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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary Carter Julia no. 28 Roumayne estava atravessado um pedaço difícil de sua vida quando conheceu Marcella Du Toit, uma garota que era mais parecida com ela do que se fosse sua irmã gêmea. Ao contrário de Roumayne, Marcella não queria, naquele momento, afastar-se de Johannesburg, onde elas moravam. Mas precisava voltar à sua pequena cidade natal, para tornar-se noiva oficial de Eugene, seu namorado e infância. Marcella propõe a Roumayne que tome seu lugar, dê andamento ao noivado e aguarde sua volta secreta para o casamento. Assim, ninguém desconfiaria de nada. Roumayne aceita e parte, feliz, sem imaginar que acabaria apaixonada por Eugene. E agora? A Impostora “Sweet impostor” Rosemary Carter Livros Florzinha - 1 -

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28

Roumayne estava atravessado um pedaço difícil de sua vida quando conheceu Marcella Du Toit, uma garota que era mais parecida com ela do que se fosse sua irmã gêmea. Ao contrário de Roumayne, Marcella não queria, naquele momento, afastar-se de Johannesburg, onde elas moravam. Mas precisava voltar à sua pequena cidade natal, para tornar-se noiva oficial de Eugene, seu namorado e infância. Marcella propõe a Roumayne que tome seu lugar, dê andamento ao noivado e aguarde sua volta secreta para o casamento. Assim, ninguém desconfiaria de nada. Roumayne aceita e parte, feliz, sem imaginar que acabaria apaixonada por Eugene. E agora?

A Impostora “Sweet impostor”

Rosemary Carter

CAPITULO I

Roumayne Mallory deteve-se nos degraus da escadaria

Livros Florzinha - 1 -

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 do Tribunal de Justiça e cobriu os olhos com a mão, sem suportar a reverberação do sol. Uma pequena multidão reunia-se na calçada em frente e assim que ela surgiu uma mulher jovem gritou:

- Assassina!Houve um breve silêncio, seguido por gritos e

imprecações carregadas de grande agressividade. Roumayne levantou a cabeça em atitude de desafio e enfrentou os olhares irados da multidão, rezando para que suas pernas parassem de tremer.

- Não ligue para eles. - John Gorton não deixara de lhe fazer companhia até aquele momento. - Essa gente tem sede de sangue.

- Mas então não sabem que fui absolvida? - indagou, voltandose para o advogado com os olhos marejados de lágrimas.

- Claro que sabem, mas não gostaram. Venha, Roumayne. Tomou-a pelo braço e com toda firmeza forçou a passagem através da multidão.

Tão logo se afastaram do Tribunal, ninguém os importunou. As ruas de Johannesburg regorgitavam de gente, preocupada demais com seus próprios problemas para perder tempo observando aquele senhor de meia-idade e aquela garota esguia de rosto ovalado e pálido, que a fazia parecer muito mais jovem do que os seus vinte e dois anos.

Não percebiam que era Roumayne Mallory, a garota que nas duas últimas semanas fora o centro de um julgamento rumoroso e fornecera manchetes sensacionalistas aos jornais.

Detiveram-se ao chegar à rua onde John Gorton tinha seu escritório. - com que então, Roumayne, está tudo acabado. . . - Sorria com a mesma calma e gentileza que demonstrara durante todas aquelas semanas traumáticas desde que ela fora acusada de ter assassinado um homem.

- É mesmo, sr. Gorton? - Havia desespero em seu olhar. O senhor bem que viu a multidão, lá no Tribunal.

- Já lhe disse que eles não gostaram da decisão. Você não deve deixar que isto a preocupe.

- Não será tão simples assim. - Sua voz tremia. - Todo mundo sabe que fui absolvida unicamente por falta de provas.

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 Ainda pensam que matei Jackie James.

- É verdade... - A preocupação anuviou aquele rosto bondoso. - Este aspecto da questão também me diz respeito. Se pelo menos pudéssemos ter apresentado alguma prova. . .

- E se não se tratasse de Jackie James...- Pois é. A morte acidental de um ídolo da música pop só

poderia mesmo causar manifestações de histeria e fornecer manchetes aos jornais.

- O senhor acredita em mim, não é? - Ela se expressava com um certo desespero.

- Nunca deixei de acreditar em você, Roumayne. E seus amigos, seus verdadeiros amigos, também acreditarão. - Fez uma pausa e quando voltou a falar sua expressão era pensativa. - Não vi o dr. Mason no Tribunal, hoje.

- Alec não teve condições de deixar o hospital. - Uma nuvem de tristeza invadiu seu olhar.

- Ele ficará tão aliviado quanto você ao saber que tudo terminou. Agora poderão marcar a data do casamento.

- Sim. - Roumayne tentou sorrir. Não podia deixar que o advogado perceber quanto a ausência de Alec a magoara.

- vou me despedir, Roumayne, pois tenho um compromisso. Estendeu-lhe a mão. - Cuide-se, querida. E não se esqueça de me convidar para o casamento.

Viu-o afastar-se e misturar-se com a multidão. Defendera-a na corte e ajudara-a ao longo daquelas semanas de infelicidade e incerteza. É verdade que tivera de pagar por seus préstimos e a conta era assustadora, mas ao mesmo tempo John Gorton mostrara uma ternura e uma dedicação enormes, que muito a ajudaram a atravessar aquele período conturbado. Esperava que tudo tivesse chegado ao fim. : Mas, seria verdade?

As primeiras edições dos vespertinos começavam a ser colocadas à venda nas bancas de jornais. "Falta de provas no julgamento do assassinato do astro pop!" era a manchete. Roumayne viu seu rêtrato embaixo das letras garrafais. Era uma foto infeliz, tirada sem que ela tivesse percebido, e que lhe dava a aparência de alguém perfeitamente capaz de ter cometido o crime do qual fora absolvida.

Mordeu o lábio e andou apressadamente em direção ao

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 ponto de ônibus. Enquanto esperava sentiu que todos os olhos pousavam-se sobre ela, como se todos pensassem:

"Jackie James ainda estaria vivo se não fosse a negligência desta garota".

Morava em um prédio nas proximidades de um hospital. O apartamento dava para a face sul e não pegava sol. Das janelas avistava-se um outro prédio, igualmente alto e de aspecto desolador. Durante toda a semana esperava ansiosamente os domingos, quando ela e Alec não tinham compromisso e iam andar de barco no rio Vaal. Mas, pelo menos naquelas circunstâncias, as paredes do minúsculo apartamento serviam-lhe de refúgio.

Agora que estava longe dos olhares hostis, permitiu-se um gesto de desânimo. Encheu a chaleira e acendeu o fogão. Enquanto esperava a água ferver ficou a imaginar a que horas Alec chegaria.

- Preciso de você - disse baixinho, sentindo que as lágrimas vinham-lhe aos olhos. - Senti sua falta o dia inteiro. Venha para mim, Alec. Passe seus braços em torno de mim e eu me sentirei melhor. Você sabe que sou inocente e que ninguém mais me importa.

Estava enxugando as lágrimas quando a campainha tocou, - Alec, eu estava... - Interrompeu-se ao deparar com uma garota parada na porta. - Não tenho mais nada a declarar à imprensa. - Disse tais palavras o mais secamente possível e estava para fechar a porta quando a garota deu um passo adiante.

- Mas eu não sou da imprensa. . . - Sorria amistosamente. Por favor, deixe-me entrar.

- Quem é você? - Roumayne olhou-a com desconfiança, examinando aquele rosto que de certa forma lhe era familiar. Aquele sorriso e aquelas palavras talvez não passassem de um disfarce. Os repórteres seriam bem capazes de aproveitar-se de sua boa fé.

- Meu nome é Marcella Du Toit.- Para mim este nome não quer dizer nada.- Claro que não. Coitada, deve estar exausta depois de

tudo por que passou, caso contrário já teria notado. . .- Não compreendo. - A cabeça de Roumayne latejava de

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 dor. Não atinava por que Marcella estava se divertindo.

- Já, já compreenderá. Posso entrar?- Está bem. Mas eu lhe previno: se for da imprensa,

sairá na; hora.- Já lhe disse que não sou. - Ainda sorrindo, Marcella Du

Toit ficou parada, contemplando-a. - Você ainda não percebeu, não é?

Roumayne levou a mão à fronte.- Acho melhor você explicar o que está dizendo.- Onde está o espelho?- Como disse? - Aquilo tudo não passava de um

estratagema para arrancar uma entrevista dela? Talvez houvesse uma máquina fotográfica escondida na bolsa de Marcella. . .

- Um espelho! Você deve ter um, não? - Fez um gesto, indicando a porta aberta do quarto.

- Sim, mas. . . Hei, você não pode entrar! - A voz de Roumayne levantou-se em sinal de protesto enquanto aquela visitante inesperada caminhava em direção ao quarto.

- Não fique aborrecida. Sim, você tem um espelho. - Marcella Du Toit sorriu, enquanto Roumayne entrava com ela no quarto. Venha cá - ordenou. - Não, aqui, perto de mim. - Acrescentou com impaciência, ao ver que Roumayne franzia o cenho: Você deve estar notando, não? Claro que deve!

- Não sei a que você se refere. - Roumayne naquele momento só pensava no que faria para colocar aquela garota esquisita para fora do apartamento.

- Impossível! É tão evidente! Como é que você não nota? Não está vendo mesmo? - Suspirou. - Está certo, então eu digo. Poderíamos perfeitamente ser gémeas.

- Gémeas? - Pela primeira vez Roumayne examinou com atenção as imagens refletidas no espelho. Não era de admirar que o rosto de Marcella lhe parecesse familiar.

Se não estivesse tão cansada e preocupada, teria notado a semelhança imediatamente. Chegava a ser impressionante: os mesmos cabelos acobreados, os mesmos olhos azuis, o mesmo nariz arrebitado. Mas, gémeas? Um rosto apresentava-se pálido e infeliz, o outro corado e cheio de animação. À luz dessa diferença essencial todas as outras

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 semelhanças pareciam insignificantes.

Contemplou a garota. Marcella olhava-a com impaciência.

- Bem? - perguntou.-Havia mesmo uma semelhança.- Uma semelhança! Puxa! Somos o retrato uma da

outra!- E daí? - Parecia inútil discutir com aquela estranha tãocomunicativa.- Pelo menos poderemos conversar, agora que consegui

convencê-la. - Vamos lá para a sala. Você estava tomando chá? Estou com a garganta seca. Ofereça-me uma xícara e depois conversaremos.

Marcella tomou duas xícaras rapidamente e em seguida começou a falar. Roumayne ficou sem dizer nada, ouvindo as palavras que saíam aos borbotões, sem interrompê-la.

O trauma das últimas semanas havia afetado profundamente seus nervos. Como esperara aquele dia! No entanto, terminara em

um anticlímax. Claro, fora absolvida, mas unicamente por falta de provas. Aos olhos do mundo ainda era a enfermeira negligente que tinha matado um famoso ídolo da música pop ao lhe aplicar uma dose excessiva de morfina.

Jamais haveria de esquecer a multidão diante do Tribunal. Ao defrontar-se com sua hostilidade aberta, sentiu-se muito mal. Naquele momento, mais do que em qualquer outro, necessitara de Alec e de todo o apoio que seu, amor lhe proporcionava. No entanto, a seu lado estava unicamente John Gorton, reconfortando-a através de palavras e gestos.

Por que Alec não estava lá? Dissera ao advogado que sua presença era necessária no hospital. Somente para si mesma admitia a amargura pelo fato de seu noivo não ter encontrado meios de estar com ela, no momento em que necessitava desesperadamente de sua presença.

- Bem?A voz de Marcella parecia vir de longe, do fundo de um

sonho. Roumayne teve de controlar-se para abandonar suas divagações. Perdida nos próprios pensamentos, mal ouvira o que a garota estivera a dizer. Somente algumas frases

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 tinham-lhe chegado à consciência: escola de arte. . . Paris. . . Eugène. . . Um punhado de palavras sem a menor significação.

Agora Marcella parara de falar. Olhava Roumayne como quem estava à espera de uma resposta.

- Bem? - voltou a perguntar. Sua expressão era de total expectativa.

Roumayne olhou para ela sem saber o que dizer.- O que você quer? - perguntou, finalmente.- Você fará o que pedi? - As expectativas de Marcella

deram lugar à impaciência. - Você me substituirá em Rusvlei?- Substituí-la? - Roumayne não conseguiu disfarçar a

preocupação que sentia naquele momento.- Puxa vida! - Marcella pousou violentamente a xícara

sobre a mesa, num gesto de exasperação. - Você não ouviu uma palavra do que eu disse, não é?

- O pouco que ouvi para mim não faz o menor sentido. . .

- Pois está muito bem, então vou repetir. Só que desta vez você me faça o favor de ouvir. Olhe, meu bem, quero que você finja que sou eu durante alguns meses.

- Por quê? - Pela primeira vez Roumayne sentiu um certo interesse.

- Ordenaram-me que voltasse para casa e não quero ir, pelo menos ainda não. Você e eu passamos por gémeas. Você pode tomar meu lugar que ninguém notará.

- Jamais poderia fazer uma coisa destas. . .- Claro que pode. Seria ideal para nós duas. Você

tornou-se uma celebridade nestas últimas semanas. Garanto que gostaria de se livrar de toda essa publicidade incómoda.

Roumayne estudou Marcella durante um bom momento. Deu-se conta de que a semelhança entre ambas era meramente superficial. Não conseguia deixar de admirar a audácia e a autoconfiança da garota. Era um trunfo, que devia ajudá-la em situações nas quais a timidez de Roumayne criava-lhe sérias desvantagens.

O bom senso dizia-lhe que não devia levar a sério a sugestão de Marcella, mas a curiosidade era mais forte do que tudo.

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- Onde é que você mora?- No interior do Transvaal.- Em uma fazenda?- Sim, cultivamos frutas cítricas. Milhares de pés de

laranja, limão, grapefruit.Onde ninguém me conhece... O pensamento tentador

apoderou-se de Roumayne, mas foi posto imediatamente de lado.

- Você disse que exigiram sua presença. . .- Isso mesmo. - Havia uma certa impaciência no tom

com que Marcella se exprimia, como se lhe desagradasse voltar aos detalhes do que lhe acontecera. - Estudei em Paris durante dois anos, em uma escola de arte. Foi um período maravilhoso. Ultimamente meus avós começaram a fazer pressão para que eu voltasse, porém consegui ficar mais um pouco. Agora. . . recebi uma intimação.

- E há uma razão para isso?- Sim. Ao que tudo indica, Eugène Hugo, o homem com

quem devo me casar, está mostrando sinais de impaciência.- E você espera que eu tome seu lugar e seja esposa

dele? - indagou Roumayne, sem acreditar no que ouvira.- Acho que você está complicando as coisas. Não. Quero

apenas que você vá até lá e fique noiva dele. Estarei de volta antes do casamento.

- Quer dizer que não está noiva?- Claro que estou, mas não oficialmente.- E por que não volta para lá?- Ainda não me sinto preparada para isso.- Por que não? - Roumayne começava a divertir-se com

tudo aquilo. A audácia infantil de Marcella tinha seus encantos, possivelmente muito do agrado do tal Eugène Hugo.

- Acontece que fiquei conhecendo um francês ma-ra-vi-lho-so! Voltou comigo de Paris e quer que eu passe algum tempo a seu lado.

- E você o ama?- Alucinadamente!- Mas então por que quer se casar com outro homem?- Porque Eugène Hugo é rico e eu serei a dona da

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 Fazenda dos Hibiscos.

- Talvez você não ame o francês de verdade - comentou Roumayne, chocada diante da atitude mercenária da garota.

- Eu o adoro, mas jamais me casaria com André. É um artista que vive lutando para se afirmar. Quero ter uma última aventura antes de capitular diante da vida doméstica e casar com o tão respeitável Eugène.

- Compreendo. . .- Eu sabia! - Marcella bateu palmas, excitada. - Agora

podemos discutir os detalhes.- Eu disse que compreendia. Não é o mesmo que

concordar com o seu pedido.- Mas você tem de concordar! - A excitação

desapareceu, dando lugar a uma expressão infantil de enfado.- Não. Eu também devo me casar logo. Sinto muito,

Marcella, mas não posso fazer uma coisa dessas.Marcella empregou todos os seus recursos, desde o

charme até a petulância, para fazer com que Roumayne mudasse de opinião. Finalmente tirou um pedaço de papel da bolsa e rabiscou algumas linhas.

- Fique com meu endereço - disse, levantando-se. - Se mudar de ideia saberá como entrar em contato comigo.

Três horas se haviam passado desde que Marcella partira. Roumayne ficara sozinha durante esse tempo todo, e a infelicidade que aquele dia lhe trouxera dera aos poucos lugar a um sentimento de depressão. Saíra para comprar alguns biscoitos e o jornal dá tarde, mas o pacote ficara sem abrir. Depois de ler a primeira página, que trazia uma análise cínica de sua absolvição, sentiu a garganta tão seca que não poderia comer, por maior que fosse o apetite. Estava mais do que claro que aos olhos da imprensa sua absolvição se devia não às provas de sua inocência, mas ao fato de que a acusação fora incapaz de apresentar provas que demonstrassem sua culpa.

Tudo o que ela possuía fora gasto em sua defesa: a herança deixada por seus pais após a morte e as economias que fizera durante o período em que trabalhara. Agora estava livre. A liberdade, porém, tinha um gosto amargo, pois o mundo a considerava uma assassina.

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Até mesmo há pouco, no elevador, quando voltara das compras, percebera os olhares e os comentários que se seguiram, assim que desceu em seu andar. Jackie James, o jovem ídolo que fascinara milhões de pessoas com sua voz pungente e sua personalidade vibrante, morrera graças a uma dose excessiva de morfina, por causa de negligência.

E apesar de não haver provas, as circunstâncias levavam a crer que Roumayne era a enfermeira que ministrara a morfina.

A campainha tocou.- Alec, finalmente! - Ao ver aquele rosto tão amado,

onde sobressaíam os olhos inteligentes e os lábios cheios de sensibilidade, a depressão diminuiu. com um grito de alegria Roumayne atirou-se em seus braços e começou a chorar.

Não tivera a intenção de abandonar-se às lágrimas. Durante todas aquelas semanas de tensão e infelicidade, durante todo o julgamento e até aquele momento ela conseguira manter suas emoções sob absoluto controle. Mas agora, como se uma mola tivesse sido desenroscada, não tinha mais como manter a calma.

Alec passou os braços em torno dela e puxou-a para si, enquanto ela dava livre vazão à tristeza e à dor que haviam se acumulado dentro dela. Finalmente o pranto diminuiu e ela conseguiu encará-lo.

Devo estar horrorosa. - Tentou sorrir, mas a voz ainda tremia.

Por mais que faça, você não consegue deixar de ser linda. -

Alec desmanchara o gesto e recuara um passo. - De qualquer maneira, é compreensível. Você passou por maus momentos.

- E tudo a troco de nada. - Tomou-o pela mão e levou-o até o sofá. Sentou-se e esperou que ele se acomodasse a seu lado.

- De uma certa forma é verdade. - Ainda estava de pé e, após um momento de indecisão, sentou-se em uma poltrona, um pouco afastada do sofá. Roumayne ficou um tanto desapontada. Será que ele não percebia quanto ela necessitava de sua presença reconfortante?

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- Você leu os jornais? - ela perguntou, após um momento.

- Sim. - Alec tirou o cachimbo do bolso e acendeu-o. Roumayne percebeu que suas mãos tremiam.

- John Gorton ficou preocupado o tempo todo devido à falta de provas a meu favor - observou, em tom triste.

- Eu sei.- Você acha que as pessoas um dia acreditarão em

minha inocência?- Mas é claro!Sentiu que sua resposta foi dada com excessiva ênfase.

A expressão tensa de seu rosto, o modo desconfortável como ele se sentava na cadeira sugeriam que se sentia pouco à vontade. Sem saber exatamente por que, Roumayne começou a tremer.

- Alec. . . querido... - O nervosismo fazia sua voz oscilar. Você acredita em mim, não é mesmo? Você sabe que não matei Jackie James?

- Você não tem por que me fazer este tipo de pergunta. Sabe que acredito em você. - Parecia estar zangado. Por um momento seus olhares encontraram-se e em seguida ele concentrou-se em um enfeite sobre a mesa como se objeto monopolizasse todo o seu interesse.

- Está acontecendo alguma coisa? - Fazia calor na sala, mas ela se sentia gelada interiormente.

- Não. - Ele ainda não conseguia enfrentar seu olhar.- Sim! Alguma coisa está acontecendo! Não sei de que

se trata, mas desde que você entrou está muito pouco à vontade. - Fez-se uma pausa. Quando Roumayne voltou a falar, sua voz encerrava um apelo patético. - O que foi, Alec? Você tem que me dizer. Seja leal comigo.

Ele não falou imediatamente, concentrando-se no ato de fumar, como se isso lhe desse coragem. Roumayne, muito tensa, não tirava os olhos dele. Mesmo antes de Alec abrir a boca, ela tinha certeza do que iria dizer. Estranho que aquele pensamento não tivesse lhe ocorrido antes.

- Há algo que preciso lhe dizer. - Sua voz agora estava mais firme. - Está havendo alguns comentários lá no hospital.

- Não vejo em que isto possa nos afetar!

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- Suas palavras denotam coragem, Roumayne, mas a verdade não é exatamente esta. Minha carreira ainda está no início. - Fez uma pausa, sem disfarçar quanto se sentia pouco à vontade.

- E eu seria uma pedra no seu caminho. . . - Algo morreu dentro dela, mas seus pensamentos e emoções estavam sob controle

- As pessoas se sentiriam pouco à vontade diante de um médico cuja esposa poderia ter sido uma assassina.

Esperou que negasse, porém ele não o fez.- Sinto muito, mas acho que é isso mesmo. . .- E isso o deixaria preocupado, Alec? - Sua voz estava

carregada de desprezo.Alec levantou a cabeça bruscamente e o rubor invadiu-

lhe o rosto.- Dei um duro danado para chegar aonde me encontro,

Roumayne.- Mas é claro! Fui uma tola em não pensar nisto antes. -

Usou de toda sua força de vontade para não tremer, enquanto tirava a aliança do dedo, entregando-a em seguida para ele.

- Sinto-me um canalha. - Alec sentia-se enormemente constrangido e mal conseguia coordenar seus movimentos, enfiando o anel no bolso.

- Não há nenhuma razão para isto, podemos permanecer amigos, Roumayne. . . - Olhou-a com ar suplicante. - Não, Alec. - Sempre a amarei. - Estendeu-lhe a mão, mas ela não a aceitou.

- Vamos parar por aqui, Alec. - Ficou interiormente admirada por conseguir manter uma aparência de calma e energia. - Um vaso partido nunca mais é o mesmo.

Levantou-se e acompanhou-o até a porta.- Adeus, Alec. Se alguma vez pensar em mim, tente

lembrar-se dos bons momentos que tivemos juntos.A mesma calma imperturbável acompanhou Roumayne

enquanto ela discava o número escrito em um pedaço de papel.

- Srta. Du Toit? Aqui quem fala é Roumayne Mallory. Mudei de ideia. Se sua oferta ainda está de pé, gostaria de aceitá-la.

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Meia hora mais tarde Marcella Du Toit sentava-se na poltrona há pouco ocupada por Alec e expunha seu plano com todos os detalhes.

- Não pode deixar de dar certo. - Seu rosto transmitia a mais absoluta confiança no que acabava de dizer.

- Espero que não se engane. - A voz de Roumayne permanecia firme, exatamente como ocorrera em seu diálogo com Alec. Somente mantendo um controle absoluto sobre seus pensamentos conseguia permanecer calma. - Tem certeza de que ninguém suspeitará que não sou você?

- Nem sequer por um momento! - replicou Marcella. toda contente. - Estive ausente de casa durante muito tempo, e ainda por cima em Paris! É mais do que natural que tenha mudado um bocado. E mudei mesmo. Já não sou mais aquela caipira ingénua que partiu de Rusvlei há dois anos.

O rosto da garota refletia uma vivacidade enorme. Não era de admirar que o tal francês quisesse passar algum tempo em sua companhia, pensou Roumayne. Marcella não seria a única a ficar contente com todo aquele complô.

- Você vai ter de me dar todas as informações possíveis e imagináveis. Não quero cometer erros elementares. Como farei para reconhecer as pessoas?

- Já pensei nisso. - Marcella abriu a bolsa e tirou de dentro um pequeno álbum de fotografias. - Aqui estão os retratos de toda a família.

Roumayne ouviu em silêncio, enquanto a garota falava-lhe a respeito das diversas pessoas do álbum. Os pais de Marcella haviam morrido quando era criança e ela fora criada pelos avós. Pareciam velhos e um tanto frágeis. Roumayne, que não tinha parentes, ficou a imaginar como Marcella tinha a coragem de enganá-los. Virou a página e ficou intrigada ao olhar o retrato que se seguiu.

- É alguém sobre quem eu deva me informar?- Sim. Eugène Hugo.- Seu noivo?- O próprio. Roumayne contemplou o retrato durante

alguns momentos. Eugène Hugo não era absolutamente o tipo de homem que ela imaginava como futuro marido da alegre e irreverente Marcella. Talvez ele não tivesse percebido o

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 momento em que o retrato fora tirado, pois mostrava-se absolutamente à vontade. Havia uma certa dureza no rosto um tanto austero, algo que indicava força e autoridade.

- E este homem pensará que sou você?- Sem a menor dúvida.- Fale-me um pouco dele.- Não há muita coisa a ser dita. Ele é um desses

fazendeiros dedicados, sem imaginação, aborrecido e, cá entre nós, um tanto chato. Exatamente o oposto do meu querido André.

- E ainda assim você insiste em casar com ele? - Roumayne encarou-a, sem poder acreditar no que ouvira.

- Mas é evidente. Já lhe disse, Roumayne, ele é fabulosamentc rico. E a Fazenda dos Hibiscos é um lugar divino. . . contanto que eu não tenha de passar muito tempo lá. Vai ser uma mão-de-obra convencer Eugène a me deixar passar algumas temporadas na capital.

Roumayne contemplou com bastante ceticismo aquele rosto enérgico. Ele não parecia o tipo de homem que sê deixasse convencer facilmente. Por outro lado, não tinha a menor dúvida de que Marcella sabia como usar de seus encantos femininos para conseguir o que queria. Talvez aquele casamento acabasse dando certo, porém isto não a afetava em absoluto. Naquele momento, o que lhe importava era o fato de que passaria alguns meses em um lugar tranquilo, onde teria a oportunidade de refazer-se do choque por que passara. Agora que Alec estava definitivamente perdido para ela, tudo o que desejava era isolar-se. Precisava de um tempo para recuperar-se e refazer sua vida. Uma das vantagens da proposta de Marcella era o fato de que sua estada na fazenda não implicaria em gastos com aluguel ou comida. Era uma ponderação importante, agora que suas economias haviam se dissipado e que a direção do hospital decidira que ela não poderia mais trabalhar lá.

Roumayne levantou os olhos enquanto Marcella continuava falando.

- Quero que você fique oficialmente noiva de Eugène. Não quero passar pela amolação que é o período de noivado. Acho tudo isso uma tolice. . . Voltarei pouco antes do

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 casamento. Nesse momento você desaparecerá de circulação e eu retomarei meu lugar.

- E, segundo você, o que devo fazer para levar adiante o noivado? - Estudando Marcella, Roumayne ficou a conjeturar como era possível duas pessoas, tão semelhantes na aparência, terem personalidades tão diferentes.

- Deixe as coisas correrem. Como já disse, ficou tacitamente estabelecido que um dia nos casaríamos.

- Quer dizer então que o noivado será anunciado no momento em que eu chegar em Rusvlei?

- Não. Acho que o assunto está subentendido. Eugène está esperando meu regresso para que a coisa se declare. Tenho certeza do que afirmo.

- Percebo. . . - Roumayne encarou Marcella pensativamente.

- Mas em tudo isso você acabará levando vantagens, Roumayne. Se você conseguir levar o plano adiante com sucesso, providenciarei para que seja amplamente recompensada.

Não se esqueça de que serei a esposa de um homem muito rico. Imagino que o dinheiro virá a calhar, não?

Roumayne disfarçou o ressentimento que aquelas palavras carregadas de malícia provocaram nela. A conversa estendeu-se um pouco além. Discutiram assuntos relativos a roupas, transportes e outros detalhes de que Roumayne deveria ficar a par. Marcella, além de mercenária, era muito astuta. Seu plano fora muito bem arquitetado.

Finalmente levantou-se, pronta para sair.- Apenas uma coisa mais - disse Roumayne, um tanto

curiosa, enquanto a acompanhava até a porta. - Você não fica preocupada pelo fato de eu estar morando em sua casa?

- E você acha que tenho razões para isso?- É que vou morar com seus avós. E não ficou provado

que não matei Jackie James. . .- Pelo amor de Deus! - retrucou Marcella, rindo. - Claro

que não matou. Nunca duvidei de sua inocência.

CAPITULO II

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28

Roumayne chegou à cidadezinha de Nelspruit um pouco antes do que devia. Somente alguns passageiros desembarcaram e logo saíram da estação. Ninguém reparou em sua presença, na plataforma de desembarque quase deserta. Era mais do que evidente que quem devhi vir esperá-la só chegaria mais tarde.

Um tanto desanimada consultou o relógio. Tinha ainda de esperar pelo menos uma hora. Estava cansada e sedenta, após a viagem. Uma xícara de café viria a calhar, naquele momento.

Deixou a bagagem na estação e foi dar um passeio rápido pela cidade. Sentiu-se mais animada. Não sabia que iria encontrar uma natureza tão tropical. Por toda parte via flores avermelhadas: híbiscos, azaléias, buganvílias. Pés de jancarandá sombreavam as ruas. Estavam todos em plena floração e suas copas pareciam envoltas por uma névoa cor de malva. Brilhando à luz do sol, a cidadezinha possuía um encanto irresistível.

