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ACESSO À JUSTIÇA ELEMENTOS PARA REFLEXÃO ANGOLA | 2012

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Acesso à Justiça. Elementos para reflexão. Angola | 2012

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Page 1: Acesso à Justiça - Angola | 2012

ACESSO À JUSTIÇA EM ANGOLAELEMENTOS PARA REFLEXÃO

“Justiça e Paz não são conceitos abstractos nem ideiais inacessíveis; são valores inscritos no coração de cada pessoa, como património comum. Indivíduos, famílias, comunidades, nações, todos são chamados a viver na justiça e a trabalhar pela paz. [...] A paz para todos nasce da justiça de cada um.Ninguém se pode eximir de uma obrigação tão importante e decisisva para a Humanidade. Ela chama todo o homem e toda a mulher, segundo as respectivas competências e responsabilidades.”

João Paulo II

MOSAIKOINSTITUTO PARA A CIDADANIABairro da Estalagem - Km 12Fax: (00244) 222 371 598TM: (00244) 912 508 604TM: (00244) 923 543 546E-mail: [email protected] Postal 2304 - Luanda | Angola União EUroPEiA

Apoio:

ACESSO À JUSTIÇAELEMENTOS PARA REFLEXÃO

ANGOLA | 2012

Page 2: Acesso à Justiça - Angola | 2012

FICHA TÉCNICATítulo:

Acesso à Justiça em Angola: elementos para reflexão.

Edição: ©2012, MosaikoInstituto para a Cidadania

ContactosBairro da Estalagem - Km 12

Caixa Postal 2304 - Luanda | AngolaFax: (00244) 222 371 598TM: (00244) 912 508 604TM: (00244) 923 543 546

E-mail: [email protected]

www.mosaiko.op.org

ImpressãoDamer Gráficas | Luanda, Angola

Depósito LegalXXXX/12

Tiragem500 Exemplares

PEDIDOS PARA:MOSAIKO | INSTITUTO

PARA A CIDADANIAE-mail: [email protected]

índice

APRESENTAÇÃOPág. 03

INTRODUÇÃOPág. 05

ACESSO À JUSTIÇA EM ANGOLAA experiência de trabalho do MosaikoPág. 07

ALGUMAS CONSTATAÇõES, CONCLUSõESE RECOMENDAÇõESPág. 19

COM O APOIO

UNIÃO EUROPEIATrabalhando por um Mundo mais Justo

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ACESSO À JUSTIÇA EM ANGOLAELEMENTOS PARA REFLEXÃO

APRESENTAÇÃO

São Tomás de Aquino, na senda do pensamento de Aristóteles, define a Justiça como “dar a cada um o que lhe é devido”(S.Th.,II-II,58,1). Este conceito de Justiça leva-nos a procurar identificar o que é devido à pessoa humana, pelo simples facto de ela ser humana. Por esse motivo, há quem prefira falar em Justiça com base na satisfação das necessidades básicas da pessoa humana, e no conceito de injustiça, tido como elemento básico para, ao menos, saber o que não se deve fazer. Desse modo, a Justiça pode e deve ser considerada como igual acesso às liberdades e garantias fundamentais, elementos-chave para a paz e concórdia entre os povos. Por outro lado, Joshua Cohen (2005: 482), citando John Rawls, defende que um dos princípios básicos da Justiça é que qualquer ser humano deve ter igual acesso às liberdades e garantias básicas de maneira compatível ou similar com os outros. Nesta perspectiva, a Justiça, enquanto princípio chave para a paz e concórdia entre os povos, é um direito fundamental e a sua promoção um dever de todos. É, por isso, que se diz “se queres a Paz promove a Justiça”.

Em Angola, volvidos 10 anos desde o fim do conflito armado, continuamos a ver muitos casos de “justiça por mãos próprias”, que brotam, frequentemente, do desespero diante de quem, impunemente, violou os direitos de outrém. Ao longo deste período, qual foi o papel desempenhado pelo sistema de Justiça, com as suas instituições formais e informais, na promoção e consolidação da Paz e da Reconciliação entre os/as filhos/as de Angola?

Na verdade, o acesso à Justiça é muito mais do que o simples acesso ao Tribunal e a um advogado. O acesso à Justiça é também, e sobretudo, acesso ao conhecimento e à compreensão dos diferentes mecanismos para obter Justiça. No fundo, o acesso a Justiça é um convite ao Estado, às instituições de administração da Justiça, aos partidos políticos, às autoridades tradicionais, às igrejas, às associações e demais organizações da sociedade civil e a cada cidadã(o) para se comprometer e trabalhar contra as injustiças, usando meios formais e/ou informais, acessíveis às populações, para que todos, ricos ou pobres, nas cidades, nas periferias ou no campo sintam que acesso à Justiça significa realmente a sua protecção ou reparação dos danos face à injustiça cometida por qualquer pessoa ou entidade. São ainda gritantes as assimetrias existentes entre as províncias e entre os municípios e comunas, em termos de existência de infra-estruturas e pessoal da administração da Justiça. A reforma da legislação actualmente em curso é, sem dúvida, outro factor fundamental para uma Justiça mais célere, na qual

03APrESEnTAÇão

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os cidadãos se possam reconhecer. Mas constatamos que grande parte dos angolanos com formação jurídica universitária e/ou dos funcionários do sistema de administração de Justiça não conhece e/ou não valoriza os mecanismos informais de administração da Justiça - que respeitam a Constituição - e mais facilmente pode ser apreendidos pelos cidadãos que o sistema de Justiça é chamdo a servir, pretendendo (e muitas vezes conseguindo) transformar a Justiça num assunto de especialistas e numa imposição, tantas vezes cega e dura, de pressupostos legais que escapam completamente à compreensão dos cidadãos a quem a Justiça se destina. De facto, “ quando se fala do acesso à justiça pensa-se logo numa justiça eficaz, acessível aos que dela precisam e em condições de dar respostas imediatas às demandas, enfim, uma justiça capaz de atender a uma sociedade em constante mudança” (Paulo Munguambe, 132).

Ao longos dos últimos 15 anos, o Mosaiko teve a alegria de poder participar no esforço desenvolvido por muitas pessoas e instituições para transformar Angola num país mais justo e pacífico. Reconhece os passos que já foram dados no domínio da promoção dos Direitos Humanos e, particularmente, o que se foi e vai fazendo para aumentar e melhorar o acesso à Justiça. Mas reconhece também o muito que ainda está por fazer, principalmente nas periferias das cidades e fora dos grandes centros urbanos para que a Justiça faça retroceder a injustiça!

As pessoas com quem trabalhamos, mesmo as que têm pouca instrução, ensinam-nos que o acesso à Justiça é um assunto demasiado sério e importante para que fique apenas entregue a um grupo de “espacialistas”, por vezes, sem conhecer bem a realidade concreta das pessoas e comunidades. Assim, Acesso à justiça em Angola: elementos para reflexão pretende apenas ser um contributo para que todos possamos reflectir sobre o acesso à Justiça à luz da experiência concreta dos cidadãos. É nosso desejo que algumas experiências vivenciadas pelo Mosaiko ajudem todos e cada um(a), de dentro e de fora de Angola, a reflectir sobre o que pode fazer, pessoal e colectivamente, para diminuir as injustiças e promover o acesso a uma Justiça transparente, célere, compreensível, não-discriminatória económica ou culturalmente.

O Mosaiko agradece sinceramente a todos/as os/as que possibilitaram a experiência que sustenta estes “elementos de reflexão” e àqueles/as que contribuiram para esta publicação.

Estamos juntos por uma Angola mais Justa e Pacífica!

