artigo acesso à justiça e equilíbrio social

Upload: defalla71

Post on 14-Oct-2015

12 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • Revista Processus de Estudos de Gesto, Jurdicos e Financeiros - Ano IV Nmero 12 OUT/DEZ

    ISSN: 2178-2008 Braslia-DF Carlos Eduardo da Silva Galante

    2013

    19

    O ACESSO JUSTIA E O EQUILBRIO SOCIAL

    Carlos Eduardo da Silva Galante1

    RESUMO: O presente artigo tem o propsito de trazer pontos importantes sobre o direito de

    acesso justia e o papel do Estado como provedor da Justia Social e, dessa forma,

    incentivar uma discusso sobre relevante tema. O acesso justia um dos direitos primrios

    da cidadania. Trata-se de um direito fundamental com a condio de clusula ptrea,

    envolvendo a resoluo de problemas por diferentes maneiras, seja judicialmente ou

    extrajudicialmente. O objetivo do amplo acesso justia diminuir as desigualdades sociais

    evitando possveis distines individuais. O resultado pretendido passa pela construo de um

    pas de igualdade, de congregao de direitos e, especialmente, de respeito s normas. Pode-se

    dizer que o tema ganhou relevncia a partir dos resultados de estudos sobre o tema que

    doutrinariamente so conhecidos como ONDAS CAPPELLETTIANAS. Quanto justia

    social como fator de equilbrio, esta remete necessidade de se alcanar uma repartio

    equitativa dos bens sociais. Numa sociedade dotada de justia social, os direitos humanos so

    respeitados e as classes sociais mais desfavorecidas contam com oportunidades de

    desenvolvimento, inclusive o jurdico. Ser um Estado socialmente justo implica em cumprir o

    compromisso para compensar as desigualdades que surgem na sociedade e diminuir os

    entraves que impedem a ampliao desses direitos. Um bom caminho a se seguir a

    assistncia jurdica aos que dela carecem.

    PALAVRAS CHAVE: Acesso justia, Estado, Justia Social, Direito, desigualdades.

    ABSTRACT: The present Article has the purpose of bringing important points on the right of

    access to justice and the role of the State as provider of Social Justice and in this way

    encourage a discussion about relevant theme. Access to justice is one of the primary rights of

    citizenship. It is a fundamental right under the condition of clause petraea, involving the

    resolution of problems by different ways, either judicially or extrajudicially. The purpose of

    the wide access to justice is to reduce social inequalities by avoiding possible individual

    distinctions. The desired outcome is replaced by the construction of a country of equality,

    congregation of rights and especially, to respect the rules. You Could say that the topic has

    gained relevance from the results of studies on the topic that truly are known as WAVES

    1 Bacharel em Direito pela Faculdade Processus. Bacharel em Automao pela Unesp. Especialista em Direito

    Administrativo, Direito Constitucional, Direito Processual Civil, Direito Civil e Direito Penal. Mestrando em

    Direito Internacional. Servidor Pblico. Professor Universitrio e de cursos preparatrios para concursos.

  • Revista Processus de Estudos de Gesto, Jurdicos e Financeiros - Ano IV Nmero 12 OUT/DEZ

    ISSN: 2178-2008 Braslia-DF Carlos Eduardo da Silva Galante

    2013

    20

    CAPPELLETTIANAS. As For social justice as a factor of balance, this refers to the need to

    achieve a fair distribution of social goods. In a society with social justice, human rights are

    respected and the most underprivileged social classes come with opportunities for

    development, including legal. Be a State socially fair implies in fulfilling the commitment to

    compensate for the inequalities that arise in society and reduce the barriers that prevent the

    extension of these rights.

    KEY WORDS: Access to justice, State, Social Justice, Law, inequalities.

    NOES GERAIS E CONTEXTUALIZAO HISTRICA

    O significado jurdico do acesso justia sofreu vrias modificaes ao

    passar dos anos. Essas modificaes ocorreram e ocorrem devido a influncias filosficas,

    sociolgicas, polticas e econmicas que acompanham o desenvolvimento da sociedade e do

    Direito. No se pode afirmar com exatido o significado do termo acesso justia, pois esta

    expresso tem tomado o contorno de um direito social bsico nas sociedades modernas em

    que se busca assegurar o princpio da igualdade de todos na busca de direitos.2

    Fundamental para o entendimento do tema a leitura atenta da obra clssica

    de Mauro Cappelletti e Bryan Garth intitulada Acesso justia, pois nessa esto anotadas as

    duas finalidades bsicas do sistema jurdico, pelo qual as pessoas podem reivindicar seus

    direitos e/ou resolver seus litgios sob o amparo do Estado: a) o sistema deve ser igualmente

    acessvel a todos; b) o sistema deve produzir resultados que sejam individuais e socialmente

    justos3.

