acesso à justiça - mauro capelleti

125
7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 1/125 MAURO CAPPELLETTI BRIANT GARTH ACESSO À JUSTIÇA TRADUÇÃO ELLEN GRACIE NORTHFLEET  MAURO CAPPELLETTI Doutor em Direito (Universidade de Florença, Itália) Professor da Universidade de Standford (Estados Unidos) Chefe do Departamento de Ciências Jurídicas do Instituto Universitário Europeu (Florença, Itália)  BRYANT GARTH Doutor em Direito (Universidade de Standford, USA) Professor de Direito na Universidade de Bloomington.  ACESSO À JUSTIÇA Tradução e Revisão: Ellen Gracie Northfleet Sergio Antonio Fabris Editor Porto Alegre /1988 Reimpresso / 2002

Upload: wlamiller

Post on 03-Apr-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 1/125

MAURO CAPPELLETTIBRIANT GARTH

ACESSO À JUSTIÇA

TRADUÇÃO

ELLEN GRACIE NORTHFLEET

 MAURO CAPPELLETTI

Doutor em Direito (Universidade de Florença, Itália)Professor da Universidade de Standford (Estados Unidos)Chefe do Departamento de Ciências Jurídicas doInstituto Universitário Europeu (Florença, Itália) BRYANT GARTH

Doutor em Direito (Universidade de Standford, USA)Professor de Direito na Universidade de Bloomington.

  ACESSO À JUSTIÇA

Tradução e Revisão:Ellen Gracie Northfleet

Sergio Antonio Fabris EditorPorto Alegre /1988

Reimpresso / 2002

Page 2: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 2/125

Sumário INTRODUÇÃO 7

I — A EVOLUÇÃO DO CONCEITO TEÓRICO DE ACESSO À JUSTIÇA 9 

II — O SIGNIFICADO DE UM DIREITO AO ACESSO EFETIVO À JUSTIÇA: OSOBSTÁCULOS A SEREM TRANSPOSTOS 15

III — AS SOLUÇÕES PRÁTICAS PARA OS PROBLEMAS DE ACESSO À JUSTIÇA31

 IV — TENDÊNCIAS NO USO DO ENFOQUE DO ACESSO À JUSTIÇA 75 V — LIMITAÇÕES E RISCOS DO ENFOQUE DE ACESSO À JUSTIÇA:UMAADVERTÊNCIA FINAL 161

Page 3: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 3/125

INTRODUÇÃO* Nenhum aspecto de nossos sistemas jurídicos modernos é imune àcrítica. Cada vez mais pergunta-se como, a que preço e embenefício de quem estes sistemas de fato funcionam. Essa indagaçãofundamental que já produz inquietação em muitos advogados, juízes

e juristas torna-se tanto mais perturbadora em razão de umainvasão sem precedentes dos tradicionais domínios do Direito, porsociólogos, antropólogos, economistas, cientistas políticos epsicólogos, entre outros. Não devemos, no entanto, resistir anossos invasores; ao contrário, devemos respeitar seus enfoques ereagir a eles de forma criativa. Através da revelação do atualmodo de funcionamento de nossos sistemas jurídicos, os críticosoriundos das outras ciências sociais podem, na realidade, sernossos aliados na atual fase de uma longa batalha histórica — aluta pelo “acesso à Justiça”. É essa luta, tal como se reflete nosmodernos sistemas jurídicos, que constitui o ponto focal deste

Relatório Geral e do projeto comparativo de Acesso à Justiça que oproduziu.

A expressão “acesso à Justiça” é reconhecidamente de difícildefinição, mas serve para determinar duas finalidades básicas dosistema jurídico — o sistema_pelo pial as pessoas podemreivindicar seus direitos e/ou resolver seus litigios sob osauspicios do Estado Pnrn~~a.~ste ~3~e se almente ~cessível atodos; segundo, ele deve produzir resultados pie sejam individuale socialmente justos. Nosso enfoque, aqui, será primordialmentesobre o primeiro aspecto, mas não poderemos perder de vista o

segundo. Sem dúvida, uma premissa básica será a de que a justiçasocial, tal como desejada por nossas sociedades modernas,pressupõe o acesso efetivo.

Nossa tarefa, neste Relatório será a de delinear o surgimento edesenvolvimento de uma abordagem nova e compreensiva dos problemasque esse acesso apresenta nas sociedades contemporâneas. Essaabordagem, como se verá, vai muito além das anteriores.Originando-se, talvez, da ruptura da crença tradicional naconfiabilidade de nossas instituições jurídicas e inspirando-se nodesejo de tornar efetivos — e não meramente simbólicos — os

direitos do cidadão comum, ela exige reformas de mais amploalcance e uma nova criatividade. Recusa-se a aceitar comoimutáveis quaisquer dos procedimentos e instituições quecaracterizam nossa engrenagem de justiça. Com efeito, osreformadores já têm avançado muito com essa orientação. Suasrealizações, idéias e propostas básicas, bem como os riscos elimitações desse ousado mas necessário método de reforma serãodiscutidos neste Relatório.

I - A EVOLUÇÃO DO CONCEITO TEÓRICO DE ACESSO À JUSTIÇA 

O conceito de acesso à justiça tem sofrido uma transformaçãoimportante, correspondente a uma mudança equivalente no estudo eensino do processo civil. Nos estados liberais “burgueses” dos

Page 4: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 4/125

séculos dezoito e dezenove, os procedimentos adotados para soluçãodos litígios civis refletiam a filosofia essencialmenteindividualista dos direitos, então vigorante. Direito ao acesso àproteção judicial significava essencialmente o direito formal doindivíduo agravado de propor ou contestar uma ação. A teoria era ade que, embora o acesso à justiça pudesse ser um “direito

natural”, os direitos naturais não necessitavam de uma ação doEstado para sua proteção (1). Esses direitos eram consideradosanteriores ao Estado; sua preservação exigia apenas que o Estadonão permitisse que eles fossem infringidos por outros. O Estado,portanto, permanecia passivo, com relação a problemas tais como aaptidão de uma pessoa para reconhecer seus direitos e defendê-losadequadamente, na prática.

Afastar a “pobreza no sentido legal” — a incapacidade que muitaspessoas têm de utilizar plenamente a justiça e suas instituições — não era preocupação do Estado. A Justiça, como outros bens; no

sistema do laisse far só podia ser obtida por aqueles que pudessempagar por seus custos; aqueles que não pudessem fazê-lo eramconsiderados responsáveis por sua sorte. O acesso formal, mas nãoefetivo justiça, correspondia à igualdade, apenas firmal,majfetjy~~

Mesmo recentemente, com raras exceções, o estudo jurídico tambémse manteve indiferente às realidades do sistema judiciário:“Fatores como diferenças entre os litigantes em potencial noacesso a disponibilidade de recursos para enfr roJj~ígiç, nãoeram sequer percebidos como problemas’: (2). O estudo era

tipicamente formalista, dogmático e indiferente aos problemasreais do foro cível. Sua preocupação era freqüentemente de meraexegese ou construção abstrata de sistemas e mesmo, quando ia alémdela, seu método consistia em julgar as normas de procedimento àbase de sua validade histórica e de sua operacionalidade emsituações hipotéticas. As reformas eram sugeridas com base nessateoria do procedimento, mas não na experiência da realidade. Osestudiosos do direito, como o próprio sistema judiciário,encontravam-se afastados das preocupações reais da maioria dapopulação.

À medida que as sociedades do laissez-faire cresceram em tamanho ecomplexidade, o conceito de direitos humanos começou a sofrer umatransformação radical. A partir do momento em que as ações erelacionamentos assumiram, cada vez mais, caráter mais coletivoque individual, as sociedades modernas necessariamente deixarampara trás a visão individualista dos direitos, refletida nas“declarações de direitos”, típicas dos séculos dezoito e dezenove.O movimento fez-se no sentido de reconhecer os direitos e deveressociais dos governos, comunidades, associações e indivíduos (3).Esses novos direitos humanos, exemplificados pelo preâmbulo daConstituição Francesa de 1946, são, antes de tudo, os necessários

para tornar efetivos, quer dizer, realmente acessíveis a todos, osdireitos antes proclamados (4). Entre esses direitos garantidosnas modernas constituições estão os direitos ao trabalho, à saúde,

Page 5: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 5/125

à segurança material e à educação (5). Tornou-se lugar comumobservar que a atuaç6o positiva do Estado é necessária paraassegurar o gozo de todos esses direitos sociais básicos (~). Nãoé surpreendente, portanto, que o direito ao acesso efetivo àjustiça tenha ganho particular atenção na medida em que asreformas do welfare state têm procurado armar os indivíduos de

novos direitos substantivos em sua qualidade de consumidores,locatários, empregados e, mesmo, cidadãos (7).De fato, o direito ao acesso efetivo tem sido progressivamentereconhecido como sendo de importância capital entre os novosdireitos individuais e sociais, unia vez que a titularidade dedireitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos parasua efetiva reivindica-lo ção (8). O acesso à justiça pode,portanto, ser encarado como o requisito fundamental — o maisbásico dos direitos humanos — de um sistema jurídico moderno eigualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar osdireitos de todos.

O enfoque sobre o acesso — o modo pelo qual os direitos se tornamefetivos — também caracteriza crescentemente o estudo do modernoprocesso civil. A discussão teórica, por exemplo, das váriasregras do processo civil e de como elas podem ser manipuladas emvárias situações hipotéticas pode ser instrutiva, mas, sob essasdescrições neutras, costuma ocultar-se o modelo freqüentementeirreal de duas (ou mais) partes em igualdade de condições perantea corte, limitadas apenas pelos argumentos jurídicos que osexperientes advogados possam alinhar. O processo, no entanto, nãodeveria ser colocado no vácuo. Osj~staspte~z cisam, agora,

reconhecer que as técnicas processuais servem a Cunçáes~ ~õciaii(9), que as cortes não são a unica forma de solução de conflitos aser considerada (10) e que qualquer regulamentação processual,inclusive a criação ou o encorajamento de alternativas ao sistemajudiciário formal tem um efeito importante sobre a forma comoopera a lei substantiva — com que freqüência ela é executada, embeneficio de quem e com que impacto social. Uma tarefa básica dosprocessualistas modernos é expor o impacto substantivo dos váriosmecanismos de processamento de litígios. Eles precisam,conseqüentemente, ampliar sua pesquisa para mais além dostribunais e utilizar os métodos de análise da sociologia, da

política, da psicologia e da economia, e ademais, aprender atravésde outras culturas. O “acesso” não é apenas um direito socialfundamental, crescentemente reconhecido; ele é, também,necessariamente, o ponto central da moderna processualística. Seuestudo pressupõe um alargamento e aprofundamento dos objetivos emétodos da moderna ciência jurídica.

II - O SIGNIFICADO DE UM DIREITO AO ACESSO EFETIVO Á JUS’flÇA: OSOBSTÁCULOS A SEREM TRANSPOSTOS Embora o acesso efetivo à justiça venha sendo crescentemente

aceito como um direito social básico nas modernas sociedades, oconceito de “efetividade” é, por si só, algo vago. A efetividadeperfeita, no contexto de um dado direito substantivo, poderia ser

Page 6: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 6/125

expressa como a completa “igualdade de armas” — a garantia de quea conclusão final depende apenas dos méritos jurídicos relativosdas partes antagônicas, sem relação com diferenças que sejamestranhas ao Direito e que, no entanto, afetam a afirmação ereivindicação dos direitos. Essa perfeita igualdade, naturalmente,é utópica. As diferenças entre as partes não podem jamais ser

completamente erradicadas. A questão é saber até onde avançar nadireção do objetivo utópico e a que custo. Em outras palavras,quantos dos obstáculos ao acesso efetivo à justiça podem e devemser atacados? A identificação desses obstáculos, conseqüentemente,é a primeira tarefa a ser cumprida. A — CUSTA5 JUDICIAIS 1—Em Geral A resolução formal de litígios, particularmente nos tribunais, é

muito dispendiosa na maior parte das sociedades modernas (11). Seé certo que o Estado paga os salários dos juízes e do pessoalauxiliar e proporciona os prédios e outros recursos necessáriosaos julgamentos, os litigantes precisam suportar a grandeproporção dos demais custos necessários à solução de uma lide,incluindo os honorários advocatícios e algumas custas judiciais.

O alto custo para as partes é particularmente óbvio sob o “SistemaAmericano”, que não obriga o vencido a reembolsar ao vencedor oshonorários despendidos com seu advogado. Mas os altos custostambém agem como uma barreira poderosa sob o sistema, mais

amplameneste difundido, que impõe ao vencido os ônus dasucumbência (12). Nesse caso, a menos que o litigante em potencialesteja certo de vencer — o que é de fato extremamente raro, dadasas normais incertezas do processo — ele deve enfrentar um riscoainda maior do que o verificado nos Estados Unidos. A penalidadepara o vencido em países que adotam o princípio da sucumbência éaproximadamente duas vezes maior — ele pagará os custos de ambasas partes. Além disso, em alguns países, como a Grã-Bretanha, odemandante muitas vezes não pode sequer estimar o tamanho do risco

 — quanto lhe custará perder — uma vez que os honoráriosadvocatícios podem variar muito (13). Finalmente, os autores

nesses países precisam às vezes segurar o juízo no que respeita àsdespesas do adversário, antes de propor a ação. Por essas razões,pode-se indagar se a regra da sucumbência não erige barreiras decusto pelo menos tão substanciais, quanto as criadas pelo sistemaamericano (14). De qualquer forma, torna-se claro que os altoscustos, na medida em que uma ou ambas as partes devam suportá-los,constituem uma importante barreira ao acesso à justiça.

A mais importante despesa individual para os litigantes consiste,naturalmente, nos honorários advocatícios. Nos Estados Unidos e noCanadá, por exemplo, o custo por hora dos advogados varia entre 25

e 300 dólares e o custo de determinado serviço pode exceder aocusto horário (15). Em outros países, os honorários podem sercalculados conforme critérios que os tornem mais razoáveis, mas

Page 7: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 7/125

nossos dados mostram que eles representam a esmagadora proporçãodos altos custos do litígio, em países onde os advogados sãoparticulares (16). Qualquer tentativa realística de enfrentar osproblemas de acesso deve começar por reconhecer esta situação: osadvogados e seus serviços são muito caros.

2 — Pequenas Causas Causas que envolvem somas relativamente pequenas são maisprejudicadas pela barreira dos custos. Se o litígio tiver de serdecidido por processos judiciários formais, os custos podemexceder o montante da controvérsia, ou, se isso não acontecer,podem consumir o conteúdo do pedido a ponto de tornar a demandauma futilidade (17). Os dados reunidos pelo Projeto de Florençamostram claramente que a relação entre os custos a seremenfrentados nas ações cresce na medida em que se reduz o valor dacausa (18). Na Alemanha, por exemplo, as despesas para intentar

uma causa cujo valor corresponda a USI 100, no sistema judiciárioregular, estão estimadas em cerca de US$ 150, mesmo que sejautilizada apenas a primeira instância, enquanto os custos de umaação de US$ 5.000, envolvendo duas instáncias, seriam deaproximadamente US$ 4.200— ainda muito elevados, mas numaproporção bastante inferior, em relação ao valor da causa (19).Nem é preciso multiplicar os exemplos nessa área; é evidente que oproblema das pequenas causas exige especial atenção (20).

3 — Tempo 

Em muitos países, as partes que buscam uma solução judicialprecisam esperar dois ou três anos, ou mais, por uma decisãoexeqüível (21). Os efeitos dessa delonga, especialmente seconsiderados os índices de inflação, podem ser devastadores. Elaaumenta os custos para as partes e pressiona os economicamentefracos a abandonar suas causas, ou a aceitar acordos por valoresmuito inferiores àqueles a que teriam direito. A ConvençãoEuropéia para Proteção dos Direitos Humanos e LiberdadesFundamentais reconhece explicitamente, no artigo 69, parágrafo 19que a Justiça que não cumpre suas funções dentro

B — POSSIBILIDADES DAS PARTES As “possibilidades das partes” como ficou demonstrado por umarecente linha de pesquisa, de crescente importância, é pontocentral quando se cogita da denegação ou da garantia de acessoefetivo. Essa expressão, utilizada pelo Prof Marc Galanter,repousa na “noção de que algumas espécies de litigantes.., gozamde uma gama de vantagens estratégicas” (23). Devemos reconhecerque o estudo das vantagens e desvantagens estratégicas está apenascomeçando e é difícil avaliá-las com precisão. No entanto, podemosnão só isolar algumas das vantagens e desvantagens básicas para

determinados litigantes, senão também, aventurar algumas hipótesescom base em pesquisas sociológicas recentes e altamentesugestivas.

Page 8: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 8/125

 1 — Recursos Financeiros Pessoas ou organizações que possuam recursos financeirosconsideráveis a serem utilizados têm vantagens óbvias ao propor oudefender demandas. Em primeiro lugar, elas podem pagar para

litigar. Podem, além disso, suportar as delongas do litígio. Cadauma dessas capacidades, em mãos de uma única das partes, pode seruma arma poderosa; a ameaça de litígio torna-se tanto plausívelquanto efetiva. De modo similar, uma das partes pode ser capaz defazer gastos maiores que a outra e, como resultado, apresentarseus argumentos de maneira mais eficiente. Julgadores passivos,apesar de suas outras e mais admiráhis características, exacerbamclaramente esse problema, por deixarem às de “um prazo razoável”(22) é, para muitas pessoas, uma Justiça inacessível.partes a tarefa de obter e apresentar as provas, desenvolver ediscutir a causa (24).

2 — Aptidcio para Reconhecer um Direito e propor urna Açio ou SuaDefesa A “capacidade jurídica” pessoal, se se relaciona com as vantagensde recursos financeiros e diferenças de educação, meio e statussocial, é um conceito muito mais rico, e de crucial importância nadeterminação da acessibilidade da justiça. Ele enfoca as inúmerasbarreiras que precisam ser pessoalmente superadas, antes que umdireito possa ser efetivamente reivindicado através de nossoaparelho judiciário. Muitas (senão a maior parte) das pessoas

comuns não podem — ou, ao menos, não conseguem — superar essasbarreiras na maioria dos tipos de processos (25).

Num primeiro nível está a questão de reconhecer a existência de‘~~to juridicamente exigível. Essa barreira fundamental éespecial- mente séria para os despossuídos, mas não afeta apenasos pobres. Ela diz respeito a toda a população em muitos tipos deconflitos que envolvem direitos. Observou recentemente o professorLeon Mayhew: “Existe... um conjunto de interesses e problemaspotenciais; alguns são bem compreendidos pelos membros dapopulação, enquanto outros são percebidos de forma pouco clara, ou

de todo despercebidos” (26). Mesmo consumidores bem informados,por exemplo, só raramente se dão conta de que sua assinatura numcontrato não significa que precisem, obrigatoriamente, sujeitar-sea seus termos, em quaisquer circunstâncias.Falta-lhes o conhecimento jurídico básico não apenas para fazerobjeção a esses contratos, mas até mesmo para perceber que sejampassíveis de objeção.

Ademais, as pessoas têm limitados conhecimentos a respeito damaneira de ajuizar uma demanda. O principal estudo empfricoinglês, a respeito desse assunto conduiu:

 “Na medida em que o conhecimento daquilo que está disponívelconstitui pré-requisito da solução do problema da necessidade

Page 9: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 9/125

jurídica não atendida, é preciso fazer muito mais para aumentar ograu de conhecimento do público a respeito dos meios disponíveis ede como utilizá-los” (27). Um estudo realizado em Quebeque definiu de forma semelhante que“Le besoin d’information est primordial et prioritaire” (A

necessidade de informação é primordial e prioritária) (28). Essafalta de conhecimento por sua vez, relaciona-se com uma terceirabarreira importante — a disposição psicológica das pessoas pararecorrer a processos judiciais. Mesmo aqueles que sabem comoencontrar aconselhamento jqrídico qualificado podem não buscá-lo.O estudo inglês, por exemplo, fez a descoberta surpreendente deque “até 11% dos nossos entrevistados disseram que jamais iriam aum advogado” (29). Além dessa declarada desconfiança nosadvogados, especialmente comum nas classes menos favorecidas,existem outras razões óbvias por que os litígios formais sãoconsiderados tão pouco atraentes. Procedimentos complicados,

formalismo, ambientes que intimidam, como o dos tribunais, juízese advogados, figuras tidas como opressoras, fazem com que olitigante se sinta perdido, um prisioneiro num mundo estranho.

Todos esses obstáculos, é preciso que se diga, têm importânciamaior ou menor, dependendo do tipo de pessoas, instituições edemandas envolvidas (30). Ainda que as tenhamos relacionado à“capacitação pessoal”, é temerário personalizá-las excessivamente.Pessoas que procurariam um advogado para comprar uma casa ou obtero divórcio, dificilmente intentariam um processo contra umaempresa cuja fábrica esteja expelindo fumaça e poluindo a

atmosfera (31). É difícil “mobilizar” (32) as pessoas no sentidode usarem o sistema judiciário para demandar direitos não-tradicionais. 3 — Litigantes “eventuais” e litigantes “habituais” O professor Galanter desenvolveu uma distinção entre o que elechama de litigantes “eventuais” e “habituais”, baseado nafreqüência de encontros com o sistema judicial (33). Ele sugeriuque esta distinção corresponde, em larga escala, à que se verificaentre indivíduos que costumam ter contatos isolados e pouco

freqüentes com o sistema judicial e entidades desenvolvidas, comexperiência judicial mais extensa.

As vantagens dos “habituais”, de acordo com Galanter, sãonumerosas:1) maior experiência com o Direito possibilita-lhes melhorplanejamento do litígio;2) o litigante habitual tem economia de escala, porque tem maiscasos;3) o litigante habitual tem oportunidades de desenvolver relaçõesinformais com os membros da instância decisora;

4) ele pode diluir os riscos da demanda por maior número de casos;e

Page 10: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 10/125

5) pode testar estratégias com determinados casos, de modo agarantir expectativa mais favorável em relação a casos futuros.Parece que, em função dessas vantagens, os litigantesorganizacionais são, sem dúvida, mais eficientes que os indivíduos(34).Ha menos problemas em mobilizar as empresas no sentido de tirarem

vantagens de seus direitos, o que, com freqüência, se dáexatamente contra aquelas pessoas comuns que, em sua condição deconsumidores, por exemplo, são as mais relutantes em buscar oamparo do sistema judicial. Essa desigualdade relativamente ao acesso pode ser atacada commaior eficiénca, segundo Galanter, se os indivíduos encontraremmaneiras de agregar suas causas e desenvolver estratégias de longoprazo, para fazer frente às vantagens das organizações que elesdevem amiúde enfrentar. Alguns dos problemas encontradosna implementação dessa estratégia serão abordados a

seguir. C — PROBLEMAS ESPECIAIS DOS INTERESSES DIFUSOS Interesses “difusos” são interesses fragmentados ou coletivos,tais como o direito ao ambiente saudável, ou à proteção doconsumidor. O problema básico que eles apresentam — a razão de suanatureza difusa — é que, ou ninguém tem direito a corrigir a lesãoa um interesse coletivo, ou o prêmio para qualquer indivíduobuscar essa correção é pequeno demais para induzi-lo a tentar umaação. A recente manifestação do professor Roger Perrot sobre os

consumidores descreve com agudeza o problema dos interessesdifusos: “Le consomrnateur, c’est toutet c’est rien” (O consumidoré tudo e não é nada) (35). Um exemplo simples pode mostrar por que essa situação criaespeciais barreiras ao acesso (36). Suponhamos que o governoautorize a construção de uma represa que ameace de maneira séria eirreversível o ambiente natural. Muitas pessoas podem desfrutar daárea ameaçada, mas poucas — ou nenhuma — terão qualquer interessefinanceiro direto em jogo. Mesmo esses, além disso, provavelmentenão terão interesse suficiente para enfrentar uma demanda judicial

complicada. Presumin-do-se que esses indivíduos tenham legitimaçãoativa (o que é freqüentemente um problema), eles estão em posiçãoanáloga d do autor de urna pequena causa, para quem uma demandajudicial é antieconômica.

Um indivíduo, além disso, poderá receber apenas indenização deseus próprios prejuízos, porém não dos efetivamente causados peloinfrator à comunidade. Conseqüentemente, a demanda individual podeser de todo ineficiente para obter o cumprimento da lei; oinfrator pode não

ser dissuadido de prosseguir em sua conduta. A conexão de

processos é, portanto, desejável — muitas vezes, mesmo, necessária — não apenas do ponto de vista de Galanter, senão tambémdo ponto de vista da reivindicação eficiente dos direitos difusos.

Page 11: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 11/125

 Outra barreira se relaciona precisamente com a questão da reunião.As várias partes interessadas, mesmo quando lhes seja possívelorganizar-se e demandar, podem estar dispersas, carecer danecessária informação ou simplesmente ser incapazes de combinaruma estratégia comum. Esse problema é mais exacerbado pelo, assim

chamado, “livre-atirador” — uma pessoa que não contribui para ademanda, mas não pode ser excluída de seus benefícios: porexemplo, a suspensão das obras da barragem (37). Em suma, podemosdizer que, embora as pessoas na coletividade tenham razõesbastantes para reivindicar um interesse difuso, as barreiras à suaorganização podem, ainda assim, evitar que esse interesse sejaunificado e expresso.