Luanda, Julho 2012

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ACESSO À JUSTIÇA EM ANGOLAELEMENTOS PARA REFLEXÃO

INTRODUÇÃO

O acesso à Justiça é um princípio e, ao mesmo tempo, um direito. É princípio porque orienta a política do Estado de direito para garantir a possibilidade a todos, indistintamente, poderem pleitear as suas demandas junto aos órgãos competentes do Estado ou das instituições de direito consuetudinário. Por outro lado, o acesso à Justiça é direito fundamental porque está consagrado nos diplomas da mais alta hierarquia legislativa, tanto a nível nacional - com destaque para a Constituição da República de Angola - como a nível interncional, nomeadamente na Declaração Universal dos Direitos Humanos, nos respectivos Pactos Internacionais e na Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos. Tanto estes documentos internacionais - de que Angola é signatária - como a Constituição são ainda complementados por outros instrumentos legais importantes relativos aos direitos fundamentais.

A Constituição da República de Angola garante a todos o acesso à Justiça e aos Tribunais sem atender à condição económica (CRA, artos 29º §1 e 174º §5). O objectivo principal do direito de acesso à Justiça é garantir uma assistência jurídica e, sobretudo, judicial às pessoas mais desfavorecidas. É, por isso, que o Estado assumiu o compromisso de assegurar a defesa em Tribunal às pessoas sem meios financeiros, patrocinando um advogado ou outro defensor.

Ao ratificar diversas Convenções Internacionais, a República de Angola assumiu o compromisso de tornar prático o acesso à Justiça. Foi, por isso que o Estado, consciente da condição de pobreza que afecta a maior parte da população, aprovou a Lei da Assistência Judiciária (Decreto-Lei nº 15/95, de 10 de Novembro), com o objectivo de proteger as pessoas económicamente mais débeis da nossa sociedade. Por conseguinte, em Angola, o exercício do direito de acesso à Justiça é garantido e patrocinado pelo Estado e assegurado por profissionais forenses (advogados) e outros defensores oficiosos (pessoas idóneas nomeadas pelo juiz). Mas, a concretização do direito de acesso à Justiça não significa apenas que os orgão de administração da Justiça estejam prontos e abertos para receber demandas e garantam a consequente acção processual, pois a concretização desse direito exige que os Tribunais garantam sobretudo, uma decisão justa, sob pena de preverter a essência deste direito fundamental.

Apesar de tudo isto, o acesso à Justiça em Angola ainda apresenta grandes limitações: em 2008, por exemplo, o Comité de Direitos Económicos Sociais e Culturais das Nações Unidas,

05inTroDUÇão

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reunido na sua 41ª Sessão, em Genebra (Suíça), observou com preocupação que:

“a Constituição [de Angola] não garante plenamente a independência do sistema judicial sobre o qual supostamente pesam muitas vezes a influência do Executivo, a falta de recursos financeiros adequados e uma corrupção generalizada. O Comité lamenta que a maioria dos angolanos não tenha acesso ao sistema oficial de Justiça, e também a falta de funcionários judiciais em muitos municípios.”

e recomendou que:

“adopte medidas apropriadas para que a nova Constituição garanta a independência do sistema judicial e para que este príncípio se aplique e promova plenamente [... e que] intensifique a formação dos juízes e dos advogados sobres os direitos económicos sociais e culturais.”

Em face desta Recomendação, é legítimo que se façam perguntas tais como: uma recomendação como esta, emitida dois anos antes da aprovação da actual Constituição, ainda deve ser tida em conta? A realidade do actual sistema de Justiça já confere uma clara independência dos Tribunais em relação ao Executivo? O actual quadro da administração de Justiça já garante o acesso dos angolanos, sobretudo de mais desfavorecidos, à Justiça? Já existe uma boa relação entre o Executivo (Ministério da Justiça) e a Ordem dos Advogados relativamente ao pagamento daqueles que prestam assistência judiciária no âmbito da defesa pública? O Estado já criou condições (materiais e burocráticas) que permitam o acesso em tempo oportuno dos cidadãos mais desfavorecidos aos orgãos de Justiça?

A organização do Sistema de Justiça angolano (Órgãos Municipais, Provinciais e Nacionais) coincide com a organização político-administrativa do País; mais do que uma mera coincidência organizacional revela, acima de tudo, o propósito do Estado garantir que o acesso à Justiça se concretiza na proximidade entre os Órgãos de Justiça e os cidadãos, para que mesmo quem vive nas zonas mais distantes dos centro urbanos, não veja negado, na prática, o acesso à Justiça. Mas, tenhamos a coragem de interrogar a realidade:

Actualmente, dos 164 municípios existentes em Angola, quantos têm Tribunais ou Delegações do Ministério Público ou Advogados ou Defensores Oficiosos capacitados? Qual pode ser o papel dos cidadãos para que os Órgãos de Justiça desempenhem mais plenamente a sua função em todos o território nacional? Como articular as práticas dos Órgãos oficiais de administração da Justiça com as práticas das instituições de direito consuetudinário?

É propósito das páginas que se seguem poder contribuir para encontrar caminhos de resposta a algumas destas questões.

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ACESSO À JUSTIÇA EM ANGOLAELEMENTOS PARA REFLEXÃO

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ACESSO À JUSTIÇA EM ANGOLA

A experiência de trabalho do Mosaiko

Quando em Setembro de 1997, iniciou a sua actividade, o Mosaiko foi a primeira organização angolana a dedicar-se explicitamente à promoção dos Direitos Humanos em Angola.

Na visão do Mosaiko essa promoção dos Direitos Humanos para ser verdadeira e sustentável só poderia centrar-se nas pessoas que existem, com as suas qualidades e limitações. Por isso, o Mosaiko, ao ser convidado para realizar seminários de formação Direitos Humanos, começou por solicitar a participação de pessoas representativas dos diferentes sectores da sociedade local e com elas estudar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, convidando-as a analisar o que seria possível fazer a nível local para que os Direitos Humanos fossem mais conhecidos e respeitados, produzindo uma transformação positiva na vida das pessoas dessa comunidade.

Como complemento a este tipo de iniciativa, foram elaborados diferentes materiais didácticos para permitir aprofundar os conhecimentos partilhados nas sessões de formação e contribuir para um maior conhecimento dos Direitos Humanos por parte da sociedade angolana.

Desde 2005, o Mosaiko conta com a colaboração de advogados que, em articulação com os Grupos Locais de Promoção de Direitos Humanos em diferentes pontos do país, acompanham, se necessário diante dos Tribunais, casos que configuram violações de Direitos Humanos.

As crescentes solicitações de aconselhamento jurídico e acompanhamento judicial de casos de violação de Direitos Humanos levaram à organização de um programa de Formação Jurídica Básica destinados a membros dos Grupos Locais de Direitos Humanos com capacidade para exercerem a função de Defensor Oficioso quando para tal forem nomeados pelo Juiz.

Na procura de, por um lado, conhecer melhor a realidade Angolana para melhor poder conceber e focalizar a sua acção e, por outro, contribuir para o debate alargado das políticas públicas em sectores chave da vida do país, oMosaiko tem também realizado estudos e pesquisas sociais orientadas para a acção.

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A ExPEriÊnCiA DE TrABALho Do MoSAiKo08

Sessões de formação

Desde 1998, o Mosaiko realizou mais de 300 sessões de formação - incluindo seminários, conferências, palestras, debates - que contaram com mais de 15 000 participantes.

