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  • 7/25/2019 Artigo Alteridad y Lo Sagrado

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    MANA 14(1): 119-139, 2008

    SOBRE ALTERIDADE E O SAGRADOEM UMA POCA DE GLOBALIZAO.

    O TRANS EM TRANSNACIONAL O MESMO TRANS DE TRANSCENDENTE?

    Joel Robbins

    um trao comum a vrios tipos de cristianismo, o paraso (heaven) pen-

    sado como estando muito distante da Terra, geralmente em algum lugar nocu (sky)*. Esta uma observao banal, to corriqueira que tende a no

    ser muito mencionada nos relatos etnogrficos das comunidades crists.Considerem-se, no entanto, as duas vinhetas etnogrficas a seguir, que

    mostram a importncia de tal idia para cristos conversos que vivem em

    partes remotas de Papua-Nova Guin.

    A primeira vem de minha prpria pesquisa entre os Urapmin, gru-po que vive na provncia do Sepik Ocidental e que se converteu em suatotalidade a uma forma carismtica de cristianismo, por ocasio de um

    movimento de reavivamento no fim dos anos 1970. Rom um dos maisdestacados membros da comunidade urapmin e um de seus lderes polti-

    cos, uma pessoa geralmente contida e equilibrada. tambm aquela mais

    afeita aos ocidentais e aos papusios ocidentalizados, tendo trabalhadopor um ano, durante a adolescncia, na casa de um administrador de

    uma plantao de ch. Isto faz com que seja naturalmente escolhido paraestar frente em todos os assuntos da comunidade com pessoas de fora,

    como funcionrios do governo ou prospectores de minrios. Paralelamen-te ao statusde lder poltico, Rom reconhecido como um cristo muito

    instrudo, sendo um dos que concluiu um curso de uma escola bblica

    que tem prestgio naquela regio e foi iniciada por um homem de umgrupo tnico vizinho. De todos os Urapmin, Rom quem mais aproveitou

    * [N.T.]: No original: heaven is referred to as the place [clearing] in the sky. Em ingls,

    heaventem uma conotao religiosa, enquanto sky designa o cu em sentido atmosfrico

    e astronmico; o termo firmamento o equivalente portugus de sky, em denotao e co-

    notao, mas do registro culto, fazendo os nativos da traduo soarem um tanto quanto

    rebuscados ao menos mais bem-falantes do que aparecem no original.

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    as oportunidades abertas pelas mudanas culturais que se seguiram aocontato com o Ocidente um contato que para os Urapmin s comeou

    significativamente nos anos 1940, quando se desencadeou a colonizao.Dotado de grande inteligncia, Rom encara as coisas sem se perturbar, e

    com mnimo estardalhao toma geralmente timas decises, tanto para siquanto para a comunidade urapmin.

    Tendo conhecido Rom como uma pessoa segura de si, fiquei surpreso,

    certo dia, ao encontr-lo profundamente perturbado por algo que haviasabido em uma viagem a uma das aldeias situada prxima ao escritrio do

    governo em Telefolmin, distante cerca de meio dia de caminhada, a leste.L encontrou um jovem que, estando em contato com a me falecida, que

    lhe enviava mensagens de algum lugar subterrneo, estabelecera-se comouma espcie de profeta. De maneira geral, os Urapmin do muita ateno possibilidade de que a segunda vinda de Jesus seja iminente, e esto

    propensos a, no mnimo, dar ouvidos a quem quer que afirme ter conheci-mento sobre o tempo em que se dar esse evento esperado com ansiedade

    (e tambm com apreenso). Imagino que foi nesse esprito que Rom visitouaquele profeta e ouviu o que ele tinha a dizer, apesar do fato de os profetas,

    como tais aqueles que afirmam ter fontes regulares de revelaes, por

    oposio queles que recebem do esprito santo um sonho ou uma viso no serem comuns na regio nem serem objeto de muito interesse. Mas o

    que Rom soube do profeta o abalou mais do que qualquer outro prognsticoapocalptico anterior, ao menos comparativamente ao que pude observar.

    O profeta lhe contara que sua me havia dito que no existe o paraso, eque Jesus viria exatamente como na Bblia. Depois de sua vinda, os bons

    cristos teriam vidas perfeitas de harmonia e abundncia, mas isso seria

    na Terra, exatamente nos lugares onde vivem agora. As coisas seriam bem

    melhores, mas no havia outro lugar aonde ir. Essa profecia perturbou for-temente Rom porque, conforme contou, ele havia aprendido que o parasono era na Terra e isso era importante para ele. Que o paraso seja na

    Terra, isso simplesmente no pode ser verdade, ele afirmava. Com uma at-

    pica dificuldade de encontrar palavras para expressar-se, ele no dizia maisque isso; mas deixava bem claro que, se de fato no houvesse o paraso, se

    tudo que o cristianismo pudesse prometer fosse o paraso na Terra, ele sesentiria profundamente trado.

    Na ocasio seguinte em que encontrei Rom, ele parecia recuperado dochoque infligido em sua ontologia pelo profeta, e como este no chegou a

    se tornar uma figura importante no cenrio regional (talvez porque tambm

    para outras pessoas, como para Rom, a mensagem fosse inassimilvel), nuncavoltamos a falar sobre isso. Rom, como era de se esperar, acabou encontrando

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    uma maneira de manter seu mundo girando de um modo com o qual lhefosse possvel conviver, mas o esforo para consegui-lo, nesse caso especfico,

    fez dele um episdio marcante de minha pesquisa de campo.O segundo caso que eu gostaria de discutir talvez tenha tido conse-

    qncias mais duradouras, ao menos para um dos participantes. Envolveum Ipili, do vale Porgera, na provncia de Enga. Desde 1990, Porgera abriga

    um grande empreendimento de minerao de ouro, que fez chegar s mos

    das pessoas do local imensas quantidades de dinheiro, para os padres dePapua-Nova Guin. Mas o dinheiro no est igualmente distribudo; nem

    todos so ricos e, alm disso, a maior parte dos Ipili ainda tem a sensaode que a rea em que vive frustrantemente remota, em termos geogrfi-

    cos, e que isso lhes dificulta o estabelecimento de conexes com o mundodesenvolvido. Embora os Ipili possam parecer ricos e desenvolvidos pelopadro de medida que os Urapmin tendem a empregar nesse tipo de juzo,

    ambos os grupos de fato compartilham avaliaes similares quanto posiomarginal que tm em relao ao mundo mais amplo.