Assim, conquanto como regra, a proteção privada de interessesdifusos exija ação de grupo, é difícil assegurar que tal açãocoordenada tenha lugar, se o próprio governo falha, como no

exemplo acima, em sua ação em favor do grupo. Uma posiçãotradicional e ainda prevalecente em muitos países é a desimplesmente recusar qualquer ação privada e continuar, em vezdisso, a confiar na máquina governamental para proteger osinteresses públicos e dos grupos. Pesquisa comparativa recente, noentanto, demonstrou o quanto é inadequado confiar apenasno Estado para a proteção dos interesses difusos (38). Éprofundamente necessário, mas reconhecidamente difícil, mobilizarenergia privada para superar a fraqueza da máquina governamental. D — AS BARREIRAS AO ACESSO: UMA CONCLUSÃO PRELIMINAR E UM FATOR

COMPLICADOR Um exame dessas barreiras ao acesso, como se vê, revelou umpadrão: os obstáculos criados por nossos sistemas jurídicos sãomais pronunciados para as pequenas causas e para os autoresindividuais, especialmente os pobres; ao mesmo tempo, as vantagenspertencem de modo especial aos litigantes organizacionais, adeptosdo uso do sistema judicial para obterem seus próprios interesses. Refletindo sobre essa situação, é de se esperar que os indivíduostenham maiores problemas para afirmar seus direitos quando a

r~ivindicação deles envolva ações judiciais por danosrelativamente pequenos, contra grandes organizações. Os novosdireitos substantivos, que são característicos do moderno Estadode bem estar-social, no entanto, têm precisamente esses contornos:por um lado, envolvem esforços para apoiar os cidadãos contra osgovernos, os consumidores contra os comerciantes, o povo contra ospoluidores, os locatários contra os locadores, os operários contraos patrões (e os sindicatos); por outro lado, o interesseeconômico de qualquer indivíduo — como ator ou réu — seráprovavelmente pequeno. É evidentemente uma tarefa difíciltransformar esses direitos novos e muito importantes — para todas

as sociedades modernas — em vantagens concretas para as pessoascomuns. Supondo que haja vontade política de mobilizar osindivíduos para fazerem valer seus direitos — ou seja, supondo que

Page 12: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 12/125

esses direitos sejam para valer — coloca-se a questão fundamentalde como fazê-lo. Esse problema será um ponto principal desterelatório e das reformas que ele discutirá. Finalmente, como fator complicador dos esforços para atacar asbarreiras ao acesso, deve-se enfatizar que esses obstáculos não

podem simplesmente ser eliminados um por um. Muitos problemas deacesso são inter-relacionados, e as mudanças tendentes a melhoraro acesso por um lado podem exacerbar barreiras por outro. Porexemplo, uma tentativa de reduzir custos é simplesmente eliminar arepresentação por advogado em certos procedimentos. Com certeza,no entanto, uma vez que litigantes de baixo nível econômico eeducacional provavelmente não terão a capacidade de apresentarseus próprios casos, de modo eficiente, eles serão maisprejudicados que beneficiados por tal “reforma”.Sem alguns fatores de compensação, tais como um juiz muito ativoou outras formas de assistência jurídica, os autores indigentes

poderiam agora intentar uma demanda, mas lhes faltaria uma espéciede auxilio que lhes pode ser essencial para que sejam bemsucedidos. Um estudo sério do acesso à Justiça não podenegligenciar o inter-relacionamento entre as barreiras existentes.

III - AS SOLUÇÕES PRÁTICAS PARA OS PROBLEMAS DE ACESSO À JUSTIÇA O recente despertar de interesse em torno do acesso efetivo àJustiça levou a três posições básicas, pelo menos nos países domundo Ocidental. Tendo início em 1965, estes posicionamentosemergiram mais ou menos em seqüência cronológica (39). Podemos

afirmar que a primeira solução para o acesso — a primeira “onda”desse movimento novo — foi a assistência judiciária; a segundadizia respeito às reformas tendentes a proporcionar representaçãojurídica para os interesses “difusos”, especialmente nas áreas daproteção ambiental e do consumidor; e o terceiro — e mais recente

 — é o que nos propomos a chamar simplesmente “enfoque de acesso ajustiça” porque inclui os posicionamentos anteriores, mas vaimuito além deles, representando, dessa forma, uma tentativa deatacar as barreiras ao acesso de modo mais articulado ecompreensivo. 

A — A PRIMEIRA ONDA: ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA PARA OS POBRES Os primeiros esforços importantes para incrementar o acesso àjustiça nos países ocidentais concentraram-se, muitoadequadamente, em proporcionar serviços jurídicos para os pobres(40). Na maior parte das modernas sociedades, o auxílio de umadvogado é essencial, senão indispensável para decifrar leis cadavez mais complexas e procedimentos misteriosos, necessários paraajuizar uma causa. Os métodos para proporcionar a assistênciajudiciária àqueles que não a podem custear são, por isso mesmo,vitais. Até muito recentemente, no entanto, os esquemas de

assistência judiciária da maior parte dos países eram inadequados.Baseavam-se, em sua maior parte, em serviços prestados pelos

Page 13: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 13/125

advogados particulares, sem contraprestação (munus honorificum)(41).O direito ao acesso foi, assim, reconhecido e se lhe deu algumsuporte, mas o Estado não adotou qualquer atitude positiva paragaranti-lo. De forma previsível, o resultado é que tais sistemasde assistência judiciária eram ineficientes (42). Em economias de

mercado, os advogados, particularmente os mais experientes ealtamente competentes, tendem mais a devotar seu tempo a trabalhoremunerado que à assistência judiciária gratuita. Ademais, paraevitarem incorrer em excessos de caridade, os adeptos do programageralmente fixaram estritos limites de habilitação para quemdesejasse gozar do benefício.As falhas desses programas tornaram-se sempre mais evidentes.Foram introduzidas reformas relativamente cedo na Alemanha eInglaterra, em ambos os casos sob regimes social-democratas outrabalhistas. Em 1919-1923, a Alemanha deu início a um sistema deremuneração pelo Estado dos advogados que fornecessem assistência

judiciária, a qual era extensiva a todos que a pleiteassem (43).Na Inglaterra, a principal reforma começou com o estatuto de 1949,criando Legal Aid and Advice Scherne, que foi confiado à LawSociety, associação nacional dos advogados (44). Esse esquemareconhecia a importância de não somente compensar os advogadosparticulares pelo aconselhamento (“aconselhamento jurídico”) senãoainda pela assistência nos processos (“assistência judiciária”).Essas tentativas eram limitadas de diversas maneiras, mascomeçaram o movimento para superar os anacrônicos semicarit ativosprogramas, típicos do jáistez-faire. 

A mais dramática reforma da assistência judiciáriateve lugar nosúltimos 12 anos. A consciência social que redespertou,

especialmenteno curso da década de 60, colocou a assistência

judiciária no topo daagenda das reformas judiciárias. A contradição entre o

ideal teórico doacesso efetivo e os sistemas totalmente inadequados de

assistência ju-diciária tornou-se cada vez mais intolerável (45).

 A reforma começou em 1965 nos Estados Unidos, com o

Officeof Economic Opportunity (OEO) (46) e continuou através do

mundo3233no início da década de 70. Emjaneiro de 1972, a França

substituiu seuesquema de assistência judiciária do século dezenove,

baseado em ser-

viço gratuito prestado pelos advogados, por um enfoquemoderno de

Page 14: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 14/125

“securité .çociale”, no qual o custo dos honorários ésuportado pelo Es-

tado (47). Em maio de 1972, o novo e inovador programa daSuécia

tornou-se lei (48). Dois meses mais tarde, a Lei deAconselhamento e

Assistência Judiciária da Inglaterra aumentou grandementeo alcance dosistema implantado em 1949, especialmente na área de

aconselhamen-to jurídico (49), e a Província Canadense de Quebeque

estabeleceu seuprimeiro programa de assistência judiciária financiado

pelo gover-no (50). Em outubro de 1972, a República Federal da

Alemanha aper-feiçoou seu sistema, aumentando a remuneração paga aos

advogados particulares por serviços jurídicos prestados aos pobres(51). E em ju-

lho de 1974, foi estabelecida nos Estados Unidos alongamente espera-

da Legal Services Corporation — um esforço para preservare ampliar os

progressos do programa do OEO, já agora dissolvido (52).Também du-

rante esse período, tanto a Áustria (53) quanto a Holanda(54) reviram

seus programas de assistênciajudiciária, de modo aremunerar os advoga-dos mais adequadamente. Houve várias reformas na

Austrália (55); e aItália quase chegou a mudar seu sistema anacrônico, que

era semelhante

Page 15: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 15/125

 

ao esquema francês anterior a 1972 (56). 

Os sistemas de assistência judiciária da maior partedo mundo mo-

derno foram, destarte, grandemente melhorados. Ummovimento foi

desencadeado e continuou a crescer e, como veremos,excedeu até

mesmo as categorias da reforma da assistência judiciária.Antes de ex-

plorar outras dimensões do movimento — e sem dúvida paraajudar aesclarecer a lógica dessas dimensões ulteriores — 

precisamos acom-panhar as principais realizações, assim como os limites

dessa primeiragrande onda de reforma.

 

1 — O Sistema Judicare 

A maior realização das reformas na assistênciajudiciária na Áus-tria, Inglaterra, Holanda, França e Alemanha Ocidental

foi o apoio aodenominado sistema judicare. Trata-se de um sistema

através do qual aassistência judiciária é estabelecida corno um direito

para todas as pes-soas que se enquadrem nos termos da lei, Os advogados

particulares,ent~io, stïo pagos pelo Estado. A finalidade do sistema

judicare é pro-porcionar aos litigantes de baixa renda a mesma

representação que te-riam se pudessem pagar um advogado. O ideal é fazer uma

distinçãoapenas em relação ao endereçamento da nota de honorários:

o Estado,mas não o cliente, é quem a recebe.

 No moderno programa britânico, por exemplo, um

requerente,

verificada a viabilidade financeira e de mérito de suacausa, pode esco-

Page 16: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 16/125

lher seu advogado em uma lista de profissionais queconcordaram

prestar esses serviços (57). A lista é extensa, uma vezque a remunera-

3435

ção para a assistência dada pelo advogado é suficientepara atrair quasetodos os profissionais. É muitas vezes necessária

assistência jurídica parademonstrar a própria qualificação formal com vistas a

obter a assistên-cia judiciária. Por isso, a reforma de 1972 possibilita

que o requerenteutilize até o limite de 25 libras esterlinas, em serviços

jurídicos, semnecessitar de qualquer autorização formal (59). Tais

serviços podemincluir o encaminhamento do pedido de assistênciajudiciária. Dessa ma-

neira, o sistema vai longe para prover aos pobres osrecursos financeiros

necessários à obtenção de um advogado. Embora tenha sidocriticado

porque suas exigências são mufto restritivas e porque elenão provê

assistência para processos a serem realizados perante amaioria dos tri-

bunais especiais — onde, na realidade, muitos dos “novosdireitos”devem ser pleiteados (60) — seus resultados foram

impressionantes: aolongo dos anos a assistência tem sido proporcionada a um

número sem-pre crescente de pessoas (61).

O sistema francês, tal como introduzido em 1972 emodificado

por decretos de 1974 e 1975, também avança no sentido deum eficien-

te sistema judicare (62). Um detalhe particularmenteimportante do

sistema francês, desde 1972, é que ele foi idealizadopara alcançar não

apenas os pobres, mas também algumas pessoas acima donível de po-

Page 17: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 17/125

 

breza. Níveis de auxilio decrescentes estão agoradisponíveis para pes-

soas com rendimentos mensais de até 2.950 francos (cercade USS 640)

e com uma fami’lia de quatro membros (63). Além disso,desde 1972,

a assistência judiciária pode ser deferida para um casoparticularmente

importante, independentemente dos rendimentos dolitigante (64).

O principal problema do sistema francês é que, apesar doaumento de1/3 no pagamento dos advogados, verificado em 1974, os

valores aindasão inadequados (65). Apesar disso, a França oferece,

agora, um modeloimportante de moderno sistema de assistência judiciária.3637

A despeito das realizações importantes dos esquemasde assistên-

cia judiciária, tais como os da Inglaterra e da França, opróprio sistemade assistência judiciária tem enfrentado muitas críticas.

Tem-se tor-nado lugar comum observar que a tentativa de tratar as

pessoas pobrescomo clientes regulares cria dificuldades. O judicare

desfaz a barreirade custo, mas faz pouco para atacar barreiras causadas

por outros pro-blemas encontrados pelos pobres. Isso porque ele confia

aos pobres atarefa de reconhecer as causas e procurar auxílio (66);

não encoraja,nem permite que o profissional individual auxilie os

pobres a compre-ender seus direitos e identificar as áreas em que se

podem valer de remé-dios jurídicos. É, sem dúvida, altamente sugestivo que os

pobres tendama utilizar o sistema judicare principalmente para

problemas que lhes são

familiares — matéria criminal ou de família — em vez dereivindicar seus

Page 18: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 18/125

novos direitos como consumidores, inquilinos, etc. (67).Ademais, mes-

mo que reconheçam sua pretensão, as pessoas pobres podemsentir-se

intimidadas em reivindicá-la pela perspectiva decomparecerem a um es-

critório de advocacia e discuti-la com um advogadoparticular. Sem dú-vida, em sociedades em que os ricos e os pobres vivem

separados, podehaver barreiras tanto geográficas quanto culturais entre

os poMes e oadvogado. Ademais, é evidente que a representação através

de profissio-nais particulares não enfrenta as desvantagens de uma

pessoa pobrefrente a litigantes organizacionais. Mais importante, o

judicare trata ospobres como indivíduos, negligenciando sua situação comoclasse. Nem

o sistema inglês, francês ou alemão, oferece, porexemplo, auxílio para

“casos-teste” (68) ou ações coletivas em favor dospobres, a menos que

elas possam ser justificadas pelo interesse de cadaindivíduo. Dado que

os pobres encontram muitos problemas jurídicos comogrupo, ou classe

e que os interesses de cada indivíduo podem ser muitopequenos parajustificar uma ação, remédios meramente individuais são

inadequados.Os sistemas judicare, entretanto, não estão aparelhados

para transcenderos remédios individuais.

 

2 — O Advogado Remunerado Pelos Cofres Públicos 

O modelo de assistência judiciária com advogadosremunerados

pelos cofres públicos tem um objetivo diverso do sistemajudicare, o

que reflete sua origem moderna no Programa de ServiçosJurídicos do

Office of Econoinic Opportunity, de 1965 — a vanguarda deuma “guer-

ra contra a pobreza” (69). Os serviços jurídicos deveriamser prestados

Page 19: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 19/125

 

3839

por “escritórios de vizinhança” (70), atendidos poradvogados pagos pe-

lo governo e encarregados de promover os interesses dospobres, enquan-

to classe. Como observou um comentarista: “O objetivo erautilizar o di-

nheiro dos contribuintes de modo a obter a melhor relaçãocusto-bene-

fício” (71). É claro que esse objetivo não excluía oauxilio a indivíduospobres para defender seus direitos. Contrariamente aos

sistemas judi-cure existentes, no entanto, esse sistema tende a ser

caracterizado porgrandes esforços no sentido de fazer as pessoas pobres

conscientes deseus novos direitos e desejosas de utilizar advogados

para ajudar a obtê-los. Ademais, os escritórios eram pequenos e localizados

nas comuni-dades pobres, de modo a facilitar o contato e minimizaras barreiras

de classe. Os advogados deveriam ser instruídosdiretamente no conhe-

cimento dessas barreiras, de modo a enfrentá-las commaior eficiência.

Finalmente, e talvez mais importante, os advogadostentavam ampliar

os direitos dos pobres, enquanto classe, através decasos-teste, do exer-

cício de atividades de lobby, e de outras atividadestendentes a obter

reformas da legislação, em benefício dos pobres, dentrode um enfo-

que de classe. Na verdade, os advogados freqüentementeauxiliavam os

pobres a reivindicar seus direitos, de maneira maiseficiente, tato den-

tro quanto fora dos tribunais. 

As vantagens dessa sistemática sobre a do judicare

são óbvias. Elaataca outras barreiras ao acesso individual, além dos

custos, particular-

Page 20: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 20/125

mente os problemas derivados da desinformação jurídicapessoal dos

pobres. Ademais, ela pode apoiar os interesses difusos oude classe das

pessoas pobres. Esses escritórios, que reúnem advogadosnuma equipe,

podem assegurar-se as vantagens dos litigantesorganizacionais, adquirindo conhecimento e experiência dos problemas típicos

dos pobres.Advogados particulares, encarregados apenas de atender a

indivíduos.geralmente não são capazes de assegurar essas vantagens.

Em suma, alé1~de apenas encaminhar as demandas individuais dos pobres

que sãotrazidas aos advogados, tal como no sistema judicare,

esse modelo norte-americano: 1) vai em direção aos pobres paraauxiliá-los a reivindi-

car seus direitos e 2) cria uma categoria de advogadoseficientes para

atuar pelos pobres, enquanto classe.As desvantagens ou limites do sistema das equipes de

advogadosprovêm de sua grande agressividade e capacidade de criar

tais advoga-dos. É evidente, em primeiro lugar, que a maior

repercussão e melhorresultado aparente dos casos-teste e das iniciativas dereformas legais,

podem na prática levar o advogado de equipe anegligenciar os inte-

resses de clientes particulares. Sem dúvida, os advogadosde equipe pre-

cisam diariamente decidir como alocar melhor seusrecursos limitados

entre casos importantes apenas para alguns indivíduos, ecasos impor-

tantes numa perspectiva social. É possível que osindivíduos sejam igno-

rados ou recebam uma ajuda de segunda classe. Em segundolugar, mui-

tas pessoas entendem, com algumarazão que um advogado, aocolocar-se

na posição de advogado dos pobres e, de fato, ao trataros pobres como

se fossem incapazes de perseguir seus própriosinteresses, é muito pater-

nalista. Tratem-se os pobres, dizem elas, simplesmente

como indivíduos

Page 21: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 21/125

 

comuns, com menos dinheiro.Provavelmente, um problema ainda mais sério desse

sistema éque ele necessariamente depende de apoio governamental

para ativida-des de natureza política, tantas vezes diigidas contra o

próprio gover-no. Essa dependência pressupõe que uma sociedade tenha

decididoque qualquer iniciativa jurídica para ajudar os pobres é

desejável, mes-mo que signifique um desafio à ação governamental e àsações dos gru-

pos dominantes na sociedade. Os Estados Unidos, porexemplo, pare-

cem ter-se decidido a erradicar a pobreza, mas, narealidade, os advo-

gados da assistência judiciária americana, ao contráriodos advogados

particulares na Inglaterra, França e Alemanha, têm estadosob ataques

4041políticos constantes (72). Apenas recentemente, depois de

uma dispu-ta legislativa muito difícil, envolvendo um veto

presidencial, é que aLegal Services Corporation tornou-se independente de

influência go-vernamental direta. Mas a nova lei contém muitas regras

que tendem aproibir ou limitar a atividade de reformajurídica por

parte dos advoga-dos do serviço (73). À luz dessa história recente, nos

Estados Unidos,não é de surpreender que a atividade agressiva em favor

dos pobres atra-vés de serviços públicos, em outros países, seja

extremamente difí-cil (74). Embora esse sistema possa romper muitas

barreiras ao acesso,ele está longe de ser perfeito.

A solução de manter equipes de advogados

assalariados, se não forcombinada com outras soluções, é também limitada em sua

utilidade

Page 22: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 22/125

pelo fato de que — ao contrário do sistema judicare, oqual utiliza a

advocacia privada — ela não pode garantir o auxíliojurídico como

um direito. Para sermos realistas, não é possível manteradvogados em

número suficiente para dar atendimento individual deprimeira cate-goria a todos os pobres com problemas jurídicos. Por

outro lado, enão menos importante, é o fato de que não pode haver

advogados su-ficientes para estender a assistência judiciária à classe

média, um desen-volvimento que é um traço distintivo fundamental da maior

parte dossistemas judicare.

 

3 — Modelos Combinados 

Alguns países escolheram, recentemente, combinar osdois prin-

cipais modelos de sistemas de assistência jurídica,depois de terem reco-

nhecido as limitações que existem em cada um deles e queambos

podem, na verdade, ser complementares. A Suécia (75) e a

Província Canadense de Quebeque (76) foram as primeiras a oferecera escolha

entre o atendimento por advogados servidores públicos oupor advo-

gados particulares, embora seja preciso mencionar que osprogramas

têm ênfases diversas. O sistema sueco inclina-se maispara o modo de

operação do judicare, uma vez que os advogados públicosdevem man

4243ter-se, essencialmente, através dos honorários pagos pelo

Estado em be-nefício dos indivíduos assistidos, enquanto em Quebeque

os escritórios

Page 23: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 23/125

 

de advocacia são mantidos diretamente pelo governo semque se leve

em conta quão bem sucedidos eles sejam na competição comsocieda-

des de advogados particulares. Em Quebeque,conseqüentemente, os

escritórios públicos podem ter menos tendência aprivilegiar apenas

disputas individuais e, mais provavelmente, poderãomobilizar os po-

bres e advogar por eles, como grupo. O ponto importante,no entanto,é que a possibilidade de escolha em ambos os programas

abriu uma novadimensão. Este modelo combinado permite que os indivíduos

escolhamentre os serviços personalizados de um advogado

particular e a capacita-ção especial dos advogados de equipe, mais sintonizados

com os proble-mas dos pobres. Dessa forma, tanto as pessoas menos

favorecidas, quan-to os pobres como grupo, podem ser beneficiados. 

Reconhecendo essas vantagens, os reformadores demuitos paí-

ses, incluindo a Austrália (77), a Holanda (78) e a Grã-Bretanha (79)

auxiliaram a implementar sistemas nos quais centros deatendimento

jurídico suplementam os esquemas estabelecidos dejudicare. São par-

ticularmente notáveis, por sua crescente importância, os“centros de

atendimento jurídico de vizinhança”, da Inglaterra. Essescentros es-

tão localizados em áreas pobres, sobretudo ao redor deLondres. Seus

solicitors assalariados (e alguns Barristers) realizammuitas das tarefas

desempenhadas pelos advogados de equipe nos EstadosUnidos. Eles

têm, cada vez mais, procurado tratar os problemas

trazidos até eles nãoapenas como assuntos individuais, mas também como

questões da co-

Page 24: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 24/125

munidade. O trabalho deles, não obstante alguma hesitaçãoinicial por

4445parte da Law Society, tornou-se reconhecido como “um ramo

essen-

cial integrante dos serviçosjurídicos” (80). Também a Suécia foi pioneira em algumas inovações. Em

primei-ro lugar, ela vai bastante além dos outros países,

inclusive da França, naextensão da assistência judiciária às classes médias. Até

meados de1977, uma pessoa com rendimentos de até 80.000 coroas

suecas porano (cerca de USS 17.400) estava apta a receber auxílio

jurídico subsi-diado (81). Esse valor é automaticamente reajustadoconsoante o custo

de vida. Ademais, a combinação de previdência privada eassistênciaju-

diciária, que é atualmente disponível na Suécia,preencheu a principal

lacuna que existe na maior parte dos outros sistemaseuropeus. Prati-

camente em todos os ordenamentos onde prevalece o sistemada sucum-

bência, a assistência judiciária não assume o compromissode reembol-sar o vencedor não assistido, mesmo que o sucumbente seja

muito po-bre. Dessa forma, incapaz de recuperar seus custos, o

adversário do li-tigante pobre pode ficar sujeito a considerável ônus

financeiro (82).Na Suécia, no entanto, cerca de 85% da população tem

seguros quecobrem, entre outros, a maior parte dos ônus pela derrota

numaação (83). Assim, o adversário pode, facilmente,

recuperar sius custos, mesmo em se tratando de uni adversário pobre, se

este é segurado.Obviamente, essa solução tem importantes implicações para

o acesso àjustiça na Suécia; na verdade, ela representa um passo

além da simplesassistência judiciária (84).

Page 25: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 25/125

 

4 — A Assistência Judicidria:PossibilidadeseLimitações 

Medidas muito importantes foram adotadas nos últimosanos para

melhorar os sistemas de assistência judiciária. Comoconseqüência, as

barreiras ao acesso à Justiça começaram a ceder. Os

pobres estão obten-do assistência judiciária em números cada vez maiores,não apenas para

causas de famiia ou defesa criminal, mas também parareivindicar seus

direitos novos, não tradicionais, seja como autores oucomo réus. É de

esperar que as atuais experiências sirvam para eliminaressas barreiras. 

A assistência judiciária, no entanto, não pode ser o

único enfoquea ser dado na reforma que cogita do acesso à Justiça.Existem limites sé-

rios na tentativa de solução pela assistência judiciária.Antes de mais na-

da, para que o sistema seja eficiente, é necessário quehaja um grande

número de advogados, um número que pode até exceder aoferta, espe-

cialmente em países em desenvolvimento. 

