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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO MESTRADO EM DIREITO DA TEORIA DO PROCESSO E TUTELA DOS DIREITOS ANTONIO JORGE SANTOS OLIVEIRA ACESSO À JUSTIÇA DOS PARTICULARES NO MERCOSUL Salvador 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO MESTRADO EM DIREITO DA TEORIA DO PROCESSO E TUTELA DOS

DIREITOS

ANTONIO JORGE SANTOS OLIVEIRA

ACESSO À JUSTIÇA DOS PARTICULARES NO MERCOSUL

Salvador 2015

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ANTONIO JORGE SANTOS OLIVEIRA

ACESSO À JUSTIÇA DOS PARTICULARES NO MERCOSUL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito, Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito. Orientador: Prof. Dr. Wilson Alves de Souza.

Salvador 2015

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ANTONIO JORGE SANTOS OLIVEIRA

ACESSO À JUSTIÇA DOS PARTICULARES NO MERCOSUL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito, Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito e aprovada pela seguinte banca examinadora:

_____________________________________ Wilson Alves de Souza (Orientador) Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino _____________________________________ Saulo José Bahia Casali Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. _____________________________________ Vallisney de Souza Oliveira Doutor em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Salvador, ___ de ________________ de 2015.

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AGRADECIMENTOS

Apesar da caminhada/corrida ser um esporte individual, a caminhada da vida deve ser feita, primordialmente, acompanhado de pessoas que, de mãos dadas, às vezes lhe impulsionam, outras vezes são impulsionadas por você. E a caminhada até obter este título de mestre não poderia ser diferente. Nela tentei ser a mola propulsora de algumas pessoas que cambaleavam pela estrada, mas, principalmente, fui acolhido por outras tantas, a quem divido o fruto desse trabalho. Dessa forma, agradeço, em primeiro lugar, a Deus e ao meu glorioso São Jorge, que cuidaram de me mostrar como seria boa, mesmo que árdua a caminhada. Colocaram os obstáculos em tamanhos exatos para eu crescer, mas também me retribuíram com suas proteções, quando precisava. Aos meus pais, Antonio Luiz e Celeste (in memoriam), por serem a semente de tudo. A minha mãe-avó Amenaide (in memoriam) pelos ensinamentos de que a fé na vida é fundamental para a vitória e a minha avó Arlinda (in memoriam), exemplo de guerreira. Às minhas dindas-mães, Diana, Sidália e Gracinha, pela tamanha dedicação, generosidade e zelo para comigo. Aos meus irmãos Dica, Gabi, Del, Juan e Cacá por estarem sempre ao meu lado, mesmo nos momentos mais difíceis. Aos meus familiares, pelo incentivo constante e por cada gesto de companheirismo nos momentos de desânimo. Agradeço especialmente a quatro pessoas que estiveram ao meu lado nessa caminhada e participaram ativamente desde o êxito na seleção do programa de pós-graduação até a produção final da dissertação: Walter, meu sócio, amigo e confidente, pelos conselhos milimétricos, a Valnei e a Lucas pelo eterno incentivo de não parar e por que não, pelo apoio técnico e a Alba pela força nas derrotas e alegria dobrada na vitória. Esse momento também é de vocês. Sou grato ao meu orientador, o Prof. Wilson, que me acompanha desde os tempos da graduação, e no mestrado me acolheu de braços abertos. Agradeço também pelo zelo e rigor em suas orientações, sempre com o fito de enriquecer o meu texto. Por fim, agradeço aos meus eternos amigos, professores e colaboradores que sem a ajuda de vocês nada disso teria acontecido. Sintam-se todos abraçados calorosamente.

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A fé na vitória tem que ser inabalável.

O Rappa.

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RESUMO

Com as mudanças trazidas pela globalização mundial, os países necessitaram se unir para o desenvolvimento da suas economias, realizando uma série de movimentos integracionistas. Igualmente nos campos sociais e econômicos, o Direito também sofreu consequências do fenômeno da globalização, passando este para um estágio do direito comunitário. Porém, para que se alcançasse tal patamar, foi necessário o desenvolvimento de organismos supranacionais, como ocorreu na União Europeia, com a criação do Tribunal de Justiça Europeu. No presente trabalho, atesta-se ainda a necessidade de, mesmo com as mudanças ocorridas, os direitos fundamentais do homem devem ser preservados, em especial o princípio do acesso à justiça. Já no âmbito do MERCOSUL, faz-se uma crítica ao modelo de mecanismos de solução de controvérsias, demonstrando a mitigação do princípio do acesso à justiça no atual sistema e defendendo uma evolução neste, principalmente no que se refere aos particulares integrantes dos Estados-membros do Mercosul, para que estes possam ter o direito fundamental do acesso à justiça efetivado no âmbito da comunidade internacional. Propõe-se a criação de um Tribunal de Justiça Supranacional, nos moldes do Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia, sendo respeitadas as suas devidas culturas e tradições. Palavras-chave: Globalização. Direito Comunitário. Princípio do Acesso à Justiça. Particulares. Mercosul. Tribunal de Justiça Supranacional.

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ABSTRACT

With the changes brought about by the globalization, countries needed to unite for the development of their economies, performing a series of integrationist movements. Also in social and economic fields, the law also suffered the consequences of globalization phenomenon, passing this to a stage of Community law. However, in order to reach such a level, the development of supranational bodies was necessary, as occurred in the European Union, with the creation of the European Court of Justice. In this study, still attests up the need, even with the changes taking place, the fundamental human rights must be preserved, in particular the principle of access to justice. In the framework of MERCOSUR, a critique of the model of dispute settlement mechanisms is made, showing the mitigation of the principle of access to justice in the current system and advocating a change in this, especially with regard to particular members of the Member States Mercosur, so that they can have the basic right of access to justice effected in the international community. It is proposed the creation of a Court of Supranational Justice, along the lines of the European Community Court of Justice, and respected their due cultures and traditions. Keywords: Globalization. Community Law. Principle of Access to Justice. Private. Mercosur. Court Supranational.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

a.C antes de Cristo

CE Comunidade Europeia

CECA Comunidade Europeia do Carvão e Aço

CEEC Comunidade Econômica Eurasiática

CF Constituição Federal

CMC Conselho Mercado Comum

CPC Código de Processo Civil

DUDH Declaração Universal dos Direitos do Homem

d.C depois de Cristo

EC Emenda Constitucional

EURATOM Comunidade Europeia de Energia Atômica

GMC Grupo Mercado Comum

HC Habeas Corpus

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

MERCOSUL Mercado Comum do Sul

NAFTA Tratado Norte-Americano de Livre Comércio

RE Recurso Extraordinário

STF Supremo Tribunal Federal

TA Tratado de Assunção

TEDH Tratado Europeu de Direitos do Homem

TFUE Tratado sobre Funcionamento da União Europeia

TJ Tribunal de Justiça

TJUE Tribunal de Justiça da União Europeia

TJCE

EU

Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias

União Europeia

TPI Tribunal de Primeira Instância

TPR Tribunal Permanente de Revisão

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 11

2 O ACESSO À JUSTIÇA COMO DIREITO FUNDAMENTAL 14

2.1 ORIGEM DO PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA 14 2.1.1 Criação do Estado Liberal e dos direitos de primeira geração 19

2.1.2 Criação do Estado Social e dos direitos de segunda geração 22

2.2 O PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA COMO DIREITO

FUNDAMENTAL DE SEGUNDA GERAÇÃO 25

2.3 O PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA NA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS DE 1948 27

2.3.1 O contexto histórico da Declaração Universal dos Direitos

Humanos 28

2.3.2 Os principais princípios de direitos humanos na Declaração de 1948 29

2.4 O PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA NO ORDENAMENTO

JURÍDICO BRASILEIRO 30 3 O PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA NO DIREITO

INTERNACIONAL E NO DIREITO COMUNITÁRIO 44

3.1 O PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA NO DIREITO INTERNACIONAL 45

3.2 O ACESSO À JUSTIÇA NO DIREITO COMUNITÁRIO 47

3.3 O TRIBUNAL EUROPEU 48

3.3.1 A posição do Tribunal de Justiça Europeu na estrutura

institucional da comunidade 51

3.3.2 A composição e o funcionamento do Tribunal de Justiça Europeu 54

3.3.3 A competência do Tribunal de Justiça Europeu 56

3.3.3.1 Competência voluntária ou não-contenciosa 57

3.3.3.2 Competência contenciosa 58

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3.3.3.2.1 Competência resultante dos Tratados 58 3.3.3.2.2 Competência não resultante dos Tratados 61 4 ENTRAVES JURÍDICOS PARA A CRIAÇÃO DO TRIBUNAL

SUPRANACIONAL E A ELEVAÇÃO DO MERCOSUL A CATEGORIA DE COMUNIDADE INTERNACIONAL 64

4.1 O CONTEXTO ATUAL 64

4.2 A GLOBALIZAÇÃO E A CRIAÇÃO DOS BLOCOS

ECONÔMICOS 66

4.3 NORMAS DE DIREITO INTERNACIONAL 69

4.4 CONFLITOS ENTRE NORMAS DE DIREITO INTERNO E DIREITO INTERNACIONAL 70

4.4.1 Teoria dualista 71

4.4.2 Teoria monista 74

4.4.2.1 Teoria monista internacionalista 76

4.4.2.2 Teoria monista nacionalista 78

4.4.3 Críticas às teorias monista e dualista 79

4.5 A POSIÇÃO ADOTADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 80

4.5.1 Tratados de Direitos Humanos e submissão jurisdicional de

um Tribunal Internacional 85 5 O SISTEMA DE SOLUÇÕES DE CONTROVÉRSIAS

NO MERCOSUL 89

5.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA 89

5.1.1 Origem do MERCOSUL 89

5.2 O SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS DO MERCOSUL 93

5.2.1 A estrutura institucional do MERCOSUL 93 5.2.1.1 Do Conselho do Mercado Comum 93

5.2.1.2 Do Grupo Mercado Comum 94

5.2.1.3 Da Comissão de Comércio do MERCOSUL 95

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5.2.1.4 Da Comissão Parlamentar Conjunta 96

5.2.1.5 Do Foro Consultivo Econômico-Social 96 5.2.1.6 Secretaria Administrativa do MERCOSUL 97

5.2.2 A evolução dos mecanismos de solução de controvérsias 97

5.2.2.1 Anexo III do Tratado de Assunção 98

5.2.2.2 O Protocolo de Brasília 99

5.2.2.3 O Protocolo de Ouro Preto 101

5.2.2.4 O Protocolo de Olivos 102

5.3 CRÍTICAS ÀS BARREIRAS AO PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA

NO MERCOSUL NO SEU ATUAL SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIA 106

5.4 A CRIAÇÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA SUPRANACIONAL NO

MERCOSUL 110

6 CONCLUSÃO 117

REFERÊNCIAS 123

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11

1 INTRODUÇÃO

Com o surgimento e consolidação do fenômeno da globalização, em especial

no final do século XX, foi necessário que os países se enquadrassem nesta nova

estrutura de produção, incluindo na sua agenda um novo padrão industrial e

tecnológico. Acresce-se a isso, a formação de megablocos econômicos e a

tendência de regionalização do comércio, com a influência direta do fluxo de capital,

bens e serviços.

Dessa forma, com o fito de se fortalecer economicamente, os países vêm se

unindo para que possam se lançar em mais mercados, bem como aumentar a sua

influência e participação no comércio mundial.

Assim, a formação dos blocos econômicos também permite otimizar a própria

economia de cada um dos Estado-partes. Neste último caso, ao se associarem em

entes de integração, os Estados garantem o aumento de mercado para as suas

indústrias, o que permite um acréscimo no ganho em termos absolutos e fazendo

nascer o ganho em escala, impróprio diante de pequenos grupos consumidores.1

Neste contexto histórico surge o MERCOSUL – Mercado Comum do Sul, no

ano de 1991, com intuito de produzir uma livre zona de comércio entre os países do

cone sul, inicialmente com a participação de Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, e

mais recentemente com a entrada da Venezuela2.

O MERCOSUL surgiu como um ambicioso projeto de criar em pouco tempo

um Mercado Comum com a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos,

eliminação de fatores alfandegários e restrições não tarifárias, estabelecimento de

uma tarifa externa comum, adoção de uma política comercial única em relação a

terceiros Estados, coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os

Estado-partes e compromisso dos Estados de harmonizar suas legislações.3

Em função desses conjuntos de situações, a existência de conflitos entre os

homens é inevitável4, ainda mais pela diversidade histórica, social e cultural dos

Estados-partes. Assim, em que pese as vantagens adquiridas com a elaboração

1 BAHIA, Saulo José Casali. A efetividade dos direitos fundamentais no Mercosul e na União Européia. Salvador: Paginae, 2010. p. 529.

2 A adesão da Venezuela ao bloco ocorreu após a reunião de Cúpula Extraordinária do Mercosul, em Brasília, no dia 31/07/2012.

3 Artigo 1º do Tratado de Assunção. 4 SOUZA, Wilson Alves de. Acesso à justiça.Salvador: Dois de Julho, 2011. p. 21.

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12

deste bloco econômico, esta também criou diversos conflitos, em especial

ocasionados pelos diferentes costumes e, principalmente, por legislações nacionais

que não estavam preparadas para se amoldarem a esta nova concepção mundial.

Em que pese tais dificuldades legislativas para se alcançar a real integração

do bloco, não apenas de forma interestatal5, mas para se chegar a forma

supranacional, necessário se adotar medidas para a incorporação dos novos tempos

aos direitos internos, tendo sempre como base os direitos fundamentais.

Esta passagem do modelo interestatal para o modelo supranacional é de

suma importância para a consolidação do MERCOSUL, uma vez que se passaria

para o modelo de direito comunitário, deixando de ser apenas um bloco com

finalidades meramente econômicas, para realmente se tornar uma entidade

supranacional, de interesses múltiplos.

Neste ponto há de se destacar a obrigação dos Estados-partes em

oportunizar a participação popular neste novo conceito de comunidade, incluindo

demandas públicas sociais na pauta de integração regional, bem como criar

mecanismos para que nasça e sejam protegidos os direitos dos cidadãos

mercosulinos.

Surge, daí, a necessidade de refletir-se sobre a criação de organismos para

que haja uma legislação comum em relação aos Estados nacionais, além da

obrigatoriedade de um tribunal de natureza supranacional no bloco, que garanta a

efetividade do direito surgido no seu âmbito, garantindo o acesso à justiça

comunitária pelos cidadãos participantes desse processo.

Ademais, no âmbito do MERCOSUL não há efetiva intenção, pelo menos em

curto prazo, de se criarem órgãos regionais, como um Parlamento autônomo ou um

Tribunal do MERCOSUL, para os quais a comunidade jurídica está mais afeita,

5 Este termo é utilizado por Saulo Casali Bahia, afirmando para tanto que “desde o início, segue o Mercosul um modelo de integração pouco arrojado. Ao invés de seguir o modelo supranacional (exemplo europeu atual), preferiu seguir o modelo interestatal. Quando o momento previsto no tratado de criação (Tratado de Assunção, 1991) chegou, ao final do período de transição, para a definição da estrutura definitiva do Mercosul, não se fez com o Protocolo de Ouro Preto (dezembro, 1994), o rompimento com o modelo interestatal. Neste último tratado continuou a ser dito que `as decisões dos órgãos do Mercosul devem ser adotadas pelo consentimento e com a presença de todos os estados membros`”. BAHIA, Saulo José Casali. A efetividade dos direitos fundamentais no Mercosul e na União Européia. Salvador: Paginae, 2010. p. 531.

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13

muito embora a transposição dessas instituições do espaço nacional para

transnacional não seja tão simples quanto se pareça.6

É justamente neste contexto histórico, político e econômico que se defende

neste estudo a criação de um mecanismo que efetive a cidadania dos habitantes dos

Estados-partes no que tange ao acesso à justiça.

6 RODRIGUES, Geisa de Assis. Anotações sobre o acesso à justiça das demandas

individuais e coletivas no Mercosul. In: BAHIA, Saulo José Casali (Coord.). A efetividade dos direitos fundamentais no Mercosul e na União Européia. Salvador: Paginae, 2010. p. 280.

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14

2 O ACESSO À JUSTIÇA COMO DIREITO FUNDAMENTAL

2.1 ORIGEM DO PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA

Igualmente ao próprio Direito, é tarefa árdua e, por demais, discutida quando

o princípio do acesso à justiça passou a existir e, por conseguinte, fazer parte da

vida dos cidadãos em relação à resolução dos conflitos.

Na longa trajetória histórica demarcada para o estudo das instituições

jurídicas, chama atenção para o fato de que o Direito nas sociedades primitivas não

era escrito e encontrava-se profundamente dominado pelas práticas religiosas. Além

disso, as regras primitivas de controle social não se reduziam tão somente à lei

criminal, pois já existiam regras de Direito Civil, consensualmente aceitas,

respeitadas e motivadas por necessidades sociais. Em conseqüência, as regras

legais não foram exercidas de forma arbitrária, mas resultantes do acordo recíproco

entre seus integrantes.

Pode-se atestar algumas características do direito nas sociedades arcaicas.

Primeiramente, o direito primitivo não era legislado, as populações não conheciam a

escritura formal e suas regras de regulamentação mantinham-se e conservavam-se

pela tradição. Um segundo fator de conhecimento é que cada organização social

possuía um direito único, que não se confundia com o de outras formas de

associação. Cada comunidade tinha suas próprias regras, vivendo com autonomia e

tendo pouco contato com outros povos, a não ser em condições de beligerância. Um

terceiro aspecto a considerar é a diversidade dos direitos não escritos. Trata-se da

multiplicidade de direitos diante de uma gama de sociedades atuantes, advinda, de

um lado, da especificidade para cada um dos costumes jurídicos concomitantes, de

outro, de possíveis e inúmeras semelhanças ou aproximações de um para outro

sistema primitivo.7

Na Grécia antiga, o estudo do direito grego é interessante a partir do

aparecimento da polis, em meados do século VIII a. C. Neste ponto, imperioso o

estudo da cidade de Atenas, onde a democracia melhor se desenvolveu e o direito

atingiu sua mais perfeita forma quanto à legislação e processo. É comum utilizar

direito grego e direito ateniense como sinônimos. No entanto, deve-se ter em mente

7 WOLKMER, Antonio Carlos, O direito nas sociedades primitivas. In: ______ (Org.).

Fundamento de História do Direito. 3.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 20.

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15

que nem sempre são a mesma coisa, e não se pode falar de direito grego no sentido

de sistema único e abrangendo todas as pólis, sendo Esparta a grande exceção.

Quanto ao princípio do acesso à justiça no direito grego, afirma-se que o

mesmo já existia no tocante à presença diante de um tribunal, porém não como se

observa na modernidade. Na sociedade moderna, a administração da justiça está

nas mãos de profissionais especializados, os juízes. Na Atenas clássica, a situação

era o reverso. A heliaia era o tribunal popular que julgava todas as causas, tanto

públicas como privadas, à exceção dos crimes de sangue que ficavam sob a alçada

do areópago. Os membros da heliaia, denominados heliastas, eram sorteados

anualmente dentre os atenienses. O número de heliastas atuando como júri em um

processo variava, mas atingia algumas centenas. Para permitir que o cidadão

comum pudesse participar como heliasta sem prejuízo de sua atividade, recebiam

um salário por dia de sessão de trabalho.8

As sessões de trabalho para julgar os casos apresentados eram chamadas

dikasterias, e as pessoas que compunham o júri eram referidas como dikastas em

vez de heliastas. Os dikastas eram apenas cidadãos exercendo um serviço público

oficial, e sua função se aproximava mais da de um jurado moderno. A decisão final

do julgamento era dada por votação secreta, refletindo a vontade da maioria.9

A apresentação do caso era feita por discurso contínuo de cada um dos

litigantes, interrompido somente para a apresentação de evidências de suporte, e

era dirigido aos dikastas, cujo número poderia variar em algumas centenas, por

exemplo 201 ou 501, por julgamento; o número total era sempre ímpar para evitar

empate. A votação era feita imediatamente após a apresentação dos litigantes, sem

deliberação. Não havia juiz: um magistrado presidia o julgamento, mas não interferia

no processo.10

Os litigantes dirigiam-se diretamente aos jurados através de um discurso,

sendo algumas vezes suportados por amigos e parentes que apareciam como

testemunhas. O julgamento resumia-se a um exercício da retórica e persuasão.

8 SOUZA, Raquel. O Direito Grego Antigo. In: ______ (Org.). Fundamento de História do

Direito. 3.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 67. 9 SOUZA, Raquel. O Direito Grego Antigo. In: ______ (Org.). Fundamento de História do

Direito. 3.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 67. 10 SOUZA, Raquel. O Direito Grego Antigo. In: ______ (Org.). Fundamento de História do

Direito. 3.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 67.

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16

Cabia ao litigante convencer a maior parte de jurados e para isso valia-se de todos

os truques possíveis.11

Tem-se ainda, no rol de personagens do sistema processual do direito grego

antigo, a figura do sicofanta, um produto do próprio sistema que permitia e

estimulava que qualquer cidadão grego iniciasse uma ação pública (graphé). O

estímulo era dado por meio de leis que concediam percentuais, pagos ao acusador,

sobre a quantia que o acusado deveria pagar ao Estado, principalmente quando se

tratava de devolução ou reembolso no caso de administradores públicos. Os

sicofantas passaram a viver desse expediente e tomaram-se uma classe temida e

odiada na sociedade ateniense, adquirindo o nome um sentido pejorativo e

tomando-se alvo de críticas e ridículo nas comédias de Aristófanes, particularmente

em Pluto.12

Dessa forma, vislumbra-se um acesso à justiça viciado, pois não se

resguardava a imparcialidade, sendo a justiça administrada pelos próprios cidadãos

e não pelo Estado; o magistrado que compunha o tribunal era figura ilustrativa, não

possuindo poderes de gerência no processo; eram possíveis todas as artimanhas

para poder convencer o júri, não tendo um regramento claro sobre a exposição das

provas; qualquer membro da comunidade poderia ser um acusador, recebendo uma

contrapartida financeira do Estado para isso, o que coloca em xeque o teor da

acusação.

No que tange o direito romano, este continua vivo em várias instituições

liberais individualistas contemporâneas, principalmente naquelas instituições

jurídicas concernentes ao direito de propriedade no seu prisma civilista e ao direito

das obrigações, norteando o caráter privatístico do Código Civil brasileiro.

Os períodos em que a historiografia jurídica divide a história jurídico-política

do Império Romano correspondem a etapas cronológicas plenamente delimitadas: 1)

Período da Realeza (das origens de Roma à queda da realeza em 510 a.C.); 2)

Período da República (510 a.C. até 27 a.C., quando o Senado investe Otaviano -

futuro Augusto - no poder supremo, com a denominação de princeps); 3) Período do

Principado (de 27 a.C. até 285 d.C., com o início do dominato pró-Diocleciano); 4)

Período do Baixo Império (de 285 até 585 d.C., data em que morre Justiniano).

11 SOUZA, Raquel. O Direito Grego Antigo. In: ______ (Org.). Fundamento de História do

Direito. 3.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 67-68. 12 SOUZA, Raquel. O Direito Grego Antigo. In: ______ (Org.). Fundamento de História do

Direito. 3.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 69.

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17

Na fase da Realeza surgem algumas instituições político-jurídicas ainda muito

vinculadas à existência de um Estado Teocrático. O cargo de rei assume caráter de

magistratura vitalícia, sendo ao mesmo tempo chefe político, jurídico, religioso e

militar, ou seja, o rei era o magistrado único, vitalício e irresponsável.13

No período da República, as magistraturas passaram a ganhar mais prestígio,

destacando-se do poder dos dois cônsules, que inicialmente são as magistraturas

únicas e vitalícias; comandam o exército, velam pela segurança pública, procedem

recenseamento da população, administram a justiça criminal. Porém, estes cargos

de magistrados só poderiam ser exercidos por algumas pessoas da nobreza, não

sendo aptos a galgar tal posto dos plebeus. As magistraturas romanas nesse

período caracterizavam-se por serem temporárias, colegiadas, gratuitas e

irresponsáveis.14

No período do Principado surgem os comícios, centuariatos, que teriam

aparecido conforme a tradição na época do Imperador Sérvio Túlio. Tais comícios

seriam agrupados em cinco classes divididas de acordo com a riqueza imobiliária;

mais tarde, os bens móveis foram também computados no recenseamento da

riqueza dos cidadãos romanos, patrícios e plebeus. As classes superiores, dos

cavaleiros e dos proprietários fundiários patrícios, terminavam por prevalecer às

votações centuriais, devido ao peso excessivo atribuído nas votações das duas

primeiras centúrias, compostas de membros da classe privilegiada romana.15

O último período da história da civilização romana é o do baixo Império

(dominato), quando ocorre a cristianização do Império, e também a decadência

política e cultural; a fonte de criação do direito passa a ser a constituição imperial,

onde o poder do imperador é absoluto e divinizado, porém o mesmo apenas legisla,

demonstrando a perda do seu prestígio e a decadência do império.

Da mesma forma que na sociedade antiga e no direito grego, o princípio do

acesso à justiça estava enfeixado apenas na possibilidade de haver um tribunal para

julgamento das contendas, porém este era por demais esvaziado no tocante as

garantias dos jurisdicionados, sendo mais utilizados como forma de permanência do

status quo.

13 ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. V. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 8-9. 14 ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. V. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 15. 15 ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. V. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 17.

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Com a queda do império romano e a tomada do poder por partes dos

bárbaros, iniciou-se o período da Idade Média, com a ascensão do feudalismo como

forma econômica.

Com o pleno desenvolvimento deste nos séculos X, XI e XII, e o consequente

enfraquecimento do poder real, a Europa Ocidental transforma-se numa

multiplicidade de pequenos senhorios economicamente auto-suficientes,

comandados por nobres belicosos que mantinham exércitos próprios. O poder real,

apesar de ocupar um lugar no topo da hierarquia medieval, era incapaz de impor a

sua vontade aos nobres, o que gerou o desaparecimento da atividade legislativa

imperial e principalmente o desmembramento do poder judicial nas mãos dos

senhores feudais. Desta forma, o direito fica adstrito às relações feudo-vassálicas,

ou seja, as relações dos senhores com os seus servos

O Estado Medieval, neste contexto, era figurativo e descentralizado. Os

senhores feudais exerciam funções estatais, como legislar, julgar, cobrar tributos e

formar exército. Não é inapropriado registrar que um Feudo aproximava-se da ideia

que se tinha de Estado, e, muitos vezes, em sua complexidade, rivalizava-se com o

Estado formal ou que nele se transformava.

O que se pode constatar com clareza, na análise do Estado Medieval, é a

influência do feudalismo. Seus vários institutos, assim como a vida social, estavam

subordinados à propriedade e à posse da terra, fazendo com que houvesse uma

confusão do que fosse público e privado.

Na Idade Média, o direito germânico foi utilizado, como instrumento

privilegiado na resolução de conflitos, tanto pelas suas características próprias

quanto pela ausência de um poder judicial organizado, baseando-se na sistemática

da prova.16 Assim, o processo penal germânico era uma espécie de continuação da

luta entre o ofendido e o acusado, uma “forma ritual de guerra”, que era utilizada

substancialmente como método de produção e legitimação da verdade. Nessa

“guerra” formal, as hostilidades regulamentadas poderiam cessar com um acordo

envolvendo o resgate do direito de não ser mais vítima das vinganças mútuas que a

caracterizavam. Como o objetivo aparente não era provar a verdade, e sim a

influência social de quem participava da prova, geralmente o vencedor era o mais

forte.

16 FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: PUC/Nau, 1996.

p. 54-60.

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Com o fortalecimento do poder da Igreja Católica, esta passou a monopolizar

toda a produção jurídica da idade feudal. Dessa maneira, em vez de se alcançar a

verdade dos fatos, os julgamentos mais serviam para demonstrar a sua hegemonia,

além de externar a vontade do poder eclesiástico em face da população.

Um bom exemplo deste poder exercido pelo clero fora a criação dos tribunais

de inquisição. Sob a influência da Igreja, todo um sistema de direito penal (o

acusatório) foi alterado, para que os crimes de heresia e bruxaria pudessem ser

eficazmente combatidos. Novas regras para o processo, que lhe conferiram feição

inquisitória, aliadas à reintrodução da tortura como meio de extrair a confissão,

redundavam num processo do qual dificilmente o acusado escapava sem

condenação17.

Assim, resta demonstrado a existência do princípio do acesso à justiça, porém

este era mitigado e subordinado às forças das épocas vividas pela humanidade.

Com a ascensão da burguesia, a influência do pensamento iluminista e as

revoluções burguesas, pode-se dizer que a partir destes tempos que o referido

princípio passou a nascer com os aspectos que se encontra nos dias atuais.

2.1.1 Criação do Estado Liberal e dos direitos de primeira geração

Conforme aduzido acima, fica claro que a isonomia entre os membros da

comunidade nem sempre existia, sendo que os mais fracos e menos dotados de

inteligência estavam em desvantagens quando pleiteavam ou exigiam o

cumprimento de um direito seu.

Com o passar dos anos, esta desigualdade fora ficando cada vez mais

arraigada no seio da sociedade, a ponto de que por várias gerações se acreditou

que a situação de opressão e submissão vivida era em decorrência de forças

superiores, bem como de “erros” cometidos no plano espiritual, devendo os

subordinados apenas obedecer às ordens e nada questionar, como ocorrera na

Idade Média.

Neste ponto, a Revolução Francesa fora de suma importância para a cisão

deste pensamento, bem como o início da germinação do princípio da igualdade

17 NASPOLINI SANCHES, Samyra H. D. F. Aspectos históricos, políticos e legais da

inquisição. In: WOLKMER, Antonio Carlos. Fundamento de História do Direito. 3.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 188.

Page 21: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

20

entre os cidadãos. Porém, como a maioria dos fatos históricos, existia um grande

interesse por trás desta nova forma de pensar, principalmente o econômico.

A criação do Estado Liberal pela burguesia se fundou primordialmente na

tentativa de além do poder econômico que já detinha, adquirir também o poder

político, que por hora estava concentrado na realeza e na nobreza.

A chamada igualdade entre os cidadãos era necessária, sendo esta uma das

características mais marcantes do Estado Liberal, qual seja, a defesa da igualdade

formal entre os membros da sociedade. Ressalte-se que igualdade defendida pela

burguesia era apenas a igualdade formal, a qual buscava apenas a submissão de

todos perante a lei, afastando o risco de qualquer discriminação entre as classes

sociais. Dessa forma, sob a égide de tal fundamento, todos deveriam ser tratados de

maneira uniforme, pois as leis teriam conteúdos gerais e abstratos, não sendo

direcionada a nenhum grupo social.

No contexto histórico da criação do Estado Liberal, a sociedade começa,

mesmo ainda que de forma embrionária, a perceber a necessidade de tratamento

isonômico, principalmente no que se refere a soluções das suas contendas, sendo

certo que era fundamental a fomentação de mecanismos para efetivação deste

direito, preservando a dignidade da pessoa humana.

Neste esteio intelectivo, surgem as primeiras noções do princípio do acesso à

justiça, mesmo sem possuir este nome, muito menos o conteúdo que se observa

nos dias atuais, pois foi através do aprimoramento deste pensamento, que tal

princípio se desenvolveu e se enraizou no âmbito da sociedade.

Contudo, a aplicação apenas da igualdade formal defendida pelo Estado

Liberal, em face das demandas sociais, serviu apenas para a expansão do

capitalismo, agravando a situação de miséria em que vivia a classe trabalhadora.

Outra característica histórica do Estado Liberal que soou como óbice para a

efetivação do princípio do acesso à justiça, fora a intervenção mínima do Estado na

vida particular dos indivíduos. Assim, como os pensadores da época afirmavam que

para haver o real desenvolvimento da sociedade, era necessário que o aparato

estatal interferisse o mínimo possível no cotidiano das pessoas, o que fez com que o

Estado não buscasse implementar os princípios da igualdade e, consequentemente,

do acesso à justiça, deixando com que as demandas existentes, fossem

solucionadas de forma particular.

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21

De toda sorte, em que pese o Estado Liberal não ter efetivado o princípio do

acesso à justiça, bem como ter implementado apenas a igualdade formal entre os

indivíduos, fora nele que se iniciou a ideia de um Estado de Direito, ou seja, um

Estado onde todos eram subordinados à lei, não podendo e nem devendo haver

discriminação por parte desta a nenhum dos membros da comunidade.