    No fim dos anos 1990, Jerry Jacka (2005:643-644) conversava com al-guns homens ipili que lhe haviam feito perguntas sobre a Estao Espacial

    Internacional, assunto que surgia com bastante freqncia quando as pes-

    soas descobriam que ele vinha dos Estados Unidos. Aps ouvir a descrioum tanto detalhada da estao, Semai Kakopeya, o mais velho do grupo,

    observou casualmente que a estao espacial deve ficar bem perto de Je-rusalm (2005:643). Jacka, no entendendo o sentido de Jerusalm para

    Semai (ele se referia nova Jerusalm, expresso com que os cristos svezes se referem ao cu), respondeu que com certeza no era assim, pois

    Jerusalm ficava na Terra e a estao espacial, no cu. Diante da resposta,

    Semai rapidamente irritou-se. Disse que os pastores sempre haviam dito aos

    Ipili que, se fossem salvos, iriam para o paraso, para a Jerusalm no cu,e que se Jerusalm e a estao espacial esto ambas no cu, devem estarperto uma da outra. Em vista dessa nova informao, de que Jerusalm no

    est no cu, Semai declarou, com raiva, que as pessoas deviam parar de

    dar dinheiro para a igreja. No dia seguinte, ele contou a Jacka que estavapensando em deixar a instituio ou, ao menos, parar de fazer contribuies.

    Durante todo esse tempo, ele disse, pensei que estava dando dinheiro paragarantir meu lugar em Jerusalm. Agora, descobri que estava mandando

    dinheiro para alguns homens brancos que vivem na Terra (2005:643). OutroIpili com quem Jacka discutiu a questo teve reao similar de decepo,

    embora aparentemente com menos raiva: mortificado e tambm desen-

    cantado... [ele] comentou: pensei que realmente soubssemos onde ficavao cu (2005:644).

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    Para Rom, Semai e o jovem annimo citado por Jacka, a idia de queo cu pudesse ser um lugar na Terra era profundamente perturbadora. No

    caso de Rom, o profeta havia dito explicitamente que o mundo em queos cristos viveriam aps o retorno do Cristo seria ainda paradisaco em

    comparao com aquele em que vivem agora; e Jacka no relata que tenhacontado mais nada sobre Jerusalm aos homens ipili, alm do fato de que

    ela tinha uma localizao terrena. Mas estas simples informaes parece-

    ram suficientes para perturbar profundamente os cristos em lugares paraos quais a religio havia sido recentemente importada e onde sua chegada

    estava estreitamente ligada a processos de colonialismo e de globalizaoeconmica e cultural. Este artigo pretende examinar por que razo a distin-

    o entre cu e Terra to importante para essas pessoas e, de modo maisgeral, por que razo as verses do cristianismo que enfatizam a diferena

    e a distncia entre estes dois lugares so to populares em locais tornados

    remotos pelo sistema mundial da modernidade globalizada. Por que o que quero indagar a separao entre os dois reinos constitui parte to

    popular das cosmologias religiosas, e o que significa a notcia do seu colap-so potencial para as pessoas que sentem essa possibilidade como algo to

    profundamente desestabilizador?

    Alteridade, transcendncia e religio

    Thomas Csordas, na introduo que escreveu a um nmero recente de umarevista, por ele organizado, menciona a imanncia da alteridade mesma

    como ncleo fenomenolgico da conscincia religiosa e da subjetividade e

    afirma que essa alteridade a base para a ressurgncia global da religio

    (Csordas 2007:266). O argumento est referido a uma obra anterior, sua grandeformulao a respeito da teoria da religio, na qual desenvolve a idia de que

    o objeto da religio a alteridade mesma (Csordas 2004:173). No entanto, ele

    tambm vai alm dessa declarao anterior e, ao menos implicitamente, ofe-

    rece outra, que vincula de um lado a multiplicao radical das oportunidadesde se experimentar a alteridade tal como propiciadas s pessoas por esta

    poca de globalizao e, de outro, o aumento vertiginoso, em vrios lugares,da expresso religiosa e talvez tambm do compromisso religioso. essa a

    linha de pensamento que quero desenvolver mais detalhadamente, ao procu-rar dar conta da importncia de um cu que est alhures, para as pessoas na

    Papua-Nova Guin e em outros lugares em que a converso ao cristianismo

    ou, mais especificamente, a formas de cristianismo que enfatizam a distnciaentre o cu e a Terra um fenmeno contemporneo.

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    A explicao terica da religio proposta por Csordas tem por objetivotraar a estrutura elementar ou, recorrendo novamente, aqui, a uma

    frase que aparece no seu escrito mais recente, o ncleo fenomenolgico da alteridade que d conta da tendncia humana a produzir religies

    (2004:176). Este ncleo, ele o v na alteridade ntima da encorporao [em-

    bodiment]*, tal como descrita por fenomenlogos como Merleau-Ponty, que

    indicam em que sentido nossos corpos so parte de nossa pessoa e tambm

    alheios a ns. Ele considera tal experincia como universal, e aquela quegarante o encontro fundamental e inescapvel com a alteridade que alicera

    a imaginao religiosa. Mas meu interesse um tanto menos geral e, parapersegui-lo, no h necessidade de me fazer acompanhar desse argumento

    a favor de uma fonte elementar singular da experincia da alteridade.1Emvez disso, quero recorrer aoinsightde que a religio tem na alteridade seu

    objeto e, alm disso, de que as diferentes religies elaboram diferentemente

    a noo de alteridade pontos em que se pode concordar com Csordasmesmo sem tomar posio quanto questo de a alteridade assim elaborada

    ter ou no, em ltima instncia, uma nica fonte experiencial ou existencial(Csordas 2004:176).

    Decidi enfrentar a questo do papel central da alteridade na religio

    porque, segundo o modo de ver dos cristos da Papua-Nova Guin apresen-tado na seo anterior, o cu nada , se no for uma figura da alteridade

    e, nesse sentido, qualquer tentativa de sugerir que o cu possa ser, nesseaspecto, uma figura menos radical do que aquela que imaginavam muito

    perturbadora. O carter radical da alteridade do cu um ponto crtico doentendimento religioso dessas pessoas e, para refletir sobre isso, vale a pena

    voltarmo-nos para um discurso terico bem diferente um discurso que,

    em vez de concentrar o foco no lugar que a alteridade em geral ocupa em

    todas as religies, deu muita importncia ao papel da alteridade radical emalgumas delas (inclusive o cristianismo). Penso no discurso terico geral-mente conhecido como hiptese da poca axial.