Em segundo lugar, mesmo presumindo que haja advogadosem nú-

mero suficiente, no país, é preciso que eles se tornemdisponíveis para

auxiliar aqueles que não podem pagar por seus serviços.Isso faz neces-

sárias grandes dotações orçamentárias, o que é o problemabásico dos

esquemas de assistência judiciária. A assistênciajudiciária baseia-se no

fornecimento de serviços jurídicos relativamente caros,

através de advo-gados que normalmente utilizam o sistema judiciário

formal. Para obter

Page 26: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 26/125

os serviços de um profissional altamente treinado, épreciso pagar c&o,

sejam os honorários atendidos pelo cliente ou peloEstado. Em econo-

mias de mercado, como já assinalamos, a realidade dizque, sem remune-

ração adequada, os serviços jurídicos para os pobrestendem a ser po-bres, também. Poucos advogados se interessam em assumi-

los, e aqueles4647

que o fazem tendem a desempenhá-los em níveis menosrigorosos. Ten-

do em vista o alto custo dos advogados, não ésurpreendente que até

agora muito poucas sociedades tenham sequer tentado

alcançar a metade prover um profissional para todas as pessoas para quemessa despesa

represente um peso econômico excessivo (85). A Suécia,onde os índi-

ces de pobreza são mínimos, e que tem, talvez, o sistemade assistência

judiciária mais dispendioso do mundo, foi considerada,por um obser-

vador, como o único país que realmente logrou oferecerassistênciaju-

diciária a qualquer pessoa que não possa enfrentar oscustos dos servi-ços jurídicos (86).

 Em terceiro lugar, a assistência judiciária não pode,

mesmo quan-do perfeita, solucionar o problema das pequenas causas

individuais. Issonão é de surpreender, pois mesmo aqueles que estão

habilitados a pagarpelos serviços de um advogado, muitas vezes não podem,

economica-mente, propor (e, arriscar perder) uma pequena causa.

Logo, os advoga-dos pagos pelo governo também não se dão ao luxo de levar

adianteesses casos (87). Uma vez mais, o problema das pequenas

causas exige

Page 27: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 27/125

 

atenção especial.Finalmente, o modelo de advogados de equipe dirige-se

à necessi-dade de reivindicar os interesses difusos dos pobres,

enquanto classe,ao passo que outros imnportantes interesses difusos, tais

como os dosconsumidores ou dos defensores do meio ambiente continuam

sendoignorados. O reconhecimento desse fato tornou-se a base

da segunda im-portante onda de reformas, que analisaremos a seguir. 

B - A SEGUNDA ONDA: REPRESENTAÇÃODOS INTERESSES DIFUSOS

 

O segundo grande movimento no esforço de melhorar oacesso à

justiça enfrentou o problema da representação dos

interesses difusos,assim chamados os interesses coletivos ou grupais,diversos daqueles dos

pobres. Nos Estados Unidos, onde esse mais novo movimentode refor-

ma é ainda provavelmente mais avançado, as modificaçõesacompanha-

ram o grande qüinqüênio de preocupações e providências naárea da as-

sistência jurídica (1965-1970). 

Centrando seu foco de preocupação especificamente nosinteres-

ses difusos, esta segunda onda de reformas forçou areflexão sobre no-

ções tradicionais muito básicas do processo civil e sobreo papel dos tri-

bunais. Sem dúvida, uma verdadeira “revolução” está-sedesenvolvendo

dentro do processo civil. Vamos examiná-la brevementeantes de des-

crever com mais detalhes as principais soluções que

emergiram (88). 

Page 28: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 28/125

A concepção tradicional do processo civil não deixavaespaço

para a proteção dos direitos difusos. O processo eravisto apenas como

um assunto entre duas partes, que se destinava à soluçãode uma contro

4849vérsia entre essas mesmas partes a respeito de seus

próprios interessesindividuais. Direitos que pertencessem a um grupo, ao

público em geralou a um segmento do público não se enquadravam bem nesse

esquema.As regras determinantes da legitimidade, as normas de

procedimento e aatuação dos juízes não eram destinadas a facilitar as

demandas por in-teresses difusos intentadas por particulares.As reformas discutidas a seguir são a prova e os

resultados das rá-pidas mudanças que caracterizaram essa fase (89).

Verifica-se um grandemovimento mundial em direção ao que o Professor Chayes

denominoulitígios de “direito público” em virtude de sua

vinculação com assuntosimportantes de política pública que envolvem grandes

grupos de pes-soas (90). Em primeiro lugar, com relação à legitimaçãoativa, as refor-

mas legislativas e importantes decisões dos tribunaisestão cada vez

mais pennitindo que indivíduos ou grupos atuem emrepresentação

dos interesses difusos (91). 

Em segundo lugar, a proteção de tais interessestornou necessá-

ria uma transformação do papel do juiz e de conceitosbásicos como a

Page 29: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 29/125

 

“citação” e o “direito de ser ouvido”. Uma vez que nemtodos os titu-

lares de um direito difuso podem comparecer a juízo — pore’~cemplo,

todos os interessados na manutenção da qualidade do ar,numa deter-

minada região — é preciso que haja um “representanteadequado” para

agir em benefício da coletividade, mesmo que os membrosdela não se-

jam “citados” individualmente. Da mesma forma, para serefetiva, a de-cisão deve obrigar a todos os membros do grupo, ainda que

nem todostenham tido a oportunidade de ser ouvidos. Dessa maneira,

outra noçãotradicional, a da coisa julgada, precisa ser modificada,

de modo a per-mitir a proteção judicial efetiva dos interesses difusos.

A criação norte-americana da cla.ss action, abordada a seguir, permite

que, em certascircunstâncias, uma ação vincule os membros ausentes dedeterminada

classe, a despeito do fato de eles não terem tidoqualquer informação

prévia sobre o processo. Isso demonstra as dimensõessurpreendentes

dessa mudança no processo civil (92). A visãoindividualista do devido

processo judicial está cedendo lugar rapidamente, oumelhor, está se

fundindo com uma concepção social, coletiva. Apenas taltransforma-

ção pode assegurar a realização dos “direitos públicos”relativos a in-

teresses difusos (93). 

1 — A AçeZo Governamental 

Embora seja ainda o principal método para

representação dosinteresses difusos, — especialmente por causa da

relutância tradicional

Page 30: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 30/125

em dar-se legitimação a indivíduos ou grupos para atuaremem defesa

desses interesses — a “ação governamental” não tem sidomuito bem su-

cedida (94). A triste constatação é que, tanto em paísesde common

Mw, como em países de sistema continental europeu, asinstituições go-vernamentais que, em virtude de sua tradição, deveriam

proteger o in-teresse público, são por sua própria natureza incapazes

de fazê-lo. OMinistério Público dos sistemas continentais e as

instituições análogas,induindo o Staatsanwalt alemão e a Proleuratura

soviética, estão ine-rentemente vinculados a papéis tradicionais restritos e

não são capazesde assmnir, por inteiro, a defesa dos interesses difusosrecentemente

surgidos. Eles são amiúde sujeitos a pressão política — uma grande fra

5051

queza, se considerarmos que os interesses difusos,freqüentemente, de-

vem ser afirmados contra entidades governamentais. 

A reivindicação dos novos direitos muitas vezes exigequalifica-ção técnica em áreas não jurídicas, tais como

contabilidade, mercado-logia, medicina e urbanismo. Em vista disso, o Ministério

Público e suasinstituições correspondentes, muitas vezes, não dispõem

do treinamentoe experiência necessários para que sejam eficientes.

Embora haja sinaisde que os procuradores gerais nos países de common law,

ou pelo me-nos nos Estados Unidos, estejam assumindo papel mais

importante naproteção dos interesses difusos, também eles têm sido

incapazes de de-sempenhar a tarefa sozinhos (95); isso porque, mais ainda

que o Minis-

Page 31: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 31/125

 

tério Público dos países de sistema continental, oattorney general (pro-

curador-geral) é um funcionário político. Essa condição,se, de um lado,

pode inspirá-lo, pode, também, inibi.lo de adotar aposição indepen-

dente de um “advogado do povo” contra componentespoderosos do

establishment ou contra o próprio Estado. 

Outras soluções governamentais para o problema — demodo es-pecial, a criação de certas agências públicas

regulamentadoras altamen-te especializadas, para garantir certos direitos do

público ou ottros in-teresses difusos — são muito importantes, mas, também,

limitadas. Ahistória recente demonstra que, por uma série de razões,

elas têm de-ficiências aparentemente inevitáveis (96). Os

departamentos oficiaisinclinam-se a atender mais facilmente a interessesorganizados, com ên-

fase nos resultados das suas decisões, e esses interessestendem a ser pre-

dominantemente os mesmos interesses das entidades que oórgão de-

veria controlar. Por outro lado, os interesses difusos,tais como os dos

consumidores e preservacionistas, tendem, por motivos jámencionados,

a não ser organizados em grupos de pressão capazes deinfluenciar essas

agências (97).Apesar da história desconfortável dessas soluções, a

procura deum mecanismo governamental efetivo ainda continua, e

novas institui-ções foram criadas com perspectivas de remediar muitos

dos males dopassado. Um exemplo recente e importante dessa tentativa

nos Esta-

dos Unidos é a nova instituição do “advogado público”(98). A expe-

Page 32: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 32/125

riência pioneira, que começou em 1974, é o Departamentodo Advoga-

do Público de Nova Jérsei, que tem a ampla missão de“representar o in-

teresse público em quaisquer procedimentosadministrativos e judi-

ciais.., com o objetivo de servir ao interesse público damelhor maneirapossível” (99). Uma proposta muito interessante

parareforma similar em5253Wisconsin, analisada em maior detalhe a seguir, revela a

base teórica des-sas reformas:

 “Há um desequilíbrio na advocacia, que em muitos

casos só pode ser corrigido por advogados pagos pelo governo, paradefender os

interesses não representados dos consumidores, domeio ambien-

te, dos idosos e de outros interesses nãoorganizados. É preciso

que um ‘advogado público’ fale por esses interessesse pretender-

mos que eles sejam ouvidos” (100).A finalidade básica é, conseqüentemente, fazer com

que o depar-tamento governamental represente os interesses que, atéagora, tem sido

descuidados, ou seja, os interesses difusos.O Ombudsman do Consumidor (101), na Suécia, que

atualmentetem análogos em outros países (102), é outro exemplo de

instituiçãoexplicftamente criada para representar os interesses

coletivos e fragmen-tados dos consumidores. Essa instituição, criada em 1970,

pode iniciarprocesso no “Tribunal do Mercado” para impedir práticas

inadequadasde propaganda e publicidade. Além disso, o Ombudsman do

Consumi-dor, que também atua em nome dos consumidores, enquanto

desse, negocia cláusulas de contratos-padrão, com a comunidade

empresarial sue-

Page 33: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 33/125

 

ca. Os particulares não poderiam desenvolver tais tarefascom sucesso,

pois não teriam nem as condições econômicas, nem o poderde barga-

nha necessários. 

Conforme se assinalou acima, no entanto, a soluçãogovernamen-

tal parece ter limitações inerentes, mesmo quandofuncione do melhor

modo possível (103). É preciso acrescentar a energia e ozelo particula-res à máquina burocrática, a qual, muito amiúde, torna-se

lenta, infle-xível e passiva na execução de suas tarefas.

 2 — A Técnica do Procurador-Geral Privado

 Permitir a propositura, por indivíduos, de ações em

defesa de in-teresses públicos ou coletivos é, por si só, uma grande

reforma (104).Mesmo que subsistam, por uma ou outra razão, as barreirasà legitima-

ção de grupos ou classes, trata-se de um importanteprimeiro passo o

permitir que um “procurador-geral privado” (105) ou“demandantes

ideológicos” (106) suplementem a ação do governo. Umatípica reforma

moderna nesse sentido é a admissão de ações propostas porcidadãos pa-

ra impugnar e paralisar determinada ação de governo.Grupos podem fi-

nanciar essas ações individuais, como casos-teste. Existegrande número

de exemplos dessas reformas no campo da proteçãoambiental, tais co-

5455mo a admissão de ações privadas nos Estados Unidos para

fazer valer oClean Air Act (Lei Antipoluição Atmosférica), de 1970

(107). A leiitaliana de 1967, que permite que qualquer pessoa acione

as autorida-

Page 34: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 34/125

des municipais por concessão irregular de permissões paraconstrução,

é um exemplo semelhante (108). O mesmo tipo de solução éadotado

no Estado alemão da Bavária, onde uma Popularlelage (açãopopular)

pode ser intentada por qualquer pessoa perante a CorteConstitu-cional Bávara, contra legislação estadual considerada

atentatória da De-claração de Direitos contida na Constituição Bávara de

1946 (109). 

3 — A Técnica do Advogado Particular do InteressePúblico

 

a. Um primeiro passo da reforma: o reconhecimentode grupos.

Mais requintada reforma é a solução conhecida como“Organizational

Private Attorney General” (Procurador-GeralOrganizacional Privado),

que reconhece a necessidade de permitir ações coletivasno interesse

público. (110) Uma vez que os grupos organizados para a

defesa dos in teresses difusos podem, eles mesmos, ser fontes deabusos, mecanismos

de controle público (governamental) também têm sidodesenvolvidos. 

A França apresenta vários exemplos típicos.Reconhecendo a ti-

bieza usual do Ministério Público na proteção dos novosinteresses do

público em geral ou de grupos, a França recentemente

editou reformasde grande significação. O provimento de 27 de dezembro de

1973, co-

Page 35: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 35/125

 

mumente conhecido como a lei Royer, atribuiu legitimaçãoativa às

associações de consumidores quando haja “fatos direta ouindiretamen-

te prejudiciais ao interesse coletivo dos consumidores”(111). Ademais,

essa lei criou uma série de controles para assegurar queas associações

habilitadas a acionar representem adequadamente ointeresse coletivo

dos consumidores. Tais contrôles foram, em parte,confiados ao pró-prio Ministério Público. A França também adotou

recentemente solu-ção muito semelhante para a proteção das minorias raciais

(113) e, porúltimo, urna lei de 10 de julho de 1976 trouxe

disposições análogas comrespeito à proteção do meio ambiente (114). É pacífico,

atualmente,que os grupos representativos podem demandar direitos

coletivos que oMinistério Público não tenha vindicado eficientemente.De maneira semelhante, a instituição sueca do

Ombudsman doConsumidor, acima mencionada, não tem exclusividade para

intentar5657procedimentos perante o Tribunal Comercial (115). Também

as associa-ções de consumidores têm legitimidade ativa para tais

casos. Assim,mesmo o Ombudsman do Consumidor pode ter sua ação

suplementadae provocada por grupos particulares, agindo na defesa do

interesse pú-blico.

 Mais recentemente, na República Federal da Alemanha,

a Lei so-bre Contratos-Padrão, vigente a partir de 19 de abril de

1977, garantiu

às associações de consumidores legitimidade ativa paraintentar ações

Page 36: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 36/125

que objetivem declarar a ilegalidade de determinadascláusulas contra-

mais (116). Uma vez publicada a declaração, osconsumidores indivi-

duais podem usar a decisão para invalidar cláusulas decontratos por eles

celebrados. Outro método interessante de permitir que grupos

privados repre-sentem o interessse público é a “relator action” (ação

delegada), usadanos países de “common law”, especialmente na Austrália e

Grã-Breta-nha (117). A ação delegada é intentada por uma parte que

normalmentenão teria legitimidade para a causa, mas que obtém a

permissão, ou“fiat”, do procurador-geral para tanto. Essa ação podeser utilizada tan-

to por indivíduos quanto por grupos, mas, por motivosóbvios — espe-

cialmente custos — os grupos parecem ter sido mais ativosna utilização

desse mecanismo para fazer valer os interesses difusos.Uma vez inicia-

da, a ação delegada prosssegue sob a supervisïo econtrole (mais teóri-

cos que reais) do procurador-geral. Ela é atualmente umainstituição im-portante, embora sua significação tenda a diminuir na

medida em que asrestrições à legitimidade sejam eliminadas em áreas como

a da defesa docosumidor e a da proteção ambiental.

 b. Um segundo nível de reforma: além dos grupos

existentes. Asreformas há pouco mencionadas avançam muito no sentido de

reconhe-cer o papel importante, e até mesmo essencial, dos grupos

privados, aosuplementarem, catalizarem, e mesmo substituirem as ações

das agên-das governamentais. Elas, no entanto, ainda não enfocam o

problemade organizar e fortalecer grupos privados para a defesa

de interesses di-

Page 37: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 37/125

 

fusos. 

Enquanto alguns interesses, tais como ostrabalhistas, são geral-

mente bem organizados, outros, como os dos consumidores edos pre-

servacionistas, não são. As barreiras apontadas acima(118), muito fre-

qüentemente não foram ultrapassadas. Na melhor dashipóteses, é ne-

cessário muito dinheiro e esforço para criar umaorganização de portesuficiente, recursos econômicos e especialização para

representar ade-quadamente um interesse difuso (119). Na Suécia, por

exemplo, poucasorganizações de consumidores tomaram partido das

oportunidades que5859lhes são oferecidas para intentar ações (120). Ademais,

as empresas con~tra as quais as demandas devem ser dirigidas sãoorganizações pujantes,

que não apenas têm reservas financeiras substanciais emdisponibilidade,

mas também, como já vimos, apresentam outrascaracterísticas que as

tornam adversários especialmente temíveis (121). Epreciso encontrar

soluções que facilitem a criação de eficientesprocuradores-gerais orga-

nizacionais. Isso não é tarefa simples. Vamos concentrarnossa atenção

nos avanços verificados nos Estados Unidos, uma vez que,por diversos

motivos, as mudanças lá parecem estar mais adiantadas(122). 

i) As ações coletivas, as ações de interessepúblico e as socieda-

des de advogados que se ocupam delas. As característicasdas “class

actions” e das ações de interessse público, com suaslimitações e poten-

Page 38: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 38/125

cialidades tanto dentro quanto fora dos Estados Unidos,serão discuti-

das com maiores detalhes adiante (123), mas alguns traçosparticulares

serão enfatizados aqui. Primeiro, a “class action”permitindo que um li-

tigante represente toda uma dasse de pessoas, numadeterminada de-manda, evita os custos de criar uma organização

permanente. Economiade escala através da reunião de pequenas causas é

possível por esse meioe, sem dúvida, o poder de barganha dos membros da classe

é grande-mente reforçado pela ameaça de uma enorme indenização por

da-nos (124). Com um esquema de honorários condicionais,

onde isso sejapossível, o trabalho de organização é financeiramentecompensador para

os advogados, que podem obter remuneração substancial(125). A class

action portanto, ajuda a proporcionar as vantagens delitigantes organi-

zacionais a causas de grupos ou de interesse público. 

Classs actions e ações de interesse público, noentanto, exigem es-

pecialização, experiência e recursos em áreasespecíficas, que apenasgrupos permanentes, prósperos e bem assessorados possuem.

Muitosadvogados de class actions podem ser inçapazes de prover

a tal especia-lização pessoalmente, ou não contar com recursos

suficientes para obtê-la com outros profissionais. Embora possam recuperar os

honoráriosadvocatícios, na hipótese de sucesso, o risco de perder é

uma barreiraconsiderável; para serem eficientes, precisam também se

engajar em prá-ticas de “lobby” e outras atividades extrajurídicas. Por

muitas razões,grupos permanentes podem pressionar para obter decisões

de governocom mais sucesso do que classes relativamente efêmeras,

Esses proble-mas, juntamente com a impossibilidade de utilização da

class action

Page 39: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 39/125

 

como solução para muitos dos prejuízsos sofridos pelosconsumidores,

tornam a class action um meio imperfeito de vindicaçãodos interesses

difusos.6061

A instituição americana do “advogado do interessepúblico”

titui um esforço a mais para dar aos interesses difusos

as vantagens comque contam os grupos permanentes (126). A justificaçãoteórica para o

surgimento e crescimento das sociedades de advogados dointeresse pú-

blico nos Estados Unidos, desde 1970, correspondeprecisamente ao

que já assinalamos: 

“Os advogados do interesse público acreditam que ospobres

não são os únicos excluídos do processo de tomada dedecisão emassuntos de importância vital para eles. Todas as

pessoas que sepreocupam com a degradação ambiental, com a qualidade

dosprodutos, com a proteção do consumidor, qualquer que

seja suadasse socio-econômica, estão efetivamente excluídas

das deci-sões-chave que afetam seus interesses (127).

 Esses interesses, como já assinalamos, não puderam

encontrar re-presentação através de organizações. Muitos grupos de

advogados (libe-rais) formaram, então, “sociedades de advogados do

interesse público”para atender essa demanda.

As sociedades de advogados do interesse públicovariam muito

em tamanho e especialidades temáticas a que atendem

(128). O tipomais comum é uma organização de fins não lucrativos,

mantida por con-

Page 40: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 40/125

tribuições filantrópicas. As primeiras dessas sociedadesforam instituidas

pela Fundação Ford, em 1970. Embora nunca tenha havidomais de 70

a 100 desses escritórios, por volta de 1975, os advogadosdo interesse

público tinham várias centenas de casos importantes emjuízo e muitosoutros já concluídos (129). Esses escritórios mantidos

por fundações jáhaviam também atuado em muitos procedimentos

administrativos e ou-tras importantes atividades extrajudiciais.

Proporcionando aconselha-mento jurídico especializado e constante supervisão em

relação a inte-resses não representados e não organizados, esses

escritórios freqüente-mente agem em apoio a grupos existentes e substituemgrupos ainda

não formados.Os advogados do interesse público têm sido criticados

por não se-rem responsabilizáveis pelos interesses que representam,

o que é, emparte, verdadeiro (130). Existem também dúvidas quanto a

sua viabii(1.c.

63 dade a longo prazo. Apesar disso, os advogados dointeresse público nos

Estados Unidos continuam a fazer um trabalho importante,ejá realiza-

ram muito (131). A instituição pode ou não serexportável, mas ela é,

sem dúvida, importante ao promover o acesso à justiçapara os interes-

ses difusos, dentro dos limites dos recursos disponíveis(132).

 ii) A Assessoria Pública, O êxito dos advogados do

interesse públi-co nos Estados Unidos e as óbvias restrições financeiras

sob as quais eles

Page 41: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 41/125

 

precisam atuar estimularam a criação de novasinstituições, subsidiadas

pelo governo, para servir ao interesse público (133). Osserviços existentes

de advogados públicos, que já estudamos, representam umadessas solu-

ções (134). Entre essa solução oficial (governamental) ea fórmula pri-

vada de advogados do interesse público existe uma nova eimportante

instituição norte-americana, que tem sido chamada deassessoria públi-ca. A idéia consiste em usar recursos públicos, mas

confiar na energia,interesse e fiscalização dos grupos particulares.

O exemplo mais bem sucedido desse tipo de solução,até hoje, foi

o Escritório de Assessoria Pública, estabelecido nosEstados Unidos, em

decorrência das disposições da lei de ReorganizaçãoFerroviária Regio-

nal, de 1973, para auxiliar as comunidades e usuários dasferrovias nacolocação de seus interesses em audiências públicas

(135). Essa reparti-ção organizou as comunidades para reconhecer e afirmar

seus direitos;sua função tem sido investigar, auxiliar, mobilizar e,

por vezes, subsidiargrupos que, de outra forma, seriam fracos defensores dos

interesses dosusuários das ferrovias. Essa assessoria pública tem sido

muito eficienteem virtude de seu status de independência, orçamento

adequado e umaequipe sensível e bem treinada. Resta saber,

naturalmente, se outras ins-tituições do mesmo tipo seriam capazes de evitar pressões

políticas epermanecer suficientemente independentes. A grande e nova

virtudedessa instituição é que ela pode auxiliar a criar grupos

permanentes ca-

pazes de exercer pressão e, dessa forma, reivindicar seuspróprios direi-

Page 42: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 42/125

tos, através de procedimentos administrativos ejudiciais. 

c. A soluçio plural ística (mista). A idéia daassessoria pública foi

integrada com diversas outras teses, tornando-se, em

nosso entendimen-to, a melhor proposta de reforma já apresentada para essaárea, nos Es-

665tados Unidos. Num estudo preparado para o Departamento de

Adminis-tração do Estado deWisconsin pelo Centro de Representação

Popular deWisconsin, seus autores não só recomendaram a adoção do

tipo de advo-

gado público analisado antes, como ainda vão além. Elesaceitam a 

cessidade — enfatizada num estudo anterior, dentro doâmbito do Pro-

jeto de Florença (136) — de uma “solução mista”, eexplanam esse re-

conhecimento assim: 

 — “Salientamos, como princípio cardeal, que

defensores particu-lares são os melhores advogados para os interessessem representa-

ção. Onde já existam grupos particulares que sejamrealmente re-

presentativos, mas careçam dos recursos para obteradvocacia efi-

ciente, a resposta governamental adequada será mantere desen-

volver esses grupos e tornar-lhes acessível aparticipação, tanto

quanto possível. . 

 — “Por outro lado, treinamento e assistência aosgrupos de cida-

dãos nem sempre serão suficientes para suprir asnecessidades. Al-

guns interesses não são, nem serão representados porqualquer

Page 43: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 43/125

 

grupo. O interesse pode ser excessivamente difusopara permitir

que mesmo um pequeno grupo seja organizado, ou podeocorrer

que nenhum dos grupos existentes esteja em condiçõesde ser

considerado representativo. Em tais casos, aadvocacia pública

será a solução mais adequada” (137). 

