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    Traduo, Desconstruoe Psicanlise

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    Rosemary Arrojo, 1993

    CIP-Brasil. Catalogao-na-fonteSindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

    Arrojo, RosemaryA813t Traduo , desconstruo e psicanlise/Rosemary

    Arrojo. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1993

    212p. (Biblioteca Pier re Menar d)

    Bibliografia.ISBN 85-312-0293-0

    1. Traduo e interpretao. I. Ttulo. II. Srie.

    C D D -418 . 02

    93-0418 CDU-82.03

    Todos os direitos de reproduo, divulgaoe traduo so reservados. Nenhuma partedesta obra poder ser reproduzida por fotocpia,microfilme ou outro processo fotomecnico.

    1993

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    SUMRIO

    Apresentao 9

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    APRESENTAO

    Transladem is an act. It is also an enactment [... and] whatcomes to be enacted is the practice as well as the possibi-lity of philosophy. Consequcntly any discussion of transla-tion is itself a discussion of the nature of the philosophi-

    cal enterprise.

    Andrew BenjaminTranslation and the Nature of Philosophy1

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    10 Apresentao

    da, a melancolia dolorosamente cultivada pelo que "se perdeu" e

    no se consegue recuperar traz a marca indelvel da modernidade. Nesse sentido, tanto a psicanlise quanto a desconstruo ao praticarem uma reflexo que parte da inevitabilidade de umateoria da interpretao que no se tece em torno de um enredode perdas e ganhos se encontram dentro dos limites generososda ps-modernidade. Nesse sentido, tanto a psicanlise quanto adesconstruo se encontram naquele espao to cuidadosamentesonhado por Nietzsche, cm que se permite ao ser humano noapenas desistir do sonho de ser divino e aceitar sua condio,como tambm e, talvez principalmente, assumir o enorme poderque ignora deter em suas prprias mos.

    precisamente a partir da desconstruo desenvolvida e praticada po r Jacques Derr ida , um dos herde iros mais aplicados de

    Nietzsche, e de algumas noes bsicas da psicanlise de Freud,como as concepes de inconsciente e de transferncia levadass ltimas conseqncias e "aplicadas" s relaes que unem e separam autor e tradutor, leitor e texto, traduo e original quetenho tentado repensar os grandes clichs que sempre empobreceram e limitaram a discusso terica sobre traduo. Nos ensaios aqui reunidos, repito e procuro aprofundar as

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    v

    Apresentao 11

    uma separao que, alm de impossvel e enganosa, sempreIrouxe desvantagens srias ao tradutor, dentre as quais a alienao e a autonegao.

    Dos ensaios aqui reunidos, quatro j foram publicados emverses preliminares: "A Que So Fiis Tradutores e Crticos de

    Traduo?" (1986), "As Relaes Perigosas entre Teorias e Polticas de Traduo" (1991), "A Traduo Passada a Limpo e a Visibilidade do Tradutor" (1992) e "A Traduo como Paradigmados Intercmbios Lingsticos" (1992). Uma verso preliminar deum deles, "Sobre Interpretao e Asceticismo: Reflexes em torno e a partir da Transferncia", se encontra no prelo da revista

    Trabalhos em Lingstica Aplicada. Dois deles, "Laplanche Traduzo Pai da Psicanlise: As Principais Cenas de um Romance Familiar" e "A Literatura como Fetichismo: Algumas Conseqnciaspara uma Teoria de Traduo", so aqui publicados pela primeira vez em verses em portugus. Os demais, "Desconstruo, Psicanlise e Ensino de Traduo", "A Traduo e o Flagrante da

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    /.' Apresentao

    e da traduo e, sobretudo, neste momento, sobre essa paixo,essa "transferncia", essa dedicao obsessiva que une um leitora um texto e a um autor, um tradutor a um original.

    nessa posio menardiana de leitora/autora apaixonada(ao mesmo tempo, humilde e pretensiosa, fiel e infiel, regenera-dora e parricida); nessa posio exemplar tambm do tradutore de seu ofcio, ao mesmo tempo possvel e impossvel, que en

    trego estes textos ao escrutnio e, quem sabe, ao amor ou ao diodo leitor ou da leitora, esperando que, como Borges e eu, aceitem a inevitabilidade de se estar sempre escrevendo e lendo o"mesmo" texto, ainda que com libis "diferentes". Contudo,como Menard e Borges no ousaram admitir, e quase como Maria Mutema, cujo desejo de persuaso literalmente invade e imobiliza seu interlocutor, ouso esperar que o leitor e a leitora

    possam se apaixonar pelo menos por algum destes textos paraque no se interrompa essa cadeia esse elo e essa priso quenos obriga a ler e a escrever, a ser, ao mesmo tempo, leitores eautores, a seduzir e a ser seduzidos.

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    / Apresentao 13

    giana ent re a Biblioteca Pierre Menard e minhas obsesses prefer i das . Finalmente, dedico es te l ivro memria preciosa de AnnaVisco nti.

    Rosemary Arro joMaro de 1993

    NOTAS

    1. Ver Andrew Benjamin, Translalion and the Nature of Philosophy - ANew Ttieory ofWords. Londres e Nova York: Routledge, p. 1.

    2. Oficina de Traduo - A Teoria na Prtica (So Paulo: tica, 1986 e1992) e O Signo Desconstrudo Implicaes para a Traduo, a Leitura e oEnsino (Campinas: Pontes, 1992).

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    1. A QUE SO FIIS TRADUTORESE CRTICOS DE TRADUO?

    Paulo Vizioli e Nelson AscherDiscutem John Donne 1

    If the translator neither restitutes nor copies an original,it is because the original lives on and transforms itself.The translation will truly be a moment in the growth ofthe original, which will complete itselfinenlarging itself.[...] And if the original calls for a complement, it is because at the origin it was not there without fault, full, com

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    If> A Que So Fiis ... ?

    IID avalia uma traduo, estar o crtico considerando o mesmo

    "original" que o tradutor? Ou, em outras palavras, concordaria iii cr tico c t ra du to r a respe ito dos significados do tex to departida?

    E em torno dessa pergunta que se desenvolve a reflexo qued CDrpo a este trabalho. Atravs da anlise da polmica Vizioli xAschcr, convido o leitor a repensar as questes da fidelidade emtraduo e da avaliao de textos traduzidos, a partir de uma re

    formulao do conceito de texto "original".

    //. PERSPECTIVAS TERICAS

    H alguns anos, venho tentando desenvolver uma reflexoacerca dos problemas tericos da traduo que se coloca em

    franca oposio ao conceito tradicional de texto "original" e,conseqentemente, ao conceito tradicional de fidelidade e viso do ato de traduzir que esses conceitos propem.

    Em linhas muito gerais, as teorias da linguagem que emergem da tradio intelectual do Ocidente, aliceradas no logocen-trismo e na crena no que Jacques Derrida chama de "significadotranscendental",2 tm considerado o texto de partida como um

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    tu do , a "descons truo" de Jacq ues Derrida , que trazem, emmaior ou menor grau, a influncia do pensamento brilhante edemolidor de Friedrich Nietzsche e dessa revoluo intelectualque Freud instalou no centro da reflexo do homem sobre simesmo.

    Num ensaio magistral e quase cruel, originalmente intitulado "Uber Wahrheit und Lge im aussermoralischen Sinne",* datadode 1873, Nietzsche desmascara a grande iluso sobre a qual sealiceram nossas "verdades", nossa filosofia, nossas cincias, opensamento que chamamos de "racional". Segundo Nietzsche,toda "verdade" estabelecida como tal foi, no incio, apenas um

    "estmulo nervoso". Todo sentido que chamamos de "literal" foi,no incio, metfora e somente pode ser uma criao humana, umreflexo de suas circunstncias e, no, a descoberta de algo quelhe seja exterior:

    primeira metfora: um estmulo nervoso transformado em

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    IN A Que So Fiis...?

    Assim, de acordo com a perspectiva aberta por Nietzsche, o

    homem no um descobridor de "verdades" originais ou externas ao seu desejo, mas um criador de significados que se plasmam a t ravs das convenes que nos organizam emcomunidades. E o impulso que leva o homem a buscar a "verdade", a fazer cincia e a formular teorias, segundo Nietzsche, nopassa de uma dissimulao de seu desejo de poder, conseqnciade seu instinto de sobrevivncia e de sua insegurana enquanto

    habitante de um mundo que mal conhece e que precisa dominar.O homem inventa "verdades" que tenta impor como tal a seus semelhantes para se proteger de outros homens e de outras "verdades", e para sentir que controla um mundo do qual pode apenassaber muito pouco.

    Em complementaridade ao pensamento "desconstrutor" deNietzsche acerca das possveis relaes entre sujeito e objeto, podemos incluir a psicanlise de Frcud, cujo conceito de "inconsciente" vira do avesso a prpria noo de sujeito: o homemcartesiano que se definia pelo seu racionalismo passa a definir-sepelo desejo que carrega consigo, que molda seu destino e sua viso de mundo, e do qual no pode estar plenamente consciente.Quer consideremos o desejo de poder, ou o inconsciente, comopropulsor da criao do conhecimento, das cincias e de todos

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    de todas as intenes e de todas as variveis que permitiram aproduo e a divulgao de seu texto. Da mesma forma, no momento da leitura, o leitor no poder deixar de lado aquilo que oconstitui como sujeito e como leitor suas circunstncias, seumomento histrico, sua viso de mundo, seu prprio inconscien

    te. Em outras palavras, o leitor somente poder estabelecer umarelao com o texto (como todos ns, a todo o momento e emtodas as nossas relaes), que ser sempre mediada por um processo de interpretao, um processo muito mais "criativo" doque "conservador", muito mais "produtor" do que "protetor".Assim, o significado no se encontra para sempre depositado no

    texto, espera de que um leitor adequado o decifre de maneiracorreta. O significado de um texto somente se delineia, e se cria,a partir de um ato de interpretao, sempre provisria e temporariamente, com base na ideologia, nos padres estticos, ticose morais, nas circunstncias histricas e na psicologia que constituem a comunidade sociocultural a "comunidade interpretati-

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    e to-somente comparando a traduo nossa interpretao do

    "original" qu e, por sua vez, jamais poder ser exatamen te a "mesma" do tradutor.