Há de se frisar, mais uma vez, que a criação do Estado de Direito também

vem acompanhado de uma série de interesses econômicos, principalmente da

burguesia que ansiava a criação de um único ordenamento jurídico, pois a

diversidade de legislações existentes no feudalismo, onde cada feudo possuía suas

regras distintas e próprias, era um grande entrave para a ampliação do comércio e,

portanto, um obstáculo para auferir mais lucro.

Assim, o Estado de Direito, na precisa lição de Carlos Ari Sunfeld18, pode ser

definido:

[…] como o criado e regulado por uma Constituição (isto é, por norma jurídica superior às demais), onde o exercício do poder político seja dividido entre órgãos independentes e harmônicos, que controlem uns aos outros, de modo que a lei produzida por um deles tenha de ser necessariamente observada pelos demais e que os cidadãos, sendo titulares de direitos, possam opô-los ao próprio Estado.

Diante dessa necessidade de estabilidade social, o Estado de Direito passa a

regular o exercício do poder por parte dos governantes e impedir o uso arbitrário

deste para com a população, garantindo um direito público subjetivo dos indivíduos,

reconhecidos constitucionalmente, apesar de forma bastante discreta, alguns

direitos fundamentais, como a liberdade. Consoante ensinamento de Norberto

Bobbio19:

[…] na doutrina liberal, Estado de direito significa não só subordinação dos poderes públicos de qualquer grau às leis gerais do país, limite que é puramente formal, mas também subordinação das leis ao limite material do reconhecimento de alguns direitos fundamentais considerados constitucionalmente, e portanto em linha de princípio invioláveis.

18 SUNDELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 4.ed. 7.tir. São Paulo:

Malheiros, [s.d.]. p. 38-39. 19 BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. 2.ed. Trad.: Marco Aurélio Nogueira. São

Paulo: Brasiliense, 1988. p. 19.

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22

Assim, criou-se a probabilidade do cidadão, como titular de um direito, exigir o

seu cumprimento em desfavor do Estado, o que era impensável no período histórico

antecedente - absolutismo – tempo em que só era possível se exigir o cumprimento

dos seus direitos em relação a outros indivíduos, mas nunca em relação ao Estado.

Nascem, portanto, no Estado Liberal, os chamados “direitos de primeira

geração”, ou seja, os direitos que são inerentes ao próprio ser humano, situando-se

na esfera do indivíduo em si mesmo, exigindo do Estado uma postura negativa, não

arbitrária, no que tange à população, não sendo mais tolerada a invasão da esfera

individual de cada um, elevando a condição de cidadão os outroras súditos, os quais

eram tratados como meros objetos pelos detentores do poder.

Frise-se que, ao lado dos direitos subjetivos materiais, criaram-se as

garantias fundamentais, também chamadas de direitos subjetivos processuais (ou

adjetivos ou formais ou instrumentais), visando, efetivar os direitos substantivos.

Assim, criaram-se instrumentos processuais para resguardar os direitos adquiridos

pelos cidadãos, mesmo que de forma incipiente.

2.1.2 Criação do Estado Social e dos direitos de segunda geração

Com a expansão do capitalismo sendo realizado basicamente na exploração

da classe trabalhadora, sob a égide da igualdade tão-somente formal, bem como da

intervenção mínima do Estado na vida particular dos indivíduos, características

básicas do Estado Liberal, este apenas serviu, em relação às questões sociais, em

aprofundar o fosso entre patrões e empregados, aumentando cada vez mais a

miséria destes e o lucro daqueles.

O descaso com o aspecto social, principalmente após a Revolução Industrial

ocorrida inicialmente na Inglaterra e, posteriormente difundida em toda Europa

Ocidental e Estados Unidos, onde a classe trabalhadora era submetida a longos

períodos de trabalho sem descanso, e com salários baixíssimos, condições

desumanas de trabalho, inclusive com a utilização de crianças nas fábricas, fez

surgir um descontentamento geral por parte da classe oprimida, gerando uma série

de protestos.

Como conseqüência desta lógica perversa e opressora do capitalismo, os

trabalhadores passaram a se unir e a buscar melhores condições de vida e de

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23

trabalho, o que fez eclodir a Revolução Russa em 1917, tendo a classe trabalhadora

assumido o poder, instalando um governo do proletariado.

Esse movimento configurava a possibilidade de uma ruptura violenta do

Estado Liberal, devido à grande adesão de operários do ocidente europeu. A

burguesia, temendo a expansão dos ideais pregados pela Revolução Russa, adotou

mecanismos que afastassem os trabalhadores da opção revolucionária, surgindo,

então, o Estado Social, com as seguintes características: intervenção do Estado na

economia, aplicação do princípio da igualdade material e realização da justiça social.

Dessa forma, para conter a possibilidade de desidratação do capitalismo, a

burguesia, agora detentora tanto do poder econômico, quanto do poder político,

passou, alterando a concepção básica do pensamento do Estado Liberal, a defender

a utilização e intervenção do Estado como meio de contribuir para a melhoria de vida

da classe trabalhadora, dando-lhes assim, uma melhor qualidade de vida.

Ressalta-se que a mudança de pensamento por parte dos donos dos meios

de produção ocorreu apenas para tentar, o que a história mostrou com êxito, barrar

o ímpeto revolucionário da classe trabalhadora, que por influência da citada

Revolução Russa, estava aflorado diante da possibilidade de alteração do status

quo, totalmente desvantajoso para esta classe.

Para que fosse possível a implementação dos interesses da burguesia, foi

necessária uma alteração de pensamento, principalmente no que se refere ao

princípio da igualdade, o qual não poderia ser mantido apenas no aspecto formal,

devendo evoluir para o aspecto material e, assim, alcançar a desejada justiça social.

O princípio da igualdade material, da mesma forma que o da igualdade

formal, considera as pessoas abstratamente iguais perante a lei, porém acrescenta o

fator da realidade social de cada uma delas, reclamando um tratamento desigual

para pessoas desiguais, ou seja, para que se alcançasse o âmago do princípio da

isonomia, era necessário tratar os indivíduos de forma diferente, na medida da suas

desigualdades.

Assim, Carlos Ari Sundfeld20 sintetiza:

O Estado torna-se um Estado Social, positivamente atuante para ensejar o desenvolvimento (não o mero crescimento, mas a elevação

20 SUNDELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 4.ed. 7.tir. São Paulo:

Malheiros, [s.d.]. p. 55.

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24

do nível cultural e a mudança social) e a realização da justiça social (é dizer, a extinção das injustiças na divisão do produto econômico).

Há, assim, pontos de contatos entre o Estado Social e o Estado de Direito, na

medida em que foi este, como vimos no tópico anterior, que originou o conceito de

direito público subjetivo, cabendo àquele a abrangência de seu alcance, regulando,

mais efetivamente, atividades políticas governamentais.

Sobre as semelhanças e diferenças existentes entre estas duas formas de

Estado, Gordillo21 assim enuncia:

A diferença básica entre a concepção clássica do liberalismo e a do Estado de Bem-Estar é que, enquanto naquela se trata tão-somente de colocar barreiras ao Estado, esquecendo-se de fixar-lhe também obrigações positivas, aqui, sem deixar de manter as barreiras, se lhes agregam finalidades e tarefas às quais antes não sentia obrigado. A identidade básica entre o Estado de Direito e Estado de Bem-Estar, por sua vez, reside em que o segundo toma e mantém do primeiro o respeito aos direitos individuais e é sobre esta base que constrói seus próprios princípios.

Assim sendo, apesar dos interesses que motivaram a criação do Estado

Liberal (Estado de Direito) e do Estado Social serem distintos, o primeiro para a

ruptura do contexto histórico marcado pelo Absolutismo no âmbito político e do

Feudalismo no âmbito econômico, os mesmos possuem semelhanças, uma vez que

utiliza deste o respeito aos direitos individuais, notadamente o da liberdade, para

construir os pilares que fundamentam a criação dos direitos sociais.

Neste contexto histórico, surgem os chamados “direitos de segunda geração”,

os quais também estão voltados para o indivíduo em si mesmo, porém acrescentam

um conteúdo econômico e social, haja vista que possuem a finalidade de melhorar

as condições de vida dos cidadãos, exigindo do Estado uma atuação positiva em

prol dos explorados, compreendendo, dentre outros, o direito ao trabalho, à saúde,

ao lazer, à educação e à moradia.22

Assim, os direitos fundamentais de segunda geração são aqueles que exigem

uma atividade prestacional do Estado, no sentido de buscar a superação das

carências individuais e sociais. Por isso, em contraposição aos direitos fundamentais

21 GORDILLO, Agustín. Princípios Gerais de Direito Público. Trad.: Marco Aurelio Greco.

São Paulo: RT, 1977. p. 74. 22 Inserida no rol do art.6º da C.F./88 por meio da Emenda Constitucional nº 26/2000.

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25

de primeira geração – chamados de direitos negativos -, os direitos fundamentais de

segunda geração costumam ser denominados direitos positivos, pois, como se

disse, reclamam não a abstenção, mas a presença do Estado em ações voltadas à

minoração dos problemas sociais.23

Dessa maneira, percebe-se uma grande diferença entre Estado Liberal e

Estado Social, uma vez que no primeiro se reclamava uma atuação negativa do

Estado, ou seja, era necessário que o mesmo não interviesse na vida particular dos

cidadãos, sendo que no Estado Social, a reclamação era justamente oposta, no

sentido de que o Estado deveria ter uma atitude proativa para a implementação dos

direitos dos indivíduos.

Essa característica do Estado Social é de suma importância para o problema

do acesso à justiça, pois a sociedade passou a cobrar do Estado uma série de

direitos, inclusive quanto às soluções dos seus conflitos, não coadunando mais com

a ideia de que os mais fortes economicamente, ou possuidores de algum privilégio,

sempre levassem vantagem no momento de verem os seus direitos reconhecidos e

tutelados pelo Estado.

2.2 O PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA COMO DIREITO FUNDAMENTAL DE

SEGUNDA GERAÇÃO

As reclamações dos movimentos sociais que foram evidenciadas no século

XIX, passaram a ser necessárias para a implementação dos direitos individuais de

primeira geração adquiridos durante a criação do Estado Liberal. Dessa monta, os

direitos de segunda geração, ou seja, os direitos econômicos, sociais e culturais,

necessitavam de sua consagração jurídica, o que ocorreu paulatinamente com a

transição daquele Estado para o Estado Social.

Os direitos da segunda geração se traduzem em direitos de participação, que

requerem uma política ativa dos poderes públicos, destinada a garantir seu

exercício, sendo realizados por intermédio de técnicas jurídicas de prestações e dos

serviços públicos.24

23 ARAÚJ0, Luiz Alberto David. Curso de Direito Constitucional. 9.ed. rev. atual. São

Paulo: Saraiva, 2005. p. 116. 24 PÉREZ LUÑO, Antonio Enrique. Las generaciones de derechos humanos. Revista del

Centro de Estudios Constitucionales, n. 10, p. 205, Septiembre-Diciembre 1991.

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26

Para Bonavides, os direitos de segunda geração dominam o século XX, da

mesma forma como os direitos de primeira geração dominaram o século XIX,

introduzidos que foram no constitucionalismo das diversas formas de Estado social,

fruto das ideologias antiliberais deste século. Também formulados em esferas

filosóficas e políticas de acentuado cunho ideológico, foram proclamados nas

Declarações solenes das constituições marxistas e também, de maneira clássica, no

constitucionalismo da social-democracia, como a de Weimar, dominando então as

constituições do segundo pós-guerra.

Inicialmente tiveram sua juridicidade contestada, passando após a integrar a

chamada esfera programática em virtude da necessidade de recursos do Estado -

nem sempre disponíveis para determinadas prestações materiais. Logo após,

passaram por uma crise de observância e execução, que tende a terminar face às

formulações de preceitos de aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais.25

Estes direitos, de acordo com tradicional entendimento, ensejam postura

“positiva” do Estado na consecução da justiça social, através de prestações sociais

estatais, tais como: assistência social, saúde, educação, trabalho, etc. Enuncia-se,

assim, a transição das “liberdades formais abstratas” para as “liberdades concretas”,

isto é, da igualdade e liberdade formal para a igualdade e liberdade substancial.

Esse espectro, cabe afirmar que o princípio do acesso à justiça é um direito

de segunda geração, pois surgiu exatamente no momento em que se reclamava

maior atuação estatal junto à sociedade, principalmente no que se refere à melhoria

de vida da população.

Para que tais melhorias fossem vislumbradas na prática, o Estado precisava,

além de assegurar os direitos individuais já conquistados, salvaguardar que os

lesados em seus direitos pudessem reivindicá-lo de forma equânime, sendo

destronada a ideia de que apenas os mais abastados financeiramente ou de alguma

forma privilegiados socialmente, e que podiam arcar com os custos de um processo,

pudessem ter uma decisão juridicamente justa.

Assim, a ideia do acesso à justiça evoluiu da concepção liberal para a

concepção social do Estado moderno. No decorrer do século XX, as políticas

governamentais dos países se voltaram para o aspecto social e coletivo.

25 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7.ed. São Paulo: Malheiros,

1997. p. 518.

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27

A concepção do “laissez-faire”, ou seja, que a vida das pessoas deve

funcionar de forma livre, sem interferência do Estado, mote máximo do liberalismo,

onde todos eram presumidamente iguais, onde a doutrina do aceso à justiça não

comportava problemas reais do individuo, mas apenas no campo teórico, fora

abandonada, sendo mister a criação de mecanismos reais e efetivos para a garantia

dos direitos fundamentais do homem.

As constituições passaram a contemplar a efetivação dos direitos

fundamentais, não apenas os definindo e declarando, mas efetivando-os pela

garantia e acessibilidade. Com isso as Constituições passaram a garantir a tutela

jurídica dos direitos subjetivos bem como assegurar que esta tutela será prestada

por via de padrões processuais definidos, agora em face dos princípios

constitucionais.

Para Theodoro Jr. o mecanismo se completa, pois “dessa maneira há,

materialmente, o direito à tutela jurídica estatal e, formalmente, o direito ao

processo, como via de acesso à citada tutela”.26 Assim, para que se alcance a tão

almejada melhoria de vida, faz-se necessário o Estado assegurar o exercício dos

direitos sociais e individuais para a harmonia social e como finalidade uma

sociedade fraterna onde todos reconhecidos, assim como a liberdade e a igualdade,

como valores supremos, direcionando, desta forma, o acesso à justiça como um

direito fundamental.

2.3 O PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA NA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS

DIREITOS HUMANOS DE 1948

Os direitos fundamentais, há não muito tempo, foram reconhecidos e

inseridos nas constituições, mais precisamente no pós Segunda Guerra Mundial,

tendo em vista o surgimento de uma preocupação internacional voltada para a

proteção aos direitos da dignidade da pessoa humana, já que existia a ameaça à

tranquilidade universal, resultado da instabilidade das relações dos países.

26 THEODORO JR., Humberto. Ensaios Jurídicos: o direito em revista. V. 3. Coord.:

Ricardo Bustamante. Rio de Janeiro: Inst. Bras. Atualização Jurídica - IBAJ, 1996. p. 15.

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28

2.3.1 O contexto histórico da Declaração Universal dos Direitos Humanos

Ao se atentar na leitura do preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos

Humanos, observa-se que a mesma foi escrita sob o forte impacto das atrocidades

aos direitos humanos cometidas no período entre o início do nazi-fascismo e o final

da Segunda Grande Guerra.

Assim, quando a Declaração Universal dos Direitos Humanos começou a ser

pensada, o mundo ainda sentia os efeitos da Segunda Guerra Mundial, encerrada

em 1945.

Depois da Segunda Guerra e da criação da Organização das Nações Unidas

(também em 1945), líderes mundiais decidiram complementar a promessa da

comunidade internacional de nunca mais permitir tais atrocidades. Assim,

elaboraram um guia para garantir os direitos de todas as pessoas e em todos os

lugares do mundo.

Dessa forma, a Declaração Universal dos Direitos Humanos reconheceu

internacionalmente o movimento de constitucionalização surgido em meados do

século XVIII, alavancando a teoria dos direitos fundamentais, principalmente no que

se refere à solidificação e positivação do princípio da dignidade da pessoa humana.

Com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de dezembro de

1948, o humanismo político da liberdade alcançou o seu ponto mais alto no século

XX. Trata-se de um documento de convergência e ao mesmo tempo uma síntese.

Convergência de anseios e esperanças, porquanto tem sido, desde a promulgação,

uma espécie de carta de alforria para os povos que a subscreveram, após a guerra

de extermínio dos anos 30 e 40, sem dúvida o mais grave duelo da liberdade com a

servidão em todos os tempos.27

Assim, pode-se observar que a proteção da dignidade da pessoa humana,

que no texto da Declaração Universal dos Direitos do Homem se expressa no

respeito a direitos civis e políticos, e a direitos econômicos e sociais, compreende-se

o respeito aos direitos dos povos e da própria humanidade como um todo.

27 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 23.ed. atual. e ampl. São Paulo:

Malheiros, 2008. p. 574.

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29

2.3.2 Os principais princípios de direitos humanos na Declaração de 1948

A Declaração se abre com a afirmação solene de que “todos os homens

nascem livres e iguais em dignidade e direitos; são dotados de razão e consciência

e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”.28

Reconheceu-se, assim, na sequência das primeiras declarações nacionais de

direitos, a americana e a francesa, o princípio da igualdade, essencial de todo ser

humano em sua dignidade de pessoa; vale dizer, o fundamento de todos os valores,

sem distinções de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião, origem nacional ou

social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição, como se diz no art. II da

Declaração.

Esse reconhecimento só foi possível quando, ao término da mais devastadora

das guerras até então deflagradas, percebeu-se que a ideia de superioridade de

uma raça, de uma classe social, de uma cultura ou de uma religião, sobre todas as

demais, põe em risco a própria sobrevivência da humanidade.

No curso da segunda metade do século XX, no entanto, percebeu-se que o

princípio da igualdade de todos os seres humanos deveria ser complementado com

o reconhecimento do chamado direito à diferença, ou seja, que os desiguais sejam

tratados de forma desigual, na medida das suas desigualdades.

Dessa forma, a Declaração Universal dos Direitos do Homem estipulou a

igualdade como mote máximo, ou seja, se não existir igualdade entre os indivíduos,

nada pode ser concretizado a nível de cidadania. Porém, esta igualdade deve ser

talhada na igualdade substancial ou material, devendo-se tratar os desiguais,

desigualmente.

Além do princípio da igualdade, o princípio da liberdade também fora

contemplado na Declaração de Direitos Humanos, sendo este desdobrado em

direitos políticos e direitos civis. A liberdade política vem declarada no artigo XXI.29

28 Artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, 1948. 29 Artigo 21. 1. Toda a pessoa tem o direito de tomar parte na direcção dos negócios

públicos do seu país, quer directamente, quer por intermédio de representantes livremente escolhidos. 2. Toda a pessoa tem direito de acesso, em condições de igualdade, às funções públicas do seu país. 3. A vontade do povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos; e deve exprimir–se através de eleições honestas a realizar periodicamente por sufrágio universal e igual, com voto secreto ou segundo processo equivalente que salvaguarde a liberdade de voto.

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30

O princípio do acesso à justiça vem descrito na especificação das liberdades

civis dos indivíduos e é feita no art. VIII, ao afirmar que “todas as pessoas têm direito

a um recurso efetivo dado pelos tribunais nacionais competentes contra os atos que

violem os seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei.”30

Diante disso, resta demonstrada a magnitude do princípio em comento, sendo

este positivado junto ao maior e mais importante documento que trata dos direitos do

homem, sendo certo que a sua adoção é de suma importância para o

desenvolvimento dos povos em geral.

2.4 O PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA NO ORDENAMENTO JURÍDICO

BRASILEIRO

O princípio do acesso à justiça é contemplado na nossa Carta Magna de

1988, no seu art. 5º, XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário

lesão ou ameaça a lesão de direito”, investido na condição de direito fundamental de

todos os cidadãos, uma vez que tal preceito é de suma importância dentro do

Estado Democrático de Direito.

Assim, tal princípio pressupõe a possibilidade de que todos, indistintamente,

possam pleitear suas demandas junto aos órgãos do Poder Judiciário, desde que

obedecidas as regras estabelecidas pela legislação processual para o exercício de

um direito. Ocorre que, analisar o referido princípio na sua forma literal é reduzir o

seu significado, pois apenas informaria ao seu receptor que todos teriam o direito a

postular perante o Poder Judiciário.

Segundo Luiz Guilherme Marinoni, “acesso a um processo justo, a garantia de

acesso a uma justiça imparcial, que não só possibilite a participação efetiva e

adequada das partes no processo jurisdicional, mas que também permita a

efetividade das tutelas dos direitos, consideradas as diferentes posições sociais e as

específicas situações de direito substancial”31.

Dessa forma, como assevera Wilson Alves de Souza32, se é indispensável

uma porta de entrada, necessário igualmente é que exista uma porta de saída. Por

outras palavras, de nada adianta garantir o direito de postulação ao Estado-juiz sem

30 Artigo VIII da Declaração Universal de Direitos do Homem de 1948. 31 MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do Processo Civil. 3.ed. São Paulo:

Malheiros, 1999. p. 28. 32 SOUZA, Wilson Alves de. Acesso à justiça.Salvador: Dois de Julho, 2011. p. 25.

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31

um devido processo em direito, sem um processo provido de garantias processuais,

tais como contraditório, ampla defesa, produção de provas obtidas por meios lícitos,

ciência dos atos processuais, julgamento em tempo razoável, fundamentação das

decisões, julgamento justo, eficácia das decisões, etc.

Assim, tomando como ponto de partida que o princípio do acesso à justiça é

um direito constitucional fundamental e este, por ter esta qualidade, está envolto de

uma grande carga axiológica a influenciar as regras postas do ordenamento jurídico

e, considerando que o referido princípio se constitui em um elemento de suma

importância no exercício da cidadania, faz-se necessária a discussão de como o

mesmo pode ser ampliado no âmbito das relações internacionais como

concretização da democracia.

Nesta mesma linha, Mario Cappelletti e Bryant Garth33 afirmam que tal direito

vem sofrendo mutações e lapidações no decorrer dos anos. Destacam que nos

séculos XVIII e XIX, os estados liberais burgueses adotavam procedimentos para a

solução de litígios civis que refletiam a concepção individualista, mas com o

crescimento da população, as ações e relacionamentos adquiriram um caráter mais

coletivo que individual e as sociedades modernas precisaram abandonar a visão

individualista dos direitos, e com isso, o conceito de direitos humanos se

transformou.

Mauro Cappelletti e Bryant Garth estabeleceram uma subdivisão cronológica

dos movimentos de acesso à justiça, ou seja, de tentativas de solução para se

garantir a efetividade do acesso à justiça, e cada movimento foi chamado pelos

autores de “onda”. A primeira “onda” teria sido a assistência judiciária; a segunda

referia-se a representação jurídica para os interesses difusos, especialmente nas

áreas de proteção ambiental e do consumidor e, finalmente, a terceira “onda” que

seria o “enfoque de acesso à justiça”, a qual compreendia os posicionamentos

anteriores e tinha com objetivo enfrentar contundente e articuladamente, as barreiras

ao acesso efetivo à justiça.

Como forma de garantir o princípio do acesso à justiça, o ordenamento

brasileiro prevê a gratuidade a tal acesso, contemplando o conceito de gratuidade de

justiça, assistência jurídica e assistência judiciária.

33 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Trad.: Ellen Gracie Northfleet.

Porto Alegre: Fabris, 1988.

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32

A justiça gratuita, ou benefício da gratuidade, ou ainda gratuidade judiciária,

consiste na dispensa da parte do adiantamento de todas as despesas, judiciais ou

não, diretamente vinculadas ao processo, bem assim na dispensa do pagamento de

honorários advocatícios. A assistência judiciária é o patrocínio gratuito da causa por

advogado público (ex.: defensor público) ou particular (entidades conveniadas ou

não com o Poder Público, como, por exemplo, os núcleos de prática jurídica das

faculdades de direito). A assistência jurídica compreende, além do que já foi dito, a

prestação de serviços jurídicos extrajudiciais (como, por exemplo, a distribuição, por

órgão do Estado, de cartilha contendo os direitos básicos do consumidor). Trata-se,

como se vê, de direito bem abrangente.34

Um dos problemas indicados no trabalho de Cappelletti e Garth consistiu na

falta de assistência judiciária e na possibilidade de se ofertar advogado particular, a

expensas do Governo, para os necessitados. No Brasil a solução se deu com a

previsão, conquanto paulatina, da criação das Defensorias Públicas, em todas as

esferas governamentais, integradas geralmente por agentes públicos, bacharéis em

Direito, concursados, estruturadas e voltadas para quem não possui condições

financeiras de custear um processo.35

A Defensoria se tornou instituição essencial à Justiça, segundo a Carta

Democrática de 1988, e a ela cabe a orientação jurídica e a assistência judiciária

aos hipossuficientes. Mas é fácil constatar que esse órgão passou por uma lenta e

difícil evolução, não tendo ainda conseguido corresponder às necessidades da

população, seja por falta de estrutura, seja por falta de efetivo funcionamento em

alguns estados e muitas cidades. O acesso à Justiça, no caso, encontra óbice não

somente em relação ao Judiciário, mas em momento anterior, pois as pessoas

necessitadas tinham dificuldades, e ainda possuem em menor grau na atualidade,

de acesso à própria Defensoria Pública. Em alguns lugares, era e é comum que

pessoas fiquem horas e até dias nas intermináveis filas e sofram para obter as

limitadas senhas de atendimento, na esperança de poder expor o seu problema a

um defensor, que muitas vezes, apesar de todo o esforço, não consegue atender

integral e satisfatoriamente aos anseios e aos interesses de tantos quantos se

dirigem àquele órgão. Ou seja, prevalece o débito da assistência judiciária gratuita

34 OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Acesso à Justiça e à Defensoria Pública. Revista do

Tribunal Regional Federal 1. Região, v. 12/1, p. 27, 2011. 35 OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Acesso à Justiça e à Defensoria Pública. Revista do

Tribunal Regional Federal 1. Região, v. 12/1, p. 27, 2011.

Page 34: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

33

com uma imensidão de interesses e pretensões de que são credoras pessoas

desprovidas de recursos no nosso Brasil múltiplo, desigual e carente de assistência

jurídica e econômica. Aliás, considerando milhões de excluídos, seria necessário um

verdadeiro exército não apenas de defensores, mas também de promotores, de

magistrados e de outros agentes públicos para realizar idealmente a pacificação de

conflitos estatais gratuitamente.36

Dentro do universo dos sujeitos processuais, o benefício da justiça gratuita

poderá ser requerido por qualquer um que seja parte, quer na demanda principal,

quer em eventuais incidentes do processo. Parte é o sujeito processual que atua

com parcialidade em juízo. Assim, seja autor ou réu, atuando isoladamente ou em

litisconsórcio, bem assim qualquer outro sujeito que venha a intervir no feito, sob

uma das modalidades de intervenção de terceiro, todos eles estarão legitimados a

pleitear a concessão da gratuidade de justiça.37

Segundo Alexandre Cesar38, o acesso à justiça é um direito fundamental e

essencial à consolidação da cidadania:

A garantia de efetivo acesso à Justiça também constitui um Direito Humano e, mais do que isto, um elemento essencial ao exercício integral da cidadania, já que, indo além do simples acesso à tutela jurisdicional, não se limita ao mero acesso ao Poder Judiciário. Por conta disso é que José Alfredo de Oliveira Baracho afirma que ele „é primordial à efetividade dos direitos humanos, tanto na ordem jurídica interna como na internacional. O cidadão tem necessidade de mecanismos próprios e adequados para que possa efetivar seus direitos‟.

Dessa maneira, resta constatado que o princípio do acesso à justiça é um

direito fundamental, consoante se infere nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni:39

Os direitos fundamentais surgiram em um contexto no qual o cidadão era constantemente ameaçado pelo Poder Público. Influenciados pelo ideal do Estado Liberal, nasceram com o papel de garantia do

36 OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Acesso à Justiça e à Defensoria Pública. Revista do

Tribunal Regional Federal 1. Região, v. 12/1, p. 27, 2011.. 37 OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Acesso à Justiça e à Defensoria Pública. Revista do

Tribunal Regional Federal 1. Região, v. 12/1, p. 28, 2011. 38 CESAR, Alexandre. Acesso à justiça e cidadania. Cuiabá: Universitária, 2002, p. 46. 39 TESSLER, Luciana Gonçalves. O papel do judiciário na concretização dos direitos

fundamentais. In: MARINONI, Luiz Guilherme (Coord.). Estudos de direitos processual civil: homenagem ao professor Egas Dirceu Moniz de Aragão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 152.

Page 35: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

34

cidadão perante o Estado, a fim de que o indivíduo pudesse evocá-lo como defesa contra as arbitrariedades do Poder Público. Os direitos fundamentais consistem em garantias oponíveis contra o Estado, com a finalidade de proteção do particular, para equilibrar tanto as relações entre o cidadão e o Estado quanto as relações entre os próprios particulares. O destinatário das normas de direitos fundamentais é o Estado.

Portanto, o acesso à justiça é um verdadeiro princípio constitucional

fundamental, e, assim sendo, deve nortear todo o ordenamento jurídico e servir de

diretriz para a atividade hermenêutica, influenciando, assim, todas as normas, desde

a sua criação com a atividade legislativa, passando para a sua concretização em

cada caso, até de se criar mecanismos para a sua maior efetivação, com o fito de

possibilitar o aperfeiçoamento da democracia.

Dessa forma, é inegável a relação entre o princípio do acesso à justiça com

diversos princípios constitucionais, como: do Estado de direito, democrático; o da

socialidade; da isonomia; do devido processo legal;do juiz natural; da

inafastabilidade do controle jurisdicional; da ampla defesa;do contraditório; da

produção de provas obtidas por meio lícito; da publicidade dos atos processuais; da

fundamentação das decisões judiciais; da recorribilidade com o duplo grau de

jurisdição; do processo em tempo razoável; da efetividade das decisões.

Com o princípio do Estado Democrático de Direito o acesso à justiça mantêm

uma relação intrínseca, haja vista que não houvesse tal garantia, a solução dos

conflitos entre os indivíduos e entre estes e o Estado se daria evidentemente pela

imposição da força por quem a detém, não sendo possível tal atitude no Estado em

que se diz Democrático de Direito.40

Quanto ao princípio democrático, como a solução perpetrada pelo Estado

para os conflitos apresentados é feita de forma impositiva, o agente competente

para impor tal decisão deve ser legitimado pelo poder popular, conforme previsto na

constituição.

No caso do Poder Judiciário, em que pese não haver sufrágio direto para a

investidura dos seus membros, não significa o afastamento do princípio democrático,

pois tal forma de investidura se deu pelo critério adotado pelo poder popular

(constituinte originário), bem como as garantias em favor dos cidadãos do bom

40 SOUZA, Wilson Alves de. Acesso à justiça. Salvador: Dois de Julho, 2011. p. 92.

Page 36: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

35

exercício da função jurisdicional, como independência, imparcialidade e

fundamentação das decisões judiciais.

O princípio da socialidade integra-se com o principio democrático, uma vez

que o Estado deve buscar a efetiva democracia, ou seja, uma democracia que

supere a dimensão política para o alcance da democracia econômica e social.

Assim, o princípio do acesso à justiça se relaciona com o princípio da

socialidade, quando se verifica a preocupação do Estado em atender a população

mais pobre mediante políticas que garantam efetivamente a gratuidade para os que

buscam à justiça.41

O princípio da isonomia está relacionado com o princípio do acesso à justiça

porque, caso o juiz não observe a igualdade real, ou seja, trate os iguais igualmente

e os desiguais desigualmente, na perspectiva da sua desigualdade, este não estará

garantindo o efetivo acesso à justiça.

O ordenamento pátrio traz uma série de dispositivos legais que dão

tratamento diferenciado a algumas das partes, tendo em consideração as

circunstâncias do caso concreto.

Primeiramente, se vislumbra tal fato quando o ordenamento concede

privilégio de prazo em caso de litisconsórcio com diferentes procuradores, uma vez

que se assim não fosse haveria vantagem para quem não constituísse o

litisconsórcio, ou na existência deste, com um único procurador, pois esse

procurador teria acesso aos autos do processo em tempo integral, enquanto os que

possuíssem procuradores diferentes teriam que dividir o tempo de acesso aos

autos.42

Outro privilégio instituído pelo ordenamento é a concessão de prazo

diferenciado em favor dos beneficiários da justiça gratuita, compensando o mau

serviço de assistência judiciária, bem como a intimação pessoal dos defensores

públicos, ou quem o faça suas vezes. Frise-se que tais benefícios são inerentes às

partes necessitadas, e não propriamente aos defensores públicos.