    A partir da obra de Cappelletti, o conceito de acesso justia recebeu vrias

    conotaes. Nos ensinamentos de Cinthia Robert e Elida Sguin (2000), no apenas o

    acesso aos Tribunais, representado pela figura do Juiz, , sim, e principalmente, o acesso ao

    Direito satisfatrio. E, nesse aspecto, a Defensoria Pblica a instituio responsvel por sua

    efetivao.

    Ainda, acesso justia no o simples acesso aos rgos Poder judicirio e

    num conceito mais abrangente, significa o acesso a uma ordem jurdica justa, dotada de

    valores e de direitos fundamentais. O acesso justia deve levar em conta aparatos materiais,

    2 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso justia. Cit., p. 15.

    3 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso justia. Cit., p. 8.

  • Revista Processus de Estudos de Gesto, Jurdicos e Financeiros - Ano IV Nmero 12 OUT/DEZ

    ISSN: 2178-2008 Braslia-DF Carlos Eduardo da Silva Galante

    2013

    21

    assim como instrumentais, com o aprimoramento na forma de prestao pelo Estado, alm de

    meios processuais necessrios para concretizar a justia. E nesse sentido:

    Nessa perspectiva, a expresso acesso justia engloba

    um contedo de largo espectro: parte da simples

    compreenso do ingresso do indivduo em juzo, perpassa

    por aquela que enforca o processo como instrumento para

    a realizao dos direitos individuais, e, por fim, aquela

    mais ampla, relacionada a uma das funes do prprio

    Estado a quem compete, no apenas garantir a eficincia

    do ordenamento jurdico, mas tambm proporcionar a

    realizao da justia aos cidados.4

    Quanto ao contexto histrico e a evoluo do conceito terico de acesso

    justia, pode-se dizer que houve importante transformao. Anteriormente, nos Estados

    Liberais, o que prevalecia era a vontade dominante de alguns que pregavam uma filosofia

    essencialmente individualista dos direitos, e o acesso justia possua uma conotao

    meramente formal, manifestando-se pela possibilidade subjetiva de o interessado propor ou

    contestar uma ao. No havia qualquer participao do Estado nessa iniciativa, o qual

    assumia uma postura passiva5.

    O advento do desenvolvimento industrial e a economia voltada para o

    mercado, com produo em massa de bens de consumo, proporcionaram o surgimento de

    desigualdades sociais mais evidentes. O Estado, diante desse novo contexto, passou a adotar

    uma postura mais intervencionista, realizando obrigaes positivas, buscando minimizar os

    efeitos negativos das desigualdades e promovendo o bem-estar de todos. O cenrio daquele

    momento apontava para uma constatao interessante. A garantia de tratamento igual perante

    a lei se apresentava insuficiente para promover a justia, dadas as enormes diferenas das

    pessoas frente aos fatos. Neste momento histrico, o Estado buscou fornecer instrumentos

    para suprir as situaes de desigualdades e dessa forma, tentou superar a desigualdade de fato

    para alcanar a igualdade de direito.6

    4 CICHOCKI, Jos Neto. Limitaes ao acesso justia. Curitiba: Juru, 1999. Cit., p. 61.

    5 CAPPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso justia. Cit., p. 9.

    6WATANABE, Kazuo et al. Participao e processo.So Paulo: RT, 1988, Cit., p. 130-135.

  • Revista Processus de Estudos de Gesto, Jurdicos e Financeiros - Ano IV Nmero 12 OUT/DEZ

    ISSN: 2178-2008 Braslia-DF Carlos Eduardo da Silva Galante

    2013

    22

    Os anos se passaram e o Estado constatou a necessidade de atuar

    positivamente para assegurar os direitos bsicos da populao, incluindo, no caso, o acesso

    justia, visto do ponto de vista dos direitos fundamentais bsicos. Nesse contexto:

    O direito ao acesso efetivo justia tem sido

    progressivamente reconhecido como sendo de

    importncia capital entre os novos direitos individuais e

    sociais, uma vez que a titularidade de direitos destituda

    de sentido, na ausncia de mecanismos para sua efetiva

    reivindicao. O acesso justia pode, portanto, ser

    encarado como o requisito fundamental o mais bsico dos direitos humanos de um sistema jurdico moderno e igualitrio que pretenda garantir, e no apenas proclamar

    direitos de todos.7

    A leitura de vrios institutos sobre o tema leva a observar algo em comum a

    todos: a constatao de que o conceito de acesso justia evoluiu concomitantemente

    evoluo do Estado.

