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Artigo sobre a construção da identidade da música popular brasleira.

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

PS-GRADUAO EM MSICA

ALEXANDRE HENRIQUE DOS SANTOSR.A: 123833Msica Popular, Indstria Cultural E Processos Identitrios No Brasil.

CAMPINAS 2013

ALEXANDRE HENRIQUE DOS SANTOS

Msica Popular, Indstria Cultural E Processos Identitrios No Brasil.

Trabalho apresentado para concluso da disciplina MS-261 B Msica Popular, Indstria Cultural e Processos Identitrios no Brasil. Prof. Dr. Jos Roberto ZanCAMPINAS 2013

Msica Popular, Indstria Cultural E Processos Identitrios No Brasil.Resumo: O presente trabalho pretende fazer uma reflexo do processo de construo da identidade nacional do ponto de vista musical. Sero abordados temas relacionados consolidao da msica popular brasileira, da segunda dcada do sculo XX at os anos 1960 e sua relao com a indstria cultural, a poltica e a sociedade. O trabalho apresentar uma linha cronolgica comeando com o nascimento do samba, o projeto nacionalista de Mrio de Andrade, a msica nos anos 1920 e 1930, a importncia do rdio, msica na dcada de 1950 e o nascimento do conceito de MPB nos anos 1960, alm de explanar sobre a cano engajada e os Festivais da dcada de 60.

Simplicidade e Monumentalidade

O processo de identidade nacional de um povo tem forte representao no campo das artes incluindo entre estas as expresses musicais. Se nos remetermos, por exemplo, segunda metade do sculo XIX, eventos como a proibio do trfico de escravos a partir de 1850, a abolio total da escravatura em 1888 e a proclamao da repblica em 1889 so acontecimentos significativos para o entendimento da construo da identidade nacional na msica. Nesse perodo j havia muitas manifestaes afrodescendentes, como lundu e maxixe misturados a elementos da msica europeia como polka, valsa e a mazurca, culminando na formao de estilos como o samba e o choro (Severiano, 2009), mas ainda assim no existia um consenso sobre a identidade nacionalista no Brasil.Como nos diz Arrais (2010) a partir desses importantes eventos comeou-se um questionamento mais forte acerca do que era realmente o povo brasileiro.

Breve viso do Brasil em 1889:

O processo de nao brasileira ainda est em construo;

O desenvolvimento econmico e social ainda est por acontecer;

Toda a produo cultural do Brasil financiada pelo governo.

De 1889 at 1930, porm, houve medidas significativas para a questo de nacionalidade:

Educao: Olavo Bilac;

Culto aos emblemas nacionais. Depois da proclamao criou-se o escudo, o braso e a bandeira;

O hino nacional era obrigatrio uma vez por semana;

O povo era extremamente catlico. Trs smbolos trs poderes trindade;

O povo devia prestar culto s entidades cvicas;

O processo de adorao ao civismo era similar a ir igreja, ou seja, educao cvica pala religio.

Incio de um processo de industrializao: valorizao pelo trabalho;

Rivalidade entre So Paulo e Rio de Janeiro; Funcionalismo pblico x industrializao; Arrais (2010) afirma que o sentimento nacionalista de um povo pode vir de duas formas: 1 - por uma influncia de ordem poltica, ou seja, lderes polticos que comandam um grupo de pessoas a atingirem um objetivo, uma guerra ou revoluo por exemplo. 2 atravs da cultura.

Mrio de Andrade, intelectual do sculo XIX e grande influenciador da busca pela identidade nacional sabia da possibilidade descrita no segundo item supracitado. Andrade percebeu que a Alemanha tinha passado por um processo similar ao nacionalismo brasileiro. A Alemanha no chegou sua identidade nacional pela luta armada e sim pela cultura, diferente da Frana, por exemplo, que j tinha passado pelo processo unificador. Na Alemanha esse movimento se chamava Bldung. A monumentalidade ganha fora no romantismo e a msica erudita est nessa poca comprometida com um projeto totalizador. Naves (2012) define monumentalidade como:No campo musical, as realizaes do tipo monumental geralmente se associam s obras sinfnicas, que permitem, dada a sua prpria natureza, efeitos grandiosos. O excesso manifesta-se em tais obras atravs de vrios meios, desde a prpria abundncia e variedade de instrumentos de que dispe a orquestra sinfnica at recursos expressivos vrios, como os extremos dinmicos (fortssimo seguido de pianssimo, por exemplo), a extenso dos movimentos, a abundncia de temas diferentes e a complexidade do desenvolvimento, entre outros. (NAVES, 2012, p. 69).