    Originalmente proposta por Jaspers (1953), e elaborada por Eisenstadt

    (1982) naquela que , para nossos propsitos, sua forma mais influente, ahiptese da poca axial tem como assero principal a ocorrncia, durante

    o perodo que vai aproximadamente do oitavo ao terceiro sculos antes daera crist, de um conjunto de revolues similares no plano das idias e no

    * [N.E.] Utilizamos o neologismo encorporao tal como proposto por Viveiros de Castro

    (1996:138): Traduzo a forma inglesa to embody e seus derivados, que hoje gozam de uma

    fenomenal popularidade no jargo antropolgico (ver Turner 1994), pelo neologismo en-

    corporar, visto que nem encarnar nem incorporar so realmente adequados.

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    da fundamentao institucional destas: revolues observadas em vriasculturas eursicas, a includas as do Israel antigo, Grcia antiga... Ir

    zoroastrista, antiga China Imperial, e nas civilizaes hindu e budista.Cristianismo e islamismo, embora posteriores, basearam-se em idias que

    tm origem, reconhecivelmente, naquela poca (Eisenstadt 1982:294).As revolues da poca axial distinguiram-se por levar emergncia,

    conceitualizao e institucionalizao de uma tenso bsica entre a ordem

    transcendente e a mundana (1982:294). Esta foi a tenso que, sob uma ououtra forma, todas as civilizaes da poca axial partilharam. Em todas elas,

    as pessoas percebiam uma ntida disjuno entre o mundano e o transmun-dano e enfatizavam a existncia de uma ordem superior transcendente ou

    metafsica, que est mais alm de toda realidade deste ou de qualquer outromundo (1982:296). A idia de cu, compartilhada pelos dois papusios do

    incio do artigo, pertence a um mundo marcado por este tipo de separao

    entre domnios, separao que radical e tambm hierrquica, sendo otranscendente mais valorizado.

    Para que a hiptese da poca axial tenha interesse, deve-se aceitarque este tipo de diviso no tinha lugar nas culturas pr-axiais. Em termos

    concordantes com a sugesto de Csordas, de que a alteridade o objeto de

    todas as religies, Eisenstadt (1982:296) reconhece que a ordem transmun-dana tem sido percebida, em todas as sociedades humanas, como algo que

    de algum modo diferente, geralmente superior ou mais forte que a ordemmundana. Mas ele prossegue e afirma que nas civilizaes pags da po-

    ca pr-axial, esse mundo superior foi simbolicamente estruturado segundoprincpios muito similares aos do domnio inferior ou mundano (1982:296).

    Alm disso, nestas civilizaes, a concepo de uma ordem moral autnoma

    e distinta, que qualitativamente diferente deste mundo e tambm do outro

    mundo, desenvolveu-se em grau mnimo (1982:296). O tipo de dicotomiza-o em que Eisenstadt est empenhado aqui no popular na antropologiaatualmente, especialmente quando posta a servio de argumentos do tipo

    ns/eles (uma das direes a que a hiptese da poca axial pode levar). No

    entanto, no menos verdade que no seja difcil, para antroplogos quetrabalham em lugares como a Papua Nova Guin, reconhecer alguma fora

    na alegao de que as religies tradicionais no estavam estruturadas emtorno de uma distino radical entre o transcendente e o mundano. Nas re-

    ligies deste tipo, os deuses so geralmente ancestrais, parentes em ltimainstncia e, mesmo quando isto no se verifica, considera-se geralmente que

    respondem a vrias situaes de maneira semelhante aos homens e mulheres

    do presente. So mundos de um tipo em que conforme de Coppet e Iteanu(1995) sugeriram em relao s culturas da Oceania cosmos e sociedade

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    so uma coisa s. So lugares em que o foco na alteridade ntima, a quese refere Csordas, capta o teor da vida religiosa melhor que aquele tipo de

    postura que vem da nfase no encontro com o completamente outro, fomen-tado pelas religies axiais. H muito mais a dizer no sentido de especificar

    de que modo, em muitas culturas, as ordens transcendente e mundana noesto radicalmente distinguidas. Para os propsitos deste texto, no entanto,

    eu no quis mais do que tentar esboar o modelo bsico das religies no-

    axiais segundo Eisenstadt, para deixar claras a natureza e a profundidadedas mudanas que a poca axial teria introduzido.

    Para Eisenstadt e outros tericos da poca axial, a abertura de um hiatoentre os domnios mundano e transcendente suscita a criao de uma elite

    intelectual determinada (incluindo personagens como profetas e revolucio-nrios), cujo propsito seria o de esclarecer a natureza do transcendente e

    que no raro acaba por liderar movimentos que encorajam as pessoas a tentar

    realizar os fins transcendentes dentro do domnio mundano. Por uma srie deargumentos complexos, a reflexividade social e o impulso revolucionrio dos

    intelectuais axiais so tidos como cruciais para a produo da modernidade(ver Eisenstadt 1999 para o argumento completo e uma ampla e til biblio-

    grafia). As modernidades diferem no modo com que nelas atuou o impulso

    axial de reconstituio da sociedade com base em vises transcendentes, epor isso Eisenstadt (2000) , j h algum tempo, um proponente da noo

    de mltiplas modernidades. Na sua verso, no entanto, a tenso entre osdomnios claramente distintos e hierarquicamente dispostos do mundano e

    do transcendente foi uma fora impulsionadora das dinmicas de desenvolvi-mento de quase todas as sociedades que chamaramos modernas (a exceo

    o Japo contemporneo, a respeito do qual veja-se Eisenstadt 1996).

    Feito este breve resumo que acabo de apresentar, talvez no surpreen-

    da que a hiptese da poca axial praticamente no tenha sido aproveitadana antropologia. Como j foi observado acima, o binarismo do ns-axiais-modernizantes versuseles-pr-axiais-tradicionais exemplifica um estilo de

    operao distinguidora que no encontra ressonncia alguma na disciplina

    atual. Alm disso, como Wagner (2005:89) proveitosamente indicou, a discus-so sobre a poca axial oscila desconfortavelmente entre dois gneros de

    investigao bem diferentes... a saber: a sociologia histrica e a filosofia dahistria. Ela marcada tanto pela construo de algumas distines tpico-

    ideais teis entre espcies de formaes culturais, quanto por temerriasdiscusses sobre a relevncia de transformaes consideradas fundamentais

    na conscincia humana e na capacidade de agncia, e seus efeitos sobre

    largussimos feixes temporais. O prprio Eisenstadt (2005:532) observourecentemente que os fatores tipolgicos precisam ser distinguidos dos

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    cronolgicos no debate. Seguindo aqui sua indicao e a de Wagner, pode-mos sugerir que os antroplogos so extremamente alrgicos filosofia da

    histria e tendncia a produzir anlises que faam alegaes grandiosasa respeito de vastos perodos de tempo.

