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197 O Mercado Ilegal de Armas de Fogo na Cidade do Rio de Janeiro O Mercado Ilegal de Armas de Fogo na Cidade do Rio de Janeiro Preços e simbologia das armas de fogo no crime PATRICIA S. RIVERO Sumário Executivo Essa pesquisa teve como objetivo determinar o volume, os preços e os princi- pais significados que as armas de fogo adquirem quando são negociadas em tran- sações ilegais pelos criminosos na cidade do Rio de Janeiro. A seguir, os principais achados deste estudo. As armas de fogo de uso criminal na cidade do Rio de Janeiro Chama poderosamente a atenção o crescimento do volume de armas que são acauteladas em situação criminal. Cresce o desvio, já que a quantidade de armas que tinham registro e foram acauteladas no crime aumentou desde o primeiro período (1951-1981) até o último (1993-2003), 53%. Esse número aumenta ainda mais na última déca- da. O número de armas desviadas do mercado legal para o mercado criminal decresce bastante entre 1997 e 1998, coincidindo com a mudança da legisla- ção sobre controle de armas de fogo no Brasil. Nos últimos anos tem o seu maior aumento, sobretudo em 2002, seguido de um estrepitoso declínio em 2003. Muda o perfil por país de fabricação na última década: aumenta a porcenta- gem de armas brasileiras que são apreendidas no crime, mas na última década essas armas têm só três pontos percentuais a mais do que no período inicial (no primeiro representavam 72% e no último 75% do total de armas do período). As armas fabricadas nos Estados Unidos lhes seguem em menor proporção, tendo o seu maior aumento na década de 1993 a 2003. Muda o perfil das armas por tipo: os revólveres decrescem no total de armas para cada período (no último período diminuem na proporção 16,6 pontos percentuais), e na evolução histórica têm um crescimento lento (crescem 24,7%), com uma pequena queda no último período em relação à década

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197O Mercado I legal de Armas de Fogo na Cidade do Rio de Janeiro

O Mercado Ilegal de Armas de Fogo na Cidade do Rio de Janeiro

Preços e simbologia das armas de fogo no crime

PATRICIA S. RIVERO

Sumário Executivo

Essa pesquisa teve como objetivo determinar o volume, os preços e os princi-pais significados que as armas de fogo adquirem quando são negociadas em tran-sações ilegais pelos criminosos na cidade do Rio de Janeiro. A seguir, os principaisachados deste estudo.

As armas de fogo de uso criminal na cidade do Rio de Janeiro• Chama poderosamente a atenção o crescimento do volume de armas que são

acauteladas em situação criminal.• Cresce o desvio, já que a quantidade de armas que tinham registro e foram

acauteladas no crime aumentou desde o primeiro período (1951-1981) até oúltimo (1993-2003), 53%. Esse número aumenta ainda mais na última déca-da. O número de armas desviadas do mercado legal para o mercado criminaldecresce bastante entre 1997 e 1998, coincidindo com a mudança da legisla-ção sobre controle de armas de fogo no Brasil. Nos últimos anos tem o seumaior aumento, sobretudo em 2002, seguido de um estrepitoso declínio em2003.

• Muda o perfil por país de fabricação na última década: aumenta a porcenta-gem de armas brasileiras que são apreendidas no crime, mas na última décadaessas armas têm só três pontos percentuais a mais do que no período inicial(no primeiro representavam 72% e no último 75% do total de armas doperíodo). As armas fabricadas nos Estados Unidos lhes seguem em menorproporção, tendo o seu maior aumento na década de 1993 a 2003.

• Muda o perfil das armas por tipo: os revólveres decrescem no total de armaspara cada período (no último período diminuem na proporção 16,6 pontospercentuais), e na evolução histórica têm um crescimento lento (crescem24,7%), com uma pequena queda no último período em relação à década

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anterior, em favor do crescimento elevado de pistolas (64,6% em relação aoprimeiro período e 61,5% em relação ao segundo). Os fuzis crescem acelera-damente: 81% do primeiro para o segundo período, e 98% do segundo parao terceiro período, sendo o tipo de arma que teve maior crescimento. Apesardisso, continua a ser o tipo de arma de menor proporção (representa no últi-mo período 4,3% do total de armas). Aumenta a presença de armas artesanais,o que mostra um aumento da ilegalidade também na produção de armas.Esses dados constatam que aumentam as pistolas (maioria de origem brasilei-ra), os fuzis e submetralhadoras (armas mais letais, em sua maioria de origemamericana) e também as armas artesanais. Portanto, houve maior desvio eaumento da letalidade das armas no mercado criminal.

• Mudam os calibres, marcas e países de fabricação: as pistolas geralmente sãode calibres restritos e mais letais que os revólveres; entre os fuzis acauteladosno crime, predominam as armas de origem estrangeira, provenientes, princi-palmente, dos Estados Unidos (Colt e Ruger).

• Os fuzis de origem brasileira que mais aparecem entre os acautelados no cri-me são o 7.62 da FAL Imbel (usado pela Polícia Militar do Rio e pelas ForçasArmadas brasileiras, especialmente pela Marinha) e o 5.56mm (modelos MD1e MD2 da Imbel, usado pela Polícia Militar do Rio).

• O fuzil estrangeiro que predomina entre as armas acauteladas no crime é oHK G3, usado também pela Marinha e pela Força Aérea Brasileira, e o AR15/ M16 usado por forças especiais da polícia no Brasil.

Preços das armas no mercado criminal• Os índices de variação de preços no mercado criminal são superiores aos

índices de variação apresentados no mercado legal de armas.• Há armas cujos preços variam menos (os revólveres fazem parte desse grupo)

e outras cuja variação apresenta grande discrepância em relação aos valorespelos quais serão negociadas, como no caso dos fuzis cujo preço é altamentevalorizado, se comparado com o preço do mercado legal.

• Elementos de significado e valorização dos grupos sociais envolvidos fazemcom que os preços das armas se modifiquem. O preço aumenta na medida emque as armas têm as características que são valorizadas pelos agentes sociaisque as utilizam: poder de fogo, durabilidade, letalidade.

• Na variação de preços no mercado criminal também intervêm elementos deabuso de poder, como a corrupção, a ocupação de áreas por uma facção ououtra do tráfico, os controles da polícia.

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• Por outro lado, elementos tipicamente mercadológicos influenciam os preços,como o aumento da circulação de determinado tipo de arma em detrimentode outro (maior oferta); embora a disponibilidade da mercadoria esteja rela-cionada com as características apontadas anteriormente.

• As armas mais caras são as mais letais e, também, aquelas cuja circulaçãocresce no mercado criminal, na última década.

• Os índices de variação de preços do mercado legal são menores do que osíndices de variação do mercado criminal. Isto confirma a maior heterogenei-dade do mercado criminal de armas de fogo em relação ao mercado legal.

• O mercado criminal de armas de fogo na cidade do Rio de Janeiro movimentagrandes quantias de dinheiro (calculado neste estudo em US$ 88.392.299),as quais contribuem para a reprodução da violência e do crime.

Uso de força e a simbologia da arma de fogo• No contexto relacional violento, a arma aparece como um objeto rápido e

efetivo para a “resolução” do conflito através da anulação do “inimigo”, quesempre é diferente e estranho.1

• Há a motivação individual e a interiorização das regras socialmente transmiti-das a respeito do significado da arma de fogo.2 Variáveis macro, como índicesde violência na cidade, pobreza e desigualdade social, ou micro (corresponden-tes à esfera da subjetividade do ator), como as experiências particulares dosatores sociais, suas histórias de vida dentro e fora da instituição, suas vivênciasno exercício do serviço ou como cidadãos, influenciam o uso da arma de fogo.

• A relação com a arma de fogo associada a eventos letais, propriamente repres-sivos como os “confrontos armados”, chama a atenção para a necessidade dopreparo profissional das forças de segurança, fato reconhecido pelos própriosagentes.3

1 Soares, Luiz Eduardo et al. “Violência e política no Rio de Janeiro”. Os quatro nomes da violên-cia, Iser/Relume Dumará, Rio de Janeiro, 1996.

2 Santos, Wanderley Guilherme dos. Paradoxos do liberalismo. Rio de Janeiro: Rocco, 1993.“O mundo social não existe antes, mas simultaneamente à representação que dele fazem oshomens. E as hipóteses que sobre ele se fazem não são irrelevantes no sentido discutido ante-riormente; são imanentemente constitutivas dele. O mundo social é constituído pelos agentese o comportamento dos agentes é regulado pela representação que elaboram sobre esse mesmomundo.” P. 11.

3 Muitas vezes o desempenho policial tem sido medido pelo número de ocorrências (sejam apreen-sões, prisões ou mortes de criminosos), distorcendo assim o que se considera o verdadeirotrabalho de polícia, o trabalho preventivo.

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• O “uso da força pela polícia” se estabelece em relação de direta proporcionali-dade ao “uso da força contra a polícia”, aumentando as possibilidades de vio-lência contra a população, assim como também os índices de vitimizaçãopolicial.4

• Na aplicação de políticas, como a “guerra contra o crime”5 , o lugar de traba-lho da polícia e o espaço de vitimização da população confundem-se. A armade fogo, neste caso, aparece como matéria externalizante das ações policiais epode mostrar adequação ou desvio à norma. Nessa tensão, as condições deporte e uso da arma de fogo mostram situações paradoxais que sintetizamtanto o desrespeito à norma geral (incluídas ações de violência e/ou corrup-ção) como a improvisação das ações na “linha de frente”.

• No uso da arma, tanto pela polícia como pelo tráfico, acabam revalorizandoconceitos militaristas como “combate”, “inimigo”, “confronto”.6

• A definição do conflito, similar para policiais e para os jovens das favelas,contribui para sua prolongação e também faz com que cada vez seja maisletal, demandando armas mais caras, com maior poder de fogo e produzindomais mortes.

• Para o jovem da favela, “sem chances”, como eles mesmos definem, o acesso àarma e a entrada para a criminalidade funcionam no imaginário como umcaminho de curto prazo para a rápida ascensão, obtenção de bens de consu-mo, prestígio, poder, dinheiro, mulheres, respeito.

• Valores que exaltam a imagem do guerreiro, a virilidade, coragem, fazem daarma de fogo um elemento fundamental na construção da masculinidade,tanto no caso dos policiais como no dos jovens das favelas que usam ou admi-ram quem usa armas de fogo.

• O mercado ilegal de armas, um exemplo típico de mercado criminoso, visualizaaquilo que deve permanecer invisível: a corrupção ou, no mínimo, a ausência

4 “Quando se tenta estabelecer práticas de abordagem em que a força estaria excluída exceto emdireta proporcionalidade pelo uso de força contra a polícia, retira-se da polícia toda iniciativaprofissional de uso comedido e adequado da força. De fato, acaba por se remover das organiza-ções policiais uma parte importante de sua superioridade de método diante das situações dedesordem, conflito e ilícito, vulnerabilizando os policiais na razão direta da gravidade da amea-ça enfrentada. Não é demais lembrar que os índices de vitimização policial têm sido extrema-mente elevados nas grandes cidades brasileiras”. P. 3, Muniz, et al., 1997.

5 Muniz, J.; Soares, B. M. Mapeamento da vitimização de policiais no Rio de Janeiro. UNESCO,Ministério da Justiça, ISER, Rio de Janeiro, 1997.

6 Ibid. Até hoje a PM é considerada força auxiliar do Exército, segundo o art. 183 da Constitui-ção de 1934, ainda vigente. P. 66.

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do Estado, a invisibilidade dos excluídos que, carentes de componentes refle-xivos, põem à prova a legitimidade do sistema.

• Talvez, na maioria dos casos, a violência não seja mais do que uma prova deforça que põe em questão o conjunto do sistema, de forma esporádica e pon-tual, sem levantar nenhum argumento moral. Para outros, uma forma de nãodesaparecer da rede, de deixar rastros, os rastros predatórios da morte violenta.7

1. Introdução

Essa pesquisa é um estudo de caso que tem por objetivo determinar o valoreconômico e simbólico que adquirem as armas de fogo quando negociadas nomercado ilegal criminal em favelas no Rio de Janeiro.

Faz-se um perfil das armas acauteladas no Estado do Rio de Janeiro e suainterseção com as registradas, para se chegar ao número aproximado de armasilegais em circulação no município do Rio de Janeiro.

Analisam-se os dados das armas acauteladas e que são do crime, na cidade doRio de Janeiro, para aplicar a estimativa das armas em circulação no estado e,depois, conhecer o volume de armas em circulação no município.

Estimou-se o número de armas usadas no crime em circulação no municípiodo Rio de Janeiro e calculou-se a proporção de armas que foram desviadas dalegalidade para o crime, assim como se analisou a evolução histórica dessas armas.