A Lei43 ainda confere prazos diferenciados à Fazenda Pública, bem como aos

membros do Ministério Público, além da intimação pessoal dos procuradores e

41 SOUZA, Wilson Alves de. Acesso à justiça. Salvador: Dois de Julho, 2011. p. 102. 42 DALL‟AGNOL, Antonio. Comentários ao Código de Processo Civil. V. 2. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2000. p. 395-396. 43 Art. 188, CPC: Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para

recorrer quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério Público.

Page 37: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

36

promotores. Parte da doutrina44 afirma que tal norma é inconstitucional, uma vez que

não se pode conceder tal privilégio, por ferir o principio da isonomia.

Afirma ainda esta doutrina que, em vez de conceder tal privilégio, podem tais

partes, procuradores e membros do parquet, no caso concreto solicitar dilação de

prazo, para que não haja prejuízo na defesa dos interesses da coletividade (fazenda

pública e Ministério Público), bem como prover a quantidade razoável de

procuradores e promotores, para que os mesmos possam dar conta de todo o

trabalho.

Outra parte doutrinária45 afirma que a diferenciação dos prazos é prerrogativa

da função e não mero privilégio, requerendo ainda a interpretação extensiva do

dispositivo no que tangem aos demais prazos, não só o da contestação e o do

recurso.

A lei46 fixa a prioridade de tramitação nos processos em que idosos figuram

como partes. Em que pese a constitucionalidade de tal dispositivo, o juiz, no caso

concreto, deve, além de observar o critério objetivo (a idade das partes), deve,

outrossim, observar as peculiaridades para dar prioridade na tramitação, uma vez

que, devido às circunstâncias, é possível que um processo envolvendo pessoa dita

jovem pode ter uma necessidade de tramitação superior a de um idoso47.

Existe também tratamento diferenciado em relação ao Estado quando este é

condenado em honorários advocatícios, ou seja, os valores a serem arbitrados pelos

juízes têm um teto menor do que quando a sucumbência é de um particular.48 Parte

44 Nesse sentido: GRINOVER, Ada Pelegrini. Os princípios e o Código de Processo Civil.

São Paulo: José Bushatsky, 1977. p. 30-34 e 54-55 45 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. p. 40-49. 46 No direito brasileiro há norma expressa em torno do assunto. O art. 1211-A , do CPC (com

redação da Lei nº 10.173-2001), prescrevia que, para tal fim, o beneficiário tivesse idade mínima de 65 (sessenta e cinco) anos, mas tal dispositivo fora revogado pelo art. 71 da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), que fixou a idade mínima em 60 (sessenta) anos.

47 SOUZA, Wilson Alves de. Acesso à justiça. Salvador: Dois de Julho, 2011. p. 124. 48 No direito brasileiro, o Código de Processo Civil concede tal privilégio ao Estado ao dispor

o seguinte: “Os honorários serão fixados entre o mínimo de 10% (dez por cento) e o máximo de 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação, atendidos: a) o grau de zelo do profissional; b) o lugar da prestação do serviço; c) a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço (parágrafo 3º do art. 20). “Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação equitativa do juiz, atendidas as normas das aléneas a, b e c do parágrafo anterior (parágrafo 4º do art. 20).

Page 38: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

37

da doutrina afirma que tal privilégio é inconstitucional, uma vez que, como o Estado

é um litigante habitual, diferentemente do particular, este já possui todo o aparato

jurídico para a sua defesa, tendo, em tese, um menor custo. Outros doutrinadores

afirmam a sua constitucionalidade, porque o custo da sucumbência é, no fim, arcado

por toda a sociedade, devendo esta ser sempre preservada.49

Há ordenamentos que prevêem o privilégio em relação ao pagamento de

honorários advocatícios, bem como nas despesas e custas processuais dos mais

necessitados50. Tal regramento é constitucional, na medida em que a situação de

desigualdade financeira entre as partes é compensada com o tratamento desigual,

para que assim se possa atingir a igualdade material.

No que tange às despesas e custas processuais pela Fazenda Pública e pelo

Ministério Público, algumas ordens jurídicas dispõem que estes devem adiantar tais

valores, porém, caso vencidos nas demandas, devem reembolsar o vencedor51. Na

doutrina52 discute-se a constitucionalidade de normas que possam procrastinar tal

reembolso, bem como a injustiça que tal privilégio acarretaria a terceiros, como

peritos, uma vez que só receberiam ao final do processo os valores adiantados ou

créditos dos serviços prestados.

Determina a lei tratamento diferenciado às partes em relação ao

adiantamento de despesas processuais, bem como ao ônus da sucumbência

quando estas forem autores em ação civil pública ou ação popular, sendo que

nestes tipos de ações, como o que se visa defender é o interesse público, não

podem tais valores ser empecilhos para o ajuizamento das demandas.

Ocorre que, caso fique comprovado a má-fé do autor, as despesas e

sucumbência serão divididas53. As despesas processuais devidas a terceiros

(honorários de peritos, deslocamento de testemunhas, p. ex, devem ser arcadas

pelo Estado, sendo necessário o reembolso do autor em caso de vitória deste.

49 SOUZA, Wilson Alves de. Acesso à justiça. Salvador: Dois de Julho, 2011. p. 126. 50 No Brasil esta disposição é regulada pele Lei nº 1.060/50 na qual aduz que: art. 3º: A

assistência judiciária gratuita compreende as seguintes isenções: V - dos honorários de advogados e peritos.

51 No CPC brasileiro, no seu art.27 está previsto: As despesas dos atos processuais, efetuados a requerimento do Ministério Público ou da Fazenda Pública, serão pagas a final pelo vencido.

52 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. p. 56-57.

53 Quanto a ação popular: Constituição Federal, art. 5º, LXXIII e art. 10 da Lei nº 4.717/68; quanto a ação civil pública: art. 18 da Lei nº 7.347/85.

Page 39: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

38

Outro ponto a se destacar é quando o autor de ação civil pública for entidade

associativa. Quando esta defende interesse público, deve se tomar como parâmetro

o quanto escrito alhures, porém caso defenda, única e exclusivamente, interesse

dos seus associados, deve arcar com as despesas e sucumbência, a não ser que

não tenha capacidade financeira para tanto, caso que deve ser requerida assistência

judiciária gratuita, que, assim deve ser deferida.

No que tange aos efeitos da revelia, a lei prevê que, em alguns casos,

principalmente quando o direito do réu é indisponível, os fatos alegados pelo autor

não se presumem verdadeiros, mesmo não havendo contestação. Observa-se ainda

na legislação54 tratamento diferenciado quando havendo litisconsórcio unitário, só

um dos litisconsortes apresenta contestação, a hipótese é que não haverá efeito da

revelia em relação ao réu que não contestou.55

A lei concede o privilégio do duplo grau obrigatório de jurisdição em alguns

casos56, nos quais o julgamento de primeira instância é válido, porém é ineficaz, pois

deve ocorrer também julgamento por órgão superior a este.

Parte da doutrina afirma que o duplo grau obrigatório de jurisdição é

inconstitucional, uma vez que concede um privilégio que não deveria ocorrer, pois

bastava o devido aparelhamento do Estado com número satisfatório de

procuradores para solucionar tal problema57.

Por fim, o Código de Defesa do Consumidor58 concede a inversão do ônus da

prova em favor do consumidor, ou seja, alterando o brocado jurídico de que o autor

54 Art. 320. A revelia não induz, contudo, o efeito mencionado no artigo antecedente: I - se,

havendo pluralidade de réus, algum deles contestar a ação; II - se o litígio versar sobre direitos indisponíveis; III - se a petição inicial não estiver acompanhada do instrumento público, que a lei considere indispensável à prova do ato.

55 SOUZA, Wilson Alves de. Acesso à justiça. Salvador: Dois de Julho, 2011. p 133. 56 Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de

confirmada pelo tribunal, a sentença; I - proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público; II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública. § 1o Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los. § 2o Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor § 3o Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente.

57 SOUZA, Wilson Alves de. Acesso à justiça. Salvador: Dois de Julho, 2011. p. 136. 58 Artigo 6º, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor.

Page 40: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

39

tem o dever de provar os fatos constitutivos do seu direito, uma vez que existe uma

hipossuficiência do consumidor em face do fornecedor, de maneira que com tal

privilégio busca-se atingir o principio da isonomia.

Atesta-se, ainda, a relação íntima entre o principio do devido processo legal e

o direito do acesso à justiça. O devido processo em direito é o mais amplo principio

processual, haja vista que todos os outros decorrem dele. Doutrinariamente, tal

princípio é visto sob dois enfoques: processual e substancial. O primeiro diz respeito

à observância do procedimento legal, como prazos, comunicação de atos, etc. O

segundo exige que a decisão judicial seja justa, no sentido de equânime.59

Os dois aspectos são falhos se vistos isoladamente. Assim, vislumbra-se que

se em algum processo não foi obedecida alguma dessas dimensões, também não

se atingiu o princípio do acesso à justiça, na medida em que o direito à jurisdição só

faz sentido se o processo gerou uma decisão justa em todos os aspectos.

O princípio do juiz natural também se mostra intrinsecamente ligado ao direito

do acesso à justiça, pois segundo aquele nenhuma pessoa pode ser julgada por

tribunal de exceção ou ad hoc. Assim, o principio do juiz natural pressupõe que o

órgão jurisdicional tenha sido criado anteriormente aos fatos sob a égide das leis

constitucionais, em caráter geral e abstrato. Tal aspecto da lei (geral e abstrato) não

significa que o Estado não possa criar justiças especializadas, como forma de

aperfeiçoar o trabalho jurisdicional, bem como não possa ter tribunais ou órgãos que

julguem causas em razão de pessoas e fatos (prerrogativa de foro).

Nesse passo, o princípio do juiz natural também diz respeito à questão da

jurisdição, pois ninguém pode ser julgado por autoridade que não possua poderes

para tanto. Na prática, uma vez que o juiz não possua jurisdição para o julgamento,

a “decisão” proferida será ato juridicamente inexistente.

Nestes termos, existem diversos problemas processuais relacionados com a

falta de jurisdição, senão vejamos: a) a ideia de lugar, não pode o juiz de uma

determinada localidade usurpar funções de outro juiz de local diverso, emitindo

decisões fora do seu âmbito de atuação, por lhe faltar jurisdição; b) quando o juiz for

afastado, por questão disciplinar, ou férias, licenças, etc, este não possui jurisdição

enquanto perdurar este afastamento, devendo os processos serem julgados pelo

seu substituto legal; c) a distribuição é essencial para preservar o princípio do juiz

59 SOUZA, Wilson Alves de. Acesso à justiça. Salvador: Dois de Julho, 2011. p. 140-141.

Page 41: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

40

natural, no sentido de não direcionamento do juízo; d) juiz que proferir decisão sem

atribuição constitucional, caso que a norma é juridicamente inexistente (ex: só o

Supremo Tribunal Federal tem atribuição para julgar ação direta de

constitucionalidade).

O acesso à justiça se relaciona com o princípio da inafastabilidade do controle

jurisdicional, sendo que uma análise superficial poderia, inclusive, confundir os dois

princípios, pois este também conhecido como direito de ação ou direito à jurisdição

significa que toda lesão ou ameaça de lesão é passível de controle pelo Poder

Judiciário. Assim, resta demonstrado que o principio da inafastabilidade do controle

jurisdicional está englobado pelo do direito ao acesso à justiça, uma vez, conforme

visto acima, este, além de garantir a “porta de entrada” tem um conceito mais amplo,

como decisão justa e em tempo razoável, por exemplo.

No que se refere aos princípios da ampla defesa e contraditório, estes se

relacionam com o acesso à justiça, na medida em que ambos significam que, antes

de qualquer decisão sobre determinada postulação, o magistrado deve oportunizar à

outra parte ou interessado a se manifestar sobre esta, vez que tal postulação pode

interferir no momento do julgamento.60

Dessa forma, devem ser oportunizados o contraditório e a ampla defesa aos

intervenientes no processo, bem como ao Ministério Público, quando o mesmo

figurar como parte interessada no processo. Com relação ao parquet funcionando

como fiscal da lei, aos colaboradores do Judiciário, como peritos, testemunhas, etc,

em princípio, tal direito não é aplicado, a não ser que exista a possibilidade de

sanção de um destes no processo, devendo, neste caso, ser observado o

contraditório e ampla defesa antes da imposição ou não da sanção.

Discussão doutrinária se dá quanto ao principio do contraditório e ampla

defesa em relação ao efetivo contraditório e efetiva defesa. Defende-se o

posicionamento de que, oportunizada a chance de resposta, tal princípio já foi

prestigiado, não necessitando para a sua configuração a efetiva apresentação da

defesa ou a efetiva manifestação.

Outrossim, o direito a produção de provas obtidas por meios lícitos é corolário

básico do direito ao acesso à justiça, pois em nada adiantaria o direito de postular,

sem a possibilidade de produzir as provas para embasar as alegações fáticas. Neste

60 SOUZA, Wilson Alves de. Acesso à justiça. Salvador: Dois de Julho, 2011. p. 250.

Page 42: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

41

ponto, deve o juiz tomar muita cautela no que tange a produção das provas Estas

devem ser necessárias, evitando-se, assim, chicanas e prolongamentos

desnecessários do processo.

Ademais, para se falar em acesso à justiça deve ser coibida a produção de

provas obtidas por meio ilícito, haja vista que toda conduta ilícita é contrária ao

direito, de maneira que a produção de prova obtida ilicitamente é conduta que não

deve ser admitida.

O principio da publicidade é corolário básico para que o processo transcorra

de forma transparente em relação às partes, sendo estas comunicadas de todos os

atos, além do público em geral, por ser a função jurisdicional pública e de interesse

geral. Assim sendo, mesmo que o principio da publicidade seja mitigado

temporariamente, por questão legal (segredo de justiça), seja pelas circunstâncias

do caso concreto (liminar inaudita altera pars, p. ex.), o principio do acesso a justiça

não estará maculado, pois em tais casos, mediante decisão fundamentada e

razoável, esta medida é necessária para o devido andamento processual.61

A fundamentação das decisões judiciais é essencial para as partes e a

sociedade, na medida em que é garantia contra o arbítrio judicial. Decisão arbitrária

no fundo é denegação da justiça, de modo que é estreita a relação entre o princípio

da fundamentação e o direito do acesso à justiça. Neste esteio intelectivo, decidir um

conflito sem dizer o motivo, não é decidir, é impor.

Discuti-se na doutrina a respeito da caracterização da sentença imotivada, no

que tange a existência e validade dos atos processuais. Parte tradicional e

predominante da doutrina afirma que a sentença imotivada é ato nulo, face

importância que a mesma tem na decisão, e se não possui dispositivo é ato

juridicamente inexistente62. Outra parte da doutrina afirma que quando não existindo

motivação, a sentença é anulável63. Existe ainda uma terceira corrente que afirma

que a sentença sem motivação é ato jurídico inexistente, visto que para tais

doutrinadores, a motivação é elemento nuclear da sentença, ou seja, o ato jurídico

61 SOUZA, Wilson Alves de. Acesso à justiça. Salvador: Dois de Julho, 2011. p. 283. 62 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeira linhas de direito processual civil. V. 3. 11.ed. São

Paulo: Saraiva, 1990. p. 22. 63 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. V. 2. São

Paulo: Malheiros, 2000. p.588-599.

Page 43: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

42

que falta algum dos seus elementos nucleares não passa de mero ato material, isto

é, não tem existência jurídica.64

No presente trabalho, acreditando-se que a motivação da sentença está

diretamente ligada a questão da pacificação social e, consequentemente interligada

ao Estado Democrático de direito, adota-se a teoria que caso não haja a

fundamentação da sentença, esta é ato jurídico inexistente.

O princípio do duplo grau de jurisdição está ligado ao direito do acesso à

justiça, no sentido de que a eliminação deste invocando o aspecto da celeridade

processual, poderá ser fator de negação ao acesso à justiça por não permitir o

controle de decisões judiciais abusivas, ilegais ou manifestamente injustas, devendo,

assim, sopesar os valores segurança e celeridade.

Percebe-se nitidamente a relação entre o princípio do acesso à justiça e o

princípio do processo em tempo razoável, pois sem se abrir mão das garantias

constitucionais, o mesmo deve começar e terminar em tempo razoável. De fato, em

que pese à indeterminação do termo “razoável”, o processo excessivamente

demorado significa profunda e grave injustiça pelos prejuízos que pode acarretar em

muitas situações.

Diante da necessidade de se dar efetividade ao quanto disposto na Carta

Magna, a CF/88 direciona aos destinatários o seu cumprimento, sendo certo que o

primeiro deles é o legislador ordinário, o qual tem o dever de editar leis que façam

valer tal direito. Em segundo lugar, como corolário lógico, o juiz não pode se escorar

na inércia do legislativo para não dar o efetivo andamento ao processo.

Por fim, os agentes do Ministério Público, advogados e partes, também

possuem grande influência no trâmite processual, sendo necessário que ajam com

lisura e pratiquem todos os atos em conformidade com a lei, ajudando, assim, o

desenvolvimento mais rápido do processo.

Nesse passo, cumpre destacar que os legitimados prejudicados com a

demora excessiva de trâmite do processo, podem pedir ao juiz e aos órgãos

disciplinares, as providências necessárias. Ademais, à parte, caso haja dano, cabe

ação indenizatória em face do Estado pela má-prestação jurisdicional no âmbito

interno, bem como no âmbito externo, perante órgãos internacionais por negação do

acesso à justiça.

64 SOUZA, Wilson Alves de. Sentença civil imotivada. Salvador: Juspodivm, 2008. p 178 e

segs.

Page 44: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

43

O princípio da efetividade das decisões judiciais também está ligado

intimamente ao acesso à justiça, uma vez que, fora de situações extremas, tolerar a

ineficácia da sentença quando existem ou existiram condições para o seu

cumprimento é o mesmo que negar o acesso à justiça.

Assim, não se pode tolerar que agentes estatais invoquem qualquer motivo

para não cumprir ou cumprir quando bem entenderem as decisões judiciais, pois tal

comportamento é incompatível com o Estado democrático de Direito, o que

caracteriza a negação da justiça.

Page 45: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

44

3 O PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA NO DIREITO INTERNACIONAL E NO

DIREITO COMUNITÁRIO

Conforme se pode observar no primeiro capítulo, o princípio do acesso à

justiça está insculpido na Declaração Universal dos Direitos Humanos e, portanto,

está presente nos mais variados ordenamentos jurídicos pelo mundo afora, pois

corolário básico do Estado Democrático de Direito.

Essa concepção é fruto do movimento de internacionalização dos Direitos

Humanos, que constitui um movimento extremamente recente na história, surgindo

depois da Segunda Guerra Mundial, como resposta às atrocidades e aos horrores

cometidos durante o nazismo. Apresentando o Estado como o grande violador de

Direitos Humanos, a era Hitler foi marcada pela lógica da destruição e da

descartabilidade da pessoa humana, que resultou no envio de 18 milhões de

pessoas a campos de concentração, com a morte de 11 milhões, sendo 6 milhões

de judeus, além de comunistas, homossexuais, ciganos,etc.65

E Flávia Piovesan66 arremata:

A necessidade de uma ação internacional mais eficaz para a proteção dos direitos impulsionou o processo de internacionalização desses direitos, culminando na criação da sistemática normativa de proteção internacional, que faz possível a responsabilização do Estado no domínio internacional, quando as instituições nacionais se mostram falhas ou omissas na tarefa de proteção dos direitos humanos.

É exatamente neste contexto, que o mundo se esforça para a reconstrução

dos Direitos Humanos, como norte ético a orientar a ordem internacional da

atualidade, surgindo no âmbito da Organização das Nações Unidas um sistema

global de proteção aos direitos humanos.

Dessa forma, para o presente trabalho, se faz imprescindível o estudo da

relação do princípio do acesso à justiça (Direito Humano) com o Direito Internacional

e o Direito Comunitário, como escopo para a criação do Tribunal de Justiça

Supranacional, no MERCOSUL.

65 PIOVESAN, Flávia. Globalização econômica, integração regional e direitos humanos. In:

______ (Coord.). Direitos humanos, globalização econômica e integração regional. São Paulo: Max Limonad, 2002. p. 40.

66 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional. 3.ed. São Paulo: Max Limonad, 1997. p. 141.

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45

Para André Gonçalves Pereira e Fausto Quadros67:

As novas matérias que o Direito Internacional tem vindo a absorver, nas condições referidas, são de índole variada: política, econômica, social, cultural, científica, técnica, etc. Mas dentre elas o livro mostrou que há que se destacar três: a proteção e a garantia dos direitos do homem, o desenvolvimento e a integração econômica e política.

Não se pretende aprofundar o estudo do princípio do acesso à justiça em

todos os organismos internacionais, focando na União Europeia, paradigma para a

elevação do MERCOSUL à categoria de comunidade internacional.

Assim, após esses relatos referentes à concepção contemporânea dos

Direitos Humanos (acesso à justiça), passa-se a discorrer a importância desse valor

em relação ao processo de integração econômica regional.

3.1 O PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA NO DIREITO INTERNACIONAL

Com a finalidade de proteger a dignidade da pessoa humana e os direitos

inerentes a ela, defende-se a universalização do acesso à justiça, com a finalidade

de conferir a efetiva proteção jurisdicional aos anseios dos jurisdicionados.

Tal universalização compreende efetivação do Estado de Direito – no âmbito

interno dos Estados – e a previsão de mecanismos internacionais de proteção dos

direitos humanos.

A universalização do acesso à justiça visa primordialmente garantir um

processo justo aos cidadãos independentemente dos limites territoriais do Estado ao

qual esteja vinculado. É um procedimento, pois, que promove o exercício da

cidadania pelos sujeitos de direito, garantindo o adequado respeito às normas

jurídicas, à luz da concepção dos direitos humanos.

67 PEREIRA, André Gonçalves; QUADROS, Fausto. Manual de Direito Internacional

Público. 3.ed. Coimbra: Almedina, 1993. p. 661. Neste mesmo sentido: “[…] o estabelecimento de organismos internacionais de tutela dos direitos humanos, que o destacado estadista Mauro Cappelletti tem qualificado como jurisdição constitucional transnacional, enquanto controle judicial da constitucionalidade das disposições legislativas e de atos concretos de autoridade, tem alcançado o Direito Interno, particularmente a esfera dos direitos humanos e tem se projetado no âmbito internacional r inclusive comunitário” (FIX-ZAMUDIO, Hector. Protecion jurídica de los derechos humanos. México: Comissión Nacional de Derechos Humanos, 1991. p. 184).

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46

Cumpre destacar que no âmbito internacional, o chamado processo justo

encontra as mesmas barreiras que no âmbito nacional. Dessa forma, pode-se

atestar que os fatores como o desconhecimento dos direitos por grande parte da

população, a pobreza, a necessidade efetiva da assistência judiciária gratuita e as

discriminações, inclusive econômicas, são grandes entraves para a efetivação do

princípio do acesso à justiça.

Para se ter o processo justo é necessário não só a observância dos requisitos

formais, mais principalmente dos requisitos materiais ou substanciais, de tal forma

que o acesso à justiça constitua um instrumento de concretização dos valores de

solidariedade e igualdade, não só dentro das barreiras dos Estados, mas também

em nível internacional.

Para se alcançar este ponto de maturação, foi necessário, após a Segunda

Grande Guerra, a edição da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948,

a qual traz expressamente o acesso à justiça, como sendo um princípio essencial

para o desenvolvimento da humanidade.

Assim, compreende-se por que a garantia do acesso à justiça, condensada na

cláusula do justo processo, é tida como direito humano, na medida em que é

condicionada pelos valores elementares que dão sobrevivência ao Estado

democrático de Direito.

O atual sistema de proteção dos direitos humanos, na perspectiva universal,

tem como fundamento primordial o reconhecimento do valor da pessoa humana em

escala universal, incluindo nele o acesso à justiça.

Tal universalização compreende efetivação do Estado de Direito – no âmbito

interno dos Estados – e a previsão de mecanismos internacionais de proteção dos

direitos humanos.

Um dos pilares para a concretização do acesso à justiça reside na recepção,

pelos Estados, de decisões supranacionais – perspectiva de internacionalização

desse direito – pautadas na dignidade da pessoa humana mediante a defesa dos

direitos civis, políticos, econômicos, culturais e sociais do indivíduo.

Para a garantia da internacionalização do acesso à justiça nos moldes

expostos, faz-se imprescindível conferir instrumentos que possibilitem o indivíduo

(em nome próprio ou por intermédio de uma entidade internacional) peticionar,

perante órgãos internacionais de proteção aos direitos humanos,

Page 48: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

47

independentemente da sua nacionalidade, requerendo a revisão da decisão interna

(do seu Estado de origem) formalmente válida na defesa dos seus direitos humanos.

Assim, com a atual operação no plano internacional de múltiplos tribunais

internacionais tem-se gerado possibilidades de solução pacífica de controvérsias e

ampliado o acesso à justiça em diferentes domínios do direito internacional

contemporâneo.

3.2 O ACESSO À JUSTIÇA NO DIREITO COMUNITÁRIO

O Direito Comunitário é, antes de mais nada, integrado pelo corpo de normas

constantes dos Tratados (direito comunitário originário); mas é também constituído

pelas disposições dos atos normativos emanados das Instituições Comunitárias

(direito comunitário derivado), e por um conjunto de princípios jurídicos que ao longo

dos tempos foram sendo elaborados ou explicitados pelo Tribunal de Justiça.68

Embora os sistemas judiciais dos Estados-Membros sejam substancialmente

diferentes, há um conjunto de princípios comuns aplicável a todos eles, bem como à

UE enquanto organização autônoma. Segundo um destes princípios comuns, os

tribunais devem ser imparciais e independentes do Governo e do legislador (ou seja,

das instituições que aprovam as leis). Este princípio da independência dos tribunais

é um dos valores em que assenta a UE: o Estado de direito e o respeito pela

liberdade, pela igualdade e pelos direitos fundamentais. O artigo 47.º da Carta dos

Direitos Fundamentais da UE e o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do

Homem prevêem-no expressamente.

O terceiro parágrafo do artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da

União Europeia prevê a concessão de assistência judiciária a quem não disponha de

recursos suficientes, na medida em que essa assistência seja necessária para

garantir a efetividade do acesso à justiça.

Em 27 de Janeiro de 2003 o Conselho adotou uma diretiva relativa à melhoria

do acesso à justiça nos litígios “transfronteiriços” através do estabelecimento de

regras mínimas comuns relativas ao apoio judiciário no âmbito desses litígios.

As disposições da referida diretiva são aplicáveis a litígios “transfronteiriços”

em matéria civil, ou seja, quando a parte que requer apoio judiciário não reside no

68 CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Contencioso comunitário.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 13.

Page 49: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

48

Estado-parte em que o processo deve ser apreciado ou em que a decisão deve ser

executada.

A diretiva estabelece os serviços a prestar para que o apoio judiciário seja

considerado adequado: o acesso a apoio pré-contencioso; a assistência jurídica e a

representação do interessado em juízo; a dispensa ou a assunção dos encargos do

beneficiário com o processo, incluindo os encargos relacionados com o caráter

“transfronteiriço” do litígio.

Além disso, a diretiva do Conselho prevê determinados mecanismos de

cooperação judiciária entre as autoridades dos Estados-partes tendo em vista

facilitar a transmissão e o tratamento dos pedidos de apoio judiciário. Em especial, a

diretiva prevê a possibilidade de uma pessoa apresentar o seu pedido no país de

residência, o qual deve seguidamente transmiti-lo, rápida e gratuitamente, às

autoridades do país em que é concedido o apoio judiciário.

3.3 O TRIBUNAL EUROPEU

A União Européia constitui, nos dias atuais, indubitavelmente, a experiência

mais avançada em termos de direito da integração. Os Estados europeus, ao

começarem sua empreitada rumo à integração econômica, optaram por um caminho

mais longínquo e difícil. É esse caminho, a integração jurídica, elemento inovador

em relação às tentativas precedentes de unificação do continente europeu, que pode

ser considerado a explicação para as razões de seu sucesso e longevidade.

O ordenamento jurídico da União Europeia possui duas características

básicas: é formado por tratados internacionais, que apresentam, na sua aplicação e

interpretação, características comuns a tratados de direito internacional público,

além de conter normas expedidas internamente, que possuem caráter vinculativo,

obrigando todas as nações componentes da União Europeia, com a finalidade de

regular as relações entre os Estados integrantes, e destes com os particulares.

Destarte, o direito da União Europeia é composto de tratados constitutivos,

classificados como normas de caráter originário, e de atos normativos, classificados

como normas derivadas, sendo que ambos são obrigatórios para os Estados-

membros e instituições. Os tratados constitutivos da União Europeia são: o Tratado

de Roma, o Ato Único Europeu, o Tratado da União Europeia, o Tratado de

Amsterdã, o Tratado de Nice e o Tratado de Lisboa, sendo os atos normativos

Page 50: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

49

derivados chamados de regulamentos, diretivas, decisões, recomendações e

pareceres.

O Tribunal de Justiça Europeu, com sede em Luxemburgo, vem exercendo,

desde a sua constituição através do Tratado de Roma, e, em especial, a partir da

década de 80, um importantíssimo papel no desenvolvimento das instituições

comunitárias, tendo fornecido excepcionais elementos para o atual delineamento da

União Europeia.

Assim, a missão do Tribunal de Justiça da União Europeia consiste em

garantir "o respeito do direito na interpretação e aplicação" dos Tratados. No âmbito

desta missão, o Tribunal de Justiça da União Europeia: fiscaliza a legalidade dos

atos das instituições da União Europeia; assegura o respeito, pelos Estados-

Membros, das obrigações decorrentes dos Tratados; interpreta o direito da União a

pedido dos juízes nacionais.

Cumpre frisar que a par da interpenetração do ordenamento jurídico

comunitário, ser relativamente autônomo, o Tribunal de Justiça Europeu interage

com as cortes nacionais em uma relação de cooperação, que contribui para a

dinamização e internalização das normas comunitárias originárias e derivadas nos

ordenamentos jurídicos nacionais.

Aos tribunais nacionais foi atribuída competência geral, como tribunais

comuns da ordem jurídica comunitária, para interpretar e aplicar o Direito

Comunitário (art. 234. CE). Mas sentiu-se a necessidade de confiar a uma jurisdição

especializada a missão de garantir em última instância a correta interpretação das

normas comunitárias, comuns a uma coletividade de Estados, e, bem assim, de

controlar e sancionar os comportamentos, tanto dos órgãos da Comunidade com

dos seus Estados-partes e, eventualmente, dos próprios particulares, atentatórios do

respeito à ordem jurídica comunitária.69

Dessa maneira, o Tribunal de Justiça interpreta o direito da União Europeia a

fim de garantir a sua aplicação uniforme em todos os Estados-Membros. Além disso,

resolve os litígios entre os governos nacionais e as instituições europeias.

Particulares, empresas e organizações podem recorrer ao Tribunal se considerarem

que os seus direitos foram infringidos por uma instituição europeia.

69 CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Contencioso comunitário.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 14.

Page 51: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

50

É nítido perceber que o instituto da supranacionalidade contribuiu

decisivamente para o desenvolvimento da União Europeia, pois possibilitou a

criação de instituições comunitárias autônomas, compromissadas unicamente com a

tutela dos objetivos integracionistas da comunidade, sem qualquer vinculação ou

sujeição aos interesses deste ou daquele Estado-membro.

A origem da supranacionalidade encontra-se na transferência de parcelas

soberanas por parte dos Estados nacionais em benefício de um organismo que, ao

fusionar as partes recebidas, avoca-se desse poder e opera acima das unidades que

o compõem, na qualidade de titular absoluto. Diferentemente das organizações do

tipo clássico, na UE não se estabeleceu uma relação de equilíbrio entre os

integrantes, baseada na coordenação de soberanias. A dinâmica que norteia o

contexto europeu radica, pelo contrário, em verdadeira subordinação dos Estados

em benefício da organização criada, resultado da transferência que se operou em

certas atribuições, tradicionalmente, pertencentes ao ente estatal.70

No estudo que ora se desenvolve, o Tribunal Europeu será visto como

paradigmático, pois este sempre foi um motor de alavanque do Direito Comunitário

e, consequentemente do modelo de integração regional. Isto não quer dizer que o

MERCOSUL deva copiar integralmente a estrutura do Tribunal Europeu, pois cada

região teve a sua história, com momentos e períodos únicos.

Porém, não se deve deixar de frisar que a forma da Comunidade Europeia,

por ser o mais exitoso modelo de interação, deve ser levado em conta como um

sistema-modelo, incluindo em cada nova comunidade as suas características

individuais.