É preciso que haja uma solução mista ou plurarísticapara o pro-

blema de representação dos interesses difusos. Talsolução, naturalmen-

te, não precisa ser incorporada numa única proposta dereforma. O im-

portante é reconhecer e enfrentar o problema básico nessaárea: resu-

mindo, esses interesses exigem uma eficiente ação degrupos particulares,

sempre que possível; mas grupos particulares nem sempreestão disponí-veis e costumam ser difíceis de organizar. A combinação

de recursos,tais como as ações coletivas, as sociedades de advogados

do interessepúblico, a assessoria pública e o advogado públicQ podem

auxiliar a su-perar este problema e conduzir à reivindicação eficiente

dos interessesdifusos.

 

C — A TERCEIRA ONDA:DO ACESSO À REPRESENTAÇÃOEM JUfZO A UMA CONCEPÇÃO MAIS AMPLA DE ACESSOÀJUSTJÇA. UMNOVO ENFOQUE DE ACESSO ÀJUSTIÇA

 

O progresso na obtenção de reformas da assistênciajurídica e da

busca de mecanismos para a representação de interesses

“públicos” éessencial para proporcionar um significativo acesso à

justiça. Essas re-

Page 44: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 44/125

formas serão bem sucedidas — e, em parte, já o foram — noobjetivo de

alcançar proteção judicial para interesses que por muitotempo foram

deixados ao desabrigo. Os programas de assistênciajudiciária estão fi-

nalmente tornando disponíveis advogados para muitos dosque não po-dem custear seus serviços e estão cada vez mais tornando

as pessoasconscientes de seus direitos. Tem havido progressos no

sentido da rei-vindicação dos direitos, tanto tradiconais quanto novos,

dos menos pri-vilegiados. Um outro passo, também de importância

capital, foi a cria-ção de mecanismos para representar os interesses difusos

não apenas dos pobres, mas também dos consumidores,preservacionistas e do pú-

blico em geral, na reivindicação agressiva de seus novosdireitos sociais. 

O fato de reconhecermos a importância dessas reformasnão deve

impedir-nos de enxergar os seus limites. Sua preocupaçãoé basicamente

encontrar representa pio efetiva para interesses antes

não representadosou mal representados. O novo enfoque de acesso à Justiça,no entanto,

tem alcance muito mais amplo. Essa “terceira onda” dereforma inclui a

advocacia, judicial ou extrajudicial, seja por meio deadvogados particu-

lares ou públicos, mas vai além. Ela centra sua atençãono conjunto ge-

ral de instituições e mecanismos, pessoas e procedimentosutilizados

6667

Page 45: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 45/125

 

para processar e mesmo prevenir disputas nas sociedadesmodernas. Nós

o denominamos “o enfoque do acesso à Justiça” por suaabrangência.

Seu método não consiste em abandonar as técnicas das duasprimeiras

ondas de reforma, mas em tratá-las como apenas algumas deuma série

de possibilidades para melhorar o acesso.Esse movimento emergente de acesso à Justiça procede

dos mo- vimentos anteriores preocupados com a representaçãolegal. Aqueles

movimentos também se destinavam a fazer efetivos osdireitos de in-

divíduos e grupos que, durante muito tempo, estiveramprivados dos

benefícios de uma justiça igualitária. Sem dúvida, essesmovimentos

iniciais receberam impulso através da afluência econômicarecente e ou-

tras reformas que, de certa forma, alteraram o equilíbrioformal de po-der entre indivíduos, de um lado, e litigantes mais ou

menos organiza-dos, de outro, tais como as empresas ou o governo. Para

os pobres, in-quilinos, consumidores e outras categorias, tem sido

muito difícil tor-nar os novos direitos efetivos, como era de se prever.

Como observaGalanter,

  — “O sistema tem a capacidade de mudar muito ao

nível do or-denamento sem que isso corresponda a mudanças na

prática diá-ria da distribuição de vantagens tangíveis. Na

realidade, a mudan-ça de regras pode tornar-se um substituto simbólico

para a redis-tribuição de vantagens.” (138)

 

A representação judicial — tanto de indivíduos,quanto de interes-

Page 46: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 46/125

ses difusos — não se mostrou suficiente, por si só, paratornar essas mu

danças de regras “vantagens tangíveis” ao nível prático.Tal como reco-

nhecido pelo Brent Community Law Center de Londres, “oproblema

de. . . execução das leis que se destinam a proteger ebeneficiar as cama-das menos afortunadas da sociedade é geral” (139). Não é

possível, nemdesejável resolver tais problemas com advogados apenas,

isto é, comuma representação judicial aperfeiçoada. Entre outras

coisas, nós apren-demos, agora, que esses novos direitos freqüentemente

exigem novosmecanismos procedimentais que os tornem exeqüíveis (140).

Como afirma Jacob: “São as regras de procedimento que insuflamvida nos di-

reitos substantivos, são elas que os ativam, para torná-los efetivos” (141).

Cada vez mais se reconhece que, embora não possamosnegligenciar as

virtudes da representação judicial, o movimento de acessoà Justiça

exige uma abordagem muito mais compreensiva da reforma(142).

6869Poder-se-ia dizer que a enorme demanda latente por

métodos que tor-nem os novos direitos efetivos forçou uma nova meditação

sobre o sis-tema de suprimento — o sistemajudiciário (143).

 O tipo de reflexão proporcionada por essa

abordagem pode sercompreendida através de uma breve discussão de algumas

das vantagens que podem ser obtidas através dela. Inicialmente,

como já assina-lamos, esse enfoque encoraja a exploração de uma ampla

variedade dereformas, incluindo alterações nas formas de

procedimento, mudançasna estrutura dos tribunais ou a criação de novos

tribunais, o uso de pes-

Page 47: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 47/125

 

soas leigas ou paraprofissionais, tanto como juízesquanto como defen-

sores, modificações no direito substantivo destinadas aevitar litígios ou

facilitar sua solução e a utilização de mecanismosprivados ou informais

de solução dos litígios. Esse enfoque, em suma, nãoreceia inovações ra-

dicais e compreensivas, que vão muito além da esfera derepresentação

judicial.Ademais, esse enfoque reconhece a necessidade decorrelacionar e

adaptar o processo civil ao tipo de litígio (144).Existem muitas carac-

terísticas que podem distinguir um litígio de outro.Conforme o caso,

diferentes barreiras ao acesso podem ser mais evidentes,e diferentes so-

luções, eficientes. Os litígios por exemplo diferem emsua complexida-

de. É geralmente mais fácil e menos custoso resolver umaquestão sim-ples de não-pagamento, por exemplo, do que comprovar uma

fraude. Oslitígios também diferem muito em relação ao montante da

controvérsia,o que freqüentemente determina quanto os indivíduos (ou a

sociedade)despenderão para solucioná-los. Alguns problemas serão

mais bem “re-solvidos” se as partes simplesmente se “evitarem” uma à

outra (145). A7071

importância social aparente de certos tipos derequerimentos também

será determinante para que sejam alocados recursos parasua solução.

Além disso, algumas causas, por sua natureza, exigemsolução rápida,

enquanto outras podem admitir longas deliberações.Tal como foi enfatizado pelos modernos sociólogos, as

partes quetendem a se envolver em determinado tipo de litígio

também devem ser

Page 48: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 48/125

levadas em consideração (146). Elas podem ter umrelacionamento pro-

longado e complexo, ou apenas contatos eventuais. Já foisugerido que

a mediação ou outros mecanismos de interferênciaapaziguadora são os

métodos mais apropriados para preservar osrelacionamentos (147). Aspartes, ademais, podem diferir grandemente em poder de

barganha, ex-periência ou outros fatoresjá comentados anteriormente no

presente es-tudo sob o título “Possibilidades das Partes”.

 Por fim, é preciso enfatizar que as disputas têm

repercussões cole-tivas tanto quanto individuais. Embora obviamente

relacionados, é im-portante, do ponto de vista conceitual e prático,distinguir os tipos de

repercussão, porque as dimensões coletiva e individualpodem ser atingi-

das por medidas diferentes. Por exemplo, considerem-se asvantagens

antes mencionadas que o poderoso litigante organizacionaltem -frente

ao indivíduo. Num primeiro nível, essas vantagensconsistem na capaci-

dade de reconhecer um direito, poder custear uma pequenacausa, ouutilizar o forum de forma eficiente para impor um direito

ou defendê-lode ataques. Essas são vantagens concretas em casos

individuais, as quais,como veremos, podem ser enfrentadas com algum sucesso ao

nível indi-vidual. Num segundo nível, as vantagens consistem na

capacidade deencaminhar casos-teste, de modo a assegurar precedentes

favoráveis, queserão vantajosos em casos individuais; de estruturar as

transações de ma-neira a tirar proveito dessas normas; de contrMar o

cumprimento de de-terminada lei, quando seja necessário; de sugerir ou

fazer pressão a favorde mudanças no sentido de leis favoráveis. Mecanismos

tais como osque ~d discutimos para a proteçio dos interesses difusos

são especial-

Page 49: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 49/125

 

mente apropriados para a abordagem desses problemas.Alguns mecanis-

mos, tais como a “class action”, podem ser utilizadostanto para dar

amparo aos indivíduos, quanto para impor os direitoscoletivos duma

classe. Muitos e importantes remédios, no entanto, tendema servir ape-

nas a uma ou outra das funções.É necessário, em suma, verificar o papel e

importância dos diver-sos fatores e barreiras envolvidos, de modo a desenvolverinstituições

efetivas para enfrentá-los. O enfoque de acesso à Justiçapretende levar

em conta todos esses fatores. Há um crescentereconhecimento da utili-

dade e mesmo da necessidade de tal enfoque no mundoatual.

7273

lvTENDÉNCIAS NO USO DOENFOQUE

DO ACESSO À JUSTIÇA 

O enfoque do acesso à Justiça tem um número imenso deimpli-

cações. Poder-se-ia dizer que ele exige nada menos que oestudo crítico

e reforma de todo o aparelho judicial. Obviamente,qualquer projeto

comparativo, mesmo que se beneficie do montante decontribuições

com que conta o Projeto de Florença, não pode no presenteestágio da

pesquisa nesse campo fazer muito mais do que oferecer umavista geral.

Apesar disso, algumas idéias e tendências básicas podemser distingui-

das, e a sua discussão permitirá mostrar as realizações e

potencial — bemcomo alguns dos perigos e limitações — desse esforço

criativo mundial.

Page 50: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 50/125

Antes de examinar as reformas individuais, noentanto, deve ser

enfatizado que qualquer tipo de reforma se relacionamuito proxima-

mente com outras reformas, potenciais ou existentes. Umamudança

na legislação que dê aos inquilinos maiores direitos, porexemplo, podeter inicialmente efeitos muito tímidos; mas uma alteração

subseqüenteno método de outorga da prestação jurisdicional poderia

alertar os in-quilinos para seus novos direitos e mesmo acrescer o

volume de causasperante tribunais desacostumados aos litígios

contenciosos entre loca-dores e locatários. A criação de um tribunal de locações

poderia aliviaros tribunais regulares e, caso destinada a obviar anecessidade de advoga-

dos, poderia reduzir a necessidade de serviços jurídicos.Não é indispen-

sável que o progresso ocorra dessa forma. Mas, apesar denossa ênfase

em determinados tipos de reformas especialmente notáveis,não pode-

mos deixar de considerar as implicações e o inter-relacionamento com

o complexo maquinário já existente para a solução delitígios. 

75Iv

 TENDËNCIAS NO USO DO

ENFOQUE 

DO ACESSO À JUSTIÇA

 

Page 51: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 51/125

 

O enfoque do acesso à Justiça tem um número imenso deimpli-

cações. Poder-se-ia dizer que ele exige nada menos que oestudo crítico

e reforma de todo o aparelho judicial. Obviamente,qualquer projeto

comparativo, mesmo que se beneficie do montante decontribuições

com que conta o Projeto de Florença, não pode no presente

estágio dapesquisa nesse campo fazer muito mais do que oferecer umavista geral.

Apesar disso, algumas idéias e tendências básicas podemser distingui-

das, e a sua discussão permitirá mostrar as realizações epotencial — bem

como alguns dos perigos e limitações — desse esforçocriativo mundial.

Antes de examinar as reformas individuais, noentanto, deve ser

enfatizado que qualquer tipo de reforma se relacionamuito proxima-mente com outras reformas, potenciais ou existentes. Uma

mudançana legislação que dê aos inquilinos maiores direitos, por

exemplo, podeter inicialmente efeitos muito tímidos; mas uma alteração

subseqüenteno método de outorga da prestação jurisdicional poderia

alertar os in-quilinos para seus novos direitos e mesmo acrescer o

volume de causasperante tribunais desacostumados aos litígios

contenciosos entre loca-dores e locatários. A criação de um tribunal de locações

poderia aliviaros tribunais regulares e, caso destinada a obviar a

necessidade de advoga-dos, poderia reduzir a necessidade de serviços jurídicos.

Não é indispen-sável que o progresso ocorra dessa forma. Mas, apesar de

nossa ênfase

em determinados tipos de reformas especialmente notáveis,não pode-

Page 52: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 52/125

mos deixar de considerar as implicações e o inter-relacionamento com

o complexo maquinário já existente para a solução delitígios. 

75A - A REFORMA DOS PROCEDIMENTOSJUDICIAIS EM GERAL

 Embora a atenção dos modernos reformadores se

concentre maisem alternativas ao sistema judiciário regular, que nos

próprios sistemasjudiciários, é importante lembrar que muitos conflitos

básicos envolven-do os direitos de indivíduos ou grupos, necessariamente

continuarão aser submetidos aos tribunais regulares. Master Jacob jáafirmou: “A en-

grenagem judiciária formal de côrtes de Justiça,naturalmente, continua-

rá a ser necessária e vital não só para lidar comimportantes questões de

direito, incluindo temas de significação constitucional,como também

para julgar questões vultosas e substanciais que afeteminteresses vulto-

sos e substanciais” (148).Pelo menos desde o início do século, tem havidoesforços impor-

tantes no sentido de melhorar e modernizar os tribunais eseus procedi-

mentos. No continente europeu, por exemplo, podemosapontar os bem

conhecidos movimentos de reforma que foram agrupados soba designa-

ção de “oralidade” e ocuparam-se essencialmente com “alivre aprecia-

ção da prova”, a “concentração” do procedimento e ocontatd “ime~

diato” entre juizes, partes e testemunhas, bem como com autilização

dos juízos de instrução para investigar a verdade eauxiliar a colocar as

partes em pé de igualdade (149). Quando levada a efeito,na Áustria,

pela pioneira Zivilprozessordnung de 1895, tais reformas,no dizer do

Page 53: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 53/125

 

notável processualista Franz Klein, contribuíram paratornar o processo

civil simples, rápido, barato e acessível aos pobres(150). 

Nos Estados Unidos, o exagerado sistema deneutralidade judicial

tem sofrido críticas consideráveis desde o famosodiscurso de Roscoe

Pound, em 1906. Atualmente admite-se em geral que a

utilização de umjuiz mais ativo pode ser um apoio, não um obstáculo, numsistema de

justiça basicamente contraditório, uma vez que, mesmo emlitígios que

envolvam exclusivamente duas partes, ele maximiza asoportunidades

de que o resultado seja justo e não reflita apenas asdesigualdades entre

as partes (153).76

77 As reformas, nesse sentido, têm continuado, mas aindahá muito a

avançar. Por exemplo, num esforço dramático para tornar oacesso aos

tribunais menos oneroso na França, seu Ministro daJustiça anunciou

em 19 de setembro de 1977 que, a partir do ano seguinte,todas as cus-

tas judiciais seriam eliminadas (154). O autor de umaação de indeniza-

ção por acidente, por exemplo, passou a economizar cercade 200 dóla-

res. Embora a despesa com advogados ainda permaneça, umabarreira

financeira significativa foi eliminada. 

Outro tipo de reforma que poderia ser mencionadonesse contex-

to é o chamado “Modelo de Stuttgart”, do processo civilgermânico, cada

vez mais difundido. Esse método de procedimento envolve

as partes,advogados e juízes, num diálogo oral e ativo sobre os

fatos e sobre o di-

Page 54: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 54/125

reito. Ele não apenas acelera o procedimento, mas tambémtende a re-

sultar em decisões que as partes compreendem efreqüentemente acei-

tam sem recorrer (155). Algumas características básicasdesse modelo,

até então opcionais, tornaram-se obrigatórias para todosos Landgerich-te Alemães através da reforma do Código de Processo

Civil, em vigordesde l9dejulho de 1977 (156).

Com respeito às reformas que reduzem custos e, decerta forma,

ampliam a tradição de oralidade, convém mencionar osordenamentos

processuais socialistas (157). Com efeito, os informantesdo Projeto

Florença de Acesso à Justiça nos países do leste europeue na União So-viética até mesmo questionam a necessidade de criação de

procedimen-tos especiais, fora do sistema judiciário regular. O

Professor Stalev, deSofia, por exemplo, declara: “Na Bulgária, como em outros

países so-cialistas, não há necessidade de estabelecer

procedimentos ou mecanis-mos especiais para reduzir os custos para a solução de

litígios que en-volvam pequenas causas. Isso porque a máquinajudiciária éacessível ao

povo e isenta de custas” (158).7879

Os procedimentos regulares dos tribunais socialistas,tal como

exemplificado pelos da Europa Oriental e da UniãoSoviética, propor-

cionam, sem dúvida, a solução de litígios de maneira

relativamente in-formal, rápida e barata (159). É preciso reconhecer, no

entanto, queesses procedimentos, nas cortes regulares, tiveram lugar

dentro de umsistema econômico e governamental muito diverso daquele

existente

Page 55: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 55/125

 

nos países ocidentais, com vantagens e desvantagensconcomitantes. Por

isso é mais apropriado perguntar até onde reformascomparáveis, inspi-

radas pelo critério da oralidade, podem ir, no sentido deeliminar as bar-

reiras ao acesso que encontramos nos países ocidentais(160). Dada a

complexidade de tantas de nossas modernas leis e anecessidade para

advogados e juízes de deslindá-las e aplicá-las, parececlaro que a idéiade tornar os tribunais muito simples e baratos não é

realística (161). Seos juizes devem desempenhar sua função tradicional,

aplicando, mol-dando e adequando leis complicadas a situações diversas,

com resulta-dos justos, parece que advogados altamente habilitados e

procedimentosaltamente estruturados continuarão a ser essenciais. Por

outro lado, tor-na-se necessário um sistema de solução de litígios malsou menos parale-

lo, como complemento, se devemos atacar, especialmente aonível indi-

vidual, barreiras tais como custas, capacidade das partese pequenas

causas. 

13— IMAGINAJ’JDO MÉTODOS ALTERNATIVOSPARA DECIDIR CAUSAS JUDICIAIS

 As colocações a seguir tendem a aceitar as limitações

das reformasdos tribunais regulares e, como conseqüéncia, envolvem a

criação de al-ternativas, utilizando procedimentos mais simples e/ou

julgadores maisinformais. Os reformadores estão utilizando, cada vez

mais, o juízo arbi-

tral, a conciliação e os incentivos econômicos para asolução dos litígios

Page 56: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 56/125

fora dos tribunais. Essas técnicas, é preciso que sediga, podem ser obri-

gatórias para algumas ou todas as demandas, ou podemtornar-se dispo-

níveis como opção para as partes. Embora, como veremos, aatividade

mais importante de reforma se esteja verificando comrespeito a tiposparticulares de causas, especialmente as pequenas ou as

de interesse dosconsumidores, algumas reformas gerais também merecem

atenção e,portanto, serão brevemente enfocadas aqui.8081

1 — O Juízo ArbitralO juízo arbitral é uma instituição antiga

caracterizada por proce-dimentos relativamente informais, julgadores com formaçãotécnica ou

jurídica e decisões vinculatórias sujeitas alimitadíssima possibilidade de

recurso. Seus benefícios são utilizados há muito tempo,por convenção

entre as partes. Embora o juízo arbitral possa ser umprocesso relativa-

mente rápido e pouco dispendioso, tende a tornar-se muitocaro para as

partes, porque elas devem suportar o ônus dos honoráriosdo árbitro.(162) Por isso, não é de surpreender que recentemente

tenha sido pro-posto que o Estado pague os árbitros ou permita que os

juízes atuemcomo árbitros (163). Na França, por exemplo, desde 1971,

as partestêm a opção de encaminhar causas a um juiz para que

proceda como“árbitro amigável” (164). Da mesma forma, em 1971, um

programa ex-perimental de juízo arbitral voluntário, na Califórnia,

propunha-se a 

duzir custos através da utilização de advogadosvoluntários, não remu-

Page 57: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 57/125

 

nerados como árbitros. Esse sistema foi tão bem sucedidoem reduzir

custos tanto para as partes como para o Estado, que foisubstituído em

meados de 1976 por um sistema formal de arbitramentocompulsório

disponível por requisição do demandante (165). Dadas asdelongas e des-

pesas freqüentemente características dos litígios, essasalternativas po-

dem reduzir as barreiras de custas para as partes e, pelautilização de jul-gadores mais ativos e informais, beneficiar

substancialmente as partesmais fracas.

Vantagens semelhantes têm sido obtidas com a remessaautomáti-

ca ao juízo arbitral, tal como é praticada na cidade deFiladélfia, Estado

da Pensilvânia (166). Um fator complicador adicional aquié que, para

manter a constitucionalidade da remessa automática, épreciso assegu-rar o direito a novo julgamento ou recurso (167). O risco

é que as partesinsatisfeitas, dissuadidas pelos ônus de novas custas e

novas audiências,deixem de utilizar esse direito e possam, dessa forma,

ser privadas dassalvaguardas dos tribunais. Mas, se o estabelecimento

dessa barreirapode ser evitado, e os problemas mais fundamentais dos

procedimentosjudiciários lentos e dispendiosos não são solucionados,

esse tipo dejuí-zo arbitral pode propiciar maior facilidade de acesso a

muitas pessoas. 

2 — A Concilia çcfo 

Existem vantagens óbivas tanto para as partes quantopara o siste-

ma jurídico, se o litígio é resolvido sem necessidade dejulgamento. A

Page 58: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 58/125

sobrecarga dos tribunais e as despesas excessivamentealtas com os lití-

gios podem tornar particularmente benéficas para aspartes as soluções

rápidas e mediadas, tais como o juízo arbitral. Ademais,parece que tais

decisões são mais facilmente aceitas do que decretosjudiciais unilate8283

rais, uma vez que eles se fundam em acordo jáestabelecido entre as par-

tes. É significativo que um processo dirigido para aconciliação — ao

contrário do processo judicial, que geralmente declarauma parte “ven-

cedora” e a outra “vencida” — ofereça a possibilidade de

que as causas mais profundas de uni litígio sejam examinadas erestaurado um relacio-

namento complexo e prolongado (168).O sistema jurídico japonês oferece exemplo conspícuo

do uso lar-gamente difundido da conciliação (169). Cortes de

conciliação, compos-tas por dois membros leigos e (ao menos formahnente) por

um juiz, exis-te há muito tempo em todo o Japão, para ouvir as partes

informalmentee recomendar uma solução justa. A conciliação pode serrequerida por

uma das partes, ou um juiz pode remeter um caso judicialà conciliação.

Esse processo de conciliação, apesar de relativo declínioem seu uso e

eficácia, ainda é muito importante no Japão (170). Semdeixar de consi-

derar as condições favoráveis quase exclusivas ao Japão,a observação

dos professores Kojima e Taniguchi não pode ser ignorada:“O fato de

que a instituição nasceu e foi desenvolvida numasociedade muito dife-

rente da ocidental e de outras que não correspondem aoextremo orien-

te, não deve esconder sua validade como um meio adequadodësolução

de litígios (171).

Page 59: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 59/125

 

Muitos países ocidentais, em particular a França e osEstados Uni-

dos, estão comprovando a veracidade da instituição dosrelatores japone-

ses. A experiência dos Estados Unidos, em 1978, com os“centros de

justiça de vizinhança”, que será discutida a seguir, emconexão com os

“tribunais populares”(172) constitui um exemploimportante da reno-

vada atenção dada à conciliação, e a nova instituiçãofrancesa do conci-liador local já passou do nível experimental. A

experiência começou emfevereiro de 1977, em quatro departamentos franceses e,

em fins de mar-ço de 1978, foi estendida a todos os 95 departamentos

franceses (172a).Os conciliadores são membros respeitados da comunidade

local quetêm seu escritório geralmente nas prefeituras e detêm um

mandato amplo para tentar reconciliar os litigantes com vistas àaceitação de uma

solução mutuamente satisfatória. Os conciliadores,indicados pelo Pri-

meiro Presidente da Corte de Apelação com jurisdiçãosobre a localida-

de, também são chamados a dar conselhos e informações.Evidentemen-

te, existe urna grande demanda na França pelos serviçosoferecidos pe-

los conciliadores locais. 

Além dessa interessante e importante inovaçãofrancesa, que se

baseia na iniciativa das partes e no prestígio doconciliador para promo-

ver a solução dos litígios, os relatórios do Projeto deFlorença revelam

extensa variedade de métodos voluntários e compulsóriospara encora-

jar a reconciliação das partes (173).Em particular, é

comum dar ao juiz8485

Page 60: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 60/125

ou•o poder de sugerir um acordo, ou permitir-lhe remetero caso a outro

juiz ou funcionário. Embora pesquisa empírica detalhadaseja necessária

para definir esse ponto, parece que o melhor método é oadotado pelo

sistema muito eficiente que opera em Nova lorque (174),onde o juizque julga o caso não é o mesmo que tentou conciliá-lo

(175). Isso evitaque se obtenha a aqulescência das partes apenas porque

elas acreditamque o resultado será o mesmo depois do julgamento, ou

ainda porqueelas temem incorrer no ressentimento do juiz.