Determinaram-se as principais mudanças no perfil das armas usadas no crimeno Rio de Janeiro (por país de fabricação, tipo, calibre e marca), identificaram-seos preços com o qual essas armas são negociadas nos mercados criminais.

Depois, os preços nos mercados criminais foram comparados aos preços nosmercados legais e foram levantados os elementos que podem interferir com asvariações de preços nos mercados criminais: a) saber quais dessas armas que sãonegociadas no crime são utilizadas pela Polícia Militar, pela Polícia Civil e/oupelas FFAA (Fuzileiros Navais, Aeronáutica, Exército); b) indagar sobre os signi-ficados que as armas têm nos mercados criminais e quais delas são as mais valori-zadas pelos criminosos; c) determinar quais são os principais critérios que influemna valorização diferencial das armas no mercado criminoso do Rio.

7 Boltanski, L. e Chiapello, È. El nuevo espíritu del capitalismo. Capítulo 2, Primeira Parte. Edit.Akal, Madrid, 2002.“Aquele que, não tendo um projeto, deixa de explorar as redes, se encontra ameaçado com aexclusão, quer dizer, com a morte de fato, num universo reticular. Corre o risco de não voltar ainserir-se em projetos e, desta forma, deixar de existir.” P. 166.

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Calculou-se o valor econômico do mercado criminal de armas na cidade doRio de Janeiro.

Finalmente, analisaram-se os significados que os atores sociais envolvidos nouso das armas de fogo nas favelas atribuem a elas, destacando aquela simbologiaque interfere nos preços, assim como na prolongação do conflito armado.

1.a. O mercado criminal no Rio de Janeiro e a arma de fogo como mercadoria políticaAs armas de fogo se tornam mercadorias políticas quando desviadas e negociadas nocrime, pois o seu preço já não só depende das leis de mercado, mas também de avaliaçõesestratégicas de poder e do recurso potencial à violência.

Consta em algumas análises sociológicas que a cidade do Rio de Janeiro ca-racteriza-se historicamente por deter altos índices de ilegalidade tanto da mão-de-obra como dos negócios e produtos que são negociados (S. Rivero, Patricia, 2000).Outras análises atribuem não só ao Rio de Janeiro, senão ao Brasil, a característicada ilegalidade ou descumprimento das normas em várias esferas da vida, particu-larmente no âmbito econômico (Dos Santos, Wanderley, 1993). Portanto, não éestranho que, nesse contexto favorável à desregulamentação dos intercâmbios eco-nômicos, armas de fogo sejam negociadas ilegalmente.

Por outro lado, armas de fogo são utilizadas habitualmente nas favelas princi-palmente por diferentes facções do narcotráfico, como forma de garantir e afirmaro seu poder territorial e permitir o livre comércio de drogas, enfrentando para istoa polícia e também facções rivais, o que estabelece nas favelas do Rio de Janeiroum conflito armado permanente.8 Como saldo dessa situação o Rio de Janeiro éo estado que apresenta as taxas mais altas de mortes por arma de fogo, e as favelasdo Rio de Janeiro têm taxas de mortes por arma de fogo só comparáveis aos paísesem guerra.9

Pode-se afirmar que estudar as transações econômicas com armas que se rea-lizam nas favelas significa que estão sendo estudadas aqui as características de umtipo de mercado, mercado criminal. Em primeiro lugar, estamos tratando de ummercado que cumpre as regras dos mercados informais / ilegais e criminais. Ummercado onde se combinam as “dimensões políticas e econômicas, de tal modo

8 Ver definição do conflito e características do tráfico em favelas do Rio de Janeiro em Downey,Luke; 2003.

9 Ver em “Impacto da arma de fogo na saúde da população no Brasil”, Luciana Phebo, neste livro,ISER, 2005.

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que um recurso (ou um custo) político seja metamorfoseado em valor de troca”, deuma mercadoria política, no sentido em que Michel Misse (1997) utiliza o termo.10

Em grande medida, as armas de fogo nesse mercado adquirem a “autonomiade uma negociação política”, ou são quase parte dela, tornando-se, até certo pon-to, independentes das leis de mercado. Essas parecem entrar na negociação deforma oblíqua, e não verticalmente, por isto podem ser chamadas de “mercadoriaspolíticas”. Mercadorias políticas são as armas, quando desviadas e negociadas nocrime. O seu preço já não depende só das leis de mercado, senão de avaliaçõesestratégicas de poder e do recurso potencial à violência.

A regulamentação deste mercado, além de ser inexistente, é oposta à estatal,compondo assim o que se chama de mercado criminalizado, diferenciando-se dosmercados informais por sua dimensão política acentuada e porque esses últimostêm alguns recursos de legitimação normativa e/ ou social.

Negociar armas é negociar a força que seria de uso exclusivo do poder estatalde polícia. Se o Estado tem o monopólio do uso da força, a negociação do instru-mento de força não só compete com o Estado, mas contrapõe-se a ele medianteum ato criminal. Mais ainda quando dessa negociação vai se criar uma força decontrole territorial como seria a do tráfico de drogas nas favelas do Rio de Janeiro.A corrupção, que o autor também considera como “mercadoria política”, entraneste caso como tal, mas também politiza a mercadoria negociada, armas de fogo.O uso da força, que era monopólio do Estado, lhe é expropriado, seja por mem-bros do próprio Estado (corrupção), ou por indivíduos externos ao Estado (asgrandes transações de contrabando de armas que entram nas favelas cariocas, porterra ou por mar).11

10 A noção de político neste estudo é a seguinte: “uma determinada ‘ordem política’ legítima, quemonopolize o direito ao emprego da força, para, a seu contrapelo, ganharem eficácia na relaçãocom os membros dessa ´ordem política’. Custos e recursos políticos, bem como bens e resulta-dos políticos, não são aqui necessariamente os acumulados na esfera legítima do Estado nem osque se revestem de ´sentido coletivo’: podem ser operados, acumulados e trocados por indiví-duos, grupos, organizações, redes e mercados, sejam como meios para outros fins, seja pelo seu‘valor próprio’. Não precisam ter ‘sentido social ou coletivo’ nem aspirações universalistas. Suasoperações, seus operadores podem ser simplesmente ‘maus’, (qualquer que seja o sentido que seatribua a esse termo) e assim reconhecidos por seus agentes e vítimas”. Ver Misse, Michel, notade rodapé, p. 113.

11 Misse, M. “São muito diferentes entre si os tipos de ‘mercadorias políticas’, e a chamada ‘eco-nomia de corrupção’, com toda a sua variedade interna de tipos, é um deles. O que há deespecífico na corrupção como mercadoria política é o fato de que o recurso político usado paraproduzi-la é expropriado do Estado e privatizado pelo agente de sua oferta. Essa privatização deum recurso público para fins individuais pode assumir diferentes formas, desde o tráfico deinfluência até a expropriação de recursos de violência cujo emprego legítimo dependia da mo-nopolização de seu uso legal pelo Estado.”

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2. Métodos pouco convencionais: os dados sobre as armas, os preços e ossímbolos

Combinaram-se metodologias quantitativas e qualitativas, de modo que o estudo dasbases de dados de armas de fogo foi complementado pela informação obtida em entrevis-tas e grupos focais, realizadas com agentes sociais próximos às armas que circulam nocrime.

Uma parte do estudo se concentra na análise descritiva de dados sobre armasde fogo que constam das bases de dados de armas acauteladas e registradas daDivisão de Fiscalização de Armas e Explosivos da Polícia Civil do Rio de Janeiro(DFAE). A partir dessas bases (depois de terem sido corrigidos os erros de infor-mação), foram traçados os perfis das armas acauteladas e registradas no Estado doRio, possibilitando a posterior análise e projeção para estudar em profundidade operfil das armas que circulavam irregularmente na cidade do Rio de Janeiro. Tra-balhou-se na análise das armas acauteladas que foram apreendidas em situaçãocriminal, o que requereu uma primeira análise do conjunto das armas acauteladaspara poder diferenciar as que foram envolvidas em crime. A unidade de análisesão as informações sobre armas que constam nas bases de dados.

Outra parte da análise de dados baseia-se no cálculo estimativo. Neste estudoestimou-se em primeiro lugar a proporção de armas que eram acauteladas nomunicípio do Rio de Janeiro, já que esse dado não aparecia nas bases. Também seaplicou o método estimativo de cálculo de armas em circulação no Brasi, e essemétodo foi recriado para obter-se uma estimativa das armas que circulavam nocrime no município do Rio de Janeiro. Para saber o passo a passo metodológico daanálise das bases de dados sobre armas de fogo no mercado criminal da cidade doRio, ver ANEXO METODOLÓGICO I.

Para a abordagem específica do valor das armas de fogo no mercado criminalobtiveram-se informações sobre os preços das armas, e a unidade de análise estu-dada foram os próprios indivíduos (jovens “consultores de favelas” e policiais quefazem o trabalho operacional nas favelas), que conhecem e têm informações sobreas transações de armas de fogo feitas pelos criminosos nas favelas do Rio de Janeiro.

Nesta parte do estudo foram utilizadas técnicas de pesquisa do tipo qualitati-vo, como a realização de grupos focais e de entrevistas com “informantes qualifi-cados” e histórias de vida. Essas técnicas foram modificadas parcialmente e utili-zadas de forma pouco convencional e bastante heterodoxa, como forma de ade-quação a um objeto de estudo por vezes ambíguo ou de difícil abordagem emcampo.

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Com os policiais, trabalhou-se em grupos focais, depois de uma sondagem arespeito da melhor metodologia a ser empregada no trabalho com esses agentes ecom os temas abordados por essa pesquisa. Na aplicação dos grupos focais foramabordadas diferentes técnicas. Além da entrevista coletiva que supõe a realizaçãodo grupo focal, também se fez exposição prévia do tema de pesquisa com osentrevistados e trabalho em subgrupos para poder ter o reconhecimento das armase determinar os preços. A descrição detalhada do trabalho com os grupos focaisestá no ANEXO METODOLÓGICO II.

Com os jovens das favelas que conhecem armas de fogo e seu uso pelo narcotrá-fico, a metodologia foi diferente. Chegou-se à conclusão, havendo iniciado o pro-cesso de pesquisa de campo, que seria melhor trabalhar com cada um individual-mente, durante períodos mais longos, como forma de criar espaços de diálogo ecomunicação. Foram, portanto, aplicadas as técnicas de entrevista e histórias devida, e o trabalho com cada um deles estendeu-se durante vários meses, até estabe-lecer um vínculo mais estreito que permitisse um melhor trabalho de pesquisa. Paraessa parte do estudo os passos são descritos no ANEXO METODOLÓGICO II.

Para destacar as regras e lógicas que funcionam no mercado criminal de armas,se fez um levantamento também dos preços do mesmo tipo, modelo e calibre dearmas nos mercados legais, nacional12 e internacional. Nesse contraponto, foi pos-sível determinar com maior clareza os critérios específicos dos mercados criminais.

Junto com a indagação sobre os preços com que se negociavam as armas nosmercados criminais, também se levantou informação sobre o significado que asarmas tinham para os próprios agentes envolvidos no uso ou mais próximos dasarmas nas favelas. Foram levantadas questões subjetivas associadas aos sentimen-tos que as armas despertavam, as imagens que passavam, as sensações que confe-riam àqueles que as usavam. Também indagou-se acerca do conhecimento que osatores sociais envolvidos tinham das armas, assim como das transações que serealizavam (ver ANEXO METODOLÓGICO III). Obtiveram-se também in-formações que deixaram claras as características atribuídas ao conflito no qual asarmas eram utilizadas.

Também foram realizadas entrevistas com agentes policiais civis que cuida-vam do depósito de armas e com agentes da Polícia Federal que gerenciavam asinformações sobre apreensões de armas de fogo. As informações obtidas (geral-

12 A maioria dos dados foram levantados pelo pesquisador Júlio César Purcena para o estudo AIndústria Brasileira de Armas de Pequeno Porte e Leves (APPL): Produção Legal e Comércio ecedidos pelo coordenador dessa pesquisa, Pablo Dreyfus, 2005.

13 Ver “Farsa é chamada kit sucesso”, Jornal do Brasil, 19 de julho de 2002.

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mente escassas) que foram de utilidade nessa pesquisa estão inseridas no corpodesse texto, na metodologia, na análise e nos resultados.

Portanto, para a obtenção dos resultados, foram usadas neste estudo, de for-ma alternada, técnicas e análises quantitativas e qualitativas, ambas interagindo ecomplementando-se.

3. Os dados da ilegalidade – o desvio de armas de fogo para o crime

Chama poderosamente a atenção o crescimento do volume de armas que são acauteladasem situação criminal. Entre as armas de fogo acauteladas, 81% aparecem como armasque nunca tiveram registro, e só 19% das acauteladas são armas com registro prévio.Portanto, um quinto das armas relacionadas a crimes foram adquiridas legalmente.