    Se este o caso, poderemos deixar de lado os aspectos da hiptese dapoca axial e ainda assim selecionar e pr prova as afirmaes tipolgicas

    e sociolgico-histricas desenvolvidas pela literatura da era axial. preci-

    samente o que sugiro fazermos.Se adotamos essa abordagem, a afirmao tipolgica crucial a ser

    escolhida aquela segundo a qual existe uma diferena entre as culturasque distinguem o transcendente e o mundano de modo radical e hierarqui-

    zado e aquelas que no separam to profundamente estes dois domnios.Se observarmos a lista cannica das culturas axiais que inclui as que

    geraram judasmo, hindusmo, budismo, cristianismo e islamismo tam-

    bm podemos notar que as religies geralmente tidas como aquelas que semundializaram so as mesmas em que a ruptura axial teve um papel-chave.

    O que singular, nelas, no que ponham o foco na alteridade, mas o fatode a tratarem de um modo especial: como algo absoluto, ou ao menos bem

    marcado, e que tem mais valor do que o que familiar. Podem-se apresentar

    vrias respostas para a razo por que religies com essas caractersticastenderiam a deslocar-se to melhor do que as outras e uma delas seria

    o modelo de Eisenstadt, das culturas axiais como produtoras de uma eliteintelectual determinada a difundir sua viso, num esforo para refazer o

    mundo em termos transcendentes. Aqui, porm, quero encarar a questode outro ngulo. Ou seja, ao invs de perguntar como os portadores das

    religies axiais quiseram difundi-las, indagar por que aqueles a quem elas

    foram transmitidas quiseram adot-las. E para que a anlise seja exeqvel,

    restringirei minhas consideraes difuso do cristianismo pentecostal ecarismtico durante a poca contempornea de globalizao.

    Transcendncia e a globalizao do cristianismo pentecostal e

    carismtico

    Pode-se dizer que as formas carismtica e pentecostal de cristianismo vm

    sendo, nas ltimas dcadas, um dos casos mais bem-sucedidos de globa-lizao cultural. Tipos de cristianismo focados na acessibilidade dos dons

    do Esprito Santo a todos os crentes contemporneos, elas se espalharam

    rapidamente em todo o mundo desde o nascimento do pentecostalismo, nosprimeiros anos do sculo XX. As ltimas trs dcadas, aproximadamente, se

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    afiguram um perodo de crescimento especialmente rpido na sia, AmricaLatina, frica e Oceania; estimativas recentes sugerem que o cristianismo

    pentecostal e o carismtico possuem, no presente, cerca de 523 milhesde adeptos, dois teros dos quais vivem fora do Ocidente, local de origem

    destas religies (Barrett e Johnson 2002:284).Junto com tais ndices quantitativos do sucesso globalizado dessas re-

    ligies, deve-se notar tambm em que medida elas conseguiram reproduzir

    seus princpios bsicos na maioria das culturas em que foram introduzidas.Cristianismo pentecostal e cristianismo carismtico, como paradigmas do

    que Appadurai (1996) chama de formas culturais duras [hard cultural for-

    ms] aquelas que as pessoas tendem a tomar em conjunto, sem refaz-las

    inteiramente em bases locais deram mostras de notvel capacidade depreservao de sua forma original, medida que viajavam pelo globo (Rob-

    bins 2004a). Assim, seja em termos quantitativos ou qualitativos, eles devem

    figurar como parte principal no ressurgimento religioso global em curso.Com relao ao argumento que tento desenvolver aqui, o mais no-

    tvel nos cristianismos pentecostal e carismtico o modo como lidamcom a separao entre o transcendente e o mundano. Quanto a isso, duas

    caractersticas chamam a ateno. Em primeiro lugar, a forte nfase nesta

    separao. Ambos tendem a demonizar a Terra, considerando-a um lugarocupado pelo mal e pela tentao, e igualmente a vida que a levam as pes-

    soas, quase sempre entregues ao pecado. O sagrado local, modelo falso detranscendncia, tambm tratado como matria terrena e sujeito ao vigoroso

    ataque dos crentes instados a participarem da guerra espiritual contra osespritos tradicionais (DeBernardi 1999; Jorgensen 2005). Alm disso, os

    modos culturais e locais da vida na Terra so igualmente definidos como

    maus, sendo os adeptos compelidos a quebrarem completamente com o

    passado, conforme relata Meyer (1998) a respeito de Gana. Em contraposi-o forma carismtica e pentecostal de tratar a Terra como espao do mal,tem-se a nfase de ambas as religies no cu como um paraso perfeito, um

    lugar em que sero resolvidos todos os problemas que afligem as pessoas

    em suas vidas terrenas, e onde cada um de ns poder viver sem pecado.A mudana da Terra para o cu ser descontnua, programada para acontecer

    quando Jesus retornar. No faz sentido, nessas religies, que os crentes pro-curem criar, na Terra, o cu ou um fac-smile deste ltimo. Nos cristianismos

    pentecostal e carismtico, a separao entre o transcendente e o mundano, portanto, to extrema quanto nas demais formas de cristianismo ou em

    qualquer outra religio mundial.

    A segunda caracterstica notvel do modo pentecostal e carismtico delidar com a distncia entre o cu e a Terra reside na sugesto de que esta

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    disjuno mediada regularmente pelo Esprito Santo, que pode preencheras pessoas na Terra do poder celestial de Deus, para permitir-lhes, entre

    outras coisas, falar lnguas, curar, profetizar, levar uma vida moral e trazeroutros para a f. O Esprito Santo quero enfatizar o que acabei de afirmar

    acima no d s pessoas a capacidade de criar o cu na Terra, ele apenasas ajuda a lidar com alguns dos problemas deste mundo e a cultivar a forte

    crena e a retido de comportamento, dos quais elas precisaro dar mostras

    se quiserem estar entre os salvos quando vier o milnio. A diferena entrecu e Terra permanece absoluta, mas a mediao do Esprito consolida, sim,

    uma conexo entre os dois domnios, que mantm a promessa do cu paraaqueles que crem, e lhes fornece o poder de que precisam para agir tendo

    em vista o direito a passar de um reino ao outro quando Jesus retornar.A nfase colocada nas mediaes que permitem s pessoas experimen-

    tarem parte do poder do cu na Terra distingue estas formas de tantos outros

    tipos de cristianismo. Quero sugerir aqui que tal distintividade no modode lidarem com o tema axial da diferena entre transcendente e mundano,

    combinada com a tendncia a no obstante enfatizarem a enormidade dadistncia entre os dois domnios, fez delas a poderosa fora globalizadora

    que se observa, hoje.