Roumayne perambulou por algumas ruas, aspirando o ar perfumado. Viu um restaurante e entrou. Escolheu instintivamente uma mesa em um dos cantos, ligeiramente escondida por uma palmeirinha. Aquelas últimas semanas, marcadas pela infelicidade e por uma notoriedade indesejada, haviam criado nela um desejo de passar despercebida que chegava às raias da obsessão.

O café estava forte, quente e acalmou seus nervos. A despeito de tudo o que Marcella contara a respeito da vida na fazenda, Roumayne não conseguia deixar de sentir-se ansiosa. Se pelo menos não cometesse erros! Se ninguém adivinhasse sua verdadeira identidade. . .

Sucumbiria, se tivesse de deixar seu refúgio temporário em meio ao desagrado de todos. Além do mais, sentia um enorme desejo de passar algum tempo naquele lugar.

Já percebera que alguns meses naquela região tão bela contribuiriam em muito para devolver-lhe a serenidade perdida.

Sua atenção foi despertada para um casal sentado a uma mesa perto da entrada do restaurante. Talvez estivesse tão envolvida em seus pensamentos que não os vira entrar.

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A mulher era linda. Seu cabelo era negro e brilhante e penteado de tal forma que valorizava seus traços perfeitos e a pele alva como marfim. A blusa muito decotada revelava um corpo voluptuoso e todo seu jeito sofisticado contrastava fortemente com aquela pequena cidade do interior.

No entanto seu companheiro é que atraiu o interesse de Roumayne. Mesmo sentado, já se adivinhava quanto era alto. Não era bonito, pelo menos não num sentido convencional, mas seu rosto queimado de sol irradiava sensualidade e distinção, o que certamente o tornava irresistível para muitas mulheres.

Sua acompanhante, com toda certeza, pensava desta forma. Roumayne ficou em dúvida se algum deles conseguia sentir o gosto da comida. Estavam por demais interessados um no outro. A mulher era alegre, cheia de vida, e o homem estava nitidamente envolvido por seu encanto.

Estavam tão entretidos a conversar que de sua mesa Roumayne conseguia estudá-los sem ser notada. Percebeu subitamente que aquele homem lhe era familiar. Tinha quase certeza de tê-lo visto antes. Na sua profissão de enfermeira tinha conhecido tanta gente. . . O homem não parecia ser médico e não parecia ter ficado internado em nenhum dos hospitais em que ela trabalhara.

O julgamento. .. Dezenas de repórteres e fotógrafos haviam comparecido. Por acaso teria ele sido enviado a Johannesburg para dar cobertura ao acontecimento? O sangue afluiu-lhe ao rosto. Aquela cidade era pequena demais e, apesar de tudo indicar que a fazenda era afastada, seria inevitável que de vez em quando ela viesse fazer compras. O que faria se acaso o encontrasse e ele a reconhecesse, revelando a todos o seu segredo?

Roumayne consultou nervosamente o relógio. Os minutos passavam rapidamente. Não queria se defrontar com o casal, mas já estava quase na hora de voltar para a estação.

O homem sorria. Inclinou-se para sua exótica companheira e murmurou algo em voz bem baixa. A mulher riu, deliciada, e acariciou-lhe o rosto. Em seguida levantaram-se da mesa.

Por mais aliviada que ficasse ao vê-los partir,

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Page 18: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 Roumayine continuou intrigada, imaginando onde iriam continuar aquele enlevo mútuo.

Foi para a estação e retirou a bagagem. Procurava um banco para sentar quando alguém chamou:

- Dona Marcella!Voltando-se, deparou com um rosto sorridente e que

imediatamente reconheceu.- Alo, Amos. - Retribuiu o sorriso, aliviada. - Como vai?- Muito bem. Puxa, dona Marcella, faz tanto tempo que a

senhora foi embora. Já estávamos pensando que nunca mais ia voltar. . .

- Pois cá estou eu. . . - Ainda sorria, enquanto Amos pegava as malas e caminhava para o carro. Soubera através de Marcella que aquele homem crescera na fazenda, onde começara a trabalhar com a idade de dezesseis anos. Agora, trinta anos mais tarde, era o braço direito dos idosos Du Toit. Acompanhara Marcella desde que ela dera os primeiros passos. Mesmo assim, e sem o menor questionamento, aceitara Roumayne em seu lugar. Talvez não fosse tão difícil assim levar adiante seu plano.

O encantamento sobrepujou a angústia no momento em que o carro deixou a estação e enveredou pela zona rural. Por todos os lados viam-se plantações de frutas cítricas e as árvores estavam carregadas: laranjas, limas, limões, grapefruits. . . Aqui e ali despontavam pés de mangas e abacates. Ao lado da estrada, a intervalos regulares, erguiam-se palmeiras e flamboyants, oferecendo um espetáculo exótico e colorido.

Subitamente deixaram a estrada principal e a ansiedade voltou. O coração de Roumayne batia desordenadamente, enquanto o carro sacolejava ao longo do caminho cheio de pedregulhos. Sem perguntar a Amos se ainda faltava muito tempo para chegar, sabia instintivamente que sua viagem chegava ao fim.

Amos parou o earro diante da porteira e Roumayne leu em uma tabuleta pintada com letras brancas o nome "Rusvlei". Julgou que a angústia que sentia atingira o clímax, mas quando Amos deu novamente partida ao carro e a sede da fazenda surgiu no final da alameda de jacarandás, o

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Page 19: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 nervosismo de Roumayne provocou-lhe um nó no estômago.

Mal o carro estacionou à sombra de uma quaresmeira, um velho senhor surgiu na varanda da casa e desceu as escadas rapidamente.

Marcela! Minha netinha querida!- Vovô. . . - A palavra saiu com muito custo e Roumayne

inclinou-se, beijando aquele rosto todo enrugado. - Que bom. . . estar de volta!

Voltou-se, a fim de verificar onde estava a bagagem, mas o avô puxou-a impacientemente pela mão. - Pode deixar. Amos traz suas coisas. Sua avó esperou tanto por este momento!

Uma velha senhora os esperava no topo da escada.Como foi que você conseguiu ficar fora tanto tempo,

Marcella?, pensou Rouniayne, ao ver as lágrimas de alegria brilharem nos olhos da avó. Frágil e encurvada como seu marido, caminhava muito lentamente e Roumayne, com toda a experiência que a profissão lhe dava, constatou que ela sofria de artrite.

O chá estava à sua espera, bem como uma quantidade de guloseimas, as de que Marcella mais gostava, presumiu Roumayne.

- Foi a senhora quem fez tudo isto, vovó? - Dirigia-se a ela com uma familiaridade surpreendente, superados os primeiros momentos de ansiedade, quando ficara na dúvida se eles não iriam perceber a impostura.

- Pois então você acha que sua avó ia permitir que mais alguém se encarregasse disto? - indagou o avô, cheio de orgulho e felicidade.

- Não, claro que não - respondeu Roumayne, com muita delicadeza. - Mas é que achei que a artrite poderia atrapalhar.

- Você então notou que estou com artrite? - A velha senhora ficara surpreendida com sua neta, habitualmente tão desligada de tudo.

- Se não me engano, a senhora falou qualquer coisa a respeito, em uma de suas cartas - disse Roumayne apressadamente. Como é que fora dar aquele passo em falso!

- É mesmo? A situação não é assim tão ruim, meu bem. Alguns dias são piores do que outros. Mas você está tão

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 magra, menina. Não lhe davam comida em Paris?

- Lá eu vivia em uma roda-viva. Havia tanta coisa a fazer.. . -

Rindo alegremente, Roumayne fez o possível para disfarçar a diferença entre ela e Marcella. Um dos fatos que a deixara preocupada foi a aparência de Marcella, cujo corpo era um pouco mais cheio do que o seu.

- A menina vai engordar, com sua comidinha tão gostosa, Anua - comentou o sr. Du Toit bem-humorado. - Dizem que os homens gostam de garotas magras. Não é como no nosso tempo. . . Sempre gostei de ter o que apertar. . .

- Cale-se, Jan! - A reprimenda. porém era bem-humorada.

A conversa girou em torno de Paris. Os avós queriam saber a respeito da vida de Marcella naquela cidade. A garota fornecera a Roumayne informações suficientes, de tal forma, que ela conseguiu discorrer facilmente a respeito dos dois anos passados longe da Fazenda. Foi buscar alguns dos desenhos que Marcella lhe confiara. Ilustravam cenas convencionais, que Roumayne vira muitas vezes: a torre Eiffel, vistas do Sena e da catedral de Notre Dame. Marcella tinha uma certa habilidade, pois os detalhes eram muito bem observados. No entanto, apesar do entusiasmo dos avós, Roumayne duvidava que sua qualidade artística justificasse uma ausência tão prolongada. . .

Pouco depois a sra. Du Toit mudou de assunto. Seu olhar tornou se grave, enquanto indagava:

- Você pretende ir ver Eugène mais tarde?- Mas não compete a ele me visitar? - Roumayne fez a

pergunta em tom ligeiro, um tanto provocante, como Marcella sem dúvida teria feito.

- Não sei, não. . .- Ele sabe que voltei? - Roumayne sentiu-se um tanto

apreensiva. Algo no modo como a velha senhora se exprimia dizia-lhe que as coisas não se passavam exatamente como Marcella sugerira.

- Sabe, sim. - O casal de velhos entreolhou-se, perturbado. Após alguns momentos a sra. Du Toit disse: -

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Page 21: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 Você nos deixou muito preocupados, Marcela. Vivíamos pedindo que voltasse. . .

- É que eu estava tão ocupada em Paris. . . - Roumayne não conseguia deixar de ficar contrariada pelo fato de ter que defender Marcella.

- Marcela, Eugène é homem. Você acaso esperava que ele ficasse eternamente à sua espera?

- Vocês estão querendo me dizer que Eugène casou? - Subitamente a cabeça começou a latejar. Se ele de fato se casara, não haveria a menor razão para sua presença naquele lugar. E mesmo que ficasse lá até que Marcella resolvesse voltar, não haveria a menor compensação financeira, nem sequer um centavo com que pudesse recomeçar uma nova vida.

Não, não casou - informou a avó. - Mas está impaciente.. . . - Hesitou, - Não posso deixar de lhe contar, Marcela.

Fala-se por aí que ele tem sido visto na companhia de outra mulher.

- Só isso? - Roumayne lembrou-se do modo como Marcella se referia a Eugène: austero, aborrecido, um fazendeiro dedicado. Talvez ele apenas tivesse discutido assuntos agrícolas com uma mulher. Em um lugar pequeno como aquele o fato era suficiente para despertar comentários.

- Não leve a coisa na brincadeira! - O sr. Du Toit parecia tão preocupado quanto sua mulher. Roumayne sabia, através de Marcella, que os avós sempre haviam querido aquele casamento, pois assim as duas fazendas, situadas uma ao lado da outra, se fundiriam em uma só.

- Desculpem! Não fiquem desse jeito. Claro que eu irei visitar Eugène.

O chão estava atapetado com as flores de jacarandá, o que deixou Roumayne encantada, enquanto refazia o caminho que ela e Amos haviam percorrido de manhã. Talvez Marcella tivesse escolhido uma outra alternativa para visitar a fazenda de Eugène. Roumayne duvidava que ela fosse a pé. Muito provavelmente teria escolhido o automóvel, mas para Roumayne, ainda pouco familiarizada com os hábitos da família, era preferível caminhar a pé.

Estava se divertindo muito. Durante todo o dia o calor

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 fora insuportável. Agora a temperatura estava mais fresca e a sombra dos jacarandás estendia-se pela alameda.

Roumayne se banhara e pusera um dos vestidos bonitos que Marcella lhe dera. Teve de passar algumas noites trancada em casa, reformando as roupas de Marcella, de modo que não dançassem em seu corpo.

Ficara contente com sua aparência, ao olhar-se no espelho. Seu gosto era diferente do de Marcella, pois era .partidária da simplicidade. Agora que usava um dos vestidos dela e cortara e penteara o cabelo de acordo com o gosto de Marcella, a semelhança entre ambas aumentara. Podiam perfeitamente passar por irmãs gémeas.

Seu nervosismo desaparecera. Os avós haviam embarcado na farsa. Não havia a menor razão para que o mesmo não acontecesse com Eugène.

A entrada da Fazenda dos Hibiscos era mais imponente do que a de Rusvlei. Um grande portão todo pintado de branco tinha de cada lado grandes pés de hibiscos em flor.

Roumayne pôs-se a percorrer a alameda que, segundo presumia, levava à sede. De um e outro lado estendiam-se plantações de tabaco. Os campos eram muito bem tratados, as plantas pareciam fortes, saudáveis e estavam dispostas em um alinhamento perfeito.

Subitamente chegou diante da sede. Parou durante alguns momentos e pôs-se a contemplar o futuro lar de Marcella. A casa era grande, de arquitetura muito original, toda pintada de branco. Sem saber exatamente por que, Roumayne sentiu que interiormente devia ser decorada com muita elegância. Nem precisava entrar para saber porque Marcella desejava tornar-se sua proprietária.

Um criado atendeu à porta. Deu um grande sorriso, ao reconhecê-la, e disse-lhe que Eugène estava em um dos galpões onde o tabaco era armazenado. As palavras foram acompanhadas de gestos tão eloquentes que Roumayne encontrou o caminho sem a menor dificuldade.

Ao entrar no galpão fez uma pausa, a fim de acostumar o olhar à penumbra reinante. Conseguiu distinguir uma forma masculina debruçada sobre uma máquina. Devia ser a pessoa a quem procurava.

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- Eugène? - Tentou transmitir à voz um tom de confiança que estava longe de corresponder ao que sentia.

Notou que ele se endireitava. Depois pousou no chão o instrumento que segurava e voltou-se para ela.

- Há quanto tempo não nos vemos... - exclamou, tentando manter a mesma desenvoltura do início. - Você sabia que eu...

As palavras morreram-lhe nos lábios e ela estremeceu quando ele parou diante dela. Era o mesmo homem que estava no restaurante, namorando a exótica, morena.

Durante um bom momento nenhum dos dois trocou sequer uma palavra. Ele enfiou negligentemente as mãos no bolso e estudou-a com uma indiferença quase insultuosa. Se acaso estava contente em vê-la, não o demonstrava de forma alguma.

Pois é... - disse finalmente, de uma maneira tão neutra como estivesse se dirigindo a uma pessoa apenas conhecida. - Você voltou, Marcella.

- Sim...Roumayne umedeceu os lábios com a ponta da língua.

Sem nenhuma razão aparente sentiu uma súbita fraqueza nas pernas. Por que razão não associara o homem do restaurante com o retrato que Marcella lhe mostrara? A única razão para isso residia no fato de que o julgamento ainda era um fato recente e doloroso e as recordações em torno dele eram tão penosas que pensara instintivamente que o homem devia ser um repórter.

Ele não tirava os olhos dela e sorriu, ligeiramente irónico.

- Mas que resposta monossilábica!- O que você esperava que eu dissesse?Ela contemplou-o, hipnotizada. Ele estava vestido

esportivamente, usando uma camiseta que aderia aos contornos de seu corpo, revelando ombros largos, um peito amplo e musculoso e cintura estreita. O blue-jeans ressaltava as coxas fortes e as pernas longas e grossas. Emanava de sua pessoa uma sugestão de poder, força e autoridade, além de uma certa rudeza que provocou em Roumayne algum medo.

Tentou se lembrar do retrato que Marcella lhe mostrara

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 e procurou reconstituir as emoções que sentira naquele momento. A descrição da garota, entretanto, contribuíra em muito para desmanchar aquela primeira impressão.

"Eugène é aborrecido e sem imaginação", dissera ela, "e não chega aos pés de André". Que ele era inteiramente diferente do namorado playboy de Marcella, era fácil de constatar. Mas aborrecido e sem imaginação? Mesmo sem conhecê-lo, Roumayne compreendeu que aqueles adjetivos não poderiam aplicar-se a Eugène Hugo. Ficou surpreendida, imaginando por onde andaria a cabeça de Marcella durante todos aqueles anos em que haviam se relacionado.

- Achei que você ia começar a contar mil fofocas a respeito de Paris, no momento em que me visse. - Seu sorriso chegava a ser audacioso. - Perdeu a língua, Marcella?

- Não está contente em me ver? - Sentiu-se insultada com seu tom.

- Digamos que não me sinto nem contente, nem triste. - O comentário não poderia ser mais seco.

- Não são palavras muito apropriadas para um namorado.

- Somente um namorado pode agir como namorado. Roumayne recordou-se involuntariamente de sua atitude sensual no restaurante e respirou fundo. A conversa não estava se desenrolando como ela imaginara. Aquele namorado sem imaginação, suspirando pela volta de Marcella, ansioso por colocar um anel em seu dedo e torná-la sua noiva revelava-se um homem cheio de confiança em si mesmo, como ela jamais conhecera outro igual.

- Vamos sentar e conversar? - sugeriu, muito insegura. Precisava de alguns momentos para pensar e retomar o controle da situação.

- Como não? Que falta de atenção de minha parte não ter pensado nisso. Volto daqui a pouco, Marcella.

Foi até a máquina com que estivera lidando, ajustou uma peça e voltou em direção a ela.

- Vamos até lá em casa. Joshua nos servirá numa bebida. Enquanto caminhavam, Roumayne sentiu-se perturbada com o homem a seu lado. Era muito alto e, olhando-o de relance, percebeu que lhe batia pelos ombros.

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Page 25: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 Alec era da altura dela. Não estava acostumada com aquele tamanho e nem com aquela aura de virilidade quase tangível.

De um lado da casa elevava-se uma enorme figueira-brava, muito velha. Sua copa frondosa proporcionava uma sombra agradabilíssima. O chão à sua volta fora coberto com pedregulhos e lá haviam colocado uma mesa e algumas cadeiras.

Joshua, o criado que lhe informara onde encontrar Eugène, trouxe uma bandeja, com um refresco para Roumayne e uma cerveja para Eugène, além de sanduíches para ambos.

Assim que ele voltou para a casa, Eugène perguntou:- E então, Marcella, que tal Paris?- Fantástica. - E então, recordando-se do jeito de

Marcella se expressar, acrescentou: - Passei lá uma temporada divina.

- E aprendeu alguma coisa sobre arte?Roumayne olhou-o surpreendida, mas seu rosto estava

impassível.- Claro. - Lançou-lhe um olhar provocador, que estava

muito longe de exprimir sua verdadeira natureza. - Não foi para isso que fui para lá?

- É mesmo? Nunca fiquei sabendo ao certo. - Continuava a exprimir-se no mesmo tom neutro e ela experimentava o sentimento desconfortável de que ele estava zombando dela.

- Por que você acha que fui para lá, Eugène?Ele era o homem mais desconcertante que ela já

conhecera, mas Marcela esperava encontrar um anel de noivado quando voltasse. Assim, era necessário prosseguir com a conversa. Talvez se lhe desse um pouco mais de corda conseguiria descobrir algo mais a respeito de seu relacionamento com Marcella. Porém, de uma coisa tinha certeza: não seria nada fácil dar-se bem com Eugène, ao contrário do que acontecera com os velhos avós.

Ele a contemplava com ar irónico.- Foi por causa do brilho das luzes da cidade?- com efeito, Eugène! - Fingindo estar ofendida, assumiu

um ar digno e reprovador. Era incrível como Eugène conhecia bem Marcella. - Não sabe que fui para Paris a fim de estudar

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 arte?

- Ah, arte. . . É claro. - Os olhos castanhos miravam-na com expressão zombeteira. - E quando pretende realizar sua primeira exposição?

- Você não precisa ser irónico. - Sorriu involuntariamente, ao pensar que Marcella não teria pela frente o marido complacente que esperava. Isto, porém, era assunto para ela resolver. No que lhe dizia respeito, estava começando a divertir-se com a situação.

- Mil desculpas. - O tom com que ele se exprimia revelava exatamente o contrário. - Diga-me, Marcella, você voltou para cá de férias?

- De férias? Voltei para ficar, Eugène!- mesmo? Desculpe-me, querida, mas não consigo

imaginar como é que você vai se acostumar com a fazenda depois de ter vivido em Paris.

Ele estava sendo novamente irónico, mas por trás de tudo aquilo Roumayne percebeu o quanto havia de seriedade.

- Isto depende mais de você.- Não diga! E por quê?- Não acha que é uma pergunta estranha para ser

formulada por um futuro marido?- Quer dizer que você já me atribuiu esse papel? - Seu

sorriso era mais caçoísta do que nunca.- Bem, claro. . . - Sua voz oscilou, tomada de uma súbita

insegurança.- Que falta de sensatez de sua parte, Marcella. - Ele

subitamente tornara-se muito seco.Roumayne ficou desconcertada. Tudo correra bem, até

o momento em que decidiu visitar a Fazenda dos Hibiscos. Por que aquele homem perturbador não haveria de corresponder ao retrato que Marcella pintara ?

- Falta de sensatez, por quê? - ela perguntou finalmente, desejando conseguir controlar o ligeiro tremor da mão que segurava o copo. - Afinal de contas, somos noivos.

- Não, não somos noivos, Marcella.Ela encarou-o, perturbada. Sua postura não se alterara,

mas havia uma dureza implacável em seu olhar, e mais uma vez ela tomou consciência da força e da autoconfiança que

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 emanavam dele. Havia ainda nele uma forte masculinidade, que a fazia sentir-se muito pouco à vontade.

Tomada de pânico, tentou recapitular suas conversas com Marcella. A garota tinha tanta certeza do bom entendimento que havia entre ela e Eugène. . . Bastava apenas um anel no dedo para tornar a coisa oficial. Um anel que ela, Roumayne, devia garantir, se desejava ter estabilidade financeira quando chegasse o momento de deixar aquele lugar.

- Não somos oficialmente noivos - concordou, fingindo um à vontade que estava longe de sentir.

- Não somos noivos de modo algum. Oficialmente ou não.

- Mas...- Sim?- Mas a coisa sempre ficou subentendida. Isto é, sempre

soubemos que um dia nos casaríamos... - Em seu nervosismo as palavras saíram-lhe precipitadamente.

- Sim, houve um tempo em que concordamos que a coisa se passaria assim.

- Mas então não estamos dizendo a mesma coisa?- Acho que não. Vamos deixar esta discussão de lado,

Marcella. Você diz que estamos noivos, mas que a coisa não é oficial. Não concordo. Havia entre nós um vago compromisso, mas a coisa não passava disso.

- Então quer dizer. . . que você quer romper? - Apesar de a rejeição afetar Marcella e não a sua pessoa, Roumayne não conseguia livrar-se do sentimentto de que estava levando um fora pela segunda vez em poucos dias.

- Sim... na medida em que havia alguma coisa entre nós.

- Mas por quê? - indagou, pensando como Marcella teria enfrentado a situação. Histericamente? Ou com dignidade?

- Mas é preciso haver uma razão?- Acho que sim. - Estudou-o durante um bom momento,

constatando a força dos ombros largos, a autoridade e o poder de seu rosto queimado de sol. Como poderia enfrentar um homem daquela envergadura e esperar levar a melhor? Isto, no entanto, tinha de ser conseguido.a qualquer preço. Se

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 falhasse, teria de recomeçar a vida sem um tostão no bolso.

- Seus pais sempre quiseram nossa união - observou, lembrando-se dos detalhes que Marcella tinha lhe fornecido. - E meus avós também.

Ele assentiu, procurando não negar suas palavras.- Mas então, por que você está recuando? - Estava

intrigada, apesar de a situação parecer subitamente irremediável. Como era possível Marcella ter tanta certeza de sua posição?

Eugène contemplava-a com um leve sorriso nos lábios.- Já lhe ocorreu alguma vez, Marcella, que eu também

tenho perguntas a lhe fazer?- Perguntas? - Sentia o estômago contrair-se, tamanha

era a tensão. Apesar de não possuir a tremenda autoconfiança de Marcella, até agora tinha sido capaz de enfrentar as mais difíceis situações. Ao longo de seu trabalho enfrentara pacientes rebeldes e médicos exigentes e aprendera a lidar com todos eles. Mas este homem, Eugène Hugo, e a situação muito especial que vivia naquele momento faziam-na sentir-se bastante insegura.

- Claro. Você não teve a menor pressa em voltar de Paris, Marcella. Por quê?

Ela, naturalmente, deveria ter previsto esta pergunta e, se conhecesse melhor a natureza de Eugène, estaria preparada para respondê-la. Na presente circunstância tudo o que lhe restava era demonstrar uma certa dignidade ofendida, dizendo:

- Estava estudando, Eugène.- Mas não o tempo todo, minha cara. Você deveria ter

voltado a Rusvleí há muitos meses.- Decidi que meus estudos exigiam mais tempo. -

Tentou assumir o mesmo ar frio de Eugène, porém sabia que não iria conseguir. Mentalmente censurou Marcella por não lhe ter ensinado respostas mais convincentes. Ao mesmo tempo duvidava que aquele homem tão perspicaz deixasse de perceber o que estava por trás delas.

- A dedicação que você demonstra em relação à sua vocação é tocante...

- E seu sarcasmo é totalmente desnecessário - ela

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 retrucou, possuída de uma indignação que, tinha certeza, deixaria Marcella muito satisfeita. - O que há de tão estranho no fato de eu me dedicar à minha arte?

Ele estudou-a durante um bom momento sem dizer sequer uma palavra. Enquanto isso seu olhar atento percorria as curvas generosas do corpo de Roumayne.

- O que você diria se eu declarasse que jamais acreditei nos propósitos artísticos de sua visita a Paris? Marcella, você me dá a impressão de ser uma borboleta. Uma borboleta linda, é claro, porém frívola, inquieta e louca para bater as asas e encontrar um lugar mais alegre do que Rusvlei.

Ele estava certo, é claro. Roumayne percebeu que aquele homem quase sempre tinha razão quando julgava as pessoas e as situações, além de jamais perder o controle sobre elas. De todos os homens que conhecera em sua vida, e infelizmente tinha de incluir Alec neste rol, jamais encontrara alguém com a força e a autoconfiança de Eugène Hugo. Ocorreu-lhe também que jamais poderia ser o marido apropriado para Marcella. Sua arrogância era tamanha que ele deveria ser sempre a figura dominante em um casamento, e isto era algo que aquela garota voluntariosa e que amava se divertir jamais toleraria. Todos estes pensamentos, entretanto, não a levariam a lugar algum. Dispusera-se a tudo aquilo a fim de conquistar algo e precisava encontrar um meio de realizá-lo.

- As pessoas podem mudar, Eugène. Talvez eu fosse mesmo aquela borboleta que você imaginava. Dois anos, porém, representam muito tempo. Dá para você compreender que eu posso ter mudado?

Aguardou sua resposta, muito tensa, pois dela dependia seu reconhecimento do fato de que ele e Marcella eram noivos, como também uma aceitação das diferenças essenciais que deveriam existir inevitavelmente entre as duas.

- Compreendo perfeitamente. - Desta vez ele abandonou o tom irónico com que se exprimia até então. - Você mudou, Marcella. percebi isto imediatamente. Mas, minha cara - e neste momento ele fez uma pausa, como se quisesse enfatizar o resto da frase -, eu também mudei.

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Ela estava tão apreensiva que a garganta lhe secou e arregalou os olhos, à espera de que ele prosseguisse.

- Você fala de algo subentendido, refere-se ao fato de que nossas famílias sempre imaginaram que nos casaríamos. Mas o que quer dizer tudo isto nos dias e na era em que vivemos, Marcella? Já ficou para trás o tempo dos casamentos arranjados, de acordo com os interesses das famílias. Nunca houve um compromisso formal entre nós. Apenas uma vaga suposição de que nos casaríamos um dia, pois, devido a uma série de razões, parecia a coisa mais natural a ser feita.

- E esta suposição perdeu sua razão de ser? - A despeito de a situação apresentar-se tão difícil, ela sentia-se intrigada diante daquele homem capaz de ir em poucos minutos da mais aguda ironia à mais extrema seriedade.

- Perdeu, sim, tanto no que diz respeito a mim, quanto a você. Não pode negar este fato, Marcella, se for honesta. Você tornou bem claro quanto era indiferente a mim na medida em que prolongou sua ausência. Voltou somente porque recebeu uma intimação de seus avós.

Haveria alguma coisa que aquele homem deixasse passar despercebida? Assustou-se por um momento ao imaginar que Eugène estava conseguindo desvendar toda aquela farsa.

Mas não, parecia que por esse lado ela não tinha por que se preocupar. Ele notara sim a mudança em sua personalidade, mas contentava-se em atribuí-la à sua longa ausência em uma cidade cosmopolita e efervescente como Paris.

Eugène consultou o relógio.- Não quero parecer indelicado, mas tenho um

compromisso dentro de meia hora, Marcella. Ccom a morena sofisticada, talvez. . . Ao pensar nisto, Roumayne sentiu um sobressalto. Atribuiu-o ao fato de que aquela linda mulher era uma complicação a mais, se ela quisesse chegar onde queria.

- Eu também preciso ir, Eugène.Ficaram de pé ao mesmo tempo e mais uma vez ela

teve consciência de sua altura imponente.- Acompanharei você até a cocheira.- À cocheira? - Encarou-o intrigada, sem compreender a

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 que ele se referia.

- Não recolheram seu cavalo lá?Roumayne não conseguiu disfarçar o rubor que lhe

colorira o rosto. Acabava de dar mais um fora. Será que ele notara? Disse, com toda desenvoltura:

- Vim andando.- É mesmo? Pois achei que você mal podia esperar para

voltar a cavalgar Pingo de Prata.- Senti vontade de andar a pé. Já estou cansada de

calçadas e asfalto. Queria sentir a terra sob meus pés.- Você mudou de fato, Marcella.Eugène sorria. Pela primeira vez não havia em seu rosto

traço algum de ironia e ela sentiu-se surpreendida diante do calor que transparecia de seus olhos castanhos e da risada que deixava mais fundas as covinhas ao lado da boca.

Andavam pela alameda quando lhe ocorreu uma ideia. Ficou surpreendida por não ter pensado naquilo antes.

- Acho que conseguirei fazer com que você mude de ideia a respeito de nosso noivado - ela murmurou em voz baixa e propositadamente sedutora.