    O contexto atual faz com que o conceito de acesso justia remeta ideia

    de ordem jurdica justa, de plenitude da cidadania, de acesso informao e orientao

    jurdica, bem como o acesso a todos os meios alternativos de composio de conflito. Para

    que se tenha acesso justia, necessrio que as partes processuais sejam tratadas de igual

    forma, sendo garantido a cada uma o devido processo legal, bem como um julgamento

    imparcial, em que a tutela jurisdicional seja prestada de forma adequada e eficaz. Nota-se,

    portanto, que o direito de acesso justia est diretamente interligado ao princpio da

    igualdade, em que se busca a efetivao de um processo justo em igualdade de condies.

    AS ONDAS CAPPELLETTIANAS

    A histria da humanidade registra inmeras fases e mudanas quanto aos

    meios de acesso justia. Cabe mencionar o fato de at o incio do sculo XX tal direito ter

    sido avaliado somente em seu aspecto formal, pois era considerado um direito natural e

    7 CAPPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso justia. Cit., p. 11.

  • Revista Processus de Estudos de Gesto, Jurdicos e Financeiros - Ano IV Nmero 12 OUT/DEZ

    ISSN: 2178-2008 Braslia-DF Carlos Eduardo da Silva Galante

    2013

    23

    anterior ao surgimento do Estado. Tal contexto fomentava a ideia de que no caberia ao

    Estado proteger tais meios, mas sim cuidar para que no fossem violados por outros direitos.

    O acesso ordem jurdica justa , antes de tudo, uma questo de cidadania

    8. Entendendo o direito de acesso justia como fundamental e bsico dos direitos humanos,

    qualquer tentativa de bloqueio desse acesso caracterizava atentado ao conceito de cidadania,

    de Estado de bem-estar social. Os direitos humanos passaram por uma mudana radical com o

    crescimento e desenvolvimento da sociedade e ganharam contornos de direitos coletivistas.

    Nesse instante, a participao e a interveno positiva do Estado no cenrio social tornaram-

    se imprescindveis como garantia da efetividade dos direitos dos cidados. Mas mesmo com a

    participao estatal, muitos obstculos impediam o efetivo acesso justia, o que motivou

    vrios estudos desse comportamento. Surgiu, ento, o movimento em busca do eficaz acesso

    justia, na dcada de sessenta, do qual pode se destacar os autores Mauro Cappelletti e Bryant

    Garth como seus principais expoentes. Esses autores realizaram estudos num projeto

    denominado Projeto Florena e indicaram os obstculos existentes para a universalizao

    do acesso justia. Na viso de Cappelletti:

    O acesso justia podia, portanto, ser encarado como o

    requisito fundamental o mais bsico dos direitos humanos de um sistema jurdico e igualitrio que pretendesse garantir,e no apenas proclamar os direitos

    de todos.9

    Estando o movimento em busca do efetivo acesso justia consolidado e

    identificados os obstculos para se obter o amparo da justia pelos mais pobres, Cappelletti e

    Garth desencadearam trs posies ondas bsicas que tiveram como objetivo garantir que

    esse acesso justia fosse mais eficiente e que tais obstculos combatidos.

    Em sequncia cronolgica, tais ondas foram apresentadas e divididas em:

    a primeira onda a assistncia judiciria; a segunda onda representao para os direitos

    difusos; e a terceira onda enfoque de acesso justia.

    8 MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil: o acesso justia e os institutos fundamentais

    do direito processual. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 25. 9 CAPPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso justia. Cit., p. 12

  • Revista Processus de Estudos de Gesto, Jurdicos e Financeiros - Ano IV Nmero 12 OUT/DEZ

    ISSN: 2178-2008 Braslia-DF Carlos Eduardo da Silva Galante

    2013

    24

    A proposta-fim da primeira onda foi buscar metodologias que

    proporcionassem o acesso justia para aqueles que no podiam pagar um advogado. Dizia

    respeito assistncia judiciria e possibilidade de acesso justia pela populao mais

    pobre. Consistiu em levar aos menos afortunados servios jurdicos de melhor qualidade, uma

    vez que a assistncia jurdica prestada era inadequada e limitada. O principal resultado dessa

    proposta foi o surgimento de modelos de sistemas de assistncia judiciria, sendo os mais

    importantes o Judicare; a do Advogado Remunerado Pelos Cofres Pblicos; e os modelos