Um exemplo dessa ideia de monumentalizao est na prpria msica europeia do sculo XIX, de compositores tais como Debussy e Milliet e est associada hegemonia. A dominao de uma classe sobre outra no acontece apenas pelo ordenamento jurdico, mas acontece tambm no campo da cultura. Essa hegemonia em crise leva a suspenso das classes dominantes. Dentre as artes a msica a que tem o maior apelo hegemnico. Nesse contexto pode-se dizer que Villa Lobos sinfonizou e monumentalizou toda a diversidade cultural brasileira. A arte tem o consenso de criar o sentimento nacionalista e esse sentimento importante para constituir e prevalecer a ordem, (Zan, 2013).

Contrapondo a ideia de totalizao, Naves (2012) discorre sobre a esttica da Simplicidade e ilumina o nacionalismo e o modernismo brasileiro a partir da dcada de 1920 e 1930. A autora afirma:

Procurei formular o conceito de simplicidade a partir da anlise interpretativa de obras principalmente musicais e literrias que fogem ao padro monumental, desenvolvendo formas descomprometidas com perspectivas unificadoras, (NAVES, 2012, p. 78).

De modo geral a simplicidade est comprometida com os eventos da vida cotidiana. Opera no campo da fragmentao. Trata-se de uma opo pelo simples que no recusa, entretanto, o excesso ou qualquer tipo de transbordamento; a seriedade, quando acolhida, vem sempre matizada com o senso de humor (NAVES, 2012 p. 73). O simples no tem a inteno de ser totalizante, como no caso da monumentalizao, embora muitas vezes chegue a ser sublime. Esse contraponto do simples com o monumental pode ser identificado tambm na Europa com o Grupo dos Seis na Frana que tinham como membros: Georges Auric, Louis Durey, Arthur Honegger, Darius Milhaud, Francis Poulenc e Germaine Tailleferre. Os principais inspiradores desse grupo foram Erik Satie e Jean Cocteau. Os ideais desse grupo estavam apoiados em um manifesto escrito por Cocteau em 1918 intitulado Le coq et l'arlequin e nesse texto,Cocteau contrape a tradio musical francesa, caracterizada segundo ele por um procedimento esttico fundado no despojamento, s tradies alem e russa que tm incio principalmente no final do sculo XVIII, s quais ele atribui prticas musicais excessivas e grandiloqentes. (NAVES, 2012, p. 73).

As msicas compostas por esse grupo (Grupo dos Seis) so uma reao ao exagero Wagneriano e ao subjetivismo impressionista, pensavam mais na objetividade e simplicidade na esttica. Embora tenha esse marco histrico no sculo XIX, o conceito de simplicidade vem desde a idade mdia com So Francisco de Assis no Sculo XII, segundo Bakthin.

No Brasil Manuel Bandeira, Oswald de Andrade, Mrio de Andrade (parte da obra apenas) so autores que se alinham a essa esttica. Na msica popular temos: Noel Rosa, Lamartine Babo e parte da obra de Ary Barroso. Lamartine Babo, por exemplo, desconstri o mito do nacionalismo com a marchinha de carnaval Histria do Brasil (Zan, 2013). Nessa concepo o Brasil no foi descoberto, mas sim inventado, ou seja, essa msica coloca como marco da estatizao do Brasil o carnaval.