    Talvez seja melhor comear por um ponto bvio que, no entanto, aindano vi mencionarem, relativo prodigiosa semelhana entre a estrutura da

    cosmologia axial pentecostal e carismtica e os mundos sociais de tantospovos que se encontram na periferia da economia global de mercado e que

    se converteram a essas religies nas ltimas dcadas. Para muitos deles, emparticular aqueles que no saram de seu lugar original, ou que no foram

    mais longe do que a ocupao urbana mais prxima no caso daqueles que

    provm de reas mais rurais o significado da globalizao tem sido o de

    passarem a ver a si prprios como no mais vivendo em um lugar central, oudotado de poder. Entre eles, h uma profunda sensao de que o verdadeiropoder, o sucesso econmico e a sade esto alhures. As pessoas, onde quer

    que faa sentido falar em globalizao, vieram a reconhecer alguma verso de

    uma hierarquia global de lugares e, para aquelas que constituem o foco desteartigo, aqueles mais valorizados em que o trabalho abundante, em que

    alimentos, abrigo e remdios so fceis de adquirir so longnquos e dife-rentes de casa, em grau mximo. E assim como seus mapas sociais reconhecem

    grandes distncias entre os lugares e conferem valor superior queles maisdistantes de onde vivem, assim tambm os mapas cosmolgicos pentecostal

    e carismtico, adotados por essas pessoas, desvalorizam maximamente os

    lugares de sua vida terrena e lhes dizem que aquele em que elas realmentequerem estar o cu, que em nada se assemelha ao lugar onde vivem.

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    129SOBRE ALTERIDADE E O SAGRADO EM UMA POCA DE GLOBALIZAO

    Para diz-lo de modo mais simples, a disjuno axial existente nacosmologia pentecostal e carismtica entre o domnio mundano e aquele,

    mais valorizado, do transcendente, espelha a disjuno que a globalizaoproduz entre os lugares locais e aqueles, mais valorizados, centrais ou glo-

    bais que, em conjunto, constituem a paisagem social. Mas as homologiasentre os dois modelos de espao vo alm. Para as pessoas da periferia da

    economia do mercado global, ao menos uma parte daquilo que querem do

    centro coisas como dinheiro, mercadorias e conhecimento chega atelas, embora no raro de modo no inteiramente consumado. Na periferia

    tal como ela vista pelas pessoas pode-se s vezes ter um emprego, masno um que seja estvel ou que pague o bastante para sustentar o modo

    de vida que se deseja ter; pode-se ocasionalmente comprar roupas bonitas,mas no da ltima moda etc. Alm do mais, as idias e imagens que vm do

    centro esto regularmente disponveis e muito fazem para orientar o desejo

    na direo da vida que se vive nos lugares centrais. No entanto, esses frag-mentos do moderno global que as pessoas podem chegar a possuir nunca

    so suficientes para que elas possam tornar central o espao de suas vidas.Similarmente, nos cristianismos pentecostal e carismtico, o Esprito Santo

    realiza uma parte do cu na Terra. E, no entanto, mesmo que se possa por

    vezes apelar para o socorro do poder de Deus na resoluo de problemasterrenos, no se pode us-lo para transformar a Terra no cu. Em ambos os

    modelos, as pessoas de lugares perifricos/mundanos tm algum acesso aoscentrais/transcendentes, mas no podem, em nenhum deles, do modo como

    as coisas esto a dispostas, reduzi-los a um s.O que estou propondo no que para as pessoas da periferia essas

    homologias tornem-se identidades que o cu parea uma cidade global

    ou que haja pouca diferena entre o Esprito Santo e um bolso repleto de

    dinheiro. Pela minha experincia na Papua-Nova Guin, e com base naliteratura sobre cristianismos pentecostal e carismtico globais em outrasregies, raro ver essa combinao categrica dos dois modelos (ver, abaixo,

    minha discusso das idias de cu entre os Urapmin). O que quero afirmar,

    em lugar disso, que para as pessoas das periferias, a cosmologia pentecos-tal e carismtica boa para pensar, por espelhar estruturalmente o modelo

    global com o qual elas cada vez mais passam a interpretar suas vidas. Elafornece um idioma com o qual se pode discutir de modo significativo sobre o

    que viver longe dos centros ltimos do poder, do sentido e do bem-estar nomundo. Mas alm de ser, digamos assim, boa para pensar, essa cosmologia

    tambm boa para viver, e de um modo que com freqncia no como o

    do mapa social da globalizao. boa para viver porque sugere s pessoasque se vem como perifricas no mapa social, maneiras de conduzirem

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    SOBRE ALTERIDADE E O SAGRADO EM UMA POCA DE GLOBALIZAO130

    vidas que ainda tenham, em ltima instncia, valor, porque empreendidasem preparao para o cu. Alm disso, as maneiras de viver promovidas

    por tal cosmologia so quase sempre daquele tipo a que as pessoas po-dem ter acesso empregando apenas os recursos de que dispem (Robbins

    2004a). Diferentemente da globalizao que to freqentemente exigedas pessoas que querem vir para o centro transformaes atravs de expe-

    rincias de educao e de trabalho que elas no tm condies de obter

    os cristianismos pentecostal e carismtico oferecem planos exeqveis paraque as pessoas possam viver em busca do seu objetivo de alcanar o cu.

    A cosmologia lhes fornece meios de pensar em suas prticas de construo davida como voltadas para algo de grande valor, ainda que no sejam capazes

    de dispor, para tal tarefa, dos recursos do centro. para este processo deconstruo da vida que pretendo voltar-me na seo a seguir, e conferir-lhealguma especificidade ao observar de que modo ele se desenvolve no caso

    dos Urapmin.