    combinados. 10

    J a segunda onda dizia respeito criao de um sistema eficaz de defesa

    dos interesses das pessoas no somente de forma individual e, principalmente, propunha a

    soluo e a representatividade dos interesses difusos, coletivos e individuais homogneos da

    populao. Os autores partiram da premissa de que o Ministrio Pblico e a criao de certas

    agncias governamentais no eram capazes, por si ss, de proporcionarem uma adequada

    defesa dos interesses difusos.11

    A terceira onda tratava de uma concepo mais ampla sobre o acesso

    justia. Objetivava tornar a justia mais acessvel atravs de procedimentos simplificados e

    meios de acesso alternativos justia. Mostrou ser um grande avano da concepo de acesso

    ligada representao em juzo, pois previu a advocacia judicial e extrajudicial, particular ou

    pblica.12

    Por fim, importante ressaltar que as ondas devem ser somadas de tal forma

    que um movimento esteja interligado ao outro e que mesmo que o acesso justia esteja

    sendo reconhecido na sociedade atual com um direito bsico, a noo de efetividade ainda

    est longe de ser um fato concreto. Nesse sentido, para Cappelletti, a efetividade perfeita

    retrataria o seguinte:

    [...] completa igualdade de armas a garantia de que a concluso final depende apenas dos mritos jurdicos

    relativos s partes antagnicas, sem relao com

    diferenas que sejam estranhas ao Direito e que, no

    10

    CAPPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso justia. Cit., p. 17-30 11

    CAPPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso justia. Cit., p. 49-67. 12

    CAPPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso justia. Cit., p. 12-73.

  • Revista Processus de Estudos de Gesto, Jurdicos e Financeiros - Ano IV Nmero 12 OUT/DEZ

    ISSN: 2178-2008 Braslia-DF Carlos Eduardo da Silva Galante

    2013

    25

    entanto, afetam a afirmao e reivindicao dos

    direitos.13

    Para que se alcance essa efetividade e a consequente consolidao do acesso

    justia, alguns problemas precisam ser superados, a comear pelo abismo social que

    fomenta a universalizao dos servios. Os entraves que travam o acesso justia pelos mais

    carentes assumem posio de fomento para a crise do Estado Democrtico de Direito, pois

    todo processo histrico de construo, afirmao e positivao dos direitos humanos perde o

    sentido se no for garantido o acesso justia de forma igualitria e universal.

    O ACESSO JUSTIA E O CONTEXTO SOCIAL

    As desigualdades sociais sempre existiram nas mais diversas sociedades e

    com as mais diversas faces. Dessa premissa pode-se depreender que o contexto social um

    fator relevante para se efetivar o acesso justia.

    Pela leitura do Prembulo e do Ttulo I da Constituio Federal vigente,

    identifica-se o compromisso em que se funda o Pas, especialmente quanto dignidade da

    pessoa humana, o objetivo da erradicao da pobreza e da marginalizao, com reduo das

    desigualdades sociais e regionais e tambm quanto promoo do bem de todos contra

    qualquer forma de descriminao. Nota-se que o legislador originrio orientou-se para a busca

    da to almejada justia social.

    A histria evidencia que as normas jurdicas e o sistema judicirio foram

    criados com a finalidade de mitigar, tornar mais justa e melhorar a vida em sociedade, porm

    a realidade social marcada muitas vezes pelas desigualdades e pelos elevados nveis de

    pobreza, nunca permitiram que se fizesse valer os direitos garantidos s pessoas em sua

    plenitude. Constata-se, portanto, a necessidade de existir meios facilitadores do acesso

    justia como forma de se vencer os obstculos sociais, contribuindo para a melhoria das

    condies daqueles que necessitam de auxlio para que seus direitos sejam respeitados.

    13

    CAPPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso justia. Cit., p. 15.

  • Revista Processus de Estudos de Gesto, Jurdicos e Financeiros - Ano IV Nmero 12 OUT/DEZ

    ISSN: 2178-2008 Braslia-DF Carlos Eduardo da Silva Galante

    2013

    26

    Contemporaneamente, prevalecem as ideias do Estado Social, em que ao Estado se reconhece

    a funo fundamental de promover a plena realizao dos valores humanos. 14

    O cenrio nacional atual permite acreditar que existe um extremo

    considervel entre as pessoas que so efetivamente tuteladas pelo Estado e a grande massa de

    excludos, pessoas que mal conhecem a gama de direitos dos quais so destinatrios. Por sorte

    a Defensoria Pblica, rgo que goza de pouca ateno pelo Estado, mesmo exercendo funo

    relevante, auxilia para que os direitos dos necessitados sejam respeitados.

    conveniente ressaltar que, no Brasil, o crescimento econmico ocorreu a

    expensas de enorme dvida externa e social, eis que a modernizao do Pas no foi

    acompanhada por emancipao social, conjugando-se a excluso econmica, com a

    expressiva pobreza (falta de recursos).