J para atuao de Noel Rosa nesse perodo pode-se afirmar como sugere Naves (2012) que ele foi o primeiro compositor a trazer o conceito de banquinho e violo. Noel comea a romper com o preconceito que a classe mdia tinha com o samba atravs de seu tratamento potico que dava s letras das suas canes, assim o samba passa a ser consumido por essa classe mdia. Noel coloca o samba em outro plano, tirou a religiosidade contida nele e assim conseguiu contribuir para tir-lo do gueto, do contrrio o samba teria permanecido no morro.

Para Naves (2012) Noel um bom exemplo da representao de simplicidade pelos seguintes fatores:

Recusa os procedimentos que se pautam pelo excesso; Opta por arranjos simples e intimistas; e, Busca interpretaes sem exageros vocais (uma recusa ao bel-canto europeu), (WENNEY, 2009, p. 5).

Vale ressaltar que os msicos j esto no cotidiano, e esse ltimo o seu material de composio. Os eruditos da literatura como caso de Manoel Bandeira ainda continuam eruditos, somente operam no campo da simplicidade. Para Manoel Bandeira a coloquialidade da lngua um opo, para os msicos populares a lngua oficial j a lngua simples, Cartola inclusive fez o caminho inverso e flertou com parnasianismo. Dessa forma pode-se concluir que a simplicidade na msica tem um sentido e na poesia outro.

A valorizao pelo simples nortear a construo de um perfil nacional nos anos seguintes. O referencial de Naves (2012) remete s ideias de Mikhail Bakthin que ao analisar a idade mdia criticava os pr-romnticos e os romnticos que evitavam o humor popular e suas manifestaes. Para Bakthin havia uma valorizao do riso prosaico e do cotidiano nas manifestaes artsticas na idade mdia. Dessa maneira pode-se aproximar esse contexto msica popular e parte da literatura modernista, levando a uma valorizao do cotidiano e das manifestaes populares (Werney, 2009).Indstria Cultural e Msica Popular

O termo indstria cultural foi criado pelos filsofos alemes Theodor Adorno e Max Horkheimer. Esses autores colocavam que os bens culturais passaram a ser negociados e consumidos como produtos e mercadorias. Toda produo cultural era seriada assim como os automveis e outros produtos. Adorno substituiu o termo cultura de massa para indstria cultural. A ideia de Adorno era que a arte consumida no tinha autonomia por estar vinculada ao mercado. A autonomia do artista nesse caso relativa, ou seja, precisa fazer arte, mas ao mesmo tempo tambm precisa vender. Sendo assim para Adorno no existe arte autnoma. O papel da arte introjetar o que no existe, se for redundante no arte. (ZAN, 2013).

Na viso de Adorno a msica popular um produto da indstria cultural. O autor coloca a msica erudita como msica sria. Para o autor a msica erudita ou como ele chama, a msica sria, depende de cada um de seus detalhes para que a obra se complete na sua plenitude, ou seja, as partes no podem ser expostas isoladamente para que atinja seu pice dramtico. Para mostrar isso o autor discorre sobre a 7 sinfonia de Beethoven:Por exemplo, na introduo do primeiro movimento da Stima Sinfonia de Beethoven, o segundo tema (em D Maior) s alcana o seu verdadeiro significado a partir do contexto. Somente atravs do todo que ele adquire a sua peculiar qualidade lrica e expressiva, isto , uma construo inteiramente contrastante com o carter como que de cantus firmus do primeiro tema. Tomado isoladamente, o segundo tema seria reduzido a insignificncia (COHN, 1986, p. 117).

O autor afirma que nada parecido acontece na msica popular. Ele coloca a msica popular como sendo feita sobre padres pr-determinados que direcionam e facilitam a escuta, a massificao e manipulao. Para Adorno a caracterstica principal da msica popular a estandardizao. Segundo o autor, a estandardizao o processo externo que influencia e canaliza eventos pr-definidos nas composies como compassos, formas, tonalidades e tessitura.