As armas acauteladas no Estado do Rio de JaneiroFreqüentemente aparecem notícias acerca de armas roubadas das próprias ins-

tituições policiais e depois apreendidas em crimes ou de armas exibidas pela polí-cia como recentemente apreendidas e depois reconhecidas como armas pertencen-tes ao próprio acervo da polícia.13 Uma indagação mais apurada da situação dasarmas acauteladas pela polícia permitiu melhorar a organização dos dados e obtermais informação sobre o destino real dessas armas.

É necessário destacar que as armas acauteladas são aquelas apreendidas pelapolícia por se encontrarem em situação de irregularidade: falta de registro; porteilegal ou apreendida em situação de crime. Por compor o universo da ilegalidade,as características das armas acauteladas são importantes para introduzir-nos nonosso objetivo de estudo. Por esse motivo, aqui apresentam-se alguns dos dadosque mostram as porcentagens de armas dentre as acauteladas que tiveram registroalguma vez. Configuram-se assim as dimensões do desvio de armas, ou seja, aproporção de armas de fogo que em algum momento foram legais e passaram àilegalidade.

Depois de um árduo trabalho de depuração e limpeza das bases de dados (verANEXO METODOLÓGICO I), sabe-se que, das armas acauteladas, 81% apa-recem como armas que nunca tiveram registro e só 19% são armas com registroprévio.14 Desses 81% de acauteladas sem registro já foram retirados da contagem

14 Antes do trabalho de correção de erros das bases de dados, coordenado e realizado por PabloDreyfus junto à equipe de pesquisadores do Iser, as porcentagens de armas acauteladas comregistro eram diferentes: 66% sem registro e 34% com registro. Depois de corrigidos os erros,verificou-se um aumento na proporção de armas acauteladas sem registro.

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O gráfico 1 mostra duas situações diferenciadas de ilegalidade: 1) a porcenta-gem de armas que não tiveram registro e aparecem no crime (neste caso, muitoelevada, com 81%); 2) a porcentagem de armas que alguma vez tiveram registro e,portanto, em algum momento foram legais e posteriormente desviadas para a ile-galidade e o crime (19%, o que mostra uma porcentagem de desvio considerável).

Pode-se afirmar que a maioria das armas que aparecem em crimes no Estadodo Rio já eram ilegais desde o início, mas que 1/5 delas era registrada (legal) eacabou no crime. Ambas as situações alertam para a falta de controle em relação àcirculação ilegal de armas de fogo, chamando a atenção para o fenômeno da ilega-lidade das armas que apresenta, no Rio de Janeiro, altíssimas proporções. Portan-to, para evitar a ilegalidade e o desvio, serão necessários controles desde os locaisonde são produzidas as armas, até o comércio e as rotas por onde elas entram(fronteiras entre estados e países), assim como das instituições públicas e privadasque utilizam armas de fogo.

4. Marcas de nascimento – a letalidade das armas do crime

A maioria das armas são revólveres de origem brasileira, mas sua participação decresce noperíodo mais recente. A porcentagem de pistolas e fuzis, por sua vez, tem um crescimentoacelerado na última década. Apesar disso, o fuzil continua a ser o tipo de arma com amenor proporção.

7,7% de armaas que foram devolvidas ao proprietário e 0,2% que foram incorpo-radas ao patrimônio (armas que foram para perícia e ainda não se determinou seestavam envolvidas em crime). Ver gráfico a seguir:

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Aumenta a presença de armas artesanais, o que mostra um crescimento da ilegalidadetambém na produção de armas. Os dados revelam, de todo modo, a crescente letalidadedas armas utilizadas no crime.

Características gerais das armas acauteladas no estadoInicialmente, apresentaremos as características gerais das armas acauteladas

no estado, já mostrando as porcentagens que representam as armas de uso restritoaos civis.

Por país de origem da arma, a maioria das armas acauteladas no estado entre1951 e 2003 é de fabricação nacional (aproximadamente 80%), seguidas emmenor proporção por aquelas de fabricação americana (7%) e pelas de origemespanhola e belga (3%). No caso das espanholas, como confirmamos mais adian-te, há armas acauteladas muito antigas, talvez estoques restantes da guerra civilespanhola e outros mais recentes, produto da crise das empresas produtoras dearmas na região de Éibar, no norte da Espanha. As armas belgas, mais modernase de grande poder de fogo, podem estar relacionadas a contrabandos recentes etambém a roubos e desvios das forças de segurança para o crime. Também en-contram-se, em menor porcentagem (2%), armas provenientes do país vizinho,Argentina, o que nos faz pensar nas rotas de tráfico de armas entre países frontei-riços no Mercosul. Se olharmos essas armas de acordo com o tipo, seu perfilcomeça a ficar mais claro:

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A maioria está composta por revólveres (67%), o que tem relação com o tipode arma produzida no Brasil. Depois seguem as pistolas, com uma porcentagembem menor (16%), mas importante, em relação aos outros tipos de arma. Espin-gardas e garruchas, também a maioria de origem nacional, seguem em importân-cia, com 6 e 7% respectivamente. As carabinas, os fuzis e submetralhadoras com-põem o panorama contribuindo com porcentagens ainda menores (1% cada tipo).É interessante olhar para essas porcentagens por período, para saber se esse quadrose modifica e quais tipos têm aumentado nos últimos tempos:

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Prosseguindo o exame sobre as características dessas armas, veremos, nos grá-ficos seguintes, que, entre as pistolas, predominam as marcas nacionais e, entre osfuzis, as marcas estrangeiras, embora a tendência seja o aumento de armas decalibres cujo uso é proibido para os civis:

Efetivamente, há algumas modificações substanciais no tipo de armas acautela-das no último período. Cresce a porcentagem de pistolas em detrimento da propor-ção de revólveres. Por outro lado, se os fuzis não aparecem no primeiro período, já nosegundo período representam 2% do total de armas. Ambos os fatos são confirma-dos pelas informações qualitativas a esse respeito, em documento mais adiante (verem entrevistas, depoimentos sobre o tipo de armas mais vistas nas favelas).

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211O Mercado I legal de Armas de Fogo na Cidade do Rio de Janeiro

No caso dos fuzis, o perfil é outro:

De qualquer forma, das pistolas acauteladas, a maioria é de origem nacional ea marca Taurus é uma das mais comumente encontradas. Também as pistolasImbel aparecem entre as acauteladas, reafirmando a idéia de roubos e desvios, jáque esse tipo de pistola é de uso exclusivo das forças de segurança nacionais (For-ças Armadas e Polícia Militar).

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212 Brasil : as armas e as vít imas

Há um claro predomínio dos fuzis de origem americana (das marcas Colt eRuger), seguidos em menor quantidade por aqueles da indústria nacional (daImbel) e em terceiro lugar pelos fuzis de origem chinesa (Norinco). Portanto,além de ser armas que se desviaram para o crime, neste caso há armas que devementrar via contrabando. Essas informações parecem constatar o suposto aumentode poder de fogo do narcotráfico nas favelas do Rio, já que a maioria são armasutilizadas em guerras e conflitos bélicos diversos no mundo e fazem parte do quena literatura internacional se denomina de armas pequenas de estilo militar (SmallArm Survey, cap 1, 2002).

Havendo traçado um perfil sintético das armas acauteladas no Estado do Riode Janeiro, a continuação desta pesquisa focaliza as armas que foram acauteladasno município do Rio e basicamente aquelas que correspondem aos últimos dezanos de acautelamento, para depois analisar especificamente as armas acauteladase que são parte do crime.

5. Cidade Maravilha – a cidade e suas armas

Cresce o desvio, já que a participação das armas com registro acauteladas emvirtude de crime, aumentou desde o primeiro período (1951-1981) até o último(1993-2003), em 53%.

A maioria das armas apreendidas são de origem brasileira (76%), seguidas dasprovenientes dos Estados Unidos (10%) e das que vêm de países vizinhos, comoArgentina (3%). A maioria são revólveres (61%) e pistolas (27%). Os fuzis têm asmaiores porcentagens de aumento nos últimos dez anos, e a maioria é de origemamericana, indicando o aumento da letalidade das armas do crime.

Existem 4,3 armas de fogo por cada 10 habitantes homens de entre 15 e 65anos na cidade do Rio de Janeiro, e mais de 17% das armas de fogo que circulamna cidade são armas usadas para cometer crimes. Existe disponibilidade das armasna cidade, e a possibilidade de que essas armas sejam utilizadas em atos crimino-sos é de quase 1 em 6.

Armas que circulam no município do Rio de JaneiroComo esse estudo concentra-se na cidade do Rio de Janeiro e não no Estado,

através de métodos estimativos calculou-se a proporção de armas acauteladas queforam acauteladas na cidade, isolando aquelas que estavam envolvidas em crime(ver ANEXO METODOLÓGICO I). Também mediante esses métodos obteve-se a proporção de armas em circulação no município do Rio de Janeiro.

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A estimativa do número de armas totais e do crime em circulação no municí-pio do Rio relacionada à população masculina maior de 15 anos de idade domunicípio baseia-se no fato das principais vítimas de morte por arma de fogo noBrasil serem homens jovens (entre 15 e 29 anos de idade). Também se projetaramas proporções estimadas de armas do crime, no universo das armas em circulaçãono município do Rio, para configurar as dimensões do mercado criminal de ar-mas de fogo na cidade.15

A tabela mostra que existem 4,3 armas de fogo por cada 10 habitantes ho-mens entre 15 e 65 anos na cidade do Rio de Janeiro, e que mais do 17% dasarmas que circulam na cidade são usadas para cometer crimes. Existe uma dispo-nibilidade de armas na cidade, e a possibilidade de que essas armas que circulamsejam utilizadas em atos criminosos é de quase 1 em 6.

Também indagou-se a possibilidade de que essas armas do crime na cidadefossem produto de desvios. A porcentagem de desvio foi calculada entre as armasque circulavam no crime no município do Rio de Janeiro, projetando nelas asproporções de armas acauteladas em situação criminal e que tiveram registro emalgum momento. O gráfico a seguir mostra essa proporção:

O interesse é no universo das armas que circulam no município do Rio deJaneiro e nas armas que são objeto de troca ou negociação no mercado criminal, jáque o estudo particular dos valores econômicos e simbólicos dessas armas recainaquelas que pertencem ao mercado de trocas e de câmbio no espaço criminal,particularmente nas favelas do Rio de Janeiro. Conhecendo as proporções de ar-mas em circulação no município do Rio e particularmente no crime obtiveram-seos seguintes índices de armas em circulação por habitante:

15 Ver, nesta publicação, estimativa e índices de armas de fogo em circulação no Brasil em: Where,Whose and What: Mapping Small Arms Holdings in Brazil; Rubem Cesar Fernandes, PabloDreyfus e Marcelo de Sousa Nascimento.

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A porcentagem de armas que se desviam da legalidade para o crime na cidadeé ainda maior do que a porcentagem observada de armas que se desviam para ailegalidade no Estado do Rio (21% e 19% respectivamente). A complexidade darede urbana, onde se concentra a maior parte do conflito armado, contribui parao aumento de desvio. Por outro lado, quando a arma foi desviada já está havendoum ato criminoso, portanto, é mais provável que ela esteja sendo desviada paraentrar no circuito criminal.

É bastante interessante observar o padrão de desvio através do tempo, olhan-do a evolução das armas que foram acauteladas em crime mas tinham registro,que, portanto passaram da legalidade para o crime. O próximo gráfico mostraessa evolução, evidenciando o crescimento através do tempo do padrão de desviodo mercado legal para o crime. Vejamos:

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O presente gráfico acompanha os números de armas acauteladas que algumavez foram legais (com registro) e passaram ao crime através dos anos. Os desvios dearmas da legalidade para o crime na cidade começam a crescer estrepitosamente apartir do ano de 1972, tendo picos altos em 1970 e 1975. Esse ano coincide com aentrada massiva do tráfico de drogas nas favelas cariocas, especialmente voltadaspara o tráfico de maconha. O outro aumento importante de armas desviadas dalegalidade para o crime acontece nos anos de 1981 e 1982, quando começa a gene-ralizar-se o tráfico de cocaína. Daí em diante, a tendência é de crescimento, cha-mando a atenção o enorme crescimento durante a década de 1990, quando o des-vio de armas para a criminalidade chega aos níveis máximos. Na medida que au-menta a criminalidade com arma de fogo, também vemos aumentar o desvio dearmas. Tratando-se de tráfico de drogas, a tendência clara tem sido a do aumento dopoder de fogo dos grupos e facções que controlam o tráfico na cidade. Esse aumen-to tem sido quantitativo (maior número de armas) assim como também qualitativo(mais armas com poder de fogo maior). Isto, somado a políticas de segurança pú-blica quase sempre voltadas para a repressão e o confronto, contribuem para oaumento das armas também por parte dos criminosos. O aumento do desvio, alémde estar acompanhado não só de uma maior demanda por armas na cidade relativaao tipo de confronto que está acontecendo, também pode estar relacionado com acorrupção dentro dos aparelhos de segurança públicos ou privados que alimentamcom armas o crime, assim como com a ocorrência de delitos de roubo de armas.