    O processo de incluso depende da quebra de barreiras de todas as ordens, o

    que se faz atravs de polticas pblicas e da mobilizao da sociedade civil, objetivando a

    incluso com sensibilidade para as diferenas. o que afirma os ensinamentos de Rogrio

    Nascimento:

    No Brasil, para realizar os objetivos constitucionais de

    justia social e reduo das desigualdades, traados

    expressamente pelo constituinte originrio, ser

    necessrio fortalecer instrumentos e canais que

    estimulem o acatamento espontneo da ordem jurdica.15

    Nesse contexto social, h que fortalecer instrumentos e canais que

    estimulem o consentimento espontneo da ordem jurdica, ao mesmo tempo em que se afirma

    a necessidade de fortalecimento das instituies democrticas e sociais, para que cumpram

    suas funes com o objetivo irrenuncivel de incluso e de direitos. Com o fim de diminuir

    os efeitos negativos do contexto social sobre o acesso justia, a Defensoria Pblica, em

    especial e constitucionalmente, procura efetivar aos indivduos o direito de ter direitos no

    Estado Democrtico de Direito.

    14

    CINTRA, Antnio Carlos de Arajo; DINAMARCO, Cndido Rangel; GRINOVER, Ada Pelegrini. 18 ed.

    Teoria geral do processo. So Paulo: Malheiros, 2003. 15

    NASCIMENTO, Rogrio Jos Bento Soares do. Uma abordagem Constitucional da Incluso Social fortalecer o papel integrador da Constituio para assegurar o acesso ao Direito. Exposio apresentada no

    Seminrio Direito e Incluso Social, realizado entre os dias 20 e 21 de maio de 2005, no Rio de Janeiro,

    comemorativo dos 35 anos da criao do Curso de Direito da Universidade Estcio de S.

  • Revista Processus de Estudos de Gesto, Jurdicos e Financeiros - Ano IV Nmero 12 OUT/DEZ

    ISSN: 2178-2008 Braslia-DF Carlos Eduardo da Silva Galante

    2013

    27

    OS DESTINATRIOS DA ASSISTNCIA JURDICA

    A assistncia jurdica integral e gratuita, por ser um direito bsico

    fundamental, abrange um grupo de pessoas, porm no alcana todos os indivduos, j que o

    principal objetivo dessa assistncia assegurar a igualdade material com aqueles mais

    afortunados e possuidores de melhores condies econmicas e que devido a tal fato,

    possuem maior acesso na defesa de seus direitos, em juzo ou fora dele.

    O conjunto normativo infraconstitucional possui previses expressas quanto

    possibilidade de ser prestada assistncia jurdica aos nacionais ou estrangeiros com

    residncia no Brasil. Tambm se pode entender que aos estrangeiros no residentes seja

    estendida tal concesso de assistncia jurdica, pois uma interpretao sistemtica da

    Constituio Federal, com observncia do Princpio da Dignidade Humana, possibilita tal

    procedimento, j que seria errneo utilizar a nacionalidade como elemento discriminatrio de

    um problema essencialmente humano16

    . A assistncia jurdica integral e gratuita entendida

    como assistncia judiciria um direito fundamental e no apenas um benefcio ou caridade

    oferecido pelo Estado.

    A Lei 1.060/50, Lei de Assistncia Judiciria, em seu art. 2, elucida que

    necessitado todo aquele cuja situao econmica no lhe permita pagar os custos do

    processo e os honorrios de advogado, sem prejuzo do sustento prprio ou de sua famlia,

    sejam eles nacionais ou estrangeiros residentes no Pas, que precisarem recorrer justia

    penal, civil, militar, ou do trabalho. Necessitado, portanto, no somente o indigente ou o

    pobre, mas sim todos aqueles cuja situao econmica no lhe permita arcar com as despesas

    do processo.