 À medida que a conciliação cresceu em importância, os

métodos e estilos de conciliação tornaram-se tema de estudos maisacurados. Já

há indicadores acerca dos tipos de comportamento porparte dos conci

liadores que se prestam melhor a obter a resoluçãoefetiva dos confli-

tos (176). Aqui, novamente, precisamos ser cuidadosos. Aconciliação é

extremamente útil para muitos tipos de demandas e partes,especial-

mente quando consideramos a importância de restaurarrelacionamen-tos prolongados, em vez de simplesmente julgar as partes

vencedoras ouvencida& Mas, embora a conciliação se destine,

principalmente, a redu-zir o congestionamento do judiciário, devemos certificar-

nos de que osresultados representam verdadeiros êxitos, não apenas

remédios paraproblemas do judiciário, que poderiam ter outras soluções

(177). 

3 — Incentivos Econômicos 

Outro método geral para evitar o litígio judicialconsiste em enco-

Page 61: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 61/125

 

rajar acordos pelo uso seletivo de incentivos econômicos.É claro que

8687fatores econômicos tais como os custos do julgamento, os

métodos pe-los quais esses custos são alocados (incluindo os

honorários antecipa-dos), a taxa de inflação e a demora, influenciam a

disposição das partes

para com a conciliação, mesmo que esses fatores possamafetar diferen-temente os diversos tipos de litigantes (178). A demora e

os altos índicesde inflação tornam um demandante em busca de numerário,

especial-mente quando se trata de um indivíduo isolado, mais

ansioso por umacomposição, de modo a poder receber alguma quantia desde

logo. O va-lor elevado das custas, de modo especial (mas não

exclusivo), na medidaem que elas são impostas apenas ao sucumbente, tambémaumenta os

riscos de um julgamento. Litigantes individuais sãoespecialmente susce-

tíveis a essas pressões, porque não podem distribuir seusriscos entre di-

versas causas. 

Reconhecendo a importância dos fatores econômicos,alguns sis-

temas judiciais criaram incentivos para a conciliaçãoextrajudicial. O

mais conhecido desses mecanismos é o chamado “sistema depagar o

julgamento”, usado prevalentemente na Inglaterra (179),mas também

empregado na Austrália (180) e no Canadá (181). A idéiabásica é a de

apenar o autor que não aceite urna proposta deconciliação ofericida à

corte pela outra parte, quando, após o julgamento, se

comprove ter sidorazoável essa proposta. A penalidade é o pagamento pelo

autor dos cus-

Page 62: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 62/125

tos de ambas as partes (182).Está claro que este sistema encoraja acordos e da

mesma formareduz o congestionamento do judiciário, mas como o

Professor MichaelZander já demonstrou, isso acontece a expensas da justiça

para com osautores, que, em tal sistema, são geralmente as partesindividuais econo-

micamente mais fracas e menos familiarizadas com oslitígios (183). Esse

método, portanto, não parece ser promissor em nossa buscapor solu-

ções equânimes para o problema de acesso àjustiça.Existem, no entan-

to, possibilidades de melhor utilização dessa técnica. Éinteressante ana-

lisar rapidamente, agora, um sistema relativamente novo,o sistema demediação de Michigan (1971), o qual, embora limitado a

casos de inde-nização por danos, corrige os dois principais defeitos do

procedimentobritánico (184). Primeiramente, o sistema de Michigan

apena o réu, tan8889to quanto o autor, por recusar uma proposta razoável de

acordo. Em se-gundo lugar, o sistema de Michigan proporciona umadeterminação im-

parcial, através de especialistas, de um acordo razoável.Isso propicia a

ambas as partes uma estimativa objetiva do valor dacausa, remediando,

dessa forma, até certo ponto, a falta de experiência doautor. O sistema

de Michigan demonstra que o princípio de pagar pelojulgamento pode

auxiliar a dignificar o acesso à justiça (185). Suautilidade em outras

questões além das indenizações por danos, no entanto, é,até agora, du-

vidosa. 

Page 63: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 63/125

 

C — INSTITUIÇÕES E PROCEDIMENTOS ESPECIAIS PARA 

DETERMINADOS TIPOS DE CAUSAS DE PARTICULAR“IMPORTÂNCIA SOCIAL”. UMA NOVA TENDÉNCIA NOSENTIDO DA ESPECIALIZAÇÃO DE INSTITUIÇÕESE PROCEDIMENTOS JUDICIAIS

 

Examinamos, até agora, as possibilidades de reforma

doí’tribu-nais regulares e as fórmulas gerais para desviar os casosdos tribunais.

Ambas as técnicas, como notamos, são crescentementeimportantes.

No entanto, o movimento mais importante em relação àreforma do

processo se caracteriza pelo que podemos denominar dedesvio especia-

lizado e pela criação de tribunais especializados. Oímpeto dessa nova

tendência em direção à especialização pode ser tornadoclaro se fixar-mos nosso foco de atenção nos tipos de demandas que, em

grande medi-da, provocaram as “três ondas” de reforma para

possibilitar melhoracesso à justiça.

O esforço de criar sociedades mais justas eigualitárias centrou as

atenções sobre as pessoas comuns — aqueles que seencontravam tradi-

cionalmente isolados e impotentes ao enfrentarorganizações fortes e

burocracias governamentais. Nossas sociedades modernas,como assina-

lamos, avançaram, nos últimos anos, no sentido e provermais direitos

substantivos aos relativamente fracos — em particular,aos consumidores

contra os comerciantes, ao público contra os poluidores,aos locatários

contra os locadores, aos empregados contra os

empregadores (e os sindi-atos) e aos cidadãos contra os governos. Embora

reconhecessemos que

Page 64: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 64/125

:sses novos direitos precisam de maior desenvolvimentolegislativo subs-

ancial, os reformadores processualistas aceitaram odesafio de tornar

fetivos os novos direitos que foram conquistados.As cortes regulares, é preciso reiterar, têm um papel

permanente — na realidade, crescentemente importante — naefetivação e desenvolvi-

mento dos direitos, tanto novos quanto velhos,especialmente, naqueles

que têm sido chamados de litígios de direitopúblico”(186).Os consumi-

dores, os ambientalistas e o público são detentores deinteresses difusos”,

e a proteção desses interesses tem-se tornado tarefaaparentemente iii-

dispensável nas modernas cortes, através de mecanismostais como amaior abertura com relação à legitimidade ativa, os

“ombudsmen” doconsumidor, os advogados do interesse público, e as

“class actions” (187). 

É preciso reconhecer, entretanto, que algumas dascaracterísticas

do sistema judiciário regular, que o tornam apto para asolução de lití-

gios de direito público, em defesa de interesses difusosda coletividade,freqüentemente também o tornam pouco adequado a fazer

valer os di-reitos das pessoas comuns ao nível individual.

Procedimentos contradi-tórios altamente estruturados, utilizando advogados bem

treinados e pe-rícias dispendiosas, podem ser de importância vital nos

litígios de direi-to público, mas colocam severas limitações na

acessibilidade de nossostribunais a pequenas causas intentadas por pessoas

comuns. É evidentea necessidade de preservar os tribunais, mas também o é a

de criar ou-

Page 65: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 65/125

 

tros foruns mais acessíveis.91

O desvio, seja geral, seja especializado, é um métodoessencial

para franquear o acesso às pessoas comuns,particularmente quando,

como acontece em geral, os indivíduos não perdemcompletamente seu

direito de comparecer perante os tribunais. As técnicasgerais de diver-

sificação, discutidas na seção precedente, ajudam asolucionar as causasde uma maneira mais rápida e menos dispendiosa, ao mesmo

tempo quealiviam o congestionamento e o atraso dos tribunais.

Devemos, no en-tanto, ser cautelosos para que o objetivo de evitar o

congestionamentonão afaste causas que, de fato, devam ser julgadas pelos

tribunais,tais como muitos casos que envolvem direitos

constitucionais ou a pro-teção de interesses difusos ou de classe. O desvio, emsuma, pode ir lon-

ge demais Por outro lado, o desvio geral pode não irsuficientemente

longe, se enfocado de nossa perspectiva de acesso àjustiça: um enfoque

mais especializado do que o arbitramento ou conciliaçãogerais parece

necessário para criar foruns efetivos onde os indivíduospossam reivin-

dicar seus direitos.Os novos direitos substantivos das pessoas comuns têm

sido parti-cularmente difíceis de fazer valer ao nível individual.

As barreiras en-frentadas pelos indivíduos relativamente fracos com

causas relat$amen-te pequenas, contra litigantes organizacionais — 

especialmente corpora-ções ou governos — têm prejudicado o respeito a esses

novos direitos.

Tais indivíduos, com tais demandas, freqüentemente nãotêm conheci-

Page 66: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 66/125

mento de seus direitos, não procuram auxílio ouaconselhamento jurí-

dico e não propõem ações (188). Nem o movimentoconsiderável e con-

tínuo em defesa dos interesses difusos, nem as técnicasgerais de diversi-

ficação podem atacar as barreiras à efetividade dessesimportantes novosdireitos, ao nível individual. A grande tarefa dos

reformadores do acessoà justiça é, portanto, preservar os tribunais ao mesmo

tempo em queafeiçoam uma área especial do sistema judiciário que

deverá alcançaresses indivíduos, atrair suas demandas e capacitá-los a

desfrutar das van-tagens que a legislaçio substantiva recente vem tentando

conferir-lhes.Já foi afirmado pelo Professor Kojima que “a necessidadeurgente é de

centrar o foco de atenção no homem comum — poder-se-iadizer no

homem pequeno — e criar um sistema que atenda suasnecessida-

des...” (189).O reconhecimento dessa necessidade urgente reflete

uma mudan-ça fundamental no conceito de “justiça”. No contexto de

nossas cortese procedimentos formais, a “justiça” tem significadoessencialmente a

aplicação das regras corretas de direito aos fatosverdadeiros do caso-

Essa concepção de justiça era o padrão pelo qual osprocessos eram ava-

liados. A nova atitude em relação à justiça reflete o queo Prof~sor

Adolf Homburger chamou de “uma mudança radical nahierarquia de

valores servida pelo processo civil”(190).A preocupaçãofundamental é,

cada vez mais, com a “justiça social”, isto é, com abusca de procedimen-

tos que sejam conducentes à proteção dos direitos daspessoas comuns.

Embora as implicações dessa mudança sejam dramáticas —porexemplo,

com relação ao papel de quem julga — é bom enfatizar,desde logo, que

os valores centrais do processo judiciário mais

tradicional devem sermantidos. O “acesso à justiça” precisa englobar ambas as

formas de pro-

Page 67: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 67/125

 

cesso.Um sistema destinado a servir às pessoas comuns,

tanto como au-tores, quanto como réus, deve ser caracterizado pelos

baixos custos, in-formalidade e rapidez, por julgadores ativos e pela

utilização de conhe9293

cimentos técnicos bem como jurídicos. Ele deve ter,

ademais, a capaci-dade de lidar com litígios que envolvam relacionamentospermanentes

e complexos, como entre locadores e locatários. Essascaracterísticas

como se verá, emergem nas formas procedimentaisespecializadas mais

promissoras, examinadas nesta seção, e oferecem apossibilidade de

atrair as pessoas e capacitá-las a reivindicar seusdireitos efetivamente

contra seus adversários mais poderosos.O esforço para criar tribunais e procedimentosespecializados

para certos tipos de causas socialmente importantes nãoé, evidentemen-

te, novo. Já se percebeu, no passado, que procedimentosespeciais ejul-

gadores especialmente sensíveis são necessários quando alei substanti-

va é relativamente nova e se encontra em rápida evolução(191).Aos

juízes regulares pode faltar a experiência esensibilidade necessárias para

ajustar a nova lei a uma ordem social dinâmica, e osprocedimentos judi-

ciais podem ser pesados demais para que se lhes confie atarefa de exe-

cutar e, até certo ponto, adaptar e moldar importantesleis novas. O que

é novo no esforço recente, no entanto, é a tentativa, emlarga escala, de

dar direitos efetivos aos despossuídos contra os

economicamente pode-rosos: a pressão, sem precedentes, para confrontar e

atacar as b~rreiras

Page 68: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 68/125

reais enfrentadas pelos indivíduos. Verificou-se sernecessário mais do

que a criação de cortes especializadas; é preciso tambémcogitar de no-

vos enfoques do processo civil. 

1 — Procedimentos Especiais para Pequenas Causas 

A violação dos direitos recentemente obtidos pelaspessoas co-

muns, tais como aqueles referentes às relações de consumoou de loca-

ção, tendem a dar lugar a um grande número de causasrelativamente

pequenas contra (entre outros) empresas e locadores(192). Apreocupa-ção crescente por tornar esses direitos efetivos, no

entanto, leva à cria-ção de procedimentos especiais para solucionar essas

“pequenas injusti-ças” de grande importância social.

Causas relativamente pequenas vêm sendo tratadasdiferentemen-

te das grandes causas, há longo tempo. Juízes singulares(ao contrário

dasjuntas de trêsjulgadores)(193) oujuízes menosqualificados do pon9495to de vista formal (194), limitações à apelação (195), e

 — pelo me-nos no papel — maior grau de “oralidade” (196) têm sido

usadospara reduzir os custos para o Estado e para as partes,

quando te-nham de resolver disputas que envolvem quantias

relativamente pe-quenas de dinheiro. Sem dúvida, os propósitos pretendidos

por tais

Page 69: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 69/125

 

reformas têm sido, freqüentemente, os de criar tribunaise procedi-

mentos que sejam rápidos e acessíveis às “pessoascomuns”. Tais

reformas, no entanto, mesmo quando destinadas a promovero aces-

so dos cidadãos, mas não a simplesmente cortar despesas,têm so-

frido severas críticas ultimamente (197). Primeiro,muitos tribunais de

pequenas causas tornaram-se quase tão complexos,dispendiosos e len-tos quanto os juízos regulares (devido, particularmente,

à presença dosadvogados e à resistência dos juízes em abandonar seu

estilo de compor-tamento tradicional, formal e reservado). Em segundo

lugar,onde os tri-bunais de pequenas causas se tornaram eficientes, eles

têm servido maisfreqüentemente para os credores cobrarem dívidas do que

para os indi-víduos comuns reivindicarem direitos (198). Alega-se queprocedimentos

mais rápidos, informais e modernos facilitamprincipalmente a lesão em

larga escala dos direitos de devedores individuais.Pequenas causas, afi-

nal, não são necessariamente simples oudesimportantes(199); elas po-

dem envolver leis complexas em casos de vital importanciapara litigan-

tes de nível econômico baixo ou médio. A questão,portanto, é saber

por que elas devem ser apreciadas através deprocedimentos suposta-

mente de segunda classe. 

Há, no entanto, necessidade real de remédiosacessívci~ 

para pequenas causas, sem grandes (e altamenteimprováveis) subsí~ic

estatais. Está claro que, em regra geral, as pequenascausas não serão

Page 70: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 70/125

trazidas aos tribunais regulares para serem tratadasconsoante o proce-

dimento comum, entre outras coisas porque isso não éeconomicamente

possível(200). O resultado, conseqüentemente, é que, semalgum tipo

especial de procedimento para as pequenas causas, osdireitos das pes-soas comuns freqüentemente permanecerão simbólicos. O

desafio écriar foros que sejam atraentes para os indivíduos, não

apenas do pontode vista econômico, mas também físico e psicológico, de

modo que elesse sintam à vontade e confiantes para utilizá-los, apesar

dos recursos deque disponham aqueles a quem eles se opõem. Sem dúvida,

parece que aforça das críticas mencionadas acima não desencorajou osreformadores

9697de pequenas causas; ao contrário, elas deram a partida

para um novo enotável esforço — utilizando aquilo que chamamos de novo

enfoque deacesso à justiça — com vistas a uma significativa reforma

das pequenas

causas. Os exemplos mais promissores desse novo esforço

enfatizam mui-tos dos traços encontrados nos melhores sistemas de

arbitragem — rapi-dez, relativa informalidade, um julgador ativo e a

possibilidade de dis-pensar a presença de advogados. Achamos, ademais, que as

posições re-lativas dos litigantes e o caráter de seu relacionamento

tendem a serconsideradas com maior cuidado. Reconhecendo que uma

importanteatividade de reforma está tendo lugar em muitos países

discutiremosbrevemente as reformas recentes em algumas áreas da

Austrália (espe-cilmente tribunais de pequenas causas em Nova Gales do

Sul, Queens-land, Victoria e na Austrália Ocidental, entre 1973 e

1976)(201), na

Page 71: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 71/125

 

Inglaterra (o sistema dos tribunais de condado para oarbitramento de

pequenas causas, de 1973)(202), na Suécia (processo depequenas cau

sas, de 1973)(203), e nos Estados Unidos (especialmenteos tribunais

de pequenas causas de Nova lorque, de 1972)(204). Algumascaracte-

rísticas dessas reformas, assim como alguns aspectosimportantes das

experiências canadenses (1974)(205), podem servir parailustrar a ati-vidade que está acontecendo agora. Nós nos concentramos

em quatroaspectos dessas reformas — (a) a promoção de

acessibilidade geral, (b)a tentativa de equalizar as partes, (c) a alteração no

estilo de tomada dedecisão, e (d) a simplificação do direito aplicado. Essa

relação de tópi98

99cos não é certamente exaustiva, mas cobre as principaisáreas da ativi-

dade de reforma (206).a. Promovendo a acessibilidade geral. A redução do

custo e dura-ção do litígio é, sem dúvida, um objetivo primordial das

reformas re-centes (207). As custas de distribuição, por exemplo, são

muito baixaspara quase todos os tribunais de pequenas causas. O

principal custo, ouprincipal risco, nos países em que vigora o princípio da

sucumbência,está, no entanto, nos honorários advocatícios (208). Por

isso, estão sen-do tomadas providências para desencorajar ou mesmo

proibir a repre-sentação através de advogados. Esse tipo de reforma

reconhece que,provavelmente, não basta permitir à parte que compareça

sem advo-

gado, porque o adversário pode se fazer acompanhar de umprofissio

Page 72: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 72/125

nal e obter, assim, vantagem potencialmente decisiva(209). Por exem-

plo, na Suécia e na Inglaterra as novas reformasdesencorajam a atua-

ção de advogados de ambas as partes, não permitindo que ovencedor

obtenha reeembolso das suas despesas de advogado(210); e,na Aus-trália a representação por advogados não é permitida em

muitos ór-gãos (211). A proibição da atuação de profissionais é,

sem dúvida, me-dida controvertida e tem sido freqüentemente atacada por

impedir aassistência jurídica a autores pobres e, presumivelmente,

desprepara-dos, que precisem enfrentar experimentados homens de

negócio. Existemmétodos, discutidos nas próximas seções, de fazer frentea esse problema

e poder-se-ia, também, acrescentar que os indivíduos emambientes

informais podem não ficar tão inibidos quanto se pensa(212).

100101

A acessibilidade é, ademais, promovida por mudançasque fazem

os tribunais mais próximos das pessoas comuns. Paracomeçar, é conve-niente tornar o judicário tão acessível fisicamente

quanto possível, euma possibilidade é mantê-lo aberto durante a noite, de

modo que aspessoas que trabalham não sejam inibidas pela necessidade

de faltar aoserviço. O tribunal de pequenas causas de East Harlem em

Nova lorquepermite a distribuição de queixas todas as senas-feiras à

noite e, numatentativa ulterior de promover o acesso, também utiliza,

de maneira par-ticularmente nova, advogados paraprofissionais da

comuni4de. Deacordo com alguns cientistas sociais que têm examinado o

problema dostribunais de pequenas causas:

 

Page 73: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 73/125

 

 — “O trabalho de advogados da comunidade, osquais tornam po-

pular o tribunal e explicam sua utilidade, falandopara entidades

civis, grupos políticos e outros na área do Harlem, éde particular

importância, uma vez que a acessiblidade envolve umadimensão

cultural tanto quanto física. A corte não deve apenasestar na

comunidade, mas precisa ser percebida por seusmembros comouma opção séria quando eles considerem os meios de

encaminharuma queixa”(213).

 

Nos tribunais de pequenas causas, o ajuizamento deuma demanda

é muito simples. As formas são simplificadas, asformalidades foram eli-

minadas e os funcionários estão disponíveis para assistiras partes. NaSuécia, por exemplo, o funcionário do tribunal orienta as

partes na re-dação de seus requerimentos e as auxilia a definir que

provas serão ne-cessárias. Embora o funcionário não tenha a obrigação de

fornecer acon-selhamento jurídico ou tático, isso pode ser facilmente

obtido através deum advogado (214), dentro do sistema de aconselhamento

jurídico sue-co (215). Esse tipo de aconselhamento, feito pelos

próprios servidoresdos tribunais, torna-se especialmente necessário quando

não é permitidaa representeção, uma vez que, tal como outras reformas a

serem aborda-das, ele ajuda a equalizar as partes.

b. A equalizaçcío das partes. Julgadores mals ativospodem fazer

muito para auxiliar os litigantes que não contam com

assistência profis-sional. Mesmo os críticos desse sistema reconhecem a

necessidade de

Page 74: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 74/125

uma atitude mais ativa nos tribunais de pequenas causas(216). As mo-

dernas reformas também tendem a promover tal atitudeatravés da sim-

plificação de algumas regras de produção de provas, o quepermite,

como ocorre, por exemplo, na Inglaterra e na Suécia,grande flexibili-dade processual, conforme o tipo de demanda(217). Taylor

relata quena Austrália geralmente as partes e o magistrado sentam-

se em torno deuma mesa de café e, muitas vezes, o próprio juiz telefona

a alguém quepossa confirmar aversão de umadas partes (218). Ojuiz

ativo e menosformal tornou-se uma característica básica dos tribunais

de pequenascausas.A tarefa do juiz, de facilitar a equalização das

partes, também po-de ser promovida através de reuniões anteriores ao

julgamento, como sefaz na Jnglaterra. O procedimento inglês das cortes de

condado para oarbitramento de pequenas causas é muito ligado ao

procedimento dereuniões prévias das cortes de condado. Nas reuniões

preliminares o es-crivão da corte (que geralmente decide as pequenas causassubmetidas a

arbitramento) pode, entre outras coisas, oferecer àspartes considerável

102103auxílio na preparação da audiência subseqüente (219). O

único proble-ma prático é que esse procedimento obriga os litigantes a

comparecer

duas vezes perante a corte. 

Além dessas reformas significativas, tem havidocrescente partici-

pação dos funcionários ligados aos tribunais de pequenascausas que po-

dem auxiliar as partes não apenas a redigir suasdemandas, mas também

Page 75: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 75/125

 

instruí-las e prepará-las para o julgamento.Naturalmente, dependendo

de qualificações e treinamento, tais funcionáriosprecisam ser bem 

munerados, mas, quando disponíveis, eles facilitambastante a tarefa dos

julgadores. Havia, por exemplo, uma Clínica deAconselhamento Jurí-

dico incluída no “Projeto Piloto de Pequenas Causas” de

1974/75, de Vancouver (British Columbia, Canadá) (220)0 potencialpara desenvol-

ver capacitação e proporcionar valioso auxílio aoslitigantes também

está sendo desenvolvido com sucesso no programa deadvogados de co-

munidade do tribunal de pequenas causas do Harlem (Novalor-

que) (221). Além de proporcionarem assistência valiosa,esses paraprofis-

sionais, muitos dos quais residem no próprio bairro, atémesmo compa-recem às audïências para prestar assistência a litigantes

tímidos (222).Os recursos das cortes também podem auxiliar a

equalizar as par-tes, ajudando-as a obter pareceres técnicos e testemunhas

(223). Na Sué-cia, por exemplo, a corte pode solicitar o parecer de um

perito, sem cus-to para qualquer das partes, uma vez que o Estado paga os

honoráriospericiais (224). Dado que as pequenas causas não são

necessariamentecausas simples, o concurso de um perito pode ser

considerável auxíliona obtenção de resultados justos para casos difíceis.

 Embora as técnicas acima discutidas tenham um

potencial consi-derável, elas se defrontam com o problema em relação ao

qual os tribu-

nais de pequenas causas são mais suscetíveis — suatendência para se

Page 76: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 76/125

tornarem “agências de cobrança”, especialmente quando umcomer-

ciante experimentado ou um litigante tenta haver umdébito de um réu

individual, sem experiência e presumivelmente com menorfacilidade de

expressão (225). Para complicar o assunto, há o fato deos tribunais depequenas causas tenderem a ser sobrecarregados com

demandas de co-brança, e os devedores individuais nem sequer responderem

às alega-ções, ou seja, serem revéis (226). O primeiro problema é

mais óbvio nospaíses de Cornmon Law, porque os débitos nos países de

sistema104

105ti ~ental europeu são normalmente cobrados através deoutros canais — 

tcts como os procedimentos sumários especiais, aprocédure d’injonc-

t:on francesa (227), o Mahnverfahren germmnico(228) e oProcedimien-

~ d’ingiunzione italiano(229); no entanto, está-setornando cada vez

mais claro que os problemas e perspectivas dessesprocedimentos sumá-

rios estão muito intimamente relacionados com os avançosverificadosem termos de igualdade e “acesso” nos tribunais de

pequenas causas. 