Estas actividades destinam-se a diferentes tipos de participantes:

w 25% das sessões de formação foram realizadas com alunos finalistas e, particularmente com instituições de ensino que integraram a abordagem dos Direitos Humanos(orientada pelo Mosaiko) no currículo dos seus cursos, nomeadamente o ICRA - Educadores Sociais e o Instituto Superior João Paulo II;

w 65% das actividades de formação foram realizadas para “líderes locais” em todas as províncias de Angola, envolvendo habitualmente funcionários do Estado (polícias, militares, funcionários do sistema local de administração da Justiça, professores, profissionais de saúde, etc.), autoridades tradicionais, líderes das igrejas, de associações, jornalistas, estudantes, camponeses, etc. Estas formações são normalmente organizadas em colaboração com Grupos Locais de Direitos Humanos, procurando corresponder aos principais desafios identificados nos respectivos contextos;

w 1 0% foram realizadas para grupos de participantes mais diversificados, destacando-se a organização das Semanas Sociais Nacionais e Diocesanas onde o acesso à Justiça tem sido regularmente analisado em diferentes perspectivas.

As temáticas relativas ao acesso à Justiça (o papel da Investigação Criminal, da Procuradoria, do Tribunal, do Provedor de Justiça; a Lei da Prisão Preventiva, a Lei de Buscas, Revistas e Apreensões, etc.) correspondem ao conteúdo principal ou transversal da maioria das sessões de formação.

A metodologia das sessões de formação procura adoptar uma linguagem acessível e contextualizada - tendo também em conta que muitos participantes têm um baixo nível de escolaridade ou nem percebem muito bem a língua portuguesa - convidando as pessoasa analisar a sua realidade e principalmente a tomar iniciativas que promovam os Direitos Humanos, promovendo o acesso à Justiça no respeito pela Lei e as instituições do Estado, colaborando com elas e exigindo que desempenhem correctamente o seu papel ao serviço dos cidadãos.

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Divulgação e Informação

Para além das sessões de formação, o Mosaiko procura contribuir para o nascimento e consolidação de uma cultura de Direitos Humanos em Angola, promovendo o conhecimento e a compreensão destes por parte dos cidadãos e dos actores institucionais, procurando dar voz a diferentes perpectivas, pois acredita que uma cultura de Direitos Humanos se constroi no respeito pelos Direitos Humanos, assente no acesso a diferentes fontes de informação, no estudo, no confronto de ideias e no compromisso de cada um(a), pessoal ou colectivamente, por transformar a realidade social.

Nesta perspectiva, o Instituto criou a Biblioteca Mosaiko, que continua a ser reconhecida como uma referência, em Angola, na área das Ciências Sociais e Humanas, acolhendo mais de cinco mil leitores/as por ano.

Por outro lado, elaborou materiais didácticos sobre Direitos Humanos dirigidos a diferentes “públicos”:

w Livros sobre Direitos Humanos e Actas das Semanas Sociais, onde o acesso é Justiça ocupa lugar de destaque, principalmente para pessoas com um nível académico médio ou superior.

w Calendário de Direitos Humanos (produzido em parceria com a ADRA) que têm um tema específico e contêm, em paralelo, extractos de leis, textos explicativos e ilustrações, destinados a espaços públicos (escolas, igrejas, esquadras de Polícia, postos de saúde, lojas, etc.)procurando ser acessíveis a qualquer pessoa que saiba ler.

w Agenda Cívica (produzida com o apoio da Direcção Nacional de Saúde Pública) tornou--se uma companhia diária para muitos/as profissionais de saúde e agentes sociais, divulgando leis e informações sobre saúde, cidadania e Direitos Humanos;

w Programas de rádio semanais com duração de 60 minutos: “Construindo Cidadania” na Rádio Ecclesia e “Cidadania Activa” na Radio 2000 (Lubango | 2009-2011), abordam, entre outros temas, as principais preocupações e experiências dos participantes nas sessões de formação e dos Grupos Locais de Direitos Humanos, tornando-as também acessíveis aos decisores e demais ouvintes que vivem nestes grandes centros urbanos;

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w Mosaiko Inform, boletim trimestral com distribuição em várias províncias, onde as temáticas de Direitos Humanos e, particularmente, do acesso à Justiça, são abordadas em diferentes vertentes, dirigindo-se principalmente aos membros de Grupos Locais de Direitos Humanos, a estudantes e a instituições de ensino.

w Coleção Encontros para orientar reuniões de diversos Grupos (de Direitos Humanos, de estudantes, de mulheres, de jovens, de igrejas, etc...) que pretendam aprofundar temáticas específicas ligadas aos Direitos Humanos.

w Brochuras e folhetos que contêm extractos de leis, textos informativos, etc. e que servem de apoio às sessões de formação, como material de estudo - em aulas ou a nível pessoal - e também como base para transmitir a formação recebida a outras pessoas e/ou grupos.

w O website - www.mosaiko.op.org - e a página de facebook - www.facebook.com/MosaikoAngola - dirigem-se principalmente a quem vive fora de Angola e a quem, em Angola, tem acesso à web, partilhando informação e chamando a atenção para o trabalho que, muitas vezes de forma discreta, se vai realizando em prol de uma Angola mais justa.

A enorme adesão que as pessoas, nomeadamente fora dos grandes centros urbanos, têm manifestado em relação aos materiais didácticos editados pelo Mosaiko, é um indicador importante para aferir o crescente interesse da sociedade angolana por conhecer e compreender os seus direitos e deveres, de modo a que possa respeitar e defender os primeiros e cumprir melhor os segundos.

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Assessoria aos Grupos Locais de Direitos Humanos

Na sequência das sessões de formação em várias localidades - Cubal, Matala, Ndalatando, Uige, Waku Kungo, ... - de diferentes províncias, alguns participantes tomaram a iniciativa de criar Grupos Locais de Direitos Humanos. Noutros casos - Balombo, Gabela, Huambo, Menongue, ... - a vida de Grupos já existentes, nomeadmente de algumas Comissões Justiça e Paz, ganhou novo alento.

Por iniciativa dos seus membros, o Núcleo de Direitos Humanos da Matala, o Núcleo Dinamizador de Direitos Humanos do Cubal e a Comissão Mista de Direitos Humanos do Kwanza Norte foram, a partir da sua experiência, elaborando os seus estatutos e cumprindo as etapas que levaram á aquisição de personalidade jurídica.

Dentro do espírito assumido ao longo das sessões de formação, à luz dos Direitos Humanos e da Constituição de Angola, os membros dos Grupos Locais procuraram tomar iniciativas que transformassem positivamente a vida das suas comunidades, procurando envolver os diferentes actores sociais a nível local. Como fruto do trabalho de promoção dos Direitos Humanos começaram também a surgir sub-grupos - ligados ao grupo-central - alargando consideravelmente a esfera de divulgação e protecção dos Direitos Humanos. O próprio processo de consolidação dos Grupos Locais permitiu que alguns já ganhassem autonomia em relação ao grupo-central.

A acção destes Grupos Locais contribuiu frequentemente para aumentar e consolidar a confiança entre os cidadãos e os Órgãos de Justiça a nível local, mas também houve casos em que a acção dos Grupos Locais levou à instauração de processos disciplinares e até ao afastamento de funcionários dos Órgãos do Estado que não desempenhavam devidamente as suas funções.

Para que estes Grupos Locais de Direitos Humanos - compostos frequentemente por pessoas que não se destacam pelo nível académico ou económico - vão consolidando a sua acção, o Mosaiko desenvolve um trabalho de assessoria, procurando corresponder às necessidades concretas e à capacidade institucional de cada grupo. Essa assessoria está virada essencialmente para a área da formação, apoio institucional e metodológico, gestão administrativo–financeira, aconselhamento e acompanhamento judicial de casos de violação de Direitos Humanos.

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Aconselhamento Jurídico

A credibilidade do trabalho em Direitos Humanos passa em grande parte pela capacidade de transformar os princípios e os discursos em acções práticas e eficazes que as pessoas possam reconhecer e testemunhar. Nesta perpectiva, perante a especificidade de certas situações concretas, os cidadãos sentem-se desorientados, sem saber a quem, onde, quando e como recorrer para obter Justiça.