    A partir da constatao do abrangente conceito de necessitado, pode-se

    dizer que so destinatrios da assistncia jurdica integral e gratuita as pessoas naturais,

    nacionais ou estrangeiras (residentes ou no), bem como as pessoas jurdicas, pois a lei

    infraconstitucional no faz qualquer meno expressa sobre o tema e a Constituio Federal

    no realiza qualquer distino entre os tipos de pessoas destinatrias dessa assistncia. E,

    nesse sentido, ensina Jos Carlos Barbosa Moreira:

    16

    ASSIS, Araken de. Garantia de acesso justia: benefcio da gratuidade. In; TUCCI, Jos Roberto Cruz e

    (Coord). Garantias constitucionais do processo civil. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

  • Revista Processus de Estudos de Gesto, Jurdicos e Financeiros - Ano IV Nmero 12 OUT/DEZ

    ISSN: 2178-2008 Braslia-DF Carlos Eduardo da Silva Galante

    2013

    28

    O texto da Lei 1060/50, embora redigido, ao que tudo

    indica, com os olhos postos no caso de pessoas fsicas,

    no exclui de modo categrico tal possibilidade.

    Obstculo intransponvel no se deve enxergar sequer na

    clusula do art. 2, pargrafo nico, verbis: sem prejuzo do sustento prprio ou da famlia bvio que no h cogitar na hiptese derradeira, mas fica excluda a outra:

    conquanto pessoa jurdica no tenha famlia,

    perfeitamente se concebe que lhe faltem meios de prover

    s despesas do processo sem sacrificar sua prpria

    manuteno17

    .

    Importante ressaltar que no to somente a insuficincia de recursos que

    determina o benefcio da assistncia jurdica. E assim tem entendido a jurisprudncia

    brasileira que atualmente se posiciona pela possibilidade da concesso de assistncia jurdica

    gratuita a todos os necessitados, abraando, inclusive, os carentes organizacionais, que, com

    ou sem lucro, mostram-se frgeis em razo das relaes scio-jurdicas da sociedade

    contempornea, tais como o consumidor, os usurios de servios pblicos, entre outros.

    A jurisprudncia nacional adotou o posicionamento pela possibilidade de

    concesso gratuita pessoa jurdica com ou sem fins lucrativos. At mesmo o Esplio tem

    sido prestigiado com a concesso da gratuidade da justia, conforme julgados existentes nos

    Tribunais Superiores.

    Esse contexto de destinao da concesso judicial gratuita fortalece o

    propsito da funo institucional da Defensoria Pblica, qual seja, atuar em favor dos

    necessitados, sejam pessoas naturais ou jurdicas. Esta expanso no campo de abrangncia dos

    destinatrios ou titulares do direito assistncia jurdica integral e gratuita reflete uma atuao

    cada vez mais eficaz e completa da Defensoria Pblica, atingindo os objetivos do respectivo

    preceito constitucional.

    OS ENTRAVES DO ACESSO JUSTIA

    O Direito ao acesso justia tido como um dos mais bsicos dentre os

    Direitos Humanos e a partir dessa concepo, os autores Mauro Cappelletti e Brian Garth

    introduziram o tema da seguinte forma:

    17

    BARBOSA MOREIRA, Jos Carlos. O direito assistncia jurdica, cit., p. 54-55; PONTES DE MIRANDA.

    Comentrios ao Cdigo de Processo Civil, cit., p. 382-383.

  • Revista Processus de Estudos de Gesto, Jurdicos e Financeiros - Ano IV Nmero 12 OUT/DEZ

    ISSN: 2178-2008 Braslia-DF Carlos Eduardo da Silva Galante

    2013

    29

    [...] o direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente

    reconhecido como sendo de importncia capital entre os

    novos direitos individuais e sociais, uma vez que a

    titularidade de direitos destituda de sentido na ausncia

    de mecanismos para sua efetiva reivindicao. O acesso

    justia pode, portanto, ser encarado como requisito

    fundamental o mais bsico dos direitos humanos de um sistema jurdico moderno e igualitrio que pretenda

    garantir, e no apenas proclamar os direitos de todos.18

    Contudo, a efetividade do direito de acesso justia esbarra numa srie de

    entraves e impedimentos que norteiam o tema desde o seu delineamento legal. Os Estados

    devem propiciar os meios para que seja asseverado a cada pessoa e sociedade como um todo

    a defesa de seus direitos. Tal ao imperativa para o desenvolvimento da sociedade. A partir

    dessa concepo, foi verificado por Cappelletti e Garth19

    que os principais entraves e

    impedimentos existentes que dificultavam o atingimento do pleno acesso justia poderiam

    ser entendidos como sendo as custas judiciais, as possibilidades das partes e os problemas

    especiais dos direitos difusos.

    O primeiro entrave a se comentar diz respeito s elevadas custas

    processuais, bem como a necessidade de pagar altos valores com honorrios advocatcios,

    alm das despesas advindas de uma sucumbncia. O fator econmico demasiadamente

    importante na demanda individual, visto que a ausncia de recursos suficientes para aguentar

    todos os custos do processo fator determinante para que o lesado carente desista da ideia de

    pleitear judicialmente violao do seu direito, especialmente se este implicar objeto jurdico

    de pequena repercusso financeira.

