)
REFERENCIAIS BIBLIOGRÁFICOS
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