- É mesmo? - O brilho divertido voltou a seus olhos, bem como uma ponta de interesse.

Roumayne olhou-o do modo mais provocador que conseguiu imaginar. Imaginava que era o tipo de olhar que Marcella dirigiria ao fantástico André.

Tomada de ousadia, deu um passo em sua direção e apoiou-se nele. Verificou que tinha de ficar na ponta dos pés para encostar seus lábios nos dele. Sua reação foi fria e distante e seus braços não se moveram, mas ela não conseguiu aceitar ser rejeitada. Enlaçou-lhe o pescoço e sua mão mergulhou em seus espessos cabelos negros.

Ao mesmo tempo ficara surpreendida por ser capaz de tomar uma atitude tão audaciosa.

Sentiu que ele reagia com muita rigidez. Subitamente segurou-a pelos ombros e afastou-a de si. Tomou-lhe o rosto nas mãos, forçando-a a encará-lo. Era impossível decifrar a expressão de seus olhos.

Em seguida viu que a boca dele vinha ao encontro da sua. Puxou-a para junto de si e ela preparou-se para receber o

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Page 32: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 beijo. Seus lábios já não eram mais frios, mas isto não queria dizer que houvesse ternura neles. com uma brutalidade que a deixou sem defesa, ele colou sua boca à dela, abrindo seus lábios, até que suas línguas se tocaram.

Os braços em torno de Roumayne tornaram-se duas tiras de aço, apertando-a, puxando-a ainda mais para junto dele, amoldando aquelas curvas suaves aos contornos rijos de seu corpo.

A reação de Eugène deixou-a chocada. Embotou-lhe os sentidos, Os pensamentos e a recordação de que a atitude que tomara não fora mais do que um ato calculado. O toque de seus lábios, de sua língua, as coxas musculosas que pressionavam as dela despertavam um ardor que jamais sentira. Esqueceu que representava o papel de Marcella.

Seus sentidos falaram mais forte e ela achegou-se ainda mais a ele, com uma rudeza que chegava a ser chocante ele afastou-a para bem longe de si. Por um momento a sensação de abandono foi tão forte que ela chegou a sentir-se mal.

Os joelhos tremiam; sentia-se exausta e ao mesmo tempo tomada de uma excitação tão grande que chegava a ser insuportável.

Encarou Eugène e constatou que estava muito pálido, com a respiração alterada, como se o seu ardor o tivesse deixado nervoso, tanto quanto ela ficara. Ele, no entanto, logo recobrou o sangue frio. Seu olhar não deixava transparecer a mais leve emoção, no momento em que seus olhares se cruzaram.

- E então? Consegui fazer você mudar de ideia? Ele deu um sorriso malicioso.

- Digamos que você me deu motivos de sobra para pensar melhor.

- Não lhe provei que combinamos um com o outro? - Não podia acreditar que ele não tivesse ficado convencido, depois do que acabara de acontecer entre ambos.

- Você apenas provou que hoje tem muito mais experiência do que quando saiu daqui. Imagino que teve professores muito competentes ...

A seta atingiu o alvo.- Como se você fosse um lírio de pureza! - exclamou,

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Page 33: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 ressentida.

- Eu. . . - Interrompeu-se, pois estava a ponto de denunciar o que vira. - Ouvi dizer que você anda saindo em ótima companhia. . . alguém muito sofisticado. ..

- Yvette Stacy é de fato sofisticada. - Seus olhos voltaram a ostentar o mesmo brilho zombeteiro. Em seguida consultou novamente o relógio. - Sinto muito interromper este nosso encontro tão estimulante. Marcella, mas já estou atrasado. Até mais ver, querida.

CAPITULO III

Dois dias se passaram calmamente e sem nenhum incidente. Roumayne não teve a menor notícia de Eugène. Ele não a visitou e ela sentiu que não era apropriado retomar tão cedo o caminho que levava à Fazenda dos Hibiscos. Poderia dar a impressão de que estava correndo atrás dele e esta não era a melhor maneira de consegui o ambicionado anel de noivado.

Não se deixou abater por aquela espécie de trégua. Pouco a pouco integrava-se na rotina de Rusvlei e, passados os primeiros momentos de ansiedade, nos quais temia cometer algum erro e ser descoberta, começou a apreciar a vida na fazenda. Ao rememorar os anos passados, não conseguia recordar um período em que tivesse gozado de tamanha paz. Em suas atividades de enfermeira em hospitais super procurados, todos os seus momentos eram programados. A isto era preciso adicionar o trauma do julgamento e suas consequências.

Apesar de saber que nada tinha a ver com a morte de Jackie James, jamais lhe ocorrera que o mundo nunca aceitaria sua versão do que acontecera naquela noite. A deslealdade de Alec fora a gota que fizera transbordar a taça. Era estranho que ela jamais tivesse pressentido semelhante atitude. Sempre soubera que Alec era ambicioso, mas nem por sombra poderia imaginar que a abandonaria quando mais precisava dele.

Nas horas calmas da noite sentia uma punhalada no peito quand pensava em Alec e na maneira como a vida de

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Page 34: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 ambos tinha termi nado antes mesmo de começar. Foi somente quando as lágrima pararam de correr que o senso prático preponderou e fez com que ela visse qual a melhor atitude a tomar. Até foi preferível que Alec revelasse a fraqueza de sua natureza antes do casamento do que de quando teria sido tarde demais. No entanto, a despeito de toda a lógica, de todo raciocínio, a dor permanecia.

No entanto, essa era a espécie de mágoa que tinha tudo para dimiuir em Rusvlei. Já constatara que a fazenda era um abrigo seguro. A vida transcorria lentamente, saudavelmente, adaptando-se às estações que mudavam e às exigências das plantações. As pessoas, naquele lugar, eram bondosas e afetuosas. É verdade que a atitude que tinham para com ela decorria do fato de que acreditavam que fosse a verdadeira Marcella, mas mesmo assim seu afeto era um bálsamo para os nervos de Roumayne.

Agora que aprendera a conhecer os velhos avós, Roumayne achava mais difícil do que nunca entender como Marcella tinha podido abandoná-los durante tanto tempo. Parecia que a única preocupação deles era viver para a garota e queriam saber todos os detalhes de seu cotidiano em Paris. Frequentemente via-se diante da necessidade de improvisar e suas respostas muito inventivas pareciam satisfazer plenamente os Du Toit.

Roumayne tentava quanto podia adotar alguns traços da personalidade de Marcella, sua exuberância, a rapidez com que se exprimia. Porém uma das coisas mais difíceis do mundo é manter uma representação durante muito tempo. A tensão de ter de fingir o que não era mostrou-se tão violenta que gradualmente Roumayne permitiu o transbordamento de sua personalidade. Era de se esperar que o tempo tivesse modificado certos traços em Marcella. Os avós ficaram encantados com sua gentileza, sua doçura, sua dedicação e habilidade em contornar as dificuldades que o reumatismo e a artrite lhes causavam. A única coisa que a deixava profundamente preocupada era seu relacionamento com Eugène Hugo. Mais cedo ou mais tarde voltaria a encontrá-lo. Se queria deixar Rusvlei com dinheiro suficiente para iniciar uma nova vida precisava de seu anel no dedo.

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28

Era estranho como a perspectiva de encontrar-se com ele mais uma vez a deixava perturbada. Tratava-se de algo que não deveria ter nada a ver com aquilo, que deveria ser objetivamente encarado como um emprego. Aliás, um emprego que lhe parecera relativamente pouco complicado quando Eugène não passava de um noivo remoto, aborrecido e dedicado à sua fazenda. O homem que se revelara a ela sob uma forma arrogante, masculina, nem um pouco Preocupado em se comprometer alterava completamente o panorama.

Eugène não significava nada para ela. As circunstâncias tornavam inteiramente impossível que ele viesse a significar algo para ela em um nível pessoal. Então por que razão a recordação de-seu encontro fazia com que o sangue circulasse mais rapidamente em suas veias?

Tais eram seus pensamentos, enquanto estava na cozinha fazendo biscoitos. A avó pretendia ela mesma prepará-los, mas Roumayne, com pena de seus dedos deformados pela artrite, assumira a tarefa.

Levara os biscoitos ao forno e preparava-se para lavar as panelas quando percebeu que alguém a contemplava. Ficou fortemente ruborizada ao perceber aquele homem alto, parado diante da porta em uma atitude arrogante e ao mesmo tempo displicente. Todo o seu jeito de ser, vital e intensamente viril, abalou profundamente Roumayne.

Engoliu em seco, nervosa.- Você podia ter avisado que estava aí. - Ela se exprimia

em tom de desafio e afastou nervosamente uma mecha de cabelo da testa porejada de suor.

- Por quê?- Não é muito delicado espiar as pessoas quando elas

não sabem que estão sendo observadas.- E desde quando você se preocupa com delicadeza,

minha cara Marcella? Quantas transformações provocadas por Paris. . .

- O que você quer dizer com isto? - Ela imediatamente ficou na defensiva.

- Deixe-me ver. . . Sua preocupação com boas maneiras é muito nova. E já que você está sendo tão polida, não se importa se eu lhe disser que este fato é por demais

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 inesperado?

Ela não deu nenhuma resposta e ele levantou as sobrancelhas, sarcástico.

- Agora falemos de sua súbita domesticidade. Imagino que sua avó soprou-lhe aos ouvidos que o estômago é o melhor caminho para se chegar ao coração de um homem.

- Mais alguma coisa? - ela perguntou com rispidez proposital, apesar de divertir-se mais uma vez com as apreciações que ele fazia relativas à personalidade de Marcella.

- Falemos também de sua desenvoltura sexual. . . Devo dizer que você deu, em relação a isto, um grande passo adiante. . .

O bom humor desapareceu e Roumayne sentiu uma necessidade

Já quase incontrolável de lhe dizer o que pensava dele. Entretanto naquele momento era necessário não causar atritos. Controlou suas palavras.

-Pelo que estou vendo, você não aprovou a mudança. . .- Por quê? Eu disse alguma coisa nesse sentido? - Seu

olhar percorreu lentamente o corpo de Roumayne, acabando por pousar em seus lábios macios e polpudos. Quando voltou a falar, sua voz era envolvente. - Na verdade, devo mesmo dizer que estou agradavelmente surpreendido.

- Isto me deixa lisonjeada... - Roumayne deu-lhe as costas, para que ele não notasse a expressão de seu rosto.

- E não poderia ser de outra forma. Pedi que arreassem Pingo de Prata. Vamos dar uma volta a cavalo.

Ao ouvir tais palavras Roumayne sentiu um arrepio de medo percorrer-lhe a espinha. Sabia cavalgar, mas sua experiência era muito limitada. Aguentava um trote e um meio galope, porém suas habilidades não passavam daí. Sabia instintivamente que Marcella seria uma amazona muito capacitada e ousada, que não temia galopes ou saltos.

Mais cedo ou mais tarde Roumayne teria de cavalgar, mas teria preferido fazê-lo sozinha, percorrendo em paz as campinas em torno da fazenda.

- Pelo que vejo, você agiu sem me consultar - observou demonstrando grande frieza, pois tinha certeza de que

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Page 37: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 Marcella agiria daquela forma.

- É mesmo? Pois você está de volta há três dias e, pelo que sei, até agora não cavalgou seu cavalo preferido.

- Estive fazendo companhia a meus avós. - Seu olhar desviou-se nervosamente do olhar penetrante de Eugène.

- Esta sua preocupação em relação a seus avós é comovente. Estendeu a mão e acariciou sensualmente a nuca e a garganta de Roumayne.

Ela sentiu-se tensa, mas ao mesmo tempo seus sentidos reagiram à proximidade de Eugène. Ele possuía uma enorme atração sexual, mais forte do que tudo que Roumayne já conhecera até então.

- Eu... talvez ande a cavalo mais tarde - gaguejou.- Não, agora!Exprimia-se em tom autoritário e a expressão de seu

olhar deixava bastante claro que não estava acostumado a ser desobedecido.

Ela, em princípio, teria protestado. Não era tímida a ponto de ser desprovida de vontade própria. Já houvera em sua vida muitas ocasiões em que tivera de lutar por suas convicções, em meio situações embaraçosas. Havia porém algo naquele homem que parecia desafiar qualquer tipo de rebelião. Além do mais, se se recusasse a concordar com um pedido que era mais do que normal na presente circunstância, a trama logo chegaria ao fim.

Respirou fundo, a. fim de acalmar-se.- Adoro Pingo de Prata - disse, com toda firmeza

possível. Mas. . . mas não gosto de receber ordens, Eugène.Ele não respondeu. A mesma mão que lhe acariciava o

pescoço tcmou-lhe energicamente o queixo, forçando-a a encará-lo. Houve um determinado momento em que ela achou que ele a beijaria. O sangue começou a correr mais rápido e todos os seus sentidos se puseram em estado de alerta.

Não houve beijo algum, apenas um olhar penetrante. Assim que a soltou, seu coração batia com tanta força que ela teve certeza de que ele devia estar ouvindo as batidas.

- Daqui a cinco minutos - ele disse secamente, dando-lhe as costas e saindo da cozinha.

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28

Não era somente devido aos traços do rosto que Roumayne e Marcella aparentavam ser gémeas. Sua altura também era idêntica. A calça de montar de Marcella estava um pouco solta na cintura, mas um par de alfinetes consertou a situação. Enquanto se olhava no espelho Roumayne deu-se conta de como sua respiração estava alterada.

Não podia negar quanto lhe agradava sua aparência. A mudança de paisagem já fora suficiente para suavizar-lhe as mágoas. O fato de que aquele homem perturbador a visse em um de seus melhores dias não tinha porém a menor importância, ela pensou.

Entretanto, não conseguiu deixar de sentir profundamente sua presença alguns minutos mais tarde, quando o encontrou à sua espera com os cavalos. Ele a olhou com uma expressão de surpresa ao constatar que ela não se encarapitava na sela, como era o hábito de Marcella, mas olhava-o, solicitando sua ajuda.

- Está destreinada?- Não andava a cavalo em Paris. - O toque de suas

mãos, enquanto ele a ajudava a montar, fez com que o sangue circulasse mais rapidamente em suas veias. Pela primeira vez sentia-se contente. Sua proximidade causava sobre ela um efeito tão sensual que esqueceu todo o nervosismo diante do animal.

- Pelo que vejo, Paris produziu em você mudanças um tanto estranhas! - Ria enquanto montava seu cavalo, um animal de pêlo negro e brilhante, que demonstrava a mesma força e arrogância de seu dono. - Vamos!

Passados alguns momentos Roumayne percebeu que tudo daria certo. Pingo de Prata era um cavalo rápido e esperto, porém muito dócil. Ao se sentir mais à vontade começou a apreciar o passeio. O céu estava claro e muito azul. Mais tarde faria calor, mas naquele momento o ar tinha um frescor que evocava a champanha.

Haviam deixado Rusvlei para trás e agora cavalgavam através das férteis lavouras de tabaco da Fazenda dos Hibiscos. Mais uma vez Roumayne sentiu-se admirada diante da boa ordem reinante nas terras de Eugène. Não que isto lhe causasse propriamente surpresa. Parecia-lhe, mesmo

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Page 39: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 conhecendo-o tão pouco, que tudo aquilo que ele empreendesse era realizado com eficiência e competência.

O cavalo de Eugène ia sempre um pouco adiante de Pingo de Prata. De vez em quando relinchava impacientemente e Roumayne sentiu que somente a autoridade e a energia do cavaleiro impediam-no de partir a galope.

Apesar de seu animal não ser nada fácil de ser controlado, Eugène sentia-se muito à vontade na sela. Cavaleiro e cavalo tinham muita coisa em comum. Deles emanava a mesma força e arrogância, a mesma virilidade que se impunha a tudo o mais. Não era de admirar que parecessem tão à vontade um com o outro, pensou Roumayne.

Aproximaram-se de algumas construções e frearam os cavalos. Ao que tudo indicava, Eugène precisava inspecionar algo. Sem fazer nenhum comentário, estendeu-lhe a mão a fim de ajudá-la a descer, Durante um breve momento Roumayne vibrou, ao sentir uma espécie de choque elétrico que parecia passar da mão dele para a dela. Prendeu a respiração e encarou-o. Seu rosto estava desprovido de expressão, mas os olhos castanhos vigiavam-na atentamente. Roumayne ficou a imaginar se ele teria adivinhado que ela, por um momento, fora invadida por uma onda inesperada e incontrolável de desejo.

As edificações tinham algo a ver com a plantação de tabaco e Roumayne, em uma tentativa de recobrar a compostura, começou a conversar sobre agricultura. Jamais vira as plantas crescerem e ignorava absolutamente os processos que se desenrolavam entre o tempo da colheita e o momento em que os maços de cigarros e os charutos eram oferecidos à venda.

Precisava tomar muito cuidado. Por menor que fosse o interesse demonstrado por Marcella em relação ao assunto - aliás, seu único entusiasmo era a riqueza proporcionada pelo tabaco -, mesmo assim devia ter algum conhecimento a respeito do processo de colheita.

Eugène respondeu a suas escassas e cuidadosas perguntas, fornecendo-lhe maiores detalhes do que ela

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Page 40: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 esperava. Enquanto discorria, a perturbação de Roumayne não diminuía e descobriu que estava ficando fascinada ao aprender todos os detalhes relativos à cultura do tabaco, seus problemas inerentes e seu potencial lucrativo. Pela primeira vez não havia traço algum de zombaria na expressão de Eugène e nem a menor arrogância ou sarcasmo. Seus olhos irradiavam vitalidade e entusiasmo.

Ele era um homem que vivia em um mundo de homens, pensou Roumayne, e surpreendeu-se comparando-o a Alec. À semelhança de Eugène, Alec envolvera-se com seu trabalho e demonstrara ambição. Uma ambição tão grande, pensou amargurada, que quando chegou o momento de fazer uma escolha entre sua carreira e seus sentimentos por Roumayne, a carreira passou por cima de tudo.

A menos que estivesse redondamente enganada a seu respeito, Eugène era ambicioso de um modo diferente. Não tinha a menor dúvida de que fosse obstinado em seus propósitos, mas não acreditava que aliasse o sucesso com o status, ou que se deixasse influenciar pelo julgamento alheio. O sucesso para ele significava apenas realizarse em seu trabalho, extraindo dele todas as alegrias possíveis. Roumayne sentiu-se intrigada ao perceber quanto conhecia a respeito daquele homem, em tão pouco tempo.

Saíam das estufas de tabaco e estavam para montar em seus cavalos quando chegou até eles um grito dilacerante. Em poucos segundos estavam no local do acidente. Um homem jazia no chão, sangrando no rosto e, nos braços. Seus gritos eram ainda piores do que a visão de seus ferimentos e devia estar sofrendo muitíssimo.

O papel de Marcella foi imediatamente deixado de lado e a enfermeira que havia em Roumayne desabrochou. O sangue corria com tamanha abundância que ela levou alguns momentos para constatar o lugar e a extensão dos ferimentos. Ao que parecia, o homem fora acidentado com um trator. Seus companheiros, temerosos do que sucedera, estavam em verdadeiro estado de pânico. O único a permanecer calmo era Eugène, que mesmo assim estava pálido de susto, por mais que tentasse se controlar. Roumayne esqueceu de tudo o mais que não fosse a

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Page 41: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 necessidade de estancar a hemorragia e aliviar a dor do homem.

Pôs mãos à obra sem pedir permissão a quem quer que fosse. Deu ordens a todos os que estavam à sua volta, atribuindo tarefas àqueles que percebia estarem em condição de ajudá-la. Os demais foram energicamente dispensados.

Providenciou-se uma ambulância. Quando ela chegou o ferido já estava fora de perigo, apesar de necessitar de cuidados que só poderiam ser conseguidos em um hospital.

Roumayne sentiu um alívio imenso assim que ele foi colocado no veículo. Tinha a impressão de que não exercia sua profissão há séculos. . .

Não percebeu que os homens a olhavam com um respeito que chegava quase aos limites da admiração. Eugène contemplava-a com surpresa e não deixava escapar nenhum detalhe de sua aparência: os seios que arfavam ritmicamente, sob a blusa molhada de suor, os cabelos revoltos, caindo-lhe sobre a fronte, os olhos cor de ametista, que brilhavam com tanta intensidade que ela chegava a ficar linda.

- Você soube como dar conta do recado.Roumayne encarou-o. Durante um breve momento

transportara-se para outro mundo, no qual estivera mergulhada até bem recentemente. Durante aquele espaço de tempo sua percepção do lugar onde se encontrava e das pessoas à sua volta diminuíra. Agora as palavras de Eugène traziam-na de volta à realidade..

- Não foi nada - falou, sem pensar. Sabia que o que acabara de fazer não era quase nada em comparação com o que se esperava dela no passado.

- Não diria tanto. . .Subitamente intimidada, Roumayne sentiu-se incapaz

de encarar aqueles olhos castanhos e perturbadores, desviando instintivamente o olhar.

Ele estendeu a mão e segurou-lhe o queixo, repetindo o gesto esboçado pela manhã e forçando-a a encará-lo. Quando seus olhares se cruzaram ela sentiu-se quase hipnotizada.

Os empregados, como se tivessem obedecido a um acordo tácito, haviam desaparecido.

A mão abandonou o queixo e deslizou, segurando-lhe a

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Page 42: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 nuca. Os dedos começaram a exercer um movimento lento e sensual, causando-lhe uma excitação intensa que descia espinha abaixo e que lhe tornava a respiração difícil. A lembrança de seu primeiro encontro voltou instantaneamente, e ela desejou estar bem perto dele e sentir seus braços em torno dela, como acontecera naquele momento.

No primeiro dia tentara experimentar os mesmos sentimentos e sensações de Marcella. Agora era seu próprio corpo que reagia, com uma intensidade que a deixava desconcertada.

O que sentia era irracional e instintivo. Acima de tudo, extremamente perigoso. Uma coisa era assumir a aparência exterior de Marcella. Outra, muito diferente, era envolver-se com as emoções que deveriam pertencer à sua sósia. Tudo aquilo era profundamente insensato, pois sabia que tais emoções poderiam resultar em uma mágoa profunda. Roumayne viera a Rusvlei para livrar-se da infelicidade. A última coisa que queria na vida era uma complicação que lhe poderia causar um pesar ainda maior com supremo esforço afastou-se de Eugène.

- Os cavalos vão acabar ficando impacientes. Não acha melhor montarmos?

- Claro. - O tom com que se exprimia era absolutamente neutro e ele deixou cair as mãos ao longo do corpo.

Cavalgaram mais um pouco através das plantações de tabaco, indo parar subitamente em um trecho onde a terra não era cultivada. Estavam em plena savana, nos limiares da floresta. O céu estava muito azul e algumas poucas nuvens diminuíam a intensidade dos raios de sol. Havia chovido recentemente. Flores silvestres alaranjadas, amarelas e brancas espalhavam-se por todos os lados. O ar rescendia a todos os perfumes do campo. Alguns macacos pulavam pelos galhos das árvores esguias e de repente um veado surgiu por trás de um arbusto. Ficou parado, com as orelhas apontadas para cima, cheirando o ar. De repente saltou graciosamente e desapareceu por entre a relva muito verde.

Tudo estava parado na savana. Era uma imobilidade que parecia abafar os sons do canto dos pássaros, dos insetos e até mesmo das disputas dos macacos. Reinava uma paz

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Page 43: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 absoluta. Involuntariamente Roumayne deixou escapar uma exclamação de admiração.

- Que maravilha tudo isto!- Nunca foi diferente. - Eugène parecia intrigado com o

comentário.- Claro - ela apressou-se em dizer, sentindo-se

compelida a dar explicações. - Acontece que esta paz é surpreendente, depois de toda aquela agitação de Johannesburg.

Não precisou olhá-lo para perceber que havia dado um fora.

- E depois daquela agitação de Paris. . . - prosseguiu, atropelando as palavras. - Especialmente Paris. Aquele tráfego maluco, as multidões nas ruas. . . Se você quiser saber o que é agitação, vá para Paris e...

Ele não se deixava despistar.- Você falou em Johannesburg. - Sua voz soava mais

macia e por isso mesmo mais perigosa. O sorriso abandonara seu rosto e os olhos tinham uma expressão dura.

- Sim, eu também estive em Johannesburg. - Roumayne tentava exprimir-se com superficialidade, mas não conseguia subtrair-se àquele olhar tão firme. - Não há nenhum avião que transporte alguém diretamente de Paris para uma fazenda perdida no meio do sertão.

O rosto de Eugène revelava um enorme desprezo, mas ele permaneceu em silêncio, como se estivesse abaixo de sua dignidade deixar transparecer quanto sua desculpa era fútil.

- Além do mais. . . já estive em Johannesburg antes. Passei uma temporada lá. . .

- Uma temporada muito longa, diga-se de passagem.- Mas o que você tem a ver com o fato de eu ter estado

em Johannesburg? - Aquela explosão era em parte uma imitação do modo como Marcella teria porventura reagido nas mesmas circunstâncias. Roumayne sentia um ódio profundo ao enfrentar a arrogância daquele homem.

- Absolutamente nada... já que não sou o noivo de seus sonhos. Mas isto não me impede de demonstrar curiosidade. Diga-me, Marcella, você nunca pensou em seus avós?

- Eles deram permissão para eu ir a Paris. - Encarou-o

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Page 44: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 com ar de desafio, fazendo o possível para não perder terreno.

- Sim, durante um ano. Apenas para lhe dar prazer. - Mais uma vez tornava-se evidente que Eugène não tinha maiores considerações pelo talento de Marcella. – Eles sentiram muita falta sua o tempo todo, no entanto você apresentou todas as desculpas possíveis para prolongar sua ausência.

- Mas é que eu precisava aprofundar meus estudos! Já Jhe disse isto. - Apesar da resposta firme e quase agressiva, notou que ele ria, sem disfarçar a ironia.

- Seus estudos de que, Marcella?- Meus estudos de arte, Eugène.- Espero que seu progresso tenha valido a pena, em

termos de tempo e dinheiro.- Olhe minhas telas e julgue por você mesmo -

respondeu, pensando ao mesmo tempo se Eugène ficaria impressionado com os quadros de Marcella do mesmo modo que seus avós.

- Um destes dias vou querer ver, sim. Mas talvez você concorde que o interesse pelo sexo oposto ocupou uma parte muito importante de seu tempo, hein?

Você devia ter me passado mais informações, Marcella. Este seu noivo tão relutante tem uma imaginação fértil!, pensou Roumayne, reprovando mentalmente a garota.

Disse, em voz alta:- Concordo. - Deparou com seu olhar malicioso e

enfrentou-o, em atitude de desafio. - Mas e daí, Eugène? Você por acaso esperava que eu vivesse em reclusão completa, dedicando-me unicamente a meus estudos?

- Mesmo que você dissesse que as coisas tinham se passado desta forma, eu não acreditaria. .. Tudo que gostaria de ouvir é a verdade, Marcella. Quanto àquela história de Johannesburg, acho melhor você confessar tudo de uma vez. com certeza havia por lá um homem que atraiu seu interesse de um modo nada superficial...

Ela estava a ponto de negar o fato, mas resolveu refletir melhor a respeito. Por mais difícil que fosse discutir com Eugène naquelas circunstâncias, Roumayne sabia que as

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Page 45: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 coisas ficariam infinitamente mais complicadas se ele tivesse de saber a verdade. Não era impossível que a história da morte do cantor de música pop tivesse chegado até aquela região tranquila e que seu retrato, publicado nos jornais, revelasse sua assombrosa semelhança com Marcella. A última coisa que desejava no mundo era despertar as suspeitas de Eugène. Era evidente que sua perspicácia o impedia de considerar Marcella como uma donzela inocente, imbuída de interesses artísticos. Nesse caso, por que negar o fato?

Se Eugène acabasse por se casar com Marcella - era estranho como este pensamento a deixava dolorosamente perturbada -, ele teria de aprender a lidar com o lado caprichoso e fútil de sua natureza. Ao mesmo tempo, admitindo um relacionamento anterior com outro homem, Roumayne na verdade estaria aplainando o caminho de Marcella. Outro dado importante: estaria consertando o erro que fizera, ao mencionar Johannesburg.

A única coisa a fazer era agir do mesmo modo que Marcella, usando sua franqueza desconcertante.

- Pois bem, confesso tudo. - Fez aquela afirmação com estudada franqueza, esperando parecer tão confiante quanto Marcella. Eu me diverti um bocado em Paris e também em Johannesburg, por algum tempo. E daí? vou ter de passar o resto de minha vida enterrada em uma fazenda. . .

- Isto, é claro, diz respeito unicamente a você.- É mesmo, Eugène? - Olhou-o de relance, flertando

descaradamente com ele. Por mais que se desprezasse por seu comportamento, precisava agir como Marcella.

- Evidentemente. Já lhe disse isto antes. Quer dizer então que houve um homem?

- Sim. - Suspirou dramaticamente, bem no estilo de Marcella. Era um artista famoso e interessou-se por mim, uma simples garota do interior. Você pode imaginar o que isto significou, no sentido de levantar meu moral?

- Não se subestime, Marcella.O que estaria ele querendo dizer com isto? Talvez fosse

melhor não perguntar.- Não foi nada sério. - Vendo que ele não respondia, deu

uma risada forçada. - Você compreende isto muito bem, não

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Page 46: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 é, Eugène?

- Você quer dizer que não foi para a cama com ele?- Eugène! - Fez o possível para fingir que estava

chocada. Não era difícil imaginar o que Marcella e o incrível francês estariam aprontando em Johannesburg. No fundo de si mesma, Roumayne não podia deixar de pensar que aquele homem merecia alguém que o amasse verdadeiramente, ao invés de uma garota mimada que o queria unicamente por seu dinheiro.

- Esta atitude ultrajada não lhe cai muito bem, querida. Não posso afirmar se você ainda é virgem, Marcella, mas certamente não é a garota inocente que quer parecer.

Aliás, você deu provas suficientes neste sentido, há alguns dias. Deve ter tido um excelente professor. . .