Para um aconselhamento avisado, é muito importante recolher uma informação detalhada, recorrendo a diversas fontes, para que a situação possa ser analisada e encaminhada com recurso aos mecanismos mais adequados que, muitas vezes, não passam por um processo judicial, podendo ser satisfatoriamente resolvidos através de mediação, recurso hierárquico, impugnação de actos administrativos, etc..

Os casos de natureza familiar - prestação de alimentos, acusação de feitiçaria entre membros de uma família, ... - são os mais frequentes, mas também não são poucos os casos de abuso de poder, prisão arbitrária, usurpação de terras, etc.

Felizmente, em algumas zonas de Angola, a própria Polícia já encaminha certos casos para serem resolvidos com a ajuda do Grupo Local de Direitos Humanos, pois, em determinadas situações, a própria Polícia reconhece que a acção dos Grupos é mais adequada e satisfatória para as partes envolvidas que uma queixa ou um processo judicial.

Por outro lado, também já há autoridades tradicionais que, além de participarem nas formações sobre Direitos Humanos, também pedem a membros dos Grupos Locais para aconselharem algumas tomadas de decisão. Noutros casos, por exemplo, corrupção ou assédio sexual nas escolas, as próprias autoridades tradicionais encaminham as pessoas para o Grupo Local de Direitos Humanos, reconhecendo-lhes maior capacidade para lidar com estas situações.

O Mosaiko faz aconselhamento jurídico, procurando ter apenas uma acção subsidiária em relação aos Grupos Locais, isto é, só intervem quando e na medida em que estes não têm capacidade para aconselhar um caso concreto. Actualmente, a maioria dos casos é apresentada aos Grupos Locais e aconselhada directamente pelos seus membros mais capacitados.

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A experiência de aconselhamento jurídico do Mosaiko tem permitido aprender que:

w o exercício dos direitos passa normalmente pelo seu conhecimento e compreensão por parte dos cidadãos;

w muitas pessoas ainda têm receio de recorrer directamente à Polícia ou a outras instituições do Estado;

w os Grupos Locais de Direitos Humanos desempenham um papel muito inportante para reforçar a confiança entre os cidadãos e os órgãos de Administração da Justiça;

w os funcionários e as instituições do Estado, apesar das limitações e dificuldades existentes, se procurarem exercer bem a sua função e estiverem abertos tanto à colaboração como à crítica dos cidadãos e dos Grupos Locais poderão ganhar imenso em termos de confiança e respeito por parte da população que servem e da sociedade angolana;

w os Grupos Locais de Direitos Humanos desempenham um importante papel de intermediação, tanto entre os cidadãos e as entidades competentes para obter Justiça, como entre os cidadãos mais desfavorecidos e organizações como o Mosaiko, que podem disponibilizar um advogado para acompanhar casos de maior complexidade ou recursos apresentados a nível central.

Acompanhamento judicial de casos de violação de Direitos Humanos

O aconselhamento jurídico pode exigir, em certos casos, a intervenção de um advogado do Mosaiko para acompanhar um processo judicial. Esta possibilidade, representa em muitos municípios onde não há advogados, não só uma garantia de acesso à Justiça para as populações mais desfavorecidas, mas também funciona como um factor de dissuasão junto de algumas pessoas com maior poder político, económico e/ou militar, obrigando os infractores a ser muito mais cuidadosos e a estarem mais atentos ao cumprimento da lei. As violações de Direitos Humanos mais frequentes na experiência de acompanhamento judical do Mosaiko são relativos a prisão arbitrária, conflito de terras, prestação de alimentos e conflitos laborais. Neste vertente de trabalho, o Mosaiko tem enfrentado diversos constrangimentos, sobretudo o formalismo excessivo de certos Órgãos de Justiça que conduzem a demoras desnecessárias, tornando os processo tão longos que o seu desfecho se torna irrelevante.

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Formação Jurídica Básica

A crescente capacitação dos membros dos Grupos Locais de Direitos Humanos e o consequente alargamento da sua área de intervenção, tornou as solicitações para aconselhamento jurídico e acompanhamento judicial, cada vez mais frequentes, tornando evidente que o Mosaiko não teria capacidade para responder a todas as solicitações e que alguns membros dos Grupos poderiam desempenhar melhor este serviço se fossem especificamente capacitados para este efeito.

Por outro lado, a análise que os Grupos Locais faziam do acesso à Justiça nas suas áreas de intervenção, revelava que a garantia constitucional de defesa no acesso à Justiça, principalmente no caso dos cidadãos mais desfavorecidos ficava, muitas vezes, comprometida pelo mero cumprimento formal da prerrogativa de defesa, para a qual os Juízes, na prática corrente, nomeiam uma pessoa idónea, mas sem qualquer formação jurídica específica e/ou conhecimento do processo, para desempenhar esta nobre função de modo a corresponder de facto, e não apenas formalmente, à garantia constitucional de defesa (CRA artº 29 § 1).

Assim, os Grupos Locais com maior dinamismo e experiência nesta vertente de trabalho, escolheram alguns dos seus membros para participarem numa formação específica, denominada Formação Jurídica Básica. Esta formação, contou com cerca de 30 participantes provenientes de seis Grupos Locais de Direitos Humanos e decorreu em regime de internato, durante quatro semanas distribuídas ao longo de dois anos.

Além de preparar os participantes para responder de forma mais competente às solicitações de aconselhamento jurídico a nível local, a Formação Jurídica Básica procurou também prepará--los para poderem exercer a função de Defensor Oficioso, quando para tal fossem nomeados pelo Juiz, a quem, nos termos da Lei, compete a prerrogativa de prover a que ninguém seja julgado sem um defensor.

Esta iniciativa visava contribuir para um aumento de capacidade da sociedade civil para promover a defesa dos Direitos Humanos e uma melhor representação legal, principalmente nas áreas onde não há advogados.

Após o terceiro módulo de formação, a União Europeia levou a cabo uma avaliação ROM (Result Oriented Monitoring) na qual foram incluídas visitas a alguns Grupos Locais. O

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relatório da avaliação realizada em 2011 refere que “um dos principais factores que está a impedir uma maior eficácia é a falta de cooperação por parte das instituições locais da Justiça, falta de cooperação e abertura por parte das entidades judiciais responsáveis [...] bem como alguma inércia por parte da [dos Grupos Locais de Direitos Humanos] para encontrar formas de contornar o problema.” tendo, entre outros, recomendado:

w Maior e melhor divulgação da missão e localização dos Grupos Locais de Direitos Humanos;

w Maior coordenação com as Autoridades Locais no sentido de garantir a nomeação dos defensores oficiosos que participaram na Formação Jurídica Básica;

w Registo dos casos acompanhados pelos Grupos Locais para acompanhar a sua evolução e o desempenho.

Para além das dificuldades identificadas pela avaliação, importa ainda reconhecer que, muitas vezes, os funcionários do sistema de Justiça (como, aliás, os de outros grupos profissionais) têm a tendência a ser muito cautelosos face a pessoas vindas de fora do sistema, talvez consideradas como uma intromissão ou uma potencial ameaça ao status quo. Mas é justo também referir que o Mosaiko encontrou vários funcionários de Órgãos de Justiça que manifestaram grande abertura e rigozijo por poderem nomear pessoas com alguma preparação para desempenhar o papel de defensor oficioso.

Por outro lado, sente-se em alguns advogados a inquietação de que os defensores oficiosos, se tiverem alguma formação específica, acabem também por ser vistos pela população como advogados e, assim, como concorrentes no “seu” mercado.