Muito conhecida a regra de que o chorus (a parte temtica) consiste em trinta e dois compassos e que sua amplitude limitada a uma oitava e uma nota. Os tipos gerais de hits so tambm estandardizados [...] os tipos caractersticos como canes de ninar, canes familiares, lamentos por uma garota perdida (COHN, 1986, p. 116).

importante salientar que essa viso de Adorno era a partir do processo de indstria cultural e consumo nos pases mais desenvolvidos, sobretudo nos Estados Unidos. No Brasil o processo era diferente. O pas ainda no tinha uma sociedade consumista estabelecida, e o consumo, que a base para a indstria cultural, ainda no tinha fora o suficiente para movimentar essa indstria, sendo assim, os meios de comunicao funcionavam como mediadores das relaes entre o Estado e as massas urbanas (ZAN, 2001, p 109).

A indstria cultural no Brasil em meados dos anos 1930 ainda era pequena e no tinha um esquema de funcionamento consistente. Nos Estados Unidos j havia a indstria Hollywoodiana, animaes, produes cinematogrficas e musicais da Broadway. No Brasil ainda persistia uma atmosfera amadora. Zan (2001) afirma:Do incio dos anos 1930 at meados dos anos 50, os meios de comunicao ainda no apresentavam, no Brasil, um nvel de desenvolvimento e de organizao sistmica que permitisse defin-lo como indstria cultural (ZAN, 2001, p. 109).

Nesse contexto a formao do que poderia ser chamado no Brasil de indstria cultural, a partir dos anos 1930 teve um processo diferente de profissionalizao. A consolidao do sistema de rdio influenciou consideravelmente nas formas de produo musical e outras formas artsticas a serem veiculadas nas programaes. Com o advento da melhora no sistema de gravao, que agora era eletrnica e no mais mecnica, e a melhoria dos equipamentos, os arranjos e execues tanto instrumentais quanto vocais passaram a estabelecer um modelo de msica popular que vir mais tarde a ser coroada como identidade musical brasileira.

Com o crescimento da demanda por propaganda, as rdios foram inovando. Criaram grandes espaos para programas de auditrios, contratando artistas, renovando a programao e influenciando a produo musical. A dcada de 1930 marcou o apogeu do rdio como principal meio de comunicao em massa no Brasil, refletindo as mudanas pelas quais o pas passava. O crescimento da economia nacional atraa investimentos estrangeiros, que encontravam no Brasil um mercado promissor. Em 1936 foi inaugurada a Rdio Nacional e em 1940 passou a ser propriedade do Governo Federal, em plena vigncia do Estado Novo de Getlio Vargas (Caldas, 2010). um sistema de rdios estatais (que nessa poca era usada a favor do populismo do governo Vargas) que existe at os dias atuais, e em seus tempos ureos foi palco para consolidao de grandes nomes da msica e lder de audincia at os anos 1960.

A partir desse panorama pode-se dizer que a msica popular que era veiculada na Rdio Nacional estava sobre o controle do governo. Nessa poca comeou-se uma poltica repressiva de censura que vigiava de perto as letras dos compositores. Wilson Batista, por exemplo, teve problemas com sua composio Corda no Pescoo, que falava sobre a malandragem (Caldas, 2010). A dcada seguinte, por sua vez, ficou conhecida como Era de Ouro por ser um grande momento da msica, do teatro de revista e da radionovela.Aquarela do Brasil

Segundo Naves (2010) o cenrio musical na dcada de 1930 no Brasil j vinha consolidando dois gneros que cresceram muito na dcada anterior que foram o samba e a marchinha, chegando inclusive formao de subgneros como marcha-rancho e samba-enredo. Paralelo a isso o governo Vargas est em plena ascenso nacional, e quando Getlio chega ao poder estabelece uma relao tanto com os modernistas quanto com as camadas populares, sobretudo para as manifestaes carnavalescas. Nesse momento o samba comea a ascender como estilo referncia para identificar o povo brasileiro.