    77/. O CONFRONTO TRADUTOR X CRTICO

    Em sua resenha, depois de uma breve introduo poesia

    de Jo hn Don ne, Nelson Ascher inicia os coment rios s obre astradues de Paulo Vizioli, tomando como paralelo as traduesdo poeta e ensasta Augusto de Campos. Em primeiro lugar, ocrtico no concorda com o ttulo da antologia de Vizioli: "cham-lo [a Jo hn Donne...] de 'o poeta do amor e da mor te' , co mofaz Vizioli no ttulo do livro, perder de vista a essncia de suapoesia". A "falha" de Vizioli, Ascher contrape o "acerto" de Au

    gusto de Campos, que deu sua antologia de poemas do poetaingls o ttulo "o dom e a danao", "sublinhando", segundo Ascher , "um dos recursos favoritos do poe ta, o jo go de palavras".

    Prosseguindo sua comparao entre as duas tradues, Ascher observa que o que as distingue, "de fato", a "concepo detraduo que as norteia". Enquanto a de Vizioli a "obra empenhada de um erudito", "um valioso subsdio para o estudo e a

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    que suas tradues so, de certa forma, "infiis" s verses deAugusto de Campos:

    Tive a ntida impresso de que, na verdade, o seu autor serevoltou menos com as pretendidas deficincias de meu trabalho que com minha petulncia em incursionar por terreno onde antes perambulara Augusto de Campos.

    Nessa linha de argumentao, Vizioli questiona, por exemplo, o critrio que leva Ascher a considerar "um lance realmente inventivo" de Augusto de Campos a incorporao de um verso de Lu-picnio Rodrigues ao poema "A Apario" ("Onde sers, falsavestal, uma mulher/Qualquer nos braos de um outro qualquer"). Conforme questiona Vizioli:

    E ser mesmo verdade, como sugere Ascher, que a inventividade do trabalho potico e responsvel fica garantida quando ele enxerta no texto dos poetas ingleses versos de

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    A crtica de Ascher, que atribui a Vizioli o "defeito" de "ter

    pe rd id o de vista" a "essncia" da poesia de Joh n Don ne , se torn aespecialmente problemtica quando consideramos a carreiraconturbada que essa poesia tem seguido desde sua criao, no sculo XVII. A prpria designao de "metafsico", com que athoje se rotula esse poeta ingls, j foi, como lembra T. S. Eliot,"desde um insulto at um indicador de gosto singular e agradvel" (p. 2560, minha traduo). Jeanjacques Denonain lista al

    guns significados possveis da mesma designao, entre os quaisincluem-se "filosfico", "pedante", "irreal ou fantstico" (citadoem Campos, p. 124). Como escreve Vizioli na introduo antologia resenhada po r Ascher, Ben Jon son , amigo e contempor neo de Donne, afirmava que este "merecia ser enforcado porcausa do que fizera com a mtrica". John Dryden, nascido em1631, ano da morte de Donne, "admirava as suas stiras", mas

    "no aceitava os outros poem as". F inalmente, Samuel Jo hns on,ou tr o leitor imp orta nte , "detestava suas ju n es foradas deidias sem correlaes" (p. 4).

    Teriam Ben Jo nso n, Dryden e Samuel Jo hns on (apenas paramencionar os crticos citados acima) tambm deixado de reconhecer a "essncia" da poesia de Donne? Se houvesse, na poesiade Donne, ou em qualquer outro texto, como quer Ascher, algo

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    telectual qual se filia Augusto de Campos. Ao criticar o ttulodo livro de Vizioli, ou sua opo por uma "linguagem conservadora" e por uma "dico poeticamente ultrapassada", o que As-cher contrape a Vizioli no , de modo algum, a "essncia" dapoesia de Donne, mas sua prpria viso da viso crtica de Au

    gusto de Campos sobre o mesmo poeta. De forma semelhante, oque Augusto de Campos v e admira cm Donne o que v e admira em outros poetas do passado e do presente, aos quais atribui pontos em comum com o Concretismo, movimento estticodo qual figura proeminente:

    Donde a valorizao, no presente, e a revalorizao, no passado, de toda poesia onde repontem os traos dessa lcidaluta com a linguagem, em contraposio quela poesia satisfeita, na qual a linguagem no passa de mero recipiente passivo de assentes sentimentos sentimentais. (Campos, p. 126)

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    vcu Donne. E, como ter percebido o leitor familiarizado com o

    discurso do barroco literrio, tanto o wit, como o dualismo, aoinvs de constiturem opostos irreconciliveis, so, na verdade,caractersticas paralelas em geral atribudas a esse movimento esttico.

    X Ao afirmar que o que distingue "de fato" as duas tradues "a concepo de traduo que as norteia", Ascher parece estar sereferindo s duas concepes opostas de traduo tradicional

    mente citadas: uma, atribuda a Vizioli, a traduo "literal", prxima s palavras do "original", "obra empenhada de um erudito",que "se contenta com uma linguagem consei-vadora e com umadico poeticamente ultrapassada", "valioso subsdio para o estudo e a apreciao do autor, correta e esclarecedora"; a outra, atribuda a Augusto de Campos, a traduo supostamente"criativa", com "lances inventivos"/ "trabalho magistral de um

    poeta", que consegue o impossvel: criar, "de certa forma, o prprio J o h n Don ne em portu gus" . Obv iament e, essas duas concepes de traduo tambm se baseiam na hiptese de que hurna "essncia", um sentido original e estvel, na poesia de Donne, qual apenas alguns eleitos podem ter acesso. Assim, segundo Ascher, embora Vizioli seja um tradutor "erudito", capaz deoferecer, com seu trabalho, "um valioso subsdio para o estudo e

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    Ou seja, para Vizioli, a traduo da obra de John Donne deve tercomo objetivo a manuteno do que considera a linguagem e adico potica do poeta ingls. Para Vizioli, um poeta do sculoXVI deve ser apresentado aos leitores do sculo XX como umpoeta do sculo XVI, sua traduo deve trazer a marca do "origi

    nal" , deve "soar" antiga. lAugusto de Campos , por sua vez, crque a traduo de um poeta do passado somente ter valor sepuder ser absorvida pelos poetas do presente. No prefcio a Verso Reverso Controverso,Augusto escreve:

    I A minha maneira de am-los [aos poetas que admira] tra

    duzi-los. Ou degluti-los, segundo a Lei Antropofgica de Os-wald de Andrade; s me interessa o que no meu.Traduo para mim persona. Quase heternimo. Entrardentro da pele do fingidor para refingir tudo de novo, dorpor dor, som por som, cor por cor. Por isso nunca me propus traduzir tudo. S aquilo que sinto. S aquilo que minto.

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    2. Ver, a pro psit o, Gayatri C. Spivak no "Translalor's Preface" sua ver

    so inglesa deDe Ia grammatologie, dejacques Derrida, p. XVI.

    3. Minha leitura e as citaes desse text o pa rt em da verso inglesa: "OnTruth and Falsity in Their Ulli amoral Sense". Todas as tradues de referncias a esse e a outros textos em ingls so minhas.

    4. A pro ps ito , ver ta mb m "As Relaes Perigosas en tr e Teor ias e Po

    lticas de Traduo", neste volume.

    BIBLIOGRAFIA

    ARROJO, Rosemary. Oficina de Traduo A Teoria na Prtica. So Paulo: tica, 1986.

    ARROJO, Rosemary. "As Relaes Perigosas entre Teorias e Polticasde Traduo", neste volume.

    CAMPOS, Augusto de. Verso Reverso Controverso. So Paulo: EditoraPerspectiva, 1978.

    DERRIDA, Jacques. Of Grammatology (trad. de Gayatri O Spivak). Balti-mo re : The Jo hn s Hopk ins niversity Press, 1975.

    DERRIDA, Jacques. "Des Tours de Babel." In Joseph F. Graham (org.),

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    2. AS RELAES PERIGOSAS ENTRE

    TEORIAS E POLTICAS DE TRADUO

    1

    Translation continues to be an invisible practice, every-where around us, inescapably present, but rarely acknowl-

    edged, almost never figured into discussions of the trans-lations we ali inevitably read. This eclipse of the transla-tor's labor, of the very act of translation and its decisivemediation of foreign writing, is the site of multiple deter-minations and effects linguistic, cultural, institutional,political. But it must first be noted that translators them-selves are among the agents of their shadowy existence.

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    28 As Relaes Perigosas

    perspectiva e passagem do tempo, tambm o preconceito inevitvel do qual parte toda reflexo logocntrica sobre traduo. E exatamente nesse ponto de partida que se estabelece a primeira relao perigosa entre teoria e prtica. Perigosa, sobretudo,porque sub-reptcia e enganadora. Ao se apresentar como subsidiria de uma cincia ou de uma filos ofia , pre ten sam ent e neut rae despojada de qualquer interesse poltico ou ideolgico, a reflexo terica sobre traduo advinda da maioria das disciplinas ins

    titucionalizadas que apenas espordica e marginalmente sededicam a seu estudo tem, na verdade, apenas confirmado e legitimado com seu suposto lastro de "autoridade" e "cientificida-de" as formas desse preconceito.3

    Esse tipo de teoria, como o senso comum, espera da traduo uma eficincia sobre-humana, um ato de magia no muitobem definido que pudesse ser capaz de neutralizar diferenas lin

    gsticas, culturais e histricas, ao mesmo tempo em que idealizao chamado "original" pressupondo-o capaz de se manter o mesmo apesar das diferenas inevitveis. Em outras palavras, apesarda evidncia cotidianamente repetida de que no se conhece nenhum texto que possa ser independente da leitura que se fazdele nem que permita uma leitura unanimemente aceita em qualquer tempo e lugar, tanto o senso comum como as teorias da lin

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    As Relaes Perigosas 29

    interveno de uma interpretao que o tradutor deve ser"fiel". E na frustrao associada a essa fidelidade, ao mesmo tempo esperada e impossvel, podemos detectar uma das conseqncias da relao perigosa que o logocentrismo estabelece entreteoria e prtica: qualquer traduo ser sempre "infiel", em al

    gum nvel e para algum leitor, sempre "menor", sempre "insatisfatria", em comparao a um original idealizado e, por issomesmo, inatingvel.