Na verdade, diante das enormes assimetrias sociais, económicas e territoriais de Angola, é necessário, antes de mais, pensar o acesso à Justiça na óptica dos cidadãos. Por exemplo, como pode, de facto, garantir-se o acesso á Justiça a um(a) cidadã(o) do Dirico (Kuando Kubango), quando o Tribunal mais próximo está a mais de 600 Km?

Reconhecendo que o recurso a defensores oficiosos não constitui a solução ideal, no tempo em que vivemos, em nome do acesso à Justiça constitucionalmente garantido, o Estado e a sociedade têm o dever de usar da melhor maneira possível os recursos disponíveis para assegurar este direito, de facto e não apenas formalmente, também aos mais desfavorecidos.

Vejamos, em seguida, alguns dos frutos desta vertente de trabalho do Mosaiko.

A ExPEriÊnCiA DE TrABALho Do MoSAiKo

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Um dos membros da Comissão Mista de Direitos Humanos do Kwanza Norte que participou da Formação Jurídica Básica é antigo funcionário do Tribunal Provincial do Kwanza Norte e já vinha sendo nomeado regularmente como defensor oficioso.Vários magistrados e outros membros da Comissão Mista de Direitos Humanos do Kwanza Norte confirmaram que depois da sua participação nesta Formação específica, a sua competência e a qualidade do seu desempenho como defensor oficioso melhorou. O Tribunal Provincial do Kwanza Norte proferiu um despacho de soltura de 84 cidadãos na sequência de um recurso impróprio que a Comissão Mista de Direitos Humanos apresentou à Procuradoria Provincial da República apelando à soltura desses cidadãos que se encontravam em excesso de prisão preventiva.

Na sequência do apelo à Justiça feito pela Comissão Mista de Direitos Humanos do Kwanza Norte ao Procurador Adjunto junto à DPIC - Direcção Provincial de Investigação Criminal, foi confirmado o envolvimento de dois agentes da Polícia Nacional na tortura até a morte de um professor do município do Bolongongo que se encontrava detido há menos de 24 horas.O referido proceso deu origem ao julgamento e condenação dos dois agentes agressores, à exoneração do Comandante Municipal e do segundo Comandante Municipal da Polícia Nacional do Bolongongo.

A experiência dos defensores oficiosos formados pelo Mosaiko

A crescente interacção dos participantes na Formação Jurídica Básica com diversas instituições dos sistema de administração da Justiça, tanto ao nível municipal, comoa nível provincial e nacional contribuiu para que estes membros dos Grupos Locais de Direitos Humanos ganhassem mais confiança para, quando nomeados pelo Juiz, assumirem a defesa da causa que lhe fosse confiada.

Por outro lado, os Advogados do Mosaiko constituem um recursos disponível para que os Defensores Oficiosos possam solicitar apoio, esclarecimentos ou aconselhamento sobre a melhor forma de conduzir a defesa da causa.

A ExPEriÊnCiA DE TrABALho Do MoSAiKo

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ACESSO À JUSTIÇA EM ANGOLAELEMENTOS PARA REFLEXÃO

O Núcleo de Direitos Humanos do Cubal realizou várias visitas ao Tribunal Municipal do Cubal e apresentou a lista dos membros do Núcleo que participaram da Formação Jurídica Básica para poderem exercer o papel de defensores oficiosos sempre que fossem nomeados pelo Juiz.

O Núcleo mediou de forma exemplar diversos conflitos: violência doméstica, roubo de gado, herança, despedimento sem justa causa, etc.

17

A participação de alguns membros na Formação Jurídica básica melhorou a qualidade do trabalho do Núcleo de Direitos Humanos da Matala que desempenhou um papel importante no processo de lobbying junto da Administração Municipal da Matala, apelando para a observância da lei durante o processo de demolições e realojamento populacional que ocorreu no município; o Núcleo mediou também conflitos de acusação de feitiçaria, violência doméstica, cárcere privado protagonizado por um “quimbanda” contra cidadãos acusados de feitiçaria e encaminhou para a Polícia e o Tribunal outros casos mais complexos cuja resolução reclamava a intervenção das instituições de Justiça competentes.

A Sub-ComissãoMista de Direitos

Humanos do Dondo fez lobbying

junto do Tribunal Municipal para que

um dos seus membros, depois de participar na

Formação Jurídica Básica, fosse nomeado como Defensor Oficioso no

julgamento de um caso de conflitos de terras que

envolviaum cidadão e a Administração Municipal

de Cambambe. Como resultado,

um dos seus membros foi nomeado como Defensor

Oficioso na primeira sessão de julgamento.

Um dos membros da Associação Y.O.V.E do Balombo, ao mudar de residência do

Balombo para a cidade de Benguela depois de ter participado na Formação Jurídica

Básica, decidiu mudar do curso de Medicina para o curso de Direito. Depois contactou o Tribunal Provincial de Benguela mostrando a sua disponibilidade para exercer o papel

de defensor oficioso. Foi admitido para fazer estágio e depois do estágio foi nomeado

como defensor oficioso, tendo já efectuado a defesa de 28 casos, nomeadamente:

condução ilegal, infracção contra as actividades económicas, furto, posse e uso

de estupefaciente.

A ExPEriÊnCiA DE TrABALho Do MoSAiKo

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Pesquisa Social orientada para a Acção

O trabalho do Mosaiko em prol da promoção de uma cultura de Direitos Humanos em Angola além das vertentes já apresentadas, contempla também, uma área de pesquisa social orientada para a acção.

É muito grande o desconhecimento sobre a realidade angolana. Se procuramos agir e transformar uma realidade que conhecemos mal, é grande o risco de agirmos de forma inadequada. Consciente deste facto, o Mosaiko tem realizado várias pesquisas sociais para fundamentar a sua estratégia de acção e contribuir para o debate alargado de políticas públicas.

Dentre estas, há que destacar uma pesquisa realizada em 2011 sobre o acesso á Justiça em Angola fora dos grandes centros urbanos.

A amostra desta pesquisa con-templou 2 800 entrevistas reali-zadas em sete munícipios - Caimbambo, Cubal, Gabela , Kuito Bié, Matala, Ndalatando e Quibala. O relatório correspondente ainda está a ser elaborado, mas algumas das conclusões preliminares deste estudo sustentam as conclusões e recomendações que se seguem.

18 A ExPEriÊnCiA DE TrABALho Do MoSAiKo

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ACESSO À JUSTIÇA EM ANGOLAELEMENTOS PARA REFLEXÃO

19ConSTATAÇõES

ALGUMAS CONSTATAÇÕES, CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

Constatações

Cerca de quinze anos de trabalho do Mosaiko em prol dos Direitos Humanos em Angola, permitiram-nos constatar que:

w O Tribunal, instituição de Justiça por excelência, está representado em todas as províncias do país, tendo Benguela dois tribunais Provinciais. Em contrapartida, num total de 164 municípios existem apenas 26 tribunais municipais (ver anexo 1).

w A Procuradoria-Geral da República na qualidade de fiscalizadora da legalidade democrá-tica tem uma grande tarefa a desempenhar, mas assim como o Tribunal, ela também só se encontra nas 18 capitais das províncias e em alguns municípios (ver anexo 2).

w A Provedoria de Justiça -instituição que garante os direitos e liberdades dos cidadãos, diante da administração pública - encontra-se representada apenas nas províncias de Luanda Cunene e Huambo (ver anexo 3).

w A Ordem dos Advogados de Angola desempenha um papel relevante na concretização do acesso à Justiça. No entanto, o número de advogados nela inscritos ainda não é suficiente, havendo um grande desequilíbrio na sua distribuição territorial, já que cerca de 90% dos Advogados encontram-se em Luanda enquanto que províncias como o Zaire, Kwanza Sul, Moxico, e Kuando Kubango, não têm nenhum advogado (ver anexo 4).