    Vivendo para o cu

    Os Urapmin, cuja comunidade inteira, como anteriormente mencionado,converteu-se ao cristianismo carismtico no fim dos anos 1970, vem-se

    como socialmente marginalizados em relao ao mundo da modernidadeglobal, nos termos delineados acima. Eles gostam de referir-se a si prprios

    como a ltima Nova Guin, significando que tudo o que moderno, dodinheiro medicina e ao cristianismo, s chega at eles quando j se espa-

    lhou por todos os outros lugares (cf. Jacka 2005:649). Este sentimento de

    estar na periferia do sistema global profundamente perturbador para eles,

    ainda mais por se considerarem anteriormente centrais dentro do mundoregional que constitua o quadro de referncia mais importante, antes docontato (Robbins 2004b:84-121). H dois modos bsicos de imaginar como

    resolver sua atual marginalidade: um o advento do desenvolvimento, que

    eles costumam figurar na forma da construo de uma grande mina em suasterras, capaz de rivalizar com a imensa Ok Tedi, construda no incio dos

    anos 1980 nas terras dos seus parceiros de comrcio, a cerca de quatro diasde caminhada, na direo norte. A outra a segunda vinda de Jesus que,

    acreditam, far com que os Urapmin crentes fervorosos sejam levados aum cu em que ningum marginalizado. Do ponto de vista de um analista,

    a diferena clara entre estas duas maneiras de responder marginalidade

    social centra-se no fato de os Urapmin poderem operar para sua prpriasalvao, sem ajuda externa (exceto a do Esprito Santo, cujo auxlio est

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    131SOBRE ALTERIDADE E O SAGRADO EM UMA POCA DE GLOBALIZAO

    largamente disponvel), mas no terem como promover o desenvolvimento(cf. Knauft 2002, a respeito da passividade que os outros tipos de cristianis-

    mo, no focados nos dons do Esprito Santo, podem fomentar). Os Urapminno falam desta maneira a respeito da diferena entre os dois modos de

    responderem marginalizao, mas com certeza valorizam a salvao maisdo que o desenvolvimento, e o exame das razes para faz-lo nos ajudar a

    entender de que modo o carter axial do seu cristianismo tem sido crucial

    no enfrentamento da marginalizao que a globalizao lhes legou.Para entender por que os Urapmin valorizam a salvao acima do

    desenvolvimento, preciso antes de mais nada notar que o cristianismocarismtico que adotam est construdo em torno de uma separao muito

    marcada entre os domnios transcendente e mundano. O cu designadocomo o lugar [clareira] no firmamento (abiil tigin)2e tido como fisicamentedistante da Terra. As pessoas muitas vezes sonham que vem indivduos

    ou grupos serem conduzidos ao cu por Jesus, cada vez mais longe, atdesaparecerem nas nuvens. O cu tambm um lugar em que as pessoas

    no tero pecados nem os desejos que na Terra as conduzem ao pecado.Os Urapmin especulam que possa mesmo ser verdade que as pessoas no

    tenham corpo nem gnero, no cu. E ainda que no seja assim, no mnimo

    no haver distino entre pessoas de pele preta e branca ( principalmentenos termos desta distino racial que os Urapmin falam da oposio entre

    local/tradicional e global/moderno ver Robbins 2004b). Tampouco have-r fome, e as pessoas podero viajar vontade e rapidamente para onde

    quiserem (cf. Jacka 2005:648-9 para idias similares dos Ipili a respeito docu; ver tambm Jebens 2005, para idias comparveis em outra sociedade

    da Papua-Nova Guin). Este conjunto de caractersticas no algo que os

    Urapmin imaginem que as cidades modernas possuam, embora pensem

    que elas estejam mais prximas desta condio do que suas prprias al-deias. Trata-se, antes, do retrato de um lugar em que as coisas difceis davida, especialmente as dificuldades decorrentes da condio marginal no

    sistema global, esto invertidas: onde h carncia e desejos que levam ao

    pecado, haver saciedade; onde h estasi, haver movimento; onde h fome,haver abundncia; onde h, do modo mais geral, marginalizao, haver

    centralidade. Como em todas as religies axiais, o cristianismo urapminest construdo sobre a idia de que a vida no mundo transcendente ser

    melhor do que a vida na Terra.Ao longo da descrio do cu como um lugar melhor do que a Terra,

    j fui obrigado a indicar de que modo os Urapmin vem a vida no que eles

    chamam este cho (towal diim). Ela cheia de desejo e pecado, ira, dis-crdia e adversidade. tambm uma vida de marginalidade. Como j tive

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    SOBRE ALTERIDADE E O SAGRADO EM UMA POCA DE GLOBALIZAO132

    ocasio de discutir em detalhes (Robbins 2004b). o modo como os Urapminexperenciam nesses termos a vida terrena, no acrescentarei, aqui, mais

    informaes a respeito. Bastar notar que, sendo a existncia terrena umainverso da vida no cu, ela tambm diferente em grau mximo daquela

    vida. A distncia fsica entre o cu e a Terra, portanto, representa, em suaenormidade, a extenso da diferena entre as formas como a vida vivida

    em cada um destes lugares.

    Os Urapmin, reconhecendo a separao extrema dos domnios munda-no e transcendente, tambm tornaram-se muito eficientes na crtica vida

    terrena do ponto de vista do transcendente outro trao-chave do modeloaxial. A luta que anima a vida dos Urapmin e lhes d uma direo aquela

    na qual, contra todas as atraes e compulses terrenas, as pessoas pro-curam viver moralmente, em conformidade com os padres do cu. Cultosna igreja (realizados no mnimo trs vezes por semana, mas no raro com

    maior freqncia), encontros de aldeias e debates particulares esto repletosde exortaes morais (weng titil, literalmente fala forte, e weng kem, lite-

    ralmente fala clara) concentradas na propenso das pessoas a seguirempelos caminhos terrenos e da seu fracasso em corresponder aos ditames do

    cu. Estas admoestaes, parte to substancial daquilo que se diz no dia-a-

    dia, fazem com que o transcendente diga respeito ao mundano, na medidaem que reforam a realidade do hiato crescente entre ambos. A esperana

    animadora daqueles que proferem tais exortaes a de que bastar quese consiga estar altura do modelo moral celeste nelas expresso para poder

    deixar para sempre a Terra, quando Jesus retornar.A esperana de que se possa cumprir aquilo que exigido nas exortaes

    encorajada pelo fato de o Esprito Santo ajudar aqueles que crem a viver

    segundo as exigncias da moralidade transcendente. Os que tm o Esprito

    em seus coraes (aget tem; para os Urapmin, o corao a sede de todopensamento, sentimento e motivao) so aqueles capazes de se aproximarda perfeio moral exigida pelo cu, mesmo quando ainda vivem na Terra.

    Grande parte da vida ritual dos Urapmin, que vai da prece particular a danas

    grupais de possesso um elemento onipresente na rotina diria tempor objetivo pedir ao Esprito ajuda neste esforo. assim que a mediao,

    pelo Esprito, entre o transcendente e o mundano torna a convivncia como hiato um projeto dotado de sentido. Ainda que o cu no seja alcanvel

    antes da vinda do milnio, h bastante de seu poder disponvel aqui e agora,na Terra, para tornar a vida um projeto realizvel.

    No se pode dizer o mesmo do projeto de se viver vidas desenvolvidas.