Mais uma vez a recordação daquela cena de amor apoderou-se dela. Eugène estava tão próximo a ela que conseguia distinguir todos os pêlos que cobriam seus braços queimados de sol e o peito musculoso. Sentia um desejo maluco de estender a mão e deslizar os dedos pelos lábios sensuais, pela linha rígida do maxilar.

Lembrou-se a tempo do papel que deveria desempenhar. Sua tarefa tornava-se cada vez mais difícil de ser levada adiante.

- E que me diz daquela sua namorada tão sofisticada? - indagou, com toda a ironia de que era capaz. - Ela é tão inexperiente quanto eu?

- Yvette? - Ele sorriu maliciosamente e cerrou os olhos, como se estivesse procurando recordar-se de algo. - Yvette é uma mulher mundana.

- Você continua a vê-la? - Esperava que seus olhos não revelassem a dor que sentia, ao formular a pergunta. Tinha de tomar aquela atitude por Marcella, mas sabia que a resposta de Eugène seria importante para ela também.

- Claro.- Mas então. . . se você se dá o direito de divertir-se, por

que me critica?- Eu a critico? Absolutamente, Marcella. O que você fez

no passado e, mais ainda, o que faz no presente, não me diz absolutamente respeito. Não tenho o menor direito de criticá-

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 la.

Roumayne mordeu o lábio. A situação escapava rapidamente de seu controle. Se Marcella esperava acabar com uma aliança no dedo cometera um erro básico. Eugène Hugo estava muito longe de demonstrar-se um noivo ansioso.

Você me deu uma tarefa e tanto, Marcella, pensou preocupada, enquanto Eugène esporeava o cavalo e afastava-se rapidamente a galope, seguido por Roumayne.

CAPITULO IV

Cavalgavam novamente através dos campos cultivados e por um momento o cavalo de Eugène tomou a dianteira. Agora ele voltava a ser um fazendeiro, inspecionando as cercas, testando o nível da água nas pequenas represas e verificando se as várias tarefas tinham sido executadas corretamente.

Em seguida desembocaram novamente na savana. Ao chegar a um rio Eugène voltou-se e acenou para Roumayne, indicando que queria fazer uma pausa. Desmontou e ficou a olhar os cavalos, que se aproximavam do curso de água para beber.

Já era quase meio-dia. -O sol brilhava em um céu sem nuvens e seus raios castigavam os campos. Era um calor ao qual Roumayne, criada em uma grande cidade como Johannesburg, não estava acostumada. com uma mão afastou da fronte algumas mechas de cabelo, empapadas de suor. A blusa úmida aderia-lhe ao corpo, moldando suas curvas generosas e revelando indiscretamente o arfar de seus seios. Constatou aliviada que estavam próximos a um arvoredo, onde poderiam abrigar-se numa sombra.

Sentaram-se e apoiaram-se no tronco de uma árvore. Eugène tirou um frasco do bolso e passou-o para Roumayne. Ela bebeu sofregamente e a água gelada pareceu-lhe mais deliciosa que uma taça de champanha.

- Sinto muito, não trouxe copo - ele observou, enquanto ela lhe devolvia o frasco. - Em Paris diriam que não é um hábito muito elegante. . .

- Não diga isto! - Riu e contemplou aqueles olhos

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Page 48: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 castanhos que começavam a ficar cada vez mais atraentes.

Foi a vez de Eugène beber. Não tirou os olhos dela e Roumayne sentiu que seu coração começava a bater com mais força. Ele bebia muito lentamente e seu olhar percorria o rosto e o corpo de Roumayne com uma intensidade que fazia com que o sangue lhe corresse mais depressa nas veias.

Nem uma palavra foi dita, mas bá ocasiões em que os olhos falam mais eloquentemente do que tudo. Roumayne foi a primeira a desviar o olhar. Uma perturbação interior, quase insuportável, tornou-lhe impossível sustentar aquele olhar sensual por mais tempo.

Desviou de propósito os olhos, contemplando a savana à sua volta, e como antes ficou encantada com sua grandiosidade. A beleza que emanava de tudo aquilo era tão fantástica, tão contagiante, que uma pessoa acabaria por sentir-se incapaz de viver em outro lugar que não fosse aquele. Dominando tudo, ouvia-se o som fascinante de milhares de insetos desconhecidos.

Roumayne sentiu-se no auge da empolgação. Disse a si mesma que tudo aquilo era devido à beleza que a rodeava e à sensação de paz que se apoderava dela. Era impensável que tivesse relação com o homem a seu lado. Ele não significava nada para ela e jamais significaria. Eugène apenas fazia parte de uma tarefa a que ela se propusera, aliás uma tarefa que lhe pesava cada vez mais e da qual se arrependia.

- Sonhando de olhos abertos?- Não, apenas contemplando a paisagem.- Paris, pelo visto, ensinou-a a apreciar a terra onde

nasceu. Isto não acontecia antes.. .- Talvez. A distância provoca emoções inesperadas. . .- Foi isso que aconteceu? - Ele deu uma ênfase toda

especial à pergunta. Seus olhos percorreram-lhe o rosto, demorando-se em seus lábios, e ela sentiu o estômago contrair-se, tenso.

Eugène voltou a sorrir, após um momento, e ela sentiu-se um pouco mais relaxada.

- Aposto que em Paris você nunca comeu carne defumada.

- com certeza não! - Desta vez conseguiu rir, pois o

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Page 49: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 comentário era totalmente inesperado.

- Prove um pouco.Pegou uma fatia de carne e nesse momento os dedos

de Eugène tocaram nos dela. O tempo parecia ter ficado suspenso e havia uma espécie de eletricidade passando entre ambos. A tensão voltou com tudo e Roumayne corou intensamente, ao perceber o olhar dele cravar-se em seu rosto contraído.

- Obrigada. - Precisou exercer uma enorme força de vontade para afastar a mão. Mordeu a carne. - O que é? Vaca?

- Não, búfalo.- Está uma delícia.- Ótimo. Eu mesmo cacei. Joshua defumou a carne.Estavam falando apenas por falar, mas mesmo assim

Roumayne não conseguia livrar-se da sensação de que o que estavam dizendo nada tinha a ver com a carne defumada.

- Você ama este tipo de vida, não é mesmo? - A pergunta era frívola e ela não sabia o que a tinha levado a formulá-la, exceto talvez que a necessidade de saber um pouco mais a respeito de Eugène tornara-se algo imperioso. Reconheceu, muito a contragosto, que nada tinha a ver o fato de que precisava conhecê-lo melhor para levá-lo a tornar-se noivo de Marcella.

- Não consigo imaginar outro tipo de vida. Esta sempre foi uma de nossas diferenças, não é mesmo, Marcella?

- Talvez não seja mais... - Era estranho como ela parecia estar falando mais por si mesma do que pela garota a quem fingia ser.

- Acho difícil acreditar. Você sempre teve uma predileção declarada pelas grandes cidades. Paris deve ter aumentado este seu amor pelo asfalto...

- Muito pelo contrário. Gostei de voltar para cá. Gostei mesmo. - Hesitou, sem saber como prosseguir. - Talvez a distância me tenha proporcionado um novo código de valores. .. - Tais palavras soavam pomposas a seus próprios ouvidos.

Eugène não respondeu imediatamente, mas depois de um momento tocou-lhe o queixo, obrigando-a a encará-lo. Ela fez o possível para enfrentar seu olhar sem pestanejar.

- Você está se esforçando tanto, Marcella. Por quê?

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- Eu. .. não entendo.- Acho que entende, sim. Todo este súbito amor pela

terra, por exemplo.- Mas é uma coisa autêntica - ela protestou, desta vez

com convicção, pois estava dizendo a verdade, pelo menos no que lhe dizia respeito.

- Você não estará agindo desta forma porque quer que eu a despose?

A intensidade de seu olhar não lhe permitia virar o rosto. Se pelo menos a soltasse! O contato com ele deixava-a tão perturbada que era difícil pensar coerentemente.

- Não - conseguiu dizer, em um murmúrio. - Gosto mesmo daqui.

- E quer de fato casar comigo. - Era uma constatação, e não uma pergunta.

- Nossas famílias é que querem, Eugène. Sempre quiseram.

- Mas o que importa saber é se você quer. - O tom com que ele se exprimia exigia uma resposta.

- Quero!Ela olhou-o com ar de desamparo, sentindo-se

profundamente chocada, pois se dera conta de que exprimira um sentimento estritamente pessoal. Como se estivesse saindo de um estado de coma, tentou ordenar seus pensamentos. Era impossível que aquilo estivesse acontecendo! E se a coisa era verdadeira, precisava encontrar um jeito de brecar tudo aquilo, antes que a coisa fosse mais longe.

- Marcella.Ouviu-o, mas não respondeu. Não podia se permitir

olhar para ele.- Marcella! - Desta vez sua voz soou mais áspera e

autoritária.- Sim? - Sua resposta foi um simples murmúrio.- Olhe para mim.- Sim? - Sua voz tremia.- Diga-me o que está acontecendo.- Nada - ela respondeu, sabendo ao mesmo tempo que

era uma tolice tentar enganar aquele homem. Se pelo menos

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Page 51: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 ele lhe permitisse desviar o olhar, afastar-se.. . Sua proximidade era tão perturbadora que ela se sentiu tonta.

- Alguma coisa está se passando - ele insistiu. - Quem a está pressionando, para que este casamento saia?

- Ninguém! - A negativa foi veemente demais.- Seus avós? - Ele estendeu a mão e agarrou-lhe o

pulso. Ela tentou ignorar a sensação que isto lhe causava, mas era muito difícil, sobretudo porque Eugène não despregava os olhos de seu rosto, à procura da verdade.

Se pelo menos ele parasse com aquele interrogatório. .. Não sabia se teria forças para esconder a verdade, se ele continuasse.

- Claro que meus avós gostariam. .. Mas esta não é a única razão.

- Você gostaria de ser a proprietária da Fazenda dos Hibiscos.

A Fazenda dos Hibiscos nada significa para mim. Quero apenas ser sua mulher. Disse tais palavras para si mesma, pois não ousava proferi-las em voz alta. Declarou o contrário do que pensava.

- Sim. Você me despreza por isso?- Absolutamente. Para falar a verdade, aprecio sua

honestidade. Você sempre foi um animalzinho mercenário, Marcella. Acho que a desprezaria muito mais se tentasse jurar eterno amor por mim.

De que modo Marcella teria respondido a esta observação tão realista? É verdade que a garota não podia fingir estar apaixonada por Eugène. Se estivesse, não seria necessário fazer apelos para trazê-la de volta para casa. É verdade também que Marcella era mercenária. Queria ser a dona da Fazenda dos Hibiscos e a esposa de um homem rico. Não importava que ela sentisse por esse homem o maior desprezo.

No entanto, a obstinação de Eugène era um obstáculo para seus planos. Ficar noiva dele seria muito mais difícil do que Marcella imaginara, talvez mesmo impossível.

Roumayne não via como realizar os planos projetados por sua sósia. A tensão tornara-se difícil demais de suportar. Precisava de tempo para pensar e para isso necessitava ficar

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Page 52: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 sozinha. Eugène irradiava uma virilidade tão intensa que qualquer reflexão racional tornava-se impossível. Afastou-se propositadamente dele e fitou o chão.

Um bando de formigas arrastava um inseto para o formigueiro. Aquela parte de sua mente, que não estava ocupada em pensar em Eugène, registrou seus esforços obstinados com uma espécie de fascinação. Em seguida algo mais chamou-lhe a atenção. Custou a perceber do que se tratava. Uma cobra! Sentiu um medo pavoroso e ficou em pé de um salto, tentando galgar uma pedra próxima. Seu pé escorregou e ela quase perdeu o equilíbrio.

- Marcella! - Eugène não conseguiu disfarçar quanto ficara preocupado.

- Uma cobra! - Tremia da cabeça aos pés e mais uma vez tentou subir na pedra, mas em vão. Por ela, teria tentado novamente, mas ele a segurou pela cintura, puxando-a para trás.

- O que você está fazendo? - Desvencilhou-se dele e encarou-o furiosa.

- Não foi nada, não precisa ficar com medo!A expressão zombeteira de seu olhar aumentou a fúria

dela.- Então você acha que uma cobra é nada?- Não quando se trata de uma cobra-d água. Olhe,

Marcella, você a espantou. Ela ficou mais assustada do que você.

Somente uma cobra-d água! Levou alguns segundos até se dar conta do que tinha acontecido. Olhou-o, confusa, sentindo as pernas tremerem.

Não imaginava que fosse chorar. Estava longe de ser sua intenção. Talvez o susto, culminando com as emoções do dia, a tornassem mais frágil do que imaginara. Sentou-se no chão, cobriu os olhos e entregou-se ao pranto.

Não conseguiu registrar claramente como as coisas se passaram em seguida. Quando se deu conta, dois braços robustos a levantaram e ela se viu aninhada em um peito acolhedor. Os soluços se acalmaram e sentiu-se amparada e protegida.

Somente quando o tremor cessou é que teve

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Page 53: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 consciência de diferentes sensações. Agora o que predominava era a virilidade daquele homem que a tinha nos braços. O odor estonteante de sua masculinidade, seus músculos rijos, as batidas fortes e ritmadas de seu coração deixavam-na completamente fora de si.

Afastou o rosto de seu peito e encarou-o. Algo em seu olhar acelerou sua respiração e quando sua boca veio de encontro à dela, estava pronta para recebê-la.

O beijo começou com muita suavidade, mas intensificou-se quase imperceptivelmente e ela se viu forçada a abrir os lábios. Enquanto ele começava a explorar a carne macia de sua boca, Roumayne experimentou um sentimento indescritível, que jamais conhecera com Alec.

Todos os pensamentos relativos a Marcella desapareceram. Esqueceu-se completamente da necessidade de desempenhar um papel. Agora Roumayne era ela mesma, uma mulher cujas emoções amortecidas estavam ativadas até os limites do insuportável. Mesmo naquele momento, enquanto as sensações físicas ameaçavam apoderar-se inteiramente dela, os últimos vestígios de bom senso recordavam-lhe que deveria recuar antes que fosse tarde demais.

Apoiou as mãos no peito de Eugène e tentou repeli-lo. Ao ver que sua tentativa falhava, fez um esforço para descolar seus lábios dos dele. Tudo em vão, porém. Seus braços pareciam duas garras de aço das quais era impossível escapar. Desesperada, admitiu para si mesma que na verdade desejava que isto acontecesse. Sabia que estava lutando contra si mesma, na mesma medida em que lutava contra Eugène.

Uma mão ousada penetrou por baixo de sua blusa, acariciando-lhe as costas e os seios. Aquele toque íntimo deixou-a sem fôlego e ela foi caindo para trás, até ficar completamente deitada. Eugène não fez o menor esforço para detê-la e deitou-se por cima dela.

Roumayne estava completamente entregue às sensações provocadas pela dureza das pedras, a aspereza do capim e a força daquele corpo misturado ao seu. As coxas musculosas de Eugène pressionavam suas pernas esguias. Os

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Page 54: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 lábios ávidos prosseguiam sua busca ousada, descendo pelo pescoço e explorando a linha dos seios, que apareciam sob a blusa desabotoada.

Suspirou, trémula, e abandonou a luta. A sensualidade de Eugène desafiava quaisquer protestos. Ela ajeitou o corpo instintivamente, à procura do dele.

Ele levantou a cabeça e contemplou aqueles olhos azuis, nos quais transparecia a paixão. Em seguida afastou-se ligeiramente e, com um gesto decidido, começou a desabotoar a camisa.

Não havia a menor dúvida quanto à natureza de suas intenções. O corpo de Roumayne estava devorado pela chama da paixão, mas sua mente bradou um sinal de alerta.

- Não!Um brilho irónico surgiu no olhar dele, que pousou sobre

os lábios que tinham correspondido a seu beijo com tamanho ardor, demorando-se sobre os seios, ligeiramente expostos.

- Uma resistência de última hora? Não há necessidade disto. . .

- Você está enganado. - Estava tensa, nervosa, mas não queria que ele percebesse o torvelinho de emoções que se apoderavam dela.

- Ora, vamos, Marcella. Você por acaso está querendo fazer o papel da virgem ultrajada?

- Mas acontece que sou virgem...- É mesmo? - Ele insultou-a com sua descrença, mas ao

olhá-lo de relance ela notou uma expressão que não conseguia compreender.

- O que você quer? - perguntou finalmente, totalmente insegura.

- O que qualquer homem quer. E o que você quer, Marcella?

Afinal, isto é o que interessa. Há alguns dias jurou que me mostraria por que valia a pena eu me casar com você.

- Já não lhe dei provas suficientes?- Digamos que você apenas despertou meu apetite. A

amostra valeu, mas agora quero mais.Furiosa, ela levantou a mão, para esbofeteá-lo, porém

ele deteve seu gesto.

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- Nunca mais se atreva a fazer uma coisa destas!- Eugène.. . você não quer casar com uma virgem? - ela

indagou, no tom mais sedutor possível.Ele não respondeu diretamente.- O casamento é um passo muito sério. A virgindade é

apenas uma entre várias considerações, Marcella.Quer dizer então que a virgindade era apenas um entre

vários aspectos a serem considerados. E quais eram os outros? Um dote? Provas mais substanciais de proezas sexuais? Talvez uma entrega total, cujos aspectos mais profundos lhe escapavam?

Tais eram os pensamentos que atravessavam a mente de Roumayne naquela noite, sentada diante da janela aberta de seu quarto. Deveria passar três meses em Rusvlei.

Durante esse período deveria representar um papel e concordara com aquilo a partir de um impulso nascido do desespero. Tinha três meses para concluir um noivado e aquela tarefa parecia-lhe cada vez mais desagradável.

Estava começando a desprezar-se por sua participação naquela história. Parecia-lhe agora que havia algo de imoral em tentar levar uma pessoa a comprometer-se, quando as circunstâncias à sua volta repousavam em uma profunda falsidade. À época em que concordara com o plano de Marcella estava tão repleta de amargura que aquele aspecto da questão não lhe ocorrera. Não imaginava que fosse necessário lançar mão da persuasão, pois Eugène, na descrição de Marcella, era um candidato impaciente -e afoito.

A farsa consistiria unicamente em usar o anel de noivado até a chegada de Marcella. Quanto à questão da recompensa financeira, não lhe parecia despropositado receber pagamento por aquilo, que não deixava de ser uma tarefa.

Agora, em meio à serenidade de Rusvlei e conhecendo melhor Eugène, tudo aquilo lhe parecia inteiramente errado. Talvez ele fosse rude, mas sentia que aquele homem possuía uma integridade acima de qualquer questionamento.

O pior de tudo é que ela não via como livrar-se da situação. Tinha concordado com o esquema de Marcella e devia ir em frente. A questão era saber como.

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É verdade que nem os avós e nem Eugène haviam levantado suspeitas sobre sua identidade. No entanto, após dois encontros com Eugène, Roumayne compreendeu muito bem que ele não faria nada que contrariasse sua vontade. Aquele homem não correspondia à descrição de Marcella.

Três meses. . . Num certo sentido o período era curto demais. Seria necessário muito mais tempo para convencê-lo de que deveria concordar com o noivado. Por outro lado aquele espaço de tempo lhe parecia uma eternidade. Três meses na companhia de Eugène Hugo era algo acima de suas forças.

Subitamente inquieta, Roumayne enfiou um pulôver e saiu de casa. De um lado da sede encontrava-se o jardim da sra. Du Toit, onde ela cultivava flores e- arbustos.

Durante o dia o jardim já era lindo, mas à noite transformava-se em um verdadeiro paraíso tropical.

Não havia uma nuvem no céu e nele brilhavam milhares de estrelas. Para uma garota da cidade grande, onde a poluição e as luzes enfraqueciam o brilho das estrelas, aquilo era espetacular. O jardim estava povoado de gardênias e jasmins e a combinação de tais perfumes subia-lhe à cabeça, entontecendo-a.

Ali fora reinava uma enorme tranquilidade. A calma da noite era interrompida pelo ruído incessante dos grilos.

Aquele esplendor tropical mexeu com as emoções de Roumayne, provocando-lhe uma enorme melancolia. Inevitavelmente seus pensamentos voltaram-se para Eugène. O curso de seus pensamentos mudara, porém. Já não pensava mais em como seduzi-lo em benefício de Marcella. Seus pensamentos evocavam fatos puramente sensitivos, sobretudo aqueles dois encontros que a haviam deixado tão abalada.

Conseguia sentir seus lábios audazes apertarem os dela, bem como aquelas mãos que tinham a força de duas garras de aço, mas que ainda assim excitavam uma mulher com a sensualidade sutil de seu toque. Conseguia sentir a rigidez de suas coxas musculosas, a força de seu peito amplo. Aquelas evocações eram acompanhadas de uma sensação estonteante e que lhe dava um sentimento de exaltação.

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Não entendia por que aquele homem conseguia perturbá-la tanto, pois sabia que não gostava dele. Era impossível sentir afeto por uma pessoa tão cheia de arrogância e força bruta. Ainda assim tinha de reconhecer que Eugène Hugo era inegavelmente atraente. Tratava-se de atração física, de uma sensualidade bem real, quase animalesca.

Fora isto que lhe chamara a atenção, na primeira vez que o vira no restaurante com Yvette Stacy.

Uma coisa era uma pessoa possuir forte apelo sexual, outra inteiramente diversa era alguém estar à mercê de seu poder. Até o momento de entrar em contato com aquele fato, jamais acreditara que um dia pudesse ser atingida tão intensamente, ou que seus sentidos pudessem ficar inflamados a ponto de preponderar sobre a razão. Uma onda de sangue invadiu-lhe o rosto ao evocar a paixão que sentira por Eugène. Naqueles momentos em que se deitara sobre o solo coberto de pedregulhos, quando seus lábios a exploraram sensualmente, seu corpo doía com o desejo de ser possuída completamente por ele.

Chegara a desejar por um breve momento ser sua esposa, mas isto não passava de uma enorme loucura. Antes, jamais se dera conta de que a atração, física pudesse afetar alguém com uma intensidade tão devastadora. Era impossível que isso constituísse a base de um casamento.

Se encontrasse um dia um homem a quem pudesse amar, ele teria de possuir inteligência, gentileza e sensibilidade, a exemplo de Alec. Eram essas qualidades que apreciava nele. Aquela ambição desmedida interferira em sua vida bem mais tarde. Jamais poderia entregar-se a um homem cujo poder de atração estava baseado na força bruta e na sensualidade. Um homem das cavernas, um Eugène Hugo.. .

Eugène divergia em tudo de Alec, o homem a quem amara e a quem desejara desposar um dia.

Desde a ocasião de seu último encontro, deixara de pensar em Alec. inicialmente isto lhe exigira certo esforço. Agora sentia-se aliviada em notar que, por esse lado, as coisas caminhavam com enorme facilidade.

Verificou, ligeiramente surpreendida, que precisava

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Page 58: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 exercer uma certa concentração para evocar a imagem de Alec, mas após alguns momentos voltou a ver a boca sensível, o olhar inteligente, as mãos adestradas de um médico competente. Alec não era feito para ela, mas era o tipo do homem pelo qual se sentia atraída. Talvez quando terminasse aquela temporada em Rusvlei encontrasse um homem semelhante a Alec. Seria esperar demais poder amar novamente?

Até então teria de revestir-se de coragem para levar adiante os encontros com Eugène Hugo. Só lhe restava esperar que as semanas passassem rapidamente.

CAPÍTULO V

Apesar de já ser bastante tarde quando Roumayne finalmente voltou para seu quarto e foi dormir, no dia seguinte acordou cedo. Sentindo-se possuída por uma súbita energia, tomou banho, vestiu-se e dirigiu-se para a cozinha.

Embora a manhã estivesse apenas começando, a cozinha já era palco de intensas atividades. O sr. Du Toit já estava pronto para inspecionar o trabalho dos colonos e a sra. Du Toit, sem dar a menor importância à artrite, fritava ovos e bacon.

Roumayne sentiu um enorme remorso ao ver aquela frágil velhinha trabalhando tão esforçadamente que desculpou-se por ter-se atrasado. Ao pretender, entretanto, ocupar seu lugar junto ao fogão, foi posta de lado.

- Sente-se, meu bem. Tome café com seu avô.- Eu podia muito bem ter preparado o café.- Eu sei, mas não há necessidade. Quem sabe dentro de

um ou dois dias. . .- Roumayne notou o olhar de satisfação que ambos

trocaram. No íntimo sentiam-se imensamente felizes que sua neta se reintegrasse ao lar. Mais uma vez ela voltou a sentir-se culpada por estar representando toda aquela farsa.

- Queremos que você descanse bastante e que ganhe alguns quilinhos. Vamos, meu bem, coma.

- Deste jeito vou acabar ficando gorda. . .- Gorda, não, meu anjo. Apenas com carne suficiente

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 para um homem saber que você é uma mulher. . .

Roumayne riu, bem-humorada. Em um lugar como aquele acabaria recuperando a alegria perdida, pensou, olhando à sua volta. A atmosfera rústica e simples da fazenda era reconfortante. A cozinha era vasta, talvez um pouco grande demais para as pernas da avó, tomadas pela artrite. O chão era forrado de lajotas e as paredes de tijolo aparente. O fogão de lenha era antiquado, enorme, e as prateleiras estavam cheias de panelas e recipientes de latão. No ar pairavam aromas deliciosos: o de condimentos vários, que só se usavam na roça, a doçura das maçãs, o café fresquinho, feito na hora. . .

Roumayne lembrou-se da cozinha de seu apartamento minúsculo, branca, asséptica, absolutamente impessoal. Como aquela cozinha em Rusvlei era diferente e acolhedora.

. . Desejou ter algum dia uma cozinha como aquela.De repente estava sonhando de olhos abertos. Viu-se

diante de um daqueles fogões enormes de fazenda, preparando pratos deliciosos. Um bando de crianças alegres e ruidosas brincava ao redor. Subitamente um homem entrou. Era alto e muito bonito. Claro que aquele quadro estaria incompleto sem um marido. . .

Ficou entretida com aqueles devaneios por alguns momentos, sem se dar conta de que estava sorrindo. Sentiu-se perturbada ao perceber que o rosto daquele homem era o de Eugène Hugo. Como era possível que aquela pessoa, por quem tinha tamanha aversão, tivesse se insinuado no sonho? Talvez fosse porque ela o encontrasse com muita frequência ultimamente. . . Bastante irritada, baniu-o de seus pensamentos. Instantaneamente o sonho dissipou-se, tornando-se pouco mais do que uma sombra. . .

Não teve tempo de avaliar a significação de tudo aquilo, pois o avô dirigiu-se a ela.

- Você se divertiu com Eugène ontem?- Sim, foi agradável - respondeu, afetando

despreocupação, mas notando o rápido olhar que os velhos trocavam.

- Você vai vê-lo hoje? - A sra. Du Toit não conseguiu disfarçar sua ansiedade, enquanto fingia estar ocupada com o

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 fogão.

- Não sei. - Subitamente sua respiração acelerou-se e ela corou intensamente.

A emoção, totalmente inesperada, não passou despercebida ao avô, que estava sentado em frente a ela na mesa.

- Eugène disse-lhe alguma coisa, Marcela?Falou de vários assuntos.-Você sabe muito bem o que vovô quer dizer, meu bem

disse a sra. Du Toit, em tom de ligeira reprovação. - Quando é que vocês vão casar?

Eu. . . eu não sei se chegaremos até lá. - Ficou profundamente perturbada. Os velhos queriam que aquele casamento se consumasse. Roumayne gostava tanto deles que faria tudo para vê-los felizes.

- Mas o que está acontecendo? - Toda sutileza fora deixada de lado e a avó agora exprimia-se com toda franqueza.

- Vocês por acaso já pensaram que Eugène talvez não quisesse casar comigo? - Roumayne tentou exprimir-se com a maior doçura possível, mas notou que sua pergunta provocou intenso pesar.

- Mas ele sempre quis - declarou o avô após um momento e sua voz era firme.

- Não seriam vocês a querer? Vocês e os pais de Eugène, também?

- É verdade que esse era o desejo de todos nós. - A sra. Du Toit parecia menos segura do que seu marido. - O mesmo acontecia com você e Eugène. - Hesitou. – Não é verdade?

- Um dia, talvez. Mas agora. . . - Roumayne interrompeu-se, sem saber como prosseguir. Por um lado precisava conseguir uma aliança de noiva, pois essa era a promessa que fizera a Marcella. Por outro, sabia que as possibilidades de alcançar seu objetivo eram escassas, e queria magoar os Du Toit o menos possível. - As pessoas mudam vovó - declarou.

- Você ficou longe tempo demais. Por que não voltou quando o ano terminou?

- Já disse, precisava de mais tempo para meus estudos.

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- Estudos! Ora essa! - A exclamação de impaciência do avô deixou Roumayne surpreendida. - Não me diga que você não conheceu nenhum homem em Paris. Aqueles parisienses atrevidos corromperam-na e agora você não se interessa mais pelos rapazes aqui da terra.

- Não é isso, não. Mas é que eu mudei. . .- É, nós notamos mesmo - comentou a avó.- Pois é. . . - Olhou com ar de apreensão para os velhos,

mas estava bastante claro que as palavras não escondiam segundas intenções. - Eugène também mudou.

- Talvez ele esteja zangado por você ter ficado fora por muito tempo - sugeriu o avô.

- Não acho que o ressentimento seja a razão para suas reservas - declarou Roumayne, pensativa. - Na realidade Eugène não quer se ver forçado a casar-se.

- Ninguém o está forçando. - Os olhos da sra. Du Toit estavam marejados de lágrimas e Roumayne sentiu uma pontada no coração ao notar o esforço que seus dedos tomados pela artrite empregavam para misturar a massa do bolo.

- Fisicamente não, mas mesmo assim é uma situação constrangedora. . . Os casamentos arranjados são coisa do passado. Eugène é um homem de opiniões muito firmes, como vocês bem sabem. Se ele não quiser casar não o fará. - Notou que os avós ficaram perturbados e então prosseguiu com mais doçura. - Não estou dizendo que não haverá casamento. Apenas digo que vocês não devem confiar excessivamente.