Curiosamente esse momento chega a causar um paradoxo com o modelo nacionalista de Mrio de Andrade. Andrade no queria a formao da msica popular somente a partir de um elemento, pelo contrrio, defendia que teria ter todas as etnias que se misturaram no Brasil. Naves (2010) citando a anlise de Hermano Viana no livro O mistrio do samba que argumenta que nos anos 1930 recorria-se ao mito de descoberta do samba, como se o morro possusse o samba em essncia, assim, no s o morro como tambm o Brasil passam a ostentar uma natureza carnavalesca (NAVES, 2010, p. 75).

O samba passou a ter uma representatividade de smbolo nacional tendo uma simplicidade musical bastante significativa, contrariando os padres modernistas, que apostavam em uma esttica mais elaborada como a de Villa Lobos.

Somente no final da dcada o samba comea a sofrer uma srie de mudanas causadas pelo samba cvico e pelo samba exaltao.

Ary Barroso se alinhava intelectualmente as ideias modernistas de Mrio de Andrade. Imbudo desse sentimento nacionalista, Barroso compem em 1939 Aquarela do Brasil. Nessa composio o compositor institui e monumentaliza a figura do mulato inzoneiro e da morena sestrosa. A parte musical contida de complexidade e se aproxima mais do ritmo do que do hinrio (Naves, 2010).

O arranjo de Radams Gnatalli, com sua formao que transitava entre o campo erudito e o popular, conseguiu traduzir toda monumentalidade almejada por Ary Barroso. Tambm conseguiu aproximar o arranjo com as estticas da poca como as Big Bands de Jazz, por exemplo, e ligando com a tradio africana ao descolar as sncopes das percusses para os instrumentos de metais. Aquarela do Brasil pode servir de referencial para o que poderia ser a coroao do Samba como estilo brasileiro genuno, revestido de toda monumentalidade e originalidade buscada por Mrio de Andrade no primeiro projeto nacionalista. Longe de ser um samba de gueto, a composio de Ary Barroso comeou a projetar a msica brasileira no exterior. A cano foi includa por Walt Disney em um de seus desenhos e foi gravada por inmeros artistas nacionais e internacionais at os dias atuais.Aquarela do Brasil embora revestida de exaltaes e mostrando em seu texto um pas sereno e sem conflitos, exibe elementos conflitantes que tentam se conciliar. O prprio pandeiro do samba ao fundo sendo consumido pela massa sonora das big bands representa a hegemonia dos pases dominantes; a interpretao com caracterstica do bel canto no remete ao estilo vocal simples do samba urbano de Noel Rosa. Como diz Napolitano (2009) o Brasil retratado na cano uma alegoria, ou seja, um Brasil idealizado, tentando sublimar os conflitos culturais presentes at sua concepo.A Msica Brasileira na Dcada de 1950

A dcada de 1950 representa um divisor de guas no Brasil do ponto de vista socioeconmico. As populaes rurais comearam a se mudar para os centros urbanos e iniciou-se nesse perodo um forte processo de industrializao. As polticas de Getlio Vargas no incio e de Juscelino Kubitscheck logo em seguida, fomentaram o processo de industrializao via abertura ao capital estrangeiro para investimento (Ribeiro, 2013).

No campo da msica e da produo cultural a dcada de 1950 conhecida como idade das trevas, (Napolitano, 2010). Segundo o autor esse processo acontece por um erro historiogrfico sendo que uma parte dos estudos tende a referir-se somente a fase conhecida como anos dourados, enquanto que a bibliografia relacionada msica renega esse perodo colocando-a como nos dizeres de Tinhoro a uma grande quermesse, dizendo que a atividade musical era desorganizada e de baixa qualidade.

Na verdade a dcada de 1950 foi um perodo de extrema riqueza musical. A consolidao da Bossa Nova na segunda metade tem forte influncia da atividade musical que imperava naquele momento. O cenrio musical da dcada era composto dos seguintes elementos descritos a seguir:

A influncia externa fez com que o samba se jazzzificasse-se e abouleira-se: passou a ser chamado de sambafox e sambolero. O rdio, que era o principal meio de comunicao, nesse momento passava por um processo de massificao. Havia auditrios, distribuio de prmios, nibus da alegria, etc. Comeou-se a se formar artistas de rdio, como o caso de Jararaca e Ratinho. O rdio aproximava as camadas suburbanas para aumentar a arrecadao de propagandas. A crtica aos programas mostra o preconceito da elite com as classes mais baixas. As produes de chanchadas da Atlntida faziam filmes e peras de cunho popular. Surgiram os f-clubes, que na verdade eram uma estratgia de controle de comportamento de massa e de promoo de dolos, mostrando o lado manipulador da indstria cultural.