    no espao dessa relao alimentada de expectativa e frustrao que crticos e tradutores tambm se encontram. Todo crtico de traduo que imagina a relao tradutor/texto original

    no cenrio dessa fantasia logocntrica escamoteia de sua crticao fato de que , inevi tavelmente, compara a traduo que ju lgacom a traduo que tem em mente. E essa sua verso, quetoma, entretanto, como sendo a indiscutivelmente "correta" ou"ideal", como sendo a equivalncia desejvel daquilo que o autor originariamente tenha "querido" dizer, ou teria dito, se es

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    o de parmetro para a avaliao da traduo que comenta. As

    sim, em sua crtica, o que dele, o que parte de sua viso, passa, implicitamente, a ser a norma, o desejvel, o adequado,aquilo que verdadeira e indiscutivelmente deveria estar no texto.A desconstruo da "certeza" de Francis quanto melhor formade traduzir o "yes" vrias vezes repetido por Molly Bloom virianecessariamente com a interveno de qualquer outro leitor quediscordasse dele e defendesse, por sua vez, sua prpria soluo,

    esta tambm a "nica" a de qu ada e "fiel" ao texto de Joyce. Nessesembates entre crtica e traduo, entre leitor crtico e tradutor,este raramente tem a oportunidade e o lugar para se defender,para defender os caminhos que trilhou para chegar s soluesque chegou.

    s voltas com uma tarefa que a tradio decidiu tornar deantemo fadada ao fracasso e incompetncia, o tradutor sem

    pre est, como declara de Man, "perdido logo partida", inconsciente do inevitvel papel autoral que desempenha e, o que pior, sempre pronto a aceitar as culpas e a ineficincia que lheatribuem. E nessa cegueira e nessa inconscincia, traduzidastambm por uma falta crnica de auto-estima,4 torna-se cmplice de outra relao perigosa entre teoria e prtica. A marginali-zao a que as teorias condenam a atividade do tradutor

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    As Relaes Perigosas 31

    autoral que lhe cabe, cometendo, muitas vezes, tradues de textos que no "compreende" e sobre temas que desconhece. Conseqentemente, ao abdicar de suas responsabilidades "autorais",ao abdicar da interferncia que inescapavelmente produz, deveabdicar tambm de quaisquer direitos autorais em todos os

    seus sentidos e aceitar como legtimas as polticas trabalhistasque tm regulado e diminudo sua atividade, no apenas a remunerao "por definio" baixa e servil mas, sobretudo, a no-pro-fissionalizao de seu trabalho.

    A noo de traduo como transporte neutro de significadosde uma lngua para outra e de um texto para outro implicitamen

    te estabelece que o tradutor no necessita de uma formao especfica, alm do conhecimento das lnguas envolvidas. Ou seja,dentro dessa tica, traduzir no uma habilidade que envolvaum aprendizado ou um treinamento especfico; basta ter algumconhecimento das lnguas envolvidas. Alis, , geralmente, comouma das possveis aplicaes do ensino de lnguas estrangeiras

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    ro que aceitar o destino de marginalizao que essas instituies

    lhes reservam. Somente a partir da conscientizao desses profissionais acerca do poder autoral que exercem e da responsabilidade que esse poder implica, as relaes perigosas que tmorganizado tradutores e tradues podero se tornar mais honestas. Da mesma forma, depender dos pesquisadores e estudiosos da rea o reconhecimento da legitimidade de seu objetode estudo e a abertura de espaos prprios para ele em cursos

    universitrios de graduao e de ps-graduao e nos rgos financiadores de pesquisa. Tradutores e estudiosos da traduo tero, assim, a oportunidade de mudar os destinos e as definiesde seu trabalho, colocando-o no espao que merece ter na sociedade.

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    BIBLIOGRAFIA

    ARROJO, Rosemary. OJicina de Traduo - A Teoria na Prtica. So Paulo: tica, 1986 e 1992 (2* edio).

    ARROJO, Rosemary. "Compreender & interpretar e a questo da traduo", "As questes tericas da traduo e a desconstruo do logo-

    centrismo: algumas reflexes", "A pesquisa em teoria da traduoou o que pode haver de novo no front". In R. Arrojo (org.), O Signo

    DesconstrudoImplicaes para a traduo, a leitura e o ensino. Campinas: Editora Pontes, 1992a.

    ARROJO, Rosemary. "Traduo ." In Jo s Luis Jo bi m (org.),Palaxrras daCrtica.Rio de Janeiro: Imago, 1992b.

    DE MAN, Paul. A Resistncia Teoria (trad. de Tereza Louro Prez). Lisboa: Edies 70, 1990.

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    3. LAPLANCHE TRADUZ

    O PAI DA PSICANLISE:AS PRINCIPAIS CENAS DEUM ROMANCE FAMILIAR1

    It is as though, through our excursion into the exotic, wehad suddenly come to remember what it was that appea-led to us in what we were being unfaithful to. This trans-ferential bigamy or double infidelity thus indicates that itis not bigamy but rather incest that is at stake in the en-

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    dos objetivos e princpios tradutrios explicitados por Laplanche,

    adotando-se como pano de fundo a prpria teoria psicanaltica, possvel construir-se um enredo exemplar das motivaes subliminares que orientam a atividade do tradutor e da relao complexa que parece estabelecer com o aut or que traduz . No po racaso, en treta nto , que o jo go transferenciai de amo r e dio quese delineia entre os pressupostos de Laplanche como tradutor eo cnone freudiano como o que ocorre entre qualquer texto

    "original" e sua traduo revolve em torno da problemtica dafidelidade, a questo central de qualquer reflexo sobre o ato tra-dutrio. Dividido entre o tributo que precisa e quer prestar aoautor/pai e o desejo de se apropriar de seu direito de produzirsignificado, o tradutor parece encontrar em sua reivindicao defidelidade um refgio da culpa que lhe permite no apenas ocupar a posio privilegiada do autor, mas, tambm, declarar sua

    humildade e o reconhecimento de seu lugar de filho e sucessor.Em Traduire Freud, escrito com a dupla funo de suplemento e de guia para a traduo das Obras Completas, Laplanche explica os princpios que deram corpo ao trabalho de sua equipe detradutores. Considerados a partir de uma perspectiva logocntri-ca, os objetivos e as crenas de Laplanche em relao traduono poderiam ser mais sensatos. Na verdade, a abordagem que

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    totalidade e exatido", Laplanche tem como meta uma "supertra-duo", uma repetio perfeita que teria de transcender no apenas qualquer diferena lingstica mas, tambm, a prpriahistria. Atravs de uma suposta "separao" do texto ("nadaalem do texto") daquilo que no lhe pertence todos os "comentrios" e todas as leituras que de alguma forma "aderiram"

    ao original Laplanche declara sua devoo incondicional aFreud (pp. 14-15). Como argumenta, as opes dos tradutoresque trabalham sob sua superviso so "guiadas pelo prprioFreud" para que no comprometam de forma alguma o cnone"original": "no tocamos em nada, nem mesmo nos parnteses.Respeitamos todos os artigos e todas as oraes subordinadas

    que caracterizam seu pensamento" (p. 36). Conseqentemente, oobjetivo ltimo deste projeto seria "devolver Freud a Freud" eproduzir uma traduo que pudesse se libertar de qualquer perspectiva ideolgica ou interpretao "no um Freud kleiniano,nem um Freud lacaniano, mas um Freud freudiano, escrito numfrancs freudiano que pudesse se relacionar com os leitores fran

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    mecanismo de transferncia que determina nossas relaes e afe

    tos provavelmente o insight mais importante que a psicanlisefreudiana trouxe nossa reflexo sobre a condio humana nega a possibilidade de qualquer pretenso a uma objetividadecompleta. Transferncia, aqui, no sentido do que Susan R. Suleiman chama de "emaranhamentos" (entanglements):

    Emaranhamentos entre pessoas, personagens, textos, discursos, comentrios e contracomentrios, tradues e notas derodap e outras notas de rodap de histrias reais e imaginadas, cenas vistas e coatadas, reconstrudas, revistas, negadas; emaranhamentos entre o desejo e a frustrao, odomnio e a perda, a loucura e a razo [...] Resumindonuma palavra, amor. Que alguns chamam de transferncia.Que alguns chamam de leitura. Que alguns chamam de escritura. Que alguns chamam decriture. Que alguns chamamde deslocamento[displacement],deslizamento[slippage],fen-

    da[gap]-Que alguns chamam de inconsciente, (p. 88)

    Como envolve uma relao entre tradutor e texto ou tradutor e autor, alm de uma relao entre duas lnguas e culturas diferentes, no seria qualquer traduo tambm determinada poruma estrutura transferenciai? No seria sua base triangular umlugar exemplar para os "emaranhamentos" entre desejo e frustra

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    do". Ao invs de um resgate de significados, o mecanismo queorienta a leitura e a interpretao estaria mais prximo de um"reconhecimento" ou de uma "apropriao", em que o intrpre-le necessariamente cria, ou, melhor, recria, o texto com o qual

    estabelece uma relao. Barbara Jo hn so n ap rop riad amente descreve esse "reconhecimento" como "uma forma de cegueira, umaforma de violncia em relao outridade do objeto", que permite ao leitor "armar para o autor do texto que est lendo prticas cujo lugar se encontra simultaneamente atrs da letra do(exto e atrs da viso de seu leitor" (1980, p. 157).