w O nível de desconhecimento dos Direitos Humanos e dos mecanismos de acesso à Justiça por parte dos cidadãos é elevado, principalmente fora dos grandes centros urbanos onde a situação é mais preocupante. De ressaltar que nos municípios com algum trabalho de educação para a cidadania e Direitos Humanos, o conhecimento é relativamente melhor, sobretudo nos mais jovens com algum nível de instrução.

w Os cidadãos pensam que o acesso à Justiça dos Tribunais é mais fácil para quem tem dinheiro e/ou pessoas influentes dentro do aparelho do Estado. Aliás, os custos têm sido apontados pelos cidadãos como a principal dificuldade para aceder à Justiça, seguidos

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ConSTATAÇõES20

da distância geográfica das instituições e da lentidão dos serviços, que facilmente se convertem em custos financeiros adicionais, o que torna o Tribunal numa instituição de difícil acesso.

w Existe uma relação desproporcional entre o valor da causa e o custo da sua litigação, tornando a Justiça proporcionalmente mais cara para os cidadãos economicamente mais desfavorecidos, pois são eles fundamentalmente os protagonistas e os interessados nas acções de menor valor. Evidencia-se aqui o paradoxo de um Sistema de Justiça que protege melhor os interesses das classes mais privilegiadas quando era suposto defender a todos;

w Ligado a este paradoxo, a Constituição da República de Angola, no seu artigo 29º§1 estabelece que a Justiça não deve ser denegada por insuficiência de meios económicos, cabendo ao Estado a responsabilidade de criar todas as condições para o efeito. Deste princípio nasce o Instituto de Assistência Judiciária, que infelizmente funciona com muitas debilidades e, por isso, a Justiça continua, na prática, a ser denegada por insuficiência de meios económicos;

w A Autoridade Tradicional é de longe a instituição “informal” a que mais se recorre em caso de conflitos nas comunidades. Mas de um modo geral, o recurso às instituições informais varia consoante o local e o nível de instrução. Em certas localidades, os gabinetes jurídicos da sala de Aconselhamento da OMA e os Grupos de Direitos Humanos aparecem a seguir à autoridade tradicional. Este domínio da autoridade tradicional pode encontrar alguma explicação no facto de que em várias localidades as pessoas têm a informação que só podem apresentar queixa à Polícia acompanhados de uma declaração do Soba ou do Coordenador do Bairro que serve de “nota de encaminhamento”;

w A dificuldade em articular os muito diversificados sistemas informais com o sistema formal de Justiça é muito profunda e, em algumas situações, há incompetência no tratamento de casos e dupla penalização. Assim, quando uma decisão proferida pela autoridade tradicional é contestada e, por consequência, o caso é levado para o sistema formal de Justiça, constata-se que a autoridade tradicional não tinha competência para proferir tal decisão e o Tribunal aplica uma sanção diferente. Só que em certos casos (por exemplo, de homicídio) depois de cumprida a pena de cadeia ditada pelos Tribunais, a mesma não é reconhecida como reparadora pela comunidade e o indivíduo

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ACESSO À JUSTIÇA EM ANGOLAELEMENTOS PARA REFLEXÃO

21ConSTATAÇõES

para ser aceite pela sua comunidade é confrontado com mais uma decisão (normalmente uma compensação em cabeças de gado ou em dinheiro) proferida pelas autoridades tradicionais, violando-se claramente a Constituição (artigo 177.º§2);

w A acusação de feitiçaria é uma das principais causas do cometimento de crimes em grande parte dos municípios do país, onde o adivinho é a figura central. Em alguns desses casos, o Estado (Polícia, Administração Municipal,…) enfrenta dificuldades porque a lei não prevê expressamente mecanismos de resolução deste tipo de conflitos. Muitas vezes, os próprios agentes do Estado têm uma crença enraizada no feitiço o que os torna incapazes de tomar uma postura imparcial acabando por encaminhar, consoante o contexto, às autoridades tradicionais ou a Grupos de Direitos Humanos.

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ConCLUSõES22

Conclusões

w O Sistema de Justiça é genericamente caracterizado pela exiguidade de recursos huma-nos qualificados - nomeadamente Juízes, Procuradores, Advogados, Oficiais de dili-gências, etc. - e de meios materiais, financeiros para além da quase inexistência de re-presentações de Tribunais Municipais, Procuradoria Municipal, Provedoria da Justiça, Ordem dos Advogados em toda a extensão do território nacional, o que torna a Justiça num direito de difícil acesso, especialmente fora dos principais centros urbanos.

w O acesso à Justiça e à representação legal, sobretudo fora dos principais centros urbanos é marcado pela ausência efectiva de Advogados, dos quais mais de 90% está concentra-do em Luanda, além de serem muito caros para a maioria da população.

w No âmbito da prestação da assistência judiciária, a informação assume um papel im-portante para a maioria da população que necessita desses serviços, pois a falta de um programa adequado de divulgação deste mecanismo de acesso à Justiça, inclusive de como e quando os referidos serviços podem ser utilizados, cria nas pessoas uma enorme barreira para o gozo deste direito;

w O modelo actual de Assistência Judiciária é pouco eficaz porque, normalmente os pou-cos advogados não estão disponíveis para atender casos fora de Luanda, pois, em muitos casos as despesas administrativas (transporte, alimentação, alojamento,…) são muito altas e superiores aos honorários pagos pelo Estado que, além de insuficientes, chegam tarde. Isto evidencia a pertinência de formação específica de cidadãos dessas localidades que poderiam ser indicados pelo Juiz como Defensores Oficiosos;

w A sociedade civil pode desempenhar um papel mais activo na defesa dos Direitos Hu-manos e de uma melhor representação legal, contribuindo para a formação específica de cidadãos que tenham capacidade para, uma vez formados e nomeados pelo Juiz, pode-rem exercer a função de Defensor Oficioso. A experiência do Mosaiko, neste domínio, mostra que aos membros dos Grupos Locais que participaram na Formação Jurídica Bá-sica têm sido reconhecidas qualidades para serem nomeados Defensores Oficiosos;

w O conhecimento da Lei não é considerado pelos cidadãos como o factor primário para aceder à Justiça, sendo maior a convicção de que o mesmo é mais facilmente garantido

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ACESSO À JUSTIÇA EM ANGOLAELEMENTOS PARA REFLEXÃO

23ConCLUSõES

para quem tem dinheiro. Este facto pode estar relacionado com experiências vividas no contacto com o sistema de Justiça onde em certos casos, as práticas indicam que o tráfi-co de influências tem mais poder que o conhecimento da lei;

w É reduzido o número de pessoas que faz recurso as instituições formais de Justiça, tais como o Tribunal, Procuradoria e/ou Provedoria de Justiça por razões financeiras, dis-tância a que se encontram as instituições formais de Justiça ,lentidão nos serviços pres-tados assim como o difícil acesso à informação adequada sobre o sitema de Justiça.

w A justiça por mãos próprias é uma das práticas que mais afectam as comunidades, tanto por desconhecimento da lei como pela exiguidade das instituições de Justiça no territó-rio nacional e pela pouca confiança que elas inspiram aos cidadãos. Mas, de modo geral, já se verifica um maior nível de tomada de consciência por parte dos cidadãos - sobretu-do, nas localidades onde existe algum trabalho de promoção da cidadania e dos Direitos Humanos - de que não se pode, em circunstância alguma, castigar à margem da Lei e das autoridades;

w O elevado nível de violência doméstica constitui uma das preocupações do Estado em todo o país, ao ponto de promulgar recentemente a Lei contra Violência Doméstica. Mas, fora dos grandes centros urbanos esta realidade é mais preocupante, principalmente pela dificuldade de acesso à informação. Por conseguinte, verificam-se ainda por par-te das vítimas comportamentos de passividade e de conformação recorrendo pouco às instituições como o Ministério da Família e Promoção da Mulher (MINFAMU), a Polícia e ao INAC.