Existiam duas linhas de compositores: Samba mais elitizado e outra linha mais parecido com o estilo de Nelson Gonalves (melancolia, bafon, fossa) gnese do brega dos anos 60. O pessoal da Bossa Nova no gostava desse estilo, era exatamente isso que no queriam. Foi nesse perodo tambm que floresceu a msica de outras partes do Brasil, como o caso de Luiz Gonzaga migrando para os grandes centros urbanos junto com o crescimento da populao de mo de obra industrial.

Os anos 1950 tambm representaram um distanciamento entre as classes do Rio de Janeiro. Ficou mais evidente a separao entre a elite da classe mdia e os msicos do morro. O crescimento das boates influenciou uma reconfigurao das formaes dos msicos para atuarem nessas casas. O surgimento de pequenas casas noturnas, pequenas formaes e finalizao das grandes orquestras.

Talvez o fator principal da atribuio da baixa qualidade musical desse perodo seja as aes provocadas na prpria dcada. A valorizao da msica tradicional ou samba autntico, bandeira levantada por Almirante em seu programa de rdio, a poltica editorial da Revista de Msica Popular, que criticava a cena musical contempornea e as crticas aos sambas aboleirados e cheios de exagero podem ter construdo uma imagem negativa desse momento.

Perdida no vo da memria, espcie de limbo histrico-cultural entre os gloriosos anos 1930 e a mtica dcada de 1960, os anos 1950 passaram a ser sinnimo de msica de baixa qualidade, representada por boleres exagerados, sambas pr-fabricados e trilhas sonoras de quermesse. Mas, afinal, ser que a dcada de 1950 foi realmente uma idade das trevas musicais? (NAPOLITANO, 2010 p. 64).

Um dos primeiros pontos analisados por Napolitano (2010) que a dcada de 1950 tem autonomia. Mesmo tendo a Bossa Nova como marco de ruptura, os eventos musicais da dcada, a conscincia da busca pela modernidade de modo geral e a gerao de compositores formidveis, colocam a dcada de 1950 como o embrio do que viria adiante com a bossa nova, cano engajada, tropiclia e consolidao da MPB.

O autor tambm expe a anlise da pesquisa de Fbio Poleto que examinou a fase de Tom Jobim pr-1959 concluindo que:

[...] longe de ser um perodoprecursor da grande inveno consagrada em Chega de Saudade, os anos 1950 j demarcavam um perodo de maturidade e de diversificao de experincias e projetos musicais na vida do grande maestro da nossa modernidade musical. Muitos dos elementos que so vistos como caractersticos da bossa nova timbres orquestrais, solues harmnicas, busca da cano camerstica j estariam anunciados pela obra de Tom Jobim dos anos 1950. (NAPOLITANO, 2010, p. 64).

A partir do que foi dito anteriormente inegvel que a dcada de 1950 tenha uma representatividade significativa na histria da msica popular brasileira. A cena musical desse perodo aponta para uma modernidade musical que foi essencial ao repertrio da MPB. Foi nesse perodo que se comeou toda experimentao advinda do cool jazz como a performance vocal sutil, mudanas na execuo instrumental de contrabaixo, piano e bateria. Outro indicador importante a gnese da cano de protesto j presentes em alguns sambas que falavam em seus textos sobre as diferenas sociais e contradies da nao. No tocante parte mais representativa musicalmente da dcada de 50, a Bossa Nova, Napolitano (2010) sintetiza o caminho da modernidade musical:

Ao final dos anos 1950, o edifcio da tradio j estava construdo e parecia no seria mais ameaado pelas macacas de auditrio dos subrbios, mas pelos jovens da classe mdia que apenas queriam olhar o mar, mas acabaram redescobrindo o morro e o serto. Assim nascia a moderna MPB. (NAPOLITANO, 2010, p. 72).Sem dvida a dcada de 1950 deve receber mais ateno acadmica dada a importncia de seu objeto. A falta de pesquisa nesse perodo potencializa o senso de idade das trevas atribudo erroneamente a esse perodo.Os anos 1960: A construo da MPB

O Brasil vivia uma situao peculiar nos anos 1960. A promessa de arrancada econmica, modernidade, processo de industrializao, crescimento da televiso, cenrio poltico com o governo Jnio Quadros, problemas socioeconmicos e migrao interna, culminando no golpe militar de 1964. Nessa poca comea a se formar o conceito de Msica Popular Brasileira ou (MPB) ou at mesmo Moderna Msica Popular Brasileira (MMPB) (Napolitano 2011). O autor aponta para a crtica de Tinhoro em relao ao termo, pelo fato da dita MPB desse perodo estar corrompida de influncias externas como o Jazz por exemplo.

Nessa poca tambm se comea a buscar um novo iderio nacional, ou seja, uma nova concepo de nacionalismo, desta vez, mais direcionado ascenso da classe operria, industrializao, e classe mdia burguesa, contrapondo o primeiro projeto de Mrio de Andrade onde, nas dcadas de 1930 e 1940 o nacionalismo era mais um movimento de direita, com o homem nacional, mais rural.

Napolitano (2011) discorre sobre a posio paradoxal da msica popular nesse perodo: A MPB nasce com propsito de engajamento, politizada, retratando o povo brasileiro reprimido pela ditadura e ao mesmo tempo fazia muito sucesso no mercado (sendo muito importante para a indstria fonogrfica). As canes engajadas tiveram seu apogeu entre os anos 1960 e 1970 e faziam um tipo de protesto mais metafrico, alegrico e indireto, embora Geraldo Vandr fosse mais direto. (Napolitano, 2011).A ideia de MPB comeou a se formar na verdade a partir de 1965, coincidindo com os festivais de msicas populares. Os historiadores apontam como gnese da MPB duas correntes: uma advinda da Bossa Nova com Nara Leo e outra vinda da msica popular de rdio nos anos 1950 com Elis Regina. Os festivais de MPB eram eventos que tinham forte teor miditico, mas tinham uma forte urea mtica devido ao autoritarismo imposto nessa poca (Napolitano 2011). O primeiro festival de MPB foi na TV Excelcior e depois acampado pela TV Record. Esses eventos serviram como vitrine para a constituio da MPB como projeto esttico e ideolgico. Dessa forma a MPB passa a ser, durante a dcada de 1960, o smbolo de um novo projeto de nacionalismo, diferente inclusive do primeiro projeto nacionalista de Mrio de Andrade. Havia ento uma espcie de ruptura entre os artistas engajados e os que no queriam se aproximar de um envolvimento poltico. Como no diz Contier (1998)

A insero da cano popular no mbito do contexto cultural dos anos 60 levou-nos a discutir a msica como um discurso altamente complexo na sua feitura e na sua recepo pelo pblico. De um lado, as canes de Edu Lobo e Carlos Lyra foram analisadas em determinados eventos culturais [...] almejando-se resgatar experincias histricas localizadas em confluncia marcadamente ideolgicas de conflitos sociais, polticos, culturais e estticos. De outro lado como uma produo coletiva que envolvia arranjadores e intrpretes sintonizados com os acontecimentos polticos da poca. [...] Essa rpida difuso do projeto nacionalista na cano popular [...] levou a uma valorizao da msica nas peas de teatro, filmes, shows ou manifestaes polticas (passeatas). E, assim, o conceito totalizante de cultura defendido pelo CPC interferiu na criao e na divulgao da msica que circulou nos diversos espaos de So Paulo e Rio de Janeiro. [...] A construo e sacralizao desse imaginrio musical num discurso marcadamente ideolgico implicou o afloramento de prticas consideradas pelos defensores da brasilidade como alienantes, tais como: os temas da Bossa Nova sobre a mulher, o sorriso, o violo, a flor, o mar de Copacabana; o i-i-i, o rock defendido pelos artistas da Jovem Guarda ou com os antropfagos do movimento tropicalista. (CONTIER, 1998, p. 13).