Na medida em que o tráfico de drogas avança em alguns pontos da cidade, e oslucros desse tráfico aumentam consideravelmente, a probabilidade de desvios viacorrupção ou roubo também aumentará, estimulados pela possibilidade de lucro efacilitados pela falta de organização e cuidado no controle dos estoques de armas.

A seguinte tabela nos introduz no universo das armas que foram acauteladasno crime através do tempo, mostrando a origem das armas de acordo com seu paísde fabricação. Ver Tabela 2:

O que primeiro chama a atenção é a altíssima porcentagem de armas de fabri-cação brasileira acauteladas no crime. Novamente, a informalidade do mercadode armas, roubos, desvios (produtos da corrupção interna), todos sinais de falta decontrole do armamento, podem estar incidindo. A proporção dessas armas temum aumento considerável no segundo período, novamente acompanhando o pe-ríodo de aumento do tráfico de drogas na cidade.

Por outro lado, as armas de origem americana, com uma porcentagem bemmenor, são as segundas em importância dentro das armas em mãos dos crimino-sos. Isto não só demonstra a evasão de fiscalização e o contrabando de armas,como também o perfil das armas que são usadas no crime na cidade. As armas de

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fabricação americana têm a tendência a aumentar ao longo dos anos. Como vere-mos, grande parte das armas provenientes dos Estados Unidos são pistolas auto-máticas e fuzis, de alta letalidade.

As armas de fabricação argentina aparecem no terceiro lugar, confirmando apresença de armas provenientes de países limítrofes no crime carioca, como foimencionado anteriormente. Depois, as armas de fabricação espanhola, dentre asquais há muitas armas que chegaram ao Brasil no início do século XX, muitasfabricadas e utilizadas na guerra civil espanhola; e depois as armas restantes dafalência das indústrias artesanais de armas de fogo, fundamentalmente localizadas

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no País Basco, que fazem com que as armas espanholas apareçam em númeroexpressivo ainda no último período.

Vejamos agora, na tabela seguinte, as características dessas armas, de acordocom o país de fabricação, na última década de acautelamento:

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A importância dos revólveres dentre as armas acauteladas é visível, com umfluxo de crescimento no segundo período e uma diminuição no último. As pisto-las também aparecem em proporções importantes e, contrariamente aos revólve-res, decrescem no segundo período para crescer bastante no último, duplicando asproporções do período anterior. As garruchas, armas mais antigas, crescem deforma constante, fundamentalmente no segundo período. As armas tiro-a-tiro,pelo contrário, diminuem estrepitosamente. Como vemos, chama poderosamen-te a atenção o grande crescimento dos fuzis através dos diferentes períodos, funda-mentalmente no último. Também crescem em proporções importantes assubmetralhadoras. O crescimento desses dois últimos tipos de arma acompanha aentrada do tráfico de cocaína nas favelas do Rio, assim como o crescimento daviolência armada nessas áreas da cidade.

A mudança do tipo de arma no último período para armas de maior poder detiro e maior letalidade aparece claramente nos gráficos, e o conteúdo dessa mu-dança será clarificado na análise qualitativa desta pesquisa. Os gráficos que se-guem mostram mais claramente essa mudança, indicando o índice de variação dasarmas por tipo de armas e por período.

O crescimento de pistolas acauteladas, em relação a revólveres, é uma provado aumento do poder de fogo das armas do crime na cidade.

O crescimento estrepitoso do número de fuzis acautelados é também provadas características O crescimento estrepitoso do número de fuzis acautelados étambém prova das características que vai adquirindo o conflito criminal na cidade.

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Mostra claramente o aumento das armas com maior poder de fogo, portanto maisletais. Os fuzis também são armas associadas a conflitos armados internacionais ecarregam, do ponto de vista simbólico, uma tradição de letalidade relacionada àguerra ou à guerrilha. Como veremos mais adiante, os atributos dados aos fuzispelas partes em confronto não são nada irrelevantes na compreensão das caracte-rísticas e causas da violência criminal que produz tantas vítimas de morte porarma de fogo na cidade do Rio de Janeiro.

Olhando mais profundamente para o tipo de arma que teve seu uso no crimeaumentado nos últimos dez anos, podemos estabelecer, através de análise do perfildo tipo de armas, as características que tem o conflito em termos de letalidade. Eé só sabendo claramente que tipo de arma vai crescendo nesse meio que se podefazer uma política de segurança eficaz, seja de desarmamento, controle de tráfico,segurança nas fronteiras, controle de importação, de produção e comercializaçãode armas, bem como de controle dos estoques das forças de segurança nacionais.

Olhemos então para as características das pistolas e fuzis, os tipos em cresci-mento dentro das armas acauteladas no crime na última década:

Há um claro predomínio das pistolas de origem nacional, que tendem a cres-cer com o passar do tempo. E o crescimento das pistolas acauteladas no crime sedá entre aquelas de calibres cujo uso tem sido restrito à população civil. Resultam,portanto, de desvios dentro do território nacional ou de triangulação com paísesimportadores, mais provavelmente vizinhos. De qualquer forma, na última déca-

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da, também cresce o número de pistolas de origem americana (S&W, Ruger,Colt), de origem chinesa (Norinco), belga (FN) e espanhola (Llama). São todasde uso exclusivo das forças policiais e militares, automáticas e de grande poder defogo e letalidade.

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No caso dos fuzis, diferente das pistolas, há uma clara predominância das mar-cas provenientes de países estrangeiros. A maioria é de fabricação americana, segui-da pelos fuzis fabricados na China, Alemanha e Rússia, todos AK-47 ou cópiadesse padrão. Entre eles também se encontra o fuzil da Imbel, nacional, de usoexclusivo do Exército e da Polícia Militar, mas que tem uma freqüência importanteentre as armas acauteladas em atos criminais na cidade. As características e origensdos fuzis acautelados em crime na cidade reafirmam hipóteses de desvio ou roubosacometidos por ou contra as forças de segurança nacionais, assim como também docontrabando e tráfico de armas, realizado através de fronteiras não protegidas e dospontos principais de comunicação comercial com o mundo (portos e aeroportos).Portanto, esses dados apontam também para a existência de redes criminais inter-nacionais e nacionais vinculadas com diferentes níveis de corrupção nacional.

6. Os valores das armas: os preços e suas variações

O valor total do mercado criminal de armas de fogo na cidade do Rio de Janeiro, nosúltimos dez anos foi estimado em R$ 158.222.215 ou U$ 88.392.299, mais do que odobro do valor do custo direto total real da violência no Rio de Janeiro em 1995.

No caso dos fuzis, só podemos ter um claro panorama na última década, ondeo número destes entre as armas acauteladas no crime começa a ser expressivo.

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A soma dos preços médios no mercado criminal é superior à soma dos preçosmédios no mercado legal. As pistolas no mercado criminal são mais baratas queno mercado legal. Os fuzis, as metralhadoras e as submetralhadoras são mais carasno mercado criminal em virtude da sobre-valorização desse tipo de arma pelotráfico de drogas nas favelas, assim como também pela polícia que desenvolveoperações nessas áreas. No caso dos revólveres as diferenças de preços entre osmercados não são muito grandes, possivelmente porque são armas que geralmen-te se negociam de segunda mão e porque há uma desvalorização simbólica dessetipo de arma. Os índices de variação de preços do mercado legal são menores doque os índices de variação do mercado criminal.

As armas mais letais que aparecem no mercado criminal são também aquelasutilizadas pelas polícias civil e militar assim como pelas forças armadas do Brasil.A maioria delas, são provenientes de países estrangeiros. Elas apresentam um ele-vado índice de variação de preço no mercado criminal e são muito valorizadas.

Como foi explicado na parte metodológica deste estudo, pesquisaram-se ospreços e os significados que as armas tinham no mercado criminal carioca. Paraisto, as armas que compunham o perfil das armas acauteladas no crime nos últi-mos dez anos na cidade do Rio foram organizadas e selecionadas de acordo comcalibre, tipo e marca, para depois estabelecer seus preços médios no mercado cri-minal, no mercado legal, os índices de variação de preços em ambos os mercadose compará-los.

Convém mencionar rapidamente que a informação sobre o perfil das armasdo crime, assim como o estudo dos preços que as armas identificadas nas favelasteriam, pode estar sofrendo alguns bias associado àquilo que os próprios entrevis-tados reconhecem e valorizam. Por outro lado, também pode haver distorçõescausadas por trabalhar com preços médios, quando os índices de variação de pre-ços e os valores extremos são muito altos (ver a seção “Problemas metodológicos”no ANEXO METODOLÓGICO III). Como resultado final, para cada parcelado mercado criminal por tipo de arma havia um preço médio, em proporção coma quantidade deste tipo de arma que circulava na cidade.

Mesmo que possa haver algumas diferenças entre as proporções projetadaspor tipo de arma e a percepção dos entrevistados acerca do tipo de arma que maiscircula nas favelas, neste estudo foram levados em consideração os dados estima-dos (ver as razões dessa decisão em “Problemas metodológicos”, ANEXO ME-TODOLÓGICO III).

Na tabela 4 é condensada toda a informação básica sobre os preços das armasno mercado criminal, de acordo com tipo, marca e calibre.

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continua

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Como se observa, aparecem condensadas nessa tabela a maioria das informa-ções levantadas sobre as armas e seus preços nos mercados criminais contrapostoscom os preços para essas mesmas armas nos mercados legais, com os valores emreais e sua conversão para dólar americano. Também foram calculados os índicesde variação de preços, tanto das armas no mercado criminal como no mercadolegal, para estabelecer um contraponto comparativo entre eles. E, na última colu-na, a relação entre as armas, os preços e as forças de segurança pública que asutilizam. Todas essas informações foram pesquisadas com o intuito de conseguirdescrever e compreender as possíveis regras que funcionam no mercado de armasno crime, regras que podem ser relativas a valorizações econômicas e também asignificados e valorizações subjetivas atribuídas a elas, assim como a elementos depoder. As tabelas seguintes são uma lente de aumento dessa primeira tabela con-densada, e permitem uma análise mais detalhada.• A média dos preços médios no mercado criminal (R$ 3.972) é superior à

média dos preços médios no mercado legal (R$ 1.925).

• As pistolas no mercado criminal são mais baratas que no mercado legal. Adiferença de preços entre o mercado criminal e o mercado legal são bem maio-res, e as pistolas no mercado legal são muito mais caras. No mercado legal, aspistolas são valorizadas por sua capacidade de tiro, o material com que sãoconstruídas (no caso das pistolas Glock, feitas de carbono, material que écapaz de passar pelos detectores de metal sem ser percebido) e também porseus acessórios (silenciador, mira laser, carregador automático etc.). Porém,essa diferença de preço entre um mercado e outro parece ser mais justificadaem função da grande oferta de pistolas que há no mercado criminoso (decla-rado pelos entrevistados). Enquanto no mercado legal é muito difícil e custo-so adquirir pistolas, sobretudo porque a maioria é de calibres de uso restrito,o que restringe a venda dessas armas só a quem tem autorização para seuregistro e porte. Por haver restrições para a venda da maioria das pistolas, os

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preços são mais elevados no mercado legal e, portanto, influem sobre os pre-ços médios desse tipo de arma.

• Os fuzis, as metralhadoras e as submetralhadoras são mais caras no mercadocriminal, e isto segue a lógica sobre-valorização desse tipo de arma pelo tráfico

de drogas nas favelas, assim como pela polícia que desenvolve operações nes-sas áreas. O valor simbólico desse tipo de arma aparece mais claro na partequalitativa deste estudo. Por outro lado, seriam armas que, por sua especifici-dade (geralmente usadas em conflitos semelhantes a guerras ou guerrilhas),podem não ser tão requisitadas no mercado legal, portanto os preços nessemercado tendem a ser menores.