Nos tribunais de pequenas causas dos países deCornmon Law a

primeira tentativa de solução para esse problema crucialde cobranças e

revelia tem sido tentar excluir os autores comerciantes.O objetivo é

permitir ao consumidor a opção por tal foro. Essa soluçãofoi adotada

nos tribunais australianos e, com alguma alteração, emNova lor-

que (230). 

Não há, no entanto, nada de intrinsecamente errado naeficiente

execução das dívidas, desde que aos réus seja dadaoportunidade real de

Page 77: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 77/125

 

apresentar suas defesas (231). Ademais, os pequenoscomerciantes que

utilizam as cortes de pequenas causas podem,freqüentemente, ser o

tipo de “pessoas comuns” para quem foram criados essestribunais, e

denegar-lhes essa via pode forçá-los a sériasdificuldades financeiras (232).

Por último, fechar os tribunais de pequenas causas aoscomercian-

tes pode significar a canalização de suas ações paraoutros órgãos, possi-velmente menos favoráveis aos consumidores;

Muitos reformadores por isso recomendam que ostribunais de pe-

quenas causas permitam a cobrança de dívidas, mas que osjulgamentos

à revelia sejam investigados muito cuidadosamente(233),.ou mesmo que

se verifique de ofício se alguma defesa poderia ter sidoalegada (234).

Não está claro se tal investigação, que poderia ser muitodispendiosa,ainda seria necessária se os réus fossem informados com

absoluta clare-za de que poderiam contar com assessoramento

jurídico(235). Infeliz-106107

mente, nos atuais sistemas, tal informação, ao queparece, não é fome.

cida. De toda forma, é certamente muito desejável que se

tente trans-formar os tribunais de pequenas causas em órgãos

eficientes para a de-fesa dos direitos dos consumidores. Os consumidores estão

cada vezmais comprando a crédito, e deve ser-lhes dada a

oportunidade de recu-sar o pagamento e apresentar suas defesas a um órgão

sensível a suas ne-cessidades (236). Na Suécia, por exemplo, quando

indivíduos desejam

propor uma ação sumária de cobrança, a ação serápreferencialmente

Page 78: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 78/125

ajuizada perante um tribunal de pequenas causas(237). Oresultado é

que grande número dos autores são comerciantes, mas issonão deve ser

causa de temor (238). Antes, pelo contrário, é umindicador do êxito do

tribunal. Equalizar o consumidor e o comerciante em pequenas

causas exi-ge, no mínimo, que pretenções incontroversas não

congestionem os tri-bunais e, ao mesmo tempo, que os consumidores sejam

mobilizados nosentido de efetivamente se defenderem naqueles casos em

que contes-tam a existência de um débito. Isso deve continuar a ser

a tarefa centralpara os reformadores das pequenas causas. 

c. Mudando o estilo dos árbitros de pequenascausas, As reformas

de pequenas causas tém enfatizado recentemente aconciliação como

principal técnica para solução das disputas. O processode conciliação,

informal, discreto, freqüentemente sem caráter público,parece bem

adaptado para partes desacompanhadas de advogados e temas vanta-gens já descritas de ajudar a preservar relacionamentos

complexos e per.manentes (239). Embora não sejam isentas de

inconvenientes, as técni-cas de conciliação estão sendo cada vez mais combinadas

com o poderde proferir decisões vinculativas. Na Suécia, por

exemplo, o juiz de pe-quenas causas tentará preferencialmente a conciliação das

partes, “amenos que haja razões especiais a indicar o contrário”

(240), e a conci-liação é o objetivo principal de todos os tribunais de

pequenas causas daAustrália (241). Um estudo sociológico recente do sistema

informal dearbitragem, colocado à disposição dos litigantes de

pequenas causas emNova Iorque (24 2), demonstra que, em igualdade de

condições, s liti-

Page 79: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 79/125

 

gantes inexperientes tendem a ser mais bem sucedidos emrelação aos

habituais, nesse sistema, do que nas cortes ordinárias depequenas

causas. Segundo o autor do estudo, o Professor Sarat, “asvantagens da

experiência parecem diluir-se na atmosfera informal daarbitragem que

visa a mna transação entre as partes, enquanto sãorealçadas no processo

judicial” (243). Tal arbitragem, tendente à transação entre as partes,

tem vanta-gens óbvias, mas suas dificuldades também precisam ser

consideradas.A mais óbvia se encontra no fato de que o árbitro pode

confundir ospapéis de juiz e de conciliador e falhar no desempenho

satisfatório dequalquer dos dois (244). Como conciliador ele pode

inconscientemen108109te impor um “acordo” pela ameaça implícita em seu poder

de decidir.Como Juiz, ele pode deixar seu esforço de conciliação

subverter seumandato de aplicador da lei (245). O estudo de Nova

lorque, na verda-de, apresenta dados empíricos que justificam essas

críticas (246).

 Um segundo problema, intimamente relacionado com o

primeiro,é que os procedimentos de conciliação para pequenas

causas tendem aser mais eficazes quando mantidos em particular. Por

exemplo, na Aus-trália e em Nova lorque a busca de soluções de

compromisso tem lugarpreferencialmente em particular, mas não nos tribunais

públicos (247).

Tal privacidade, ao que parece, estimula a informalidade,a sinceridade

Page 80: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 80/125

e a honestidade, criando uma atmosfera que conduz àconciliação; toda-

via, ela também pode tornar mais difícil o controle daqualidade do pro-

cedimento judicial. Em suma, ao combinar conciliação eprocedimento

judicial, pode-se perder o reconhecido valor representadopela investi-gação pública no procedimento judicial.

 Existem, portanto, boas razões para separar o estágio

judicial deum procedimento de conciliação prévio e para não

confundir numa sópessoa o conciliador e o julgador. A experiência

canadense levada aefeito na Colúmbia Britânica, por exemplo, deu início a

um serviço vo-luntário de mediação a ser exercido por pessoas treinadaspor agências

oficiais de defesa do consumidor e acessível a qualquerlitigante. Segun-

do o relatório canadense, esse serviço preencheu duplafunção: “Muito

embora a obtenção de um acordo recebesse a maiorprioridade, a fun-

ção de aconselhamento tornou-se crescentemente importantee pareceu

tornar mais confiantes as partes desacompanhadas deadvogados, redu-zir o tempo de julgamento e, de modo geral, assegurar que

os litigantesestivessem bem preparados para comparecerem ao tribunal

(248). A au-diência de conciliação prévia ao julgamento pode também

servir à fina-lidade de equalizar as partes para o processo judicial

subseqüente (249).Esse tipo de tomada de decisão em dois estágios é, sem

dúvida, interes-sante, ainda que exija o comparecimento das partes duas

vezes, em lu-gar de uma só, e é fácil de compreender por que ele tem

recebido amploapoio. No entanto, como assinala Taylor, é muito cedo

para decidir seesse sistema necessariamente funciona melhor do que o

enfoque judi-cial, teorícamente menos comprometido com uma orientação

para as

Page 81: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 81/125

 

soluções de compromisso (250). Muito depende da qualidadedosjuízes

e do pessoal judiciário. 

d. Simplificando as normas substantivas para atomada de deci-

sões em pequenas causas. Uma idéia proposta por muitosreformadores

de pequenas causas é a de que se permita aos árbitrostomar decisões ba-

seadas na “justiça” mais do que na letra fria da lei. Dedois dos tribunaisde pequenas causas da Austrália se exige que assegurem

que suas deci-sões sejam “justas e equánimes”.110111

É realmente adequado tentar evitar que os tribunais“populares”

se tornem órgãos nos quais as regras técnicas, mais que a“justiça”, se-

lam o centro dos debates. A dispensa das formalidadestécnicas, todavia,não irá assegurar automaticamente a qualidade de decisão

do tribunal.Antes de mais nada, as pessoas devem ser capazes de

planejar seu com-portamento de acordo com os dispositivos legais e invocar

a lei, se trazi-dos ao tribunal. É daramente impossível desprezar por

completo as nor-mas legais. Além disso, existe o perigo de que um

relaxamento dos pa-drões substantivos permita decisões contrárias à lei em

prejuízo de no-vos direitos (freqüentemente, técnicos) (251).

 Os julgadores podem ter mais simpatia pelos ricos e

resistir à exe-cução de normas técnicas, as quais, uma vez que se

destinam a construirnova ordem social, podem parecer “injustas” em casos

particulares para

com comerciantes, locadores e outros. O perigo é ampliadose osjuízes

Page 82: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 82/125

de pequenas causas, os quais não contam com o auxilio deadvogados

para identificar a lei aplicável, falharem em desenvolversua própria expe-

riência (252). 

Na Austrália, no entanto, esses perigos não seconcretizaram. Aocontrário, os julgadores de pequenas causas desenvolveram

exriênciajurídica considerável, e as pequenas liberdades tomadas

em relação à leisubstantiva “têm sido usadas para evitar abusos e não

para denegar aproteção da lei às pessoas que estejam efetivamente

atuando dentro deseus limites” (253). Parece, portanto, que esse tipo de

reforma pode,realmente, auxiliar as pessoas comuns a buscar e defenderseus direitos.

Embora não seja uma panacéia, trata-se de um instrumentoimportante

colocado à disposição dos reformadores de pequenascausas- 

e. Reformas nos Tribunais de Pequenas Causas e oAcesso ájusti-

ça: algumas conclusões. Essas reformas nas pequenas

causas, emboraainda muito recentes, de certa forma resumem o movimentode Acesso

à Justiça, porque elas correspondem a um esforçocriativo, abrangente

e multifacetado para reestruturar a máquina judiciáriaenvolvida com

essas causas. Elas estão atendendo ao desafio crucial decriar órgãos efi-

cazes para a defesa dos direitos do cidadão comum, istoé, para assegu-

rar que os novos e importantes direitos dos indivíduos — especialmente,

até agora, consumidores e inquilinos — sejam transpostosdos códigos

para o mundo real. Encontramos, aqui, órgãos informais,acessíveis e de

baixo custo que oferecem a melhor fórmula para atrairindivíduos cujos

Page 83: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 83/125

 

direitos tenham sido feridos. Também encontramosprocedimentos que

oferecem a melhor oportunidade de fazer valer essas novasnormas téc-

nicas a favor dos indivíduos em confronto com adversáriospoderosos e

experientes. Os êxitos dessas novas soluções, as quais,como já assinala-

mos, podem ser usadas em conjunto com reformas queobjetivem a pro-

teção dos direitos dos consumidores enquanto classe,podem ter o resul-tado de alertar as pessoas a respeito de seus direitos e

de convencer seusoponentes de que esses direitos não poderão mais ser

ignorados. 

Os tribunais de pequenas causas já sãoespecializados, uma vez

que eles lidam com uma parcela relativamente estreita noque diz respei-

to à legitimidade e à matéria; mas é possível empreenderurna maior es-pecialização. Os juizados de pequenas causas, por

exemplo, podem ser(ou tornar-se) especialistas em direito dos consumidores,

porém um tri-bunal especializado em direito do consumidor estará mais

apto ajulgara qualidade te~cnica de determinado produto. Algumas

vantagens podemser obtidas através da maior especialização, de acordo

com os tipos decausas, e muitos reformadores — talvez, em alguns casos,

por terem per-dido a confiança em tribunais de pequenas causas de

jurisdição ampla — estão procurando esses benefícios.112113

2 — Tribunais de “Vizinhança” ou “Sociais “paraSolucionar

Divergências na Comunidade

 Um componente do movimento tendente a implantar ou

reformar

Page 84: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 84/125

tribunais de pequenas causas tem sido, como jáenfatizamos, o desejo de

instalar tribunais para as pessoas comuns e suasdemandas. Antes de

partir para instituições mais especializadas éinteressante examinar ou-

tro aspecto desse desejo — a tendência recente parainstalar “tribunaisvicinais de mediação”, a fim de tratarem de querelas do

dia-a-dia, prin-cipalmente questões de pequenos danos à propriedade ou

delitos leves,que ocorrem entre indivíduos em qualquer agrupamento

relativamenteestável de trabalho ou de habitação.

 Como exemplo importante desse movimento, o

Departamento deJustiça americano anunciou recentemente o começo de umaexperiência

piloto de 18 meses com três “Centros Vicinais de Justiça”(254).A tôni-

ca dessas instituições está no envolvimento dacomunidade, na facilita-

ção de acordos sobre querelas locais e, de modo geral, narestauração de

relacionamentos permanentes e da harmonia na comunidade(255). D

certa forma, essas propostas — e as experiências que seestão realizandnessa área(256) — destinam-se simplesmente a afastar dos

tribunais cer-tas questões menores, mas, noutro sentido, seu objetivo é

mais ambicio-so. Elas pretendem, segundo dois eminentes advogados das

reformas nosEstados Unidos, reduzir “os custos extraordinários que os

membros denossa sociedade pagam hoje em razão da insuficiência dos

mecanismosde solução de litígios interpessoais (257).Em outras

palavras, a fina-lidade principal consiste em criar um árgão acolhedor

para as pessoascomuns sujeitas a conflitos relativamente insignificantes

 — embora damaior importância para aqueles indivíduos — e que eles

nem podem so-

Page 85: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 85/125

 

lucionar sozinhos, nem teriam condições de trazer aoexame dos tribu-

nais regulares. Espera-se que essa forma de solução delitígios, descen-

tralizada, participatória e informal, estimulará a“discussdb, em comu-

nidade, de situações nas quais as relações comunitáriasestejam em pon-

to de colapso”(258) Essa discussão poderia servir paraeducar a vizi-

nhança sobre a natureza, origem e soluções para osconflitos que osassediam.

Embora a analogia talvez não seja perfeita, éinteressante notar a

semelhança entre essas novas reformas e experiências e oque agora já

é a realidade bem estabelecida dos “tribunais populares”da China (259),

114115

de Cuba (260), e de muitos países da Europa Oriental(261), bem comoda instituição do Nyaya Panchayat, na Índia (262). Os

reformadoresocidentais estão, em realidade, examinando essas

instituições em suabusca de mecanismos eficazes de solução de litígios, e é

interessanteatentar para o que pode ser aprendido através da

experiência das cortessociais do Leste Europeu, descrita nos relatórios do

Projeto Acesso àJustiça, induindo os “Tribunais de Camaradas” búlgaros e

soviéti-cos (263) e as “Comissões Sociais de Conciliação”

polonesas (264).Essas cortes podem ter sua definitiva justificação

teórica na dou-trina Marxista do “desaparecimento do Estado”, mas seu

propósito ex-plícito inicial é educativo: “moldar relações

interpessoais adequa-

das” (265) Muito propositadamente eles estão localizadosna vizinhança

Page 86: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 86/125

ou no local de trabalho. Funcionam com pessoas leigaseleitas na comu-

nidade, não acarretam qualquer custo para as partes edetêm competên-

cia não exclusiva sobre certo número de pequenos delitose litígios de

propriedade (os tribunais situados em locais de trabalhotratam principal-mente de infrações à disciplina laboral). Os “tribunais

de camaradas”soviéticos e búlgaros também podem se manifestar sobre

outros tiposde demandas civis de pequena monta, se ambas as partes

aceitarem suacompetência(266)

 Devido a sua competência mais ampla, tanto civil

quanto crimi-nal, e a seu poder de exarar vereditos executáveis eimpor uma série de

medidas punitivas, tais como multas (267), o “tribunal decamaradas”

soviético tem maior poder formal que seu equivalentepolonês que tem

de contar exclusivamente com a persuasãO. As comissõespolonesas não

podem, por exemplo, obrigar alguém a comparecer ou aderira sua deci-

são, embora um acordo de conciliação devidamente assinadotenha, pe-lo menos, a força de um contrato(268).116117

Essas diferenças são significativas tanto para oLeste Europeu,

quanto para os reformadores do acesso à Justiça emgeral(269). Os au-

tores do recente trabalho de campo sobre as Comissões deConciliação

Social polonesas para o Projeto de Florença enfatizam queexistem três

modelos de tribunais populares(270): (1) o modelo de“autogestão na

administração da justiça”, sob o qual “os membros dacomunidade,

atuando volutarianiente, solucionam casos que outrosmembros da co-

munidade queiram espontaneamente apresentar”; (2) omodelo de

Page 87: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 87/125

 

“agência de ordem social”, sob o qual a ênfase é tolocadasobre o con-

trole do comportamento, de sorte a alcançar a harmoniaentre os resi-

dentes locais; e (3) o modelo “preparatório”, no qual oprincipal papel

dos tribunais populares é o de assessorar a administraçãoestatal dajus-

tiça, especialmente os tribunais regulares. Embora todosos três mode-

los representem aspectos de tribunais popularesexistentes na Pol6nia,esses estudiosos concluem que o componente mais novo,

importante ebem sucedido das Comissões de Conciliação Social é o

primeiro mode-lo(271). Eles acrescentam que um maior desenvolvimento

tanto do se-gundo modelo (que exigiria, entre outras coisas, que

maiores poderes desanção e socialização fossem atribuídos às agências — 

talvez à semelhan-ça do que ocorre, por exemplo na Bulgária e na UniãoSoviética), quan-

to do terceiro (o que sugeriria maior formalidade e maiorexecutorieda-

de das decisões) seria prejudicial ao modelo deautogestão. Essa expe-

riência polonesa nos ensina, portanto, a examinarcuidadosamente os

objetivos e táticas das recentes propostas de reformas.Objetivos tais

como desviar as disputas dos tribunais, a execução dodireito estatal e

a construção de uma verdadeira justiça vicinal, não seencontram neces-

sariamente em harmonia entre si (272). As relações com avizinhança,

com o sistema judiciário formal e com instituições taiscomo a polícia,

precisam ser cuidadosamente elaboradas, ou a reformacorre o risco de

não agradar a ninguém

Apesar de alguma experimentação inicial, o potencialdesse tipo

Page 88: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 88/125

de reforma em nosso mundo ocidental permanece incerto, Umautor

chegou a sugerir que isso se deve ao fato de que a maiorparte dos in-

divíduos ocidentais são muito “móveis” para que taisórgãos vicinais

possam ser úteis na solução de litígios pessoais(273)Ademais, pode ser118119que as propostas para discussões ou mediadores vicinais

não alcancemos principais problemas que as pessoas enfrentam, uma vez

que essesproblemas podem envolver litígios com instituições fora

do contextoda vizinhança (274)No entanto, é possível que essas novas

reformas acrescentem uma nova dimensão a nossas vizinhanças.Existem, apesar

de tudo, áreas estáveis mesmo em nossos centros urbanos,e tem-se ma-

nifestado claramente, em muitos lugares, um interesserenovado, refle-

tido na experiência francesa do Conciliateur local, emdesenvolver e

preservar as comunidades vicinais(275). Tribunaisvicinais bem organi-

zados, atendidos principalmente por pessoal leigo, podemauxiliar aenriquecer a vida da comunidade, criando uma justiça que

seja sensí-vel às necessidades locais.

 

3 — Tribunais Especiais para Demandas de Consumidores 

Ainda mais diretamente relacionadas ao movimento de

pequenascausas são as reformas — de iniciativa pública ou privada

 — que criamorganismos e procedimentos especiais para demandas de

consdinidores (276). Sem dúvida, o evidente fracasso da maior parte

dos tribunais depequenas causas no sentido de promover uma solução eficaz

para os

Page 89: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 89/125

 

consumidores prejudicados tem desencadeado essa atitude,Não é neces-

sário dizer que existem numerosas possibilidades paraestruturar os me-

canismos de defesa do consumidor. Apenas alguns serãomencionados

aqui. 

a. Mecanismos que enfatizam a persuascio mais quea coerçio — 

soluçio das demandas dos consumidores através dos meiosde comuni-caçio. Uma reforma de iniciativa particular, recentemente

implementa-da e do maior interesse, com relação aos direitos dos

consumidores, é oque pode ser chamado de “solução pela imprensa”(277).

Muitas esta-ções de rádio e de televisão e alguns jornais em lugares

como o Canadá,a Inglaterra e os Estados Unidos recebem queixas dos

consumidores,encaminham-nas a outras agências, investigam diretamentealgumas e

tentam utilizar a arma da publicidade adversa para obterresultados em

favor de consumidores que tenham sido prejudicados. Orelatório norte-

americano para o Projeto de Florença afirma que, “porequilibrar o po-

der de barganha das partes, o poder da imprensa dilui avantagem que as

grandes corporações normalmente levam face ao consumidormdlvi-

120121dual” (278). Na prática, tem havido êxitos notáveis com

esse método, werk) (282), e o Major Appliance Consumer ActionPanei, nos

Estadosapesar de algumas limitações óbvias(279). Ainda que

certamente não Unidos(283). Outras fórmulas, com maior ou menorparticipação da

ini-

Page 90: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 90/125

seja um substituto para soluções públicas maissistemáticas, esses pro- ciativa privada, incluem as Comissões daLiga de

Consumidores da Ho-gramas têm grande potencial no auxílio aos consumidores.

b. Arbitragem privada de demandas do consumidor.

Os esquemasde arbitrag~m para demandas dos consumidores também têmprolifera-

do em resposta às demandas do público, por dispositivosacessíveis de

solução de litígios. Muitos dos mais importantes dessesesquemas são

promovidos pelas empresas, baseando-se, para suaeficácia, “no próprio

interesse dos empresários, em termos de prosperidade ereputação no

seio da comunidade empresarial” (280). Dentro dessacategoria, porexemplo, estão os novos programas americanos e canadenses

intituladosAgências de Melhores Negócios, estabelecidos em 1972 e

1974, respec-tivamente, o sistema germânico de arbitragem para

questões surgidas emrelação areparos de automóveis

(SchiedssteilefurdasKraftfahrzeughand122

123 landa (Consumentenbond)(284) e os sistemas de arbitragempara consu-

midores propostos pelo Diretor Geral da Auto-regulamentação do Co-

mércio (Pair Trading) da Grã-Bretanha (285).Esses planos variam consideravelmente tanto no estilo

dos proce-dimentos de tomada de decisão (escrita ou oral, mediação

ou arbitra-mento, quanto no tipo de tomada de decisão que eles

utilizam; essas di-ferenças podem ser muito importantes, mas não precisam

ser detalhadasaqui. Note-se que todos esses planos são muito baratos ou

de todo semcustos para o consumidor, além de muito rápidos e

informais; eles fre-qüentemente também oferecem a possibilidade de decisões

por especia-listas treinados (286).

Uma limitação geral básica, denominada “fraqueza

congênita”

Page 91: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 91/125

 

por um comentarista francês(287), está em que as partesou concordam

em submeter o litígio à arbitragem ou têm de se conformara uma deci-

são sem efeito executório (288). Por exemplo, o MajorAppiiance Con-

sumer Action Panei dos Estados Unidos pode apenasoferecer uma re-

comendação em relação às queixas do consumidor (289), e osistema de

arbitragem germánico só é viável se as partes acordam,por escrito, coma sua utilização (290). No entanto, têm sido encontrados

meios de mini-mizar essa fraqueza. Por exemplo, na Inglaterra, o

Diretor Geral de Au-to-Regulamentação Comercial (Pair Trading) recomenda que

as indús-trias adotem códigos de prática, postos em vigor por

esquemas de arbi-tragem previamente aceitos como vinculativos (291). Dessa

forma qual- quer consumidor pode, por sua própria iniciativa,utilizar favoravelmen-

te o sistema de arbitragem. Do mesmo modo, com relação àscomissões

holandesas e aos esquemas americano e canadense, acordosgerais po-

dem colocar à disposição do consumidor a arbitragem deque resulte

decisão exeqüível (292).Uma segunda crítica geral, relacionada à legitimidade

desses pro-gramas, levanta problemas ainda mais sérios, embora em

teoria tambémnão insuperáveis. Com exceção das comissões holandesas,

todos os pro-gramas de arbitramento acima são mantidos e operados

pelas indústriasenvolvidas. Embora monitorados por observadores

imparciais e com re-sultados aparentemente bons(293), o ceticismo a respeito

dos progra

124125

Page 92: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 92/125

mas é compreensível e de certa forma inevitável. Orelatório norte-ame-

ricano, referindo-se ao esquema do Bureau de MelhoresNegócios, obser-

vou: “os consumidores duvidam que ele possa ser dirigidoao interesse

público, sendo como é, controlado e administrado pelospróprios inte-ressados ‘oponentes’ “(294). Teme-se a parcialidade não

apenas nas de-cisões individuais, mas também na adoção de parâmetros

gerais que nor-tearão a conduta dos homens de negócios.

Programas eficientes poderão, com o tempo, superar adescrença,

mas os programas que demonstrem real sucesso naequalização das par-

tes e na luta pelos direitos dos consumidores,provavelmente, ficarãolimitados aos poucos grupos de indústrias suficientemente

bem organiza-dos, que concordem previamente em submeter-se a esses

esquemas(295).Segundo a recente afirmação de um comentarista,

“infelizmenteprogramas agressivos de defesa do consumidor desencorajam

um apoioefetivo dos comerciantes”(296). O potencial desse tipo de

solução é, portanto, necessariamente limitado. No entanto, numquadro mais

amplo de um sistema pluralístico de possibilidades, essesesquemas pri-

vados, tal como a utilização dos meios de comunicação,têm algo com

que contribuir para a garantia dos direitos dosconsumidores.