w Infelizmente em muitos casos a cultura jurídica angolana centra-se mais nos trâmites burocráticos da própria administração da Justiça que nos direitos dos cidadãos. No que se refere à Justiça penal, por exemplo, são frequentes as lamentações dos cidadãos so-bre o facto de nem sempre as suas declarações serem consideradas durante a instrução processual. Assim, os processos chegam aos Juízes como verdades ou certezas fundadas apenas na convicção de que quem instruiu o processo, o fez correctamente e, ao arguido cabe provar o contrário, violando claramente o “princípio” da presunção da inocência;

w A Ordem dos Advogados de Angola, no contexto democrático em construção, está em melhores condições para certificar os profissionais para a defesa pública, isto é, aferir as suas competências para o exercício da mesma. Apesar de todas as limitações existentes,

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ConCLUSõES24

é mais independente de pressões político-partidárias do que as instituições do Estado como o futuro Instituto de Acesso ao Direito e à Justiça onde estarão integrados os refe-ridos profissionais e cuja tutela deverá ser exercida pelo Ministério da Justiça;

w No futuro, a qualidade do acesso à Justiça em Angola dependerá não só da expansão dos Tribunais a nível do território nacional, da independência do Poder Judicial em relação ao Poder Executivo, da formação e alargamento das competências dos operadores de Justiça e da implementação de mecanismos alternativos, mas principalmente da mu-dança da cultura jurídica, quer da maioria dos operadores de Justiça, cuja mentalidade jurídica e judicial está virada e “formatada” para a culpa, quer dos cidadãos cujo conhe-cimento e exercício dos direitos ainda é muito insuficiente, exigindo muito trabalho.

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ACESSO À JUSTIÇA EM ANGOLAELEMENTOS PARA REFLEXÃO

25rECoMEnDAÇõES

Recomendações

w Quanto mais baixa a escolaridade, maior a dificuldade de reconhecer um direito e con-sequentemente de exigir a sua reparação em caso de violação. Neste sentido, o sistema de ensino desempenha um papel decisivo na aquisição e compreensão de informação sobre Direitos Humanos. Por isso, o Ministério da Educação (MED), em colaboração com os seus parceiros devem considerar a possibilidade de uma eventual abordagem mais institucionalizada de educação e informação sobre Direitos Humanos (curricula escolares, cartilhas nos locais de trabalho), além de programas mais informais, embora estruturados e sistemáticos, dirigidos à população fora do alcance das instituições, in-clusive em línguas maternas;

w Eventuais programas de Informação, Educação e Comunicação (IEC) sobre Direitos Humanos a serem levados a cabo, devem ter em conta a diversidade de preferências ade-quadas ao contexto e destinatários. Devem ainda ter em conta as fontes específicas de aquisição de informação sobre Direitos Humanos, na busca por maior eficácia tendo em conta que, por exemplo, nos municípios e regiões com menos acesso a energia eléctrica e, portanto, menos acesso a televisão, deve-se privilegiar o trabalho através das escolas, igrejas, palestras e seminários;

w A taxa de analfabetismo é um problema nacional com maior incidência fora dos grandes centros urbanos. Nessas localidades o número de mulheres que frequenta alfabetização ainda é menor o que pode indiciar falhas no programa de alfabetização do Executivo, em curso desde 2009, sendo ainda necessário empreender um grande esforço neste sentido. Assim, o MED deve tomar as medidas efectivas que visem reforçar o referido programa, sobretudo no que respeita à dotação orçamental e à extensão do mesmo às zonas mais recônditas do país;

w Nas comunidades rurais as pessoas têm mais dificuldades em fazer valer os seus direitos perante os órgãos de Justiça porque não conhecem a lei, muito menos o seu alcance nem o limite dos seus direitos. Neste sentido, o Ministério da Justiça, Organizações de Di-reitos Humanos, as Igrejas e outras Instituições afins devem capacitar líderes locais para orientar juridicamente a população quanto aos conflitos mais frequentes nas comuni-dades;

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rECoMEnDAÇõES26

w A Rádio e a Televisão, por serem meios com um alcance alargado em Angola devem as-sumir-se como principais fontes de informação sobre Direitos Humanos. Por isso, ten-do esta capacidade de divulgação, recomenda-se ao Ministério da Comunicação Social em conjunto com os gestores das estações de rádio e de televisão pública e privadas, a adopção de linhas de trabalho assentes no reforço de programas específicos de Direitos Humanos abertos à interacção com os cidadãos;

w Em face de uma coabitação dos sistemas de Justiça formal e informal e, tendo em conta o importante papel deste último no acesso à Justiça, recomenda-se ao Ministério da Ad-ministração do Território (MAT) a definição urgente das atribuições e competências das autoridades tradicionais – figura central do sistema informal- para não colidir com as atribuições e competências dos órgãos do sistema formal como muitas vezes tem acon-tecido;

w Diante da “irrelevância” do sistema de Justiça formal para a maioria dos cidadãos, so-bretudo, nas áreas rurais, o Ministério da Justiça, o Poder Judicial e as associações pro-fissionais, sindicais e cívicas, devem estudar uma estratégia de articulação entre a Justi-ça dos Tribunais e os mecanismos alternativos levados a cabo por entidades que actuam no campo da mediação e resolução de conflitos.

w O Ministério da Justiça e os seus parceiros devem elaborar e implementar uma estraté-gia de divulgação dos mecanismos legais para o acesso ao Direito e à Justiça de modo a assegurar o pleno conhecimento pelos cidadãos dos seus direitos e capacitar os opera-dores do sistema judicial para o exercício eficaz e eficiente das respectivas funções juris-dicionais;

w Depois de ter constatado com preocupação que a Provedoria de Justiça não está repre-sentada em todo o País e, tendo em conta o importante papel que exerce no contexto democrático de acesso à Justiça, recomenda-se ao Executivo e ao Parlamento o aumento do seu orçamento para que o mesmo se possa representar nas demais províncias no mais curto espaço de tempo;

w Quanto mais baixo é o nível de conhecimento sobre os direitos, maior a dificuldade de aceder ao sistema de Justiça. Por isso, recomenda-se aos operadores de Justiça a disse-minação do conhecimento que reforce a cultura jurídica das pessoas, quer individual-

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ACESSO À JUSTIÇA EM ANGOLAELEMENTOS PARA REFLEXÃO

27rECoMEnDAÇõES

mente, através do exercício adequado do seu compromisso de prestação judiciária, isto é, ensinar e divulgar o Direito e demonstrar o verdadeiro sentido e alcance da Lei; quer institucionalmente, imprimindo a informação relevante a partir de folhetos simples com explicações sobre os mecanismos de Justiça disponíveis, o seu funcionamento e a forma como se pode utilizá-los.