    As estratgias engendradas por esse processo de apropriaodo significado encontram na atividade do tradutor um paradigma exemplar. Uma ilustrao apropriada pode ser encontradaprecisamente em Freud, flagrado, por assim dizer, nas malhas deuma traduo "malfeita" e numa relao transferenciai com umde seus objetos favoritos Leonardo da Vinci. Em seu texto

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    para estabelecer uma conexo "real" entre o abutre e a figuramaterna e entre essa me/abutre e a biografia de Leonardo,mas, tambm, entre as teorias infantis sobre a procriao e asconcepes da criao em geral encontradas na mitologia. As reflexes anteriores de Freud sobre as teorias sexuais infantis haviam chegado concluso de que, de acordo com a primeira"teoria" sexual do menino, sua me teria tido um pnis. De for

    ma semelhante, na mitologia, segundo Freud, "a adio de umfalo ao corpo feminino tem a funo de denotar a fora criativaprimordial da natureza" (p. 94; citado em Bass, p. 127). Como explica Alan Bass, essa a razo pela qual, segundo Freud,

    o contedo manifesto da "lembrana" de Leonardo mascara o contedo latente com o "abutre". Quando adulto,Leonardo supostamente tinha conhecimentos acerca dosimbolismo egpcio do abutre (me), que deve ter sido associado sua prpria "teoria" sexual infantil de que sua mealguma vez possura um pnis. (p. 127)

    Alm disso, essa interpretao da fantasia de Leonardo deflagrou"uma mudana importante na teoria psicanaltica" em relao concepo de Freud acerca do fetichismo. Ao se dedicar ao estu

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    est em jog o uma teia de sent iment os cont raditrios. Nessa relao transferenciai, o autor/texto necessariamente desempenhaum papel ativo que lhe atribudo por seu leitor/tradutor; eleno permanece quieto nem imvel, nem tampouco esconde ossignificados que uma leitura "adequada" deveria descobrir. No

    , como sugere Barbara Jo hn so n, "constativo", mas "performati-vo" e, co mo tal, joga e brinca com as fantasias e os desejos de seule it or/ tr ad ut or (1980, p. 143).

    Mas voltemos traduo de Freud para o francs. Que tipode relao se estabelece entre Laplanche, o tradutor e psicanalista, e Freud, no apenas o autor/texto a ser traduzido, mas, prin

    cipalmente, o criador, o pai da psicanlise? Em primeiro lugar,essa tambm uma relao inevitavelmente marcada por certossentimentos. O sentimento explcito mais forte expresso por Laplanche em relao a seu projeto tradutrio parece ser o desejo"de devolver Freud ao prprio Freud", eliminando de seu textotodas as interferncias que leituras e tradues anteriores supos

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    rine David critica "o abuso na utilizao de neologismos e a reformulao das antigas tradues, que conduzem a um texto 'ar

    tificial'". Outros psicanalistas, como lembra Rubens MacedoVolich, "consideram ainda que as mudanas introduzidas pelasnovas tradues vo alm do que seria necessrio" (pp. B-5-B-6).

    Nos bastidores dessa controvrsia podemos imaginar outrosenredos e subenredos implcitos e subliminares. Em primeiro lugar, a pretensa fidelidade "absoluta" de Laplanche ao texto deFreud permanece um desejo fantstico. Na realidade, pelo me

    nos para os crticos mencionados acima, tal fidelidade nunca foiatingida. Para Roudinesco, ao ser infiel a Lacan, Laplanche ,certamente, tambm infiel a Freud. Para David, como vimos, asuposta fidelidade de Laplanche linguagem de Freud no passade um abuso de neologismos. No centro desse debate, no difcil detectarmos sentimentos de rivalidade fraterna. Ao produziruma traduo que tenta explicitamente apagar as marcas de uma

    leitura lacaniana ou kleiniana que a histria representada pelosdiscpulos de Lacan ou Klein inscreveu no texto de Freud, Laplanche parece agir motivado por um desejo de superar seus rivais e de se tornar o nico e legtimo lierdeiro francs do pai dapsicanlise. E a esse desejo expresso atravs da fantasia de sero guardio privilegiado da "verdadeira" palavra de Freud queLaplanche parece ser fiel. Como Freud, que se identifica com

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    Laplanche Traduz o Pai da Psicanlise 43nos um subenredo particularmente revelador por trs da eliminao de Lacan, armada por Laplanche na construo do textoque implicitamente pretende ser a verso francesa standard daobra de Frcud. Como explica Elizabelh Roudinesco, como um jo

    vem estudante de filosofia, nos anos 50, Laplanche comeou suaanlise com Lacan "sem saber nada sobre o movimento" (p. 228).Essa introduo aos meandros da psicanlise se transformounum interesse muito mais profundo que o levou a tornar-se tambm um psicanalista. O analisando de Lacan se tornou, assim,um discpulo e, logo, o discpulo se transformou num dissidente.

    De acordo com Roudinesco, a principal divergncia de Laplanche com seu mestre e ex-analista centrou-se na relao entre alinguagem e o inconsciente. Enquanto que para Lacan o inconsciente um discurso estruturado como uma linguagem e "claramente separado do enunciado consciente", para Laplanche, " acondio possibilitadora da linguagem, j que certos significan-

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    tem estimulado as pesquisas de Laplanche assim como seu proje

    to de traduo, foi tambm, como se sabe, a principal inspiraodo trabalho de Lacan, dedicado a "articular o verdadeiro sentidoda mensagem essencial de Freud" (ver Muller, p. 2).

    Certamente poderamos construir enredos e cenas semelhantes se examinssemos, ainda que superficialmente, a relaoque a teoria e a prtica da psicanlise tem estabelecido entre Laplanche e Klein, Lacan e Freud, ou entre Freud e qualquer um

    de seus muitos discpulos (aos quais o mestre/pai sintomaticamente se referia como "a horda selvagem").4 O principal enredodessa saga familiar, que tambm a histria da psicanlise, ines-capavelmente se repete na traduo empreendida por Laplanche. Seu desejo explcito de ser o verdadeiro porta-voz de Freudem francs no implica somente a eliminao de seus rivais emestres prximos; esconde tambm uma fantasia mais poderosa,

    a fantasia de se colocar no lugar privilegiado de Freud comoaquele que tem o direito e a autoridade de produzir significadona rea que ele mesmo criou, deixando de ser apenas um dosmuitos recipientes da teoria psicanaltica. Ao fantasiar a produo de uma traduo que pudesse reproduzir a totalidade do texto de Freud, eliminando todas as "distores" e todas as"digresses" das tentativas anteriores, Laplanche implicitamente

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    Esse romance familiar, escrito de amor e dio, no se encont ra apenas in t r insecamente emaranhado com a h is tr ia e o projet o d a p s i c a n l i s e ; t a m b m , s o b r e t u d o , s u a i n e v i t v e lconseqncia. A lio, uma vez mais, se aprende com o pai. Aoreconhecer o f racasso do pr imeiro encontro do crculo de Viena,

    Freud escreveu:

    No consegui estabelecer entre seus membros as relaesamigveis que deveriam ocorrer entre homens que se dedicam mesma tarefa difcil; nem fui capaz de abafar as disputas em relao prioridade para as quais havia tantasoportunidades sob essas condies de trabalho em comum[...] Qualquer um que tenha acompanhado o desenvolvimento de outros movimentos cientficos saber que as mesmas convulses e dissidncias ocorrem neles tambm. Podeser que em outros campos elas sejam mais cuidadosamenteescondidas; mas a psicanlise, que repudia tantas idias convencionais, mais honesta tambm nessas questes. (Sobre a

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    estvel e funcionar bem, prova do contrrio: sem dvida,abandonou a descoberta freudiana. Nesse sentido, a psicanlise basicamente anti-social, e falar em sociedade psica-naltica uma contradio em termos, (p. 14)

    Para Philippe Sollers, precisamente devido sua vocao inerente para "dissolver qualquer possvel comunidade" que a psicanlise "no pode convencer-se a ser uma unidade [e por isso]que resiste": "uma resistncia dissoluo da letra no inconscien

    te. Uma resistncia ao fato da assinatura" (p. 329).A partir de tal perspectiva, como poderia uma traduo do

    texto de Freud fugir a essa desconstruo, a essa resistncia?Como poderia a traduo de Laplanche conseguir implementarseus princpios e suas intenes ingenuamente "louvveis"?Como poderia Laplanche conseguir projetar sua traduo acimae alm do mito da "horda selvagem", ao mesmo tempo em querevela to explicitamente a violncia de sua paixo pelo textode Freud? Nesse contexto, seu projeto de traduo apropriadamente descrito como uma "bomba tranqila".5 Paradoxalmente,como uma "bomba tranqila", que poderia ser, ao mesmo tempo, explosiva e silenciosa, a tentativa explcita de Laplanche dereverenciar e proteger Freud tambm uma forma de bani-lo deseu prprio texto para tomar seu lugar autoral. De forma seme

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    Nao h, contudo, nada idiossincrtico em relao ao que tenho considerado aqui as motivaes e as fantasias subliminaresde Laplanche. Qualquer tradutor, como qualquer leitor, inevitavelmente ensaia os mesmos gestos edipianos que tenho atribudoa Laplanche em sua relao com o texto de Freud. Qualquer traduo , portanto, ao mesmo tempo, parricida e protetora na

    medida em que necessariamente toma posse do lugar e do textode outro com o objetivo de faz-lo viver numa lngua e num momento diferentes. Alm disso, alguma verso do "romance familiar" que aproximou Freud e Leonardo da Vinci, Freud e Lacan,Laplanche e Lacan, Laplanche e Freud, se repete em cada relao que se pode estabelecer entre um sujeito e um objeto, um leitor e um texto, um tradutor e um autor. Qual tem sido, afinal, oenredo de minha prpria anlise dos objetivos e princpios datraduo empreendida por Laplanche? Como Alan Bass, queanalisa as motivaes "escondidas" que determinaram o "erro"de traduo de Freud em seu ensaio sobre da Vinci; como Lacan,

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    que se tornou, alis, a cena primria que inspirou este trabalho pode ter sido inconscientemente sugerido pela prpria experincia de Freud com seus discpulos (p. 16).

    Num mundo em que os significados so convencionais e arbitrrios e, portanto, no intrnsecos s coisas, nosso destino humano remontar os mesmos enredos e as mesmas cenas queapenas comecei a descrever aqui, sempre engajados numa luta silenciosa pela posse do significado que sempre provisrio e esquivo. Como escreve Stanley Fish, os significados

    so produzidos por um sistema de articulao do qual ns,quer como falantes, quer como ouvintes, no podemos nosdistanciar porque nos encontramos situados dentro dele [...e] j que esse sistema (chame-o de diffrance ou de inconsciente) o terreno no-articulado dentro do qual ocorre aespecificao, o mesmo no pode ser especificado e sempre

    excede, deixa sobras, escapa s especificaes que autoriza,(p. 17)

    Se aceitarmos que a relao entre significante e significado sempre contingente e inconstante implcita na noo do signosaussuriano levado a srio , no teremos que tentar encontraruma resposta definitiva, algortmica quela "questo inevitvel"

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    coletnea organizada pela State University of New York at Binghamton,E.U.A. A primeira verso foi apresentada durante o painel "The FreudianControversy" no congresso "Translation in the Humanities and lhe SocialSaences",patrocinado pelaSUNY-Binghamlon, em 27 de setembro de 1991.