Comeram em silêncio durante algum tempo. Quando a avó lhe ofereceu mais uma porção de bacon, Roumayne recusou. A mágoa que os velhos estavam sentindo dissipara completamente seu apetite.

- E você, Marcella? - indagou a avó. - Já mudou de ideia?Roumayne mexeu-se na cadeira, inquieta. Sentia-se

incapaz de enfrentar o olhar da sra. Du Toit, enquanto pensava na pergunta. Como era difícil dar uma resposta...

Da parte de Marcella é claro que nada havia mudado. Ela queria e, mais do que isso, estava resolvida a desposar Eugène. Se Roumayne falasse unicamente por Marcella a

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 resposta seria simples.

Entretanto o que Marcella desejava tinha importância relativa, pois Eugène manifestara sua relutância em termos bastante claros. Não haveria casamento algum, a menos que acontecesse alguma coisa que mudasse a opinião de Eugène. Era melhor que os avós estivessem preparados para enfrentar um eventual desapontamento.

Fora o fato de duvidar que Eugène mudasse de ideia, Roumayne não acreditava mais que ele e Marcella fossem feitos um para o outro. De certo modo,esta dúvida a acompanhara o tempo todo. Agora sabia que Eugène não se ajustaria jamais à superficial Marcella, que se interessava unicamente pelo status proporcionado pelo fato de vir a ser a rica proprietária de uma enorme fazenda e intimamente resolvida a passar a maior parte do tempo gozando os prazeres da vida noturna de Johannesburg, a centenas de quilómetros de distância. Nunca lhe passara pela cabeça que seu marido não concordaria com aqueles caprichos. Mais cedo ou mais tarde teria de compreender que a vida que planejara era impossível de ser levada adiante. Quando isso acontecesse, haveria sérios atritos entre ambos. Roumayne sentia que Marcella, frívola como aparentava ser, era tão obstinada quanto Eugène. Nenhum dos dois estaria disposto a mostrar-se flexível e a fazer concessões mútuas.

Havia mais uma razão para Roumayne mostrar-se pouco entusiasmada em relação ao casamento. Aquilo não ocorria em sua mente, onde a lógica reinava, mas em outra região de seu ser, o que não deixava de ser absurdo!

- Você mudou de ideia, Marcela? - tornou a perguntar a sra. Du Toit.

O casal de velhos olhava-a cheio de tensão. A ligeira irritação com que a avó se exprimia indicou a Roumayne que ela retardara a resposta um pouco demais e mesmo assim ainda não sabia o que dizer.

- Acho que preciso de tempo - replicou finalmente, odiando-se pela ambiguidade de suas palavras.

- Tempo para quê? - indagou o sr. Du Toit, com severidade. Apertou os olhos, como se visse sua neta amada sob uma luz inteiramente diversa. Tempo para lembrar que

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Page 63: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 você é uma moça do campo? Que você pertence a este lugar? Para recordar que seu lar é aqui e não na cidade?

Suas palavras estavam tão próximas da verdade, no que dizia respeito a Marcella, que Roumayne franziu o cenho.

- Não se trata disso. Sei onde é meu lar.- Mas então de que se trata?- Quero dar um tempo para voltar a me entrosar com

Eugène.- Hesitou e ao prosseguir seu tom de voz saiu mais

enérgico do que pretendera. - Poderemos descobrir que a antiga afeição ainda existe.

- Por que lhe fora impossível usar a palavra amor? - Por outro lado, podemos. . . podemos descobrir que não fomos feitos um para o outro.

Suas palavras foram seguidas por uma longa pausa. Lá fora um dos cães ladrou subitamente. Roumayne deu um salto na cadeira. Não se dera conta do quanto estava tensa.

O avô foi o primeiro a romper o silêncio e falou, com amargura.

- Gostaria de torcer o pescoço desses franceses!- Jan... - A avó tentou acalmá-lo. - Jan, as coisas talvez

sejam como Marcela diz.- Ora! Esta menina está com a cabeça virada!- Talvez. Você por acaso está nos escondendo algo,

menina? Existe mais alguém em sua vida?- Não. - Novamente uma mentira. - Não - repetiu

Roumayne. Acrescentou em seguida, em uma tentativa de desviar a atenção para Eugène: - E o que me dizem do sr. Hugo? Pelo que parece, não ficou sentado à minha espera.

Tenho pela frente uma rival poderosa. A mulher com quem ele anda saindo é muito bonita.

- É, tem gente que aprecia aquele tipo. - O sr- Du Toit deixara de lado toda a amargura e agora mostrava-se desolado, indicando a Roumayne que estava mais preocupado com a ligação de Eugène do que queria admitir. - A sra. Stacy não é a mulher que convém a Eugène.

- Senhora? - indagou Roumayne, tomada de uma curiosidade que era muito mais dela do que propriamente de Marcella. - A sra. Stacy é viúva?

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- Não, divorciada.Estas palavras foram proferidas com tamanha amargura

que Roumayne percebeu toda a situação.- Ela divorciou-se do marido para casar com Eugène?- É o que algumas pessoas dizem. - A avo pronunciou

tais palavras com muita dificuldade.- E a senhora acredita nisto?- Do jeito como a coisa é colocada, não- Mas então, como?- Talvez Eugène lhe tenha dado atenções. E se isso de

fato aconteceu, como censurá-lo? Ele é homem, com trinta e quatro anos e há muito não tem uma mulher a seu lado.

- Mesmo assim não acredito que Eugène tenha encorajado a sra. Stacy a divorciar-se do marido. Não é o tipo de coisa que ele faria.

O que Eugène faria ou deixaria de fazer era muito questionável. Tendo porém sido envolvida por sua incrível sensualidade, Roumayne podia compreender até certo ponto porque Yvete Stacy sentia-se atraída por ele. Além de seu apelo erótico, Eugène era um homem extremamente rico.

- Qualquer que seja a realidade de tudo isto, o fato é que Yvette Stacy e uma mulher linda. Talvez ela não lhe agrade, vovô, mas para um homem comum é uma tentação. Pelo menos o senhor deveria compreender por que Eugène não tem a menor pressa em casar comigo.

Em seguida trocou de assunto, antes que a conversa tomasse rumos mais perigosos.

- O café da manhã estava uma delícia, vovó. Descanse um pouquinho, que eu vou lavar os pratos.

O resto do dia decorreu tranquilamente. Roumayne passou a manhã dentro de casa. Assim que deu conta das tarefas domésticas, foi dar milho às galinhas e voltou para a sede.

Na cozinha havia uma cesta cheia de pêssegos, dos quais a sra. Du Toit queria fazer conserva. Roumayne carregou a cesta até a varanda e começou a descascar os frutos aveludados. O sol brilhava intensamente em um céu sem nuvens, mas Roumayne não sentia calor, pois a varanda proporcionava uma sombra refrescante.

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De vez em quando parava de trabalhar e seu olhar perdia-se na distância, lá onde se erguiam as colinas azuladas. A paisagem transmitia uma sensação de paz como nunca experimentara antes. Chegavam-lhe ao ouvido sons característicos, como os latidos ocasionais de um cão, os pássaros cantando nos galhos das figueiras-bravas que davam sombra ao jardim e o zumbido incessante dos insetos no gramado.

Por perto não havia uma alma viva, mas ela sabia que os colonos trabalhavam arduamente nas plantações. Ali nas redondezas, uma figura enérgica e viril estaria inspecionando sua fazenda, montado em seu cavalo negro, que o levaria aos rincões mais afastados de seus domínios.

Ao pensar nisto o coração de Roumayne bateu um pouco mais rápido. Aborrecida com sua reação, afastou Eugène Hugo da mente e voltou a descascar os pêssegos dourados e suculentos.

No entanto, por menos que quisesse, havia certos momentos durante o dia em que não conseguia evitar de pensar nele. Quem sabe se com isso estaria apenas poupando-se a dor de pensar em Alec? Isso acontecia toda vez que recordava o modo brusco e cruel como seu noivado fora desfeito e o choque que a deslealdade de Alec lhe provocara. A dor, entretanto, começava a diminuir. Passava longe momentos sem pensar no rapaz.

Se pelo menos seus pensamentos não se voltassem para Eugène. . Ele a deixava excessivamente perturbada. Sua atração física era tamanha que a simples lembrança de seu corpo contra o dela era suficiente para deixá-la sem respiração. Tratava-se no entanto de algo que só existia no plano físico. Em outros aspectos, que afinal eram os mais importantes, Eugène Hugo não era o tipo de homem que podia exercer sobre ela uma impressão duradoura. De fato, se isto não servisse a seus propósitos, não perderia sequer um momento com ele.

No entanto, quando a tarde começou a cair, trazendo com ela uma remota possibilidade de uma visita de Eugène, Roumayne sentiu-se ligeiramente ansiosa, o que era simplesmente absurdo! Como era possível desejar com

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Page 66: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 tamanha intensidade a chegada de uma pessoa de quem nem sequer gostava? Talvez a razão para isto residisse no fato de que Eugène era a única pessoa das redondezas com quem tinha alguns pontos em comum, e precisava de companhia.

Eugène, porém, não apareceu naquela noite e muito menos no dia seguinte. Se o interesse por ele dissesse respeito unicamente a ela, Roumayne deixaria as coisas como estavam, pois acreditava que uma mulher não deve correr atrás de um homem. No entanto sua permanência em Rusvlei obedecia a propósitos bem definidos. Por mais que apreciasse a atmosfera tranquila da fazenda, não devia criar ilusões, imaginando que estava lá passando férias. Marcella deixara bem claro quais eram suas expectativas e, por menos que estivesse apreciando sua tarefa, Roumayne concordara em levá-la até o fim.

Na tarde do dia seguinte Eugène continuava a não dar o menor sinal de vida e Roumayne decidiu ir até a Fazenda dos Hibiscos. Fez o possível para superar a relutância que experimentava dizendo a si mesma que Marcella, em sua situação, não hesitaria. As duas famílias tinham sido vizinhas muito antes do nascimento de Marcella. O fato de ela lhe fazer uma visita seria portanto algo muito natural.

Tomando um cuidado especial com sua aparência, Roumayne tentou vários vestidos, mas nenhum a satisfazia. Finalmente decidiu-se por uma saia de algodão azul, muito justa na cintura, e uma blusa no mesmo tom, que valorizava a cor de seus olhos.

Um exame crítico diante do espelho revelou-lhe que há muito não estivera tão bonita. O tempo passado em Rusvlei tinha operado milagres.

A tranquilidade do lugar retirara toda a tensão de seus olhos. As muitas horas passadas ao ar livre haviam dado uma tonalidade dourada a seu rosto e braços e transmitira às suas faces uma tonalidade rosada que lhe ia muito bem. No hospital usava sempre o cabelo puxado para trás, o que lhe dava um aspecto um tanto severo. Agora eles lhe caíam livremente pelos ombros, sedosos e brilhantes.

Enquanto percorria a alameda coberta de pétalas de jacarandá pensava no que diria a Eugène. Sentiu-se menos

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Page 67: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 tensa ao lhe ocorrer que estava desempenhando o papel de Marcella e que ela jamais ensaiaria um discurso. Se Marcella decidisse subitamente fazer uma visita, isto seria decorrência de uma atitude puramente impulsiva.

Qualquer tipo de diálogo com Eugène devia ser espontâneo. Acima de tudo, devia tomar cuidado para não apresentar a menor justificativa para sua visita.

Como da vez anterior, Joshua abriu a porta. Mostrava-se surpreso em vê-la, perguntando se ela não sabia que Eugène viajara. Não sabia dizer para onde Eugène fora e nem quando voltaria.

De regresso a Rusvlei, Roumayne sentiu o mesmo desânimo que experimentara há dois dias, quando se certificara de que Eugène não viria. Devia ter partido da Fazenda dos Hibiscos no dia seguinte a seu passeio a cavalo. Além de ele ter feito a corte a ela de um modo que a deixava ofegante quando pensava no assunto, também haviam falado de muitas coisas. Não conseguia entender por que não mencionara o fato de pretender viajar.

Por que razão não lhe dissera nada? A resposta era bastante simples, pensou Roumayne, com amargura. Como era possível não ter pensado naquilo antes? Para ele, ela não passava de um corpo à sua inteira disposição. Não ocorria a Eugène que ela pudesse ser alguém provido de mente e emoções, uma pessoa sensível, facilmente magoada por suas demonstrações de descaso.

Não pensaria mais naquilo, decidiu Roumayne, enquanto entrava na cozinha, já em Rusvlei. Aquele homem não merecia tanta consideração. Entretanto sua resolução deu em nada no momento em que lhe ocorreu um outro pensamento. Yvette Stacy! Será que ela viajara com Eugène?

Agindo impetuosamente, como se tivesse a intenção de atormentar-se, procurou a lista telefónica e localizou o endereço de Yvette.

Irada, jogou a lista de lado. Não lhe fazia a menor diferença se aquela mulher estava ou não com Eugène. Eles que tirassem bom proveito um do outro!

No entanto, a semente fora plantada. . . Odiando a si mesma, foi até o telefone e discou determinado número.

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Page 68: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 Quem respondeu foi a empregada, informando que a sra. Stacy havia viajado e estaria de volta dentro de alguns dias.

Roumayne sentiu um enorme vazio interior. Então Eugène e Yvette tinham viajado juntos. . . Pensamentos insuportáveis atravessaram-lhe a mente. Tentou colocá-los de lado, mas muitos outros tomaram seu lugar. Foi até o galinheiro dar milho para as galinhas, mas mesmo assim não conseguiu distrair-se.

O que estaria Eugène fazendo na companhia daquela bela mulher tão provocante? Por mais que tentasse, Roumayne não conseguia desviar seu pensamento e acabou por sentir-se extremamente angustiada.

Foi somente no meio da noite, quando estava deitada sem conseguir pegar no sono, que se deu conta de que estava encarando tudo aquilo de um modo extremamente pessoal, como algo que atingira a ela, Roumayne, e não como alguma coisa que dissesse respeito exclusivamente a Marcella.

Saiu da cama e foi até a janela aberta. Confusa e infeliz, contemplou a escuridão. O que lhe estaria acontecendo, a ponto de sentir uma dificuldade cada vez maior de lembrar-se que estava apenas desempenhando um papel? Ela não era Marcella e sim Roumayne. Tinha sido contratada com extrema objetividade para executar uma tarefa. Quando Marcella voltasse, Roumayne desapareceria da fazenda e ninguém sentiria falta dela. Ninguém sequer ficaria sabendo que uma garota chamada Roumayne Mallory tinha vivido por algum tempo naquele lugar.

Era preciso desligar-se de tudo aquilo e mostrar-se fria e calculista. As emoções não deveriam interferir em nada. Quando era enfermeira, Roumayne tivera de exercer um grande treino para não se deixar envolver emocionalmente com seus pacientes. Sempre se mostrara gentil e dedicada, mas seu envolvimento pessoal com o sofrimento daqueles que lhe eram confiados não somente a deixaria deprimida como também interferiria em sua eficiência como profissional.

Mas então por que razão, agora que se via diante de uma tarefa de natureza inteiramente diversa, experimentava tamanha dificuldade em manter suas emoções sob controle?

Sentia-se como se lhe tivessem feito um feitiço e não

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Page 69: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 conseguia mais imaginar que estava representando um papel. Não que ela acreditasse que fosse Marcella. Era como se Marcella deixasse de existir e Roumayne passava a ser a garota a quem os avós adoravam, que fora cortejada por Eugène e que agora, se angustiava devido a seus planos de casamento.

Sua respiração acelerava-se enquanto ela se dava conta de que estava chegando ao âmago do assunto. Por alguma razão desconhecida, quando se encontrava na presença de Eugène, tornava-se quase impossível lembrar-se de que estava apenas desempenhando um papel. Fora Roumayne quem sentira as carícias de Eugène. Fora ela quem se atormentara ao constatar sua inesperada ausência. Tudo aquilo era de um absurdo atroz!

A lógica dizia-lhe que qualquer ofensa, fosse ela intencional ou não, não era dirigida contra a sua pessoa, e sim contra Marcella. Mesmo assim a lógica parecia ter muito pouco a ver com tudo aquilo. O que acontecera ao lado racional de sua natureza? Como fora permitir que a fantasia levasse a melhor, em tudo aquilo?

No fundo de si mesma havia uma razão para tudo o que estava acontecendo, mas não ousava examinar aquilo a fundo. Se Eugène Hugo a enfeitiçara de verdade, ela tinha de lutar. Aquele homem não significava nada para Roumayne. Dentro de pouco tempo deixaria aquele lugar que, até certo ponto, fora um porto seguro. Quando chegasse o momento de partir, teria certeza absoluta de que jamais voltaria a ver Eugène. Era inútil tentar negar que se sentia profundamente atraída por ele, porém seus sentimentos permaneciam em um plano puramente físico. Quando deixasse Rusvlei, a loucura que se apoderara dela desapareceria por si mesma.

Ligeiramente reconfortada, voltou para a cama. O sono, entretanto, foi muito agitado. Em estado de vigília podia tentar controlar seus pensamentos. A vulnerabilidade a que o sono a expunha permitiu-lhe divagar em torno de um homem queimado de sol, montado em um cavalo fogoso, que se detinha de repente para colhê-la em seus braços, galopando com ela em direção ao lugar onde o sol se esconde.. .

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CAPITULO VI

No dia seguinte jantavam mais cedo quando Eugène subitamente apareceu. Ficou parado diante da porta, com um brilho divertido no olhar, notando quanto Roumayne ficara desconcertada.

Talvez seu aparecimento inesperado fosse a causa daquela sensação perturbadora, pensou Roumayne. O desejo que nunca a abandonara voltava mais uma vez a cobrar seus direitos.

Exerceu toda sua força de vontade e, desviando o olhar de Eugène, concentrou-se em seu prato. Era muito importante que ele não adivinhasse o que lhe ia por dentro.

Forçou-se a comer, mas as iguarias que até há pouco pareciam tão deliciosas agora haviam perdido todo o sabor.

Ao contrário de Roumayne, os avós ficaram bastante à vontade.

- Eugène! - exclamou a avó. - Que prazer em vê-lo! Puxe uma cadeira e coma conosco.

- É muita bondade de sua parte. - Ao dirigir-se à velha senhora ele deixava de lado toda a arrogância. Roumayne, em um gesto involuntário, levantou os olhos, imaginando se ele iria aceitar o convite. - Eu bem que gostaria.. . isto é, se Marcella não se importar.

- E por que eu deveria me importar?- É que você ainda não teve a gentileza de me dizer alo

- ele murmurou, sentando-se.- E você não teve a gentileza de me comunicar que ia

viajar. As palavras saíram antes que ela pudesse controlar-se. Mordeu os lábios e sentiu o rubor subir-lhe ao rosto.

O olhar malicioso tornou-se mais evidente, mas Eugène não fez o menor esforço para se defender da acusação.

- Você foi a Petersburg? - perguntou o sr. Du Toit, mencionando uma cidade a duas horas de distância.

- Fui mais longe.O avô não era homem de fazer viagens distantes. As

cidades não o interessavam em absoluto. Mudou a natureza de suas perguntas.

- Você viajou a negócios?

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Não, absolutamente, não se tratava disso.Mas então por que você viajou? - O sr. Du Toit agora

mostrava-se francamente curioso, ignorando a expressão severa da sra. Pu Toit, indicando que ele não deveria fazer mais perguntas.

- Viajei por razões pessoais. - Ele exprimia-se num tom amistoso, evitando dar à sua resposta qualquer conotação insultuosa.

- Viajou sozinho? - Roumayne não tinha a menor ideia de que iria fazer aquela pergunta. No momento em que a pergunta lhe escapou, teve vontade de sumir debaixo da terra. Ao mesmo tempo sabia que a resposta de Eugène lhe importava muito.

- Não - ele respondeu após uma longa pausa, bastante proposital. - Não estava sozinho.

Quer dizer então que Yvette Stacy partira com Eugène. . . Mas que lhe importava tudo aquilo? Tratava-se de um problema com o qual Marcella teria de defrontar-se mais dia, menos dia.

Mesmo assim veio-lhe à mente a lembrança da cena no restaurante, quando Eugène e Yvette haviam demonstrado um interesse ardente um pelo outro. Sentiu subitamente uma dor profunda, da qual não conseguia desprender-se facilmente.

Fizera-se o mais absoluto silêncio, após a surpreendente resposta de Eugène. Até mesmo o sr. Du Toit achou por bem não lhe fazer mais perguntas. Por um momento o barulho das facas e garfos era o único som que se ouvia na cozinha.

Finalmente, em um esforço para romper a tensão reinante, a avó perguntou:

- Você gostou da carne no espeto, Eugène?- Deliciosa!- Foi Marcela quem fez.- É mesmo?- Marcela é uma cozinheira esplêndida. - A sra. Du Toit

não fez o menor caso do ar de reprovação de Roumayne. Era impossível que ela acreditasse que aqueles truques tão antiquados pudessem exercer qualquer influência sobre Eugène . A coisa era por demais óbvia.

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- Você devia ver que pratos deliciosos ela prepara! - O sr. Du Toit aproveitou a deixa de sua mulher. - E já nem falo das sobremesas. . . são divinas!

- Não me lembro que você gostasse de cozinhar antes de viajar.

- Lembre-se de que vivi em Paris. A cozinha francesa é uma das melhores do mundo.

- E foi lá que você aprendeu a preparar os pratos tradicionais da cozinha sul-africana?

Roumayne compreendeu tarde demais que Eugène era excessivamente perspicaz para não ter notado o fora que ela dera.

- Claro que não. Se você entendesse um pouco de culinária saberia que uma base sólida pode ajudar a preparar os pratos de outros países.

- Não diga! - Ele agora zombava dela claramente.- Marcela aprendeu muita coisa em Paris - apressou-se a

co mentar o sr. Du Toit, como se quisesse pôr um ponto final naquela agressão mútua.

- É, eu notei.. . - ele falava com suavidade, porém Roumayne percebeu muito bem o duplo sentido. Aquele homem era de uma arrogância insuportável. - Marcella, você aprendeu tantas artes diferentes. . . A pintura por acaso está incluída entre elas?

- Mas é claro. Foi aliás por isso que permaneci em Paris. Quantas vezes mais ele lhe faria a mesma pergunta?

- Você devia ver o trabalho de Marcela, Eugène. - A sra. Du Toit não cabia em si de tanto orgulho da neta. - Após o jantar ela lhe mostrará.

- Obrigado. Gostaria muito de ver, mas não hoje à noite.- Você vai logo em seguida para a Fazenda dos

Hibiscos? O avô ficara desapontado.- Não, mas é que a noite está muito bonita. Achei que

Marcella gostaria de dar um passeio.Roumayne levantou a cabeça rapidamente e deparou

com aquele olhar que exigia uma resposta. Seu coração disparou e o pulso acelerou-se. O pensamento de estar sozinha com Eugène no escuro era suficiente para deixá-la profundamente perturbada.

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Devia lutar contra tais sentimentos, mesmo que no final acabasse por perder a batalha.

Disse com o máximo de secura possível:- Obrigada, Eugène, mas preciso ajudar vovó a lavar os

pratos.- Não há a menor necessidade, Marcela. - A sra. Du Toit

estava imperturbável, mas o olhar que lançou a Roumayne era um bocado encorajador. - Amos me ajudará.

- Não há, portanto, obstáculo algum, a menos que você queira encontrar um. - Eugène dirigiu para ela um sorriso malicioso.

- Mas que coisa mais absurda! - Um tanto desesperada, Roumayne contemplou os três. Não tiravam os olhos dela. Os avós fitavam-na com esperança e encorajamento e Eugène tinha uma expressão enigmática nos olhos castanhos.

- Pois então, muito bem. A noite está de fato muito agradável e eu estava mesmo disposta a dar um passeio mais tarde. - Esperava que estas palavras tivessem contribuído para colocar Eugène em seu devido lugar.

Tomaram uma pequena estrada e afastaram-se da sede. Roumayne sentia profundamente a presença daquele homem que andava a seu lado com a agilidade de um gato selvagem.

Não precisava virar a cabeça para percebê-lo. Os menores detalhes daquele corpo musculoso estavam gravados em sua mente. Eugène não fez a menor menção de segurar-lhe a mão, mas estava bem próximo a ela, a tal ponto que seus braços se encostaram, o que a deixou imediatamente excitada.

A lua flutuava no céu, iluminando o campo com seu brilho de prata e como sempre o perfume das flores tropicais se fazia notar intensamente. De um povoado perdido na distância vinha o som de tambores e aquele ritmo primitivo contribuía para deixar Roumayne ainda mais exaltada.

Desejou desesperadamente controlar suas reações. Eugène Hugo não significava nada para ela. Tornara bastante claro que ela também não significava nada para ele.

Isto é, Marcella não significava nada. .. Era estranho, mas tornava-se cada vez mais difícil lembrar-se de que estava

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 apenas desempenhando um papel. . .

Mesmo que os sentimentos de Eugène passassem por uma transformação, a coisa resultaria unicamente em benefício de Marcella. Roumayne partiria de Rusvlei e a garota tomaria o lugar que lhe era devido. Talvez Eugène notasse alguma diferença. Era perspicaz demais para deixar de notar que algo mudara. No entanto a personalidade imprevisível de Marcella tornava plausíveis as mudanças súbitas.

Eugène jamais saberia que Roumayne tomara parte em sua vida por algum tempo, que a beijara, acariciara e excitara como ninguém fizera antes. Era assim que as coisas deveriam se passar. Tinha plena compreensão do fato, mas isto não bastava para que a mágoa não a atingisse tanto.

- Você está muito calada. - A voz de Eugène interrompeu seus pensamentos.

- A respeito de que você gostaria de conversar? - Tentou parecer petulante.

- Nada em particular. - Ele parecia estar se divertindo. - É que não é lá muito de seu jeito ser tão pouco comunicativa, Marcella.

- E quanto a você, Eugène? - De repente o ressentimento que reprimira até então veio à tona. - Por que não me fala a respeito de sua viagem?

- Não lhe devo satisfação de meus atos.- Sobretudo,quando se trata de Yvette Stacy! Estaria

louca? Teria acaso pronunciado aquelas palavras?- Você acaso está com ciúmes, Marcella?- Claro que não! - Não conseguiu porém resistir e

indagou: Ela estava mesmo com você, não?- Para falar a verdade, sim. Isto a deixa preocupada?Vendo que ela não respondia, ele segurou-lhe o queixo,

obrigando-a a encará-lo. A expressão de seu olhar era indecifrável e uma onda de excitação apoderou-se de Roumayne. Não conseguia desviar o olhar, por mais que tentasse.

- Isto a deixa preocupada? - ele voltou a perguntar e o tom com que se exprimia exigia resposta.

- Não gosto de imaginar meu futuro esposo divertindo-

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Page 75: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 se por aí com outra mulher. - Roumayne sentia-se contente por ter conseguido assumir um ar de desafio. Pelo menos assim ele não conseguiria adivinhar as emoções que cresciam dentro dela.

- Não sou seu futuro esposo, Marcella. Acho que já deixei este ponto perfeitamente esclarecido.

- Mas os meus avós. . . - ela gaguejou.- São pessoas excelentes e gosto deles imensamente.

Eles porém não podem me obrigar a desposar sua neta.Era pena que o avô não estivesse presente para ouvir

aquelas palavras!- Você se casará com Yvette Stacy? - perguntou

Roumayne, totalmente insegura.Fez-se uma longa pausa enquanto Eugène a

contemplava. Roumayne sabia que sua resposta era tão importante para ela quanto para Marcela. Talvez até mais importante para a sósia.

- Eu até poderia.- Mas ela não é o seu tipo, Eugène. - Ela se exprimia

com bastante convicção, o que contribuiu para ocultar o tremor em sua voz.

- O que você conhece a respeito do meu tipo?Ele aumentou a pressão de sua mão e puxou-a para

mais perto de si. Sua outra mão pousou em sua garganta, acariciando a pele delicada, e, continuando sua exploração, enfiou-a por baixo do vestido, roçando o ombro nu. Enquanto isso Roumayne tinha de lutar contra si mesma para conservar a lucidez.

Finalmente, conseguiu murmurar:- Ela não foi feita para você.- E você acha que é feita para mim? - Exprimia-se em

tom zombeteiro.Ela apenas conseguiu esboçar um gesto afirmativo.- Será? Mas você disse que me provaria, Marcella. Não

quer me dar mais uma amostra?Ela não tinha a menor possibilidade de afastar-se dele e,

quando seus braços a apertaram com força ainda maior e seus lábios roçaram-lhe lentamente o pescoço, sentiu-se invadida por uma onda de sensualidade. Queria chegar-se

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Page 76: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 ainda mais a ele. . .

Ele cobriu seu rosto de beijos e finalmente seus lábios colaram-se aos dela.

Durante um longo momento, que não podia ser medido em termos de tempo, sentiu apenas sensações incríveis - o peso do corpo de Eugène, que fazia o seu dobrar-se em dois, as mãos que a acariciavam, despertando chamas que ameaçavam consumi-la.

Ele devia em determinado momento ter desabotoado a camisa, pois quando levantou sua blusa e puxou-a de encontro a ele,o contato de seu peito musculoso deixou-a profundamente excitada. Enlaçou seu pescoço e todo seu corpo pedia para ser possuído.

Tomando-a nos braços, deitou-a no chão e inclinou-se sobre ela. O choque que o contato com a terra fria lhe provocou tornou-a consciente do que estava acontecendo.

Não podia entregar-se a ele. Se fizesse isso, estaria perdida.

Teve de exercer um esforço sobre-humano para descolar seus lábios dos dele.

- Não! - Havia uma nota de desespero em seu grito. Eugène afastou-se ligeiramente. Estava escuro demais para se poder notar sua expressão.

- E por que não?- Porque não quero.- Mas é claro que quer.- Não! - Talvez porque tivesse de lutar contra Eugène e

contra si mesma a negativa foi exprimida com veemência ainda maior.