    Dessa forma, fica evidente que os diversos valores que devem ser pagos

    para a propositura de uma demanda tornam um obstculo ao acesso justia, dado que muitas

    vezes esses valores pagos a ttulo de taxas judicirias e de honorrios podem extrapolar o

    benefcio patrimonial que se obteria com o sucesso da demanda.

    Sobre esse assunto tem-se destacado ensinamento de Cndido Rangel

    Nascimento:

    18

    CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso justia. Cit., p. 12. 19

    2002, p. 15-29.

  • Revista Processus de Estudos de Gesto, Jurdicos e Financeiros - Ano IV Nmero 12 OUT/DEZ

    ISSN: 2178-2008 Braslia-DF Carlos Eduardo da Silva Galante

    2013

    30

    Constitui um fator de estreitamento das vias judicirias o

    custo financeiro do processo a cargo das partes. A

    garantia constitucional da ao passa a ser ftua quimera,

    quando se sabe que a Justia cara, carregada de nus

    pecunirios, e deficiente a assistncia judiciria20

    .

    No se olvida que o fator econmico o entrave mais preponderante na

    busca do acesso justia, tendo em vista a grande desigualdade social que assola as

    sociedades em geral. Tem-se, ainda, o fato da morosidade judicial potencializar os custos do

    processo, prejudicando ainda mais aqueles mais desprovidos financeiramente, o que

    inviabiliza a efetividade da tutela jurisdicional.21

    O segundo entrave citado por Cappelletti e Garth remete possibilidade das

    partes. Tal obstculo deve ser abordado sob dois prismas: a) quanto capacidade econmica

    da parte para aguentar os custos e a demora das demandas; e b) quanto capacidade jurdica

    pessoal propor ou exercer uma defesa. A capacidade ou no de reconhecer um direito est

    relacionada no apenas escassez de recursos, mas notadamente insuficincia de

    conhecimentos jurdicos bsicos.

    Quanto aos empecilhos ao acesso justia, tm-se os ensinamentos de

    Donaldo Armelim:

    No apenas econmicas e sociais, mas tambm culturais.

    verdadeiro trusmo afirmar que este pas apresenta

    diferentes estgios de desenvolvimento conforme as suas

    variadas regies. O subdesenvolvimento com as suas

    sequelas, como o analfabetismo e ignorncia e outras,

    campeia com maior ou menor intensidade nos variados

    quadrantes do Brasil. Isso implica reconhecer que em

    certas regies o acesso justia no chega sequer a ser

    reclamado por desconhecimento de direitos individuais

    ou coletivos22

    .

    Desse ensinamento infere-se que a maior vtima desse entrave a populao

    de baixa renda, pois mesmo que percebam a existncia de problemas, deduzindo uma

    20

    DINAMARCO, Cndido Rangel. Princpios e critrios no processo das pequenas causas. In: WATANABE,

    Kazuo (Coord). Juizado especial de pequenas causas: Lei n 7244, de 7 de novembro de 1984. So Paulo:

    Revista dos Tribunais, 1985, p. 110. 21

    MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. V. I, p. 185-

    187. 22

    ARMELIM, Donaldo. Acesso justia. Revista da Procuradoria Geral do Estado de So Paulo. So Paulo, n.

    31, p. 181, jun. 1999.

  • Revista Processus de Estudos de Gesto, Jurdicos e Financeiros - Ano IV Nmero 12 OUT/DEZ

    ISSN: 2178-2008 Braslia-DF Carlos Eduardo da Silva Galante

    2013

    31

    agresso, no conseguem represent-los como de natureza jurdica. E mais, ainda que norteie

    a questo jurdica do fato, a propositura da ao se mostra como outra grande barreira a ser

    transposta.

    A ltima categoria de entrave identificada pelos reconhecedores do

    Movimento Universal de Acesso Justia foi a dos problemas especiais dos direitos difusos.