    2. Esta e todas as outras trad u es do francs e do ingls so minh as .

    3. A propsito, ver tambm Arrojo 1990, alm de "Maria Mutema, oPoder Autoral e a Resistncia Interpretao", "Sobre Interpretao eAsceticismo: Reflexes em torno e a partir da Transferncia", e "A Traduo e o Flagrante da Transferncia: Algumas Aventuras Textuais comDom Quixote e Pierre Menard", neste volume.

    4. Num a carta de 1917 a Gro ddeck, citado em Roustang, p. 7.

    5. Novamente, Laplanche parece estar emulando Freud, que escreveupelo menos dois longos ensaios como parte de sua estratgia de neutralizar a influncia dejung, um discpulo que se tornou dissidente. Apropriadamente, um deles foi Totem e Tabu, em que teoriza sobre o mito da

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    4. A TRADUO COMO PARADIGMA DOSINTERCMBIOS INTRAIINGSTICOS1

    Aprender a hablar es aprender a traducir; enando ei ninopregunta a su madre por ei significado de esta o aquellapalabra, Io que realmente le pide es que traduzea a sulenguaje ei trmino desconocido. La traduecin dentrode una lengua no es, cn este sentido, essencialmente distinta a Ia traduecin entre dos lenguas y Ia historia de todos los pueblos repite Ia experincia infantil: incluso Iatribu ms aislada tiene que enfrentarse, en uni momentoo en otro, ai lenguaje de un pueblo extrano.

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    52 A Traduo como Paradigma

    produz sobre a linguagem, mas, sobretudo, na sua matriz, na mi

    tologia que compe o chamado senso comum e que determinaonde se situam e como se comportam os significados. Ao sugerirqu e um processo tradu tr io j se instala mesmo ent re a criana,a me e a suposta proteo da chamada lngua materna, e aocomparar o conforto dessa relao e desse aprendizado domstico ao confronto entre a "tribo mais isolada" com um "povo estrangeiro", o comentrio de Paz, se levado estritamente a srio,

    provoca uma rachadura importante nas concepes logocntri-cas de linguagem que reservam aos intercmbios lingsticosocorridos nos limites do que convencionamos chamar de uma"mesma" lngua o privilgio de uma suposta transmisso diretade significados, e sem "perdas", de interlocutor para interlocutor. Se o que ocorre entre me e filho no espao da aquisio dalngua materna anlogo ao relacionamento que se deve estabelecer entre povos diversos, e entre lnguas estrangeiras, para quehaja alguma forma de tr adu o ou de comunicao podemo sconcluir que a proximidade possibilitada por essa analogia faz datraduo um paradigma dos mecanismos da linguagem, revelan-do-se, como tambm conclui George Steiner, uma metfora da"condio perptua e inescapvel da significao" (pp. 260-261).A comparao da fala ou da leitura produzidas dentro da lngua

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    deiramente crtica" (p. 33, grifo do autor). Entre tantos outros,Gregory Rabassa tambm descreve a intensidade da leitura quepropicia a traduo: "Sempre achei que a traduo , em essncia, a leitura mais prxima que se pode fazer de um texto. O tradutor no pode ignorar palavras 'menos importantes', mas deve

    considerar todo e qualquer detalhe" (citado em Biguenet e Schul-te, p. X).2 At mesmo a inverso simtrica da relao traduo/leitura a noo mais comprometedora para a leitura deque esta tambm uma forma de traduo pode ser considerada no-problemtica desde que se mantenha dentro dos padresestabelecidos pelo logocentrismo. Ou seja, desde que aquilo que

    necessariamente implica uma traduo o desencontro com aorigem, a diferena no tempo e no espao que separa o originalde sua tentativa de repetio e a interferncia de pelo menosuma segunda voz autoral no processamento da significao possa ser neutralizado e encaixado no bom comportamento previsto pelo desejo racionalista de equivalncias perfeitas e estveis,

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    54 A Traduo como Paradigma

    Trs ou quatro bastavam, contanto que pudessem sugerir

    em que termos o fato deveria ser relatado de forma a daruma idia do que realmente acontecera. Era necessrio entotraduzir, interpretar no seu laconismo o telegrama. (Idem)

    Ao reconhecer que traduzir pode significar "interpretar", Theo-dor anuncia "um dos propsitos" de seu livro Traduo: Ofcio e

    Arte: "demonstrar quo importante a interpretao correta do

    texto original pelo tradutor, para que o mesmo possa ser devidamente compreendido pelos leitores". Nesse sentido, "o tradutor aquele que torna compreensvel aquilo que antes era ininteligvel, e j po r isso deve ser encar ado c omo um int rpr ete po r excelncia" (idem). Nessa reflexo, a noo de que "traduzir" podeser sinnimo de "interpretar", ou seja, de que alguma forma detra duo j ocorr e den tr o de um a mesma lngua, no deve ofere

    cer nenhum risco estabilidade do projeto logocntrico que aproduz. Ao "tradutor", como ao "intrprete", cabe apenas um papel de "intermedirio", que simplesmente resgata significados eos transporta para o outro lado, estabelecendo uma ponte idealmente "correta" entre dois planos:

    o primeiro tradutor foi o liermeneuta, a quem cabia tradu

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    sistema de outros sinais e representaes grficas". Mais especificamente, na citao que Theodor faz de A. G. Octtinger,

    quando o original provido de sentido especfico, exigimosgeralmente que a transferncia o conserve, ou encontre, naspalavras mais chegadas, o sentido mais parecido possvel.

    Assim, o problema central da traduo de lnguas naturaisconsiste em manter o sentido, (pp. 15-16)

    Nos movimentos estratgicos desse tipo de reflexo sobraum problema insoluvel: como poder o intrprete ou o tradutormanter o sentido quando necessariamente transforma a lingua

    gem? Como poder esse "negociante", esse "intermedirio" entreprodutor e consumidor manter intacto o sentido que inevitavelmente manipula, intermedia e negocia? A carga dessa perguntasem resposta h milnios tem sido despejada de forma quase exclusiva sobre a traduo, a tal ponto que at mesmo a evidnciarotineira da possibilidade de se traduzir de uma lngua para ou

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    desmascarado, de forma incansvel e eficiente, a impossibilidadede se isolar a maldio de Babel no espao supostamente exclusivo das relaes entre lnguas diferentes. Como escreve Derrida,em "Des Tours de Babel",

    a "torre de Babel" no representa meramente a multiplicidade irredutvel das lnguas; ela exibe uma incompletude, aimpossibilidade de se terminar, de se totalizar, de se esgotar,de se completar algo da ordem da edificao, da construo

    arquitetural, do sistema e da arquitetnica. O que a multiplicidade de idiomas na realidade limita no apenas uma traduo "verdadeira", uma interexpresso transparente eadequada, tambm uma ordem estrutural, uma coernciade construto. H, ento (traduzamos), algo como um limiteinterno formalizao, uma incompletude da comtrutura.Seria fcil e at certo ponto justificado ver a a traduo deum sistema em desconstruo. (1985, pp. 165-166)

    Para a reflexo desconstrutivista, a "multiplicidade irredutvel daslnguas" tambm a impossibilidade de significados construdos,completos e determinados dentro de uma "mesma" lngua, ou dequalquer estrutura qualquer enunciado, em qualquer nvel, deum "mesmo" texto, escrito ou falado. E essa estrutura bablica,essa "confuso" primordial essa impossibilidade de se pregar

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    a traduo de traduo urna inteipretao definicional.Mas no caso da traduo "propriamente dita", da traduono sentido ordinrio, interlingstico e ps-bablico, Jakobson no traduz; ele repete a mesma palavra: "traduo inter-lingual ou traduo propriamente dita". Ele supe que no necessrio traduzir; que todos compreendem o que isso

    quer dizer porque todos j tiveram essa experincia; espera-se que todos saibam o que uma lngua, a relao de umalngua com outra e, particularmente, a identidade ou a diferena de fato da lngua. (1985, pp. 173-174)

    A traduo de um dos itens dessa classificao para qualquer

    um dos outros dois, dentro de uma mesma lngua ou sistema, oude um para outro; a traduo da traduo no sentido "figurado"para a traduo "propriamente dita" e vice-versa e em qualquer das combinaes permitidas por esse jogo revela comoessa diviso tripartite pode ser "problemtica": por exemplo, atmesmo no exato momento em que pronunciamos "Babel", "per

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    Tal insolvncia se encontra marcada no prprio nome de

    Babel, que ao mesmo tempo se traduz e no se traduz, pertence sem pertencer a nenhuma lngua e se endivida consigo mesmo com uma dvida insolvente, consigo mesmocomo se fosse outro. (1985, pp. 174-175)

    Como paradigma da linguagem e dos mecanismos a partirdos quais funciona, a traduo passa a ser, na obra de Derrida,tambm uni paradigma da desconstruo. Numa de suas tentativas de definio da desconstruo que criou, Derrida escreve:

    Mas h um lugar adequado, h uma histria adequada paraessa coisa [desconstruo]? Creio que consiste apenas de transferncia, e de uma reflexo atravs da transferncia, em todosos sentidos que essa palavra adquire em mais de uma lngua, e,em primeiro lugar, aquele da transferncia entre lnguas. Se eu

    tivesse que arriscar apenas uma definio de desconstruo,que fosse breve, elptica e econmica como uma senha, eu diria simplesmente e sem exagero:plus d'une langue mais queuma lngua, no mais de uma lngua. (1986, pp. 14-15)4

    Segundo Peggy Kamuf, a reflexo de Derrida est sempre "se voltando, de uma forma ou de outra, para o que se chama 'o proble