- Não minta, Marcella.- Não estou mentindo - ela murmurou, reprimindo as

lágrimas.- Está, sim, querida. Diga-me, você mente só para mim

ou mente também para você mesma?Um dedo acariciou-lhe ligeiramente o pescoço e,

descendo, roçoulhe os seios. Ela não conseguiu controlar o tremor, diante daquela nova manifestação de sensualidade.

- Está vendo, Marcella? Você está querendo tanto quanto eu. Era difícil negar, principalmente quando cada fibra

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 de seu ser ardia de desejo para que aquele corpo viril dominasse o seu. Tudo que lhe restava fazer era ficar imóvel, esperando que as ondas de prazer abrandassem.

- Por que está lutando contra mím, Marcella?- Você bem sabe a resposta.- Quer permanecer virgem até o dia de seu casamento?- Sim. - Era parcialmente verdade. Não poderia permitir

que Eugène a possuísse. Se ele o fizesse, a dor da partida, quando chegasse o momento de deixar Rusvlei, seria muito pior. Não podia mais negar a si mesma que seria muito doloroso nunca mais voltar a ver Eugène.

- Pelo visto, você está mesmo disposta a provar alguma coisa.

- E não provei?- Sim, mas como uma garota ligeiramente imatura. Uma

mulher madura age diferentemente.- Uma mulher madura como Yvette Stacy?- Exatamente.Roumayne permaneceu imóvel durante alguns

momentos, sentindo todo o impacto que aquelas palavras provocavam nela. Eugène sentou-se. Roumayne sentiu-se abandonada, pois fazia-lhe falta o cor tato daquele corpo.

Eugène - disse finalmente -, há algo que não compreendo, quando você casar, não quer que sua noiva seja virgem? Ele riu, fazendo-a sentir-se muito imatura e vulnerável.

-Você me fez a mesma pergunta da última vez que nos vimos.

-Você acha realmente que a virgindade é o único padrão pelo qual se mede o desejo, Marcella? Você precisa compreender que quando eu me casar minha noiva deve ser uma mulher que deverá me satisfazer em todos os sentidos.

- E não é meu caso? - Tomou instantaneamente consciência de que aquela pergunta nada tinha a ver com Marcella.

- Você mesma já deu a resposta.Seu rosto parecia pegar fogo, enquanto ela se dava

conta de que aquele diálogo era o mais ousado e despudorado que tivera até então. Encontrava-se em uma

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Page 78: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 situação tremendamente comprometedora e jamais pudera imaginar que as coisas haviam de chegar àquele ponto, quando se envolvera com Marcella.

Eugène voltou a rir, mas desta vez havia uma certa sedução no modo como ele se expressava. com que então ele a achava divertida, pensou Roumayne, com súbita amargura.

Talvez a verdadeira Marcella lhe causasse uma impressão mais forte. Era altamente improvável que a garota ainda fosse virgem e sua personalidade talvez contivesse aquele grau de petulância que Eugène parecia desejar em uma mulher.

- Eu acaso a ofendi?- De certo modo, sim. Nenhuma mulher gosta de

imaginar que não é desejada.- Você está mesmo disposta a provar que me atrai, não

é mesmo?Não teve nem tempo de pensar em uma resposta, pois

aquele corpo enorme deitou-se mais uma vez sobre o seu, inundando-a com aquele odor viril e embriagador, tornando-a trémula de desejo, enquanto suas mãos, lábios e língua acariciavam-na e provocavam-na, levando suas emoções a um ponto de excitação insuportável. Todo vestígio de raciocínio desapareceu, afogado pelo desejo de ser parte daquele homem vibrante e de prolongar aquele momento quanto pudesse.

Subitamente ele a repeliu, sentando-se e deixando-a imensamente Magoada.

- Mas o que houve?- Nada. - Havia um certo ressentimento no modo como

ele exprimia.- E então?. . .- Você não está pronta para isto. Vista a blusa, Marcella.O impacto que aquela ordem provocou deixou-a

atordoada. Roumayne encarou-o indefesa, invadida por um tremor que não conseguia mais controlar. Aquela rejeição a deixara mais magoada do que se ele a tivesse atacado fisicamente.

Ele abotoava a camisa com gestos lentos e compassados. Sua respiração ligeiramente alterada era o

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Page 79: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 único indício de que suas emoções haviam se alterado.

Subitamente Roumayne sentiu que não conseguiria mais suportar tamanha frieza. Pôs-se de pé e saiu correndo em meio à escuridão. Deteve-se unicamente quando tropeçou em uma raiz e caiu. Atordoada, permaneceu imóvel. Deu-se conta aos poucos de que em sua pressa deixara a blusa desabotoada e as lágrimas corriam-lhe rosto abaixo.

Ficou na dúvida se Eugène a seguiria, mas nenhum ruído se fazia ouvir e constatou que ele decidira deixá-la voltar sozinha para casa.

Sentiu-se infeliz e solitária. Começou a chorar, pondo para fora toda a mágoa, a frustração e as tensões acumuladas. Finalmente levantou-se e abotoou a blusa. Em uma tentativa vã de melhorar a aparência ajeitou o cabelo todo revolto.

Só lhe restava esperar que os avós tivessem ido se deitar e que ela não tivesse de defrontar-se com eles. Tomada de profunda infelicidade regressou para a sede da fazenda. A sorte mais uma vez estava do seu lado. A não ser uma luz em seu quarto, o resto da casa estava às escuras.

Ficou durante muitas horas sem conseguir conciliar o sono, entregue a seus pensamentos. O cheiro das flores entrava pela janela aberta e o barulho dos tambores continuava a soar à distância. Tudo aquilo não contribuía em nada para ajudá-la a pensar. Mais do que nunca Roumayne precisava pensar. Tomada de súbita energia, fechou a janela e voltou para a cama.

Naquela noite tentara provar algo a Eugène, mas não havia conseguido. Em vez disso, havia coisas que provara a si mesma. Era inútil prosseguir fechando os olhos àquilo que era um fato objetivo ou fingir que esse fato não existia. Precisava enfrentar a realidade ou perder para sempre a última oportunidade de construir sua existência.

Estava apaixonada por Eugène. Sabia disso há algum tempo, apesar de tentar convencer a si mesma que o que sentia por ele não pastava de atração física. Agora sabia por que fora tão simples superar a deslealdade de Alec. O que ela acreditava ser amor não passava de afeto. Um grande afeto, claro, mas que nem de longe se comparava às emoções que

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 agora sentia, em relação a Eugène.

Bastava fechar os olhos para ver a figura de Eugène em toda sua força e masculinidade, que o colocavam acima de todos os homens que conhecera até então. Via seu peito bronzeado e musculoso, os traços admiráveis, conseguia sentir o toque de suas mãos em seu corpo e seus lábios sensuais que abriam os dela. Como se ele estivesse no quarto com ela, foi invadida por uma onda de desejo que a deixou completamente tonta.

Não podia permitir que aquela situação persistisse. Não havia o menor futuro em tudo aquilo. Quando o caso de Marcella com André terminasse, Roumayne teria de deixar a fazenda e se sentiria ainda mais infeliz do que quando chegara. Pensou em Rusvlei, tomada da mais profunda melancolia. Como a paz e a beleza daquele lugar haviam-na deixado encantada! Era o paraíso que procurara, o refúgio onde tivera condições de recuperar-se do trauma produzido pelo julgamento. E no entanto tinha feito muito mal em ir para lá.

O choque e a infelicidade provocados por tudo aquilo haviam-na levado a tomar uma decisão precipitada. Agora tinha certeza de que quaisquer que fossem as circunstâncias, ela fizera muito mal em concordar com aquela farsa. Como se sentiriam os avós de Marcella se acaso descobrissem? Qual seria a reação de Eugène, na eventualidade pouco provável de desposar Marcella, ao verificar que a garota com quem noivara não era a mesma com quem casara? Eugène não correspondia à descrição que Marcella fizera dele. Qualquer homem ficaria zangado ao descobrir a verdade. Ocorreu a Roumayne que a cólera de Eugène seria qualquer coisa de terrível.

Marcella traçara seus planos com grande cuidado e as possibilidades da fraude ser descoberta eram bastante remotas. As considerações de Roumayne eram portanto um tanto hipotéticas. Na verdade o dado mais importante jamais havia lhe passado pela cabeça.

Nunca lhe ocorrera que acabaria se apaixonando pelo fazendeiro desinteressante e aborrecido que Marcella lhe descrevera. Concordara em vir para Rusvlei porque aquele

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 lugar lhe parecera um refúgio após experimentar a hostilidade assustadora daqueles que acreditavam erroneamente ter ela assassinado Jackie James, além do fato de ter ficado extremamente chocada com a ruptura do noivado.

No entanto a infelicidade que enfrentara em Johannesburg não seria nada em comparação com o que teria de suportar se permanecesse na companhia do homem a quem amava e que em nenhuma circunstância poderia lhe pertencer. Agora que se permitira admitir a verdade, sabia que não poderia mais prosseguir fingindo. Estava pagando um preço demasiado alto por tudo aquilo.

Como suportaria continuar vendo o homem a quem amava, como permitiria que ele a beijasse e acariciasse, quando sabia que não havia a menor possibilidade de virem a compartilhar o futuro?

Havia ainda outras considerações, em nível mais pessoal e egoísta. Aos vinte e dois anos Roumayne ainda era suficientemente jovem pára ter diante de si toda uma vida, um lar, filhos. Seria esperar demais que, a despeito de tudo o que ocorrera, ela se casasse um dia? Por que se apaixonara loucamente por um homem fora de seu alcance queria dizer que teria de passar o resto de seus dias na mais absoluta solidão? Claro que não. Talvez nunca mais voltasse a amar como amava agora, mas quem lhe garantia que não conheceria outro homem e se sentiria suficientemente atraída por ele para garantir a oportunidade de ser feliz?

Esta possibilidade certamente existia, disse a si mesma com firmeza, mas não haveria a menor chance de uma felicidade futura se não parasse de ver Eugène o mais cedo possível. Tomada de profunda angústia, compreendeu que após ter conhecido e amado Eugène, qualquer homem que a atraísse teria de ser fora de série.

Uma coisa era saber que tinha de partir de Rusvlei, outra completamente diferente era consegui-lo. Não podia simplesmente desaparecer da fazenda. Tirando a angústia que causaria aos avós, não tinha o menor direito de comprometer Marcella. O que a garota planejara era profundamente desonesto, mas era uma desonestidade com a qual Roumayne concordara. Naquelas circunstâncias era

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Page 82: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 obrigada a demonstrar lealdade. Era tarde demais para formular juízos de valor sobre a integridade de Marcella.

A solução ocorreu-lhe subitamente e era tão simples que ficou maravilhada por não ter pensado nela antes. Escreveria para Marcella, pedindo-lhe que voltasse imediatamente para Rusvlei. Tinha seu endereço e escreveria a carta assim que acordasse.

Tendo chegado a uma resolução, Roumayne agora podia conciliar o sono. No entanto, ao cerrar os olhos, sabia que não experimentava a menor alegria.

CAPÍTULO VII

Na manhã seguinte, sentada na varanda, Roumayne escreveu a carta. Não deu a Marcella nenhuma explicação complicada; simplesmente disse-lhe que não tinha mais condições de permanecer em Rusvlei e pediu que providenciasse sua volta o mais cedo possível.

Assim que cerrou o envelope, colocou-o no colo e ficou entregue a seus pensamentos. Ainda não havia decidido para onde iria após deixar Rusvlei. Johannesburg estava fora de cogitações, pois as lembranças que aquela cidade despertava ainda doíam demais. Quem sabe Durban ou a Cidade do Cabo. . . Esta última era muito bonita e lá ninguém a conhecia. Os primeiros meses seriam difíceis, especialmente até encontrar um emprego. O dinheiro que Marcella lhe prometera àquelas alturas seria providencial, mas ela não tinha condições de esperar por recompensas financeiras. O preço a pagar era alto demais.

Como iria sentir falta da beleza quase mística daqueles campos, da calma reinante na fazenda e da paisagem que se estendia a perder de vista. . . O sol estava a pino, mas a varanda proporcionava uma sombra agradabilíssima. Lá reinava a mesma tranquilidade que no resto da fazenda. As cadeiras de cana-da-índia eram velhas, mas as almofadas de cores berrantes tornavam-nas confortáveis. O chão, forrado de lajotas, apresentava manchas úmidas no lugar onde a avó havia regado suas amadas plantas. Em matéria de conforto Rusvlei não podia comparar-se com a Fazenda dos Hibiscos,

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 mas mesmo assim possuía um encanto que Roumayne dificilmente encontraria em outro lugar.

Roumayne contemplou avidamente a paisagem, desejando gravá-la para sempre em sua mente. Haveria de lembrar-se daquilo toda vez que se sentisse deprimida e desanimada. O cume das montanhas distantes ainda estava envolvido pela bruma, contudo as encostas eram claramente visíveis. Aqui e ali havia alguns rochedos pontiagudos, mas a maior parte das montanhas estava coberta por florestas.

Planejara explorá-las algum dia, porém agora essa ideia lhe parecia remota.

No sopé das montanhas espalhavam-se as fazendas, os laranjais de Rusvlei e as plantações de tabaco da Fazenda dos Hibiscos. Ouviu-se de repente um barulho infernal, quando os cachorros, latindo furiosamente, avançaram sobre um bando de macacos que, fazendo muita algazarra, saíram correndo em direção à árvore mais próxima. Saltando de galho em galho, fizeram caretas para os cães, que ladravam frustrados.

Roumayne estava tão absorvida na contemplação de tudo aquilo que não ouviu o barulho de um cavalo que se aproximava. Subitamente uma voz indagou:

- Em que será que você está pensando? Assustada, voltou-se e o coração batia-lhe no peito.

- Não estava pensando em nada de especial. . . - gaguejou, esforçando-se por manter o olhar fixo na paisagem. Não queria olhar para Eugène. Aquele rosto deixava-a excessivamente perturbada.

- Vamos dar um passeio a cavalo.- Eu não vou, não - ela protestou, com ênfase um tanto

exagerada. Sua voz tremia ao pensar que poderia ficar novamente a sós com Eugène.

- Vai, sim - ele retrucou, sem nenhuma aspereza, mas num tom que não admitia réplicas. - Seu cavalo já está sendo preparado. Vá se trocar.

- Você parece ter todas as respostas prontas, não? - Lembrou-se da primeira vez que ele lhe ordenara saírem juntos a cavalo. Como sentira medo! Naquele momento receara o cavalo, mas agora temia o homem.

- É mesmo?

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28

Seus olhos percorreram-na, registrando o leve tremor de seus lábios e ela se deu conta de que Eugène recordava tão bem quanto ela a cena amorosa da noite anterior.

Saberia que ela estivera a ponto de entregar-se totalmente? Ficou intensamente corada e notou o brilho malicioso de seu olhar. Isto foi o suficiente para compreender que nada, absolutamente nada, lhe passava despercebido.

Decidiu que era muito melhor manter sua dignidade intacta em vez de continuar uma discussão em que Eugène acabaria levando a melhor. Levantou-se, segurando a carta para Marcella. Eugène percebeu e ela divertiu-se interiormente, pensando o que ele diria se soubesse para quem a carta se destinava.

- Não demore - ordenou Eugène.- vou demorar quanto for preciso - retrucou, sorrindo

maliciosamente. Ele não respondeu e ela ficou contente ao constatar que finalmente coubera-lhe a última palavra.

Da primeira vez que cavalgaram juntos haviam atravessado as plantações e Eugène combinara o prazer com o trabalho. Desta vez tomaram um caminho inteiramente oposto.

Em breve estavam em plena savana. A trilha era bastante estreita. Eugène ia à frente e Roumayne podia contemplá-lo à vontade. Como da vez anterior, notou quanto cavalo e cavaleiro combinavam. Fora-lhe impossível recusar o convite de Eugène, a não ser embarcando em uma discussão que certamente não teria levado a nada, mas ficara contente por ter escrito para Marcella. A proximidade de Eugène mexia demais com suas emoções. Quanto mais cedo partisse daquele lugar e recuperasse seu equilíbrio, melhor para ela.

Fez um enorme esforço para parar de pensar em Eugène e abandonar-se à alegria de cavalgar, que surpreendentemente era muito mais simples do que imaginava. Para onde quer que seu olhar se dirigisse, estendia-se a savana, carregada de mistérios, exercendo uma estranha magia que nunca deixava de comover Roumayne.

A trilha tornou-se mais larga e Eugène diminuiu a marcha, permitindo que o cavalo de Roumayne emparelhasse com o dele.

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- Está contente por ter vindo?- Ah, sim! - Pela primeira vez conseguia falar com ele

natu ralmente. - Isto aqui está uma maravilha.Ele não respondeu, mas seu sorriso fez com que o

coração de Roumayne batesse com mais força. Era esta a imagem que guardaria dele, decidiu Roumayne. Alto, atlético, cavalgando com destreza aquele imponente garanhão, os cabelos revoltos pelo vento e os olhos que sorriam. Aquele bem podia ser o último dia que passava na companhia de Eugène. Esta era a visão que queria guardar na retina e que haveria de persistir durante muitos anos - talvez mesmo durante toda sua vida.

Desmontaram às margens de um riacho, que serpenteava através dos tufos de capim. À sua margem cresciam alguns chorões e o só refletindo-se na água, produzia o efeito de milhares de diamantes.

- Mas que lugar fantástico!- É mesmo - concordou Eugène.- Você já tinha estado aqui?- Claro. Não se importa se falarmos de um outro

assunto, Marcella?Havia algo em seu tom que dissipou todo o entusiasmo

de Rou mayne. Seus olhos eram enigmáticos e era impossível decifrar o que eles expressavam.

- Quero que você case comigo - disse Eugène, com a maior calma.

- O quê? - Ela encarou-o atónita, imaginando se tudo aquilo não passava de um sonho.

- Pedi a você que case comigo.- Oh, Eugène! - Contemplou-o sem conseguir disfarçar a

alegria de que estava possuída.O comentário que se seguiu trouxe-a de volta à

realidade de uma maneira quase cruel.- Por que você ficou tão surpreendida, Marcella? Afinal

de contas, este tem sido o seu objetivo há muito tempo.Tudo se esclareceu. Durante alguns momentos de

loucura ela fora invadida por uma sensação de felicidade como jamais experimentara acreditando que era ela, Roumayne, que Eugène queria desposar. Mas claro que as

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 coisas não se passavam dessa maneira. Era incrível que ela pudesse ter agido tão tolamente! O pedido de Eugène era dirigido a Marcella. A compreensão desse fato funcionou como uma verdadeira ducha de água fria.

- É isso mesmo. É de fato o que eu queria, não?- Mas então por que ficou tão surpreendida?- Porque. .. bem, porque até agora você não havia

demonstrado maior entusiasmo em relação ao assunto.- Mudar de ideia não é uma prerrogativa unicamente

feminina. Você ainda não me deu uma resposta.Mas o que estava ela esperando? Chegara finalmente o

momento pelo qual tanto ansiara. Escrevera a Marcella, pedindo-lhe que viesse e sabendo muito bem que quando partisse de Rusvlei não teria um tostão no bolso. Agora, num minuto, tudo mudara. Marcella, ao regressar, encontraria um noivo à sua espera e Roumayne teria meios de começar vida nova. Era esquisito, mas a perspectiva de ir embora sem um tostão no bolso parecia-lhe muito mais atraente. . .

Durante a noite repetira muitas vezes a si mesma que não teria o menor futuro ao lado de Eugène. Em consequência, a lógica dizia-lhe que ela devia ficar satisfeita, pois pelo menos obteria uma recompensa por ter desempenhado uma tarefa. A lógica, entretanto, não interferia em nada daquilo. Sabia apenas que era-lhe insuportável imaginar a egoísta e mercenária Marcella casando com Eugène.

Ele continuava à espera de uma resposta. Não lhe restava a menor escolha.

- Eu me casarei com você, Eugène - declarou, tentando exprimir-se com firmeza.

Ele segurou-lhe o queixo, fazendo-a levantar a cabeça, e nesse momento notou que seus olhos estavam marejados de lágrimas.

- Você, na realidade, não quer casar comigo, Marcella,- Quero. Quero muito! - O toque de seus dedos deixava-

a desesperada. Tentou afastar-se, mas a mão dele não a soltou. com a outra mão ele começou a acariciar-lhe o braço, causando a sensação de que uma torrente de fogo percorria-lhe o corpo da cabeça aos pés.

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- Por que se sente tão infeliz?- Não estou infeliz.- Você está fazendo isto para agradar seus avós? - ele

insistiu, contemplando-a fixamente.- Claro que não. - Procurou de todos os modos mudar de

assunto. - É que.. . bem, devo admitir que fiquei intrigada. Você não disse sequer uma palavra a respeito de. . . a respeito de amor.

Ele parou de acariciá-la e riu ironicamente.- Será que você não está forçando um pouco a barra,

Marcella? Primeiro você tenta convencer-me a casar com você. Agora que conseguiu seu objetivo interroga-me a respeito de amor.

- Mas por que você me pediu em casamento, Eugène? - A curiosidade deu-lhe forças para enfrentar seu olhar irónico.

- Isto, minha querida, é algo que me diz respeito - foi a resposta enigmática. - Assim como as razões que você tem para me aceitar também dizem respeito unicamente a você.

O que teria levado Eugène a tomar semelhante atitude? O que importava? Marcella não o amava e ficara bastante evidente que ele também não a amava. Cada um deles, porém, tinha determinadas razões para desejar aquela união e, quem sabe, com o correr do tempo acabariam por conseguir o que pretendiam. Os poetas jamais diriam que aquele casamento fora tramado no céu, mas, levando em conta a natureza e as motivações dos dois, talvez a união fosse um sucesso. No que lhe dizia respeito, Roumayne sabia que preferia ficar sozinha durante toda a vida a contrair um compromisso daquela natureza, usando de tamanha premeditação.

Acabara-se toda a alegria que até então estava sentindo. Desde o início soubera que Eugène jamais poderia ser seu. No entanto, quando a pedira em casamento, ela se sentiu possuída de tamanha felicidade que chegara a esquecer seu papel. A volta à realidade trouxera consigo uma sensação de desapontamento e desalento. O pensamento de que Marcella seria a esposa do homem que Roumayne amava chegava a causar-lhe uma pontada no coração.

Assim que chegasse à sede da fazenda abriria o

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 envelope e acrescentaria um post-scriptum à carta. Aquela notícia com toda certeza faria com que Marcella regressasse rapidamente para casa. Roumayne já não aguentava mais aquela espera. Cada dia a mais que passava em Rusvlei aumentava sua infelicidade. .

- Muito bem, Marcella, vamos selar nosso compromisso com um beijo? - Apesar de Eugène exprimir-se com ironia proposital, seus olhos tinham uma expressão muito especial.

Não se tratava de amor e nem de ironia. Era algo que Roumayne não compreendia mas que a afetava intensamente.

No momento não lhe restava outra opção a não ser prosseguir com a farsa.

- Mas é claro que sim! - Encarou-o, forçando-se a sorrir. Enlaçou-lhe o pescoço, em uma paródia do que seria a noiva feliz. Ele jamais deveria saber que o gesto, naquele contexto, era uma verdadeira tortura.

Seu beijo foi superficial, respeitoso, totalmente desprovido de paixão ou ternura. Ocorreu a Roumayne que Eugène, como ela mesma, estava desempenhando um ritual por uma pura questão formal. Não se tratava exatamente do que ele queria, mas na presente circunstância este era o comportamento correto.

Intrigada, deixou os braços caírem e levantou a cabeça, para encará-lo. Não havia nada que lembrasse o amor nos olhos que a contemplavam. Eram sardónicos e impenetráveis.

- Nós dois sabemos beijar muito melhor - ele comentou calmamente, como se estivesse respondendo a uma pergunta que não fora formulada. Roumayne sabia que ele estava recordando a cena de paixão da noite anterior. Não conseguiu dominar o rubor que invadiu seu rosto e nem o súbito tremor das pernas.

Quando ele voltou a falar sua voz era baixa e sedutora.- Sei que isto não passa de uma formalidade, mas

vamos tentar novamente?- Você é de um cinismo!- É uma qualidade que compartilho com você, Marcella.

Isto não impede, porém, que a gente se divirta um com o outro.

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Sem pensar no que fazia, Roumayne tentou desvencilhar-se dele. Naquele momento ela não era Marcella, que acabara de ficar noiva, e sim Roumayne, que não conseguia suportar que o homem a quem amava estivesse se divertindo às suas custas.

- Não! - exclamou.- Sim, minha futura esposa. . .Ele deixara de lado a ironia, que dera lugar a uma

atitude enérgica. Não havia a menor indulgência nos braços que a apertaram e dos quais ela não conseguia desvencilhar-se.

Por um breve momento Roumayne ainda tentou evitá-lo, desviando a cabeça daquela boca que se aproximava. Ele, no entanto, agiu com demasiada rapidez. Seus lábios colaram-se aos dela, e desta vez não havia a menor ternura em seu beijo. Como se quisesse puni-la por sua tentativa de fuga, seus lábios eram possessivos e impiedosos.

Sentiu-se como se uma corrente de fogo estivesse circulando por suas veias. Jamais em toda sua vida tivera tamanha consciência da existência de uma outra pessoa.

Queria estar junto a ele, queria ser parte dele. As batidas do coração de Eugène diziam-lhe que a desejava tanto quanto ela.

Todo pensamento racional deixou de existir. Mais tarde ela ficou imaginando o que teria acontecido se ele não tivesse agido como agiu, afastando-a de si. Tremendo, olhou-o através de um véu de lágrimas. Amava-o tanto. . . Acaso teria tido a força de resistir se ele tivesse insistido em dar o passo final, possuindo-a inteiramente.

- Eu bem disse a você que éramos competentes. . . - Sua voz era uma carícia quente e ela ainda se encontrava suficientemente próxima dele para ouvir sua respiração alterada e as batidas fortes de seu coração. Contemplava-o perturbada, incapaz de dizer o que quer que fosse.

- Você bem que tinha razão, Marcella. Esta é uma área em que nós, sem dúvida, nos daremos muito bem.

Mas isto não acontecerá. Não sou Marcella. Sou Roumayne e c amo. Você, no entanto, estará fazendo amor com uma mulher que nem mesmo se importa com você, e

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 que enquanto isso estará pensando em seu francês fogoso. Enquanto que eu. . . estarei entregue à minha solidão, tentando achar um emprego em um lugar onde ninguém me conheça, tentando não pensar em você e incapaz de construir uma vida ao lado de quem quer que seja.

Naquele momento Roumayne teve certeza de que aquilo contra o que tentara lutar na verdade tinha acontecido. Eugène destruíra qualquer oportunidade de uma felicidade futura ao lado de um outro, homem. Teria de passar o resto da vida sozinha.

- Vamos dar a notícia a seus avós?Roumayne concordou. Que importância tinha o fato de

ele encarar sua incapacidade de exprimir-se como um sinal de emoção? Eugène não podia saber que aquilo que ele julgava ser alegria era na realidade uma infelicidade tamanha que se ela tentasse falar acabaria chorando.

Montaram seus cavalos em silêncio. Num determinado momento percebeu que Eugène a encarava. Em seus olhos havia uma expressão que ele não tentava disfarçar. Não era amor o que ela via lá e sim uma mistura de curiosidade e satisfação, além de algo mais. Prendeu a respiração.

- Teria de comprar um anel. Como será?Roumayne fechou os olhos por um segundo. Em seus

pensamentos conseguia enxergar o anel que haveria de querer se de fato estivesse para casar com Eugène. Seria muito antigo, feito de filigrana de prata, com um topázio no centro. Ela e Alec tinham descoberto um anel daqueles em uma loja de antiguidades, porém ele não gostara.

Insistia em comprar algo bem mais convencional.- Um diamante? - propôs Eugène.Roumayne abriu os olhos. Claro! Tinha de ser um

diamante. Nada agradaria tanto a Marcella. Eugène não tirava os olhos dela, à espera de uma resposta.

- Claro! E quanto maior, melhor. . .- Você é mesmo mercenária, Marcella. Seus avós

pensam que Paris transformou-a em um anjo, mas você não perde a antiga forma, não é mesmo?

- E daí? Você ainda quer casar comigo?- Claro. Não a teria pedido em casamento, se esta não

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 fosse minha intenção. Não cometa porém o erro de pensar que me enganou, Marcella.

Mas acontece que Marcella o enganou. E eu também. Você está sendo vítima de uma farsa e não merece, pensou Roumayne.

Tomada de confusão, Roumayne baixou os olhos. Como fora permitir que Marcella a envolvesse naquela situação desonesta? Nem mesmo a dor que sentira após o julgamento não deveria ter sido motivo suficientemente forte para consentir em viver aquela mentira. Tentou recordar o ódio e a amargura que experimentara. Amargura diante de um mundo que não acreditava nela, e de um noivo incapaz de suportar o peso daquela situação. Uma amargura tão intensa que não lhe ocorrera que ao aceitar o esquema de Marcella ela estaria prejudicando gente honesta.

Por mais estranho que parecesse agora tornava-se difícil evocar aquela amargura. Em um determinado sentido Rusvlei a curara, exatamente como ela havia esperado.

Jamais, porém, pudera imaginar que aquele lugar seria o cenário de tanta infelicidade.

- Em que será que você está pensando?- Em nada. - Tentou em vão deter as lágrimas que lhe

afloravam teimosamente aos olhos.Os cavalos haviam diminuído o passo. Eugène freou o

garanhão.- Olhe para mim, Marcella.Roumayne obedeceu-o e sentiu um desejo maluco de

atirar-se em seus braços e confessar tudo o que estava sentindo naquele momento.

A ideia deixou-a perturbada. O que Eugène diria? O que faria? Começaria pelo princípio e contaria tudo o que havia acontecido. Ele a tomaria nos braços e lhe proporcionaria todo o consolo de que tanto necessitava. E em seguida diria que a amava. . .