    Muito reivindicados pelos novos movimentos sociais ou populares, tais direitos podem ser

    legitimamente defendidos por instituies estatais. Decorrentes dos obstculos processuais

    que muitas vezes impedem a proteo desses direitos, o que ocorre que em razo da

    legitimidade difusa, no tem a pessoa possibilidade de corrigir eventual leso, em razo de

    sua ilegitimidade ou mesmo porque o resultado obtido com a reparao pequeno demais

    comparado ao desgaste da propositura de uma ao. Tambm cabe ressaltar o problema da

    reunio e da dificuldade das pessoas lesionadas se reunirem para demandar. 23

    Frente ao desafio de atender aos anseios de uma sociedade complexa de

    massas, os direitos difusos podem ser conceituados como aqueles que pertencem s

    coletividades, cujos titulares no podem ser identificados. O que se observa o fato de que

    legislaes processuais dos Estados no esto aptas a assegurar um efetivo acesso justia

    nas questes que envolvam a tutela desses direitos, o que significa um verdadeiro entrave ao

    acesso justia, pois os interesses difusos requerem a conexo de processos e a organizao

    coletiva dos indivduos. Tais fatos significam mais do que entraves sociais, so verdadeiros

    fatores de desequilbrio sociais que marcam o Estado como fonte de ineficincia.

    BIBLIOGRAFIA

    ALVES, Cleber Francisco. A estruturao dos servios de Assistncia Jurdica nos Estados

    Unidos, na Frana e no Brasil e sua eficcia para garantir a igualdade de todos no

    acesso Justia. 423 f. Tese (Doutorado em Direito) Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005. P. 17-18

    ARAUJO, Alessandra de Souza. A Defensoria Pblica na tutela de interesses

    metaindividuais.Revista de Direito da Associao dos Defensores Pblicos do Estado do

    Rio de Janeiro, v. I, p. 76.

    BRASIL. Lei Complementar Federal n 80, de 12 de janeiro de 1994. Disponvel em:

    http://www. Presidencia.gov.br.

    23

    FONTAINHA, Fernando de Castro. Acesso justia: da contribuio de Mauro Cappelletti realidade

    brasileira. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, cit., p. 26-54.

  • Revista Processus de Estudos de Gesto, Jurdicos e Financeiros - Ano IV Nmero 12 OUT/DEZ

    ISSN: 2178-2008 Braslia-DF Carlos Eduardo da Silva Galante

    2013

    32

    BRASIL. Ministrio da Justia. Estudo diagnstico: Defensoria Pblica no Brasil. Braslia,

    DF: 2009.

    PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Comentrios ao Cdigo de Processo Civil.

    2.ed. Rio de janeiro: Forense, 1967.

    BRASIL. Ministrio da Justia. Estudo diagnstico: Defensoria Pblica no Brasil. Braslia,

    DF: Ministrio da Justia, 2007.

    GALIEZ, Paulo. Princpios Institucionais da Defensoria Pblica. Rio de Janeiro: Ed. Lmen

    Jris, 2003.

    SILVA, Holden Macedo da.Princpios Institucionais da Defensoria Pblica. Braslia. Ed.

    Fortium, 2007.

    ROBERT, Cinthia; SGUIN, Elida. Direitos Humanos, Acesso Justia: Um olhar da

    Defensoria Pblica. Rio de janeiro: Forense, 2000.

    MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. So Paulo: Ed. Atlas, 2007.

    CUNHA JR, Dirleyda.Curso de Direito Constitucional. 2 Ed. Salvador: Ed. Juspodivm, 2008.

    GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. 19 ed. So Paulo: Ed.

    Saraiva, 2006, vol. 1.

    RODRIGUES, Silvio. Direito Civil Parte Geral. So Paulo: Ed. Saraiva. SOUZA, Silvana Cristina Bonifcio. Assistncia Jurdica. So Paulo: Mtodo, 2003.

    BRASIL. http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/contagem2007/contagem.pdf,

    consultado em 30 set 2009, s 18:50Hs.

    SILVEIRA, Jos Neri da.A Defensoria Pblica como instrumento da cidadania. Palestra

    proferida no IV Seminrio sobre Defensoria de Mato Grosso do Sul, na cidade de

    Corumb, em 17.09.1992. Campo Grande: Tribunal de Justia de Mato Grosso do Sul,

    1992. 20 p.

    VIANNA, Guaraci de Campos. A Defensoria Pblica e a defesa da cidadania na esfera

    penal.Revista de Direito da Defensoria Pblica. Rio de Janeiro. 4, n. 5, p. 104-114, fev.

    1991.

    MOREIRA NETO, Diego Figueiredo. A Defensoria Pblica na Construo do Estado de

    Justia. Revista de Direito da Defensoria Pblica. Rio de Janeiro, a. 6, n. 7, p. 15-41, jul.

    1995.

    MELLO MORAIS, Silvio Roberto. Princpios Institucionais da Defensoria Pblica. So

    Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

    SILVA, Jos Afonso da.Curso de Direito Constitucional Positivo. So Paulo: Malheiros, 16

    ed. 1999.