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    mento para alm de", "atravs de", "posio para alm de", "posi

    o ou movimento de travs", segundo oAurlio que compe apalavra "translation", alm de outras palavras afins como "transferncia", "transporte", "transformao", e que constitui "o prprio movimento do pensamento entre pontos de origem e dechegada que esto sempre sendo diferidos, diferenciados umpelo outro" (p. 242). No incio de todo intercmbio lingstico

    em qualquer lngua, entre duas lnguas, ou entre dois ou mais sistemas de signos h um leitor, ou um "receptor", que inevitavelmente se apropria do significado do outro e o traduz para o seuprprio "idioma", para aquilo que o constitui tambm enquantolinguagem. Da mesma forma, ser o "outro" para aquele quecom ele embarca nesse jog o de "fazer sentido": dois estrangeiros,

    dois out ros , dois tr adu tores que jamais recup era m a "essncia"do significado um do outro, mas que se comunicam se traduzem apenas e exclusivamente no espao do acordo mtuo emque estabelecem que o diferente e o diferido pode estar semelhante e presente. A traduo que se esconde por trs de toda leitura e de todo dilogo mostra que no h gesto lingstico que

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    guas" , simplesmente, "mudar de rtulos" (p. 27; citado emMurphy, p. 80). A essa concepo, que determina tanto a forma

    pela qual se pensa a traduo como os intercmbios efetuadosno interior da lngua materna, Quine ope a viso pragmtica desenvolvida principalmente a partir de Charles Pierce, WilliamJames e John Dewey segundo a qual os significados so, em primeiro lugar, "significados da linguagem", aprendida com base exclusiva naquilo que se considera o comportamento explcito dooutro. Nesse sentido, o estudo da linguagem essencialmente

    um es tu do de c omporta men tos sociais j que "no pod e haver,em nenhum sentido til, uma linguagem privada" (idem). Quineatribui a Dewey a nfase nesse carter eminentemente social dalinguagem que, nos anos vinte e, portanto, antes de Wittgens-tein, j considerava a linguagem como "um modo de interaoentre pelo menos dois seres, um falante e um ouvinte", pressupondo "um grupo organizado ao qual pertencem esses seres e do

    qual adquiriram seus hbitos de fala" (citado em Murphy, p. 81).No h, para esse tipo de reflexo, nenhuma forma de linguagem que prescinda de algum tipo de relacionamento humanocomo sua origem e possibilidade. Uma das conseqncias dessadesistncia do "mito do museu" que a aquisio de uma lnguasomente pode se dar atravs da observao do comportamentoexplcito de usurios dessa lngua em particular. Alm disso, se o

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    Essa discusso acerca da "indeterminao" intrnseca do significado particularmente relevante para a reflexo que tentodesenvolver aqui, pois as concluses de Quine se encontram basicamente ancoradas em sua "tese da indeterminao da traduoradical", freqentemente ilustrada a partir do exemplo que imagina um lingista em contato com a lngua ainda no estudadade um povo desconhecido. Aps cuidadosa observao das manifestaes lingsticas desse povo, o lingista da hiptese de Quineregistra o que considera um possvel enunciado dessa lngua (1."Demki gavagai zaronka purseh denot gavagai"), que parece ser emitido nas ocasies em que reaparece um coelho que havia sido anteriormente observado. Com base nessa observao, a traduo

    para o ingls proposta por esse hipottico lingista a seguinte:2."This rabbit is the same as that rabbit."Embora se possa considerarque a traduo de "gavagai" para "rabbit" seja uma questo objetiva, determinada pela "evidncia" da situao observada, a tese deQuine defende exatamente o oposto. Conforme argumenta,

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    em 2. Da mesma forma, se "gavagai" fosse traduzido por "rabbitstage", "zaronka pursch" seria traduzido como "is a. stage ofthe same

    rabbit as", e a traduo completa de 1 seria: 4. "This rabbit stage isa stage ofthe same rabbit as that rabbit stage" (p. 85).Como poderia o lingista de Quine determinar a traduo

    correta? Quem poderia determin-la e em que bases? Ao abdicardo mito da linguagem como "museu", em que a cada significadoexibido corresponde um rtulo, um significado determinado,Quine pode apenas concluir que no h uma resposta determina

    da conhecida ou desconhecida a essa pergunta:

    Suponhamos que [todas as trs] tradues, com as adaptaes realizadas em cada caso, se coadunem de forma igualmente favorvel com todo o comportamento observvel dosfalantes da lngua remota e dos falantes de ingls. Suponhamos que se coadunem perfeitamente no apenas com o

    comportamento realmente observado, mas com todas as disposies comportamentais por parte de todos os falantes envolvidos. Com base nessas premissas, seria para sempreimpossvel sabermos qual delas estaria correta e quais estariam erradas. Ainda assim, se o mito do museu fosse verdade, haveria um errado e um correto na questo, mas jamaissaberamos, j que no temos acesso ao museu. (pp. 29-30;citado em Murphy p 86)

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    Sintetizando a tese de Quine, podemos dizer que, se o significado o que deveria permanecer intacto aps sucessivas tradues, se o significado de um termo o que todas as suastradues corretas partilham, ento a questo do que um termosignifica no uma questo objetivamente determinada, pois aprpria questo sobre qual das vrias tradues no-sinnimas

    de um termo a correta , em si mesma, indeterminada (verMurphy, pp. 86-87). A indeterrninao do significado , portanto,uma conseqncia da indeterrninao da traduo, e vice-versa,

    j que a traduo, como os intercmbios intralingsticos, apenascumpre essa lei geral do significado sem um centro estvel, semuma essncia imutvel, sem um "museu" bem organizado. Afinal,

    como lembra Quine, "o problema domstico" da lngua materna "no difere em nada da traduo radical" (p. 47; citado emMurphy, p. 99). Considerando essa analogia, Donald Davidson,discpulo de Quine, substitui a expresso "traduo radical" por"interpretao radical" pois o "problema" "domstico, alm deestrangeiro e emerge para falantes da mesma lngua na forma da

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    aceitao de enunciados como verdadeiros, (p. 185; citadoem Murphy, p. 98)

    Se a "noo crucial" a atitude de aceitar como verdadeiros oulevar a srio os significados do outro, podemos concluir novamente que no h intercmbio lingstico, no h interpretaosem um contrato, sem um pacto entre pelo menos dois personagens, reais ou fictcios, que se di spo nha m a jo ga r o jo go da linguagem, quer seja numa leitura, numa conversa ou numa

    tr ad u o . E essa "disposio" ao jo go e em relao ao ou tr o ,para Quine e para Davidson, uma forma de "caridade". Como sugere Davidson, essa "caridade" no uma opo, ela nos imposta, quer gostemos disso ou no, "se quisermos entender osoutros, temos que consider-los certos na maioria das questes"(ver Murphy, p. 103).

    Por mais estranho que nos parea esse princpio de "caridade", podemos tentar traduzi-lo, ou interpret-lo, "caridosamente", luz de um outro texto, herdeiro tambm da reflexopragmtica e que ope a noo de "solidariedade" noo de"objetividade". Em "Solidarity or Objectivity?", Richard Rorty v"duas formas principais" atravs das quais o ser humano "d sentido" sua vida. Uma delas seria "contar a histria das contribui

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    cepo do intelectual como algum que pode estar "em contato

    com a natureza das coisas", no atravs da viso partilhada comuma comunidade, mas de uma forma "mais imediata" Rortyope a reflexo pragmtica que "no necessita de uma metafsicanem de uma epistemologia" e "reduz a objetividade solidariedade" (1991, p. 22). Assim, onde aqueles que buscam a Verdade encon t ram "ax iomas" , os p ragmt i cos de tec tam "hb i tos

    compartilhados", e enquanto os primeiros vem oposies clarase objetivas entre fato e opinio, entre o conceituai e o emprico,os segundos negam a possibilidade de qualquer essncia comoalgo a ser descoberto e recuperado, independentemente de algum interesse originado no interior da vida comunitria.

    Na realidade, como sugere Rorty em outro texto, o que a filosofia tradicional tem buscado "uma forma que permita se evitar a necessidade do dilogo e da del iberao e quesimplesmente indique como as coisas realmente so" (1982, p.164). Essa necessidade de se substituir a relao pela contemplao, pela theora, se esconde por trs da "esperana de que se

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    que 1'lato imaginava poder concretizar no topo da linha dividida, depois das hipteses. Os cristos esperam que esseestado possa ser atingido atravs da harmonia com a voz deDeus no corao, e os cartesianos esperam poder atingi-loatravs do esvaziamento da mente e da busca do indubit-vel. Desde Kant, os filsofos tm esperado que esse estgiopossa ser conquistado atravs do encontro de uma estruturaanterior a qualquer investigao possvel, a qualquer linguagem ou forma de vida social, (p. 165)

    Finalmente, a transformao da "objetividade" em "solidariedade" ou "caridade" promovida pela reflexo pragmtica podeser associada, apesar das diferenas, quilo que Nietzsche chamaria de o "humano", o "demasiado humano", que tambm omortal, o contingente, o dependente da perspectiva e do desejo,da histria e das circunstncias engendradas pela tribo, pelo grupo, pela comunidade em qualquer dimenso. Nesse sentido, po

    deramos dizer que o contato e o contrato com o outro querpertena mesma comunidade ou a uma "cultura remota" anica forma de aprendizado, a nica fonte de conhecimento etambm a nica base para qualquer critrio de avaliao. Comoargumenta Rorty, de uma forma que nos permite retomar o fragmento citado de Octavio Paz,

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    o platnica, em sua busca do significado imune a qualquerperspectivismo e a qualquer risco de diferena e que, portanto,necessariamente condena a traduo a um exlio forado, longedas manifestaes da linguagem que supostamente podem ocorrer sem a mediao de nenhum "intermedirio" indesejado. Aosurpreender esse "intermedirio" em plena ao, em plena pro

    duo de significados, qualquer traduo dramatiza a necessidade da relao, da presena do outro e do idioma do outro que,como escreve Derrida, quem "assina o que eu digo e o que escrevo" j que a assinatura somente po de ocor rer "no lado do destinatrio". E essa analogia entre o que se diz e o que se escreve, oque se l e o que se traduz exemplarmente explorada nesse tre

    cho de Derrida sobre a autobiografia de Nietzsche:

    A assinatura de Nietzsche no ocorre quando ele escreve.Ele diz claramente que ela ocorrer postumamente, em conseqncia da linha de crdito infinita, que ele abriu para elemesmo, quando o outro vem assinar com ele, se aliar a ele

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    tesco indissolvel entre a voz e a escritura, entre a audio e a leitura , todas unidas pelo f io da interpretao que impe ao outro

    a tarefa essencial do j og o tr ad ut r io : a tran sfo rma o da ln gua"estrangeira" em l ngua "materna" , do desconhecido em conhecido, da leitura em escritura, e de qualquer pretenso ao universalnuma perspectiva marcada e localizada na tribo em que nasce.