A grande distinção existente entre a União Europeia e o MERCOSUL, e que

deveria ser revista caso o bloco sul-americano pretenda introduzir um Tribunal de

Justiça que venha coibir eventuais entraves ao processo de integração, reside na

natureza do ordenamento jurídico.

As Comunidades Europeias possuem um ordenamento jurídico comunitário,

ou seja, um ordenamento jurídico autônomo em relação ao ordenamento jurídico

interno dos Estados-membros e que possui características principais e singulares,

que marcam sua distinção em relação às normas de direito internacional, quais

sejam: primazia e aplicabilidade direta e imediata.

70 STELZER, Joana. União Europeia e supranacionalidade: desafio ou realidade? 2.ed.

Curitiba: Juruá, 2006. p. 77.

Page 52: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

51

Quando da análise da característica da primazia, explicou-se que a

manifestação da supranacionalidade pela delegação de parcelas de poderes

soberanos dos Estados-membros para as comunidades, quando da adesão aos

seus tratados constitutivos, em conjunto com a previsão constitucional, pelos

Estados-membros, dessa transferência, se constituiu no fundamento de validade do

ordenamento jurídico comunitário.

Nesse ponto, mister se faz o estudo da posição do Tribunal de Justiça

Europeu na estrutura institucional das comunidades, a composição e funcionamento

do Tribunal, bem como da sua competência.

Por fim, cumpre destacar que o Tribunal de Justiça da UE não deve ser

confundido com o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH). O TEDH não é

um tribunal da UE, mas sim um tribunal criado no âmbito do Conselho da Europa

pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem, para garantir o respeito pelos

direitos e liberdades previstos nessa convenção. No entanto, a jurisprudência do

Tribunal Europeu dos Direitos do Homem pode exercer uma influência considerável

sobre o direito da UE, uma vez que os direitos fundamentais garantidos na

Convenção Europeia constituem também princípios gerais do direito da UE.

3.3.1 A posição do Tribunal de Justiça Europeu na estrutura institucional da

comunidade

O Tribunal de Justiça da União Europeia foi criado em 1952 pelo Tratado

CECA – Tratado da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, que originou a

União Europeia, e tem por objetivo garantir o respeito do direito na interpretação e

aplicação dos Tratados. Com a revisão do Tratado de Lisboa, o Tribunal de Justiça

da União Europeia ficou consagrado como o órgão jurisdicional da União Europeia,

passando a compreender o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral, além dos

tribunais especializados que vierem a ser criados.

Dessa forma, o Tribunal comunitário surge, na estrutura orgânica das

Comunidades Europeias, como uma instituição de suma importância, uma vez que

se pode afirmar que o Tribunal de Luxemburgo é um verdadeiro tribunal, por se

tratar de um Órgão totalmente independente das restantes instituições comunitárias

e dos governos dos Estados-partes, com jurisdição própria e competência exclusiva

Page 53: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

52

em determinadas matérias que aprecia na rigorosa conformidade do Direito

Comunitário.71

Para poder exercer plenamente e com a necessária independência o seu

poder jurisdicional, o Tribunal de Justiça intervêm a requerimento de quaisquer umas

das partes interessadas no litígio; julga sem recurso; algumas das duas decisões

têm força executória nos territórios dos Estados-membros; funciona com caráter de

permanência; e a nacionalidade dos juízes que o compõem nada tem a ver com o

desempenho das suas funções que lhes é imposto exercerem com total

independência.72

Como instituição jurisdicional, o Tribunal de Justiça foi colocado em posição

de poder exercer uma grande influência no processo de integração europeia. Assim

sendo, como jurisdição constitucional, tem contribuído em larga medida, através dos

seus acórdãos, despachos e pareceres, para a manutenção de um salutar equilíbrio

institucional e, em geral, para o integral respeito das regras do Tratado de Roma,

encarados como a Constituição da Comunidade, em relação a qual se deve aferir da

validade dos atos das Instituições Comunitárias.73

Além de tal jurisdição constitucional, o Tribunal de Justiça Europeu exerce a

jurisdição comunitária, responsável pela interpretação e aplicação uniforme do

Direito Comunitário, através dos seus princípios, bem como do diálogo com os

tribunais nacionais, para assegurar satisfatoriamente a unidade, coerência e eficácia

que a ordem jurídica comunitária constitui.74

Exerce, outrossim, função de Tribunal Administrativo, podendo impor à

Administração Comunitária o rigoroso respeito à legalidade comunitária. No campo

internacional, faz as vezes de um tribunal internacional, obrigando os Estados-

partes, nas relações entre si e de cada um com a Comunidade ou com terceiros

Estados, a observância fiel das obrigações que para todos resultaram dos Tratados

Comunitários, que antes de mais são instrumentos do Direito Internacional

convencional.

71 CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Contencioso comunitário.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 18. 72 CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Contencioso comunitário.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 18. 73 CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Contencioso comunitário.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 20. 74 CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Contencioso comunitário.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 21.

Page 54: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

53

Como tribunal cível, julga a responsabilidade extracontratual das

Comunidades, emergente das acusações dos seus órgãos e agentes e como

tribunal do trabalho, cumpre decidir, como instância de recurso, em todos os litígios

de caráter laboral que oponham as Comunidades aos seus funcionários e agentes.75

Cumpre destacar a ausência de relação hierárquica entre o Tribunal de

Justiça Europeu e as jurisdições nacionais. Aquele não funciona como um tribunal

de recurso ou como jurisdição suprema de um sistema federal, não sendo da sua

competência, em nenhuma circunstância, reformar as decisões proferidas na ordem

interna, em que se faça aplicação do Direito Comunitário, ou anular os atos dos

Estados contrários ao direito comunitário.

Na estrutura organizacional, enquanto o Tribunal Federal é competente para

corrigir as decisões de jurisdições estaduais e para anular os atos dos Estados

Federados, o Tribunal de Justiça Europeu não dispõe de tal competência. Isso não

quer dizer que o mesmo não se arrogue de competência para exercer alguma

censura indireta em relação aos tribunais nacionais e mesmo em relação aos

Estados-partes. Assim, no caso de rebeldia das jurisdições supremas a acatar os

Tratados da Comunidade Europeia, ou o princípio da primazia ou da aplicabilidade

direta do direito comunitário, ou quando algum Estado-parte, com o seu

comportamento, viola decisões do Tribunal Comunitário ou o princípio da

solidariedade subjacente à União Europeia.76

Porém, em que pese o Tribunal de Justiça não dispor da competência de

anular formalmente um ato dos tribunais nacionais, este está apto, a adotar medidas

cautelares adequadas bem como impor a suspensão da aplicação de qualquer ato

nacional, ainda que de caráter legislativo, que viole os princípios acima elencados.

Acrescente que, não podendo decretar a nulidade de um ato nacional, o

Tribunal Europeu pode implicar para o Estado infrator a obrigação de modificá-lo ou

revogar ele próprio, para se conformar com a legislação e jurisprudência

comunitária, podendo ainda, impor sanção aos Estados que deixarem de cumprir as

suas determinações.

75 CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Contencioso comunitário.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 21. 76 CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Contencioso comunitário.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 22.

Page 55: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

54

Deste modo, o Tratado, não conferindo ao Tribunal, em termos formais, o

poder de anular os atos nacionais contrários à legalidade comunitária, contém

disposições que, no fim das contas, permitem alcançar o mesmo efeito.77

3.3.2 A composição e o funcionamento do Tribunal de Justiça Europeu

Na União Europeia, o Tribunal de Justiça é composto por um juiz de cada

Estado-Membro, assistidos por 8 Advogados Gerais, nomeados de comum acordo

pelos governos dos Estados-Membros por seis anos, sendo necessária, desde a

entrada em vigor do Tratado de Lisboa, a consulta a um Comitê antes de os

governos dos Estados-Membros procederem à nomeação, conforme arts. 253 e 254

do TFUE.

O Comitê é composto por sete personalidades, escolhidas de entre antigos

membros do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral, membros dos tribunais

supremos nacionais e juristas de reconhecida competência, um dos quais será

proposto pelo Parlamento Europeu. O Conselho adota uma decisão que estabelece

as regras de funcionamento desse Comitê, bem como uma decisão que designa os

respectivos membros. O Conselho delibera por iniciativa do Presidente do Tribunal

de Justiça.

Antes de assumirem as suas funções, juízes e advogados-gerais devem, em

sessão pública, prestar o juramento de exercer as suas funções com total

imparcialidade e consciência e respeitar o segredo das deliberações do Tribunal (art.

2º do Estatuto do Tribunal).78

No que tange as funções dos advogados-gerais, estes não são

representantes de interesses, mais sim membros independentes do próprio Tribunal.

Ao criar este cargo, teve-se em vista levar ao processo a informação minuciosa e

fundamentada de um jurisconsulto liberto tanto da pressão dos interesses das partes

como das responsabilidades do julgador, capaz de carrear para o processo, com

77 CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Contencioso comunitário.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 25. 78 CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Contencioso comunitário.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 26.

Page 56: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

55

inteira liberdade e independência, quaisquer elementos úteis que os juízes não

possam recolher e que as partes não tenham fornecido.79

As conclusões do Advogado-geral, com que se encerra a fase oral do

processo, são publicadas na coletânea de Jurisprudência do Tribunal, em anexo às

decisões, e constituem textos da maior importância para o conhecimento, fixação e

desenvolvimento da jurisprudência comunitária.

Em relação aos juízes, como nos ordenamentos jurídicos modernos, estes

possuem uma série de garantias para poderem realizar as suas funções de forma

imparcial e independente. No Tribunal de Justiça Europeu não é diferente, sendo

que os Tratados de composição deste adotaram um amplo conjunto de medidas

adequadas para assegurar a sua independência.

Conforme aduzido em linhas supra, a duração do mandato é de seis anos,

com a garantia de que seu termo final só pode se dar por vontade própria, ou no

caso de uma decisão do próprio Tribunal (art. 5º e 6º do Estatuto do Tribunal).

Os juízes e os advogados-gerais são beneficiários, nas mesmas condições

que os membros da Comissão, de um regime de remuneração que lhes assegura,

além do desafogo pecuniário durante o exercício do cargo, uma pensão durante o

período de três anos posterior à cessação de funções, igual a metade do vencimento

que auferiam, sendo estas remunerações fixadas pelo Conselho (art. 210 CE).80

A presidência do Tribunal é renovada a cada três anos e o seu presidente é

eleito pelos próprios juízes, o qual pode ser reeleito (art. 223 CE e art. 7º, 8º e 11 do

Reg. Processo).

Tendo em vista assegurar uma relativa continuidade e estabilidade da

orientação jurisprudencial do Tribunal, a renovação dos seus membros não se faz de

seis em seis anos: antes que se proceda, de três em três anos, a uma renovação

parcial que atinge alternadamente 8 e 7 juízes, o que ocorre também ocorre com os

advogados-gerais. Frise-se que os mesmos, ao cessarem as suas funções, podem

ser reconduzidos (art. 223, CE).

O próprio Tribunal que nomeia, por voto secreto dos juízes e advogados-

gerais, por um período de seis anos, o seu Secretário, o qual presta o juramento de

exercer as suas funções com total imparcialidade e consciência e de respeitar o

79 CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Contencioso comunitário.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 26. 80 CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Contencioso comunitário.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 27.

Page 57: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

56

segredo das deliberações do Tribunal (art. 9º do Estatuto). O Secretário é assistido

por secretários adjuntos e por um encarregado da administração do Tribunal (cf. os

art 224 CE e 12 a 14 do Reg. De Processo do Tribunal.)

Entre as funções do Secretário, está a de assegurar a administração do

Tribunal, gerir o orçamento e dirigir o pessoal (Cf os art 12 a 23 do Reg. De

Processo e as Instruções do Secretário). Outrossim, cumpre ao Secretário assegurar

a recepção, a transmissão e a conservação de todos os documentos e termos dos

processos, bem como o registro de todos os atos processuais, respondendo, ainda,

pela atas das audiências.

Os juízes e os advogados-gerais não podem exercer quaisquer funções

políticas ou administrativas ou qualquer atividade profissional, remunerada ou não.

(cf. os art. 4º a 8º e 16 do Estatuto). Quando da sua posse, estes assumirão o

compromisso solene de respeitar, durante o exercícios das suas funções e após a

cessação das mesmas, os deveres decorrentes do cargo, nomeadamente os

deveres de honestidade e discrição, relativamente à aceitação, após aquela

cessação, de determinadas funções ou benefícios (art. 4º e 8º do Estatuto).

Ao tratar da inamovibilidade dos juízes e dos advogados-gerais, o art. 6º do

Estatuto assevera que “só podem ser afastados das suas funções ou privados do

seu direito a pensão ou de outros benefícios que a substituem se, por decisão

unânime de juízes e advogados-gerais do Tribunal, tiverem deixado de corresponder

às condições de exigidas ou de cumprir os deveres decorrentes do cargo. O

interessado não participa nestas deliberações”.

Quanto ao funcionamento do Tribunal, este funciona de modo permanente na

cidade de Luxemburgo, sem prejuízos das férias dos seus membros, cabendo ao

próprio Tribunal fixar o seu período, tendo em vista as necessidades do serviço, bem

como dos respeitados os períodos de feriados (art. 14 do Estatuto).

Os juízes e os advogados-gerais, para assegurar o funcionamento

permanente do Tribunal, devem, obrigatoriamente, residir na cidade de Luxemburgo

(art. 13 do Estatuto).

3.3.3 A competência do Tribunal de Justiça Europeu

Em razão da falta de competência genérica, o Tribunal de Justiça da União

Europeia tem por atividades relevantes:

Page 58: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

57

[…] verificar a compatibilidade com os Tratados dos actos das instituições europeias e dos governos (ação por incumprimento, ação por omissão e recurso de anulação) e pronunciar-se, a pedido de um tribunal nacional, sobre a validade ou interpretação das disposições do Direito Comunitário (reenvio prejudicial)81.

Em consequência destas relevantes funções o Tribunal de Justiça,

historicamente, tem contribuído para a construção da ordem jurídica comunitária e

do próprio direito comunitário. Muito dos princípios comunitários hoje existentes

deve-se ao fato do Tribunal, de forma eficaz, ter exercido sua atividade com

harmonia e independência. Em razão de sua credibilidade e aceitação, a demanda

crescente acarretou um congestionamento de suas atividades, fazendo com que, em

1989, fosse criado o Tribunal da Primeira Instância das Comunidades Europeias

(TPI). O TPI adota determinadas funções do Tribunal de Justiça, estabelecendo

dentro da União Europeia o duplo grau de jurisdição. Neste sentido, a jurisdição do

TJUE e TPI é exclusiva e obrigatória.

Pode-se dizer que ao Tribunal comunitário foram atribuídas competências

tanto no que tange processos de jurisdição voluntária, como no que se refere a

processos de jurisdição contenciosa, nas seções 1ª e 2ª, respectivamente. Cabe

ainda ao Tribunal de Justiça, conhecer e apreciar, em grau de recurso, as decisões

emanadas pelo Tribunal de Primeira Instância, criado no quadro comunitário (seção

3ª).

3.3.3.1 Competência voluntária ou não-contenciosa

Em processos não contenciosos, o Tribunal de Justiça pode ser solicitado a

fornecer a correta interpretação do Direito Comunitário ou a julgar a validade dos

atos das Instituições da Comunidade (§1º); e, ainda, a pronunciar-se sobre a

compatibilidade com a Constituição Comunitária de qualquer projeto de acordo

internacional que as Comunidades pretendam concluir (§2º).82

Conforme já foi sublinhado, os tribunais nacionais funcionam como tribunais

comuns da ordem jurídica comunitária, sendo da sua alçada a competência de

81 GOMES, José Caramelo. Lições de Direito da União Europeia. Coimbra: Almedina,

2009. p. 111. 82 CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Contencioso comunitário.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 35.

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58

aplicar o Direito Comunitário nos casos em que sejam interpelados a julgar e em que

esse direito, dada a matéria do litígio, deva ser aplicado.

Porém, caso o juiz nacional possua dúvidas acerca da interpretação da norma

comunitária aplicável ao caso concreto, ou quanto a validade do ato comunitário, os

Tratados facultam ao magistrado nacional um processo seguro para resolver o seu

problema: os tribunais de cujas decisões não haja recurso podem e os tribunais

supremos são obrigados a solicitar ao TJCE que lhes forneça a correta interpretação

da norma comunitária controvertida ou que se pronuncie sobre a validade do ato

comunitário, fazendo através de um acórdão vinculativo ao juiz nacional

questionador. (cf. os art. 234, CE, 150 CEEA e infra, II PARTE, TÍTULO I).

A competência consultiva do TJCE está prevista em diversas passagens dos

Tratados. Uma delas, nos termos do n 6, art. 300 do Tratado CE, o Tribunal pode ser

solicitado a pronunciar-se sobre a compatibilidade com o Tratado de qualquer

projeto de acordo com a Comunidade Europeia tenha em vista concluir com

terceiros Estados ou com Organizações Internacionais. Há de se frisar que a

solicitação do parecer não é obrigatória, porém, caso uma vez solicitado o parecer

do Tribunal é vinculativo.

Nos art. 103, 104 4 105 do Tratado CEEA prevêem igualmente a pronuncia do

TJCE sobre a compatibilidade desse Tratado com os acordos internacionais no

domínio da energia atômica, sendo igualmente vinculativa a sua decisão, tanto para

os Estados, para as Instituições ou para as empresas envolvidas no caso a que o

parecer disser respeito.

Caso o parecer seja contrário, o projeto fica obstacularizado até que venha a

ser alterado e se torne compatível. Tais medidas buscam evitar que a União

comprometa-se com acordo que sejam inexequíveis internamente por confrontar-se

com normatização interna.

3.3.3.2 Competência contenciosa

3.3.3.2.1 Competência resultante dos Tratados

No rol das suas mais importantes funções, além da competência consultiva, o

TJUE tem por atividade primordial resolver os inúmeros conflitos através da sua

competência contenciosa, tentando dirimir os litígios entre instituições, órgãos ou

Page 60: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

59

organismos da UE; entre os Estados-partes; entre os Estados-partes e instituições,

órgãos ou organismos da União; entre os particulares e instituições da União

Europeia.

Nos termos dos Tratados Comunitários (art. 220 CE e 136 CEEA), o “Tribunal

de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância garantem, no quadro das respectivas

competências, o respeito pelo direito na interpretação e aplicação dos Tratados”.

Neste intuito de garantir a interpretação e aplicação dos Tratados, no escopo

de exercer a sua competência contenciosa, o Tribunal de justiça responde, como já

salientado, pela jurisdição internacional, como Tribunal Constitucional, no

contencioso administrativo e laboral, como Tribunal de Justiça nas áreas cível e

criminal e, por fim, como Tribunal fiscal e aduaneiro.

Verifica-se que a competência dada ao Tribunal de Justiça, apesar de não ser

ilimitada, tem contribuído bastante para a construção do Direito Comunitário

Europeu. Seu papel de vanguarda em muito contribui para a conformação

institucional existente na União Europeia.

O Tribunal salvaguarda a ordem jurídica comunitária quando exerce a sua

função consultiva, mas salvaguarda-a, sobretudo, quando exerce a sua competência

jurisdicional em processo contencioso.83

No exercício da sua competência contenciosa, o Tribunal pode funcionar

como jurisdição internacional, designadamente quando é instigado a julgar, em

acção por incumprimento, a pedido da Comissão, de um Estado-parte, do Conselho

de Administração do Banco Europeu de Investimento ou do Conselho do Banco

Central Europeu, da violação por parte de um Estado-membro, das obrigações

oriundas do Direito Comunitário (cf. os art. 88, nº 2, 226 a 228, 237, 239, 292, 298,

CE e 141 a 143, CEEA).

Assim, a Comissão pode intentar este tipo de ação se considerar que um

Estado-Membro não cumpriu quaisquer das obrigações que lhe incumbem por força

do direito da UE. Qualquer Estado-Membro pode também intentar uma acção por

incumprimento contra outro.

Em ambos os casos, o Tribunal investiga as alegações apresentadas e dá o

seu parecer. Se o país for considerado em falta, deve tomar medidas corretivas de

83 CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Contencioso comunitário.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 38.

Page 61: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

60

imediato. Se o Tribunal constatar que o país não deu cumprimento à sua decisão,

pode impor-lhe uma multa.

Como Tribunal Constitucional, o TJUE exerce o seu poder sempre que é

solicitado a resolver, em recurso de anulação ou recurso por omissão, conflitos de

competência entre as Instituições Comunitárias ou a controlar a conformidade dos

atos, ou abstenções, destas relações.84

Em relação aos recursos de anulação, se um país da UE, o Conselho, a

Comissão ou, em certas circunstâncias, o Parlamento considerar que uma

disposição legislativa da UE é ilegal pode solicitar a sua anulação ao Tribunal.

Os particulares podem também interpor recursos de anulação se

considerarem que determinada disposição legislativa os afeta direta e

negativamente como indivíduos e pretenderem, por esse motivo, que o Tribunal a

anule.

Se o Tribunal verificar que a disposição em questão não foi corretamente

adotada ou não está devidamente fundamentada nos Tratados, pode declará-la nula

e sem efeito.

Por outro lado, no que tange o recurso de omissão, o Tratado estabelece que

o Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão devem tomar determinadas

decisões em determinadas circunstâncias. Se não o fizerem, os Estados-Membros,

as restantes instituições da UE e, em certos casos, os particulares ou as empresas

podem recorrer ao Tribunal para que este declare verificada essa omissão.

O TJUE exerce a jurisdição administrativa e laboral, quando lhe cabe julgar da

legalidade de atos da Administração Comunitária ou conhecer, em recurso, dos

litígios que a opõe, aos seus funcionários e agentes (cf. os art. 230, 232, 236 e 241

CE).

Exerce também a sua competência contenciosa, na função de Tribunal de

Justiça, cível e criminal, com competência de plena jurisdição para julgar de certos

comportamentos dos operadores do Mercado Interno (cf., por exemplo, os art. 81 e

82, CE), para aplicar as sanções pecuniárias previstas em regulamentos

84 CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Contencioso comunitário.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 38.

Page 62: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

61

comunitários (v. o art. 229, CE) e para apurar e decidir da responsabilidade

extracontratual da Comunidade nos termos do art. 235 e 288, CE.85

Além destas funções, o TJUE pode funcionar como Tribunal fiscal e aduaneiro

quando conhece das questões aduaneiras ou fiscais decorrentes da aplicação das

disposições dos Tratados ou do direito derivado pertinente.

3.3.3.2.2 Competência não resultante dos Tratados

Além das competências consultivas e contenciosas que lhes são atribuídas

pelos Tratados, o TJCE pode ainda ser instado a julgar os litígios que lhe sejam

submetidos em virtude de uma cláusula de compromisso ou por força de um ato

unilateral da Autoridade Comunitária (art. 238 e 128 CE e 153 EURATOM).

Em relação às cláusulas compromissórias, esta atribuição pode ocorrer em

algumas circunstâncias, como quando os Tratados prevêm, antes de mais, que o

Tribunal possa ser incumbido de julgar os litígios relativos à execução de um

contrato de direito público ou de direito privado outorgado pela Comunidade ou por

sua conta, tudo isso em virtude de uma cláusula compromissória (art. 238, CE e 35,

n. 2 e 4 dos Estatutos do Banco Central Europeu).

Em termos genéricos, a competência para decidir sobre qualquer litígio entre

os Estados-partes, conexo com o objeto do Tratado CE (que não caia sob a alçada

do Tribunal por força do art. 237 CE) pode ser atribuída ao TJCE. ao abrigo do art.

239, em virtude de um compromisso entre os Estados envolvidos (cf. também o art.

89, CECA)86

Além disso, a competência do TJCE pode resultar de uma cláusula

compromissória constante de uma convenção concluída pelos Estados-membros

para aplicação do Tratado (art. 293 CE) ou para completar; de um tratado

internacional concluído pela Comunidade com terceiro Estados; de uma decisão de

representantes dos Estados-membros reunidos no seio do Conselho; de um acordo

interno concluído pelos representantes dos Estados-membros.87

85 CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Contencioso comunitário.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 39. 86 CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Contencioso comunitário.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 39-40. 87 CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Contencioso comunitário.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 40.

Page 63: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

62

Em relação à competência atribuída por um ato de uma Autoridade

Comunitária, de acordo com o art. 234 do Tratado CE, os estatutos dos organismos

comunitários criados por ato do Conselho poderão prever que seja atribuída ao

Tribunal a competência para proceder à sua interpretação.88

O art. 229 do Tratado CE, por seu turno, prevê que regulamentos emanados

do Conselho possam conferir ao TJCE uma competência de plena jurisdição no que

respeita aos recursos das sanções que tais regulamentos prescrevem, como sucede

relativamente às sanções aplicadas pela Comissão em processos decorrentes da

violação das regras de concorrência pelos operadores econômicos do mercado

comunitário (cf. art. 83, n. 2, CE).89

Nestes termos, diante da complexidade e organização do Tribunal Europeu,

bem como face a utilidade do mesmo em relação a integração da União Europeia,

propõem-se a criação de um Tribunal de Justiça Supranacional no âmbito do

MERCOSUL.

Evidentemente, não está se querendo uma cópia do modelo europeu, ainda

mais que cada região possui características e historias políticas diferentes. Os

países que compõem cada bloco econômico possuem as suas particularidades, não

sendo nem viável, nem desejável que o mesmo molde utilizado no velho continente

seja aplicado no bloco econômico do cone sul.

Porém aquele pode ser um paradigma para a criação do Tribunal de Justiça

do MERCOSUL, podendo ser utilizados os mecanismos mais exitosos para

alavancar o MERCOSUL a uma comunidade internacional.

Assim, deve-se manter a característica de um verdadeiro Tribunal de Justiça,

igualmente visto na UE, ou seja, um órgão jurisdicional, independente de quaisquer

outras estruturas que porventura fazem ou possam fazer parte das instituições

comunitárias e dos governos dos Estados-partes, com jurisdição própria e

competência exclusiva em determinadas matérias para apreciar o Direito

Comunitário.

Outrossim, é importante a manutenção da ausência de hierarquia entre os

Tribunais Constitucionais dos Estados-partes e o Tribunal de Justiça Supranacional,

pois cada um terá uma matéria especifica a controlar.

88 CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Contencioso comunitário.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 41. 89 CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Contencioso comunitário.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 41.

Page 64: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

63

Quanto à composição do Tribunal do MERCOSUL, também deve ser

garantido que cada Estado-parte indique um juiz de carreira, que seria lotado neste,

com mandato de prazo preestabelecido, não existindo a vitaliciedade para este

cargo. No entanto, para que o magistrado realize as suas funções de modo imparcial

e independente, uma vez nomeado, não poderia ser cassado das suas funções, a

não ser pelo próprio Tribunal, por renúncia ou ao final do seu tempo de exercício.

A estrutura organizacional deve ser bem aparelhada e elaborada para que

todos os possíveis interessados, sejam eles os Estados-partes, as empresas ou

indivíduos isoladamente, possam dirimir suas contendas ou suas consultas

realizadas, da forma mais ágil e justa possível.

Já quanto à competência do Tribunal de Justiça do MERCOSUL, poderia

haver um paralelo com a do TJCE, existindo tanto a competência para julgar

demandas contenciosas, além da realização de consultas acerca do futuro Direito

Comunitário que organizará a vida dos Estados-partes e particulares no cone sul.

Page 65: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

64

4 ENTRAVES JURÍDICOS PARA A CRIAÇÃO DO TRIBUNAL SUPRANACIONAL

E A ELEVAÇÃO DO MERCOSUL A CATEGORIA DE COMUNIDADE

INTERNACIONAL

4.1 O CONTEXTO ATUAL

Neste mundo complexo, dinâmico e globalizado, o Estado se vê compelido a

deixar suas fronteiras para a defesa dos seus interesses e de sua soberania. Eis o

paradoxo, já que a defesa da soberania não mais se dá apenas internamente, isto é,

faz-se, agora também, a partir de medidas tomadas no contexto da comunidade

internacional.90

Como a elaboração legislativa de cada país em muitos casos adota soluções

diferentes para idênticas situações jurídicas, é obrigatória a revisão do conceito de

soberania, haja vista que o seu significado tradicional já não mais atende às

perspectivas do mundo atual, sendo imperiosa a criação de um sujeito político

supranacional.91

Deste modo, assim como não faz sentido o homem viver isolado, não há

espaço para determinado Estado isolar-se no contexto global. Pelo menos os

Estados que se afirmam democráticos de direito, se preocupam não só em se

integrar com os demais Estados, seja a nível regional, seja a nível global, como

também em firmar compromissos mediante atos normativos que celebram no plano

internacional, especialmente no campo da proteção aos direitos humanos92.

90 CLÉVE, Clémerson Merlin. Direito Constitucional, novos paradigmas, constituição global e

processos de integração. In: BONAVIDES, Paulo; LIMA, Francisco Gérson Marques de; BEDÊ, Fayga Silveira (Coord.). Constituição e democracia: estudos em homenagem ao professor JJ Gomes Canotilho. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 44.

91 Neste sentido, Habermas afirma que “sob a consciência das conquistas históricas, o Estado nacional assume uma postura rígida ao levar em conta sua identidade, já que se vê atropelado e enfraquecido pelos processos de globalização. Hoje, como ontem, a política de cunho estatal-nacional ainda se limita a adequar a sociedade, da forma o mais indulgente possível, aos imperativos sistêmicos e efeitos secundários de uma dinâmica econômica global que se mostra amplamente desvinculada das condições políticas circunstantes. Em vez disso, ela teria de empreender a tentativa de superar-se a si mesma e formar pessoas capazes de agir politicamente em um plano supranacional”. (HABERMAS, Jügen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. 2.ed. Trad.: George Sperber, Paulo AstorSoethe e Milton Camargo Mota. São Paulo: Loyola, 2002. p. 147-148.)

92 SOUZA, Wilson Alves de. Acesso à justiça e responsabilidade civil do estado por sua denegação: estudo comparativo entre o direito brasileiro e o direito português. Coimbra,

Page 66: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

65

Cumpre aclarar que o processo legislativo no MERCOSUL segue ritos

semelhantes aos do Direito Internacional, ou seja, as normas produzidas não gozam

de eficácia direta e aplicabilidade imediata nos Estados-partes, o que pode acarretar

descumprimentos por parte destes, sob o simples argumento de que a legislação

nacional não recepciona tal norma.

Além disso, o fato de, por vezes, não existir um mecanismo de sanção quanto

ao não cumprimento das referidas normas, os Estados-partes sentem-se à vontade

em descumpri-las, o que leva em última análise à impossibilidade de criação de um

sistema linear no MERCOSUL, ou mesmo de se conferir credibilidade necessária ao

fortalecimento das instituições supranacionais.

Assim, impõe-se a conclusão de que não há qualquer violação da soberania

dos Estados que integram os novos blocos regionais, ocorrendo mera flexibilização

da ideia que tradicionalmente se constituiu acerca da mesma, até porque os

membros da associação podem, por força desse mesmo princípio, denunciar a

qualquer momento os tratados a que aderiram, sobretudo se a sua sobrevivência

estiver em jogo ou se houver alteração substancial das condições vigentes à época

em que foram assinados, ainda que tenham que pagar um preço elevado por tal

atitude, em termos políticos ou econômicos93.

Para que haja a elevação do MERCOSUL a uma comunidade internacional,

faz-se mister a coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais, mediante a

adoção de mecanismos que permitam assegurar condições adequadas de

concorrência entre os Estados-partes e o compromisso de harmonizar suas

legislações, com vista a lograr o fortalecimento do processo de integração.

Os órgãos supranacionais necessitam adotar decisões com força jurídica

obrigatória, ou seja, eficazes, e isso só é possível através da integração no plano do

Direito.94

Não é sem motivo que a harmonização das legislações de cada Estado, para

atingir os objetivos do mercado comum, integra compromisso assumido no bojo do

2006. p. 377. (Trabalho de pesquisa como parte integrante de atividade de pós-doutoramento na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra).

93 LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Direito comunitário e soberania: algumas reflexões. In: ______. Direito comunitário e jurisdição supranacional: o papel do juiz no processo de integração regional. 1.ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000. p. 187.

94 BAHIA, Saulo José Casali. Integração latino-americana. Revista do CEPEJ – Centro de Estudos e Pesquisas Jurídicas, Salvador, v. 1, p. 109-110, 1990.

Page 67: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

66

Tratado de Assunção, que deu origem ao projeto econômico comunitário dos países

do Cone Sul.95

Os contornos jurídicos do processo de integração são tratados com base na

análise dos dispositivos de cada texto constitucional dos Estados-partes acerca do

reconhecimento de uma ordem jurídica supranacional e do mecanismo adotado para

a recepção e integração dos tratados internacionais no Direito Interno.