• Os revólveres são também mais caros no mercado legal do que no criminal,mas são bem mais baratos do que as pistolas. O seu baixo preço se explica pelaquantidade desse tipo de arma que circula no crime (segundo o gráfico 12,são 61% do total de armas acauteladas no crime). No caso dos revólveres, asdiferenças de preços entre os diferentes mercados não são muito grandes e opreço inferior dos revólveres no mercado criminal parece estar melhor explica-do pelo maior índice de variação (no mercado legal, o maior e o menor preçoestão mais perto da média do que no mercado criminal, cujos preços estãomais polarizados). A lógica aparentemente arbitrária do mercado criminal, otipo de revólver (geralmente obsoleto ou muito antigo) e o fato da arma nego-ciada ser geralmente de segunda mão, contribui para abaixar os preços. Tam-bém, como veremos nas entrevistas e grupos focais, no mercado criminal háuma desvalorização subjetiva dos revólveres em relação às armas automáticas,de maior poder de fogo e de aparência mais pesada. Além disso, considerandoo mercado legal de revólveres, temos variedades que hoje são valorizadas comoarmas de coleção, ou seja, quanto mais antigas, maior é o seu valor de merca-do. Esse valor, no mercado criminal, perde-se diante de outros critérios devalorização.

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Como aparecem claramente nas tabelas, os índices de variação de preços nomercado criminal são superiores aos índices de variação que se apresentam nomercado legal de armas. Os maiores índices de variação de preços no mercadocriminal se encontram entre as pistolas, oscilando entre 80 e 60% de variação namaioria dos casos, chegando nos níveis mínimos a uma variação de 20 pontospercentuais. Depois, com menos casos, temos índices similares de variação para assubmetralhadoras e metralhadoras, a maioria entre 80 e 70% de variação entre ovalor mínimo e máximo. Os revólveres se concentram em uma variação que oscila

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entre 60 e 50 pontos percentuais na maioria dos casos. E os que têm a menorvariação dos índices de preços no mercado criminal são os fuzis, com variaçõesque oscilam entre menos de 60 e 40 pontos percentuais. Portanto, temos armassobre as quais existe uma espécie de consenso estabelecido acerca dos preços pelosquais devem ser negociadas (os revólveres e fuzis fazem parte desse grupo). Ou-tras, já estão submetidas a maiores discrepâncias em relação aos valores de nego-ciação. O que gera menos divergência parece ser o fuzil, cujo preço é altamentevalorizado, se comparado com o preço do mercado legal (está extremamente su-pervalorizado neste sentido), parece ser muito difundido e produto de acordosexplícitos entre as partes que o negociam. A visibilidade simbólica do fuzil tam-bém deve estar contribuindo para gerar esses acordos, como veremos mais à frentena análise dos dados qualitativos. Parece haver ainda outra explicação para essamenor variação dos preços dos fuzis nesse mercado, e tem a ver com a menorvariedade de tipo de fuzis que circulam nessas áreas. Como veremos nas tabelasmais adiante, o fato de muitos desses fuzis serem utilizados por forças de seguran-ça aumenta a preocupação com a possibilidade do desvio ou do roubo de armas,o que pode influenciar a menor variabilidade de seus preços. O caso da altíssimavariabilidade de preços das pistolas pode ser explicado fundamentalmente pelatambém altíssima variedade de pistolas que aparecem nesse mercado.• Os índices de variação de preços do mercado legal são menores do que os

índices de variação do mercado criminal. Isto confirma a maior heterogenei-dade do mercado criminal de armas de fogo, comparado ao mercado legal.A tabela seguinte mostra a relação entre o preço das armas de fogo, o índice de

variação desses preços e as armas que coincidentemente são utilizadas por diferen-tes forças de segurança na cidade (polícias e militares).

Foi pesquisada a relação entre preços das armas no mercado criminal e asarmas que eram de uso exclusivo da polícia ou das forças militares, mas que apa-reciam apreendidas em ocorrências criminais, tentando determinar outros ele-mentos, como desvio ou corrupção, que podem ter uma incidência sobre os pre-ços e os índices de variação de preços no mercado criminal.

As armas em que há um maior número de coincidências entre as acauteladasno crime e as utilizadas por uma força policial são as utilizadas pela Polícia Civil.Isto pode ocorrer, não necessariamente porque as armas dessa polícia estejam maissujeitas a roubo ou desvio do que as armas das outras forças, mas porque as armasque a Polícia Civil utiliza são mais heterogêneas e, entre elas, as utilizadas pelasforças especiais dentro da Polícia Civil são as mais ambicionadas pelo tráfico, porseu poder de fogo, mas também por sua aparência e sofisticação. Estamos falandoaqui de armas, muitas delas fuzis, de origem estrangeira, que não são utilizadas

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por outras forças. Assim, essas armas também são as que podem estar chegando àsmãos do tráfico via contrabando. De qualquer forma, chama a atenção que esteseja justamente o tipo de arma usada pela Polícia Civil, cuja função é maisinvestigativa do que repressiva e de confronto, e as que mais coincidem com asarmas acauteladas em situação criminal (são 18 coincidências entre as armas dessaforça e as acauteladas em crime, contra 9 e 8 da Polícia Militar e das ForçasAmadas, respectivamente).

Já no caso das armas utilizadas pela Polícia Militar, a maioria das coincidên-cias encontram-se entre as armas fabricadas no Brasil, muitas delas também degrande poder de fogo, como o Fuzil FAL .762, também muito valorizado pelostraficantes, principalmente por seu poder de fogo e sua durabilidade. Mas tam-

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bém há revólveres Taurus e pistolas Imbel ou Taurus, que são utilizadas por essaforça e também são armas apreendidas em crime.• As armas mais letais que aparecem no mercado criminal são também aquelas

utilizadas pelas polícias civil e militar assim como pelas forças armadas doBrasil.

• A maioria delas são provenientes de países estrangeiros.• As armas usadas pelas forças de segurança, quando aparecem no mercado

criminal atingem os maiores índices de variação de preços.• As porcentagens de armas de fogo acauteladas no crime e que são usadas pelas

forças policiais e militares nacionais são as seguintes: 39% dos fuzis, 35% daspistolas, 22% das submetralhadoras e 4% dos revólveres.

• As armas usadas pelas forças de segurança são as mais caras no mercado crimi-nal e coincidem com as que são mais valorizadas nesse mercado.

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• Valor total do mercado criminal de armas de fogo na cidade do Rio de Janeiro, nosúltimos dez anos

• R$ 158.222.215• U$ 88.392.299 *(valor do dólar americano médio desde 1993 até 2003, construído

a partir do valor do dólar do mês de dezembro de cada um desses anos, U$ 1,7896segundo valores estabelecidos para o período pelo Banco Central do Brasil).

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Para refletir sobre esse número, vale a pena dizer que esse valor representa odobro do valor do custo direto total real da violência no Rio de Janeiro, que foi de37,6 milhões de dólares em 1995 (a maioria gasto em internações e emergênciasde atendimentos por violência intencional),16 valendo a pena também lembrarque grande parte dessa violência é gerada pelo bem que está gerando essa mesmarenda. Por outro lado, o comércio das armas de fogo no mercado criminal contri-bui para a reprodução de lógicas perversas de contravenção à lei e criminalidadeque permeiam parte dos aparelhos de segurança pública do Estado.

7. Significados das armas de fogo – os valores simbólicos

O “uso da força pela polícia” é diretamente proporcional ao “uso da forçacontra a polícia”.

O uso da arma, tanto pela polícia como pelo tráfico, acaba re-valorizandoconceitos militaristas como “combate”, “inimigo”, “confronto”.

A definição do conflito, similar para policiais como para os jovens das favelas,contribui para o seu prolongamento e torna-o cada vez mais letal, demandandoarmas mais caras, com maior poder de fogo e produzindo mais morte.

Para o jovem da favela, o acesso à arma, a entrada para a criminalidade, aparece comoum caminho de curto prazo para a rápida ascensão, obtenção de bens de consumo, pres-tígio, poder, dinheiro, mulheres, respeito. Relacionada à imagem do guerreiro, à virilida-de, à coragem, a arma de fogo é um elemento fundamental na construção de masculini-dade, tanto no caso dos policiais como dos jovens das favelas.

7. a. Policiais Militares e Armas de Fogo: uma relação de amor e respeitoSentimento ao usar a arma

A cultura do macho, do poder policial associado ao ethos guerreiro e masculi-no, fica evidenciada pelas falas em relação à arma.

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16 Ver em Crime, violência e economia na cidade. Iser/BID, 1995.

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234 Brasil : as armas e as vít imas

Mas, por outro lado, os sentimentos que as armas geram nos policiais são con-troversos e às vezes até contraditórios, dependendo da situação e da fase da vida.

Alguns termos utilizados para definir esses sentimentos são empolgação, pos-sibilidade de brincar, curiosidade, divertimento (quando, ainda crianças, entramem contato com armas); aventura e poder (quando usam armas no Exército),responsabilidade (ao lidar com armas na Polícia Militar).

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Os sentimentos, assim como as situações de uso das armas, são heterogêneos.No Exército, a sensação com a arma parece mais ficcional já que, apesar de lida-rem com inimigos e situações que para eles são claras e definidas, o uso da arma selimita aos treinos, sem haver enfrentamentos reais. Portanto, e porque ingressamno Exército mais jovens, a relação com a arma está vinculada à imagem de mascu-linidade, de guerreiro e também a algumas características lúdicas, expressas naspráticas de tiro ao alvo. Já na Polícia Militar o uso da arma se dá em enfrentamen-tos reais, onde o “inimigo” não está muito claro. A existência de regras, de conhe-cimento dessas regras e de preparo técnico para o uso da arma neste caso é funda-mental. O uso da arma é uma parte do uso da força comedida de polícia, portan-to, o preparo psicológico, legal e profissional para o uso é de importância vital. Adiferença entre o uso da arma no Exército ou na Polícia Militar tem origem emduas definições que diferem de acordo com a instituição: a noção de inimigo e adefinição do conflito. Ambas são abordadas a seguir.

Significado das ArmasA arma para o policial está associada a características claramente femininas,

como projeção dos seus sentimentos em relação ao gênero oposto. A arma é mu-

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235O Mercado I legal de Armas de Fogo na Cidade do Rio de Janeiro

lher, na expressão talvez mais idealizada que eles possam ter da mulher: é gênerofeminino e tem características que acompanham os atributos do feminino (“com-panheira”, “fiel”, atributos associados a docilidade e submissão), mas ao mesmotempo é símbolo de força e poder.

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Essas imagens reforçam os sentimentos antes descritos em relação à arma. Aarma de fogo aparece como o complemento ideal dos atributos masculinos, reafir-mando-os.

Primeiro contatoExiste familiaridade com a arma de fogo, pois, geralmente, os primeiros con-

tatos são na própria família, já que muitos dos policiais são filhos ou parentes depoliciais. Ou então na favela, local de origem da maioria dos policiais.

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O inimigoNo Exército, o inimigo aparece para os participantes como definido e identi-

ficável. Dentro do conceito de força combatente, o inimigo deve ser exterminado.Enquanto na Polícia Militar esse inimigo não está claro, é disperso, indefinido e ouso da força comedida de polícia exige a preservação da segurança do cidadão.

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236 Brasil : as armas e as vít imas

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17 Muniz, Jacqueline, et alii. “Uso da força e ostensividade na ação policial”. Em: Conjunturapolítica. Boletim de Análise n. 6. Departamento de Ciência Política – UFMG; p:22-26, abrilde 1999.

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237O Mercado I legal de Armas de Fogo na Cidade do Rio de Janeiro

considerado pelas classes abastadas como “o homem livre que praticava a violên-cia, a bravura, a ousadia ou o destemor como virtude”. Se refletirmos acerca douso desse termo no contexto estudado, podemos ver que se conservam várias dascaracterísticas essenciais da definição de épocas anteriores. Houve uma atualiza-ção da imagem, dos métodos, das aspirações e até das manifestações de violência.Mudaram também as armas, mas a “vagabundagem” continua sendo associada apadrões de comportamento desviante e a situações de exclusão social.18

A identificação do tipo de conflito reforça os conceitos militaristas de guerra ecombate ao inimigo que permeiam as práticas institucionais.

Caracterização do conflitoA definição do conflito como “guerra”, “guerrilha” ou “combate urbano” é

comum entre os policiais, e solidifica os conceitos militaristas em relação ao obje-tivo da ação policial: exterminar o inimigo.

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18 Para ver a evolução histórica do termo “vagabundo” no Brasil, os diferentes significados associa-dos à exclusão social e a discussão na teoria sociológica contemporânea sobre o termo: Escolhen-do entre fragmentos: qual trabalho é melhor sendo eu...? Os processos de informalização do trabalhono Rio de Janeiro. Cap. II.3. “Integração social e informalização no Brasil”, p. 49-54, Patricia S.Rivero.

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238 Brasil : as armas e as vít imas

Essa necessidade de extermínio contribui, por sua vez, para que a ação policialseja repressiva e violenta, na qual se resolve a situação com arma e bala. A alusãoa técnicas de guerrilha utilizadas pelo tráfico nos enfrentamentos com a polícia éfreqüente, e de uso reconhecido também pelos entrevistados de favelas. Nestecaso, é mais um elemento para justificar o uso indiscriminado da força repressivapor meio das armas. As políticas também têm incentivado essa atitude; premian-do em ocasiões o extermínio,19 promoveram a ação armada como dignificantepara os policiais, tanto que alguns deles ainda são promovidos por isso.