Não! Sacudiu a cabeça com impaciência, aborrecida consigo mesma por estar fantasiando tanto. Por uma série de razões não poderia confessar. E quanto à reação de Eugène, suas divagações não tinham a menor razão de ser. Ele entraria em um estado de cólera, por ter sido enganado, e

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Page 92: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 isso seria terrível. À cólera se seguiria um profundo desprezo. Não, Eugène jamais poderia saber a verdade.

Sentiu-se aliviada ao ver que ele não fazia o menor comentário sobre suas lágrimas.

- Vamos indo. - Foi tudo o que disse. Havia algo em seu tom que fazia com que a quase ordem soasse como uma carícia.

Os avós ficaram contentíssimos com a notícia do noivado. Crivaram o casal de perguntas diante das quais Roumayne permaneceu em silêncio, deixando Eugène dar as respostas.

Ela poderia levar aquela farsa até determinados limites. Era impossível falar por Marcella sobre um assunto que tinha prolongamentos no futuro e que era tão intensamente pessoal.

Mas mesmo que tais escrúpulos não existissem, Roumayne não conseguiria se expressar. Sua resistência também tinha limites. As lágrimas que haviam surgido nos momentos em que estivera a sós com Eugène ainda não haviam desaparecido e lutavam para sobrepujar seu sorriso por demais forçado.

No exato momento em que Roumayne estava a ponto de não conseguir mais suportar toda aquela tensão, Eugène consultou o relógio e levantou-se.

- Está na hora de ií embora. Tenho de ganhar a vida, e agora mais do que nunca, pois em breve terei uma esposa.

- Correto! - concordou Roumayne, tentando afetar a desenvoltura de Marcella, - Veja se dá conta do recado direitinho.

- Marcela! - exclamou o sr. Du Toit, chocado. - Que absurdo dizer uma coisas dessas a seu noivo!

- Não, em absoluto - retrucou Eugène, tentando tranquilizar o avô, com um brilho irónico no olhar. - Marcella e eu nos compreendemos muito bem.

Aproximou-se de Roumayne e passou o braço em torno de seus ombros. Apesar de ela saber que o gesto tinha como objetivo agradar os avós, seus sentidos reagiram àquela proximidade perturbadora. Tentou não pensar na virilidade envolvente de Eugène e se ele sentira o tremor que

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 percorrera todo seu corpo ao sentir aquele toque.

Se isto de fato aconteceu, ele não deu a menor demonstração. Curvou-se, depositou um beijo casto em seu rosto e disse:

- Escolherei o anel em breve. Até logo, meu amor.Assim que Eugène saiu os avós, muito excitados,

quiseram saber mais coisas, mas Roumayne pretextou uma dor de cabeça, declarando que precisava deitar.

- Foi um grande dia na vida de Marcela, Jan. É compreensível que ela precise de um certo tempo para refletir.

Assim que entrou no quarto, Roumayne deu livre curso às lágrimas reprimidas há tanto tempo. Chorou por Eugène e pelo amor que encontrara, que ganhara para Marcella e perdera para si mesma.

Mais tarde, levantou da cama. As lágrimas haviam secado e agora sentia-se atordoada. Foi até o banheiro, lavou o rosto e saiu de casa sem que ninguém percebesse.

Atravessando rapidamente o jardim tropical da sra. Du Toit, Roumayne encontrou o atalho de sua predileção, que terminava no topo de uma pequena colina. Pouca coisa crescia naquele terreno rochoso, exceto alguns arbustos espinhosos. Roumayne descobrira aquele lugar nos primeiros dias que chegara à fazenda e sentia-se frequentemente atraída por ele, especialmente quando queria estar a sós com seus pensamentos.

Sentou-se sobre uma pedra e contemplou o panorama à sua volta. Diante dela sucediam-se as fazendas. Podia perceber o pomar de Rusvlei e as plantações de tabaco da Fazenda dos Hibiscos. Desviou de propósito os olhos das terras de Eugène e contemplou as montanhas distantes.

Sentiria falta de tanta coisa quando deixasse Rusvlei. .. A perda de Eugène lhe causaria uma mágoa incomensurável, da qual dificilmente se recuperaria.

Mas havia muitas outras coisas de que sentiria saudades. Durante o tempo de sua permanência, Roumayne acabara por amar o lar de Marcella e frequentemente admirava-se ao constatar como fora possível ela permanecer afastada tanto tempo. Em seus longos passeios pela savana,

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Page 94: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 Roumayne absorvera muito de sua atmosfera tão especial, que lhe proporcionava ao espírito uma sensação de reconforto e segurança.

O sol de meio-dia queimava forte, mas uma ligeira brisa agitava os galhos das acácias e refrescava o corpo suado de Roumayne. Sobre a colina reinava o maior silêncio, interrompido de quando em quando pelo zumbido de insetos, um som que fazia parte da savana tanto quanto os arbustos espinhosos e o sol.

Dentro de alguns dias ela partiria de lá. Marcella não levaria muito tempo para voltar. Quando lesse o post-scriptum da carta teria mais de um motivo para retornar imediatamente. Roumayne não sentia a menor alegria em saber que tinha cumprido sua missão. O pensamento de que Marcella seria a esposa de Eugène, compartilharia seu nome, sua casa e sua cama provocava-lhe uma angústia infinita. Talvez, se a futura esposa de Eugène estivesse à altura dele, Roumayne encontrasse algum consolo em pensar que o homem a quem amava seria feliz. Marcella, porém, era vazia e calculista e queria Eugène unicamente pelos bens materiais que ele lhe podia proporcionar.

Como Marcella ficaria surpreendida quando Roumayne desistisse das recompensas prometidas! Fora somente hoje, no topo da colina que Roumayne chegara conscientemente àquela decisão, mas sabh que o pensamento a acompanhara durante muito tempo. Não aceitaria um centavo por sua participação em toda aquela trama.

A vida seria dura nos primeiros tempos, mas o que quer que fosse que o mundo pensasse a respeito de sua suposta negligência, Roumayne era uma enfermeira competente.

Encontraria um emprego num lugar onde ninguém a conhecesse e seu salário seria suficiente para sustentá-la. Teria de viver com certa parcimônia, mas pelo menos manteria o respeito por si mesma, o que aliás acabaria por perder se aceitasse o dinheiro de Marcella.

Graças a Deus tinha uma carreira. Sabia agora que jamais haveria de casar. Não devia a menor lealdade a Eugène, mas seria um erro casar com outro homem quando o amava. Sempre se sentiria tentada a estabelecer

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 comparações, nas quais um outro homem acabaria perdendo, o que não deixava de ser injusto. Pelo menos a enfermagem era uma ocupação compensadora. Daria a ela seus melhores esforços, pois fora tudo que lhe restara.

Roumayne sentia-se muito calma quando voltou da colina. Havia tomado uma decisão e encontrava-se bem consigo mesma. Era de se esperar que não se sentisse feliz.

Só lhe restava esperar o dia em que suas recordações não lhe provocariam mais a dor que sentia naquele momento.

Encetou o longo caminho de volta para Rusvlei. Na estrada principal havia uma caixa dos correios. Nela colocou a carta que escrevera para Marcella.

CAPÍTULO VIII

Um raio de sol incidiu sobre o anel e o brilhante luziu de um modo que deixou a todos de boca aberta. Era uma pedra enorme, cristalina, maravilhosa. Mesmo sem a ajuda do sol tinha um brilho e uma vida toda sua. Sentada no topo da colina, Roumayne levantou a mão e olhou o anel sob um outro ângulo, intrigada pela multiplicidade das cores.

No que lhe dizia respeito teria preferido o antigo anel de seus sonhos. Marcella, no entanto, ficaria bastante contente com este brilhante. Roumayne desconhecia e não se importava com o preço que Eugène tinha pago por ele, mas percebia que devia ter custado muito caro. Sabia também que para Marcella o anel não representaria um penhor da estima que Eugène sentia por ela e sim a promessa de todos os confortos mundanos que lhe pertenceriam no futuro.

A lembrança de Marcella deixou Roumayne instantaneamente preocupada. Por que estaria demorando tanto? Já deveria ter chegado em Rusvlei. Todo dia Roumayne esperava por uma carta, comunicando a chegada de Marcella e seus planos relativos ao modo como trocariam de papel. Já haviam se passado dez dias desde que Roumayne escrevera, pedindo-lhe que voltasse. Era um período mais do que suficiente para Marcella responder. Seu silêncio levou Roumayne a pensar que ela talvez não tivesse recebido a carta. Estava começando a imaginar que talvez Marcella e seu

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Page 96: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 fogoso francês tivessem decidido viajar para algum outro lugar. Se isto fosse verdade não haveria como prever a data de sua chegada.

Estava perturbada quando desceu da colina e tomou o atalho que levava a Rusvlei. Os avós estavam dando uma festa para comemorar o casamento.

No estado de excitação em que se encontravam tinham pretendido dar a festa mais cedo. Roumayne tinha feito o possível para dissuadi-los da ideia, mas o máximo que conseguiu foi um adiamento.

Certa de que Marcella voltaria brevemente, satisfizera-se com essa solução.

Mas à medida que os dias passavam e Marcella não dava sinal de vida, Roumayne começou a ficar preocupada. O pensamento de ter de representar o papel de noiva que irradiava felicidade era-lhe cada vez mais antipático.

Certa vez, como quem não queria nada, disse a Eugène que não achava que a festa fosse uma boa ideia, porém não recebeu dele o menor apoio.

- Que bobagem, Marcella! Melhor que ninguém você sabe como gosto de ser o centro de atenções. - Seu tom era caçoísta, porém ao contemplá-lo viu que havia um brilho enigmático em seu olhar.

Mais uma vez Roumayne pôs-se a imaginar o que aquele casamento significaria para Eugène. Não se tratava de amor e isto estava mais do que evidente. Talvez o fato de desposar uma vizinha - pois Rusvlei certamente pertenceria a Marcella um dia - e assim aumentar seus domínios fornecesse uma explicação coerente para sua decisão.

Pensava com frequência se ele ainda continuava a sair com Yvette Stacy, mas jamais o interrogou. Quando tomou tal atitude ele se mostrou ríspido, arrogante e não fez o menor segredo a respeito da ligação. Há algum tempo Roumayne deixara de ver Yvette Stacy. Não sabia onde e quando se encontravam, mas isso era algo que não lhe dizia respeito e não tinha a menor dúvida de que Eugène usaria de toda discrição em relação àquele assunto. Se ela, Roumayne, fosse a verdadeira noiva a situação teria sido intolerável. Não teria concordado com o noivado sem formular perguntas, sem ter

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Page 97: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 certeza de que Eugène pararia de ver aquela outra mulher. Mas do modo como a situação se apresentava, preocupava-se em não incorrer no desagrado de Eugène por causa de Marcella. Já tinha feito o suficiente por aquela criatura. A própria Marcella teria de enfrentar a situação criada por Yvette Stacy. Roumayne suspeitava que Marcella não se importaria se seu marido prosseguisse com o caso, contanto que tivesse plena liberdade para viver sua vida como bem entendesse.

No entanto a questão da festa de casamento persistia. Após o comentário de Eugène, Roumayne compreendeu que não deveria forçar a situação. Se saísse fora de seu personagem acabaria por levantar suspeitas. Tinha esperanças de que Marcella voltasse a tempo.

Esta esperança no entanto se desvanecera. Dentro de poucas horas chegariam os primeiros convidados e Roumayne teria de desempehar um duplo papel. Em primeiro lugar teria de fingir ser uma garota explodindo de felicidade por ter ficado noiva do solteirão mais cobiçado de toda a região. Em segundo lugar, deveria comportar-se como Marcella Du Toit, que tinha crescido em Rusvlei e conhhecia toda aquela gente desde a infância. A menor distração, o menor fora quando falasse com alguém a quem não conhecia mas que tinha sido amigo da família há muito tempo daria pretextos para que até mesmo os avós começassem a suspeitar de sua identidade.

O pânico apoderou-se dela ao pensar na situação difícil que teria de enfrentar. Teria forças para levar tudo aquilo adiante? De repente ocorreu-lhe uma ideia. E se dissesse que tinha caído e batido a cabeça em uma pedra, sofrendo em consequência uma certa perda de memória? A ideia era por demais tentadora. ...Não, já mentira em demasia. Pôs imediatamente a ideia de lado.

O vestido estava estendido sobre a cama. Roumayne e a sra. Du Toit tinham ido comprá-lo na cidade. Era muito apropriado para uma festa no jardim, mas sua simplicidade era enganadora. Era tão bem talhado, caía-lhe tão bem que Roumayne teve certeza do sucesso que haveria de fazer.

Assim que se aprontou encaminhou-se para a varanda. Ainda era cedo e os convidados não tinham chegado, mas

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Page 98: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 uma figura máscula e esguia estava ao lado da mesa certificando-se de que as bebidas estavam em ordem. Ele veio em sua direção e ela soube no mesmo instante, sem sequer olhá-lo, que Eugène Hugo seria o mais bonito e elegante de todos os presentes. Sentiu uma vontade louca de estender a mão e acariciar aqueles cabelos negros, de percorrer com o dedo o traçado de seus lábios sensuais, que lhe haviam proporcionado tanto tormento e ao mesmo tempo tanto êxtase. Resistiu, porém, pois não desejava encarar as consequências de seu gesto.

Ele sorriu e disse:- Você está muito bonita. - Aquelas palavras soavam

bastante banais, mas ele falava sério.Sentiu uma compressão no peito ao constatar que

aqueles olhos possuídos de uma expressão para ela inteiramente desconhecida, sumetiam-na a um exame prolongado e que não deixavam escapar o menor detalhe de sua aparência.

- Você está realmente linda. Venha cá, Marcella. Tenho algo para você. !

- Para mim?- Para quem mais? - Ele voltou a sorrir e desta vez seus

olhos brilharam, o que a deixou com um nó na garganta. Ele pôs a mão no bolso e tirou de dentro uma caixinha.

Estendeu-a a ela, dizendo-- Abra, querida.Suas emoções eram tão caóticas que seus dedos

tremiam, enquanto ela abria o presente. Dentro do estojo havia um colar de ouro, do qual pendia um topázio lindamente lapidado. A pedra cor de âmbar brilhava como se tivesse vida própria. Era a coisa mais linda que ela jamais vira.

Olhou para ele, incapaz de dizer o que quer que fosse. Naquele momento esqueceu o papel que desempenhava. Era Roumayne Mallory e seu coração batia descontroladamente.

- Você gosta?- É. . . é belíssimo, Eugène, e combina com meu vestido.

Como é que você sabia? Alguém. . . alguém lhe disse?- Não preciso fazer perguntas a seu respeito, querida. -

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 Era a segunda vez que ele empregava tal palavra e ela não coube em si de emoção. - Você ainda não sabe disto?

Uma felicidade como ela nunca havia experimentado antes apoderou-se de seu coração. E então, subitamente, caiu em si. Não havia lugar para ela naquele mundo. O colar não podia ser dela, do mesmo modo que aquele homem, a quem ela amava mais do que à própria vida. Cerrou os olhos a fim de disfarçar as lágrimas que teimavam em surgir.

- Deixe-me colocá-lo em seu pescoço. - Falava em tom baixo e sedutor e no momento em que inclinou-se em sua direção sua respiração acariciou-lhe o pescoço.

Ela ficou imóvel enquanto ele ajeitava o colar. Durante um bom momento seus dedos permaneceram em contato com sua carne, mesmo depois de o colar ter sido preso.

Fogo e gelo: o calor de seus dedos e o frio do metal dourado, o que lhe causava uma excitação tão grande que tornava-se difícil respirar.

Ela voltou-se, sem pensar mais nada. Seus braços a esperavam e fecharam-se em volta dela enquanto Roumayne enterrava a cabeça no peito de Eugène. Ele a desejava tanto quanto ela. Teve certeza desse fato ao sentir as batidas de seu coração. Levantou a cabeça Ê olhou para ele e seus lábios se encontraram em um beijo que era puro arrebatamento.

O som de passos trouxe-os de volta à realidade. O sr. Du Toit acabava de entrar na varanda.

- Os primeiros convidados estão chegando. - Aquele rosto todo sulcado de rugas abria-se em um sorriso amplo e Roumayne sentiu que ele tinha visto o beijo e ficara contente. Ao longo daquelas semanas havia sentido um enorme afeto pelo casal de velhos. Esperava com certa tristeza que eles jamais viessem a saber da verdade.

- Estamos indo. Está pronta, Marcella?- Sim.Demonstrando uma segurança que estava longe de

sentir, sorriu, contemplando aqueles olhos castanhos que ainda brilhavam. Ele deu-lhe o braço ao descerem os degraus e imediatamente a confiança tornou-se genuína.

Decidiu então que tudo faria para divertir-se naquela noite. Não importava que tivesse de representar perante

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 pessoas a quem jamais vira e que deveriam ser seus amigos. Até aquele momento desempenhara muito bem seu papel. Se Eugène e os avós haviam sido logrados, com maior razão os convidados embarcariam na farsa. Aquela noite pertencia-lhe e ela tiraria todo o proveito da alegria e da excitação da festa. Acima de tudo monopolizaria a atenção do homem a quem amava. Não importava que sua situação se assemelhasse à de Cinderela no baile. Pelo menos quando chegasse o momento -de deixar Rusvlei e voltar para a triste realidade, lembrar-se-ia de um amor que poderia ter sido seu, se fossem outras as circunstâncias.

A festa na verdade consistia em um churrasco e quando chegou o último convidado as churrasqueiras já estavam no ponto.

Aquilo sim é que era uma festa, pensou Roumayne, longe do barulho e da confusão da cidade grande. Milhares de estrelas luziam no céu, o ar rescendia a carne grelhada e como pano de fundo para as conversas e risadas dos convidados ouvia-se o barulho incessante dos grilos.

Conversar com os convidados tornou-se tarefa menos complicada do que ela imaginara. O segredo consistia em não tentar chamá-los pelo nome ou ficar preocupada em saber quem eles eram. Mais cedo ou mais tarde os nomes acabavam por ser pronunciados e então Roumayne os empregava com a maior naturalidade. Ninguém parecia notar que ela não era Marcella. As pessoas sentiam-se muito à vontade, felizes e aproveitavam a festa o mais que podiam.

Roumayne conversava com Tannie Elsie, uma amiga da sra. Du Toit, quando Eugène surgiu a seu lado e passou o braço em torno de seus ombros. Ela sorriu para ele.

- Que bom vê-los tão felizes - observou Tannie Elsie. - já marcaram a data do casamento?

- Ainda não. - Roumayne falou um tanto depressa e estava a ponto de mudar de assunto quando Eugène completou, calmamente:

- Devemos nos casar dentro de quinze dias.Roumayne sentiu-se tremendamente chocada e incapaz

de dizer o que quer que fosse.- Tão cedo assim? - Tannie Elsie encarou-os tomada da

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 mais profunda suspeita.

- Claro que não - Roumayne conseguiu dizer com firmeza, ao mesmo tempo que recuperava um pouco de sua segurança. - Eugène está brincando.

- Sim, uma quinzena - repetiu Eugène, em tom despreocupado.

- Alguma de vocês quer um drinque? Não? - Sorriu para Roumayne e afastou-se.

Roumayne seguiu-o com o olhar, até que ele desapareceu na escuridão. O prazer que sentira até então dissipou-se totalmente.

Agora só lhe restava esperar que a festa terminasse rapidamente.

O sr. e a sra. Du Toit encararam o assunto com uma certa dose de filosofia.

- Bem, não temos lá muito tempo pela frente declarou a avó, enquanto preparava ovos mexidos para o café da manhã.

- Não temos tempo algum! - queixou-se Roumayne, no auge da infelicidade. - Não concordo!

- Sei lá. . . - disse o avô, um tanto preocupado. - Eugène deve ter suas razões. Lembro-me de como fiquei impaciente quando sua avó era minha noiva.

- Cale-se, velho! - disse a sra. Du Toit, fingindo que lhe passava um pito. - Acabaremos dando um jeito, Marcela. De certo modo. . . Bem, talvez tenha sido melhor assim. Quero dizer, eu já estava achando que você e Eugène não se casariam nunca. Seja prudente, meu bem. Não o maltrate muito.

O recado não podia ser mais claro. Desde o início Eugène não se mostrara um pretendente muito entusiasmado. Na realidade seu pedido de casamento fora uma surpresa total. Se agora sua noiva se mostrasse esquiva ele poderia mudar completamente de opinião.

Os avós mal sabiam que era exatamente isso que Roumayne desejava. E se isso não acontecesse, bem que poderia haver um adiamento, suficientemente longo para que Marcella estivesse de volta à fazenda.

- Vocês não acham esta pressa um tanto suspeita? - indagou Roumayne, muito cautelosa. - Deviam ver a cara de

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 Tannie Elsie ; quando Eugène anunciou a data. Ela só faltou me perguntar para quando eu estava esperando a criança!

Os avós, muito desapontados, trocaram um breve olhar e Roumayne ficou a pensar se a mesma suspeita não lhes ocorrera. A avó declarou, com firmeza:

- Não se preocupe com Tannie Elsie, meu bem. Ela está sempre disposta a fazer uma fofoca.

- E toda a vizinhança sabe que você é uma menina muito correta - acrescentou o avô. Concordo com sua avó, querida. Se Eugène quer que o casamento seja celebrado tão cedo, vá lá. Algumas vezes penso que não é bom adiar nossas decisões. No momento sua avó e eu estamos muito bem, mas as coisas podem mudar.

A enfermeira que havia dentro de Roumayne imediatamente entrou em ação.

- Há algo de errado, vovô?- Não, querida, nada de mais, porém estamos ficando

velhos. Quem sabe o que o dia de amanhã poderá nos proporcionar?

Não restava a Roumayne dizer mais nada. Mais tarde, quando Eugène veio buscá-la para um passeio a cavalo, ela voltou a tocar no assunto.

- Por que não esperamos um pouco? - indagou com muita insegurança, tentando disfarçar a tensão que sentia.

- Não quer casar comigo, Marcella?Havia tamanha suavidade em sua voz que ela voltou a

cabeça para contemplá-lo. Forçou-se a desviar o olhar, pois a sensualidade que emanava daquele homem deixava-a profundamente perturbada, a ponto de não conseguir mais pensar. Ela queria casar com ele? Sim Mais do que tudo neste mundo!

Fez um esforço para afastar aquele pensamento e sacudiu a cabeça com energia. O gesto não passou despercebido a Eugène.

- Você parece Dom Quixote arremetendo contra moinhos de vento. Se você tivesse dito um não em voz alta eu teria entendido muito bem.

Encarou-o, sentindo uma enorme confusão e corou violentamente

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28

- Não. . . não. . . você está enganado. Eu. . . eu quero casar com você

- Você tem um jeito muito esquisito de demonstrá-lo.Ela mordeu o lábio. Estava se afundando cada vez mais

em uma situação que já não podia mais controlar. Por acaso uma pessoa a ponto de se afogar não experimentaria uma sensação semelhante?

Respirou fundo, esforçando-se por voltar a adquirir um certo controle

- Você não compreende, Eugène. Claro que quero casar com você, mas não tão cedo.

- Diga-me por quê.- É um tanto fora de propósito. As pessoas vão ficar

desconfiadas. Tannie Elsie achou que eu estava grávida.Ele riu às gargalhadas, como se estivesse achando

aquilo muito engraçado.- Espero que Tannie Elsie não erre nas contas! Agora

diga quais as razões para não querer casar já.- Preciso de um enxoval. Roupa de cama e mesa,

vestidos, tanta coisa mais. . . Além disso um casamento precisa ser muito bem organizado, Eugène. Fora o fato de que necessitamos de um certo tempo para voltarmos a nos conhecer melhor.

- Não lhe passa mais nenhum outro pretexto pela cabeça? Roumayne achou por bem não dizer mais nada. Baixou os olhos, sentindo-se profundamente infeliz. Deveria haver alguma maneira de livrar-se de toda aquela confusão. Precisava encontrar um caminho antes que fosse tarde demais.

Soltou uma exclamação de espanto ao sentir que uma mão freava seu cavalo e um braço contornava-lhe a cintura, forçando-a a desmontar.

Ele se moveu com tanta agilidade que ela nem sequer notou que ele apeara do cavalo.

- Eugène. . . - disse muito aflita, enquanto ele a pousava sobre o chão.

- Cale-se! Já sei de todas as razões pelas quais, segundo você, deveríamos esperar. Lembra-se de quando você se dispôs a provar que eu deveria desposá-la? Agora chegou

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Page 104: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 minha vez de provar por que não devemos esperar mais.

Se ele pretendesse possuí-la naquele momento ela não teria a menor força para lutar contra ele, pensou Roumayne. Ou talvez fosse mais verdadeiro dizer que ela não queria mais opor nenhuma resistência. Ele mostrou-se muito terno, de uma ternura tão envolvente que Í ela mergulhou em um estado de quase beatitude. Não havia nada de punitivo nos lábios que a acariciavam e a excitavam, nas mãos que abriam os botões e tiravam-lhe a blusa do corpo, nos beijos que ele lhe dava nas costas e nos seios.

Ela tivera a intenção de pelo menos permanecer passiva diante de tudo aquilo, mas era absolutamente impossível. com um gemido deixou de lado qualquer tentativa de resistência. Enfiando as mãos E por baixo de sua camisa, sentiu os músculos que pulsavam e os pêlos que se emaranhavam ao contato de seus dedos.

A ternura esvaía-se, ao mesmo tempo em que a paixão aumentava. Ele pesava sobre seu corpo, vital, macho, intensamente vivo. Seu coração lhe pertencera durante algum tempo. Agora cada fibra de seu ser desejava que ele finalmente a possuísse, do modo como uma mulher é possuída pelo homem a quem ama. O certo e o errado já não tinham mais nada a ver com aquilo. A única realidade daquele momento era o chão duro da savana sobre o qual seu corpo se apoiava, o céu muito azul acima dela e aquele homem inflamado de desejo e a quem ela amava.

Quando Eugène afastou-se dela, Roumayne sentiu-se abandonada.

Ele se sentou e olhou para ela. Sua respiração ainda estava arquejante.

- Muito bem, espero tê-la convencido.Ela encarou-o, incapaz de dizer o que quer que fosse.

Enquanto ele se inclinava e colocava-lhe novamente a blusa, abotoando-a com i infinita ternura, um arrepio percorreu todo seu corpo e ela fechou os olhos, para impedir as lágrimas de correrem.

CAPITULO IX

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28

Na medida em que os preparativos para o casamento avançavam, a sede da fazenda tornou-se um centro de atividades febris. Havia pouco tempo e coisas demais a serem feitas. A cerimónia seria realizada no jardim, em Rusvlei, e em seguida haveria uma recepção. Nada de muito faustoso, simplesmente um chá para o qual seriam convidados todos os amigos das redondezas. Seria algo bastante simples, mas repleto de calor humano e dignidade.

A sra. Du Toit começou a preparar biscoitos e vários bolos, um deles recheado de nozes e castanhas e recoberto por uma camada de marzipã. Roumayne contemplava a velha senhora agitar-se na cozinha com um vigor que desafiava sua artrite.

Veio uma costureira de uma cidade vizinha e Roumayne teve de ficar imóvel enquanto a mulher ajustava o vestido de casamento às curvas suaves de seu corpo esbelto.

À medida que o vestido de casamento começava a tomar forma o desespero de Roumayne aumentava. Não havia ainda a menor notícia de Marcella e, com o casamento marcado para daí a uma semana, ela sentia-se vítima de um pesadelo que piorava a cada dia. Muitos pesadelos terminam quando o dia nasce, mas aquele parecia não terminar nunca. Não havia a menor solução, não via a menor indicação de quando ou como ela haveria de livrar-se de tudo aquilo.

Qualquer que fosse o ângulo de visão sob o qual encarasse o problema, Roumayne podia ver somente uma solução: a volta de Marcella, que àquela altura dos acontecimentos parecia muito pouco provável. No dia seguinte ao passeio com Eugène, ainda mergulhada no clima do envolvimento da véspera, Roumayne enviara um telegrama para Marcella.

Quase uma semana transcorrera desde então.Não imaginava que alguém pudesse passar por

semelhante dilema. Mesmo o julgamento, com todas as suas implicações, não fora tão terrível. Não tinha a menor ideia de como deveria proceder.

A única atitude lógica a ser tomada seria confessar. Uma confissão, no entanto, acarretaria consequências sérias demais. Primeiro, o espanto e o desapontamento dos avós a

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Page 106: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 quem ela acabara por dispensar tanto afeto como se pertencessem à sua família. Em segundo lugar, a cólera de Eugène. Por mais que o amasse, Roumayne premia ao pensar em sua reação. Finalmente o fato traria grandes confusões para Marcella. A despeito de sua fria premeditação, Rouftnayne concordara em assumir seu papel e portanto devia-lhe uma certa lealdade. As circunstâncias, entretanto, haviam mudado drasticamente.

Em seus momentos de euforia Roumayne via-se levando adiante -os planos de casamento. Nesses instantes tinha diante de si a visão ,.de uma noiva radiante usando o lindo vestido branco que tinha sido feito especialmente para ela, avançando em direção ao noivo que a esperava no centro do jardim.

As divagações nunca iam além daquele ponto. A realidade acaBbava sobrepujando tudo e Roumayne encontrava-se de novo diante do mesmo problema.

Era mais do que óbvio que não poderia prosseguir com os planos de casamento. Isto seria levar a farsa a um limite extremo, que não somente era imoral como também ilegal. A questão estava em saber como resolver o assunto de modo a causar o mínimo de ressentimentos e frustrações.

Finalmente chegou a uma decisão.- Mandaria mais um telegrama para Marcella. Talvez desta vez a garota o recebesse e voltasse, pondo as coisas em seus devidos lugares.

Marcella usaria o vestido que fora feito para Roumayne e possivelmente, já que ninguém as vira juntas quando a farsa começara, a substituição não seria notada.

O episódio acabaria por ter um final feliz, pelo menos no que dizia respeito a Marcella. Roumayne guardaria de tudo aquilo uma lembrança amarga.

Se Marcella não reagisse ao telegrama, não lhe restava outra alternativa senão confessar. Era impossível tomar qualquer outra atitude.