Um dos maiores reflexos que o fenômeno da globalização provoca no plano

das relações internacionais é, conforme foi dito, aquele referente à posição que as

normas jurídicas expressas em tratados e convenções internacionais ocuparão no

sistema jurídico interno dos Estados, principalmente, quando se trata de se enfrentar

situações decorrentes da criação de agências de competência supranacional, bem

como o surgimento de blocos regionais, que terão de afinar-se e conviver lado a lado

com a soberania como elemento caracterizador do poder político estatal.

Em relação ao MERCOSUL, a harmonização legislativa, ainda inteiramente

dependente do esforço individual de cada Estado-parte, evoluiu muito pouco. O fato

da institucionalização do MERCOSUL haver ocorrido apenas no plano

intergovernamental e não supranacional faz do MERCOSUL um ente de existência

meramente diplomática. Inexiste controle político direto (deputados mercosulinos

eleitos diretamente), faltando um processo, por completo, a participação da

sociedade civil. O Estado é o único interlocutor, e a todo tempo é lembrada a

importância de manter intocada a soberania de cada parte.96

Demonstra-se, dessa maneira, a necessidade de discussão acerca da

problemática instituída no tocante à recepção das normas internacionais, quanto a

admissibilidade de organizações supranacionais, bem como do reconhecimento de

tais normas face ordenamentos jurídicos nacionais.

4.2 A GLOBALIZAÇÃO E A CRIAÇÃO DOS BLOCOS ECONÔMICOS

As transformações econômicas mundiais ocorridas nas últimas décadas,

sobretudo no pós Segunda Guerra Mundial, são fundamentais para entender as

95 Artigo 1º do Tratado de Assunção. 96 BAHIA, Saulo José Casali. Integração latino-americana. Revista do CEPEJ – Centro de

Estudos e Pesquisas Jurídicas, Salvador, n. 8, p. 144, jul.-dez. 2007.

Page 68: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

67

dinâmicas de poder estabelecidas pelo grande capital, e também pelas grandes

corporações transnacionais.

O processo de globalização da economia foi uma experiência que

estabeleceu a intensificação das transações comerciais e a redução das fronteiras

que separavam as nações. Nesse contexto de aceleração, as grandes nações

capitalistas tomaram como prática a consolidação de acordos que viabilizassem a

obtenção de matérias-primas e a garantia de novos mercados consumidores de

produtos industrializados, iniciando a formação dos primeiros blocos econômicos na

história do capitalismo.

Sendo assim, a globalização, em uma visão econômica, de acordo com Paulo

Nunes97, é:

Um fenômeno de abertura das economias e das respectivas fronteiras em resultado do acentuado crescimento das trocas internacionais de mercadorias, da intensificação dos movimentos de capitais, da circulação de pessoas, do conhecimento e da informação, proporcionados quer pelo desenvolvimento dos transportes e das comunicações, quer pela crescente abertura das fronteiras ao comércio internacional.

Dessa maneira, afirma-se que as fronteiras dos países estão mudando devido

a batalha travada por grandes blocos econômicos que unem esforços de vários

países para superar entraves ao comércio entre eles. A tendência ganhou força com

a constituição de gigantes econômicos, como a União Europeia, o NAFTA e o

MERCOSUL. Esses blocos marcam a chamada Nova Ordem Mundial, na qual a

antiga bipolarização entre países alinhados à União Soviética (socialista) e aos

Estados Unidos (capitalista) cede lugar à multipolarização – divisão do poder entre

alguns megablocos econômicos.

Os desenhos desses novos mercados, antes de representar uma nova

realidade comercial em escala mundial, tendem a transformar-se em um projeto

político de uma decisão de Estados, que pode resultar ou não no aprofundamento

da integração entre os países que formam um bloco econômico.

Nesse sentido, globalização e integração constituem-se em aspectos centrais

do funcionamento da economia mundial nos dias de hoje. A globalização, por referir-

97NUNES, Paulo. Conceito de globalização. 2008. Disponível em:

<http://www.knoow.net/cienceconempr/economia/globalizacao.htm>. Acesso em: 28 jan. 2015.

Page 69: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

68

se, de um modo geral, ao aprofundamento do caráter internacional dos processos

econômicos; e a integração por remeter à tendência de surgimento de espaços de

relações privilegiadas entre países.

Assim, a economia globalizada apresenta-se como um intenso mosaico

mundial do qual fazem parte blocos de economias nacionais que ostentam

diferentes graus de fluidez interna nos movimentos de bens e pessoas, mercadorias

e fatores produtivos.

A globalização é, portanto, um processo de integração mundial que se

intensifica nas últimas décadas com base na liberalização econômica, quando os

Estados abandonam gradativamente as barreiras tarifárias que protegem sua

produção da concorrência estrangeira e se abrem ao fluxo internacional de bens,

serviços e capitais.

A formação do bloco econômico também permite otimizar a própria economia

de cada um dos Estados envolvidos. Neste último caso, ao se associarem em entes

de integração, os Estados garantem o aumento de mercado para as suas indústrias,

o que permite aumentar o ganho em termos absolutos e fazer nascer o ganho em

escala, impróprio diante de pequenos grupos de consumidores.98

Além de influenciar na economia dos países, a globalização tem uma atuação

direta na transformação do direito interno, sendo que o grau dessas mudanças está

diretamente ligado ao aprofundamento da integração entre os Estados, sendo de

clareza solar a manutenção da primordialidade e relevo dos direitos e garantias

fundamentais do homem.

Quanto a autoridade supranacional, que por vezes surge do modelo de

integração adotado (e sua adoção no Mercosul, no futuro, nunca foi descartada), sua

atuação pode permitir vencer certas dificuldades locais, já que por vezes Estados

isolados resistem em concretizar medidas protetivas ao meio ambiente, ou insistem

em desenvolver políticas internas que inviabilizam o alcance de melhores condições

de vida à população ou a grupos da população, muitas vezes em razão da

manutenção de estruturas sociais arcaicas e de preconceitos ainda renitentes. A

uniformização de tratamento exige a consolidação de standarts mínimos a ser

implementados em cada país, nas mais diferentes áreas, o que faz com que todos

98 BAHIA, Saulo José Casali. Integração latino-americana. Revista do CEPEJ – Centro de

Estudos e Pesquisas Jurídicas, Salvador, n. 8, p. 137, jul.-dez. 2007.

Page 70: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

69

os Estados que se mantinham abaixo dos níveis exigidos devam evoluir para adoção

de novos e superiores níveis de intervenção ou de prestação.99

4.3 NORMAS DE DIREITO INTERNACIONAL

O direito internacional é constituído pelas normas jurídicas internacionais que

regulam as leis dos Estados. Os acordos e tratados internacionais, as convenções,

as emendas e os protocolos fazem parte deste ramo do direito.

Assim, o direito internacional nasce como um conjunto de normas jurídicas

que buscam reger a relação entre Estados soberanos, bem como as inúmeras

organizações internacionais que hoje se apresentam e, subsidiariamente, aos

indivíduos nas suas relações internacionais, a fim de estabelecer relações

harmoniosas e pacíficas entre os povos.

As normas que pertencem ao direito internacional podem ser bilaterais (entre

duas partes) ou multilaterais (mais de duas partes). Os Estados comprometem-se a

aplicar essas normas nos seus próprios territórios e com um status superior às

normas nacionais.

Com isso, surge a necessidade de estudar não só o Direito Internacional, mas

também como esse é recepcionado no ordenamento jurídico interno, pois a sua

análise é de suma importância para que se consiga elevar o MERCOSUL a

categoria de Comunidade Internacional.

Diante de todo esse contexto histórico e não se distanciando das raízes do

Direito Internacional, que sempre foi garantir a soberania e igualdade entre os

Estados, se observa uma nítida evolução no sentido da constitucionalização do

Direito Internacional (incorporação de normas internacionais no plano doméstico),

bem como da presença de órgãos internacionais, de certa forma, limitando a

atuação dos Estados.

99 BAHIA, Saulo José Casali. Integração latino-americana. Revista do CEPEJ – Centro de

Estudos e Pesquisas Jurídicas, Salvador, n. 5, p. 148, jan.-jun. 1999.

Page 71: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

70

4.4 CONFLITOS ENTRE NORMAS DE DIREITO INTERNO E DIREITO

INTERNACIONAL

Ao se analisar a evolução do Direito Internacional, observa-se que o

estreitamento das relações internacionais tem delineado um sistema internacional

mais integrado, mais cooperativo. Esses movimentos têm levado à crescente

integração do sistema internacional e imposto novas formas de relacionamento aos

sujeitos internacionais.

Nesse contexto, cada vez mais, o Direito Internacional vai se tornando, ao

mesmo tempo, um elemento de coesão e de tensão nas relações entre os sujeitos

internacionais. É um elemento de coesão, à medida que vai conseguindo

estabelecer a cooperação entre os atores internacionais e o equilíbrio do sistema

internacional. Essa coesão implica a harmonização das duas ordens, interna e

externa. Por outro lado, pode ocorrer, inversamente ao cenário de estabilidade, uma

contradição de interesses entre as duas ordens, a estatal e a internacional; no caso

do Direito Internacional, das duas ordens jurídicas (a interna e a externa).

A resposta para este problema está na própria legislação interna de cada

Estado-parte, ou seja, no prestígio que esta dá ao Direito Internacional. De fato, há

casos em que o Direito Internacional se situa até mesmo acima da própria

constituição, como se verifica no ordenamento da Holanda. Contudo, nos dias

atuais, é praticamente impossível a existência de um Estado absolutamente imune à

influência do Direito Internacional.

No presente trabalho, para se estabelecer um parâmetro no sentido da

evolução do MERCOSUL, é imperioso o estudo de duas correntes (a monista e a

dualista), que tratam do conflito entre normas de Direito Internacional e de Direito

Interno. Estas teorias têm fundamentações diametralmente opostas sobre a

existência ou não de um sistema jurídico único.

Junto às teorias monista e dualista, existe outra abordagem, consagrada pelo

pluralismo com subordinação parcial, que tenta conciliar alguns postulados das

teorias. São denominadas de teorias conciliadoras. Como bem ressalta Celso Mello:

"[…] não teve aceitação na prática ou na doutrina e consagra uma distinção entre as

normas internacionais que não têm qualquer razão de ser, nem é encontrada na

Page 72: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

71

prática internacional"100. Justamente por isso não será alvo de maiores

aprofundamentos.

4.4.1 Teoria dualista

Um dos mais antigos estudos sistematizados acerca da existência de um

conflito entre normas foi realizado por Heinrich Triepel101, em 1899. Porém quem

cunhou a expressão “dualismo” fora Alfred Von Verdross, em 1923. Triepel separou

o Direito Internacional e Direito Interno de forma rígida, excluindo qualquer ponto de

superposição entre as duas esferas.102

Segundo a corrente dualista, ao Direito Internacional caberia, de forma

precípua, a tarefa de regular as relações entre os Estados ou entre estes e as

organizações internacionais, enquanto ao Direito Interno caberia a regulação da

conduta do Estado com seus indivíduos.103

O argumento dualista baseia-se na diferença de sujeitos e objetos; também, e

sobretudo, na diferença de fontes (vontades)104. No Direito Interno, a vontade que

ele conforma é a de um Estado; no Direito Internacional a de vários Estados.105

100 MELLO, Celso de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15.ed. Rio de

Janeiro: Renovar, 2004. p. 87. 101 Triepel estudou na Universidade de Fribourg, em Brisgau, e na de Leipzig, onde adquiriu

seu título de Doutor em Direito, em 1891. De 1890 a 1897, Triepel trabalhou com a prática jurídica, nesses últimos anos, como juiz suplente (Richter) no Tribunal Regional (Landgericht) de Leipzig. Durante esses anos, ele adquire o título de privat-docent da Universidade de Laipzig, onde ele fora professor extraordinário em 1899. Mais tarde, Triepel fora convidado a lecionar D. público e DI na Universidade de Tubingen, em 1900, em Kiel, em 1909 e em Berlim, em 1913. Em 1914, fora nomeado Conseiller intime de Justice (GeheimerJustizrat). De 1910 a 1920, Triepel pertenceu ao Instituto de DI, de onde fora Conseillertechnique para o D. Público Estrangeiro e DI. Ao final de sua vida presidiu a União Alemã dos Professores de Direito Público e foi membro da Députation Permanente do Comitê dos Juristas Alemães.

102 No original: Cesontdeuxcerclesquisont em contact intime, mais qui NE se suoeroisent jamais. Puisque Le droit interne et ledroit internacional ne régissentpas lês mêmesrapports, Il est imposiblequ‟il y aitjamis une „concurrence‟ entre lês sources dês deuxsystèmesjuridiques” (TRIEPEL, C. H. Les Rapports entre Le Droit Interne et le Droit Internacional: Recueil de Cours de la Académie de Droit Internacional de laHaye. Tome I. [s.l.:s.n.], 1923. p. 83.

103 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 7.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 87.

104 LUPI, André Lipp Pinto Basto. A aplicação dos Tratados de direito humanos no Brasil a partir da EC/45/2004. In: PIOVESAN, Flávia; GARCIA, Maria (Coord.). Doutrinas Essenciais Direitos Humanos. V. VI. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2011. p. 28.

105 TRIEPEL, C. H. Les Rapports entre Le Droit Interne et le Droit Internacional: Recueil de Cours de la Académie de Droit Internacional de laHaye. Tome I. [s.l.:s.n.], 1923. p. 87.

Page 73: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

72

Logo, o Direito Internacional, para ser aplicado no Direito Interno, precisa de uma

manifestação do poder estatal.106

Os dualistas, com efeito, enfatizam a diversidade das fontes de produção das

normas jurídicas, lembrando sempre os limites de validade de todo direito nacional,

e observando que a norma do direito das gentes não opera no interior de qualquer

Estado senão quando este, por tê-lo aceito, promove a sua introdução no plano

doméstico.107

Assim, fica claro que a teoria dualista estabelece diferenças entre o conteúdo

e as fontes do Direito Internacional e o Direito Interno, dentre as quais pode-se citar

as normas produzidas no Direito Interno, que são produzidas por Estados soberanos

e devem ser de observância obrigatória aos seus dependentes. Em contrapartida, no

Direito Internacional não acontece algo parecido, pois não existe o Direito soberano,

ou seja, imperativo sobre os Estados, mas sim um Direito produzido entre os

Estados.

Para a Teoria Dualista, o Direito Interno e a norma internacional compõem

dois sistemas independentes, sendo que ambos são válidos. Os dois sistemas

regulam matérias diferentes, o que exclui a possibilidade de conflitos; ou seja, o

tratado internacional não poderia, sob qualquer hipótese, regular uma questão

interna antes de ter sido incorporado a este ordenamento por um procedimento

receptivo que o eleva à categoria de lei nacional.

Para esta corrente, o Direito Internacional não possui vigência, muito menos

aplicabilidade imediata nos Estados pactuantes, a não ser que o mesmo seja

recepcionado no Direito Interno, por mecanismos legislativos oriundos deste.

Nesta ordem de ideias, um ato internacional qualquer, como um tratado

normativo, somente operará efeitos no âmbito interno de um Estado se uma lei vier a

incorporá-lo ao ordenamento jurídico positivo.108

Em consequência disso, a norma do Direito Internacional internalizada

passaria a ter o mesmo status normativo que outra norma do Direito Interno, o que,

106 TRIEPEL, C. H. Les Rapports entre Le Droit Interne et le Droit Internacional: Recueil

de Cours de la Académie de Droit Internacional de laHaye. Tome I. [s.l.:s.n.], 1923. p. 91. 107 RESEK, José Francisco. Direito Internacional público: curso elementar. 14.ed. São

Paulo: Saraiva. 2013. p. 27. 108 BARROSO, Luis Roberto. A Constituição e o conflito de normas no espaço: direito

constitucional internacional. Revista da Faculdade de Direito, Rio de Janeiro: Renovar, v. 1, n. 4, p. 203, 1996.

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73

segundo esta concepção, permitiria que um tratado internacional fosse “revogado”

por uma lei ordinária posterior.109

Nesse sentido, afirma Paulo Henrique Gonçalves Portela110:

O ente estatal nega, portanto, aplicação imediata ao direito internacional, mas permite que suas normas se tornem vinculantes internamente a partir do momento que se integrem ao direito nacional por meio de diploma legal distinto, que adote o mesmo conteúdo do tratado, apreciado por meio do processo legislativo estatal cabível. Cabe destacar que, com esse processo de incorporação, os conflitos que porventura ocorram envolverão não o Direito Internacional e o Direito Interno, mas apenas normas nacionais.

Em decorrência desta incorporação, surgiram duas categorias de dualistas, os

radicais e os moderados.

Os primeiros afirmam que a aplicabilidade e eficácia de uma norma de Direito

Internacional só existem no âmbito do Estado, caso seja transformada em uma

norma de Direito Interno, incorporando-a ao ordenamento jurídico do ente estatal.

Já os dualistas moderados defendem que não é necessário que as normas

internacionais sejam inseridas em lei interna: bastaria um ato formal de

internalização, no caso do Brasil, um decreto de promulgação do Presidente da

República, que inclui o ato internacional na ordem jurídica nacional.

A respeito, o Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, afirmou

que:

É na Constituição da República - e não na controvérsia doutrinária que antagoniza monistas e dualistas - que se deve buscar a solução normativa para a questão da incorporação dos atos internacionais ao sistema de direito positivo interno brasileiro. O exame da vigente Constituição Federal permite constatar que a execução dos tratados internacionais e a sua incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional, que resolve, definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos internacionais (CF, art. 49, I) e a do Presidente da República, que, além de poder celebrar esses atos de direito internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe - enquanto Chefe de Estado que é - da competência para promulgá-los mediante decreto.” (480 DF, Relator: CELSO DE

109 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 7.ed. rev.

atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p.90. 110 PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 4.ed.

Salvador: Juspodivm, 2012. p. 64.

Page 75: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

74

MELLO, Data de Julgamento: 03/09/1997, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 18-05-2001 PP-00429 EMENT VOL-02031-02 PP-00213).

No Brasil, a teoria dualista fora aceita e defendida por Amilcar de Castro, o

qual afirma que o direito internacional se distingue do estatal porque suas normas se

caracterizam como inconfundíveis pelos sujeitos a que se dirigem, pelo processo de

formação, pelo conteúdo e pelos meios por que sua observância é assegurada, bem

como por não ser conveniência de Estados estruturadas em subordinação a um

governo, não há jurisdição internacional, e sem esta o direito das gentes só pode ser

visto como único, ímpar, dessemelhante do estatal.111

4.4.2 Teoria monista

Os monistas acreditam que tanto o Direito Internacional quanto o interno,

constituem o mesmo sistema jurídico, isto é, há apenas uma única ordem jurídica

que dá nascimento às normas internacionais e nacionais.

Para a teoria monista, o Direito Internacional e o Direito Interno são dois

ramos do Direito dentro de um só sistema jurídico. Trata-se da teoria segundo a qual

o Direito Internacional se aplica diretamente na ordem jurídica dos Estados,

independentemente de qualquer “transformação”, uma vez que esses mesmos

Estados, nas suas relações com outros sujeitos do direito das gentes, mantêm

compromissos que se interpenetram e que somente se sustentam juridicamente por

pertencerem a um sistema uno.112

Diante disso, para os adeptos à teoria monista, tanto o Direito Interno, quanto

o Direito Internacional já poderia reger a vida dos particulares, sendo desnecessário

qualquer meio de recepção das normas internacionais por parte dos ordenamentos

jurídicos nacionais.

O Direito Internacional e o Direito interno formam, em conjunto, uma unidade

jurídica, que não pode ser afastada em detrimento dos compromissos assumidos

pelo Estado no âmbito internacional. Não há, para os monistas, duas ordens

jurídicas estanques, como querem os dualistas, cada uma com âmbito de validade

111 CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado. 5.ed. aum. e atual. por Osiris

Rocha. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 249. 112 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 7.ed. rev.

atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 92.

Page 76: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

75

dentro da sua órbita, mas um só universo jurídico, coordenado, regendo o conjunto

das atividades sociais dos Estados, das organizações internacionais e dos

indivíduos. Os compromissos exteriores assumidos pelo Estado, dessa forma,

passam a ter aplicação imediata no ordenamento jurídico interno do país pactuante,

o que reflete a sistemática da “incorporação automática”.113

A teoria monista tem bases nos ensinamentos de Kelsen, o qual afirma que

"se esta norma, que fundamenta os ordenamentos jurídicos de cada um dos

Estados, é considerada como norma jurídica positiva - e é o caso, quando se

concebe o direito internacional como superior a ordenamentos jurídicos estatais

únicos, abrangendo esses ordenamentos de delegação, então a norma fundamental,

no sentido específico aqui desenvolvido, de norma não estabelecida, mas apenas

pressuposta não mais se pode falar em ordenamentos jurídicos estatais únicos, mas

apenas como base do direito internacional".114

No Brasil, a teoria monista fora adotada por uma série de ilustres

doutrinadores, entre eles Haroldo Valadão115, Oscar Tenório116, Celso D.

Albuquerque Mello117 e Marotta Rangel118.

Com a adoção da teoria em comento, ou seja, do ordenamento uno entre os

Direitos Internacional e Interno, surge um problema acerca da hierarquia e,

consequentemente, do conflito entre estas normas.

Diante desta problemática, a teoria monista se subdivide em duas. Uma,

sustenta a unicidade da ordem jurídica sob o primado do direito internacional, a que

se ajustariam todas as ordens internas. Outra, apregoa o primado do direito nacional

de cada Estado soberano, sob cuja ótica a adoção dos preceitos do direito

internacional aparece como uma faculdade.119

113 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 7.ed. rev.

atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 92. 114 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad.: José Cretella Jr. e Agnes Cretella. São

Paulo: RT, 2001. 115 VALLADÃO, Haroldo. Direito Internacional Privado. [s.l.:s.n.], 1974. p. 53 e 94. 116 TENÓRIO, Oscar. Direito Internacional Privado. [s.l.:s.n.], 1976. p. 93 e segs. 117 MELLO, Celso de Albuquerque. Direito Constitucional Internacional. [s.l.:s.n.], 1994. p.

344. 118 RANGEL, Vicente Marotta. Os conflitos entre o Direito Interno e os Tratados

Internacionais. Boletim da Sociedade Brasileira de Direito Internacional, ano XXIII, n. 45-46, p. 29, 1967.

119 RESEK, José Francisco. Direito Internacional público: curso elementar. 14.ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 26.

Page 77: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

76

4.4.2.1 Teoria monista internacionalista

A teoria monista internacionalista afirma que, em havendo um conflito de

normas de Direito Internacional e de Direito Interno, aquela deve prevalecer sobre

esta, uma vez que existe a unicidade da ordem jurídica sob o primado do direito

externo, a que se ajustariam todas as ordens internas.

O monismo com primazia do Direito Internacional fora desenvolvido pela

Escola de Viena, cujos principais representantes são Kelsen, Verdross e Kunz. Mas,

é Kelsen quem se destaca ao formular a Teoria Pura do Direito, na qual estabeleceu

a conhecida pirâmide de normas. Pode-se resumir a lógica da pirâmide dizendo que

uma norma tem a sua origem e tira a sua obrigatoriedade da norma que lhe é

imediatamente superior; e, a norma primeira é denominada de Grundnorm. Essa

concepção fora denominada, na sua primeira fase, de Teoria da Livre Escolha.

Ulteriormente, por influência de Verdross, Kelsen sai do seu indiferentismo e passa a

considerar a Grundnorm como sendo uma norma de Direito Internacional, ou seja, a

norma consuetudinária pacta sunt servanda.120

A solução monista internacionalista para o problema da hierarquia entre o

Direito Internacional e o Direito Interno é relativamente simples: um ato internacional

sempre prevalece sobre uma disposição normativa interna que lhe contradiz. Nesse

caso é o Direito Internacional que determina tanto o fundamento de validade, como o

domínio territorial, pessoal e temporal de validade das ordens jurídicas internas de

cada Estado.121

Diante disso, para os adeptos desta teoria, não teria a possibilidade de haver

um conflito entre normas internacionais e internas, face a supremacia daquelas

sobre estas. Porém, este entendimento originário de que a norma internacional não

precisa de reconhecimento do Direito Interno e a sua superioridade, foi sendo

questionada e, consequentemente, se tornando maleável, o que fez surgir os

chamados monistas moderados.

Na visão “monista moderada”, o juiz nacional deve aplicar tanto o Direito

Internacional como o Direito Interno do seu Estado, porém, o fazendo de acordo com

aquilo que está expressamente previsto no seu ordenamento doméstico,

120 MELLO, Celso de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. 15.ed. Rio de

Janeiro: Renovar, 2004. p. 85. 121 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 7.ed. rev.

atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 97.

Page 78: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

77

especialmente na constituição, aplicando-se, em caso de conflitos, a máxima lex

posterior derogat priori (critério cronológico), conhecida pelo direito americano como

regra laterin time.122

Estes não atestam a superioridade da norma internacional, mas sim a

prevalência de uma em virtude da outra pelo critério cronológico. Ou seja, quando

existir um conflito entre as normas de Direito Internacional e do Direito Interno, a

solução será dada a partir da lei posterior, que sempre deverá ser aplicada ao caso

concreto.

Muitos doutrinadores nacionais acatam a ideia de que o monismo

internacionalista é a melhor opção. Neste sentido, André Gonçalves Pereira e

Fausto de Quadros123 afirmam que esta configura a mais acertada e consentânea

com os novos ditames do Direito Internacional contemporâneo.

Valério de Oliveira Mazzuloi124 arremata:

Além de permitir o solucionamento de controvérsias internacionais, dando operacionalidade e coerência ao sistema jurídico, fomenta o desenvolvimento do Direito Internacional e a evolução da sociedade das nações rumo à concretização de uma comunidade internacional universal, ou seja, a civitas maxima. É a única doutrina, hoje, que se compadece com o aumento das relações jurídicas, coincidente com a situação internacional moderna.

Este mesmo doutrinador fale em uma terceira “espécie” de monistas, quais

sejam, os internacionalistas dialógicos125, se reportando especificamente aos direitos

humanos, afirmando que como a teoria monista internacionalista clássica não faz

nenhuma distinção entre as normas, a monista internacionalista dialógica atesta que

quando as normas, internacionais e internas, tratarem de direitos humanos, deve

haver um diálogo entre os ordenamentos, tendo coexistência de ambas as

legislações.

Para fins do presente estudo, é imperioso destacar este posicionamento, pois

para a elevação do MERCOSUL à categoria comunidade Internacional, bem como a

122 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 7.ed. rev.

atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 98. 123 PEREIRA, André Gonçalves; QUADROS, Fausto de. Manual de direito internacional

público. 3.ed. rev. e aum., 8.reimp. Coimbra: Almedina, 2009. p. 92-93. 124 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 7.ed. rev.

atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 99-100. 125 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 7.ed. rev.

atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

Page 79: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

78

criação de um Tribunal de Justiça Supranacional, é necessária a coercitividade da

norma internacional face aos Estados-partes.

4.4.2.2 Teoria monista nacionalista

O monismo nacionalista tem suas raízes fincadas no hegelianismo126, que

considera o Estado como tendo uma soberania absoluta, de tal forma que não pode

estar sujeito a nenhum sistema jurídico que não tenha emanado de sua própria

vontade, criado por seus próprios meios e que seja possível e viável apenas e

unicamente se concebido através do seu próprio sistema legislativo vigente, sob

pena de perder validade e eficácia que se espera de um instrumento normativo.

Os monistas defensores do predomínio interno dão, assim, especial atenção à

soberania de cada Estado, levando em consideração o princípio da supremacia da

constituição. Para eles, é no texto constitucional que devem ser encontradas as

regras relativas à integração e ao exato grau hierárquico das normas internacionais

na órbita interna.127

Dessa forma, os monistas nacionalistas propendem ao culto da constituição à

qual nenhuma outra lei pode sobrepor-se de modo que há de encontrar-se notícia do

exato grau de prestigio a ser atribuído às normas internacionais escritas e

costumeiras.128

Assim, a doutrina monista nacionalista parte do pressuposto que é no Direito

Interno que estão estabelecidas as regras, bem como só este pode atestar a

obrigatoriedade do Direito Internacional.

126 Para Hegel, o Estado é a retratação do absoluto e a sua vontade incontestável, é a

realidade da ideia ética, em que a liberdade alcança a plenitude de seus direitos e tem o mais alto direito em face dos indivíduos, cujo dever supremo é o de serem membros do Estado. Além disso, o Estado firma tratados internacionais, mas permanece num patamar superior a esses, já que a relação interestatal é o relacionamento entre Estados que sejam independentes (HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Filosofia do Direito. In: ______. Enciclopedia delle scienze filosofiche in compendio. Trad.: Benedeto Croce. [s.l.:s.n.], 1951. p. 474).

127 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 7.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 95.

128 RESEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 14.ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 27.

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79

4.4.3 Críticas às teorias monista e dualista

Nenhuma dessas linhas de pensamento é invulnerável à crítica, e muito já

escreveram os partidários de cada uma delas no sentido de desautorizar as

demais.129

Roberto Luiz Silva130 faz críticas à teoria dualista, já que a norma internacional

somente se aplica, nessa concepção, depois de internalizada, ou seja, quando se

transforma em direito interno, aplicando, portanto, a legislação interna que coloca o

tratado em vigor, conforme o procedimento que já conhecemos.

As críticas que o mencionado autor se refere, diz respeito à impossibilidade

de inserção de outros sujeitos de Direito Internacional, além disso, a teoria não é

suficiente para explicar a obrigatoriedade dos costumes internacionais, entre outras

críticas de igual importância, concluindo que tal concepção já seria ultrapassada.

Pode-se ainda criticar a citada teoria no que tange à existência de dois

sistemas jurídicos antagônicos. Para que isso ocorresse, seria necessário atestar

que um destes sistemas não é jurídico, que por inteligência dos dualistas seria o

sistema internacional, pois a característica jurídica dos ordenamentos jurídicos é

indubitável.

Outra critica reside no fato da teoria dualista não aceitar o conflito entre

normas de Direito Internacional e Direito Interno. A construção dualista despreza o

princípio da identidade, admitindo igual validade de duas normas jurídicas

antagônicas.131

No que tange à teoria monista, em que pese possuir doutrinadores do mais

alto escalão na sua defesa, a mesma não está imune a críticas. Na mesma obra de

Roberto Luiz Silva132 encontram-se algumas críticas a essa corrente, no sentido de

que a concepção negaria a própria existência do Direito Internacional como sistema

jurídico autônomo e independente; além disso, não estaria de acordo com a prática

internacional, pois caso estivesse, qualquer mudança na vontade de um Estado,

129 RESEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 14.ed. São

Paulo: Saraiva, 2013. p. 27 130 SILVA, Roberto Luiz. Direito Internacional Público. 2.ed. rev. atual. e ampl. Belo

Horizonte: Del Rey, 2002. 127. 131 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 7.ed. rev.

atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 91. 132 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direito Internacional Público. 2.ed. rev. atual. e ampl.

Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p.129.

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80

como no caso de um golpe de Estado, ocasionaria a ruptura de todos os tratados

anteriormente celebrados, o que não ocorre.

4.5 A POSIÇÃO ADOTADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

A evolução da sociedade requer o amadurecimento de seu sistema judiciário,

porém, como as mudanças são rápidas, existe um perceptível atraso na criação de

normas que sejam coerentes com a realidade. E isto não acontece só em relação às

normas, mas os próprios aplicadores do direito revestidos do ponto de vista

conservador.

Cumpre destacar que a maioria da doutrina brasileira adota a teoria monista,

dividindo-se em monistas internacionalistas133 e monistas moderados134. Porém, há

de se frisar que mesmo os que adotam a teoria monista internacionalista, ou seja, a

prevalência do Direito Internacional face o Direito Interno, quando haja algum conflito

entre eles, a aplicabilidade da norma internacional somente pode ser verificada

através do aparato estatal, principalmente pelo Poder Judiciário.

Assim, para o presente trabalho a posição do STF é por demais importante,

pois, como guardião da Constituição Federal, é o último a decidir em que status a

norma internacional será recepcionada no ordenamento jurídico brasileiro.

A Constituição Federal de 1988 não dá tratamento alongado sobre o tema,

muito menos atesta a hierarquia de uma norma sobre a outra no arcabouço jurídico.