    NOTAS

    1. Uma verso preliminar deste trabalho foi publicada em Alfa -Revistade Lingstica, vol. 36, So Paulo, 1992, pp. 67-80.

    2. Esta e todas as out ras trad ues de citaes e referncias so minhas.

    3. A propsito, ver tambm Arrojo 1992.

    4. Para uma discusso sobre as implicaes da transferncia, no sen tidopsicanaltico, para as questes tericas da traduo, ver "Laplanche Traduz o Pai da Psicanlise: As Principais Cenas de um Romance Familiar"e "A Traduo e o Flagrante da Transferncia: Algumas Aventuras Textuais com Dom Quixote e Pierre Menard", neste volume.

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    DERRIDA, Jacques . Positions (trad. de Alan Bass). Chicago: The Univer

    sity of Chicago Press, 1978b.DERRIDA, Jacques. "Des Tours de Babel." In J. Granam (org.), Differen-ce in Translation. Ithaca e Londres: Cornell University Press, 1985.

    DERRIDA, Jacques. The Ear of the Other - Otobiography, Transference,Translation (trad. de Peggy Kainuf). Nova York: Schocken Books,1985b.

    DERRIDA, Jacques. Mmoires for Paul de Man. Nova York: ColumbiaUniversity Press, 1986.

    JAKOBSON, Roman. "On Linguistic Aspects of Translation." In Reu-ben A. Brower (org.), On Translation. Cambridge: Harvard University Press, 1959.

    KAMUF, Peggy (org.). A Derrida Reader - Between the Blinds. Nova York:Columbia University Press, 1991.

    MOUNIN, Georges.Os Problemas Tericos da Traduo (trad. de Heloysade Lima Dantas). So Paulo: Cultrix, 1975.

    MURPHY, John P. Pragmatism - From Pierce to Davidson. Boulder, SanFrancisco, Oxford: Westview Press, 1990.

    PAZ, Octavio. Traduccin: Literatura y Litemlidad. Barcelona: TusquetsEditor, 1971.

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    5. A TRADUO PASSADA A LIMPO EAVISIBILIDADE DO TRADUTOR1

    "Deconstruction is always decply concerned with the 'other'of language."

    "The critique of logocentrism is abovc ali cise tlie scarchfor the 'ot he r' an d the 'o the r of language'. "

    "Deconstruction is not an enclosure in nothingness, butan openness towards the other."

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    assim como h uma origem primordial e definida por trs de

    toda derivao ou uma presena real e resgatvel por trs detodo simulacro. O signo, a derivao e o simulacro representamaquilo que deveria estar presente e, nessa representao que tambm uma ausncia, usurpam o lugar do "original". Como resume Jacques Derrida,

    quando no podemos agarrar ou mostrar a coisa, nem de

    clarar o presente, o estar-presente, quando o presente nopode ser apresentado [...] recorremos ao desvio fornecidopelo signo [...] O signo, nesse sentido, uma presena diferida. (1982, p. 9)2

    Dentro dessa lgica que tem determinado os rumos c os limites da maioria de nossas reflexes sobre a linguagem o signo e,em especial, a escritura, o signo escrito, "como agente do adiamento da presena", " concebvel apenas com base na presenaque adia e no movimento em direo presena adiada que pretende resgatar". Conseqentemente, de acordo com essa semio-logia, "a substituio da coisa-em-si pelo signo tanto secundriaquanto provisria":

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    cundria e provisria em relao quilo que supostamentesubstitui. Todas as metforas que a tradio logocntrica temescolhido para descrever e explicar a relao "originar/traduo derivam precisamente dessa concepo clssica de signo edas relaes que lhe permite estabelecer com seu referente.Portanto, dela derivam tambm os preconceitos, as noes de

    inadequao e inferioridade, de traio e de deformao e, sobretudo, a impossvel tarefa que se impe a todo tradutor: aexpectativa de que seja no apenas invisvel e inconspcuo, masde que possa tambm colocar-se na pele, no lugar e no tempodo autor que traduz, sem deixar de ser ele mesmo e sem violentar a sintaxe e a fluidez de sua lngua, de seu tempo e de

    sua cultura.Nesse jo go convenien te arm ado pelo culto ao logos, em que atraduo assume a posio secundria de signo e o "original" assume o lugar privilegiado da coisa-em-si, escamoteia-se o prpriopressuposto cultivado pelo logocentrismo, que condena qualquerescritura condio de signo de significante e de substituto

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    p

    duzido perdem sua posio "inferior" e passam a ser encaradoscomo estveis e "originais".

    O lugar da origem, do original, da coisa-em-si sempre outro, sempre transferido atravs de um substituto que apenas acena com a promessa de uma presena que nunca se apresenta emsi e por si mesma. Partindo do insight saussuriano de que oprincpio da diferena e da arbitrariedade que necessariamenteconstitui todo processo de significao, a desconstruo do logo-centrismo proposta por Derrida tem tentado demonstrar que

    no h sada possvel do labirinto inescapvel de signos que se referem sempre e to-somente a outros signos, num processo deadiamento infinito que probe qualquer encontro com uma suposta presena extern a a esse labi rinto. Assim, no h nesse jo goarbitrrio de diferenas nenhum significado que pudesse estarpresente em si e referir-se apenas a si prprio e, por isso mesmo,ocupar um lugar privilegiado fora das regras do jo go . A esse

    jogo, a esse adiamento infini to , em que cada signo transfere sempre para outro o rastro da origem perseguida, Derrida tem chamado de diffrance, um neologismo que explora o duplo sentidodo verbo francs "diffrer". Como o portugus "diferir", "diffrer"pode significar tanto "adiar", "procrastinar", "retardar" como "divergir", "discordar", "ser diferente". Em francs, nenhum subst ti f ti d b tid d " di "

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    rior ao sistema, subverte no apenas os termos que regem a articulao da oposio fala/escritura, mas tambm os de todas asoutras. No jogo da diffrance, "cada elemento de inia oposiono nada alm do outro diferente e diferido, um diferindo ooutro e do outro. Cada um deles o outro em diffrance, cadaum deles a diffrance do outro" (1982, p. 18).

    precisamente essa relao de mtua diffrance, to evidenteentre "original" e traduo, que a tradio logocntrica precisousempre recalcar atravs da sacralizao do "original" (transformado no templo intocvel dos significados supostamente estveis emumificados de seu autor) e da marginalizao do tradutor e deseu ofcio. E pela relao exemplar de mtua diffrance quequalquer traduo demonstra estabelecer com seu "original" quea problemtica da traduo passa a ocupar, a partir da reflexodesconstrutivista, um lugar de destaque no pensamento contemporneo. Se toda traduo "falha" ao tentar reproduzir a totalidade de seu "original", exatamente porque no existe essa

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    isso mesmo, to segregada e to ausente das reflexes institucio

    nalizadas sobre a linguagem passa a ser paradigmtica da des-construo e de suas estratgias e passa a ser identificada com aproblemtica da filosofia.4 Pensar o problema central da traduo ou seja, a (im)possibilidade da passagem de significados deuma lngua para outra , sem dvida, pensar, ou repensar,todo o projeto filosfico e, conseqentemente, todo o projeto se-miolgico que tem embasado no apenas a filosofia e as "cin

    cias" da linguagem, mas, tambm, as noes de cincia e dehistria.Como o "fracasso" primordial de toda traduo chegar tar

    de, ser incapaz de "testemunhar" a histria em sua "ocorrnciaoriginal", a partir do momento em que se desmascara a impossibilidade desse testemunho mesmo dentro de uma nica lngua, atraduo passa a ser reconhecida nas palavras de Shoshana Fel-

    man como "uma atividade crtica, uma forma de desconstruo,ou seja, uma forma de desmontar uma percepo ou compreenso ilusria da histria" (p. 740, grifo da autora). 5 Por constituir-se num processo de mudana e de movimento, ern que promovea sobrevivncia do passado cm dijfrance, a traduo passa a sertambm "uma metfora da prpria histria", no da histria "ilusria" concebida em termos de uma sucesso de registros das

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    Essa "perspectiva de mudana histrica", para Felman, "no simplesmente o que dito pela traduo, mas o que , na verdade, realizado por ela". A traduo ou o processo exemplar datransformao do "mesmo" em "outro" no exatamente um"conhecimento" nem tampouco uma "percepo" e, sim, "o desempenho da mudana histrica que testemunha no prprio pro

    cesso de realiz-la" (idem). Ao reviver o passado atravs de umato criador e no, meramente, recuperador, a traduo tornapossvel a "sobrevivncia" que chamamos de "histria", alm derealiz-la e constru-la. Finalmente, como conclui Sherry Simon, apartir da desconstruo, a traduo se torna "objeto de um tipode reformulao conceituai, localizada no centro do debate con

    temporneo acerca de processos de transmisso cultural e desuas relaes com a linguagem". Mais do que uma tcnica de simples "transferncia lingstica", a traduo passa a ser reconhecida como "um processo que gera novas formas textuais, que crianovas formas de conhecimento e introduz novos paradigmas culturais" (pp. 96-97). "Novas" e "novos", aqui, obviamente, entre as

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    nica lngua", tambm "morre imediatamente". A traduo no, pois, "nem a vida nem a morte" do texto mas sua "sobrevivn

    cia, sua vida aps a vida, sua vida aps a morte" (1979, p. 102).Como a leitura, a traduo uma das formas possveis de ativao do texto que, mesmo antes da "passagem" para uma lnguaestrangeira, no pode ser meramente uma "coexistncia de significados" e j "passagem e travessia", po den do ser ele mesmo"apenas em sua diferena", como tambm conclui Roland Bar-thes (pp. 76-77).