w Diante da escassez de advogados e da incompatibilidade dos seus honorários com o ren-dimento da maioria dos cidadãos, além do fraco funcionamento do Instituto de Assis-tência Judiciária, o Ministério da Justiça, o Conselho Superior da Magistratura judi-cial, em conjunto com a Ordem dos Advogados de Angola e as entidades que actuam no campo da mediação e resolução de conflitos, devem pensar na possibilidade de, por exemplo, formar Defensores Oficiosos, para que o direito à defesa também seja efecti-vamente garantido às pessoas mais vulneráveis;

w Os cidadãos que não tenham condição económica para suportar os encargos judiciais, à partida, não estão fora da possibilidade de aceder à Justiça através do Instituto de Assis-tência Judiciária. Mas, em face da ineficácia deste Instituto, é imperioso que o Ministé-rio da Justiça e seus parceiros crie uma Defensoria Pública a nível municipal e provin-cial, que integre advogados, pagos pelo Estado, para este fim;

w Tendo em conta que a nomeação dos Defensores Oficiosos é da competência dos Juízes, recomenda-se ao Conselho Superior da Magistratura Judicial que oriente os Tribunais no sentido de integrarem os cidadãos formados pelas organizações que actuam no cam-po da mediação e resolução de conflitos.

w Apesar de constatar que o Estado aumentou o salário mínimo, este ainda não permite suportar as custas judiciais, constituindo-se numa das barreiras para o acesso à Justiça. Por isso, é urgente que o Ministério das Finanças, em concertação com o Ministério da Justiça, a Ordem dos Advogados de Angola e outros parceiros, no âmbito da Reforma da Justiça estudem a possibilidade de efectuar uma revisão ao Código das Custas Judiciais, sobretudo para as causas de menor valor colocando-as de acordo com o custo de vida das populações.

w O Procurador-Geral da República, enquanto garante da legalidade democrática, em conjunto com a Assembleia Nacional fiscalizadora das acções do Executivo, deve tomar

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rECoMEnDAÇõES28

medidas efectivas para combater as práticas de corrupção e a impunidade dentro do sis-tema formal de Justiça, concretizando o compromisso assumido pelo Estado Angolano ao ratificar os Pactos da Nações Unidas e da União Africana contra a corrupção;

w O Estado, através do Ministério da Justiça deve considerar a possibilidade de instituir, no âmbito da Reforma da Justiça, instâncias intermédias de mediação e conciliação de conflitos que poderiam eventualmente ser denominados de “Conselhos de Paz” cujo ob-jectivo seria resolver conflitos nas comunidades pela via da mediação e conciliação dei-xando a actividade de “julgar” exclusivamente para os Tribunais. Tanto as experiências de resolução de conflitos existentes nas diferentes práticas consuetudinárias, como as experiências das igrejas, das organizações da sociedade civil e de outras entidades devem ser tidas em conta na concepção destes “Conselhos de Paz”.

w Os Ministérios da Justiça e do Interior, os Conselhos Superiores da Magistratura Judi-cial e do Ministério Público devem exercer um controlo mais rigoroso sobre o sistema de colocação e acompanhamento dos operadores de Justiça nos locais indicados, visto que muitos deles têm estado regularmente ausentes das suas jurisdições, principalmente por motivos familiares, académicos e/ou outros, o que prejudica fortemente a eficácia do sistema judicial;

w Diante da tão enraizada crença no feitiço, do papel central do adivinho em muitas co-munidades e, tendo em conta as suas consequências (desestruturação de famílias, mor-tes, abandono,...), os Ministérios da Cultura e Educação, as igrejas e a sociedade civil devem prestar maior atenção a este fenómeno e ajudar as pessoas a alargar a grelha de interpretação dos fenómenos sociais através de programas de educação para a cidadania, que não se se centra em negar as crenças, mas em analisar como funcionam e chamar a atenção para o que elas representam e trazem para as suas vidas.

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ACESSO À JUSTIÇA EM ANGOLAELEMENTOS PARA REFLEXÃO

Anexos

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ACESSO À JUSTIÇA EM ANGOLAELEMENTOS PARA REFLEXÃO

31

Anexo 1Mapa da distribuição territorial dos Tribunais provinciais e municipais

Tribunais provinciais

Tribunais municipais

CABinDA

KUiTo

UÍGE

MBAZA ConGo

MALAnJE

SUMBE

hUAMBo

LUEnA

SAUriMo

nDALATAnDo

MEnonGUE

onDJiVA

LUBAnGonAMiBE

LoBiTo

Viana

LUAnDA

Cahama

Tombua

Caála

Andulo

CAxiTo

Cacuacoingombota

negage

Cacuso

Libolo

Porto Amboím

Soyo

BelizeBuco Zau

Ambaca

Golungo Alto

Cambambe

Waku Kungo

Gabela

Matala

Caconda

Cubal

Baía Farta

Camacuio

Bibala

DUnDo

Cambulo

AnExo 1 | MAPA DA DiSTriBUiÇão TErriToriAL DoS TriBUnAiS ProVinCiAS E MUniCiPAiS

BEnGUELA

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32

Anexo 2Mapa da distribuição territorial da Procuradoria da República

Procuradorias provinciais

Procuradorias municipais

CABinDA

KUiTo

UÍGE

MBAZA ConGo

MALAnJE

SUMBE

hUAMBo

LUEnA

LUnDA SUL

DUnDo

nDALATAnDo

MEnonGUE

onDJiVA

LUBAnGonAMiBE

LoBiTo

Viana

LUAnDA

Tombua

Caála

Andulo

CAxiTo

Cacuacoingombota

Cambulo

Sanza Pombo

Porto Amboím

Soyo

Buco Zau

Ambaca

Cambambe

Waku KungoConda

Matala

Caconda

Cubal

Baía Farta

Camacuio

Bibala

Cacongo

nzeto

negage

Songo

Maquela do Zombo

Ambriz

CateteCaculama

Uku

Luau

Chinguar

CamacupaKatchiungo

Ukuma

Ganda

BEnGUELA Bocoio

Virei

Lumbalan´guimbo

Cunhinga

AnExo 2 | MAPA DA DiSTriBUiÇão TErriToriAL DA ProCUrADoriA DA rEPÚBLiCA

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ACESSO À JUSTIÇA EM ANGOLAELEMENTOS PARA REFLEXÃO

33

Anexo 3Mapa da distribuição territorial da Provedoria de Justiça

AnExo 3 | MAPA DA DiSTriBUiÇão TErriToriAL DA ProVEDoriA DE JUSTiÇA

LUAnDA

hUAMBo

CUnEnE

Provincias com Provedoria de Justiça

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CAPÍTULo | SUB-CAPÍTULo34

Anexo 4Mapa da distribuição territorial dos Advogados

Anexo 4Mapa da distribuição territorial dos Advogados

CABinDA14 ADVoGADoS

BiÉ1 ADVoGADo

UÍGE1 ADVoGADo

MALAnJE3 ADVoGADoS

hUAMBo16 ADVoGADoS

LUnDA SUL1 ADVoGADo

LUnDA norTE1 ADVoGADoKWAnZA norTE

3 ADVoGADoS

CUnEnE1 ADVoGADo

hUÍLA10 ADVoGADoS

nAMiBE3 ADVoGADoS

BEnGo2 ADVoGADoS

LUAnDA748 ADVoGADoS

AnExo 4 | MAPA DA DiSTriBUiÇão TErriToriAL DoS ADVoGADoS

BEnGUELA19 ADVoGADoS

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“Justiça e Paz não são conceitos abstractos nem ideiais inacessíveis; são valores inscritos no coração de cada pessoa, como património comum. Indivíduos, famílias, comunidades, nações, todos são chamados a viver na justiça e a trabalhar pela paz. [...] A paz para todos nasce da justiça de cada um.Ninguém se pode eximir de uma obrigação tão importante e decisisva para a Humanidade. Ela chama todo o homem e toda a mulher, segundo as respectivas competências e responsabilidades.”

João Paulo II

MOSAIKOINSTITUTO PARA A CIDADANIABairro da Estalagem - Km 12Fax: (00244) 222 371 598TM: (00244) 912 508 604TM: (00244) 923 543 546E-mail: [email protected] Postal 2304 - Luanda | Angola União EUroPEiA

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