A Constituição adentra no tema dos tratados internacionais pela primeira vez no seu

art. 5º, §2º, ao afirmar que o rol de direitos e garantias expressos podem ser

acrescentados outros previstos em tratados.135

Em 2004, com a edição da Emenda Constitucional nº 45, foi acrescentado o

§3º no art. 5º, onde se dispõe que os tratados e convenções que versem sobre

direitos humanos, devidamente aprovados por quórum qualificado, tem status

constitucional, ou seja, seriam recepcionados como EC.

Como aludido alhures, para que possa ocorrer a elevação do Mercosul a uma

comunidade internacional, principalmente porque o Brasil é o maior e mais complexo

133 Autores como Flávia Piovesan e Luis Flávio Gomes. 134 Autores como José Francisco Resek. 135 Art. 5º, §2º, CF/88: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem

outros decorrentes do regime de e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

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81

Estado Membro do bloco, será necessário um estudo aprofundado, bem como

aperfeiçoamento em algumas posições do STF, as quais vêm ocorrendo de forma

gradativa, em relação a recepção das normas internacionais pelo Direito Interno.

Na década de setenta o STF, no julgamento do RE 80.004136, foi instado a se

pronunciar sobre o tema, adotando, em princípio, a teoria monista nacionalista,

afirmando, para tanto, que, em que pese a Convenção de Genebra tivesse

aplicabilidade no Direito Interno, esta não possuía superioridade hierárquica face as

normas nacionais.

Tal julgamento fora considerado paradigmático, pois naquele momento houve

uma reviravolta no entendimento do Supremo Tribunal Federal, no que tange a

hierarquia, aplicabilidade e vigência dos tratados internacionais no ordenamento

jurídico brasileiro. Ressalta-se ainda que, o julgado possuiu votos divergentes e

diversos argumentos foram exaltados na tentativa de resolução do caso concreto.

O RE 80.004 foi interposto, por Belmiro da Silveira Góes contra Sebastião

Leão Trindade. Na época, a Constituição Federal vigente era a de 1967, e o

fundamento do recurso estava no art. 114, III, d137. A discussão versa sobre a

validade ou não de uma nota promissória assinada pelo recorrente, que não foi

devidamente registrada pelo recorrido para ser eficaz, segundo exigia o Decreto-Lei

427/69. Em primeiro grau de jurisdição o recorrido moveu ação de cobrança de

título, mesmo sem ter feito o registro da nota promissória. A ação foi julgada

improcedente por vício de forma, devido à falta de cumprimento do requisito imposto

pelo Decreto-Lei referido. Houve recurso de apelação que reformou a decisão de

136 RE: 80.004 de 29 de dezembro de 1977 EMENTA: CONVENÇÃO DE GENEBRA, LEI

UNIFORME SOBRE LETRAS DE CAMBIO E NOTAS PROMISSORIAS, AVAL APOSTO A NOTA PROMISSORIA NÃO REGISTRADA NO PRAZO LEGAL, IMPOSSIBILIDADE DE SER O AVALISTA ACIONADO, MESMO PELAS VIAS ORDINARIAS. VALIDADE DO DECRETO-LEI N. 427, DE 22.01.EMBORA A CONVENÇÃO DE GENEBRA QUE PREVIU UMA LEI UNIFORME SOBRE LETRAS DE CAMBIO E NOTAS PROMISSORIAS TENHA APLICABILIDADE NO DIREITO INTERNO BRASILEIRO, NÃO SE SOBREPÕE ELA ÀS LEIS DO PAIS, DISSO DECORRENDO A CONSTITUCIONALIDADE E CONSEQUENTE VALIDADE DO DEC. LEI Nº 427/69, QUE INSTITUI O REGISTRO OBRIGATORIO DA NOTA PROMISSORIA EM REPARTIÇÃO FAZENDARIA, SOB PENA DE NULIDADE DO TÍTULO. SENDO O AVAL UM INSTITUTO DO DIREITO CAMBIARIO, INEXISTENTE SERÁ ELE SE RECONHECIDA A NULIDADE DO TÍTULO CAMBIAL A QUE FOI APOSTO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO.

137 BRASIL. Constituição Federal. Art. 114. Compete ao Supremo Tribunal Federal, III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decidias, em única ou última instância, por outros Tribunais, quando a decisão recorrida: d) dar à lei federal interpretação divergente da que lhe haja dado outro Tribunal ou o próprio Supremo Tribunal Federal.

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82

primeiro grau. O Tribunal de Justiça de São Paulo ao julgar o recurso entendeu que

a falta de registro era apenas uma formalidade e não requisito essencial para a

validade do ato, dando procedência ao pedido. O acórdão do Tribunal paulista

seguiu a doutrina da primazia do direito internacional, diversamente do julgado de

primeiro grau que seguiu a corrente contrária – primazia do direito interno. Sendo

assim, o apelado impetrou o recurso extraordinário ao STF devido à divergência

jurisprudencial. Conforme o parecer do Procurador Geral da República, o mérito do

recurso está em dois pontos: na validade do Decreto-Lei 427/69 frente à Convenção

de Genebra sobre títulos cambiais (considerada Lei Uniforme) e a possibilidade de

cobrança do título sem registro, conforme o Decreto-Lei, bem como a

responsabilidade do avalista em efetuar o pagamento.138 A conclusão do parecer,

após longa fundamentação sobre apenas a validade ou não da obrigação do

avalista, declara que o se o título de crédito for nulo, não há que se falar em

obrigação cambiária para o avalista. O parecer não aborda o conflito de leis

declarando que o mesmo não foi objeto de pré-questionamento; desta forma, afirma

o Procurador, não há o que recorrer sobre esse assunto.139

Seguindo a ordem de voto dos ministros no acórdão, o voto do Ministro Xavier

de Albuquerque, relator do processo, relembra a jurisprudência do STF em dar

primazia sempre ao direito internacional negando provimento ao recurso.140 Após o

voto do relator, o Ministro Cunha Peixoto pediu vistas, e para fundamentar o seu

voto mencionou detalhadamente a teoria dualista chegando, ao final, à conclusão

que por essa teoria o Decreto-Lei não é inconstitucional dando provimento ao

recurso.141 O Ministro Cordeiro Guerra, nas suas considerações, aborda tanto a

teoria monista de Verdross quanto a dualista de Triepel e Anzilotti. Conclui que o

Decreto-Lei prevalece e a nota promissória é nula, pois em sua opinião, se os

tratados pudessem apenas ser revogados pela denúncia, o STF nunca poderia

declarar inconstitucional um tratado que entrasse em conflito com uma lei interna.142

138 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 80.0004-SE. Relator:

Ministro Xavier de Albuquerque. Brasília, DF, 1 de junho de 1997. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=175365>. Acesso em: 10 fev. 2015.

139 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. p.920-927. 140 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. p.928-936. 141 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. p.938-957. 142 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. p.958-970.

Page 84: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

83

O Ministro Leitão de Abreu opinou pela procedência do recurso, no entanto

diverge dos outros ministros afirmando que a lei posterior não revoga a anterior.

Considera o Ministro que a lei e o tratado possuem o mesmo status, no entanto a lei

posterior não revoga o tratado, apenas afasta a sua aplicação onde houver

contradição com a nova lei, e ainda quando tal lei for revogada o tratado volta a ter

vigência total.143 O quarto voto é do Ministro Rodrigues Alckmin, que acompanhando

os demais colegas, segue o princípio de que a lei posterior revoga a anterior, devido

à falta de norma constitucional que determine qual deve prevalecer no conflito de

normas.144 O Ministro Antonio Neder considerando que seus colegas anteriores, ao

proferirem seus votos, aproximam-se muito do monismo moderado de Verdross,

votou no mesmo sentido145, no entanto a fundamentação foi por outro caminho. O

Ministro afirmou que os mesmos estavam diante de um caso que requeria uma

interpretação extensiva, afirmando que “[...] é de se aplicar o princípio segundo o

qual a regra que permite o mais permite o menos”146. E continua concluindo o seu

voto:

[...] a Convenção de Genebra ressalva no direito interno de cada Parte Contratante a vigência de regra tributária incidente nas letras e nas notas promissórias, e, por isto o Dl. n. 427-69 não se acha incompatibilizado com ela, senão que em harmonia com uma de suas cláusulas, especialmente redigida para exprimir a reserva. Conheço o recurso pelo fundamento da divergência, mas, no mérito, discordando da fundamentação deduzida pelos nobres Ministros que me antecederam, voto pelos fundamentos aqui articulados [...].

O Ministro Thompson Flores ressalta que a controvérsia está em definir quem

tem primazia entre o tratado e a norma interna, e na sua opinião não há no

ordenamento jurídico interno norma que determine a solução para o conflito. Desta

forma, menciona que lei e tratado são equivalentes e uma pode revogar a outra.147

O último Ministro a pedir vista do processo foi Eloy da Rocha, que ao votar

pela procedência do recurso, justificou afirmando que não concordava que a lei

ordinária possa revogar as Convenções e, que o Decreto-Lei e a Lei Uniforme são

plenamente compatíveis.148

143 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. p. 972-985. 144 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. p. 991-998. 145 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. p. 1000-1012. 146 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. p. 1013. 147 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. p. 1015-1019. 148 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. p. 1021-1022.

Page 85: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

84

O recurso foi julgado procedente por unanimidade, com voto vencido do

Relator, que acompanhou a jurisprudência anterior da casa. A partir desse julgado

abriu-se o precedente para não considerar mais a primazia dos tratados sobre as

normas internas.

Dessa forma, inicialmente a jurisprudência pátria praticamente se fechou para

o direito comunitário, afirmando que as normas internas têm superioridade frente às

normas internacionais, as quais inclusive devem passar por um controle de

constitucionalidade.

A decisão acima referida, não encontrou respaldo na doutrina pátria. Muitas

manifestações de adeptos da teoria internacionalista afirmaram que os argumentos

nela expedidos para sustentar a superioridade da lei ordinária face os tratados

internacionais eram por demais falhos e contraditórios, abrindo-se a brecha para o

legislador ordinário revogar tratados internacionais em vigor aderidos pelo Brasil,

causando-lhe desconforto frente à comunidade internacional.

Após este julgamento, poucas decisões são encontradas nas quais os

tribunais superiores nacionais se debruçaram sobre a matéria. Porém, mesmo com

todas as críticas da doutrina, nestes “novos” acórdãos, a interpretação dada pelo

STF seguiu intocável.

Destaca-se que não pretende o presente trabalho realizar uma pesquisa

relacionada a todas as decisões do STF frente aos mais variados temas que

envolvem o Direito Internacional, ficando focado no tema dos direitos humanos, pois

a jurisprudência do referido Tribunal adota critérios distintos para resolução de

conflitos entre leis e tratados, a depender do tipo de tratado de que trata a decisão e

da matéria a que se refere.

Assim, é importante demonstrar as dificuldades enfrentadas em razão do

contexto atual para a adoção de alguma teoria (a monista nacionalista ou

internacionalista) pelo STF.

Caso se foque no momento atual do constitucionalismo, o dogma da ciência

do Direito é a supremacia da constituição, devendo ser adotada a teoria monista

nacionalista.

Por outro lado, com a intensificação da interdependência entre os Estados,

inclusive com a criação dos blocos econômicos, há um grande espaço para a

adoção da teoria internacionalista, mais precisamente, a monista moderada.

Page 86: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

85

4.5.1 Tratados de Direitos Humanos e submissão jurisdicional de um Tribunal

Internacional

Conforme salientado acima, a chamada “jurisprudência clássica do STF”

adotou a teoria de que os tratados são recepcionados no Direito Interno como

legislação ordinária, passando inclusive por um controle de constitucionalidade.

É salutar afirmar que a jurisprudência adotou diferentes padrões de hierarquia

entre tratados e normas internas, prevalecendo um ou outro conforme a matéria em

jogo. Trata-se de uma hierarquia variável ratione materiae.149

Assim, o Tribunal referido acatou nos seus julgados algumas exceções, nas

quais estão justamente os tratados internacionais que versam sobre direitos

humanos em que o Brasil é signatário. Há de salientar que esta jurisprudência sobre

os tratados de direitos humanos nem sempre foi nesse sentido.

Esse entendimento é encontrado no acórdão do ano de 1995 proferido no HC

nº 72131/RJ150, no qual, por maioria, prevaleceu o entendimento utilizado nos

julgamentos anteriores, de que o depositário infiel pudesse ser preso em face da

norma constitucional, mesmo o Brasil sendo signatário do tratado internacional (lei

ordinária) que proibia tal ato.

Posteriormente, a Segunda Turma, tendo no Min. Marco Aurélio de Mello

como seu defensor, no julgamento do HC 74.383/MG151, reconheceu a garantia

dada pelo Pacto de São José da Costa Rica152 de não poder haver prisão em

decorrência de dívida civil, a não ser a título de alimentos. Tal decisão, contrariando

a anterior do Pleno, fora um divisor de águas na jurisprudência do STF.

A partir da referida decisão, surgiu no Supremo Tribunal Federal a

possibilidade de recepção dos tratados que versem sobre direitos humanos

diferenciada dos demais tratados.

149 LUPI, André Lipp Pinto Basto. A aplicação dos Tratados de direito humanos no Brasil a

partir da EC/45/2004. In: PIOVESAN, Flávia; GARCIA, Maria (Coord.). Doutrinas Essenciais Direitos Humanos. V. VI. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2011. p34.

150 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. HC 72.131/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal do Pleno, DJ 1.8.2003, p. 103.

151 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HC 74.383-8-MG. Segunda Turma. Rel. para o acórdão Min. Marco Aurélio de Mello. DJ 27/06/1997.

152 Art. 7º, inciso VII, do Pacto São José da Costa Rica: “Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar”.

Page 87: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

86

Nesse passo, no julgamento do HC nº 79.785/RJ153, o Min. Sepúlveda

Pertence reafirmou a jurisprudência da superioridade da Constituição, porém dando

um passo a mais, levantou a tese pela qual os tratados de Direitos Humanos

poderiam ser incorporados no sistema jurídico brasileiro com status de norma

supralegal, ou seja, inferior à CF/88, porém superior às leis.

Ocorre que, mesmo após a possibilidade dos tratados que versem sobre

direitos humanos adquirirem status supralegal, o Min. Marco Aurélio de Mello, no

julgamento, pugnou ao Congresso Nacional que este elevasse a hierarquia de tais

tratados a condição de normas constitucionais.154

Fora nesse momento histórico, que em 2004 foi editada a Emenda

Constitucional nº 45, a qual prevê que, após realizadas as medidas formais, como a

votação em dois turnos, com quórum de 3/5 dos membros das duas Casas do

Congresso Nacional, os tratados sobre direitos humanos seriam equiparados a

Emendas Constitucionais.155

Porém, convém destacar que é pelo menos questionável o entendimento –

por mais sedutor que seja – de que por força da EC 45 todos os tratados em matéria

de direitos humanos já incorporados ao sistema jurídico brasileiro possam ser

considerados como equivalentes às emendas constitucionais, já que não há como

aplicar neste caso o argumento da recepção quando se trata de procedimentos

legislativos distintos, ainda que haja compatibilidade material, como se fosse

possível transmutar um decreto legislativo aprovado pela maioria simples do

Congresso Nacional em emenda constitucional, que exige maioria reforçada de três

153 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RHC79.785/RJ. Rel. Min. Sepúlveda Pertence.

Tribunal do Pleno, DJ 22/11/2002, p. 57. 154 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HC 81.319/GO, Rel. Min. Marco Aurélio de Mello,

Tribunal do Pleno, DJ 19/08/2005. EMENTA: A ESTRUTURA CONSTITUCIONAL DOS TRATADOS SOBRE DIREITOS HUMANOS: UMA DEJESÁVEL QUALIFICAÇÃO JURÍDICA A SER ATRIBUIDA, “DE JURE CONSTITUENDO“, A TAIS CONVENÇÕES CELEBRADAS PELO BRASIL. – É irrecusável que os tratados e convenções internacionais não podem transgredir a normatividade subordinante da Constituição [...] – Revela-se altamente desejável, no entanto, “de jure constituendo”, que, á semelhança do que se registra no direito constitucional comparado venha a outorgar hierarquia constitucional aos tratados sobre direitos humanos celebrados pelo Estado brasileiro [...].

155 Art. 5º §3º da CF/88: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que foram aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.

Page 88: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

87

quintos dos votos, sem considerar os demais limites formais das emendas à

Constituição.156

Em sentido diverso, contudo, há quem defenda, fundado em respeitável

doutrina, a recepção dos tratados anteriores – naquilo que efetivamente versam

sobre direitos humanos (no sentido de bens jurídicos indispensáveis à natureza

humana ou à convivência social) – como se tivessem sido incorporados pelo rito

mais rigoroso das emendas constitucionais, assegurando-lhes a respectiva

supremacia normativa, no âmbito do que se costuma designar de recepção

material.157

Dessa forma, mesmo diante do enorme passo que a legislação brasileira

passou a considerar os tratados, independentemente do problema da hierarquia dos

tratados incorporados pelo sistema praticado até a EC 45, resta, notadamente em

função da redação do novo § 3º do art. 5º, uma série de questões a serem

resolvidas, visto que doutrina e jurisprudência apenas estão iniciando a discussão da

temática.

Outro ponto importante da referida EC foi o enxerto do §4º no art. 5º, o qual

prevê a submissão jurisdicional do Brasil face o Tribunal Penal Internacional158,

demonstrando a possibilidade de abertura da legislação brasileira para o mesmo ser

submetido a um órgão internacional supranacional.

É claro que ainda existem muitos caminhos a serem percorridos para a

criação de um Tribunal de Justiça Supranacional do Mercosul, como fora para a

criação do Tribunal Penal Internacional (TPI), porém este é um importante

instrumento para a defesa dos direitos humanos, além de ser de necessidade vital

para a elevação do Mercosul a uma comunidade internacional.

Tais incertezas decorrem dos argumentos de que a criação de Tribunais

internacionais é um assunto intrigante, o qual traz à baila questões de ordem

156 Neste sentido, registra-se a posição de: PIOVESAN, Flávia. Reforma do judiciário e

direitos humanos. In: TAVARES, André Ramos; LENZA, Pedro; ALARCON, Pietro de Jesus Lora (Orgs.). Reforma do judiciário analisada e comentada. São Paulo: Método, 2005. p. 72.

157 Cf. TAVARES, André Ramos. Reforma do judiciário no Brasil pós-88: (des)estruturando a justiça - comentários completos à Emenda Constitucional n° 45/04. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 47-48. FRANCISCO, José Carlos. Bloco de constitucionalidade e recepção dos tratados internacionais. In: TAVARES, André Ramos; LENZA, Pedro; ALARCON, Pietro de Jesus Lora (Orgs.). Reforma do judiciário analisada e comentada. São Paulo: Método, 2005. p. 103-105.

158 Art. 5º, §4º da CF/88: “O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão”.

Page 89: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

88

internacional que envolvem princípios de soberania nacional em conflito com valores

de direitos humanos.

O certo é que a presente discussão está na ordem do dia, justamente pelo

nível de integração em que vivem os Estados, bem como no inevitável

fortalecimento e afirmação do MERCOSUL.

Page 90: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

89

5 O SISTEMA DE SOLUÇÕES DE CONTROVÉRSIAS NO MERCOSUL

5.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

5.1.1 Origem do MERCOSUL

A discussão de criação do MERCOSUL, que remete aos anos 80, teve como

base o debate acerca das vantagens teóricas, políticas e institucionais de uma

integração regional face à integração multilateral que o mundo estava passando

frente à globalização. Tal integração regional facilitaria a interação dos mercados do

cone sul, como a maior exploração do manancial industrial dos países componentes

do bloco.

Nestes termos, em 26 de marco de 1991, o MERCOSUL foi constituído,

quando Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai elaboraram o Tratado de Assunção, o

qual fixou a data limite de 31 de dezembro de 1994, para que os Estados-partes

realizassem os necessários ajustes nas suas economias, de modo a constituir, de

forma permanente, o mercado comum.

Conforme o preâmbulo do Tratado de Assunção, a integração entre os

Estados-partes constituía condição fundamental para acelerar os seus processos de

desenvolvimento econômico com justiça social, além de estarem convencidos da

necessidade de promover o desenvolvimento cientifico, tecnológico e de modernizar

suas economias para ampliar a oferta e a qualidade dos bens e serviços disponíveis,

a fim de melhorar a condição de vida dos seus habitantes.

No seu artigo primeiro, o Tratado de Assunção é objetivo ao tratar do ajuste

das legislações dos países membros para o fortalecimento do processo de

integração, atestando que para que se alcance os seus objetivos, é necessária esta

harmonização legal.

Em 1991, fora assinado o Protocolo de Brasília, posteriormente revogado pelo

Protocolo de Olivos, no qual foram estabelecidos os mecanismos de controvérsias

previstos inicialmente no Tratado de Assunção, disponibilizando a utilização de

meios jurídicos para a solução de eventuais disputas comerciais.

Em matéria jurídica, há também que se destacar os Protocolos de Las Leñas,

1992, o qual determinou que sentenças provenientes de um país signatário tenham

o mesmo entendimento judicial em outro, sem a necessidade de homologação de

Page 91: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

90

sentença a que são submetidas todas as demais decisões judiciais tomadas fora do

bloco159, o Protocolo de Medidas Cautelares, de 1994, tendo por objetivo a

regulamentação entre os países membros, do cumprimento de medidas cautelares

destinadas a impedir a irreparabilidade de um dano em relação às pessoas, bens e

obrigações de dar, fazer ou de não fazer160.

Antes de se chegar à referida data para a efetivação do MERCOSUL, os

países integrantes do bloco, em 14 de dezembro de 1994, decidiram aditar o

“Tratado de Assunção”, editando o “Protocolo Adicional de Ouro Preto”, uma vez

que, por passarem por um período muito difícil nas suas economias, pouco puderam

fazer no que se refere aos ajustes necessários para a unificação e consolidação das

suas economias em um bloco econômico.

Desde o início, segue o MERCOSUL um modelo de integração pouco

arrojada. Ao invés de seguir o modelo supranacional (exemplo europeu atual),

preferiu seguir o modelo interestatal. Quando o momento previsto no tratado de

criação chegou, ao final do período de transição, para a definição da estrutura

definitiva do MERCOSUL, não se fez com o “Protocolo de Ouro Preto”, o

rompimento com o modelo interestatal.161

Em contrapartida, o “Protocolo de Ouro Preto” avançou no sentido da criação

do MERCOSUL, pois foi este documento que elevou o bloco à condição de pessoa

jurídica de direito internacional, o que permitia que o mesmo agisse

internacionalmente como ente único162.

Isto implica que, desde então, o bloco sub-regional do Cone Sul tornou-se

uma entidade distinta dos Estados-partes que o compunham, na medida em que

essa disposição habilitou-o a praticar todos os atos necessários à realização dos

seus objetivos, em especial contratar adquirir e alienar bens móveis e imóveis,

comparecer em juízo, conservar fundos e fazer transferências163, bem como o

Conselho do Mercado Comum (CMC) a firmar acordos com outros países ou grupos

159 Decreto nº 2.067, de 12 de novembro de 1992. 160 Artigo 1º do Protocolo de Medidas Cautelares. 161 BAHIA, Saulo José Casali. Integração Latino-Americana. Revista do CEPEJ – Centro

de Estudos e Pesquisas Jurídicas, Salvador, n. 8, p. 139, jul.-dez. 2007. 162 Capítulo II - Artigo 34 do Protocolo de Ouro Preto. 163 Capitulo II – Artigo 35 do Protocolo de Outro Preto.

Page 92: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

91

de países em nome do MERCOSUL. Anteriormente, um acordo com outros países

teria de ser firmado pelos quatro governos integrantes do bloco.164

Posteriormente, ainda em relação às questões jurídicas do bloco, foram

editados o Protocolo de Assistência Mútua em Assuntos Penais, de 1996, sendo

determinado que os Estados-partes prestassem assistência mútua para a

investigação de delitos, bem como a cooperação nos procedimentos judiciais

relacionados com assuntos penais165, o Protocolo de São Luis em Matéria de

Responsabilidade Civil Emergente de Acidentes de Trânsito entre os Estados-partes

do Mercosul, de 1996, sendo determinado que na responsabilidade civil por

acidentes de trânsito será regida pelo direito interno do Estado Parte em cujo

território ocorreu o acidente166, o Protocolo de Olivos de 2002, que aprimorou o

Protocolo de Brasília mediante a criação do Tribunal Arbitral Permanente de Revisão

do Mercosul, que será alvo de maiores considerações no próximo item; e por fim, o

Protocolo de Assunção sobre o Compromisso com a Promoção e Proteção dos

Direitos Humanos no MERCOSUL, de 2005, afirmando para tanto que é

fundamental assegurar a proteção, promoção e garantia dos direitos humanos e as

liberdades fundamentais de todas as pessoas, bem como efetivar o gozo dos

direitos fundamentais como condição indispensável para a consolidação do

processo de integração do bloco.167

Atualmente o MERCOSUL é composto por Brasil, Argentina, Uruguai,

Paraguai e, mais recentemente, a partir de 2012, a Venezuela. Cumpre destacar que

o Equador, Chile, Colômbia, Peru e Bolívia participam como membros associados,

ou seja, participam das reuniões, mas não possuem poder de voto. Em relação ao

Equador, o mesmo já se pronunciou no intuito de fazer parte permanente do bloco,

porém ainda necessita realizar algumas adaptações na sua legislação para que tal

pedido se efetive. Além destes países, o México participa do bloco apenas como

membro observador.

O eminente poder de crescimento e ampliação do MERCOSUL é algo

praticamente irreversível, pois os países membros e não-membros efetivos, face

164 FLORÊNCIO, Sérgio Abreu e Lima; ARAÚJO, Ernesto Henrique Fraga. Mercosul hoje.

São Paulo: Alfa-Omega, 1996. p.74. 165 Capítulo I, Artigo 1º, inciso III, do Protocolo de Assistência Mútua em Assuntos Penais. 166 Artigo 3º do Protocolo de São Luis em Matéria de Responsabilidade Civil Emergente de

Acidentes de Trânsito entre os Estados Partes do Mercosul. 167 Preâmbulo do Protocolo de Assunção sobre o Compromisso com a Promoção e Proteção

dos direitos Humanos no Mercosul.

Page 93: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

92

desenvolvimento das economias locais, bem como a grave crise que assola os

chamados países desenvolvidos pelo mundo afora, estão buscando meios

alternativos de comércio e expansão de tecnologias, para implementação dos seus

mercados internos e vendas das suas mercadorias.

Assim como ocorreu com a União Europeia, o MERCOSUL objetiva ampliar

os acordos internamente estabelecidos a fim de fortalecer a política do bloco. Entre

os objetivos estão: a ampliação das relações comerciais entre os países membros

através da diminuição de dependência destas nações para com a exportação de

produtos primários; a liberação de serviços que, quando aprovada, garantirá o

reconhecimento das formações profissionais que ocorreram em outros países do

bloco, ou seja, um profissional formado em qualquer país poderá exercê-la em

qualquer país membro do bloco; a abertura de concorrências para licitações, o que

permitirá que empresas de qualquer um dos países do bloco possam trabalhar em

serviços públicos; a realização de uma legislação comum em diversos setores, como

fiscal econômico, comercial e político, a livre circulação de pessoas; a implantação

de uma moeda única e, consequentemente, a criação de um Banco Central do

MERCOSUL.

A população do MERCOSUL, apenas levando em consideração os Estados

Membros efetivos, que hoje conta com cerca de 275 milhões de habitantes, pode

passar a ter 365 milhões de habitantes, ou seja, mais 100 milhões de habitantes do

número atual de pessoas que estão sujeitas ao intercâmbio, tanto de mercadorias

quanto de pessoas e culturas, o que mostra o potencial gigantesco do bloco em

todas as suas áreas de atuação.168

Diante desse número extraordinário, a tendência é que os conflitos entre os

seus habitantes cresçam de forma vertiginosa, uma vez que é inerente ao ser

humano a disputa por bens da vida, ainda mais com a diversidade cultural dos

países que poderão compor o bloco, sendo necessária e imprescindível a efetivação

de meios que corroborem com a solução das controvérsias, sempre se levando em

conta os direitos fundamentais do homem.

Assim, apesar do seu potencial, o MERCOSUL ainda enfrenta dificuldades e

desentendimentos dos seus Estados-partes no tocante a questões comerciais, além

das barreiras naturais de cultura, interesse e poder. Todavia, espera-se que o bloco

168 Fontes dos dados: IBGE Países/Página Brasileira do Mercosul.

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93

continue crescendo e libere a entrada de outros países para que este se fortaleça e

possa competir de igual para igual com o NAFTA e a União Europeia. Muitos

estudiosos afirmam que futuramente as relações comerciais não mais se darão entre

países, mas entre blocos, por isso é importante um MERCOSUL forte e bem

estabilizado.

5.2 O SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS DO MERCOSUL

5.2.1 A estrutura institucional do MERCOSUL

A estrutura orgânica institucional do MERCOSUL foi transformada

profundamente após a elaboração do Protocolo de Ouro Preto. A estrutura provisória

instituída pelo Tratado de Assunção permitia tais ajustes e era composto

basicamente por dois órgãos, o Conselho do Mercado Comum e o denominado

Grupo de Mercado Comum.

Com a edição do supracitado Protocolo, a estrutura institucional do

MERCOSUL passou a ser composta, além dos já citados órgãos, pela Comissão de

Comércio do MERCOSUL, a Comissão Parlamentar Conjunta, o Foro Consultivo

Econômico-Social e a Secretaria Administrativa do MERCOSUL, podendo ainda

serem criados novos órgãos auxiliares que sejam necessários para a realização dos

fins e objetivos do bloco. Frise-se que fora estabelecido que os únicos órgãos de

natureza decisória e intergovernamental são o Conselho do Mercado Comum, o

Grupo Mercado Comum e a Comissão de Comércio do MERCOSUL.

5.2.1.1 Do Conselho do Mercado Comum

O Conselho do Mercado Comum é o órgão superior do MERCOSUL ao qual

incumbe a condução política do processo de integração e a tomada de decisões

para assegurar o cumprimento dos objetivos estabelecidos pelo Tratado de

Assunção e para lograr a constituição final do mercado comum.169

Este Conselho será integrado pelos Ministros das Relações Exteriores e pelos

Ministros da Economia, ou similares, dos Estados Membros, sendo a sua

169 Artigo 3º da Seção I, do Protocolo de Ouro Preto.

Page 95: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

94

presidência exercida de forma alternada pelos representantes dos países

participantes, utilizando-se o critério de ordem alfabética, por período de 06 (seis)

meses.

As reuniões do Conselho do Mercado Comum serão realizadas quando se

acharem oportunas, sendo obrigatória pelo menos uma vez a cada semestre com a

presença dos presidentes dos Estados-partes e serão coordenadas pelos Ministros

das Relações Exteriores, podendo serem convidados outros Ministros de Estado ou

autoridades a nível ministerial.

Conforme já ressaltado, o Conselho do Mercado Comum é um órgão diretivo

na estrutura institucional do MERCOSUL e possui entre outras funções a criação de

órgãos170 necessários à efetivação do bloco, manifestando-se por meio de decisões

obrigatórias a todos os Estado-partes. Este tema é de extrema importância para o

presente trabalho, haja vista a solução proposta para problemática trazida, ou seja, a

criação de um Tribunal Supranacional para soluções das controvérsias entre os

particulares habitantes do MERCOSUL.

5.2.1.2 Do Grupo Mercado Comum

O Grupo Mercado Comum é o órgão executivo do MERCOSUL, sendo

composto por quatro membros titulares e quatro membros alternos por país,

designados pelos respectivos governos, dentre os quais devem constar

necessariamente representantes dos Ministérios das Relações Exteriores, dos

Ministérios da Economia (ou equivalentes) e dos Bancos Centrais, sendo exercida a

sua coordenação pelos Ministros das Relações Exteriores,171 manifestando-se

através de resoluções, as quais também são obrigatórias para todos os Estados-

partes.

O referido órgão se reunirá de forma ordinária ou extraordinária, sempre que

necessário, possuindo dentre as suas funções, a de expedir resoluções em matéria

financeira e orçamentária, com base nas orientações emanadas do Conselho do

Mercado Comum172, o que o torna, outrossim, um órgão fundamental para a criação

170 Artigo 8º da Seção I, do Protocolo de Ouro Preto. 171 Artigo 11 da Seção II, do Protocolo de Ouro Preto. 172 Inciso IX, do Artigo 14 da Seção II, do Protocolo de Ouro Preto.

Page 96: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

95

do Tribunal Supranacional, uma vez que é ele que está diretamente ligado às

questões financeiras do MERCOSUL.