Pórmuias governamentais de soluçio dos conflitos deconsu-

midores. As recentes experiências de proteção aosconsumidores de-

monstram que a arbitragem governamental das demandasdeles podem

evitar os problemas básicos dos programas particulares — relacionados à

legitimidade e ao grau de participação das partesinteressadas — ao mes-

mo tempo em que assegura as vantagens de baixo custo,celeridade e es-

pecialização. As vantagens do envolvimento público já

são, de fato, re-conhecidas nas experiências particulares mencionadas

acima. As agên-

Page 93: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 93/125

 

cias governamentais encorajam e, até certo ponto,supervisionam os pro-

gramas particulares, pelo menos no Canadá e nos EstadosUnidos (297).

Deve-se fazer menção, entre os programas exclusivamentepúblicos, da

experiência francesa das “Comissões Departamentais deConciliação”,

que começaram a operar experimentalmente no final de1976(298), e,

também, da instituição mais bem estabelecida do“Departamento Públi-co de Reclamações”, o qual, conforme demonstraram

recentes pesqui-sas levadas a efeito na Suécia(299) e na Dinamarca(300),

podem contri126127buir com muito para um sistema compreensivo de proteção

ao consu-midor.

As Comissões de Conciliação para Queixas dosConsumidores, daFrança, foram estabelecidas experimentalmente em apenas

seis (dentreos 95) departamentos franceses, mas os resultados têm

sido tão bonsque, por volta de novembro de 1977, o sistema foi

estendido a todo opaís (301). Ele envolve uma série de procedimentos

simples que come-çam com uma carta à “caixa postal 5000” e culminam, se

necessário,com uma audiência perante uma comissão composta pelo

Diretor De-partamental de Concorrência (Comercial), um representante

dos consu-midores e outro das organizações profissionais. A

comissão busca teracesso aos aspectos técnicos do problema e propor uma

solução apro-priada, a qual, embora não precise ser adotada pelas

partes, tem sido ge-

ralmente aceita, como demonstra a experiência.O Conselho Público de Reclamações da Suécia, que,

depois de um

Page 94: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 94/125

período de teste foi consideravelmente ampliado em 1974,é descrito,

com algum detalhe, num relatório do Projeto Acesso àJustiça(302),

mas seu especial interesse faz com que ele mereça mençãoaqui. O Con-

selho Público de Reclamações, que atualmente temumajurisdição nãoexclusiva sobre virtualmente todas as reclamações dos

consumidorescontra comerciantes, com relação bens e serviços,

desenvolveu-se a par-tir da experiência sueca com departamentos particulares

de reclamação,semelhantes aos que foram descritos na seção anterior. As

característi-cas básicas dos departamentos particulares — os

procedimentos de regis-tro escrito e o cunho não obrigatório das decisões — foram mantidas,

mas a manutenção, fiscalização, objetivos e a composiçãodas comissões

decisórias foram significativamente alterados.Atualmente, existe um

desses Conselhos em Estocolmo, composto de dezdepartamentos espe-

cializados (303). Cada departamento é composto de cercade seis a dez

membros e tem igual número de representantes dosconsumidores e co-merciantes, bem como um juiz-presidente neutro. As

decisões se fazempor maioria, embora, na prática, geralmente sejam

unânimes. Pensava-seevitar, através da composição e procedimento do Conselho,

as ingerên-cias que tendem a manifestar-se não apenas nas decisões

individuais to-madas nos departamentos particulares, mas também nos

parâmetrossubstantivos aplicados por esses departamentos. Do

Conselho espera-seque seja capaz de desenvolver um conjunto de regras, a

respeito da con-duta mercantil e dos padrões dos produtos, as quais sejam

tanto tecni-camente viáveis quanto justas (304).128129

Page 95: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 95/125

 

Além disso, o Conselho é dotado de um Secretariado,também se-

diado em Estocolmo e atualmente composto por 25 pessoas(a maior

parte das quais com formação jurídica). O Secretariadoaconselha as

partes (e o público em geral) e objetiva encontrarsoluções para os casos

trazidos perante o.Conselho. Ambas as tarefas, deaconselhamento e de

conciliação, são de crescente e considerável importância(305).O Conselho Público de Reclamações resolve com

muita presteza epraticamente sem custos as reclamações. Ele se notabiliza

por sua habili-dade em usar sua experiência tanto para auxiliar os

consumidores infor-malmente quanto para examinar imparcialmente as disputas

dos consu-midores, as quais podem ser muito complexas e altamente

técnicas. Mesmo que suas decisões não sejam obrigatórias, temhavido plena acei-

tação delas em pelo menos 80% dos casos(3O6). A aceitaçãoé estimula-

da pela publicação de uma “lista negra” dos empresáriosque deixam de

atender às decisões dentro do prazo de seis meses.As vantagens do Conselho Público de Reclamações são

evidentes,mas existem também algumas notáveis limitações aparentes.

Ele é cen-tralizado em Estocolmo, baseia-se exclusivamente no

procedimento es-crito e, portanto, não pode ouvir testemunhas; além

disso, suas decisõesnão são exeqüíveis(307). Os políticos suecos reconheceram

 — e na rea-lidade planejaram — essas limitações, por terem imaginado

essa institui-ção não para atuar isoladamente, mas, antes, para

complementar os re-

centemente estabelecidos “tribunais de pequenascausas”(308). Um

Page 96: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 96/125

consumidor que obtenha uma recomendação favorável doConselho,

pode dirigir-se a um tribunal de pequenas causas,independentemente

do valor da demanda. A decisão do Conselho seráconsiderada como

prova. Embora isso não tenha ocorrido freqüentemente, naprática, ostribunais de pequenas causas podem solicitar ao Conselho

pareceres emquestões técnicas. Mais importante, como assinalamos

acima, é o fatode que os tribunais de pequenas causas estão disponíveis

para auxiliaros consumidores enquanto réus, podendo, também, ser

utilizados paradecidir causas que envolvem questões de credibilidade, ou

para as quais o procedimento escrito seja inadequado. Muitosignificativamente, o Se-

cretariado do Conselho Público de reclamações se dispõe aauxiliar o

consumidor a decidir se sua causa deve ser apresentadaperante o Con-

selho.A idéia de Conselhos Públicos de Reclamações,

conseqüentemen-te, é promissora desde que considerada como parte de um

sistema inte-grado de defesa do consumidor. Sem dúvida, as inovaçõessuecas; no

sentido da criação de tribunais e procedimentoseficientes para os con-

sumidores individuais, também estão em estreita relaçãocom o manda-

to do Ombudsman do Consumidor para proteger os interessesdos con~

sumidores, enquanto classe (309). Considerando osinteresses dos consu-

midores, seja como indivíduos, seja como grupo, bem comoas caracte-

rísticas particulares das disputas entre consumidores&empresários, o

sistema sueco ilustra de forma excelente o potencial doenfoque de

acesso àjustiça, nas causas de consumidores.130131

 a. Ciusas relativas ao meio-ambiente — as experiéncia.s

japonesas4 — Mecanismos Especializados para Garantir

Direitos “Novos”

Page 97: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 97/125

 

em Outras Áreas do Direito 

A análise dos tribunais de pequenas causas, tribunaispopulares e

órgãos de proteção aos consumidores sublinha os aspectosprincipais e

cobre grande parte da recente atividade reformistaenvolvidos no esfor-

ço de criar mecanismos novos para os tipos de demandasque se torna-

ram o ponto focal do movimento de acesso à justiça. Épreciso recordarque a ênfase tem sido dada no sentido de tornar efetivos

os direitossubstantivos relativamente novos, de que as pessoas

desprovidas de po-der agora dispõem (pelo menos em teoria) contra os

comerciantes, p0-luidores, empregadores, locadores e burocracia

governamental. Tem si-do dirigida muita atenção aos tribunais de pequenas

causas e tribunaisde consumidores, como meio de promover esses direitosnovos. O que

tem surgido com crescente intensidade é um novo enfoquede procedi-

mento civil, destinado a atrair indivíduos que, de outramaneira, não

reclamariam seus direitos, e dar-lhes uma oportunidadereal de deflni.los

perante um órgão informal, mas sensível a esses direitosem evolução.

Por outro lado, o enfoque levou à criação de meios para arecoizciiação

das partes envolvidas em relações quase permanentes que,de outra for-

ma, seriam postas em perigo.Certo número de enfoques, altamente especializados,

estão emer-gindo de outros tipos de litígios entre indivíduos, com

causas de valoresrelativamente pequenos, de um lado, e poderosos

litigantes organizacio-

nais, de outro. Sem tentar exaurir o tema, baseadosprincipalmente nos

Page 98: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 98/125

relatórios nacionais do Projeto de Florença,descreveremos alguns des-

ses promissores experimentos. Nosso objetivo será o deindicar algumas

das importantes reformas procedimentais que continuamperseguindo o

objetivo de apoiar o indivíduo em suas relações com asgrandes corpo-rações, a burocracia governamental e outras entidades

mais ou menospoderosas e organizadas (310).

de 1970Diz o Relatório Japonês do Projeto de Florença:

  — “As causas relativas à poluição ambiental estão

entre os tiposmais difíceis de litígios a serem solucionados nos

tribunais, na for-ma do procedimento tradicional. Elas envolvem grandenúmero

de pessoas e problemas científicos de difícilsolução. Os procedi-

mentos ordinários têm-se mostrado inadequados emrazão do

tempo, recursos e conhecimento especializado que estetipo de

causa normalmente exige” (311).As causas relativas ao meio ambiente têm dimensão

tanto coleti-va, “difusa”, quanto individual, e ambas as dimensões têmsido tratadas

em termos gerais no presente estudo. Os remédiosaplicáveis aos interes-

ses difusos — característicos da “segunda onda” dasreformas de “acesso

à justiça” — têm relevância particular com relação aosproblemas am-

bientais(312), mas as soluções e fórmulas aplicáveis àspequenas causas

podem ser muito importantes para os indivíduosprejudicados por po-

luidores, uma vez que seu prejuízo individual, se houver,será provavel-

mente pequeno.A natureza altamente técnica das causas ambientais

pode levar àmaior especialização. No Japão, em particular, novos

métodos têm sido

Page 99: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 99/125

 

criados para manejar tanto os aspectos difusos quantoindividuais dos

problemas ambientais. A lei japonesa para a Solução deLitígios sobre

132133

Poluição Ambiental, de 1970, adotou muitas reformasinteressantes,

poucas das quais podem ser discutidas aqui(313). O maisimportante de

tudo é que ela deu ao indivíduo agravado o direito de,com despesas mí-nimas, apresentar sua queixa perante uma das Comissões

locais ou cen-tral para a Solução de Litígios sobre Poluição Ambiental.

Essas comis-sões levam a efeito investigações técnicas

especializadas, sem custo paraas partes, e usam suas conclusões num amplo espectro de

alternativasde solução de litígios, que incluem a conciliação, o

arbitramento e umaforma de decisão quase judicial(314). Ademais, osrecursos de investiga-

ção da Comissão Central podem ser requisitados porqualquer tribunal,

sempre que o relacionamento fático entre os danos de umrequerente e

as atividades do requerido envolvam hipótese de litígioambiental. De

acordo com o relatório japonês, a disponibilidade desseprocedimento

pode alterar o caráter dos litígios ambientais:“primeiro, o requerente

não suporta o ônus da produção de prova de carátercientífico e alto

custo; segundo, os poderes e recursos investigatórios daComissão po-

dem ser plenamente utilizados, proporcionando, dessaforma, os meios

e o poder que geralmente faltam às vítimas” (315).Finalmente, o siste-

ma japonês de proteção ambiental inclui métodos para

ações r4resen-tativas, comparáveis às Class Actions, e proporciona

atendimento por

Page 100: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 100/125

Conselheiros sobre Poluição Ambiental” (316).O resultado disso é que as pessoas comuns dispõem

de vários ór-gãos nos quais podem acionar os poluidores, e acesso, sem

custos, aoaconselhamento e experiência técnica para assessorá~los

nas demandas.Ademais, como é especialmente importante para problemasambientais,

os indivíduos não são isolados de outros em situaçãosemelhante. Natu-

ralmente, ainda não está claro se uma nova estrutura nosmoldes daja-

ponesa é essencial para a proteção dos direitosambientais, mas essa ex-

periência criativa certamente merece ser cuidadosamenteobservada pe-

los reformadores.b. Litígios entre inquilinos e proprietários — Aexperiência cana-

dense. Na área dos locadores e locatários, merecemreferência muitas

inovações recentes, destinadas a assegurar que aregulamentação jurídi-

ca, em constante evolução, seja implementada na prática(317). A pri-

meira é o instituto canadense de “Rentaisman” (Homem dosAluguéis),

134135criado em 1971 em Manitoba (318), e em 1974, na Colúmbia

Britâni-ca (319), com o objetivo de proporcionar um órgão

eficiente, acessível ebarato para os litígios entre senhorios e inquilinos. Os

Rentaismen sãoindivíduos nomeados pelos governadores, mediante

indicação dos con-selhos executivos de cada uma das províncias. Na Colúmbia

Britânica,onde o cargo é especialmente importante devido à

jurisdição ampla eexclusiva confiada ao Rentaisnian, ele detém o posto por

cinco anos edirige uma equipe de 30 pessoas sediada em Vancouver.

Reconhecendo a necessidade de conjugar o conhecimentoespe-

cializado das novas leis de inquilinato, à sensibilidadecom que devem

Page 101: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 101/125

 

ser tratadas as relações duradouras entre locador elocatário, esses es-

critórios dão ênfase ao aconselhamento e à mediação.Funcionários es-

pecializados fornecem informações em resposta a consultastelefônicas,

conduzem investigações a respeito dos fatos subjacentesaos litígios e

buscam persuadir as partes no sentido de os resolverem deforma ami-

gável. Em relação aos poucos casos em que não se consegueuma solu-ção amigável, o funcionário encarregado pode realizar

audiências e de-cidir (com recurso, na Colúmbia Britânica, ao Rentalsman)

(320). Oprocesso como um todo é rápido e barato, e os advogados,

embofa nãoseja proibida a sua participação, são raramente

utilizados. O relatóriocanadense observa que o baixo custo e a informalidade

encorajam aspessoas, “que normalmente não compareceriam perante umtribunal”,

a demandar seus direitos através desse novo processo(321).

O uso e a popularidade crescente desses serviçosé uma evidência

do sistema (de outubro de 1974 a junho de 1976), naColúmbia Britâni-

ca foram atendidas cerca de 400.000 consultas eresolvidas cerca de

19.000 questões, sob os auspícios dessa entidade (322). 

Ainda que unia avaliação sistemática dessainstituição, orientada

no sentido de estimular as soluções de compromisso entreas partes,

exija maior estudo, pode-se dizer que esse tipo demecanismo especiali-

zado e informal tem considerável potencial para a soluçãodos litígios

entre locadores e locatários. Essa instituição e outras

semelhantes, noCanadá, têm ido muito longe, tanto na tarefa de informar

locatários e

Page 102: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 102/125

senhorios a respeito de seus direitos e deveres, quantona de proporcio-

nar-lhes um forum onde suas disputas possam sersolucionadas rapida.

mente e sem despesas. Essas instituições têm procuradopreservar as

relações duradouras entre as partes, ao mesmo tempo emque tornamrealidade as novas e relativamente complexas leis de

inquilinato. Se-gundo o relatório canadense, “esses novos mecanismos de

equilíbriotêm efetivamente reorientado as relações de locação”

(323).130137

e. Os Litígios de Inquilinato — O Tribunal de

Habitaçio da Cida-de de Nova lorque. A ênfase que se verifica naexperiência canadense,

onde se prefere utilizar a conciliação em vez doarbitramento ou das de-

cisões, é também compartilhada pelo interessante Tribunalde Habitação

da Cidade de Nova lorque, estabelecido no final do ano de1973 (324).

Embora sua competência não seja exclusiva (o quesignifica que uma

das partes pode deslocar o caso para os tribunaisregulares), com aconcordância das partes ele pode resolver todos os tipos

de questõesque surgem entre inquilinos e locadores na cidade de Nova

lorque.Os funcionários encarregados — advogados escolhidos

por seu co-nhecimento do setor imobiliário — solucionam a maior

parte dos casos.A sua atitude ativa torna-se evidente através do fato de

que eles exami-nam cuidadosamente as questões de despejo sumário

apresentadas peloslocadores — e que constituem a maior parte dos processos

no Tribunalde Habitação — e, freqüentemente, revelam matéria de

defesa para oslocatários, com base em infrações ao Código de Habitação.

Dessa forma,eles auxiliam os locatários a tomarem ciência de que

detêm novos direi-

tos a determinados padrões de habitação. A ênfase naconciliação, a se-

Page 103: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 103/125

 

gunda característica básica que eles compartilham com osistema cana-

dense, evidencia-se no fato de que apenas em 20% doscasos se torna

necessário proferir uma decisão (325). 

O Tribunal de Habitação da Cidade de Nova lorqueainda não foi

objeto de intensa pesquisa empírica, mas seu potencial jáfoi demonstra-

do. Sua atuação, de acordo com o relatório americano doProjeto deFlorença, resultou na restauração de mais de 7.000

unidades habitacio-nais consideradas abaixo dos padrões exigíveis, nos seus

seis primeirosmeses de atuação. E a demanda, por seus serviços, torna-

se evidentepelo fato de que, quando inaugurou suas atividades em

1973, já havia550 casos aguardando por ele (326). Embora tenha havido

alguns pro blemas de entrosamento com os funcionários damunicipalidade (327),

a contribuição dessa instituição, no sentido de melhorara situação ex-

tremamente complexa de habitação no Estado de NovaJorque, tem

sido notável. Ela ajuda a demonstrar o potencial cada vezmais reconhe-

cido dos tribunais habitacionais especializados.cl. Litígios de Direito Administrativo — A

prol~feraçcio da Institui-çio do Ornbudsman. Os litígios entre os indivíduos e o

governo a respei-to de temas tais como o direito a certos benefícios

sociais, são de inte-resse óbvio no “estado de bem-estar social”(328). Essas

causas geral-mente levantam o problema da “justiça discricionária”:

como controlara conduta dos administradores e promover remédios para as

vítimas de

abusos da arbitrariedade administrativa. Controlar o graude discriciona-

riedade é um dos desafios básicos de nosso tempo (329).

Page 104: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 104/125

Os relatórios do Projeto de Florença mostram oreconhecimento

geral da necessidade de adaptar a máquina administrativaaos litígios

que, como enfatizam os juízes Bender e Strecker, envolvem“partes

que. . . em princípio, são desiguais — ou seja, de umlado, indivíduos e,de outro, os detentores do poder público”(330) É também

notável quealém dos diversos sistemas nacionais de tribunais

administrativos e con-trole administrativo(331), a instituição complementar do

ombudsman(mais ou menos modelada a partir do Ombudsman sueco,

estabelecido138

139em 1809) está sendo utilizada eficientemente num númerocrescente

de países. As já conhecidas atividades do ombudsman nãoprecisam ser

descritas aqui (332), mas é significativo queinstituições semelhantes te-

nham sido recentemente estabelecidas na Austrália (333),na Áus-

tria (334), no Canada (335),na França (336), na Grã-Bretanha (337), em

Israel (338) e nos Estados Unidos (339). No Canadá, defato, tem havidourna bem sucedida Companhia de Telecomunicação do

Ombudsnjan Ca-nadense, desde 1974, cujo programa de televisão é

aparentemente ouvi-do por 10% ou mais da população adulta daquele país

(340). Está claro,dessa forma, que a idéia de um protetor independente do

público, arma-do com instrumentos de investigação e publicidade, está

ganhandoaceitação crescente e acrescentando um método importante

de proteçãopara os indivíduos e para o público em geral, contra os

abusos dos admi-nistradores.

e. Litígios Individuais do Trabalho — a ReformaItaliana de 1973.

Tal como no Direito Administrativo, existe uma renovadaatenção em

Page 105: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 105/125

 

muitos países para o problema de fazer valer os direitosindividuais no

campo trabalhista, seja contra uma empresa, um governo oumesmo um

sindicato. Embora as várias tentativas, discutidas nosrelatórios nacio-

nais para o Projeto de Florença (341), não possam serenfocadas

140141

aqui (342), é preciso mencionar a importante reformatrabalhista de1983, porque — ao contrário das dificuldades encontradas

na implemen-tação de outras reformas na Itália, especialmente nos

campos do aconse-lhamento jurídico e do procedimento civil em geral( 343)— 

ela ilustra umesforço dramático para melhorar as condições de acesso à

justiça emuma área do Direito (344).Essa reforma contrasta como

procedimentocivil comum, porque ela se concentra no procedimento deprimeira ins-

tância, utiliza um só juiz (o pretor), dá-lhe amplospoderes e simplifica

os procedimentos. Existem possibilidades de assistênciajudiciária, pa-

trocinada pelo Estado, bem como medidas especiais paraassegurar que

os recursos — cujo âmbito foi restringido — não retardemo pagamento

das somas devidas a um empregado. Embora ainda não setenha feito

uma avaliação completa, esse novo procedimento parece játer dado um

passo à frente na direção de tornar “o direito ao acessoâjustiça concre-

to e efetivo para os trabalhadores” (345). 

D — MUDANÇAS NOS MÉTODOS UTILIZADOS PARAA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS JURÍDICOS

 

Page 106: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 106/125

A mesma filosofia que inspira a criação deprocedimentos especia.

lizados no sentido de auxiliar as pessoas comuns a fazervaler seus direi-

tos — contra comerciantes, empregadores, poluidores,locadores, a birro-

cracia governamental, etc. — também orienta as reformasque serão dis-cutidas nessa seção. Essas reformas reconhecem que,

apesar dos esforços(tornados necessários pelas dificuldades econômicas e

outras razões)para minimizar a necessidade de atuação de advogados para

a defesa dosdireitos do cidadão comum, a assistência e a

representação continuarãoa ser importantes em muitos casos complicados. Além

disso, a assistên-cia jurídica significa mais do que a simplesrepresentação perante os tri-

bunais. Ela implica auxílio para tornar as pessoas maisativamente par-

ticipantes das decisões básicas, tanto governamentaisquanto particula-

res, que afetam suas vidas. Daí surge a questão básica decomo tornar a

assistência jurídica de alta qualidade acessível a todos,o que dela fez,

como é fácil compreender, um ponto focal para osreformadores doacesso à justiça. Charles Baron, antigo diretor do Centro

Norte-Ameri-cano para Consumidores de Recursos Jurídicos, notou:

“pode-se dizerque existe agora um ativo movimento de consumo dos

serviços jurídicosnos Estados Unidos, que está interessado em causas que

permeiam to-dos os aspectos da profissão jurídica” (346). Para

mencionar apenasmais um exemplo: A recentemente criada Comissão Real

sobre ServiçosJurídicos, da Inglaterra — destinada, entre outras

coisas, a debater se“são desejáveis (mudanças) no interesse do público, na

estrutura, orga-nização e treinamento” da profissão jurídica — demonstra

claramente

Page 107: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 107/125

 

essa nova disposição de questionar os métodos,organização e mesmo o

controle da profissão e de seu exercício (347).142143

Dois enfoques básicos à reforma da prestação dosserviçosjurídi-

cos já foram vistos nesse relatório. Um enfoque, cada vezmais evidente,

nos procedimentos especializados que discutimos, consiste

em desenvol-ver substitutos mais especializados e menos dispendiososque os advoga-

dos individuais. Muitos tribunais de pequenas causas, porexemplo, pro-

porcionam aconselhamento jurídico que torna desnecessáriaa presença

de advogados (348). Um fenômeno importante e que merecemaior aten-

ção, é a proliferação de pessoal paraprofissional. Umsegundo enfoque,

que já apareceu quando examinamos o sistema sueco deassistência ju-rídica, está em encontrar novos meios para tornar os

profissionais alta-mente qualificados, acessíveis às pessoas comuns (349).

Esses métodosincluem planos de “seguro” ou serviços jurídicos “em

grupo”. Eviden-temente, esses dois enfoques (algumas vezes

complementados por ou-tras importantes atividades que têm por objetivo reformar

a prestaçãode serviços jurídicos, tais como o levantamento das

restrições à propa-ganda (350) e o esforço de criar “clínicas jurídicas” nos

Estados Uni-dos (351) podem ser combinados num esforço para reunir as

vantagensde ambos.

1 — O Uso dos “Paraju rádicos” 

Os “parajurídicos” — assistentes jurídicos com

diversos graus detreimamento em Direito — assumiram nova importância no

esforço de

Page 108: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 108/125

melhorar o acesso à justiça. É cada vez mais evidente quemuitos servi-

ços jurídicos não precisam necessariamente ser executadospor advoga-

dos caros e altamente treinados. O “Rcchtspfleger”alemão, por exem-

plo, é um funcionário-juiz paraprofissional que, entreoutras coisas,tem papel importante no aconselhamento daqueles que

necessitam pre-parar suas demandas judiciais (352). Desde 1970, os

parajurídicos têmsido crescentemente utilizados, principalmente nos

Estados Unidos,para fazerem pesquisa, entrevistar clientes, investigar

as causas e prepa-rar os casos para julgamento (353).