Porque havia uma questão de tempo em jogo. Por lealdade a Eugène e aos Du Toit, Roumayne não tinha mais o direito de adiar o problema. Por outro lado, se Marcella chegasse finalmente a tempo, seria poupado muito

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Page 107: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 constrangimento e infelicidade a todos os que estavam envolvidos naquela história.

A confusão de Roumayne persistiu, portanto. À noite sua mente era um caos total e ela não conseguia mais dormir. Passava os dias assustada e infeliz. Apesar de esconder seus sentimentos sob uma máscara de alegria forçada, achou que os avós pressentiam quanto estava deprimida. De vez em quando surpreendia-os olhando um para o outro com ar de desolação. Naqueles momentos quase chegou a odiar Marcella.

Se Eugène percebeu que Roumayne era a antítese da noiva feliz e radiosa, evitou fazer qualquer comentário a respeito. Em certo sentido Roumayne ficou contente. A falta de percepção de Eugène tornaria a troca relativamente simples. Ao mesmo tempo não conseguia evitar de sentir-se magoada por sua indiferença.

Quando finalmente tinha decidido confessar tudo, chegou uma carta. Levou-a para seu quarto e abriu-a, tremendo da cabeça aos pés.

Marcella escrevera às pressas e Roumayne teve muita dificuldade em decifrar sua letra. Ao que parecia, as circunstâncias se apresentavam mais ou menos conforme ela imaginava. Marcella e André haviam ido para Durban e à sua volta encontraram a carta e os telegramas.

O tom da carta era por demais arrogante. Parecia não passar pela cabeça de Marcella que Roumayne pudesse estar sentindo dificuldades em alcançar seu objetivo. O que mais a aborrecia era o fato de que o casamento ia acontecer dentro em breve, pondo um fim inesperado em seu caso com André.

Roumayne deixou a carta cair no chão. O egoísmo de Marcella deixou-a atónita. Subitamente ocorreu-lhe uma ideia. Até mesmo agora ainda havia tempo para confessar.

Talvez Eugène, furioso por ter sido enganado, recusasse levar a coisa adiante. Era isto o que Marcella merecia e ficaria uma fúria se voltasse para Rusvlei e descobrisse que não mais se tornaria a dona da Fazenda dos Hibiscos.

A ideia era por demais tentadora, mas também muito pouco prática. O tempo de fazer qualquer confissão já tinha ficado para trás. Amanhã Marcella já estaria instalada em

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 Rasvlei e Roumayne estaria a caminho de urri solitário anonimato. Soluçando, tomou a carta e rasgou-a em mil pedaços.

Mesmo a contragosto, teve de admitir que a garota traçara seu plano com muito engenho. Haveriam de trocar de papel com uma simplicidade que ninguém se daria conta do que acontecera.

Roumayne sairia antes do café da manhã, sem que ninguém a visse. Pouco depois Marcella chegaria. A vida na fazenda prosseguiria no mesmo ritmo de sempre. Ninguém jamais saberia que uma garota chamada Roumayne Mallory tinha passado as semanas mais felizes e desesperadoras de sua vida em Rusvlei, e que quando partisse deixaria ali seu coração.

O resto do dia arrastou-se interminavelmente. Agora que estava na hora de partir, Roumayne sentia-se tomada por uma sensação de irrealidade. Sentia que já não fazia mais parte de Rusvlei e muito menos de sua nova vida - fosse ela qual fosse. Pela primeira vez não encontrava dentro de si mesma forças para mostrar-se alegre.

Foi durante a tarde, quando já não podia mais suportar toda aquela situação, que Roumayne decidiu dar um último passeio até a colina.

Chegando lá encostou-se a uma rocha e pôs-se a contemplar a paisagem.

Seu coração estava dilacerado de tanta mágoa. Agora que chegara o momento de partir de Rusvlei não sabia se teria forças para suportar a separação. Era até mesmo pouco provável que voltasse a ver Eugène novamente antes de partir.

O som da trovoada despertou-a de seus devaneios e ela olhou surpreendida a seu redor. O céu escurecera e um vento forte balançava os arbustos. Estremeceu, pondo-se rapidamente de pé.

Agora percebia que desde que deixara a fazenda tudo estava como que suspenso, prenunciando a tempestade que se armava. Em circunstâncias normais jamais teria se atrevido a ir tão longe. No entanto, esde que recebera a carta de Marcella estava entregue à própria dor, tal ponto que nenhum

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 fator externo conseguia influenciá-la.

Subitamente um relâmpago riscou o céu, iluminando toda a colina. Logo em seguida ouviu-se o som do trovão, reverberando na solidão da paisagem. Ao mesmo tempo começavam a cair as primeiras gotas de chuva.

Era tolice de sua parte ficar tão assustada, disse Roumayne a si mesma enquanto começava a descer a colina. Era bem verdade que o fato de o lugar ser isolado e alto tornava-o muito vulnerável à ação dos raios, mas a tempestade ainda não se aproximara. Não estava porém muito distante e a velocidade com que se movia era imprevisível.

A chuva começou a ficar mais forte. Mais um relâmpago foi seguido imediatamente por um ronco assustador. Roumayne deixou escapar um grito de medo. A tempestade aproximava-se rapidamente.

Soluçando de pavor, Roumayne atirou-se ao chão, tapando os ouvidos a fim de abafar o som impiedoso do trovão. Era inacreditável que a tempestade pudesse ter chegado com tanta rapidez. A chuva ensopava a terra e a trovoada era quase contínua, ensurdecedora e terrível. Subitamente um raio fendeu o topo da colina onde Roumayne se encontrava há pouco.

Ao certificar-se de que estivera na iminência de perder a vida, sentiu-se tomada de uma sensação indescritível de pavor. Sem pensar no que dizia, gritou:

- Eugène!- Idiota! - A palavra soou asperamente e nesse

momento mãos vigorosas levantaram-na do chão e puxaram-na de encontro a um peito sólido e tranquilizador.

Imediatamente começaram a descer a colina e ele a amparava o tempo todo.

- Sou pesada demais para você - protestou, levantando a cabeça para encará-lo. A chuva escorria por seu rosto e ela teve de gritar a fim de ser ouvida.

- Cale-se!Não conseguia enxergá-lo direito, mas sentia que

mesmo naquelas circunstâncias ele controlava absolutamente tudo. O cabelo grudavase à sua fronte, dando-lhe um ar

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 selvagem. Ele se assemelhava a um deus primitivo, poderoso, audaz, destemido, em sintonia com os elementos da natureza.

Por mais incrível que parecesse, todos os temores de Roumayne se dissiparam. Uma sensualidade deliciosa apoderou-se dela ao contato daquele corpo. Era como se nos braços de Eugène o perigo deixasse de existir.

Então subitamente se encontraram fora do alcance da chuva. Quando ela olhou à sua volta notou que Eugène a levara para uma pequena caverna.

- Não conhecia este lugar.- O que você tinha de vir fazer aqui na colina com um

tempo destes?- Eu. . . eu não sabia que ia cair uma tempestade.- Pelo visto há um mundo de coisas que você

desconhece. . .Que coisa estranha, meu bem. A tempestade estava se

armando durante toda a tarde.Roumayne olhou em silêncio enquanto Eugène

amontoava gravetos e folhas secas. Parecia ter perdido todo o interesse por ela, agora que estavam fora de perigo.

- Como você sabia onde eu estava?- Tentei na base da sorte. O sr. Du Toit achou que você

tinha ido dar um passeio. Desde sua volta de Paris a colina parece ter-se tornado seu esconderijo favorito.

- E há algo de errado com isso? - Ela defendeu-se, sentindo que seu coração disparava. - A vista que se descortina de lá é tão bonita. .. E já que sou estudante de arte, por que se admira que eu vá até lá à procura de inspiração?

- Talvez eu ficasse menos admirado se você levasse pincéis e tela.

As palavras foram ditas em tom de pilhéria mas, na realidade, a que ele estaria se referindo? Talvez não fosse nada de mais, pois Eugène parecia ter perdido todo o interesse na conversa. Tirou o isqueiro do bolso e acendeu-o sob os galhos secos.

Roumayne estendeu as mãos, aquecendo-se ao calor da pequena fogueira.

- Tire a roupa.

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Atónita, ela levantou a cabeça, sem saber o que dizer.- Já disse para você tirar a roupa. Está ensopada.- Eu. . . eu não posso - ela gaguejou, sentindo que as

têmporas latejavam.- Por que não? Então você é uma noiva tímida, Marcella?

Acho difícil de acreditar, depois de todas as provas que você já me deu. .

- Você precisa ser tão inconveniente assim? - Roumayne tentou exprimir-se com a maior calma possível, para disfarçar o tremor que se apoderava dela. As palavras dele a magoaram, fazendo-a recordar-se de que jamais seria a noiva de Eugène, que nunca conheceria seu amor do modo como desejava. - Não posso ficar em pé, Eugène, torci o tornozelo.

- Está doendo?-Ele ficou imediatamente preocupado e ela fez um sinal

com a cabeça.- Era de se prever. Você se comportou como uma

criancinha sem iniciativa, à espera de ajuda, em vez de vir correndo para a fazenda.

Enquanto falava suas mãos afrouxaram a correia de suas sandálias encharcadas e ele pôs-se a examinar seu pé. Aquelas mãos tão grandes e másculas eram possuidoras de uma delicadeza incrível. Mesmo em meio à maior dor, Roumayne sentia seu toque como uma carícia.

- Não é nada sério. Amanhã você já estará andando novamente.

- Amanhã? - exclamou horrorizada, pensando em tudo o que deveria acontecer no dia seguinte. - Mas Eugène, temos de voltar para Rusvleí ainda hoje!

Ele contemplou-a com curiosidade, intrigado com aquela inflexão de desespero.

- Iremos assim que pudermos. Precisamos esperar a tempestade passar.

- Sim. . .Era estranho como sua presença a tinha feito esquecer

a tempestade. Lá fora a chuva ainda caía torrencialmente e o trovão ribombava. A caverna era pequena, porém seca, e a pequena fogueira produzia uma luz reconfortante.

- Vamos tirar essa roupa.

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O tom com que Eugène se exprimia era bastante casual e impessoal, mas os dedos de Roumayne subitamente amoleceram. com a mesma gentileza com que examinara seu pé, Eugène agora removia sua roupa. Ela não tentou detê-lo. Como enfermeira, sabia do perigo de ficar com roupa molhada no corpo durante muito tempo. Como mulher, conhecia o perigo de permanecer nua na presença do homem a quem amava.

- Não faça isso - ele disse, quando ela cobriu os seios com as mãos.

Em resposta àquele pedido ela afastou as mãos lentamente. Sua timidez foi substituída por um langor indescritível. Sabia que se Eugène quisesse fazer amor, ela não colocaria quaisquer obstáculos.

Não esboçou o menor gesto enquanto seus olhos demoravam-se na contemplação de seus seios, que tinham a coloração de marfim antigo à luz do fogo, e em seguida percorriam os lábios trémulos e os olhos brilhantes. Seu coração batia com violência indescritível, a tal ponto que achou que Eugène deveria estar ouvindo, mas o orgulho impediu-a de cobrir-se novamente com as mãos. Durante alguns segundos que lhe pareceram uma eternidade ele a . contemplou com ar de adoração.

- Você é tão linda! - murmurou em voz tão baixa que ela ficou a imaginar se tudo aquilo não passava de uma ilusão.

Subitamente Eugène estremeceu dos pés à cabeça.Em seguida tirou o suéter e enfiou-o pelos braços e

cabeça de Roumayne, que desviou rosto numa tentativa de disfarçar o desapontamento que sentia.

O fogo começou a morrer. Não havia mais gravetos na caverna, o frio aumentava. Lá fora a tempestade ainda não amenizara e Roumayne sabia que era impossível sair dali. Escurecera. Não trouxera relógio e mal conseguia adivinhar as horas.

- Meus avós vão ficar preocupados.- Hão de entender que eu a encontrei. Vamos descansar

um pouco.Ela recostou-se na parede da caverna e mais uma vez

desviou o rosto. Eugène sentou-se bem junto e ela sentiu os

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 músculos tensos no momento em que ele passou os braços em torno de seus ombros.

- Vamos esquentar um ao outro.- É só por esta razão que você está tão próximo de

mim?- Sua feiticeira! Isto é lá pergunta que se faça? Sei muito

bem o que você quer. Temos toda uma vida diante de nós.Seus braços apertaram-na com mais força e ela

conseguia sentir todo seu corpo de encontro ao dele. O desejo apoderara-se de todo seu ser, fazendo com que o sangue lhe corresse mais depressa nas veias. Estava a ponto de aconchegar-se mais, mas os braços dele subitamente afrouxaram.

- Vamos deixar as coisas do jeito como elas estão. Não falta nem uma semana para nos casarmos. Vamos esperar até lá, meu bem.

Ficaram quietos no escuro e após alguns momentos a respiração pausada e suave de Eugène revelou que ele adormecera.

Ela não conseguiu conciliar o sono tão facilmente. "Temos uma vida diante de nós", dissera Eugène. Aquelas palavras queimavam como fogo. Seus braços ainda estavam em volta dela, segurando-a com vigor. Para ele aquele gesto não passava de uma precaução sensata. Tratava-se unicamente de aquecerem um ao outro. Para Roumayne, entretanto, a proximidade causava-lhe uma doce angústia. Tinha consciência total daquele corpo adormecido. Conseguia sentir as coxas musculosas e as batidas ritmadas e fortes de seu coração. Seus braços estavam em contacto com seus seios e sua respiração agitava ligeiramente seus cabelos.

Toda uma vida pela frente. . . Naquela situação de grande intimidade, que quase já não conseguia mais suportar, Roumayne podia imaginar muito bem o que significaria ser a mulher de Eugène, refugiada no círculo de seus braços, realizada e contente, sabendo que pela frente estendiam-se muitos e muitos anos de amor e dedicação mútua.

Eugène possuiria Marcella. Se ela respondesse a seu amor com o mesmo ardor de Roumayne, seu marido talvez jamais ficasse sabendo que por um breve período houvera

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 outra mulher em sua vida. Para Roumayne, entretanto, os anos que tinha diante de si pareciam estéreis e extremamente solitários.

Não se dava conta de que estava ficando cansada. Quando Eugène sacudiu-a percebeu que estivera dormindo.

Durante alguns segundos ficou sem saber onde estava. Sentia-se confusa e esticou as pernas enrijecidas, tremendo de frio, pois o ar tornara-se mais fresco. De repente tudo se fez novamente presente. Uma luz difusa infiltrava-se na caverna, revelando o que restava da fogueira, e quando ela levantou o olhar viu Eugène de pé, fitando-a com insistência.

- Que horas são? - perguntou, com a garganta seca, tanta era sua ansiedade.

- Meu estômago diz que já está na hora de tomar o café da manhã.

- Meu Deus do céu! Precisamos voltar para casa!- Voltaremos logo em seguida. Você nunca diz bom-dia

quando acorda, Marcella?- O quê?- Ela contemplou-o, atónita, estremecendo ao

pensar que talvez não tivesse tempo de escapar. Naquele momento Marcella deveria estar a caminho de Rusvlei.

- Sim, claro. . . bom dia, Eugène. Por favor, precisamos nos apressar!

- Tudo depende de como está seu tornozelo. Deixe-me examinálo, Marcella.

Segurou-lhe o pé, tomando muito cuidado para não provocar dór. Roumayne precisou usar de toda a sua força de vontade para manter uma aparência de calma. Seu coração disparava, tamanho era o medo que sentia.

- O inchaço desapareceu e suas roupas secaram. Muito bem, Marcella, vamos embora, mas tome cuidado. Talvez o pé não suporte uma outra queda.

Mesmo sem a recomendação de Eugène compreendeu que era preciso avançar com calma. Após a chuva o atalho tornara-se escorregadio. Pedregulhos haviam sido arrastados pela torrente, bem como galhos e raízes. Enfiou o pé na lama e quase caiu, mas Eugène estendeu o braço, amparando-a.

- Já disse para você ir com calma.Levantando os olhos, Roumayne prendeu a respiração

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Page 115: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 ao contemplar aqueles traços enérgicos e os olhos cuja expressão mais do que nunca era impenetrável. Um tanto desesperada, procurou naquele rosto algo que lhe lembrasse um pouco de calor humano, mas foi em vão. Talvez fosse aquela seriedade que lhe dava a impressão ilógica de que ele sabia quais eram os motivos de sua pressa e as razões de seu medo. Tentou afastar aqueles pensamentos. Seus sentimentos em relação a Eugène é que a levavam a atribuir-lhe uma percepção que ele, na verdade, estava longe de possuir.

Prosseguiram pelo caminho, sem trocar mais nenhuma palavra. Roumayne prestava toda atenção para evitar as poças de água e os pedregulhos. De vez em quando olhava a linha do horizonte, onde o sol começava a despontar. O desespero aos poucos diminuía, substituído por uma sensação de torpor e de desânimo total, como se fosse uma marionete movida pelos fios do destino, incapaz de manipular por mais tempo uma situação que parecia ter escapado a seu encontro há muito tempo.

O sol já estava bem alto quando chegaram a Rusvlei e no ar pairava um cheiro gostoso de comida. Roumayne sentia-se inclinada a entrar discretamente por uma das portas laterais, mas Eugène segurava-lhe firmemente o braço, guiando-à com decisão em direção à porta da cozinha.

Roumayne conseguiu colocar-se discretamente atrás dele, quando entraram. Apesar da cena que se desenrolava diante de seus olhos ser exatamente aquela que esperava, sentiu-se momentaneamente atordoada e sem saber o que fazer.

Sentada à mesa, diante de um prato de ovos mexidos, e bacon, estava Marcella. De acordo com o que tinha sido planejado, fora antes de mais nada ao quarto e pusera um dos vestidos de algodão que emprestara a Roumayne. A semelhança entre ambas era tão extraordinária que Roumayne teve a sensação de que estava se contemplando no espelho, exatamente como ocorrera da primeira vez. Naquele momento, porém, sentia-se tão infeliz que não conseguira detectar a assombrosa coincidência. Não era de admirar que ninguém tivesse percebido a troca. A única coisa

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 que as diferenciava era o anel de brilhante, que ainda estava no dedo de Roumayne.

Marcella levantou os olhos e viu Eugène.- Olá, querido. - Sorria tão à vontade que Roumayne foi

obrigada a admirar tanta audácia. - Não esperava que você viesse tão cedo, mas fico contente em ver que. . .

As palavras morreram assim que Eugène deu um passo adiante e ela percebeu a presença de Roumayne. Durante alguns segundos a cena ficou em suspenso, como se o tempo tivesse parado. No rosto de Marcella havia uma expressão de horror. Os avós contemplavam tudo aquilo sem poder acreditar no que viam.

De repente todos começaram a mover-se e falar ao mesmo tempo. Somente Eugène manteve-se à parte, com uma expressão irónica e zombeteira no olhar.

- Marcela! - A sra. Du Toit mostrava-se desolada. - Onde foi que você esteve? E quem é esta moça? - perguntou, olhando para Marcella.

- Eu sou Marcella. - A garota levantou-se. Seu olhar fuzilava, enquanto ela avançava para Roumayne com uma expressão tão indignada que esta deu um passo atrás. - O que você está fazendo aqui? Você já deveria ter ido embora!

- Eu... eu fui colhida por uma tempestade. - Roumayne expressava-se com dificuldade e sentia tamanha tensão que era quase impossível falar.

- Que história é essa? Você agiu de propósito. Sua vagabunda!

- Marcella estava a ponto de agredir Roumayne quando Eugène segurou-lhe a mão.

Subitamente Roumayne ficou indignada.- Nunca mais volte a me dizer uma coisa destas!- Chamo você como bem entender! - Marcella estava

por demais furiosa para se importar com o que dizia.- Por favor. . . Não estamos compreendendo. . . - O sr. e

a sra. Du Toit estavam muito pálidos e consternados. A avó perguntou novamente: - Marcela, quem é esta moça?

Marcella apressou-se em responder, sem disfarçar a irritação que sentia:

- Eu sou Marcella. Essa aí é uma impostora. Seu nome é

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 Roumayne Mallory.

- É mesmo verdade?- Sim. Sinto muitíssimo... - Roumayne. sentia uma pena

imensa dos dois velhos ao notar a intensidade de sua mágoa.- É um pouco tarde para isso. Dê meu anel e vá caindo

fora daqui - ordenou Marcella.Roumayne estava para fazer o que lhe fora pedido,

quando Eugène falou pela primeira vez:- Não!Ele falou com muita calma, mas sua atitude provocou

sensação. Roumayne voltou-se, intrigada, enquanto Marcella o enfrentava.

- Você não está entendendo, meu bem.Roumayne ficou espantada ao notar como o humor de

Marcella podia mudar tão rapidamente, indo da fúria mais desenfreada à suavidade de alguém que se dispõe a seduzir.

- Acho que entendo muito bem.- O anel que ela está usando é meu!- É mesmo? - O que tornava aquela indagação perigosa

é que ela fora proferida com a mais absoluta calma.- Claro que é. Posso explicar tudo o que está

acontecendo. É profundamente desagradável que Roumayne tenha posto tudo a perder. Isto, entretanto, não altera os fatos.

O anel me pertence.- Eu o dei para Roumayne.Roumayne prendeu a respiração. Era a primeira vez que

Eugène usava seu verdadeiro nome e a despeito do absurdo da situação aquilo provocava nela uma enorme ternura.

- Sei disto, querido, mas foi um equívoco. - Marcella riu, aparentando desenvoltura. - É mesmo muito engraçado. Quando nos casarmos vou-lhe contar toda a história.

- Acho que você não está entendendo, Marcella. Não acho a menor graça. Dei o anel para Roumayne. E nos casaremos no próximo sábado.

O quê? - exclamaram as duas ao mesmo tempo. Marcella, chocada, mal podia acreditar no que ouvia e Roumayne ficara quase em estado de êxtase.

Seu coração disparou e seus olhos, quando ela fitou

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Page 118: Julia - 028 - A Impostora - Rosemary Carter

A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 Eugène, estavam repletos de amor e alegria, revelando tudo o que sentia naquele momento. Voltou involuntariamente a cabeça na direção de Marcella, intrigada em saber como ela recebera a declaração.

Marcella não conseguia disfarçar o ódio que sentia. Seus olhos azuis fuzilavam naquele rosto muito pálido. Logo a expressão de cólera foi substituída por um sorriso malicioso.

- Então, Eugène, você acha que vai casar com Roumayne. . .

- As palavras saíam-lhe da boca como se ela estivesse destilando um veneno mortal. - Pois é meu dever preveni-lo de que você será o marido de uma assassina.

- Não! - exclamou a avó, sem poder acreditar no que ouvia.

- Sim. Ela matou. . .Roumayne não ficou para ouvir o resto. Deu um grito de

dor e saiu correndo da cozinha. Abandonou a casa e caminhou estrada a fora, tão rápido quanto seu pé machucado o permitia, mal sentindo as lágrimas que lhe escorriam pelo rosto.

Acabara de perder o homem a quem amava. Até agora alimentara a esperança de que se algum dia ele descobrisse a farsa poderia lembrar-se dela com algum afeto, desde que superasse seu ressentimento.

Como se tornara diferente a atitude de Marcella, em contraste absoluto com a que demonstrara na noite em que haviam discutido o plano. . . Quando Roumayne lhe perguntara se ela não ficava preocupada pelo fato de uma pessoa com uma reputação como a sua estar vivendo na casa dela, Marcella rira e dissera: "Pelo amor de Deus! Jamais duvidei de sua inocência."

" Naquele momento a frase servira a seus propósitos, da mesma forma como sua explosão na cozinha há alguns minutos. Marcella sempre se comportaria egoisticamente, disse Roumayne para si mesma " tristeza. Aquela garota era inteiramente desprovida de escrúpulos, pétalas de jacarandá que cobriam o chão formavam um tapete macio, que abafava todo e qualquer som. Até o momento em que um braço vigoroso enlaçou-lhe a cintura ela não percebeu o ruído de

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 passos que se aproximavam.

- Eugène!- Não passei toda a noite naquela maldita caverna para

que você saísse correndo por aí, pondo em risco seu pé machucado. - A ternura estampada em seu olhar desmentia a aspereza de suas palavras. - Você. . . você não devia ter-me seguido.

- Não mesmo?- Não. Você está tornando as coisas mais difíceis para

nós dois.- Você não tem razão. - Havia algo na maneira como ele

se expressava que fez com que seu coração batesse mais depressa. Roumayne levantou os olhos e viu o sorriso que recurvava os lábios de Eugène e dava calor a seus olhos castanhos.

- Por quê?- Se você fugisse eu teria de sair à sua procura. De

qualquer modo acabaria localizando-a. - Fez uma pausa e segurou-lhe o queixo. Claro que você sabe disso, não é mesmo, querida?

Ela limitou-se a sacudir a cabeça. Seus olhos estavam marejados de lágrimas e um nó na garganta a impedia de articular sequer uma palavra. Finalmente conseguiu murmurar:

- Lá... lá na cozinha. . . você disse. . .- Sei muito bem o que disse, querida. - Sua voz era

muito suave e ele exprimia-se com tamanha ternura que novas lágrimas começaram a correr pelo rosto de Roumayne.

- Você não estava sendo sincero.- Nisto é que você se engana. Quero me casar com

você.- Não compreendo... - Fitou-o, sem se importar com as

lágrimas e sem conseguir disfarçar a adoração que sentia por ele naquele momento.

- Mas é tão difícil assim? Eu a amo, Roumayne.- Não! - As lágrimas agora irrompiam livremente e ela

enterrou o rosto na pele macia de seu peito. Ele a puxou para bem junto de si. acariciando-lhe os braços, os ombros, beijando-lhe as orelhas e a fronte.

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28

De repente ela contraiu-se e afastou-se dele.- Você não ouviu o que Marcella disse? Que eu era uma

assassina?- Você nunca assassinou ninguém em sua vida.- É verdade. Mas Eugène, você não pode casar comigo.

Aos olhos do mundo eu fui absolvida unicamente por falta de provas.

Ele sacudiu a cabeça.- Preciso lhe contar algo, Roumayne. Uma semana

depois que você saiu da cidade surgiu alguém contando a versão correta do que aconteceu na noite em que Jackie James morreu. Seu advogado tentou entrar em contato com você, mas em vão, pois tinha desaparecido. Seu nome foi reabilitado, querida.

Ela encarou-o, tentando assimilar o que ele acabara de dizer. Finalmente perguntou:

- Mas como é que você sabe que é verdade?- Dei-me ao trabalho de verificar. - Ele riu ao notar sua

expressão intrigada e prosseguiu: - Deveria haver uma razão que explicasse por que uma garota como você tinha concordado em agir em conjunto com uma pessoa tão pouco inescrupulosa quanto Marcella. Sabia que você morava em Johannesburg e achei que toda aquela farsa podia vir a ter um sentido completamente oposto. Levei um retrato de Marcella até Johannesburg e comecei meu trabalho de detetive. Assim que entrei em contato com a imprensa minha tarefa foi muito facilitada.

- Então foi por isso que você viajou! Eugène, quando foi que você descobriu que eu não era Marcella?

- Logo nos primeiros dias. Nunca tente ser uma atriz, Roumayne. Você é uma boa enfermeira, mas no palco seria um fracasso.

- Os avós acreditaram. . .- Estou sabendo. Ficaram tão felizes em voltar a ver

Marcella que aceitaram perfeitamente atribuir tamanha mudança de personalidade a algum milagre que aconteceu em Paris.

- Lembra-se daquele fora que eu dei a respeito de Johannesburg? foi nesse momento que você percebeu?

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28

- Já tinha percebido muito antes. Você deu tantos foras, querida- Mostrou-se tão eficiente ao atender aquele trabalhador na plantação. . . aliás, Marcella não suporta sangue, e em outra ocasião quase Desmaiou ao ver aquela cobrinha que qualquer menininha do interior identificaria logo como sendo não venenosa. . .

- Então foi aí que você descobriu. . .- Não, Roumayne, soube desde o primeiro dia.Você

então achaque um homem pode tomar uma mulher nos braços e não perceber que já estiveram juntos antes? Especialmente uma mulher tão sensual quanto você?

- Durantte o tempo todo achei que tinha conseguido enganá-lo. Será que os avós ficarão muito desapontados?

- Um pouco. Mas eles ttinham de acabar descobrindo a verdade a respeito de sua neta algum dia. Conversamos durante alguns momentos. Foi por isso que não vim a seu encontro imediatamente. Querida, eles querem que a gente leve o casamento adiante, exatamente como tínhamos planejado. - Fez uma pausa e subitamente seus olhos iluminaram-se com um brilho como ela jamais presenciara.

- Você casa comigo?Aqueles olhos cor de ametista falavam eloquentemente

da alegria que ela sentia naquele momento. Havia porém duas coisas que ela ainda tinha de saber.

- E Marcella?- Quando saí de lá estava tendo um verdadeiro ataque

de nervos. com aquela moça nada daria certo, Roumayne. Em nenhuma circunstância. Sei disso há muito tempo.

- Entendo. - Hesitou, pois a segunda pergunta era mais difícil de ser formulada. - Desculpe, Eugène, mas tenho de saber. E Yvette Stacy?

- Ela sumiu de cena há muito tempo.- Foi para Johannesburg com você?- Foi, sim, querida. Decidiu porém ficar morando por lá

depois que eu lhe disse que não poderia vê-la mais.- Mas por que você lhe disse uma coisa dessas?- Quantas perguntas! Rompi com Yvette logo depois que

tive você nos braços pela primeira vez. Foi então que soube

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A Impostora (Sweet Impostor) Rosemary CarterJulia no. 28 que só poderia haver uma mulher em minha vida.

Quando ele falou de novo seus olhos brilhavam e irradiavam uma ternura imensa.

- Você ainda não me respondeu, querida. Eu serei o homem de sua vida?

- O único - ela murmurou, transbordando de alegria. - Agora e para sempre.

Levantando a cabeça para beijá-lo, compreendeu que os sonhos algumas vezes se transformam em realidade.

Fim

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