    Os Urapmin esto constantemente e dolorosamente cnscios de que notm parcela suficiente do poder (powa) ou do conhecimento (save) do

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    133SOBRE ALTERIDADE E O SAGRADO EM UMA POCA DE GLOBALIZAO

    centro ocidental para construir vidas que estejam efetivamente voltadas aoobjetivo de torn-los desenvolvidos. As mediaes que se oferecem entre eles

    e o centro simplesmente no fornecem as ferramentas de que necessitariampara realizar tal tarefa. A nica esperana de que isso possa mudar, a qual

    se apegam, vem da possibilidade, j mencionada, do desenvolvimento daminerao esperana que recebe algum incentivo concreto com a oca-

    sional passagem, entre os Urapmin, de equipes de prospeco de empresas

    multinacionais. Embora elas tenham encontrado ouro em suas terras, aindano h certeza de que ele exista em quantidade ou concentrao suficien-

    tes para tornar real essa possibilidade, numa regio em que h imensosobstculos infra-estruturais atividade mineradora. No entanto, se consi-

    derarmos que as equipes de prospeco, no mapa global, so mediadorasde forma anloga quela com que o Esprito Santo serve de mediador nomapa cosmolgico, talvez possamos entender por que mesmo a apario

    relativamente rara daquelas equipes acende intensamente sua imaginao.Mas mesmo enquanto continuam a colocar sementes de esperana na terra

    que as equipes de prospeco escavam e removem, eles tambm trabalhamduro em suas falas pblica e privada, para manter o desejo de desenvolvi-

    mento no seu devido lugar um lugar com certeza subordinado ao anseio

    pelo cu. Conforme eles regularmente lembram a si prprios, a mineraoe o desenvolvimento so apenas coisas terrenas (towal diim mafak mafak,samting bilong graun). Esta a frase urapmin que melhor denota a fora quea palavra mundano tem no pensamento da poca axial: refere-se no s

    provenincia terrena das coisas que descreve, mas tambm sua importnciasecundria. O emprego da frase no discurso pblico e no privado sempre

    sinaliza uma exigncia de que as pessoas no invistam demais nas coisas

    terrenas e que, em vez disso, voltem seus pensamentos para o cu. Quando a

    frase aplicada minerao e ao desenvolvimento, serve como um lembrete,carregado de conotaes, de que o transcendente mais importante do queo moderno global, e que as pessoas no deveriam enganar-se quanto a qual

    deles h de ter prioridade em suas vidas.

    Podemos ficar tentados a ver, na alegao de que a minerao terre-na, algo como as uvas estavam verdes. bem verdade que dela se valem

    a cada vez que enfrentam nova decepo causada por mais uma visita deuma equipe de prospeco, sem resultados; mas recorrem a ela com muito

    mais freqncia, motivo pelo qual estou inclinado a analis-la de outra ma-neira. Eu sugeriria que os esforos para estabilizar uma relao hierrquica

    clara entre salvao e desenvolvimento o modo que tm de reconhecer

    que a primeira depende deles, ao passo que o segundo no est em suasmos. sua maneira de afirmar que, a despeito de sua recm-descoberta

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    SOBRE ALTERIDADE E O SAGRADO EM UMA POCA DE GLOBALIZAO134

    marginalidade no mapa global, ainda detm o controle sobre seus destinos(cf. Tuzin 1997). Seu cristianismo carismtico torna possvel este sentido

    de controle, ao permitir que contraponham o domnio transcendente, parao qual podem encaminhar-se com recursos prprios, a um moderno global

    que no est acessvel. O mesmo movimento feito pelos cristos pentecos-tais e carismticos em reas perifricas de todo o mundo, e isso possvel

    graas ao modo com que constroem a alteridade transcendente eis uma

    razo crucial para terem se difundido com tanto xito ao longo da atual erade globalizao.

    Concluso

    Este artigo iniciou com o caso de dois homens da Papua-Nova Guin que se

    viram abalados ao ouvir relatos de que o cu da religio poderia no estarlocalizado no firmamento. A sugesto de que o cu poderia no ser distante

    da Terra provocou neles forte aflio, que interpretei como indicadora daimportncia da noo de alteridade absoluta para suas vidas religiosas. Ainda

    que toda religio trate de temas relativos alteridade, nem todas apresentam

    tal apreo pelo tipo de alteridade radical em que investem as verses decristianismo adotadas por Rom e por Semai. Para compreender a natureza

    deste tipo de religio, recorri aos tericos da poca axial que desenvolve-ram teis e sofisticadas consideraes tipolgicas a respeito das religies

    que enfatizam uma forte relao de alteridade entre o transcendente e omundano. Colocando uma verso da cosmologia axial em correspondncia

    com o tipo de mapa terreno de uma hierarquia mundial de lugares que a

    globalizao fez chegar at aqueles que vivem nas suas margens procurei

    tambm explicar por que razo, para Rom e Semai, a alteridade deve ter umlugar j que o cu tem de estar em outro lugar. Jacka argumenta que para osIpili importante que o cu seja um lugar, devido ao papel que os lugares

    tradicionalmente desempenham, de confirmar e historicizar experincias

    pessoais e coletivas (2005:644, ver tambm 649). No quero negar que algoassim ocorra tambm no caso dos Urapmin. Mas acrescentaria que o cu,

    para estes ltimos e para os Ipili, tambm tem de ser um lugar porque, docontrrio, no poderia fornecer-lhes os termos com que dar conta daquilo

    que vem como sua marginalidade de base geogrfica em relao aosistema global. Quando a globalizao torna to grande nmero de pesso-

    as descentradas, afastadas do centro em suas prprias vidas, produz um

    profundo reservatrio de alteridade a ser experimentada a sensao deque os verdadeiros poderes do mundo vm de outro lugar e so diferentes

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    135SOBRE ALTERIDADE E O SAGRADO EM UMA POCA DE GLOBALIZAO

    daqueles antes conhecidos. E as religies axiais buscam nesse reservatrioaquilo que fundamenta sua prpria expanso global.

    Mas e a questo que aparece no ttulo que dei ao artigo? Embora tenhaindicado pistas para a resposta, tenho ainda de dizer se de fato o trans em

    transnacional o mesmo trans de transcendente. Em meu ttulo, ressoao do influente e pioneiro ensaio de Appiah (1991): Is the Post- in Postmodern

    the Post- in Postcolonial? A resposta que ele deu pergunta do seu ttulo foi

    um sim qualificado, na medida em que, para as elites africanas e euro-ameri-canas, o ps em ambos os casos significa a rejeio de narrativas legitima-

    doras anteriores: a do domnio progressivo da razo, no caso ps-moderno, ea das ordens colonial/ps-colonial como incorporaes dessa razo, no caso

    da narrativa ps-colonial. Na qualidade de invocaes rejeio do que veioantes, ambos os discursos ps sempre apontaram, entre outras coisas, para anecessidade de reconstruo social em um mundo no qual as certezas antigas

    j no vigoram. Retrospectivamente, no difcil interpretar a ascenso deambos os discursos a uma posio de destaque, vendo a uma primeira resposta

    das elites aos efeitos perturbadores da globalizao neoliberal sobre as certezasdo pensamento ocidental (questo que aflora no artigo de Appiah, em sua

    discusso sobre a mercadorizao e a ampliao da influncia do mercado).