Como foi assinalado na discussão sobre os tribunaisde pequenascausas, Os “advogados leigos”, onde não sejam proibidos

de atuar, porestatutos que vedem o “exercício ilegal da profissão”,

estão-se tornando144145importantes em muitas áreas jurídicas. Os “McKenzie Men”

da Inglater-ra, por exemplo, refletem essa tendência (354).

O potencial dos parajurídicos pode ser tambémdemonstrado porum importante exemplo alemão. A Federação dos Sindicatos

de Traba-lhadores Alemães (Deu tsdrer Gewerkschaftbrtnd: DGB)

utiliza os para-jurídicos num programa destinado a servir seus sete

milhões de mem-bros (355). Funcionários especialmente treinados

(RechtsskretSre),através de um programa de onze meses, numa escola

localizada emFrankfurt e dirigida pela DGB, proporcionam serviços

jurídicos aosmembros dos sindicatos, em áreas tais como: emprego,

segurança social,benefícios aos veteranos e imposto de renda. Além de

aconselhamento

Page 109: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 109/125

 

jurídico e serviços semelhantes os funcionários, quandonecessário, até

mesmo representam os trabalhadores perante a justiça dotrabalho (Ar-

beitsgerichte) (356). Essa eficiente utilização dosparajurídicos, especial-

mente permitida pelas normas alemãs que cogitam doexercício ilegal da

profissão (357), demonstra como os parajurídicos podemcontribuir

para o movimento de acesso à justiça (358). Existem,naturalmente,muitas questões relacionadas ao nível de treinamento e a

aceitabilidadeas quais precisam ser resolvidos antes que o potencial

dos parajurídicospossa ser constatado; mas é evidente que muitas funções,

que eram tra-dicionalmente exclusivas dos advogados, não mais precisam

sê-lo. 

2 — O Desenvolvimento de Planos de AssisténciaJurídica

Mediante “Convénio”ou “em Grupo” 

Os desenvolvimentos de planos de assistência jurídicamediante

“convênio” ou “em grupo”, nos anos mais recentes, estãoentre as re-

fomas de mais amplo alcance, aqui discutidas, Nessa área

encontramosplanos e propostas audaciosos com o objetivo de tornar os

advogadosacessíveis, mediante custos razoáveis aos indivíduos das

classe média ebaixa, cujos direitos e interesses têm sido nosso foco

central. Sem dú-vida, já que é inevitável que tenhamos um número sempre

crescentede conflitos jurídicos, essa tentativa de promover o

acesso aos advoga-

dos pode, na realidade, complementar as rçformas quetendem a dis-

Page 110: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 110/125

pensar a necessidade de advogados (359). Ambos os tiposde reforma

são essenciais para reivindicar eficientemente os “novos”direitos dos

indivíduos e dos grupos.Embora a terminologia ainda não esteja claramente

definida, “planos de convênio para serviços jurídicos” podem serdescritos, em

traços gerais, como mecanismos através dos quais osindivíduos con-

correm com algo semelhante a uma contribuição social ouum prêmio

de seguro, para obterem, sem custos, ou com custosreduzidos, alguns

serviços jurídicos pré.determinados, quando surja anecessidade de

utilizá-los, O objetivo consiste em distribuir o riscoentre todos aque146147les que pagam essa mensalidade ou prêmio (360). Os planos

em grupotambém podem ser pagos antecipadamente, no sentido de que

tam-bém envolvem a distribuição dos riscos. Podem, no

entanto, simples-mente representar uma relação pela qual os serviços

jurídicos se tornemdisponíveis, aos membros de um determinado grupo,mediante uma

contribuição reduzida (361).O potencial desses planos é enorme, considerada a

“economia deescala, o uso dos advogados tanto para prevenção, quanto

para soluçãode casos, a divisão dos riscos entre os membros do grupo

e, dependendoda clientela em questão, a definição de parâmetros no

processo de nego-ciação dos benefícios e custos de um plano” (362), Uma

distinção básicaentre esses planos — e a fonte de muitos debates — diz

respeito à capaci-dade do participante para escolher seu próprio advogado.

O sistemaaberto, geralmente, tem como característica a escolha

relativamente li-

Page 111: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 111/125

 

vre de advogado que, então, é pago pelo plano, enquantoos sistemas

“fechados” restringem, em maior ou menor grau, essaescolha e um de-

terminado número de advogados. Existem, naturalmete,inúmeras gra-

dações entre um e outro sistema.Os países europeus têm tido uma experiência longa e

crescente-mente positiva com o “seguro de despesas jurídicas”, ou

seja, planos deassistência jurídica, pagos antecipadamente e com sistemade livre esco-

lha do profissional, operados por companhias de seguros(363).Esse tipo

de seguro surgiu inicialmente como uma decorrência daspolíticas de se-

guros contra acidentes de automóvel, no início do século.A cobertura

para automóveis ainda é o componente mais importante, masum amplo

espectro de coberturas podem ser atualmente obtidas emdiversos paí-ses, especialmente na Alemanha e na Suíça (364). Por

prêmio relativa-mente baixo, um operário alemão e sua família podem

receber cobertu-ra para despesas jurídicas decorrentes da propriedade e

utilização de umautomóvel, da propriedade de um imóvel, da indenização

por danos,para defesa criminal, para causas trabalhistas ou de

seguridade social,de direitos contratuais e de causas de direito de família

ou de suces-sões (365).

A import5ncia crescente do seguro jurídico torna-seevidente pelo

volume sempre maior de transações realizadas(366), bemcomo pelo

fato de que, em 1974, o Lloyd’s de Londres decidiuingressar nesse

148

149campo e tornar tal seguro acessível pela primeira vez na

Grã-Breta-

Page 112: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 112/125

nha (367). Além disso, esses esquemas despertaram aatenção de muitas

pessoas preocupadas com o problema do acesso à Justiça. Adiscussão a

respeito do potencial do seguro para despesasjurídicas,na Europa, tor-

nou-se recentemente um aspecto importante do movimento deacesso àjustiça, que ali tem lugar (368). Isso advém do fato de a

cobertura, am-pliada por custos relativamente baixos, auxiliar, sem

dúvida alguma, atornar a máquina jurídica mais acessível àqueles que

detenham tal se-guro (369).

Já foi sugerido, no entanto, que o sistema privadoeuropeu de

seguro para despesas jurídicas, com objetivo de lucro elivre escolha,talvez não seja o melhor tipo de serviço jurídi~io de

grupo. A objeçãoé a mesma que já foi encontrada na comparação entre os

sistemas “ju-dicare” e “staff attorney” de assistênciajudiciária(370),

ou seja, os pla-nos de livre escolha deixam a critério do indivíduo

distinguir quandoé desejável uma providência jurídica, quando serão úteis

os serviços deum advogado e qual advogado constitui a melhor escolha.Além disso, é

evidente que os lucros da seguradora dependem de suacapacidade de

prever e planejar o número de causas que serãoapresentadas. Nornral-

mente, essa previsibilidade diz respeito aos atosfortuitos, porém não

às ações intencionais dos requerentes. Logo, se essesplanos não quise-

rem arriscar ou destruir sua viabilidade financeira, elesdificilmente bus-

carão educar as pessoas em relação aos seus direitos,encorajá-las a faze-

rem “revisões de seus negócios sob o aspecto jurídico” eestimular a

atividade jurídica — o que, presumivelmente, auxiliaria areduzir as bar-

reiras colocadas pela capacitação das partes a um acessoefetivo nas

áreas das quais nos ocupamos (371).

Page 113: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 113/125

 

Muitos reformadores acreditam que planos fechadospodem evitar

ou pelo menos minimizar esses problemas. Planos fechadospodem per-

mitir aos advogados desenvolver especializações quepermitam reduzir

custos. Os parajurídicos podem ser eficientementeutilizados para lidar

com os aspectos de rotina de certos tipos de problemasjurídicos. Em

troca da condição de que o assunto será tratado por umdeterminadogrupo de advogados, o plano poderá negociar um prêmio

mais reduzido.É possível esperar, portanto, que, apesar da estimulação

da demandajurídica, os planos fechados sejam capazes de manter os

prêmios em va-lores reduzidos (372).

Apesar da oposição inicial das entidades associativasdos advoga-

dos, está emergindo nos Estados Unidos a preferênciapelos planos fe-chados, operados sem fins comerciais ou por grupos

subsidiados pelascontribuições dos membros dos sindicatos de trabalhadores

(373). Esses150151

planos fechados implicam maior reorganização dossistemasjurídicos do

que os sistemas abertos, uma vez que a sua adoção desafia

a idéia tradi-cional de que um advogado, pago por uma organização para

atender aum indivíduo, não será suficientemente independente para

dar sua totaldedicação aos interesses do cliente que ele representa

(374). Além disso,os planos fechados — com ênfase na especialização — estão

tomando adianteira na utilização de pessoal parajurídico para

tratar de problemas

de rotina (375).Inúmeras experiências estão agora tendo lugar nos

Estados Uni-

Page 114: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 114/125

dos, com diversos tipos de planos (indusive com algunsplanos abertos)

e parece, que, depois de aproximadamente uma década deincerteza,

esses serviços jurídicos estão finalmente começando apreencher seu

potencial no sentido de implementar o acesso à justiçapara as classesmédia e baixa (376). Ao contrário dos planos europeus de

seguro jurídi152153

co, esses planos emergentes tendem a enfatizar a“prevenção” e a edu-

cação a respeito dos direitos dos cidadãos(377). Tem sidomesmo afir-

mado que esses planos serão capazes não só de prover a

representaçãopara os indivíduos, mas também de promover os interessesdifusos do

grupo (378). Certamente, tais reformas podem com eficáciamobilizar

os indivíduos — pelo menos aqueles indivíduos queparticipam de gru

pos que possam manter planos de serviço jurídico — aperseguir seus

direitos (379). Devemos, no entanto, estar atentos paranão exegerar os

prognósticos acerca desse modelo americano de prestaçãode serviçosjurídicos em grupo. O Professor Mayhew escreveu

recentemente que“devemos reservar-nos o direito de ser céticos quanto às

possibilidadesde realização desses programas, até que eles tenham sido

cuidadosa-mente estudados” (380). O fato é que o seguro americano,

apesar desuas limitações, tem demonstrado crescimento tanto no que

diz respei-to à ampliação das coberturas, quanto no que tange a sua

demanda. Osistema europeu, caracterizado por seguro, com £ms

comerciais, numsistema de livre escolha do profissional, pode-se mostrar

mais duradouro154155

Page 115: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 115/125

 

do que as experiências americanas, mais direcionadas nosentido dajus-

tiça social. Isso não quer dizer que o sistema europeupossa ou deva ser

transferido para os Estados Unidos, mas apenas destaca anecessidade de

não exagerarmos as realizações dos planos experimentaisnorte-ame-

ricanos. 

E — SIMPLIFICANDO O DIREITO 

Nosso Direito é freqüentemente complicado e, se nãoem todas,

pelo menos na maior parte das áreas, ainda permaneceráassim. Precisa-

mos reconhecer, porém, que ainda subsistem amplos setoresnos quais a

simplificação é tanto desejável quanto possível (381). Sea lei é mais

compreensível, ela se torna mais acessível às pessoascomuns. No con-texto do movimento de acesso àjustiça, a simplificação

também diz res-peito à tentativa de tornar mais fácil que as pessoas

satisfaçam as exi-gências para a utilização de determinado remédio

jurídico. Os exemplosmais destacados de uma solução simplificada são o

movimento amploem direção do divórcio “sem culpa”(382) e, pelo menos em

certo i)úmero de lugares, o movimento pela responsabilidade civil

objetiva (383).Padrões substantivos mudaram de modo a fazer com que

indagações so-bre culpa sejam dispensadas. Elas se tornaram

irrelevantes para o desen-lace da causa, trazendo como resultado a redução dos

custos e da dura-ção do litígio, além de diminuir a sobrecarga de trabalho

dos tribu-

nais (384). Será suficiente mostrar as virtudes desseenfoque, citando

Page 116: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 116/125

uma pesquisa recente que cobriu os dois primeiros anos defuncionamen-

to do bem conhecido plano pioneiro de responsabilidadeobjetiva por

acidentes, posto em prática na Nova Zelândia. Segundo oProfessor

Geoffrey Palmer:  — “A principal impressão que se tira da leitura

das decisões é a desua extrema simplicidade. Há poucos casos que não

sejam resolvi-dos em duas ou três laudas datilografadas. A armadura

completado tipo de julgamento ao estilo Westminster foi

abolida. Não exis-te mística nem encenação teatral a respeito da nova

lei de aciden- tes. No entanto, muitas pessoas que não obtiveramqualquer resul

1 ,j’j157

tado sob o velho sistema, estão sendo compensadas, edepres-

sa” (385). 

As vantagens da simplificação para determinado tipode causas

não precisam ser limitadas às de divórcio ouresponsabilidade civil poracidentes. Na realidade, a simplificação pode ter

relevância no que dizrespeito aos direitos dos consumidores. Uma proposta

interessante feitanos Estados Unidos foi a de se criar um “Departamento de

Justiça Eco-nômica”, que daria aos consumidores reparação automática

nas causasmuito pequenas contra os comerciantes, sem necessidade de

prova domérito dessas demandas (386). Oobjetivo seria o de evitar

a despesa des.proporcional com a investigação e decisão dessas causas,

evitando-se odesvirtuamento ou a má-fé por parte do consumidor,

através de um sis-

Page 117: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 117/125

 

tema de controle rápido e de sanções severas. De fato, oProfessor Mau-

rice Rosenberg, que propôs esse plano, sugeriu ainda queo Departamen-

to pudesse agir — tal como o Ombudsman do Consumidorsueco — para

proteger os direitos dos consumidores, enquanto classe(387). 

Essa idéia pode ou não ser viável, mas certamente ela

provoca re- flexão e está recebendo atenção crescente (388). Naverdade, uma recé’~-

te experiência holandesa a respeito de proteção ambientaladotou uma

abordagem semelhante para a indenização por danosdecorrentes da po

luição aérea (389). Além disso, essas idéias não precisamser isoladas de

outros enfoques (390). O que se deve salientar é que acriatividade e a

experimentação ousada — até o limite de dispensar aprodução de pro-vas — caracterizam aquilo que chamamos de enfoque do

acesso àjustiça.158159

vLIMITAÇÕES E RISCOS DO ENFOQUE DE

ACESSO À JUSTIÇA:UMA ADVERTÊNCIA FINAL

 

O surgimento em tantos países do “enfoque do acessoàjustiça”

é uma razão para que se encare com otimismo a capacidadede nossos

sistemas jurídicos modernos em atender às necesssidadesdaqueles que,

por tanto tempo, não tiveram posssibilidade dereivindicar seus direitos.

Reformas sofisticadas e inter-relacionadas, tais como as

que caracteri-zam o sistema sueco de proteção ao consumidor, revelam o

grande po-

Page 118: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 118/125

tencial dessa abordagem. O potencial, no entanto, precisaser traduzido

em realidade, mas não é fácil vencer a oposiçãotradicional à inovação.

É necessário enfatizar que, embora realizações notáveisjá tenham sido

alcançadas, ainda estamos apenas no começo. Muitotrabalho resta a serfeito, para que os direitos das pessoas comuns sejam

efetivamente res-peitados.

Ao saudar o surgimento de novas e ousadas reformas,não pode-

mos ignorar seus riscos e limitações. Podemos sercéticos, por exemplo,

a respeito do potencial das reformas tendentes ao acessoà justiça em

sistemas sociais fundamentalmente injustos. É preciso quese reconheça,que as reformas judiciais e processuais não são

substitutos suficientespara as reformas políticas e sociais. O Professor

Brai’ies, o relator chile-no (atualmente exilado na Cidade do México), revela — 

parafraseandoBentham — que “falar de acesso aos tribunais” sob o atual

governo, noChile, é um absurdo, um pretensioso absurdo”. da mesma

forma, paraos muito pobres, ele observa que “o problema de acessoàjustiça é sim-

plesmente irrelevante, uma vez que eles não têm demandasa propor e

estão fora do sistema institucional, não importa quantoesse sistema seja 

161‘acessível’. Por isso, o acesso àjustiça, no Chile, é

mais um problema po-lítico e econômico do que institucional” (391).

Um aspecto igulamente óbvio — bem conhecido dosestudiosos de

Page 119: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 119/125

 

Direito Comparado — é o de que as reformas não podem (enão devem)

ser transplantadas simploriamente de seus sistemasjurídicos e políticos.

Mesmo se transplantada “com sucesso”, uma instituiçãopode, de fato,

operar de forma inteiramente diversa num ambiente diverso(392).Nos-

sa tarefa deve consistir, com o auxílio de pesquisaempírica e interdis-

ciplinar, não apenas em diagnosticar a necessidade dereformas, mastambém cuidadosamente monitorar sua implementação.

Também é necessário aos reformadores reconhecer que,a despei-

to do apelo óbvio da “especialização” e da criação denovas instituições,

os sistemas jurídicos não podem introduzir órgãos eprocedimentos es-

peciais para todos os tipos de demandas. A primeiradificuldade séria é

que as fronteiras de competência podem tornar-seconfusas. Diz o rela-tório israelense do Projeto de Florença:

  — “Deveria ser muito fácil localizar o tribunal

apropriado... Mas, 

freqüentemente, os limites da competência sãodifíceis de serem

precisados. - . Em caso de dúvida — e a dúvida crescecom cada

novo tipo de tribunal que é criado — o requerente temde ser mui-

to mais cuidadoso porque ele pode estar certo de que,qualquer

que seja a sua escolha, o réu terá o!ltro ponto devista. De qual-

quer forma, muito tempo será perdido com essapreliminar, e a

possibilidade de transferir a causa é urnacompensação muito pe-

quena” (393).

 Sem dúvida, a proliferação de tribunais

especializados pode, por si

Page 120: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 120/125

só, tornar-se uma barreira ao acesso efetivo, resultandonaquilo que o

relatório francês do Projeto de Florença denominou de“litigação para-

sitária” (394).Um juiz especializado pode também tornar-se muito

isolado, de-senvolvendo perspectiva demasiado estreita. Como observao relatório

germánico, o juiz pode “perder de vista os aspectos eproblemas que es-

tejam fora de seu campo de atuação no Direito” (395).Além disso, exis-

te sempre o perigo de que a “improvisação” com oprocedimento terá

efeitos sérios e indesejados (396). Como notamos, asreformas destina-

das a eliminar urna ou outra barreira ao acesso, podem,ao mesmo tem-po, fazer surgir outras.

O maior perigo que levamos em consideração ao longodessa dis-

cussão é o risco de que procedimentos modernos eeficientes abando-

nem as garantias fundamentais do processo civil — essencialmente as de

um julgador imparcial e do contraditório (397). Emboraesse perigo seja

162163reduzido pelo fato de que a submissão a determinado

mecanismo de so-lução dos litígios é facultativa tanto antes quanto

depois do surgimentodo conflito, e que os valores envolvidos são de certa

forma flexíveis, énecessário reconhecer os problemas potenciais. Por mais

importante quepossa ser a inovação, não podemos esquecer o fato de que,

apesar de tu-do, procedimentos altamente técnicos foram moldados

através de mui-tos séculos de esforços para prevenir arbitrariedades e

injustiças. E, em-bora o procedimento formal não seja, infelizmente, o mais

adequado

Page 121: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 121/125

 

para assegurar os “novos” direitos, especialmente (masnão apenas) ao

nível individual, ele atende a algumas importantesfunções que não po-

dem ser ignoradas.Uma vez que grande e crescente número de indivíduos,

grupos einteresses, antes não representados, agora têm acesso aos

tribunais e amecanismos semelhantes, através das reformas que

apresentamos aolongo do trabalho, a pressão sobre o sistema judiciário,no sentido de

reduzir a sua carga e encontrar procedimentos ainda maisbaratos, cres-

ce dramaticamente. Não se pode permitir que essa pressão,que já é sen-

tida, venha a subverter os fundamentos de um procedimentojusto. Nes-

te estudo, falamos de uma mudança na hierarquia dosvalores nó pro-

cesso civil — de um desvio no sentido do valor daacessibilidade. Noentanto, uma mudança na direção de um significado mais

“social” dajustiça não quer dizer que o conjunto de valores do

procedimento tra-dicional deva ser sacrificado. Em nenhuma circunstância

devemos estardispostos a “vender nossa alma”.

 Concluímos, portanto, por reconhecer que existem

perigos emintroduzir ou mesmo propor reformas imaginativas de

acesso à justiça.Nosso sistemajudiciáriojá foi descrito assim:

— “Por admirável que seja, ele é, a um só tempo,lento e caro. É

um produto final de grande beleza, mas acarreta umimenso sacri-

fício de tempo, dinheiro e talento” (398).Esse belo sistema é freqüentemente um luxo; ele tende

a propor-

cionar alta qualidade de justiça apenas quando, por umaou outra razão,

Page 122: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 122/125

as partes podem ultrapassar as barreiras substanciais queele ergue à

maior parte das pessoas e a muitos tipos de causas. Aabordagem de

acesso à justiça tenta atacar essas barreiras de formacompreensiva,

questionando o conjunto das instituições, procedimentos epessoas quecaracterizam nossos sistemas judiciários.O risco, no

entanto, é que o usode procedimentos rápidos e de pessoal com menor

remuneração resultenum produto barato e de má qualidade. Esse risco não pode

ser nuncaesquecido.

A operacionalização de reformas cuidadosas, atentasaos perigos

envolvidos, com uma plena consciência dos limites epotencialidadesdos tribunais regulares, do procedimento comum e dos

procuradores éo que realmente se pretende com esse enfoque de acesso

àjustiça. A fi-nalidade não é fazer uma justiça “mais pobre”, mas torná-

la acessível atodos, inclusive aos pobres. E, se é verdade que a

igualdade de todosperante a lei, igualdade efetiva — não apenas formal — é

o ideal básicode nossa época, o enfoque de acesso à justiça só poderáconduzir a um

produto jurídico de muito maior “beleza” — ou melhorqualidade — do

que aquele de que dispomos atualmente.164165

INDICEINTRODUÇÃO. 7

 

 — A EVOLUÇÃO DO CONCEITO TEÓRICO DE ACESSOÀ JUSTIÇA 9

 

Page 123: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 123/125

 

II — O SIGNIFICADO DE UM DIREITO AO ACESSO EFETI-VO À JUSTIÇA: OS OBSTÁCULOS A SEREM TRANSPOSTOS 15A — Custas Judiciais 15

1—Emgeral 152 — Pequenas causas 193—Tempo 20

E — Possibilidades das Partes 211 — Recursos financeiros 21

2 — Aptidão para reconhecer um direito e propor

uma ação e sua defesa 223 — Litigantes “eventuais” e litigantes

“habituais” - - 25C — Problemas Especiais dos Interesses Difusos 26D — As Barreiras ao Acesso: Uma Conclusão Preliminar

eUm Fator Complicador 28

 III — AS SOLUÇÕES PRÁTICAS PARA OS PROBLEMAS DE

ACESSO À JUSTIÇA 31

A — A Primeira Onda: Assistência Judiciária para osPobres 311 — O sistema judicare 352 — O advogado remunerado pelos cofres públicos .

393 — Modelos combinados 43

4 — A assistência judiciária: possibilidades elimitações 47

167B — A Segunda Onda: Representação dos Interesses

Difusos 49

1 — A ação governamental 512 — A técnica do procurador-geral privado 553 — A técnica do advogado particular do interesse

Público 56

C — A Terceira Onda: Do Acesso à Representação emJuí

zo a Uma Concepção mais Ampla de Acesso àJustiça.

Um Novo Enfoque de Acesso á Justiça 67 

IV — TENDÊNCIAS NO USO DO ENFOQUE DO ACESSO ÀJUSTIÇA 75

Page 124: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 124/125

A — A Reforma dos Procedimentos Judiciais em Geral. -76

E — Imaginando Métodos Alternativos para DecidirCausas

Judiciais / 811 — Ojuízo arbitral ~‘ 82

2 — A Conciliação ~ 833 — Incentivos Econômicos 87 

C — Instituições e Procedimentos Especiais paraDetermi

nados Tipos deCausas de Particular “Importância

Social”. UmaNova Tendência no Sentido da Espècia

lização deInstituições e Procedimentos Judiciais . - 90

1 — Procedimentos especiais para pequenas causas - 947/ 2 — Tribunais

de “vizinhança” ou “sociais” para solu/ cionair

divergências na comunidade 114// 3 — Tribunais

especiais para demandas de consumidores 120

Page 125: Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

7/28/2019 Acesso à Justiça - Mauro Capelleti

http://slidepdf.com/reader/full/acesso-a-justica-mauro-capelleti 125/125

 

 — Mecanismosespecializados para garantir direitos

“novos” emoutras áreas do direito 132

— Mudanças nos Métodos Utilizados para a Prestação deServiços

Jurídicos 1421 — Ouso dos

“parajurídicos” 1452 — O

desenvolvimento de planos de assistência jurídi ca mediante“convênio” ou “em grupo” 147

E — Simplificandoo Direito 156 

V — LIMITAÇÕES E RISCOS DO ENFOQUE DE ACESSO ÀJUSTIÇA: UMA ADVERTÊNCIA FINAL 161

168