5.2.1.3 Da Comissão de Comércio do MERCOSUL

À Comissão de Comércio do MERCOSUL, órgão encarregado de assistir o

Grupo Mercado Comum, compete velar pela aplicação dos instrumentos de política

comercial comum acordados pelos Estados-partes para o funcionamento da união

aduaneira, bem como acompanhar e revisar os temas e matérias relacionados com

as políticas comerciais comuns, com o comércio intra- MERCOSUL e com terceiros

países.173

Este órgão é composto por quatro membros titulares e quatro membros

alternos por Estados-partes, sendo coordenado pelos Ministros das Relações

Exteriores, reunindo-se pelo menos uma vez por mês, ou sempre que solicitado pelo

Grupo Mercado Comum ou por qualquer um dos Estados-partes. A Comissão de

Comércio do MERCOSUL manifestar-se-á mediante Diretrizes ou Propostas,

também obrigatórias aos Estados-partes.174

Além das funções ligadas à parte comercial do bloco, caberá à Comissão de

Comércio do MERCOSUL considerar as reclamações apresentadas pelas Seções

Nacionais da Comissão de Comércio do MERCOSUL, originadas pelos Estados-

partes ou em demandas de particulares - pessoas físicas ou jurídicas -, relacionadas

com as situações previstas nos artigos 1175 ou 25176 do Protocolo de Brasília,

quando estiverem em sua área de competência,177 sendo que o exame das referidas

173 Artigo 16 da Seção III, do Protocolo de Ouro Preto. 174 Artigo 20 da Seção III, do Protocolo de Ouro Preto. 175 Capítulo I, Artigo 1º do Protocolo de Brasília: As controvérsias que surgirem entre os

Estados Partes sobre a interpretação, a aplicação ou o não do cumprimento das disposições contidas no Tratado de Assunção, dos acordos celebrados no âmbito do mesmo, bem como das decisões do Conselho do Mercado Comum e das Resoluções do Grupo Mercado Comum, serão submetidas aos procedimentos de solução estabelecidos no presente Protocolo.

176 Capítulo V, Artigo 25 do Protocolo de Brasília: O procedimento estabelecido no presente capítulo aplicar-se-á às reclamações efetuadas por particulares (pessoas físicas ou jurídicas) em razão da sanção ou aplicação, por qualquer dos Estados Partes, de medidas legais ou administrativas de efeito restritivo, discriminatórias ou de concorrência desleal, em violação do Tratado de Assunção, dos acordos celebrados no âmbito do mesmo, das decisões do Conselho do Mercado Comum ou das Resoluções do Grupo Mercado Comum.

177 Artigo 21 da Seção III, do Protocolo de Ouro Preto.

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96

reclamações no âmbito da Comissão de Comércio do MERCOSUL não obstará a

ação do Estado Parte que efetuou a reclamação ao amparo do Protocolo de Brasília

para Solução de Controvérsias.178

Dessa monta, a Comissão de Comércio Exterior atualmente exerce uma

função crucial quanto a solução de controvérsias no âmbito do MERCOSUL,

detalhada com maior precisão no decorrer do presente trabalho.

5.2.1.4 Da Comissão Parlamentar Conjunta

A Comissão Parlamentar Conjunta é o órgão representativo dos Parlamentos

dos Estados-partes no âmbito do MERCOSUL,179 sendo integrada por um número

igual de parlamentares representantes, os quais serão designados pelos

parlamentos nacionais dos respectivos países membros.

Esta Comissão procurará acelerar os procedimentos internos

correspondentes nos Estados-partes para a pronta entrada em vigor das normas

emanadas dos órgãos do MERCOSUL previstos no Artigo 2 deste Protocolo. Da

mesma forma, coadjuvará na harmonização de legislações, tal como requerido pelo

avanço do processo de integração. Quando necessário, o Conselho do Mercado

Comum solicitará à Comissão Parlamentar Conjunta o exame de temas prioritários,

possuindo ainda a função de encaminhar, por intermédio do Grupo Mercado

Comum, recomendações ao Conselho Mercado Comum.

5.2.1.5 Do Foro Consultivo Econômico-Social

O Foro Consultivo Econômico-Social é o órgão de representação dos setores

econômicos e sociais e será integrado por igual número de representantes de cada

Estados-partes180, tendo função consultiva e manifestando-se através de

Recomendações ao Grupo Mercado Comum.

Dessa forma, pode-se afirmar que o Foro é um órgão consultivo que

representa os setores da economia e da sociedade, o que o transforma em um

órgão importante, pois pode ser através dele que as partes interessadas na

178 Parágrafo Primeiro do Artigo 21 da Seção III, do Protocolo de Ouro Preto. 179 Artigo 22 da Seção IV, do Protocolo de Ouro Preto. 180 Artigo 28 da Seção V, do Protocolo de Ouro Preto.

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modificação e implementação do principio do acesso à justiça e na criação do

Tribunal Supranacional se manifestem.

5.2.1.6 Secretaria Administrativa do MERCOSUL

O MERCOSUL contará com uma Secretaria Administrativa como órgão de

apoio operacional. A Secretaria Administrativa do MERCOSUL será responsável

pela prestação de serviços aos demais órgãos do MERCOSUL, terá sede

permanente na cidade de Montevidéu,181 e terá função meramente administrativa,

como servir de arquivo oficial das documentações do bloco, publicar decisões,

organizar os aspectos logísticos das reuniões, etc.

O órgão estará a cargo de um diretor, que será o nacional de algum dos

Estados-partes, sendo eleito pelo Grupo Mercado Comum, de forma rotativa e com

mandato de 02 (dois) anos, vedada a reeleição.

Atualmente, a Secretaria está dividida em três setores, de acordo com a

Resolução GMC Nº 01/03 do Grupo Mercado Comum, quais sejam, o setor de

assessoria técnica, o setor de normativa e documentação e o setor de administração

e apoio.182

5.2.2 A evolução dos mecanismos de solução de controvérsias

No processo de integração, diante das complexidades da globalização, é

natural que ocorram conflitos entre os Estados-partes, bem como entre os

particulares, pois neste processo existe uma comunicação cultural, social e

econômica, o que faz surgir controvérsias no âmbito do bloco. Neste ponto, Regina

Maria Coelho Michelon183 afirma que:

O MERCOSUL tem um extenso caminho a trilhar antes que se estabeleça um quadro de segurança jurídica para o trato das questões dele decorrentes, garantindo institucionalmente soluções justas. Isso passa pela formação de Direito chamado Comunitário e

181 Artigo 31 da Seção VI, do Protocolo de Ouro Preto. 182 Anexo I da Resolução GMC Nº 01/03. 183 MICHELON, Regina Maria Coelho. Solução de controvérsias no âmbito do Mercosul:

alguns aspectos relevantes sobre matéria judiciária, mediação e arbitragem. In: CHIARELLI, Carlos Alberto Gomes (Coord.). Temas de integração com enfoques no Mercosul. V. 1. São Paulo: LTr, 1997. p.167.

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pela atualização do direito interno de cada País à nova realidade e às diretrizes do Mercado Comum, inclusive definindo lei aplicável e Justiça competente. Passa ainda pela formação da Corte de Justiça, adequada para tratar as questões relevantes ao Direito Comunitário. Esse quadro resulta a importância da prevenção do conflito, através de rodadas de negociação – acordos e contratos bem redigidos -, compromissos claros, definindo quem vai fazer o quê amanhã, o idioma, o lugar do cumprimento, o foro, os prazos.

Assim sendo, no contexto da formação das uniões aduaneiras, seus

fundadores perceberam a real necessidade de se estabelecer um sistema que fosse

capaz de satisfazer uma das necessidades essenciais para a continuação da

existência pacífica da própria "integração", isto é, um sistema de solução de

controvérsias de caráter inevitável, com a decorrente aplicação concreta das normas

e sanções cabíveis.184

Os meios efetivadores da solução de controvérsia, como não poderia deixar

de ser, dependem diretamente do grau de interesse e compromisso dos Estados-

partes e dos seus particulares em acatar as decisões das instituições competentes

para dirimir os conflitos, além da eficácia dos meios de execução do quanto

determinado.

O mecanismo de solução de controvérsias do MERCOSUL, passou por

quatro fases distintas até chegar a configuração atual: a) o anexo III do Tratado de

Assunção; b) o Protocolo de Brasília; c) o Protocolo de Ouro Preto; e d) o Protocolo

de Olivos.

5.2.2.1 Anexo III do Tratado de Assunção

Neste Tratado inicial, anexo III, constou o primeiro texto jurídico no qual se

disciplinou, mesmo que transitoriamente, um sistema de solução de controvérsias,

mas apenas previu quando esta se dava entre os Estados-partes, privilegiando as

negociações diretas entre eles como forma principal da superação dos conflitos.

Caso tal negociação não chegasse à pacificação, haveria a intervenção do

Grupo Mercado Comum, que apresentaria recomendações a serem adotadas. Não

184 BECHARA, Carlos Henrique Tranjam; REDENSCHI, Ronaldo. A solução de

controvérsias no Mercosul e na OMC: o litígio Brasil X Argentina no Mercosul, o caso Embraer na OMC – Brasil X Canadá. São Paulo: Aduaneiras, 2002. p.34.

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sendo essas aceitas, o Conselho do Mercado Comum tomaria as devidas

providências para que as mesmas fossem cumpridas.185

Observa-se que o mecanismo de solução de controvérsia trazido no Tratado

de Assunção era praticamente ilustrativo, não possuindo elementos concretos para a

pacificação no momento em que ocorresse algum conflito entre os Estados-Partes.

Frise-se que no referido Protocolo, os particulares não eram citados, ou seja, caso

existissem conflitos entre particulares, o MERCOSUL não possuía meios para a

resolução dos mesmos.

O artigo 3º do anexo III, estipulava a criação de um Sistema Permanente de

Solução de Controvérsia, até a data de 31 de dezembro de 1994, ou seja, da

primeira tentativa real de criação do MERCOSUL. Ocorre que, como houve o

aditamento do referido Protocolo antes da citada data, a temática sobre a solução de

controvérsias não evoluiu, até chegar ao Protocolo de Brasília, que foi a segunda

disposição que versou sobre o tema.

5.2.2.2 O Protocolo de Brasília

O Protocolo de Brasília fora criado especificamente acerca da solução de

controvérsias e editado diante da importância do bloco possuir um instrumento

eficaz para assegurar o cumprimento do quanto estabelecido no Tratado de

Assunção, uma vez que os países membros estavam convencidos que o novo

sistema contribuiria para o fortalecimento das relações entre os Estados com justiça

e equidade.186

185 Protocolo de Assunção: Anexo III, 1. As controvérsias que podem surgir entre os Estados

Partes como consequência da aplicação do Tratado serão resolvidas mediante negociações diretas. No caso de lograrem uma solução, os Estados Partes submeterão as controvérsias à consideração do Grupo Mercado Comum que, após avaliar a situação, formulará no lapso de sessenta (60) dias as recomendações pertinentes às partes para a solução do diferendo. Para tal fim, o Grupo Mercado Comum poderá estabelecer ou convocar painéis de especialistas ou grupos de peritos com o objetivo de contar com assessoramente técnico. Se no âmbito do Grupo Mercado Comum tampouco for alcançada a solução, a controvérsia será levada ao Conselho do Mercado Comum para que este adote as recomendações pertinentes. 2. Dentro do prazo de cento e vinte (120) dias a partir da entrada em vigor do Tratado, o Grupo Mercado Comum elevará aos Governos dos Estados Partes um proposta de Sistema de Solução de Controvérsias, que vigerá durante o período de transição. 3. Até 31 de dezembro de 1994, os Estados Partes adotarão um Sistema de Controvérsias para o Mercado Comum.

186 Preâmbulo do Protocolo de Brasília.

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100

Apesar da tentativa de se avançar na temática, o sistema de solução de

controvérsias trazido no Protocolo de Brasília, também tinha o caráter transitório e

com poucas alterações e aperfeiçoamentos sobre a temática.

Ao analisar o seu artigo primeiro187, já se pode observar que restringiu as

modalidades de conflitos, pois estipulou que a legislação só teria alcance nas

controvérsias sobre interpretação, aplicação ou o não cumprimento das disposições

contidas no Tratado de Assunção, dos acordos celebrados no âmbito do mesmo,

bem como das decisões do Conselho do Mercado Comum e das resoluções do

Grupo Mercado Comum, poderiam ser solucionadas pelo Protocolo, deixando de

prever uma gama de controvérsias, que surgem com a integração.

Além disso, no referido Protocolo foi mantida a forma de negociação direta

entre as partes e caso não houvesse consenso, existiria a intervenção do Grupo

Mercado Comum, que, ao final, formularia recomendações aos Estados-partes no

conflito.

Um dos avanços estabelecidos no Protocolo de Brasília, quando as partes

não se contentassem com as recomendações do Grupo Mercado Comum, foi o

acréscimo da forma arbitral, estando previsto ainda a criação de um Tribunal ad hoc,

que produziria um laudo inapelável, havendo um compromisso dos Estados-partes

de seguir de forma espontânea o quanto deliberado, pois não haveria a possibilidade

de cumprimento forçado do laudo.188

187 Protocolo de Brasília. 188 Protocolo de Brasília: Art. 3.1: Os Estados partes numa controvérsia informarão o Grupo

Mercado Comum, por intermédio da Secretaria Administrativa, sobre as gestões que se realizarem durante as negociações e os resultado das mesmas. 2. As negociações diretas não poderão, salvo acordo entre as partes, exceder o prazo um prazo de quinze (15) dias, a partir da data em que um do Estados Partes levantar a controvérsia. Artigo 4. 1. Se mediante negociações diretas não se alcançar um acordo ou se a controvérsia dor solucionada apenas parcialmente, qualquer dos Estados partes na controvérsia poderá submetê-la á consideração do Grupo Mercado Comum. 2. O Grupo Mercado Comum avaliará a situação, dando oportunidade às partes na controvérsia para que exponham suas respectivas posições e requerendo, quando considere necessário, o assessoramento de especialistas selecionados da lista referida no Artigo 30 do presente Protocolo. 3. As despesas relativas a esse assessoramento serão custeadas em montantes iguais pelos Estados partes na controvérsia ou na proporção que o Grupo Mercado Comum determinar. Artigo 5. Ao término deste procedimento o Grupo Mercado Comum formulará recomendações aos Estados partes na controvérsia, visando à solução do diferendo. Artigo 6. O procedimento descrito no presente capitulo não poderá estender-se por um prazo superior a trinta (30) dias, a partir da data em que dói submetida a controvérsia à consideração do Grupo Mercado Comum. Artigo 7. 1. Quando não tiver sido possível solucionar a controvérsia mediante a aplicação dos procedimentos referidos nos capítulos II e III, qualquer dos Estados partes na

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101

Outra alteração trazida pelo referido Protocolo foi a possibilidade de pessoas

físicas ou jurídicas poderem formular “em razão da sanção ou aplicação, por

qualquer dos Estados Partes, de medidas legais ou administrativas de efeito

restritivo, discriminatórias ou de concorrência desleal, em violação ao Tratado de

Assunção, dos acordos celebrados no âmbito do mesmo, das decisões do Conselho

do Mercado Comum ou das Resoluções do Grupo Mercado Comum”.189

Ocorre que, apesar de trazer a possibilidade dos particulares formularem

reclamações nos casos previstos no Protocolo em comento, não se estipulou qual o

procedimento a ser adotado, ficando o referido artigo em total falta de eficácia, frente

a impossibilidade aplicação nos casos concretos.

Assim, em que pese algumas alterações e evoluções no sistema de solução

de controvérsias, o MERCOSUL ainda possuía um arcabouço legislativo muito frágil

diante dos conflitos existentes, o que também motivou a edição do Protocolo de

Ouro Preto.

5.2.2.3 O Protocolo de Ouro Preto

Como o Protocolo de Brasília, o Protocolo de Ouro Preto trouxe pouca

mudança no Sistema de Controvérsia do MERCOSUL, apenas acrescentando

controvérsia poderá comunicar à Secretaria Administrativa sua intenção de recorrer ao procedimento arbitral que se estabelece no presente Protocolo. 2. A Secretaria Administrativa levará, de imediato, o comunicado ao conhecimento do outro ou dos outros Estados envolvidos na controvérsia e ao Grupo Mercado Comum e se encarregará da tramitação do procedimento. Artigo 8. Os Estados Partes declaram que reconhecem como obrigatória, ipso factoI e sem necessidade de acordo especial, a jurisdição do Tribunal Arbitral que em cada caso se constitua para conhecer e resolver todas as controvérsias a que se refere o presente Protocolo. Artigo 9. 1. O procedimento arbitral tramitará ante um Tribunal ad hoc composto de três (3) árbitros pertencentes à lista referida no Artigo 10. 2. Os árbitros serão designados da seguinte maneira: i) cada Estado Parte na controvérsia designará um (1) arbitro. O terceiro árbitro, que não poderá ser nacional dos Estados partes na controvérsia, será designado de comum acordo por eles e presidirá o Tribunal Arbitral. Os árbitros deverão ser nomeados no período de quinze (15) dias, a partir da data em que a Secretaria Administrativa tiver comunicado aos demais Estados partes na controvérsia a intenção de um deles de recorrer à arbitragem; ii) cada Estado parte na controvérsia nomeará, ainda, um árbitro suplente, que reúna os mesmos requisitos, para substituir o árbitro titular em caso de incapacidade ou excusa deste para formar o Tribunal Arbitral, seja no momento de sua instalação ou no curso do procedimento.

189 Protocolo de Brasília: Artigo 25.

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102

alguns tipos de conflitos que pudessem ser ocasionados nas matérias relativas à

Comissão de Comércio do MERCOSUL 190.

Assim, o Protocolo de Ouro Preto, criou um procedimento geral para propor

reclamações na Comissão de Comércio do MERCOSUL, naquelas matérias que

forem de competência deste órgão. O Estado-parte poderá reclamar perante à

presidência da Comissão e caso ela não adote uma decisão na reunião, esta

remeterá os antecedentes a um Comitê Técnico.191

O Comitê Técnico fará um parecer sobre a litigância e encaminha-lo-á para a

Comissão de Comércio, para que este decida a controvérsia. Se não for possível

estabelecer uma solução, a Comissão deve encaminhar as propostas, o parecer e

as conclusões ao Grupo Mercado Comum. Se não houver consenso novamente com

a decisão tomada, cabe às partes acionar o mecanismo arbitral previsto no

Protocolo de Brasília.

5.2.2.4 O Protocolo de Olivos

Atualmente o sistema de controvérsias do MERCOSUL é disciplinado pelo

Protocolo de Olivos, o qual não acarretou relevantes mudanças ao sistema

institucional do bloco. À semelhança do Protocolo de Brasília, o Protocolo de Olivos

190 Protocolo de Ouro Preto: Artigo 19: São funções e atribuições da Comissão de Comércio

do Mercosul: I) Velar pela aplicação dos instrumentos comuns de política comercial intra-Mercosul e com terceiros países, organismos internacionais e acordos de comércio; II) Considerar e pronunciar-se sobre as solicitações apresentadas pelos Estados Partes com respeito à aplicação e ao cumprimento da tarifa externa comum e dos demais instrumentos de política comercial comum; III) Acompanhar a aplicação dos instrumentos de política comercial comum nos Estados Partes; IV) Analisar a evolução dos instrumentos de política comercial comum para o funcionamento da união aduaneira e formular propostas a respeito do Grupo Mercado Comum; V) Tomar as decisões vinculadas à administração e à aplicação da tarifa externa comum e dos instrumentos de política comercial comum acordados pelos Estados Partes; VI) Informar ao Grupo Mercado Comum sobre à evolução e a aplicação dos instrumentos de política comercial comum, sobre o trâmite das solicitações recebidas e sobre as decisões adotadas a respeito delas; VII) Propor ao Grupo Mercado Comum novas normas ou modificações às normas existentes referentes à matéria comercial e aduaneira do Mercosul; VIII) Propor a revisão de alíquotas tarifárias de itens específicos da tarifa externa comum, inclusive para contemplar casos referentes a novas atividades produtivas no âmbito do Mercosul; IX) Estabelecer os comitês técnicos necessários ao adequado cumprimento de suas funções, bem como dirigir e supervisionar as atividades dos mesmos; X) Desempenhar as tarefas vinculadas à política comercial comum que lhe solicite o Grupo Mercado Comum; XI) Adotar o Regimento Interno, que submeterá ao Grupo Mercado Comum para sua homologação.

191 Artigo 2º, do Anexo do Protocolo de Ouro Preto.

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103

foi aprovado em caráter transitório, sendo que, a partir da sua entrada em vigor

foram derrogados o Protocolo de Brasília e seu regulamento.192

Em aspectos gerais, foi decretada a permanência do caráter diplomático e a

arbitragem como meios principais de solução de controvérsias, demonstrando o

evidente caráter não judicial de seu procedimento. Paralelamente, seu âmbito de

aplicação fica atrelado às controvérsias existentes entre os Estados-Partes relativas

à interpretação, a aplicação ou o não cumprimento do Tratado de Assunção, do

Protocolo de Ouro Preto, dos protocolos e acordos celebrados no âmbito do Tratado

de Assunção, das Decisões do Conselho do Mercado Comum, das Resoluções do

Grupo Mercado Comum e das Diretrizes da Comissão de Comércio do

MERCOSUL.193

Para tanto, o sistema prevê as seguintes fases: (a) negociações diretas entre

os Estados Partes; (b) intervenção do Grupo Mercado Comum, não obrigatória e

dependente da solicitação de um Estado-parte; (c) arbitragem ad hoc, por três

árbitros; (d) recurso, não obrigatório, perante um Tribunal Permanente de Revisão;

(e) recurso de esclarecimento, visando a elucidar eventual ponto obscuro do laudo;

(f) cumprimento do laudo pelo Estado obrigado; (g) revisão do cumprimento, a

pedido do Estado beneficiado; (h) adoção de medidas compensatórias pelo Estado

beneficiado, em caso de não-cumprimento do laudo; (i) recurso, pelo Estado

obrigado, das medidas compensatórias aplicadas.

Observa-se que a inspiração para este procedimento foi claramente o

Entendimento sobre Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio

(ESC/ OMC). Da mesma forma, o Protocolo de Olivos também estabeleceu prazos

estritos para cada uma dessas fases, em sua maioria inferior a um mês, os quais

são peremptórios, e devem ser contados a partir do dia seguinte ao ato a que

referem, a não ser que haja outra determinação do tribunal respectivo.194

192 Protocolo de Olivos: Artigo 55.1 O presente Protocolo derroga, a partir de sua entrada em

vigência, o Protocolo de Brasília para a Solução de Controvérsias, adotado em 17 de dezembro de 1991 e o Regulamento do Protocolo de Brasília, aprovado pela Decisão CMC 17/98.

193 Artigo 1.1 As controvérsias que surjam entre os Estados Partes sobre a interpretação, a aplicação e o não cumprimento do Tratado de Assunção, do Protocolo de Ouro Preto, dos protocolos e acordos celebrados no marco do Tratado de Assunção, das Decisões do Conselho do Mercado Comum, das Resoluções do Grupo Mercado Comum e das Diretrizes da Comissão de Comércio do MERCOSUL serão submetidas aos procedimentos estabelecidos no presente Protocolo.

194 Artigo 11 do Protocolo de Olivos.

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104

Uma das inovações trazidas pelo Protocolo de Olivos foi a criação de um

Tribunal Permanente de Revisão, o qual possui competência para confirmar,

modificar ou revogar os fundamentos jurídicos e as decisões emanadas pelo

Tribunal Arbitral ad hoc.195

Assim, a criação do TPR foi a grande inovação trazida pelo Protocolo de

Olivos, quando comparado com o procedimento adotado pelo Protocolo de Brasília.

Esta inovação pretende claramente obter maior coerência entre as decisões

adotadas pelos tribunais ad hoc, que já deram interpretações divergentes nos casos

que até agora lhes foram submetidos. Da mesma forma, se afirma que a decisão do

TPR terá efeito de coisa julgada "com relação às partes".196

Além da criação do TPR, o Protocolo de Olivos trouxe também alguns

esclarecimentos quanto a questões procedimentais. Neste sentido, exige-se agora

que o objeto da controvérsia seja determinado pela reclamação e resposta

apresentadas perante o tribunal ad hoc; mais ainda, exige-se que os argumentos

tenham sido considerados nas etapas prévias.197

Em termos de princípios processuais, aplicáveis ao procedimento, o Protocolo

de Olivos adotou os princípios típicos da arbitragem. Desta forma, encontra-se no

Protocolo uma "cláusula compromissória geral", eliminando a necessidade de

compromisso futuro para que se reconheça a jurisdição dos tribunais ad hoc e do

TPR.198

Da mesma forma, determina-se a confidencialidade do procedimento e dos

documentos, com exceção dos laudos arbitrais199. À confidencialidade se agrega a

autonomia dos árbitros, que deliberarão também de forma sigilosa, sem fundamentar

dissidência200, agindo com imparcialidade e independência, mas garantindo às

partes a oportunidade de serem ouvidas e apresentarem seus argumentos, no que

se pode identificar o princípio do devido processo legal.

Outro princípio expressamente anotado no Protocolo de Olivos é o da

proporcionalidade da medida compensatória. Assim, em caso de descumprimento

total ou parcial do laudo, o Estado obrigado poderá sofrer medidas retaliatórias

195 Protocolo de Olivos: Artigo 22.1: O Tribunal Permanente de Revisão poderá confirmar,

modificar ou revogar a fundamentação jurídica e as decisões do Tribunal Arbitral Ad Hoc. 196 Artigo 23.2 do Protocolo de Olivos. 197 Artigo 14 do Protocolo de Olivos. 198 Artigo 33 do Protocolo de Olivos. 199 Artigo 46 do Protocolo de Olivos. 200 Artigo 25 do Protocolo de Olivos.

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105

temporárias, que visam forçá-lo ao cumprimento do mesmo. Exige-se, entretanto,

que tais medidas sejam proporcionais às consequências do não-cumprimento do

laudo, e preferencialmente no mesmo setor industrial afetado.201

No que tange à participação dos particulares, o supracitado protocolo estipula

apenas as relações entre Estados-partes, sendo quase inexistente a possibilidade

de acesso direto dos cidadãos, sejam elas pessoas físicas ou jurídicas. Isto se

verifica pelo seu artigo 40, o qual dispõe que os particulares afetados formalizarão

suas reclamações perante a Seção Nacional do Grupo Mercado Comum do Estado-

parte onde tenham sua residência habitual ou a sede de seus negócios, incumbindo-

lhes o ônus de provar a veracidade da violação e a existência ou ameaça de

prejuízo para que a reclamação seja admitida pela Seção Nacional.202

Assim, resta comprovado o quão atrasado está o sistema de solução de

controvérsias no âmbito de MERCOSUL, sendo este ainda incipiente frente a outros

sistemas comunitários, como a União Européia, onde já existem, além do Direito

Comunitário, órgãos e mecanismos judiciais para a pacificação social frente a

conflitos entre os cidadãos localizados em Estados Partes distintos.

O Protocolo de Olivos não trouxe grandes novidades em relação ao acesso

dos particulares ao sistema de solução de controvérsias, pois, como no

procedimento anterior, não podem ter acesso direto, eis que não são sujeitos de

Direito Internacional.

Com o aperfeiçoamento do sistema de solução de controvérsias espera-se

um maior desenvolvimento da sua integração. A criação de procedimentos e regras

mais claras contribuirá para o sucesso do sistema e na convergência dos interesses

dos Estados-partes.

Por fim, imperioso ressaltar que o MERCOSUL ainda não conta com um

verdadeiro Tribunal de natureza permanente, mas apenas com um Tribunal de

Revisão, que poderá ser acionado apenas pelos Estados-partes, nas hipóteses

previstas na legislação competente.

201 Artigos 31 e 32 do Protocolo de Olivos. 202 Protocolo de Olivos, artigo 40: 1. Os particulares afetados formalizarão as reclamações

ante a Seção Nacional do Grupo Mercado Comum do Estado Parte onde tenham sua residência habitual ou a sede de seus negócios; 2. Os particulares deverão fornecer elementos que permitam determinar a veracidade da violação e a existência ou ameaça de um prejuízo, para que a sua reclamação seja admitida pela Seção Nacional e para que seja avaliada pelo Grupo Mercado Comum e pelo grupo de especialistas, se for convocado.

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106

5.3 CRÍTICAS ÀS BARREIRAS AO PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA NO

MERCOSUL NO SEU ATUAL SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIA

O atual sistema de solução de controvérsia mercosulino reflete o acanhado

estágio em que se encontra este processo, pois o protocolo de Olivos manteve,

basicamente, as características tradicionais da sistemática de soluções de

controvérsias no âmbito do MERCOSUL.

Em relação ao princípio do acesso à justiça, a legislação do MERCOSUL cria

uma série de obstáculos às demandas dos particulares, sendo que as barreiras mais

evidentes são as da necessidade do Estado Parte assumir a demanda do particular

para que ela possa chegar ao seu estágio final; o custo do processo de escolha de

especialista e de arbitragem, que devem ser assumidos, total ou parcialmente, pelos

particulares e a falta de conhecimento das regras do MERCOSUL e do sistema de

solução de controvérsias.

Pode-se aventar a possibilidade de que a necessidade de prova pré-

constituída dos particulares, também ofende o princípio do acesso à justiça, pois a

sua legitimidade ativa tem como requisito essencial a prova do prejuízo e o nexo de

causalidade entre o ato ilícito e o dano. A simples violação do direito não ensejaria a

possibilidade do particular demandar na busca da proteção dos seus direitos.

Porém, existem outros aspectos que mitigam o princípio do acesso à justiça,

como o não cabimento de recurso do Grupo Mercado Comum, que negue o

recebimento da reclamação, conforme aduz a parte 3ª do art. 17 do Protocolo de

Olivos203, além de que o único requisito para a tal decisão é o consenso, não

necessitando que a mesma seja fundamentada, conforme a parte 1ª do art. 42204.

Até mesmo em caso de procedência da sua reclamação, o particular se vê

tolhido do princípio do acesso à justiça quanto à efetividade das decisões, visto que,

ainda depende do Estado-membro para fazer valer o seu direito, não possuindo

203 Protocolo de Olivos: Artigo 17. 3: Os laudos dos Tribunais Ad hoc emitidos com base nos

princípios ex aequo et bono não serão suscetíveis de recursos. 204 Protocolo de Olivos: Artigo 40.1: Recebida a reclamação, o Grupo Mercado Comum

avaliará os requisitos estabelecidos no artigo 40.2, sobre os quais se baseou sua admissão pela Seção nacional, na primeira reunião subsequente ao seu recebimento. Se concluir que não esta reunidos os requisitos necessários para dar-lhe curso, rejeitará a reclamação sem mais trâmite, devendo pronunciar-se por consenso.

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107

mecanismos para que o próprio execute o quanto decidido, consoante a alínea 1, da

parte 1ª do art. 44.205

Assim, os particulares que se tiverem direitos violados, deverão formalizar as

reclamações na Seção Nacional do Grupo Mercado Comum do Estado Parte onde

tenha sua residência habitual ou a sede dos seus negócios. Dessa forma, nos

moldes das normas em vigor, o particular não pode demandar por si só, devendo,

obrigatoriamente ser substituído pelo Estado Parte, o qual assume a demanda.

Uma vez acolhida a pretensão pela Seção Nacional, começa o procedimento

de consulta à Seção Nacional do GMC do Estado reclamado para que se encontre,

no prazo de quinze dias, uma solução diplomática para o litígio, conforme

estabelecido no artigo 41. Na impossibilidade de se encontrar uma solução

diplomática, dá-se início à fase política do procedimento com envio da reclamação

para o Grupo Mercado Comum.

O início da fase política marca também o fim da participação direta do

particular no procedimento, que, a partir desse momento, poderá apenas desistir da

reclamação. O prosseguimento da reclamação dependerá, portanto, da vontade

política do Estado-parte e os procedimentos seguem aqueles previstos para

reclamações feitas pelos Estados, inclusive no que diz respeito aos procedimentos

jurisdicionais.

Tal ato já fere por demais o principio do acesso à justiça, uma vez que o

próprio ofendido não pode defender os seus direitos de maneira direta. Outro ponto

a se destacar é que essa substituição pode ser demasiadamente prejudicial ao

particular, no caso do mesmo fazer oposição ao governo que está no exercício do

poder naquele país.