    Talvez a conseqncia mais importante dessa reavaliao datraduo seja a possibilidade que abre para o reconhecimento dafigura do tradutor to maltratada e to diminuda por tericos,crticos e, principalmente, pelos prprios tradutores e de suainescapvel presena autoral no texto que produz a partir do"original".6 Dentro da metfora do transporte intacto do "mesmo" de uma lngua para outra que o logocentrismo armou para

    o ideal da traduo, no cabe a atuao interferente do tradutor,que deve se limitar a proceder a uma suposta transferncia designificados de uma lngua para outra, sem aparecer e sem semisturar a ela. Conseqentemente, essa "invisibilidade" se refletenas formas de recepo da traduo. Como lembra Lawrence Ve-nuti, os leitores em geral lem ou querem ler o texto traduzid f i i id i

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    dstrias manufatureiras e de servios" (p. 180). Separa-se, portanto, o autor do tradutor o "original" da derivao, a presenado simulacro tambm nofront socioeconmico. Reconhece-seo primeiro enquanto criador que detm o controle em mais deum sentido de seus direitos autorais e atribui-se ao segundouma funo meramente mecnica e coadjuvante, que merece um

    reconhecimento e uma remunerao tambm secundrios.Como toda traduo constitui uma ameaa concreta ao estabelecimento dessa diferena j consagrada ent re p roduo e repro duo que, como lembra Lori Chamberlain, "essencial para oestabelecimento do poder", as polticas que controlam seu comportamento socioeconmico e institucional tem que tentar man

    ter a traduo e o tradutor nos limites da transparncia. Co mo jobservei numa discusso anterior, vrias so as implicaes dessamarginalidade imposta pelo jo go ideolgico que atribui apenasao autor do "original" o poder de determinar significados. precisamente a partir de uma concepo logocntrica da atividadedo t radu tor que se pod e defender essa tica da invisibilidade, jus-

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    xalmente, esse "silncio" associado castidade e consideradouma das principais virtudes femininas podia ser quebrado apenas para que as mulheres "demonstrassem sua devoo religiosa"atravs da traduo de obras liturgicas escritas por homens (verHannay, p. 4). Como explicitou um autor da poca, esse tipo deatividade, diferentemente da perigosa "expresso de pontos devista pessoais", no ameaava o establishment masculino e podiaser confiada suposta "fragilidade" (tambm moral) do sexo fe

    minino (idem, pp. 8-9).H* A partir do reconhecimento de que h, pelo menos, um "outro" autor a habitar o texto traduzido, desmistifica-se tambm a"inocncia" da traduo pretensamente bein-intencionada e empenhada num esforo de "fidelidade" cega e desinteressada ao"original". A visibilidade do tradutor como agente da diferena eda possibilidade de sobrevivncia do original tambm torna vis

    vel o desejo de conquista e de apropriao implcito em qualquerato tradutrijComo escreveu Nietzsche, "o grau do senso histrico de qualquer poca pode ser inferido a partir da forma pelaqual essa poca traduz e tenta absorver pocas e livros anteriores. Nesse sentido, so modelares as pocas de Corneille e da Revoluo Francesa, em que os franceses "se apossaram" daantigidade romana com uma ousadia surpreendente; e os pr

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    A aluso bblica proposta por Drant se refere forma pela qual"os povos de Deus" transformavam em esposas as prisioneiras"infiis" a esse deus, ou seja, forma pela qual, literalmente,eram "domesticadas" as belas mulheres estrangeiras para que pudessem viver cativas no lar, no pas, na religio e sob as ordensde seu novo amo. J que o clrigo Drant se em pe nh a em traduzir

    um autor secular e pago, deve torn-lo moralmente "adequado"e, para isso, castra seu texto cuja beleza cobia e deseja transformando-o numa esposa cativa, despojada de suas vaidades "originais" e a quem passa a possuir com a exclusividade e com os"direitos" de marido e senhor.

    Essa declarao de Drant particularmente reveladora tam

    bm para uma compreenso mais abrangente do oue em geralse considera a "fidelidade" ao "original" e a seu autor. Mesmodepois de descrever a "castrao" consciente e explcita a quesubmeteu o texto de Horcio, Drant "ousa dizer" que "no alterou sua sentena", nem "suas intenes". Em outras palavras,

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    sem qualquer elemento "suprfluo". Como um marido/missionrio, Drant declara sua "fidelidade" ao lado "bom" dos significa

    dos que pretende resgatar explicitamente para seu deus esua religio e, tambm implicitamente para seu prazer. Apartir de propsito to "nobre", que mascara uma relao detransferncia, no sentido psicanaltico, isto , uma relao queenvolve amor, dio e cobia, justificarn-se at mesmo a pilhagem

    10e a castrao.Alguma forma de violncia, alguma forma de parricdio

    inerente atividade do tradutor que, como qualquer leitor, inevitavelmente ocupa um lugar autoral no momento de acionar suaproduo de significados a partir do texto de outro. Se abrirmosm o da iluso de qu e possa haver um significado exte rno ao jo goda diffrance que inaugura e promove a linguagem, a leitura e atraduo no podem envolver um processo de resgate ou de recuperao dos significados originalmente pretendidos pelo autore passam a ser reconhecidas como atividades essencialmente autorais. Se, no processo de traduo, o tradutor, ou tradutora, temque necessariamente tomar o lugar do autor e se apossar de seutexto para que esse possa sobreviver cm outra lngua, no hcomo eliminar esse momento de usurpao e de conquista, que areflexo desconstrutivista flagra e desmascara.

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    Como fica uma mulher que traduz um livro como esse? Noseria ela uma dupla traidora, desempenhando Eco para esseNarciso, repetindo uma vez mais o arqutipo? Todas aquelasque usam a lngua paterna da me, que ecoa as idias e odiscurso dos grandes homens so, num certo sentido, traidoras: essa a contradio e o compromisso da dissidncia.(Levine, p. 92; citado em Chambcrlain, p. 471)

    Embora dec lare te r mant ido com Cabrera Infan te uma "cooperao" amistosa, Levine reconhece que sua t raduo uma formade subverso:

    Que Infante's Inferno uma verso, um a subverso, j aparente no ttulo. O que est vivo em La habana para un infante difunto realmente morreria na traduo literal "Havana fora Dead Infante". Pelo que se perde e pode ser ganho na travessia da barreira lingstica, pela releitura inevitvel queocorre na transposio de um texto de um contexto paraoutro a traduo necessariamente subverte o original (Levi

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    lncia em relao ao original a partir do qual produz seu texto.Da mesma forma que a justificativa de Drant se respa lda na "no

    breza" de sua f, qual o texto de Horcio ter que se submeterpara sobreviver na Inglaterra de seu tradutor, em nome de seurepdio ao machismo ofensivo do texto de Cabrera Infante queLevine justifica a "subverso" e a "infidelidade" q ue come te. SeThomas Drant castra o texto de Horcio e o transforma numa esposa cativa, tambm Levine transforma o "homem" do dito machista num "homem" (sexualmente) "minsculo", que deseja,

    mas incapaz de violentar uma mulher. Da mesma forma queDrant sobrepe sua confisso de violncia uma declarao defidelidade s "intenes" de Horcio, tambm Levine transformaa "infidelidade" numa "fidelidade" maior "realidade verbal" dolivro, que ela mesma considera "a mais importante caracterstica"do texto.

    Embora a perspectiva feminista produza o ponto cego da argumentao de Lori Chamberlain que, apesar de desconstruir aconsagrada oposio entre "original" (masculino) e traduo (feminino), sacraliza o interesse feminino e o coloca acima do beme do mal, esse vis no anula a fora de sua concluso, que recomenda "a importncia no apenas da traduo, mas de se escrever sobre ela, incorporando os princpios de sua prtica ao

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    abre novas frentes para a pesquisa na rea. Se h sculos, oumilnios, grande parte do que se escreve sobre traduo nopassa de levantamentos superficiais de supostos pecados perpetrados contra o "original" e seu suposto autor, uma visomenos mistificadora e menos culpada do processo tradutriopode nos livrar desse crculo vicioso que gira em torno da mar

    ginalidade e da indigncia e nos auxiliar a explorar, atravs doinstrumental fornecido pela traduo, as vrias relaes que seestabelecem entre poder e cultura: a construo d?, imagem deum autor, de uma literatura, de uma cincia ou filosofia e atmesmo de um tradutor consagrado; as relaes entre culturasdominantes e culturas dominadas, entre lnguas dominantes e

    dominadas; a manipulao consciente ou inconsciente, implcita ou explcita, mas sempre inevitvel de textos a serviodesta ou daquela ideologia e, finalmente, a prpria concepode ideologia como inspiradora desta ou daquela "fidelidade"ao original.

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    p

    evitar a cegueira auto-infl igida a part i r do momento em que reco

    nhece que seu desejo, alm de simblico, o inevitvel agentede to na do r de to do e qua lqu er processo de s igni f icao , em seusent ido mais amplo .

    NOTAS

    1. Uma verso preliminar deste trabalho foi publicada em Trabalhosem Lingstica Aplicada, ne 19, Camp inas, ja ne ir o/ ju nh o de 1992.

    2. Esta e todas as outras tradues de citaes e referencias so minhas.

    3. A propsito, ver tambm Graham, "Lntroduction", p. 19.

    4. A propsito, ver tambm Norris; Bcnjamin (especialmente a Introduo, pp. 1-8) e Arrojo 1992.

    5. A viso da traduo como "crtica" no c exatamente nova. Entrens, a partir da influncia da potica de Ezra Pound, Haroldo de Campos teoriza a traduo em termos de uma "leitura verdadeiramente cr

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    que o levam a desmascarar a presena do tradutor no texto traduzido,tenho restries sua proposta de uma prtica tradutria que explicitamente "resista fluncia":

    A traduo deve ser vista como um tertium datam que "soeestrangeiro" ao leitor e q