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Se complementarmos essas informações com o tipo de arma de preferênciados policiais para uso na favela, o cenário para a violência está pronto.

19 No ano de 1996, durante o governo de Marcello Alencar no Rio de Janeiro, eram premiados ospoliciais que mais ferissem, atirassem e matassem.

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239O Mercado I legal de Armas de Fogo na Cidade do Rio de Janeiro

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240 Brasil : as armas e as vít imas

Reafirmando os dados estatísticos, as armas de preferência dos policiais parauso nas favelas são aquelas de maior poder de fogo (maior número de tiros porsegundo, carregadores com mais munição), aquelas que servem para atirar a dis-tância, as que são mais resistentes, as que atravessam paredes e corpos. Por isso ofuzil calibre 7.62 é o preferido, e também utilizado pela Polícia Militar. A levezada arma em certas ocasiões parece ser importante para eles, por esta razão a prefe-rência pelo fuzil M16. Pelo barulho que faz a arma, que serve para intimidar, aescolha recai sobre a metralhadora Madsen 7.62 de 1932.20 Dentre as pistolas, aPT40 e a 3.57 são prefereidas por evitar reação e o calibre .380 é desprezado como“calibre anêmico”, por não ser tão poderoso.

As armas vistas nas mãos do tráfico são: 9mm, 45, Desert Eagle, AR15, AK,3.57 pistola, fuzil, M16 e Colt.

O poder de fogo almejado está fundamentado no poder de fogo do “inimi-go”; ter um poder de fogo “igual ao do tráfico”, com o objetivo de exterminá-lo.

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Corrupção:Embora colocado de forma indireta aos grupos, ficou claro que se estava que-

rendo indagar sobre corrupção dentro da polícia, relacionada a desvios ou tráficode armas. As respostas inicialmente são defensivas e evasivas, acusando-se altospoderes, mais abstratos, pela corrupção que parece ser só em grande escala e semparticipação dos praças.

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20 Se olharmos detidamente as características dessas armas, todas são de grande poder de disparo,com taxas altas de tiros, medidos usualmente em rajadas por minutos (no caso das metralhado-ras, submetralhadoras e fuzis). Ver Jane´s Guns Recongnition Guide. HarperCollins, 1996.

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241O Mercado I legal de Armas de Fogo na Cidade do Rio de Janeiro

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7.b. Armas de fogo na favela – sedução e destruiçãoÉ importante destacar que os “consultores” eram homens de 24 a 34 anos,

que nasceram e cresceram na favela, moram na favela (dois deles, além de morar,trabalham na favela) e estiveram perto do tráfico por terem interação direta compessoas que estavam dentro do tráfico. Um deles inclusive afirma ter sido “soldadodo tráfico” durante quatro anos, e estar a afastado há quatro anos das atividadescriminosas. Também se trata de pessoas que lidaram com armas de fogo, seja nasatividades do tráfico seja porque tinham parentes ou amigos que pertenciam aotráfico e possibilitavam o contato deles com as armas. Num dos casos, essa proxi-

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midade com as armas se consolidou por ele ter feito parte do Exército durantecinco anos e ter trabalhado com o controle de material no quartel, o que, além defardas e munição, incluía armas. Outro caso, além do contato no local de moradiae trabalho, teve contato com as armas porque trabalhou em uma firma de segu-rança e cuidava do equipamento e da administração das licenças. Outra pessoateve contato diretamente no tráfico, trabalhando como “soldado”. Nos três casos,o conhecimento das armas é muito profundo, como foi comprovado em testesiniciais e entrevistas.

Primeiros contatos com as armas de fogoPor todos três serem nascidos e criados em favelas e estarem na situação antes

descrita, temos depoimentos que mostram um contato com a arma desde o iníciode suas vidas:

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243O Mercado I legal de Armas de Fogo na Cidade do Rio de Janeiro

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244 Brasil : as armas e as vít imas

SensaçãoAs sensações com o uso da arma, no caso dos jovens da favela, podem ser

diversas. O entrevistado que foi “soldado do tráfico” mostra em seu discurso sen-timentos paradoxais.

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Por um lado, a arma gera medo, sabe-se que, quando se porta ilegalmente aarma dentro da favela, a possibilidade de morrer aumenta. Fundamentalmente nocaso de encontro com a polícia. Então, poderia se dizer que é uma situação deinsegurança. Mas, por outro lado, se fala de andar armado como um fator desegurança. Neste caso, estaria mais associado aos confrontos com pessoas de ou-tras facções do tráfico. Portanto, no encontro com a polícia, andar armado geramedo, insegurança; no encontro com membros de facções contrárias do tráfico,andar armado dá segurança. E neste último caso há outro fator envolvido, o que,em diversas ocasiões, o entrevistado chama de “contexto”. Esse contexto, que elesmesmos definem como de “guerra”, ou “guerrilha”, que faz com que se sintam“guerrilheiros”, como declara, de alguma forma coloca a necessidade do uso daarma frente a um dilema que os entrevistados definem como “matar ou morrer”.

Por outro lado, haveria um status que acompanha o uso da arma (o “bandido”tem um status) na visão dos entrevistados. Esse status do “bandido” baseia-se nosuposto “respeito” da comunidade. Então, neste caso, não é só o uso da arma, mastambém o personagem, que inspiraria respeito. Mas aqui também parece havercontradições, que foram indagadas. Esse respeito da “comunidade” não é paraqualquer tipo de traficante, mas apenas para aquele que faz algum tipo de obra oucumpre um serviço para a comunidade, nem que seja a organização do baile funk.Essa visão dos jovens em relação ao respeito por parte da comunidade fica emquestão quando se admite que o “morador não gosta de vagabundo” e tambémnão quer que os jovens se envolvam no tráfico. Seria uma espécie de imagem deespelho, quer dizer, a imagem que os jovens acreditam que os traficantes passampara o conjunto da população da favela. Essa imagem, que contém, sim, parte da“verdadeira imagem”, é muito mais complexa e contraditória do que pode parecer.

Armas de preferência e que se vêem na favelaAs armas indicadas como de preferência dos jovens da favela que estão vincu-

lados ao tráfico são as de maior poder de fogo. Isto significa maior número dedisparos por segundo e maior número de disparos por ter mais munição noscarregadores. É interessante ler um trecho de uma das entrevistas, que indagasobre preferência no uso de determinados tipos de armas pelos jovens envolvidosno tráfico. Perguntado sobre as armas que utilizava quando trabalhava no tráficode drogas, como “soldado do tráfico”, o jovem responde:

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246 Brasil : as armas e as vít imas

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247O Mercado I legal de Armas de Fogo na Cidade do Rio de Janeiro

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veres calibre 38, principalmente o “oitão”, como é chamado na favela o revólverTaurus .38. Isto tem a ver com a faixa etária dos nossos entrevistados, que estãofalando do início da última década até o momento atual. Então, neste caso, fazdez anos, esse tipo de arma era a mais comumente usada na favela. Também apistola Imbel é reconhecida como uma das primeiras armas a serem utilizadas eque circulavam comumente. Ambas as armas, como podemos apreciar na tabelaanterior (armas acauteladas por forças), são de uso da Polícia Militar e das ForçasArmadas.

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248 Brasil : as armas e as vít imas

Armas vistas segundo a época – variaçõesIndagando sobre esse aspecto, há uma clara percepção de mudança no tipo de

armamento desde o início até final da década de 1990. Como comprovam osdados, essa mudança favorece a entrada de armamento com maior poder de fogo,mais letal.

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249O Mercado I legal de Armas de Fogo na Cidade do Rio de Janeiro

E efetivamente é o que acontece, também comprovado pela análise das basesde dados de armas acauteladas no crime. Os entrevistados apontam como as ar-mas mais comumente vistas nas favelas na atualidade as seguintes: FAL e Para-FAL 762, AK 47, HK, HK G3, AR15, M16 fuzil, Imbel e pistola Taurus, .380,essas últimas atualmente chamadas de “calibre anêmico”, e desprezadas por nãoserem tão poderosas.

Embora também outros elementos, como “modas”, possam interferir nas pre-ferências pelas armas. Isto foi declarado pelos entrevistados, que associam essas“modas” à certa circulação de armas nas favelas em determinados períodos. Essesfluxos, segundo eles, podem estar relacionados às armas que são contrabandeadasou que usam e, fica subentendido, são negociadas ilegalmente pelas próprias for-ças da lei:

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250 Brasil : as armas e as vít imas

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O inimigoMais do que um inimigo, seriam dois tipos de inimigos. Um são as outras

facções, diferentes daquelas que estão ocupando a área, e que disputam continua-mente o território, para poder controlar o negócio do narcotráfico. Com esseinimigo, os enfrentamentos são diretos, armados e freqüentes. Outro, a polícia,com a qual a atitude é diferente. Ou se negocia com ela através do suborno,resumido naquela frase do Consultor 1: “a polícia não se mata, se compra”; ou setem uma atitude defensiva quando a polícia entra para ocupar o morro ou quan-do entra para apreender alguém do tráfico. Isto acontece tão somente como formade proteger a continuidade das vendas de drogas na área ocupada e não tem nadaa ver com algum tipo de obediência à lei ou respeito pelo poder do Estado.

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251O Mercado I legal de Armas de Fogo na Cidade do Rio de Janeiro

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mente, sem haver uma pergunta específica. Depois de ser colocada essa questãopelos consultores, ela foi utilizada sim, explicitamente, com os grupos focais depoliciais.

Há que se levar em consideração que, neste caso, as afirmações de corrupçãopolicial são recorrentes e comuns aos três entrevistados. Levam a atitudes de des-crença no poder público, de indefinição de quem é realmente o criminoso, setambém a lei se corrompe. Para quem vive nessa situação, é mais claro lidar combandido do que com a polícia, que nunca se sabe se também será bandido.

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252 Brasil : as armas e as vít imas

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Relação armas e hierarquia no tráficoO organograma apresentado mostra sinteticamente a estrutura do tráfico de

drogas com as suas respectivas subdivisões hierárquicas (autor: Luke Dowdney, 2003).Se em princípio parecerhaver tido alguma relaçãoentre o tipo de arma uti-lizada e a hierarquia quese ocupava dentro da or-ganização criminosa,atualmente, com a gene-ralização do uso da arma,essa relação coloca-se emquestão. De qualquer for-ma, aqui resgata-se o quefica de vínculo entre umacoisa e outra na atualidade.

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253O Mercado I legal de Armas de Fogo na Cidade do Rio de Janeiro

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cujos preços variam entre R$ 4.000 e R$ 13.000. O fuzis utilizados por elessão AK 47 (entre R$ 7.000 e R$ 12.000), AR 15 (entre R$ 8.000 e R$10.000), FAL (entre R$ 8.000 e R$ 10.000), submetralhadoras INA-Imbel,Taurus-Beretta, ou Uzi (entre R$ 4.000 e R$ 7.000), e metralhadoras FN eFN-míni, ou INA (entre R$ 9.000 e R$ 15.000).

• “Olheiros” e “soldados”: utilizam pistolas Imbel e Beretta 9mm (preços entreR$ 500 e R$ 1.000, e revólveres Taurus .38 (de R$ 150 a R$ 700).

ViolênciaA violência transformou-se para eles numa situação corriqueira, que permeia

o conjunto das relações cotidianas, aquilo que na linguagem sociológica que ana-lisa a situação das favelas é a “sociabilidade violenta” ou “naturalização da violên-cia” (Machado da Silva, Luiz Antonio; 2004, Iser). Crescem e vivem com diferen-tes tipos de violência, dentro da família, entre amigos, mais fundamentalmentepertencem a gerações em que o tráfico já tomou conta dos territórios e as disputasarmadas entre facções e/ou com a polícia são permanentes. A idéia de vida e mortetransforma-se, assim, na visão do efêmero, tanto de uma como da outra, ficandoem evidência a inter-relação entre ambas.

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254 Brasil : as armas e as vít imas

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conhecem bem a diferença dessa “guerra” para as verdadeiras guerras ou guerri-lhas, pois indagados a respeito respondem:

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255O Mercado I legal de Armas de Fogo na Cidade do Rio de Janeiro

ANEXO METODOLÓGICO I – As bases de dados, organização e análise

• Começou-se pela análise do universo das armas acauteladas (desde o ano de1951 até o ano de 2003) e registradas (desde o ano de 1951 até o ano de2001) no Estado do Rio de Janeiro.