    Gostaria de sugerir que, no mundo contemporneo, as religies axiais levamsemelhante tendncia rejeio e renovao perante a globalizao para

    alm dos enclaves da alta cultura, to bem inquiridos por Appiah.Neste artigo, argumentei que a rpida difuso global do cristianismo

    pentecostal nas dcadas recentes confirma a veracidade dessa afirmao eexaminei o papel que ele vem desempenhando em muitos lugares: ajuda as

    pessoas a responderem aos encontros transnacionalmente produzidos com

    modos de vida diferentes e mais privilegiados, permitindo a elas imaginar

    uma vantagem transcendental a partir da qual possam reconstruir suasprprias vidas. A conjuno de uma crescente conexo transnacional comum crescimento rpido e vertiginoso da adeso a uma religio axial, enfa-

    tizadora da distintividade radical do domnio transcendente, leva-me a dar,

    como Appiah, uma resposta afirmativa minha interrogao-ttulo. Tanto notransnacionalismo como na transcendncia, o trans sinaliza o desafio das

    alteridades distantes, ou que j foram distantes, ao sentido que as pessoastm da prpria centralidade. O reconhecimento de um mundo de pessoas e

    coisas que se originam alm das fronteiras do lugar em que se vive, e queviajam transnacionalmente, de um modo que no est aberto s pessoas e

    coisas locais, traz forosamente uma perda de confiana na centralidade do

    lugar que se ocupa, assim como o faz a idia de um cu que mais perfeitodo que qualquer lugar terreno.

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    Transnacionalismo e transcendncia, conforme aqui discutidos, so como o ps-modernismo e o ps-colonialismo discursos que clamam por

    uma rejeio das coisas do passado e uma valorizao de coisas por vir. Mas htambm uma diferena importante. No ps-modernismo e no ps-colonialismo,

    o que se rejeita antes de tudo ideologias passadas, ao passo que o pensamentotransnacionalista e transcendente rejeita principalmente os lugares em que vi-

    vem aqueles que o adotam. Esses lugares so, claro, metonmias de modos de

    vida e ideologias que tambm devem ser superados. Nos casos aqui examinados,no entanto, o lugar uma parte irredutvel do problema. Visto das margens, na

    era da globalizao, o cu na Terra no absolutamente o cu.

    Recebido em 19 de outubro de 2007

    Aprovado em 30 de outubro de 2007

    Traduo de Amir Geiger

    Joel Robbins professor do Departamento de Antropologia na Universidade daCalifrnia, San Diego. E-mail: [email protected].

    Notas

    1Embora me parea bem difcil negar a explicao de Csordas para o modo

    com que a encorporao produz experincias de alteridade, no estou to convencidoquanto sua rejeio da afirmao de Durkheim (1995), de que os seres humanostambm, inevitavelmente, experimentam a sociedade como algo ao mesmo tempontimo e alheio a eles. Csordas (2004:176) argumenta que Durkheim erradamentetomou uma instncia especfica da alteridade pelo caso geral a alteridade dosocial pela condio existencial geral da alteridade. Mas os seres humanos soto inescapavelmente socializados quanto so encorporados, e me parece difcilno ver ambas as condies como igualmente primordiais na experincia humana.Estou portanto inclinado a afirmar que h pelo menos duas estruturas elementaresda alteridade, que do forma condio humana e alimentam o desenvolvimento da

    religio. Esse plano de argumentao no aquele que sigo no restante do presenteartigo, mas seria interessante cogitar a fundo sobre os diferentes modos com que asfontes sociais e as fontes encorporadas da alteridade contribuem para a distinoexperiencial entre a alteridade ntima do self e a alteridade impositiva do com-pletamente outro distino importante para o argumento de Csordas (2004:174)e qual terei ocasio de me referir, adiante, no texto.

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    2As palavras na lngua urap esto em itlico, enquanto aquelas em Tok pisin,a lngua franca da Papua Nova Guin e a mais importante no cristianismo urapmin,esto sublinhadas.

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    139SOBRE ALTERIDADE E O SAGRADO EM UMA POCA DE GLOBALIZAO

    Resumo

    Por que as formas mais populares docristianismo contemporneo so aquelasque vem uma distncia radical entrecu e Terra? Com base em teorias acer-ca do papel da alteridade na religio, eparticularmente nas teorias da pocaaxial que enfatizam a distintividadedas religies afirmadoras de uma relaode alteridade profunda entre o trans-

    cendente e o mundano sugiro que opentecostalismo se difunde rapidamentedevido, em parte, ao modo com que ddestaque a tal alteridade. A globalizao,ao tornar tantas pessoas, no mundo, des-centradas em suas prprias vidas, produ-ziu um grande reservatrio de alteridademundana vivida como experincia: umapercepo de que os poderes reais destemundo so diferentes daqueles de cada

    um, e vm de outro lugar. Meu argumen-to que, para aqueles que experimentama alteridade nesses termos globais, asreligies axiais, como o pentecostalismo,so boas para pensar, pois reconhecema distncia entre o transcendente e omundano ao mesmo tempo que sugeremser possvel transp-la.Palavras-chave: Pentecostalismo, Para-

    so, Globalizao, Era Axial, Papua-NovaGuin

    Abstract

    Why are the most popular contemporaryforms of Christianity those that envisiona radical distance between heaven andearth? Building on theories of the role ofalterity in religion, and particularly onaxial age theories which emphasize thedistinctiveness of religions that posit aprofound relationship of alterity betweenthe transcendental and the mundane,

    I suggest that Pentecostalism is spread-ing rapidly in part because of the way ithighlights such alterity. By rendering somany people in the world off-center intheir own lives, globalization has pro-duced a deep pool of experienced earthlyalterity, a sense that the real powers inthis world are different from ones ownand come from elsewhere. Axial religionssuch as Pentecostalism are, I argue, good

    to think for those who experience alter-ity in such global terms because they atonce recognize the distance between thetranscendental and the mundane andsuggest it can be bridged.Key words: Pentecostalism, Heaven,Globalization, Axial Age, Papua NewGuinea