As atuaes dos festivais, do teatro (sobretudo com o Grupo Opinio, que tinham entre seus integrantes simpatizantes do Partido Comunista) e as produes cinematogrficas, como as de Glauber Rocha, formam o ambiente que constituiu o que ser definido pela crtica como MPB ou MMPB (Napolitano, 2011).

Nesse contexto supracitado surge a expresso Nacional-Popular. Isso significava uma construo ideolgica do conceito de uma forma de arte comum a todas as esferas sociais. A ideia era pensar a nao a partir do popular. O esprito popular se manifesta nas prticas folclricas e populares, cabe ao artista dar forma ao contexto. Da a aproximao com a linguagem popular nas canes e no cinema se apropriando do serto, como no filme Deus e o Diabo na Terra do Sol e, no campo musical em Ponteio de Edu Lobo e Capinan, ganhadora do Festival de MPB de 1967 e Disparada de Geraldo Vandr, defendida no Festival da MPB de 1966 por Jair Rodrigues.

A MPB a partir desses acontecimentos passa a ser um importante elemento disseminador de uma ideologia entre as classes populares. A dificuldade foi que o regime militar cortou o elo entre esses artistas que estavam no campo mais elitizado, e as classes mais baixas. O militarismo proibiu as caravanas da UNE e a ida dos estudantes aos sindicatos, ou seja, ao invs de comprar a briga com a classe mdia que antes os tinha apoiado, eles isolaram seus atos. Isso aconteceu at o decreto do AI5, que ai sim reprimiu tudo e todos inclusive a classe mdia. (Napolitano, 2011). No momento do decreto do AI5 a arte de esquerda j representava uma ameaa ao regime. A MPB adentra ento os anos 1970 com aura de msica da resistncia.

Nesta dcada a MPB passa a ser mais vigiada pelo militarismo, contudo compositores Chico Buarque, Joo Bosco, Raul Seixas e muitos outros continuaram a driblar a censura com suas genialidades textuais. As canes desse perodo expressavam uma ideia mais voltada esperana pelo final do regime, estimulando a resistncia pelos dias de glria que um dia chegariam. A MPB ainda mantm nos anos 1970 a luta engajada para desgastar e incentivar a dissoluo do regime militar.

O termo que nos referimos hoje como MPB uma sntese da msica que foi constituda a partir dos anos 1960 e das manifestaes musicais da dcada de 1970, como por exemplo, a ascenso dos grupos de Minas Gerais, a insero da msica Black, Soul e Funk e a consolidao de grupos de msica instrumental como Black Rio, Medusa e Quarteto Novo.

Consideraes Finais

A diversidade cultural presente no Brasil, advinda de influncias indgenas, africanas e europeias, em todos os momentos desde seu descobrimento, torna complexa a busca por uma identidade nacional at os dias atuais. Um dos caminhos para entender a identidade cultural de um povo se concentra no campo das artes. No caso do Brasil, a arte musical traduz toda a busca de seu povo em conciliar a diversidade cultural que o forma em identidade nacional. A msica popular brasileira que comeou sendo renegada, ou como dizem alguns autores, comeou no quintal at chegar s camadas sociais mais elitizadas, se alinha luta do prprio povo em ser reconhecido socialmente. Sendo assim podemos concluir que a histria da msica popular brasileira a histria do prprio povo brasileiro.

Referncias Bibliogrficas

ADORNO-Theodor-W-Sobre-Msica-Popular-In-COHN-Gabriel-org-Coleo-Grandes-Cientistas-Sociais- -p-115-146. So Paulo: Atica-1986.

ARRAIS Gerson. Histria da Msica Popular Brasileira. 18/10/2010 5f. Notas de Aula.

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