• Segundo a DFAE, a informação sobre as armas registradas no Rio de Janeirotrata também das armas que são de fora do Rio, ou seja, aquelas que só foramregistradas pelo Sistema Nacional de Armas (Sinarm). O problema é que, em-bora devessem, não todas as armas estão registradas neste sistema, que é fede-ral.21 Portanto, há armas registradas nos estados e cuja informação não é repas-sada para o sistema. Também há armas que não são registradas, como aquelasde uso particular (não patrimonial), mas que pertencem aos policiais militarese bombeiros (o registro só está nos Batalhões e no Corpo de Bombeiros) e essainformação não passa para a DFAE. Então, o que se pode afirmar, é que dessaporcentagem de armas acauteladas sem registro, existe uma quantidade nãodeterminada de armas que não passaram pelo registro do Sinarm e que podemter sido registradas noutros estados; ou também, que essas armas podem ser depropriedade da Polícia Militar e/ou do Corpo de Bombeiros e só foram regis-tradas nos corpos específicos, sem passar pelo Sinarm ou pela DFAE. Nãotemos como calcular quantas dessas armas podem estar nessa situação e, por-tanto, a pesquisa remete aos dados de armas registradas e acauteladas pela DFAE.

• Focalizou-se nas armas que foram acauteladas em situação de crime: todas asarmas acauteladas, exceto as que depois de acauteladas foram devolvidas aosproprietários por haver tido sua situação regularizada e as que depois de acau-teladas foram para estudo no laboratório de balística, Instituto de Criminalís-tica Carlos Éboli (ICCE). Entre essas últimas se encontravam todas as armasutilizadas por policiais em ocorrências criminais, além das armas envolvidasem crime.

• Das armas acauteladas em crime se estudaram aquelas que foram acauteladasem crime no município do Rio de Janeiro, portanto houve necessidade separaras armas que eram do município daquelas acauteladas no resto do Estado do Rio.

• Para determinar a quantidade de armas acauteladas no crime no municípiodo Rio de Janeiro foi preciso fazer várias operações e algumas estimativas, jáque, na base de dados originária, não estavam diferenciadas as armas do mu-nicípio das armas do Estado. Para essas operações utilizou-se uma variável

21 Segundo informações obtidas em entrevista com policiais que cuidavam das informações sobreas armas do Depósito de armas da DFAE.

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256 Brasil : as armas e as vít imas

existente na base de dados na qual se identificava o órgão pelo qual se haviadado entrada à arma acautelada. Esse órgão podia ser a Delegacia de PolíciaCivil, o Batalhão de Polícia Militar ou alguma das Delegacias de Polícia Espe-cializadas. Se, por um lado, era possível supor que as armas acauteladas nasDelegacias de Polícia Civil (DPs) ou nos Batalhões de Polícia Militar (BPMs)no município do Rio de Janeiro eram do próprio município, isso não erapossível de ser determinado nas Delegacias Especializadas (DEs). Nestas, asarmas poderiam vir de qualquer lugar do Estado, pois não se limitavam aocorrências por circunscrição geográfica. Portanto, foi necessário fazer algunscálculos e estimativas para determinar o número de armas acauteladas, noslimites da cidade.

• Os passos para estimar o número de armas no município e criar uma base dedados com as armas acauteladas na cidade foram os seguintes:1) Utilizando a variável “órgão de entrada”, que existia na base de dados

originária das armas acauteladas, se separaram as armas acauteladas pelasDelegacias Especializadas daquelas acauteladas pelas Delegacias de Polí-cia Civil (DPs) e pelos Batalhões de Polícia Militar (BPMs) no Estado doRio de Janeiro. As proporções foram as seguintes: 38% das armas acaute-ladas estavam em DPs e BPMs no município do Rio, 18 % em Delega-cias Especializadas e 44% em BPMs e DPs do resto Estado do Rio.

2) Separaram-se as armas acauteladas pelas DPs e pelos BPMs no interior doestado e no município.

3) Calculou-se a porcentagem que representavam as armas acauteladas pelasDPs e pelos BPMs do município no total das armas acauteladas pelas DPse BPMs.

4) Projetou-se essa porcentagem sobre as armas acauteladas pelas DEs, cons-truindo uma amostra representativa do perfil das armas acauteladas poressas delegacias.

5) Desta forma, se estimou o número de armas acauteladas pelas DEs quepertenciam ao município do Rio de Janeiro, incorporando-as à base dedados das armas das DPs e BPMs também do município, para conformara base de dados das armas do crime acauteladas na cidade do Rio deJaneiro.

6) Calculou-se a porcentagem que representavam essas armas do municípiodo Rio no total de armas do estado. Como ao fazer a amostra de armasnas DEs a porcentagem se manteve, essa porcentagem continuava a igualà porcentagem que representavam as armas das DPs e dos BPMs do mu-nicípio no total das armas acauteladas (46,2%).

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257O Mercado I legal de Armas de Fogo na Cidade do Rio de Janeiro

7) Para determinar o número total de armas em circulação no município doRio de Janeiro, projetou-se a porcentagem que representavam as armasacauteladas deste no total das armas acauteladas no Estado do Rio, sobrea estimativa de armas em circulação para o Estado do Rio de Janeiro(calculada em 2.010.003 armas civis, profissionais e do Estado em circu-lação).22 Desse total, para o cálculo das armas que realmente podem estarcirculando no crime, já foram subtraídas aquelas que foram destruídas,calculadas em 101.859 armas. Portanto, 46,2% desse total (928.621 ar-mas) foi o número estimado de armas que circulam no município do Riode Janeiro.

8) Para conhecer o número de armas envolvidas em crime que circulam nomunicípio, aplicou-se o percentual estimativo calculado em pesquisa pré-via de 17,2% (ver em: Dreyfus, P. e Nascimento, M.; Posse de Armas deFogo no Brasil: mapeamento das armas e seus proprietários, neste livro,ISER/ Viva Rio, 2005) sobre o número total estimado de armas em circu-lação. O número obtido foi de 159.723 armas em circulação no crime nomunicípio do Rio de Janeiro.

• Essas estimativas permitiram construir dois índices:1) O que indica o número de armas em circulação no município do Rio, por

habitante.2) O do número de armas do crime em circulação no município do Rio, por

habitante. Utilizou-se para a construção desses índices por habitante areferência à população de homens entre 15 e 65 anos de idade, comomostra a tabela.

22 Considerou-se que seriam levadas em consideração, além das armas civis, as profissionais e doEstado, já que muitas das armas que aparecem no crime podem ser desvios ou roubos feitos nosarsenais de armas utilizadas por forças públicas etc., como se pode ver mais adiante.

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258 Brasil : as armas e as vít imas

ANEXO METODOLÓGICO II

Grupos FocaisForam realizados três grupos focais com policiais. A equipe realizadora foi

constituída pela pesquisadora responsável e a equipe da área de Capacitação Poli-cial do Viva Rio.

Sendo a técnica do grupo focal uma técnica de entrevista grupal, que pretendecaptar tanto o discurso dos agentes em relação ao tema a ser abordado, comotambém todos os sinais não-verbais, representados por gestos, silêncios, falas pa-ralelas, movimentos dentro do grupo, posição dos participantes no espaço, consi-derou-se ser a melhor técnica nessa ocasião. Como o tema era novo para sugeriruma discussão com e entre policiais e existiam muitos preconceitos por parte dospróprios policiais para abordar esse assunto, que não só tinha a ver com armas,mas também estava perto da abordagem de questões como a de corrupção e vio-lência policial no uso da força, o fato de estarem todos juntos poderia contribuirpara a diminuição da desconfiança. Talvez se perdessem informações provenientesde percepções individuais, no entanto, no final, ganhava-se em informação cole-tiva e em confiança.

O primeiro passo dado foi o envio de carta explicativa ao Comandante Geralda Polícia Militar do Rio de Janeiro, solicitando a participação de policiais quefizessem trabalho de ponta da PM em favelas para a realização de uma atividadede pesquisa. Mencionou-se na dita carta o nome da pesquisa como “Valor domercado ilegal de armas” e solicitou-se a participação de dois a três policiais decada um dos batalhões que, se sabia por análise prévia, tinham o maior númerode armas acauteladas no Rio de Janeiro nos últimos dez anos (ver tabela 1 aseguir). Essa solicitação foi enviada ao Comando Geral da PM em setembro de2003, recebendo resposta no dia 25 de novembro de 2003.

Portanto, desde que foi feita a solicitação para a participação no grupo focalaté receber uma resposta passaram-se dois meses. Nesse tempo, fizeram-se conta-tos diretos, na CFAP- PM, para recrutar policiais que estivessem interessados emparticipar do grupo focal. Previamente, fizemos uma entrevista coletiva com qua-tro sargentos capacitadores da PM, que participavam do curso de Capacitação doViva Rio. Nesta entrevista, testamos as perguntas elaboradas sobre armas (expe-riência pessoal, preferências, percepção e preços), e pôde-se observar que a reaçãoàs perguntas, contrariamente ao pensado, era positiva, havendo inclusive entu-siasmo em falar do assunto e responder às perguntas. Fizeram-se poucas modifica-ções no roteiro de perguntas. Considerou-se essa entrevista grupal como o primei-ro grupo focal realizado.

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259O Mercado I legal de Armas de Fogo na Cidade do Rio de Janeiro

Arma passava a ser um tema que motivava a discussão com os policiais, equando eles percebiam que a pesquisadora tinha conhecimento de armas, esseentusiasmo crescia. Havia também em torno desse assunto uma certa neutralida-de técnica e uma devoção ao objeto que estava em discussão.

Depois dessa entrevista coletiva, os quatro sargentos participantes servirampara chamar outros membros da PM, desta vez praças, para realizar o segundogrupo. Esse grupo seria recrutado informalmente, nos jardins da CFAP, onde,convocados pelos sargentos, foram informados pela coordenadora dessa pesquisado motivo pelo qual estavam sendo convocados e foram chamados para nossa“reunião de discussão sobre armas”. Havia muita curiosidade, expectativa e umpouco de receio, mas os presentes já tinham se comprometido com os superioresa participar, e em troca seriam liberados do serviço durante o dia da entrevista.

O critério usado para a seleção e informado aos sargentos era que se precisariade policiais, cabos e/ou sargentos (de preferência cabos) que trabalhassem emBPMs próximos ou de favelas, onde o conflito entre a polícia e o tráfico era forte,e que tivessem experiência no uso de armas.

Essa solicitação foi atendida, e participaram desse grupo integrantes do Bata-lhão de Operações Especiais (Bope), do 3º BPM (Méier), do 22º BPM (Comple-xo da Maré), do 9º BPM (Rocha Miranda) e do 18º BPM (Jacarepaguá), a maio-ria de unidades “muito ativas em conflitos armados”. Estavam contemplados des-sa forma os principais critérios estabelecidos originariamente para a composiçãodo grupo. Assistiram 11 integrantes da PM, sendo 10 cabos e 1 sargento. A maio-ria entre 30 e 37 anos de idade e todos com oito anos de polícia, exceto o sargento,com 20 anos de polícia.

O terceiro grupo focal, depois de recebida a aceitação por parte do ComandoGeral da PM e de serem convocados os policiais de acordo com os critérios solici-tados na carta de solicitação institucional do Iser, foi realizado finalmente no dia11 de fevereiro de 2004.

Compareceram 13 PMs, dos 15 convocados inicialmente pelo Comando Geralda PM. Não compareceram os que, no tempo entre a convocação (novembro de2003) e a data de realização da atividade de pesquisa, mudaram de unidade ouporque foi convocado um outro no lugar. Também participaram alguns nomesque não estavam na lista dos que seriam convocados, e a justificativa foi a mesma.

O grupo era formado por policiais com no mínimo 3 e no máximo 25 anosna Polícia Militar. Foi um grupo mais heterogêneo do que o anterior quanto àexperiência dos participantes. Naquele momento, os participantes estavam, emsua grande maioria, atuando em funções administrativas, isto é, não estavampresentes, diariamente, nas atividades de rua, no chamado policiamento ostensi-vo, portanto, um cenário bem diferente dos primeiros grupos.

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De qualquer forma, a não presença dos policiais desse grupo nas ruas nãoinviabilizou a dinâmica do grupo, tendo em vista que, de uma maneira ou deoutra, todos ali tinham experiência passada, em alguns casos recente, de trabalhonas ruas.

Vale destacar que foi prontamente atendida a solicitação, feita ao ComandoGeral, de liberar participantes oriundos de batalhões localizados em áreas de con-flitos armados entre traficantes e policiais; sendo assim, contamos com represen-tantes das seguintes unidades policiais: 3º BPM – Méier, 9º BPM – Rocha Miranda,14º BPM – Bangu, 16º BPM – Olaria e do GEPCPB – Grupamento Especial dePoliciamento do Complexo Penitenciário de Bangu.