Neste mesmo sentido, Luiz Fernando Franceschin Rosa206 afirma que “os

problemas decorrentes dessa solução são de três ordens: a) o estágio atual do

MERCOSUL faz com que a manutenção do arranjo de interesses políticos entre os

Estados prepondere sobre a busca da efetivação do direito comunitário; b) um

Estado dificilmente se disporia a acusar outro Estado membro de descumprimento

205 Protocolo de Olivos: Artigo 44.1.i: Se, em parecer unânime, se verificar a procedência da

reclamação formulado contra um Estado Parte, qualquer outro Estado Parte poderá requerer-lhe a adoção de medidas corretivas ou a anulação das medidas questionadas. Se o requerimento não prosperar num prazo de quinze (15) dias, o Estado Parte que o efetuou poderá recorrer diretamente ao procedimento arbitral, nas condições estabelecidas no Capitulo VI do presente Protocolo.

206 MERCOSUL e função judicial: realidade e superação. São Paulo: LTR, 1997. p 139-140.

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108

do contido no direito comunitário quando ele mesmo descumpre outros dispositivos;

e c) as violações que atingem os particulares, em maior número, são justamente

aquelas praticadas pelo Estado do qual se é nacional, para o qual não há remédio”.

Destaca-se ainda como um óbice ao princípio do acesso á justiça os elevados

custos para todo o trâmite, que deve ser assumido, total ou parcialmente e pelo

particular. Assim, caso o particular seja hipossuficiente economicamente não terá

condições de demandar contra qualquer parte, haja vista que terá que arcar com os

custos de uma possível demanda, seja com os especialistas, os árbitros ou com o

trâmite para a solução da controvérsia.

No particular, Cappelletti afirma que a capacidade econômica das pessoas

nunca pode ser um empecilho para o exercício dos seus direitos, o que nos atuais

moldes do sistema de controvérsias do MERCOSUL é insuperável.

Para tentar solucionar este óbice, os países do bloco estão em discussão

sobre a possibilidade de se criar uma assistência judiciária gratuita para o bloco,

tema que esta em constante debate nas conferências mercosulinas.

Outrossim, é de se frisar que o modelo de assistência judiciária gratuita no

MERCOSUL já existe, porém para os particulares que venham a litigar perante o

Poder Judiciário dos Estados-membros, sendo que o nacional, cidadão ou residente

habitual, gozará, em igualdade de condições dos benefícios da assistência judiciária

gratuita, concedida aos cidadãos dos Estados-partes do bloco.207

Dessa forma, em que pese não ser a forma de assistência judiciária gratuita

aqui defendida, uma vez que se opera apenas a nível nacional dos Estados-partes e

não a nível supranacional, já se pode vislumbrar um embrião para que futuramente

se possa efetivar tal garantia, dando maior ampliação ao princípio do acesso à

justiça no bloco do cone sul.

A falta de educação, no sentido do conhecimento dos particulares dos seus

direitos, bem como a falta de um sistema definido de solução de controvérsia, são

grandes obstáculos para a efetivação do princípio do acesso à justiça.

O problema do acesso à justiça começa no plano educacional. Este é o ponto

de partida. Pode-se dizer que o acesso à justiça começa a partir da possibilidade de

conhecer os seus direitos, bem como de se saber como poderá defendê-los no caso

207 Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={1D6DEC8B-0C4F-4504-8FF4-

B720FBCF8FE3}&BrowserType=IE&LangID=pt-br&params=itemID%3D{5A367991-0AF-40FB-95FE-8A80FAB123C7}%3B&UIPartUID={2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4CB26}>. Acesso em: 28 set. 2013.

Page 110: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

109

de uma violação por outrem, na medida em que o conhecimento dos direitos, em

larga medida, passa inicialmente pela informação.208

No que tange à apresentação de prova pré-constituída obrigatória para a

aceitação e continuidade da reclamação perante a seção do órgão, esta também

pode ser considerada como um óbice ao princípio do acesso à justiça, pois não

adiantaria o efetivo dano, sendo necessária a apresentação imediata das provas, as

quais nem sempre são possíveis de se obter de logo, dependendo de maior dilação

probatória, o que geraria uma situação de injustiça em caso de impossibilidade da

prova pré-constituída, afetando frontalmente o princípio em comento.

A inexistência de recurso no caso de não aceitação da reclamação realizada

pelo particular fere o princípio do acesso à justiça no que se refere à impossibilidade

do duplo grau de jurisdição, haja vista que este é outro princípio constitucional e,

apesar de ser criticado sob o viés da celeridade processual, é um escudo contra o

arbítrio do julgador a quo.

Não se está defendendo um mecanismo com recursos sem fim, um sistema

que prolonga por demais a decisão final da demanda, o que, outrossim, feriria o

princípio do acesso à justiça, mas sim um ordenamento que permita que as decisões

possam ser revisadas por um órgão superior, os juízes são passiveis de erro, com

ou sem dolo, e portanto, à parte prejudicada deve ser garantida a possibilidade de

uma revisão em instância superior.

Se assim não for, cria-se um sistema de justiça tendencialmente autoritário,

porque os juízes, por saberem que suas decisões são irrecorríveis, tendem a proferir

decisões abusivas.

Além disso, a desnecessidade de fundamentação da referida decisão,

precisando apenas que a mesma fosse tomada de forma consensual entre os

membros do Grupo Mercado Comum, afronta o acesso à justiça quando relacionado

ao princípio da fundamentação das decisões.

De fato considerar uma decisão sem fundamentação é o mesmo que impor a

sua vontade a terceiro, sem que o mesmo saiba quais os motivos que levaram a

“solução” do seu litígio.

Assim, para que haja uma conformação das partes é de suma importância

que o órgão julgador realize uma análise pormenorizada de todos os elementos

208 CARNEIRO, Paulo Cézar Pinheiro. Acesso à Justiça: juizados especiais cíveis e ação

civil pública. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 57-58.

Page 111: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

110

constantes no litígio, para que, dessa maneira, possa externar uma conclusão justa

e que possua o condão de pacificar o conflito em exame.

Diante do exposto, de todas as barreiras existentes na legislação do

MERCOSUL no que concerne ao princípio do acesso à justiça, acredita-se que seja

necessário um grande avanço do bloco no sentido de se tornar realmente uma

entidade de Direito Comunitário, com a criação de órgãos jurisdicionais e

parlamentares de cunho supranacional.

5.4 A CRIAÇÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA SUPRANACIONAL NO MERCOSUL

Desde a criação do MERCOSUL, a formatação da sua estrutura, seja ela de

entidade interestatal ou supranacional, vem sendo alvo de intermináveis discussões

e críticas, principalmente pelos adeptos do modelo supranacional nas instituições

mercosulinas.

Vem-se adotando um modelo acanhado e de criação bastante cadenciada no

que tange a elevação do MERCOSUL a uma comunidade supranacional, tendo sido

adotados os princípios do pragmatismo, do realismo e do gradualismo como

corolários básicos para tal fim.

Há vários motivos para isto, podendo-se destacar as assimetrias existentes

entre os Estados-partes (pois há inegáveis diferenças de ritmos e de graus de

abertura comercial), as divergências de política interna, a agilidade de que o modelo

intergovernamental pode proporcionar, não se desprezando que, em um momento

posterior, com a convergência estabelecida em um patamar satisfatório, possa haver

adoção do supranacionalismo.209

Como é de se esperar, tais motivos para frear a “evolução” do MERCOSUL

sofrem diversas críticas, sendo refutados os argumentos contrários a fixação do

bloco do cone sul como uma entidade supranacional.

Com respeito às assimetrias, lembram que apenas a intervenção de um órgão

central poderia corrigi-las, órgão este que exerça certo poder derivado de parcelas

de soberania transferidas pelos Estados-partes.210

209 BAHIA, Saulo José Casali. Integração Latino-Americana. Revista do CEPEJ – Centro

de Estudos e Pesquisas Jurídicas, Salvador, n. 8, p. 140, jul.-dez. 2007. 210 BAHIA, Saulo José Casali. Integração Latino-Americana. Revista do CEPEJ – Centro

de Estudos e Pesquisas Jurídicas, Salvador, n. 8, p. 140, jul.-dez. 2007.

Page 112: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

111

As divergências de política interna, na medida em que não sejam unificados

os órgãos detentores do poder político, viria causando uma verdadeira paralisia no

processo de convergência necessário, o que tiraria qualquer pretensão de agilidade

e de sucesso no processo integrativo. O modelo interestatal, assim, apenas estaria a

promover um absoluto impasse ao processo de criação do Mercado Comum.211

Diversos motivos foram elencados como resistência à criação de um Tribunal

de Justiça supranacional. Em primeiro lugar, porque a inexistência de litígios

reforçava a posição dos que viam, num eventual sistema permanente, um dispêndio

desnecessário de recursos de países em desenvolvimento.

Esse argumento é descabido, pois a existência de conflitos é natural da vida

em sociedade, ainda mais com a diversidade de pessoas, culturas e interesses que

surgiram no âmbito do MERCOSUL. A quantidade diminuta de conflitos levados aos

órgãos até aqui componentes do sistema de solução de controvérsia se dá

primordialmente no tocante ao alto custo do processo, pois estes devem ser arcados

diretamente pelas partes envolvidas, sendo um verdadeiro entrave ao princípio do

acesso à justiça.

A criação do Tribunal de Justiça no MERCOSUL seria uma solução para

tanto, uma vez que os seus custos seriam rateados por todos os países membros e

não somente pelos Estados que estariam em litígio.

Um segundo argumento levantado por negociadores brasileiros, como

ministros do STF, é a constitucionalidade do Tribunal Supranacional, pois a

Constituição brasileira, em seu art. 5º, inc. XXXV, expressa que "[...] a lei não

excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito" e, no seu art.

92, enumera os órgãos que compõem o Poder Judiciário e neste não elenca

qualquer órgão de natureza supranacional.

Dessa forma, para haver a possibilidade da criação do Tribunal, existiria a

necessidade de o texto constitucional brasileiro prever expressamente a existência

de um órgão judicial supranacional com o predomínio sobre a estrutura do Poder

Judiciário dos Estados-partes do MERCOSUL, conforme lições de Luiz Olavo

Baptista212.

211 BAHIA, Saulo José Casali. Integração Latino-Americana. Revista do CEPEJ – Centro

de Estudos e Pesquisas Jurídicas, Salvador, n. 8, p. 140, jul.-dez. 2007. 212 ACCIOLY, Elizabeth. Mercosul & União Européia: estrutura jurídico-institucional. 3.ed.

Curitiba: Juruá, 2003. p. 169.

Page 113: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

112

Para a ex-ministra do STF, Elen Gracie Northfleet, citada por Accioly213, os

arts. 5º, inc. XXXV, e 92 da Constituição brasileira não configuram impedimento à

criação e regular funcionamento de um tribunal supranacional, verbis:

Em primeiro lugar porque, a alguns desses organismos já existentes o Brasil somente empresta reconhecimento, como também concorre ativamente para a sua formação, como é o caso do Tribunal Internacional de Haia, de cuja composição participa o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Francisco Rezek, e o Tribunal dos Direitos Humanos da Costa Rica, onde tem assento o prof. Cançado Trindade, da UnB. Em segundo lugar, porque a existência dessas cortes não afasta nem impede o acesso aos tribunais nacionais. E, por último, porque a existência de um tribunal supranacional não implica qualquer tipo de subordinação da estrutura judiciária nacional. Aos juízes nacionais [assim é no sistema da Comunidade Européia, exemplo bem-sucedido que deverá servir-nos de modelo] compete a aplicação do direito derivado dos tratados, sendo-lhes facultada a consulta, sob a forma de reenvio, ao órgão comunitário, que tenha por missão a interpretação do Tratado, com visão mais ampla e desligada de vises nacionais, de modo a garantir que se atinja o objetivo inscrito entre os princípios fundamentais da Constituição Federal: "A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.

Dessa forma, se demonstra que os argumentos utilizados pelos defensores

da inconstitucionalidade do Tribunal Supranacional se encontram muito mais ligados

ao receio de perda de poder, do que propriamente uma vedação constitucional

acerca do assunto.

Em terceiro lugar, utiliza-se o argumento de que pelas soluções exitosas

alcançadas mediante negociações entre as partes, o caráter flexível do sistema seria

fundamental, pois em momentos de crise, permitiria alternativas menos formais para

as negociações.

A suposta vantagem do caráter flexível do sistema, e sua capacidade de

resolver controvérsias com menores sequelas, também pode ser questionada. Por

vezes, compromissos acordados fugiram à previsão jurídica, e serviram apenas

como solução provisória para contendas intermináveis. Exemplos neste sentido

podem ser encontrados nos setores automotivo e açucareiro, que constituem

213 ACCIOLY, Elizabeth. Mercosul & União Européia: estrutura jurídico-institucional. 3.ed.

Curitiba: Juruá, 2003. p. 168.

Page 114: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

113

exceção nas regras liberalizantes do MERCOSUL, e são objeto de permanente

negociação entre Argentina e Brasil.

Nesse sentido, Saulo José Casali Bahia214 afirma:

[…] somente no momento em que o descompromisso face a deveres assumidos causar prejuízos de monta expressiva para um dos Estados Partes, e este não preferir abrir mão de seus compromissos, destroçando o acordo de Assunção ou gestionar no sentido de alterar os objetivos do Tratado, compondo um novo cronograma e redefinindo metas a serem alcançadas, estar-se-ia diante do inarredável interesse na criação de órgãos supranacionais, capazes de vencer falhas (como descorrespondência entre a vontade executiva e a vontade legislativa ou judiciária de outro Estado) e hesitação (como omissões face a medidas indispensáveis à implementação de metas do mercado comum).

Assim, sem que se prefira atenuar a soberania a desfazer ou a postergar as

metas do tratado de integração, a supranacionalidade não será implementada.215

Em vista disso, entende-se que a existência de um Tribunal de Justiça

supranacional, ao revestir de legitimidade os processos decisórios mercosulinos, é

fundamental para o surgimento de uma cidadania em sua concepção comunitária.

Nessa esteira, é imperiosa a implementação de meios que garantam maior

participação popular relativamente aos assuntos de integração, de forma a permitir

que o exercício da cidadania nesse espaço comum dê-se de forma paralela e

complementar àquela ainda pouco expressiva existente no âmbito interno dos

Estados-partes do bloco216.

No caso do MERCOSUL, os cidadãos e as empresas devem poder contar

com a efetiva aplicação das normas emanadas dos Órgãos dotados de capacidade

decisória, já que está em causa a segurança jurídica, a credibilidade da integração e

a confiança no conjunto do processo do MERCOSUL.

214 BAHIA, Saulo José Casali . A criação do Tribunal de Justiça do MERCOSUL. Revista da

AMAB, Salvador, p. 21-35, 1999. 215 BAHIA, Saulo José Casali . A criação do Tribunal de Justiça do MERCOSUL. Revista da

AMAB, Salvador, p. 21-35, 1999. 216 SALDANHA, Jânia Maria Lopes; RATKIEWICZ, Ana Carolina Machado. O Acesso à

Justiça no Mercosul: a criação de um tribunal supranacional como condição de possibilidade para o exercício da cidadania no bloco. Disponível em: <http://www.ufsm.br/mila/publicacoes/reppilla/edicao02-2005/2005 - artigo 4.pdf>. Acesso em: 07 jan. 2013.

Page 115: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

114

Há que se lembrar que os processos de integração econômica constituem um

fator de reordenamento e de estabilização do mundo moderno, reclamando, o maior

empenho e o maior cuidado na sua consolidação e no seu aperfeiçoamento.

Cumpre ressaltar a relevância que o Tribunal de Justiça teve para a

consolidação da Comunidade Europeia. Recorda-se, sempre, o papel estabilizador

dado por um tribunal permanente: criar harmonização interpretativa, assegurar o

efeito direto das normas no plano interno, garantir vinculação mais efetiva dos

Estados ao processo de integração, etc.

Concentrando no sistema de solução de controvérsias do MERCOSUL, se faz

necessário um avanço na legislação, com a criação de um Parlamento para que se

possa legislar no âmbito da comunidade e, consequentemente dar publicidade e

conhecimento das normas mercosulinas aos cidadãos, bem como de um órgão

jurisdicional para que o mesmo possa resolver os litígios e unificar a jurisprudência

dentro do bloco, alcançando-se assim, a melhoria de vida dos particulares e a

pacificação social entre eles.

Igualmente a própria elevação do MERCOSUL a uma comunidade

internacional, a estrutura necessária para as soluções de controvérsias foram alvo

de inúmeros debates. Inicialmente, como previsto no preâmbulo do Tratado de

Assunção, quando da efetivação em 1994, o MERCOSUL passaria a possuir um

sistema permanente de soluções de conflitos, o que até a presente data não se

efetivou.

As limitações da via intergovernamental, a lição de outros processos de

integração e a realidade de que se está a promover uma convergência e a realidade

de que se está a promover uma convergência para uma convivência fazem ver que

a via diplomática dificilmente poderá fomentar a evolução do processo de integração

do MERCOSUL sem o recurso a meios jurisdicionais eficientes para a solução de

litígios. A institucionalização desses meios é adivinhada por quem quer que se

proponha a imaginar os rumos do bloco sulamericano.217

Forma-se, como muitos apontam, cada dia mais um contencioso dissimulado,

pois o incremento das trocas comerciais e da circulação de pessoas, progressos que

de alguma forma vem ocorrendo, gera toda uma sorte de litígios que não encontram

nas instituições existentes um ambiente propício para a solução rápida e segura,

217 BAHIA, Saulo José Casali. Integração Latino-Americana. Revista do CEPEJ – Centro

de Estudos e Pesquisas Jurídicas, Salvador, n. 8, p. 146, jul.-dez. 2007.

Page 116: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

115

com livre a fácil acesso aos particulares interessados. As soluções, muitas vezes,

dependem como que da boa vontade e da proteção diplomática do Estado-parte.218

A via arbitral possui procedimento falho e a escassez de sua utilização remete

sempre à difundida preocupação no sentido da sua efetiva utilidade como meio

solucionador de conflitos. Muitos vêem na não utilização da via arbitral a mais cabal

confirmação de que o intergovernamentalismo deve ser suplantado pelo

supranacionalismo, no interesse da solução dos conflitos que por certo existem.219

Não se propõe aqui o abandono completo da forma de solução de

controvérsias que atualmente está previsto no Protocolo de Olivos, muito porque

acreditamos que a solução arbitral é de suma importância, pois quando se chega a

uma decisão através deste meio, as partes se mostram em elevado grau de

maturidade e consciência, porém não pode ser o único mecanismo, sendo primordial

a criação de entidades jurisdicionais para que se possa avançar, tanto como

comunidade internacional, como em relação a cidadania dos povos.

Neste esteio intelectivo, se consolidado o processo de integração regional, o

que parece inevitável, a solução arbitral apresentará limitações para resolver

conflitos mais complexos, e que estejam relacionados com os interesses dos

particulares ou com a aplicação uniforme das regras jurídicas criadas pelo

MERCOSUL.

No primeiro caso, um tribunal que permita o acesso dos particulares afetados

por medidas protecionistas de outro Estado-parte garante maior continuidade à

liberalização do comércio regional. Na estrutura atual do MERCOSUL, estas

reclamações seguem a via clássica da proteção diplomática, e dependem da

atuação discricionária do Estado do qual o particular é nacional.

A experiência de outros processos de integração demonstra que os

particulares podem ter participação ativa na liberalização do comércio regional, por

meio de reclamações na defesa de seus interesses. Um exemplo interessante neste

sentido é o do NAFTA, cujo Capítulo 19 permite a reclamação direta dos

218 BAHIA, Saulo José Casali. Integração Latino-Americana. Revista do CEPEJ – Centro

de Estudos e Pesquisas Jurídicas, Salvador, n. 8, p. 140, jul.-dez. 2007. 219 BAHIA, Saulo José Casali . A criação do Tribunal de Justiça do MERCOSUL. Revista da

AMAB, Salvador, p. 21-35, 1999.

Page 117: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

116

particulares, o que assegurou a redução das medidas de defesa comercial no âmbito

daquele bloco.220

A segunda vantagem de um tribunal supranacional se refere à aplicação

harmônica das normas de integração regional. No caso europeu, isto é possível pela

jurisprudência do Tribunal de Justiça, e pelo recurso de prejudicialidade, que permite

que a interpretação alcance os litígios em curso perante juízes nacionais.

Na falta de um tribunal permanente, a prática de tribunais ad hoc permite o

risco de interpretações divergentes da norma regional. Da mesma forma, as normas

que tenham aplicação no plano interno podem ser interpretadas diferentemente

pelas autoridades administrativas e judiciárias dos Estados-partes.

Em síntese: o MERCOSUL deve dispor de uma instituição jurisdicional

supranacional com o seu mecanismo processual próprio, e ao mesmo tempo

reforçar os laços de cooperação judiciária, por forma de assegurar a unidade do

sistema jurisdicional do bloco.

220 Neste sentido, já se demonstrou como a grande maioria das reclamações no Capítulo 19

do NAFTA (88,7%) provieram de reclamações de particulares. Cf. BARRAL, Welber. Solução de controvérsias no NAFTA. 1998. In: MERCADANTE, Araminta; MAGALHÃES, José Carlos de. Solução e prevenção de litígios internacionais. São Paulo: Necin/Capes, [s.d.]. p. 241-264.

Page 118: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

117

6 CONCLUSÃO

É incontestável que após a Segunda Grande Guerra Mundial a aproximação

entre os diversos Estados se aprofundou. Esta proximidade levou os Estados a uma

maior integração, visando uma maior adequação ao enfrentamento dos diversos

problemas do cotidiano, em especial, o econômico. Nesse sentido, novas formas de

adaptação foram observadas, dentre elas, a formação de grupos econômicos.

Para tanto, surge, gradativamente, atendendo às necessidades emergentes

de formação dos blocos econômicos, a partir da metade do século XX, um novo

perfil de direito, que foge às perspectivas do direito internacional público. Esse novo

direito, denominado direito comunitário, visa suprir as exigências de uma nova

ordem mundial, que em um primeiro momento dá-se no plano político e econômico.

Em razão dessa nova perspectiva, os Estados, transpondo o paradigma do

estado moderno, tiveram que se adaptar às peculiaridades contemporâneas e à

influência da globalização econômica. Portanto, o conceito de soberania teve que

ser flexibilizado para abarcar a nova ordem de aproximação entre os Estados.

Ocorre que, mesmo neste contexto de mudanças, os direitos fundamentais do

homem devem ser preservados, sob pena de se retroceder em aspectos

fundamentais para a evolução da humanidade. Dentre eles, o princípio do acesso à

justiça, por ser corolário básico para a solução de conflitos entre os indivíduos.

No presente estudo, fora demonstrado quanto o referido princípio é festejado

nos ordenamentos jurídicos, tanto no direito pátrio, quanto no direito internacional,

comprovando a sua existência desde os mais primórdios tempos, mesmo com a

“roupagem” diferente do que se está acostumado nos dias atuais.

E por falar na “roupagem” do princípio do acesso à justiça, este deve

permanecer, apesar das mudanças trazidas pela globalização, com o entendimento

de que não está vinculado apenas quanto à possibilidade dos indivíduos proporem

as suas demandas junto aos órgãos jurisdicionais, mas também ligados a um

processo justo, com respeito ao contraditório e a ampla defesa, ao princípio da

isonomia, do processo em tempo razoável e com decisões amplamente publicizadas

e fundamentadas.

Neste espectro, fora mostrado como o acesso à justiça é importante para o

homem, tendo o referido princípio sido insculpido na Declaração Universal dos

Direitos do Homem, como escopo básico para os Estados Democráticos de Direito.

Page 119: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

118

Voltado às consequências do fenômeno da globalização, afirma-se que dentre

os blocos econômicos de maior sucesso e desenvolvimento tem-se a União

Europeia que, através da formatação de instituições sólidas e avançadas, compôs

um importante arcabouço legal e judiciário. Sabe-se, conforme demonstrado ao

longo do trabalho, que o direito, enquanto instrumento de conformação entre

pessoas, no âmbito internacional público, visa estabelecer normas que regule o

comportamento dos diversos Estados. Portanto, o direito comunitário emerge como

um instrumento novo, com características próprias, que transcende as noções de

direito internacional, visando regrar as relações entre os Estados-partes dos blocos

econômicos.

Destaca-se que o direito comunitário europeu surge das necessidades

pontuais das comunidades europeias e de um importante destaque dado ao Tribunal

de Justiça Comunitário, hoje, Tribunal de Justiça da União Europeia. As decisões do

Tribunal revestem-se de extrema importância, pois através delas muitos dos

princípios do direito comunitário foram formulados e fortalecidos, dando às

Comunidades Europeias solidez em suas decisões. Tais princípios supõem a

introdução de uma ordem constitucional supranacional e o consequente

desligamento dos conceitos tradicionais de soberania, do início do séc. XVII.

Assim, a consolidação para uma ordem jurídica comunitária fez surgir um

direito autônomo que nasce da transposição dos conceitos e princípios do direito

internacional público, impondo uma nova realidade jurídica às relações entre

Estados.

Frise-se que nesta nova ordem jurídica, o princípio do acesso à justiça

também é preservado, com vários institutos que, não só facilitam o socorro dos

indivíduos junto ao Poder Judiciário, mas também que privilegiam um processo justo

e célere.

Nesta senda, faz-se um estudo aprofundado acerca dos entraves jurídicos

existentes no âmbito do MERCOSUL, bloco econômico em que o Brasil está incluso,

sendo demonstrado que o conglomerado do cone sul ainda está em estágio inicial

no que se refere à elevação a uma comunidade internacional.

São apontadas as teorias acerca da hierarquia, bem como da recepção do

direito internacional frente o direito interno de cada Estado, quais sejam, a monista e

a dualista. O presente trabalho se coaduna com a teoria monista internacionalista, a

qual se acredita ser a melhor opção para o mundo moderno, pois permite a solução

Page 120: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

119

de controvérsias internacionais, dando coerência ao sistema jurídico, bem como

estimula o desenvolvimento do Direito Internacional e a evolução da sociedade das

nações rumo à concretização de uma comunidade internacional.

No Brasil, o assunto fora debatido pelo Supremo Tribunal Federal em diversos

julgados, tendo como paradigma o julgamento do RE 80.004/70. Após este julgado,

a Suprema Corte foi alterando o seu entendimento no que tange a recepção das

normas internacionais no ordenamento jurídico brasileiro, sendo dirimidas as

dúvidas quando da edição da EC 45/2004, a qual atesta cabalmente que os

Tratados Internacionais em que o Brasil é signatário, são recepcionados como Lei

ordinária, e quanto aos Tratados que versam sobre direitos humanos, são

recepcionados com status de norma constitucional, necessitando que em ambos os

casos, sejam aprovados pelo Congresso Nacional.

Dessa forma, mesmo diante do enorme passo que a legislação brasileira

passou a tratar os tratados, independentemente do problema da hierarquia dos

tratados incorporados pelo sistema praticado até a EC 45, resta, notadamente em

função da redação do novo § 3º do art. 5º, uma série de questões a serem

resolvidas, visto que doutrina e jurisprudência apenas estão iniciando a discussão da

temática.

Outro ponto importante da referida EC foi o enxerto do §4º no art. 5º, o qual

prevê a submissão jurisdicional do Brasil face o Tribunal Penal Internacional221,

demonstrando a possibilidade de abertura da legislação brasileira para o mesmo ser

submetido a um órgão internacional supranacional.

É claro que ainda existem muitos caminhos a serem percorridos para a

criação de um Tribunal de Justiça Supranacional do Mercosul, como fora para a

criação do Tribunal Penal Internacional (TPI), porém este é um importante

instrumento para a defesa dos direitos humanos, além de ser de necessidade vital

para a elevação do MERCOSUL a uma comunidade internacional.

No último capítulo, para se concluir que a criação de um Tribunal de Justiça

supranacional no âmbito de MERCOSUL é de suma importância para o

desenvolvimento da região rumo a uma comunidade internacional, bem como da

necessidade deste para o aperfeiçoamento do sistema de soluções de conflitos e,

consequente, efetivação do princípio do acesso à justiça, fora realizado um estudo

221Art. 5º §4º da CF/88: “O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a

cuja criação tenha manifestado adesão”.

Page 121: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

120

acerca da evolução destes mecanismos de solução de controvérsias, desde o

Tratado de Assunção até os dias atuais.

Para tanto, demonstrado-se o estágio acanhado dos mecanismos de solução

de controvérsia no MERCOSUL, fazendo uma série de críticas e barreiras ao

princípio do acesso à justiça na atualidade, principalmente em relação aos

particulares.

Em primeiro lugar, monstram que a impossibilidade dos cidadãos não possuir

o poder de demandarem individualmente os seus litígios, necessitando

obrigatoriamente do Estado-parte, está em confronto direto com o princípio do

acesso à justiça.

Além dessa crítica principal, são levantadas outras que demonstram que o

citado princípio não está sendo observado quando das soluções dos conflitos no

MERCOSUL, podendo ainda, citar como crítica os custos do processo de escolha de

especialista e de arbitragem, que devem ser assumidos, total ou parcialmente, pelos

particulares, falta de conhecimento das regras do MERCOSUL e do sistema de

solução de controvérsias, a necessidade de prova pré-constituída dos particulares,

pois a sua legitimidade ativa tem como requisito essencial a prova do prejuízo e o

nexo de causalidade entre o ato ilícito e o dano, o não cabimento de recurso ao

Grupo Mercado Comum, que negue o recebimento da reclamação ou até mesmo

quando a reclamação é procedente, o particular se vê tolhido do princípio do acesso

à justiça quanto à efetividade das decisões, visto que, ainda depende do Estado-

membro para fazer valer o seu direito, não possuindo mecanismos para que o

próprio execute o quanto decidido.

Assim, demonstra-se que o sistema de soluções de controvérsias vigente hoje

no MERCOSUL carece de uma série de modificações, principalmente no que tange

ao princípio do acesso à justiça e esta evolução depende de algumas mudanças

estruturais no bloco, passando, necessariamente pela criação de um Tribunal de

Justiça supranacional.

Além disso, foram elencadas as principais críticas, referentes à criação do

Tribunal de Justiça no MERCOSUL, bem como os contra-argumentos das mesmas,

demonstrando que, com apoio político e a evolução jurídica, nada impede que o

bloco do cone sul se torne uma comunidade internacional.

Dentre estas críticas, pode-se destacar as diferenças econômicas e de

políticas internas, as quais devem ser levadas em conta, porém não podem ser um

Page 122: Acesso à justiça dos particulares no Mercosul.pdf

121

obstáculo, pois jamais se conseguirá alcançar uma igualdade plena e exata entre os

Estados-partes, devendo os mesmos serem tratados igualmente no exato fio das

suas desigualdades.

Utiliza-se ainda o argumento de que a inexistência de litígios reforçava a

posição dos que viam, num eventual sistema permanente, um dispêndio

desnecessário de recursos de países em desenvolvimento. Esta argumentação é

facilmente rebatida quando se mostra que a quantidade diminuta de conflitos

levados aos órgãos até aqui componentes do sistema de solução de controvérsia se

dá primordialmente no tocante ao alto custo do processo, pois estes devem ser

arcados diretamente pelas partes envolvidas, sendo um verdadeiro entrave ao

princípio do acesso à justiça.

Argumenta-se ainda sobre a constitucionalidade do Tribunal de Justiça

supranacional face a Constituição Federal brasileira, atestando para tanto os

defensores da inconstitucionalidade de que a Carta Magna deveria trazer

expressamente esta possibilidade. Outrossim, tal argumento é bastante superficial,

pois bastaria uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico nacional, para

se perceber que existe na CF/88 uma série de passagens no tocante a integração

regional, o que passa necessariamente pela criação de órgãos supranacionais.

Por fim, utiliza-se o argumento de que pelas soluções exitosas alcançadas

mediante negociações entre as partes, o caráter flexível do sistema seria

fundamental, pois em momentos de crise, permitiria alternativas menos formais para

as negociações, porém esta suposta vantagem do caráter flexível do sistema é

facilmente questionada, pois muitos compromissos acordados fugiram à previsão

jurídica, e serviram apenas como solução provisória para contendas intermináveis.

Assim sendo, refutados todos os principais argumentos que são ventilados

contra à criação do Tribunal de Justiça do MERCOSUL, este passo é fundamental a

criação de uma Corte de Justiça no Mercosul, que seria responsável pela

aplicação de um catálogo internacional de direitos humanos, assim como a Corte

Europeia de Justiça.

A articulação das relações entre os tribunais constitucionais e o

MERCOSUL é regra basilar para o discurso constitucional contemporâneo.

Nesse sentido, a proteção dos direitos fundamentais, como o princípio do acesso

à justiça, no âmbito do MERCOSUL pressupõe, invariavelmente, que as

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instituições deste sejam dotadas de poder de decisão de modo a atuarem como

garantidoras de direitos fundamentais no bloco.

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