Entrevistas ou “consultorias” com “especialistas” em armas de favelasTive no mínimo reuniões periódicas durante dois anos com dois jovens de

favelas especializados, por sua prática, em armas de fogo. Essa experiência nãoestava só relacionada ao seu contato visual com as armas desde que nasceram(ambos nasceram em diferentes favelas do Rio de Janeiro onde, atualmente, oconflito armado está instaurado com força). Eles, ao longo das suas vidas, tiveram

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contato direto com as armas, tendo sido, os dois, parentes próximos de traficantescom responsabilidades na área (gerentes do tráfico). Por outro lado, ambos tive-ram experiências mais recentes com armas, um deles por ter estado no Exército eser encarregado do controle do armamento no quartel onde servia durante cincoanos, o outro por haver trabalhado numa empresa privada de segurança e tambémser encarregado do equipamento, que incluía armas e munições.

Portanto, meus consultores eram ambos amplos conhecedores de armas e tam-bém sempre tinham estado em contato direto com pessoas envolvidas no tráfico.Embora, é importante ressaltar, nenhum deles tinha ou teve envolvimento com otráfico, tendo, cada um deles, optado por caminhos pessoais totalmente diferen-tes. Atualmente, eles se dedicam a “fazer o que gostam”, definido por eles mesmoscomo a condição mais importante na vida. Desse ponto de vista, eu poderia falarque meus consultores eram, além de especialistas em armas, verdadeiros vencedo-res, frente a esse roteiro de revolta violenta e falta de oportunidades que se inter-punha permanentemente na suas vidas.

Formalmente, trabalhei sobre os preços, quatro semanas com cada um deles.Informalmente, faz um ano que eles nutrem a pesquisa de ricas informações, jánão só acerca dos preços das armas, mas de lições de vida.

O método de trabalho foi desenvolvido em várias etapas:1. No primeiro encontro, além das apresentações, e a apresentação do tema da

pesquisa, focalizada na questão do meu interesse pelo preço das armas no mercadocriminal, mostrei várias fotos de armas para cada um deles e pedi que identificas-sem tipo, marca, calibre e país de origem, se possível. O objetivo era avaliar oconhecimento de cada um.

2. Obtendo uma margem pequena de respostas incorretas (uma ou duas decada dez armas mostradas, sendo que o erro não era em todas as categorias pedi-das, mas em algumas), passavam ao segundo momento. Consistia numa pequenaentrevista na qual me dissessem a experiência que traziam em relação às armas.Nesse momento inicial, os discursos eram reduzidos, desconfiados, tímidos, em-bora servissem para continuar avançando na pesquisa.

3. Depois, no terceiro encontro que tive com cada um, distanciados no tempo(em diferentes meses), já apresentava para eles uma lista em Excel com as armas,descritas segundo calibre, tipo e marca, e sentávamos juntos para preencher ospreços que eles acreditavam ser os preços negociados no mercado criminal.

4. No momento em que preenchíamos os preços na planilha, quando olháva-mos para os dados de cada arma abriam-se arquivos com fotos, que identificavamvisualmente essas armas. Isto facilitava o trabalho, a identificação e ajudava nadinâmica da relação.

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5. Na medida em que eles percebiam que eu tinha algum conhecimento dearmas, contavam histórias em relação às armas, primeiro alheias e depois maispessoais. Algumas eram histórias sobre armas vistas ou manuseadas, outras, sobreroubos, desvios, corrupção policial. Também havia histórias que identificavam ouso dessas armas pelos traficantes das favelas, em enfrentamentos com facções oupoliciais ou na rua ou em bailes funk. Nada disso era gravado ou escrito, pois navez em que tentei gravar uma dessas sessões, houve inibição e até rejeição. Foiabandonada, então, a idéia ainda prematura de gravar a sessão ou qualquer tipode entrevista sobre o assunto.

6. Completado o período que tinha trabalhado com cada consultor (depois detrês meses, aproximadamente), chamei cada um em separado, como sempre, paraver os preços que o outro tinha dado, confrontando as informações para ver sealgo era modificado. Pouco foi modificado, e ajudou a rever alguns erros.

7. Fiz ainda uma terceira consultoria, essa mais curta (de uma semana) e umaentrevista, na qual confrontei informações e histórias contadas pelos dois consul-tores anteriores com um terceiro, desta vez, sim, ele era ex-traficante de drogas, deuma das favelas mais violentas do Rio de Janeiro. Ele, no momento da entrevista,já estava inserido num projeto social para jovens e cumpria algumas funções deliderança. Tinha saído do tráfico fazia quatro anos. As informações coincidiramcom as anteriormente recebidas, tanto na questão de preços como na simbologia.

8. Como exposto anteriormente, mantive contato permanente e informal comos consultores, e isto permitia corrigir alguns erros e renovar as informações sobrepreços e tipos de armas que se vêem nas favelas cariocas.

9. Próxima da análise de dados e havendo realizado os grupos focais compoliciais, fiz uma entrevista, história de vida, com cada um dos consultores, como objetivo de enriquecer a análise e aprofundar o estudo dos fatores simbólicos esubjetivos relacionados à visão da arma e também às condições que levavam elesao contato e valorização da arma. Também indaguei sobre os conflitos nos locaisonde viviam, como se posicionavam e sobre suas opiniões em relação ao uso daarma nesses conflitos.

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ANEXO METODOLÓGICO III

Os preços, o volume e os símbolosComo descrito na análise qualitativa, trabalhei com as planilhas dos preços

médios. Isto quer dizer que, se para uma arma tinha um preço de valor mínimo eoutro máximo, fazia-se uma média para o preço dessa arma, além de pôr na planilhatambém os dois valores resultantes. Fazia-se o mesmo com os preços dos diferen-tes consultores. Se um consultor falava um preço e o outro, outro preço para amesma arma, antes passava pelo terceiro consultor e depois fazia-se uma médiaentre os dois preços ou três (em caso de haver mais outro preço). Esta forma detrabalho está sujeita ao problema da sensibilidade que tem a média em relação aosvalores extremos. Por isso, em casos em que os valores eram muito extremos,procurava-se uma terceira opinião e só depois faziam-se as médias.

Quando se obtiveram todos os valores das “consultorias especializadas”, en-tão, sim, juntaram-se todos os valores de preços, os dados pelos consultores e osobtidos nos grupos focais com policiais, e calcularam-se as médias dos preços dasarmas organizadas por calibre, tipo e marca.

Realizou-se uma pesquisa sobre os preços dessas mesmas armas à venda nomercado legal internacional. Essa pesquisa, realizada na Internet, captou muitosdos preços das armas de origem estrangeira. Foram mais de 50 sites pesquisados.23

Adicionou-se a esses preços o resultado dos preços de armas nacionais capta-dos pelos pesquisadores que trabalharam sobre o mercado legal de armas no Brasile cedidos gentilmente para essa pesquisa (ver em The Brazilian Small Arms Industry:Legal Production and Trade, Pablo Dreyfus, Benjamin Lessing and Júlio CésarPurcena, 2004).

Construíram-se preços médios e índices de variação de preços no mercadocriminoso e legal e compararam-se os comportamentos dos preços em ambos osmercados. Ver tabela de preços.

23 Alguns dos sites pesquisados são: http://www.colt.com/colt; http://www.ruger-firearms.com/;http://www.beretta.com/; http://www.browning.com; http://www.fullaventura.com.ar/; http://www.smith-wesson.com/contentbuilder/layout.php3?contentPath=content/00/01/32/01/03/userdirectory33.content&; http://www.egoibarra.com/Eibar/Armagintza; http://www.vr-waffen.de/Museum/museum.html; http://www.ifrance.com/littlegun/arme%20belge/aa%20image%20armes%20belge.htm; http://world.guns.ru/; http://www.myaflb.com.ar/;http://www.cdi.org/adm/AS.html; http://www.davidsonsinc.com/consumers/subsites/inven_search.asp?dealer_id=532910; http://www.gzanders.com/dhomepage.html; http://www.bsporting.com/; http://www.gunfinder.net/getprice/index_handguns.shtml; http://www.gunsamerica.com/fast.cgi?order=newfirst&guncat=1670 etc.

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Calculou-se uma média final para cada tipo de arma, projetada depois nasporcentagens de armas para cada tipo que, por sua vez, foram calculadas sobre aestimativa de armas em circulação no município do Rio de Janeiro.

Com isto, obteve-se o montante de valor de cada tipo de arma em circulação,assim como o valor das armas em circulação na cidade do Rio de Janeiro.

Finalmente, calculou-se esse valor para aqueles 17% estimados como armasem circulação no mercado criminal de armas, desta vez, calculado sobre as armasem circulação no município do Rio.

Adicionaram-se informações sobre as forças policiais e/ou das FFAA que uti-lizavam o mesmo tipo de arma que aparecia no mercado criminal, tentando de-tectar a presença do desvio de armas de forças como um fator que interferissesobre alguns preços ou sobre a variação dos preços no mercado criminal.

Introduziram-se alguns dos significados e valorizações que tanto os policiaiscomo os consultores das favelas davam às armas e aos conflitos que envolviamessas armas, tentando também captar interferências entre esses valores simbólicose os valores monetários e variações de preços das armas nos mercados criminais.

Finalmente, foram adicionadas as fotos das armas que, segundo os consulto-res, eram as mais vistas nas favelas e que coincidiam com a análise dos dados deperfil e evolução das armas acauteladas no crime na cidade do Rio de Janeiro.

Problemas metodológicosCabe aqui enunciar alguns dos problemas metodológicos mais importantes

que podem estar interferindo tanto com o tipo de dado que se possui, como comos resultados e, portanto, com a análise posterior.• Os preços• Um problema foi a elaboração dos preços médios a partir do conjunto de

respostas, embora haja consciência de que qualquer medida de tendência cen-tral, especialmente os valores médios, são sensíveis aos valores extremos. Nes-te caso, como a variação de preços era extremamente alta, os valores médiosforam mais afetados ainda por esses extremos. De qualquer forma, considera-se neste estudo que, ao lidar com os valores médios de preços e expor, comoaparece aqui, os índices de variação a que estiveram sujeitos esses valores con-segue-se, senão neutralizar, pelo menos deixar explícita a incidência acontecidasobre os valores finais.

• Por outro lado, houve falta de informação sobre os preços de várias armas defogo pesquisadas. Neste caso, optou-se por projetar os preços médios das ar-mas de fogo sobre as quais havia informações, consideradas por tipo, marca e

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calibre, sobre as armas que não tinham preço. Essa projeção corre o risco degeneralizar os preços das armas sem informação, afetando os resultados.

• Portanto, o uso dos valores médios também para obter os valores totais po-dem estar afetando o resultado final.

• Estimativas• Depois de obter os preços médios por tipo e calibre, foi calculado o preço

estimado para o total de armas de cada tipo. Portanto, ao se fazer es estimati-vas com relação aos preços médios e com base só nos preços que foram infor-mados, incorre-se nas mesmas possibilidades de erro antes mencionadas.

• Tipo de arma que circula• Inicialmente existe um bias provocado pelas armas de fogo que os entrevista-

dos reconhecem, já que é uma visão subjetiva originada nas vivências dospróprios agentes sociais. Embora seja um problema comum nas informaçõesobtidas em pesquisa em ciências sociais, e uma característica intrínseca dosmétodos qualitativos, que partem desde o início da visão subjetiva do agentesocial, não encontramos neste caso método maior de controle das informa-ções que os especificados na aplicação das próprias técnicas. Portanto, a reali-zação das entrevistas, como dos grupos focais, foi feita seguindo rigorosamen-te os padrões de controle necessários e admitidos a cada técnica.

• Devemos considerar que o cálculo das armas em circulação no crime, de acor-do com o tipo de arma, provém de uma projeção das proporções de armas portipo entre as armas que foram acauteladas em ocorrências criminais. Supõe-seaqui que essas proporções serão substancialmente diferentes quando tratamosde armas que circulam em locais específicos como os pesquisados através dosinformantes qualificados e dos grupos focais. Isto é, quando falarmos daque-las favelas onde os conflitos entre diferentes facções do trafico e entre as fac-ções e a polícia são fatos cotidianos, as proporções de armas de acordo com otipo podem ser diferentes. Por exemplo: como o mostra o gráfico 12, os fuzisrepresentam uma porcentagem muito menor que os revólveres. Neste gráfico,a relação é de 7 fuzis para cada 100 revólveres. De acordo com os informantes,“a olho”, a relação entre o número de fuzis e o número de revólveres nesseslocais pode ser considerada de 1 para cada 10, respectivamente (entrevistacom “consultor de favela”, setembro de 2002). Portanto, ao se manterem asproporções das armas acauteladas por tipo e projetarem-se os preços nessasproporções, o cálculo também está sujeito a erros. Mas, por outro lado, con-siderou-se mais conveniente manter essas proporções do que aquelas mencio-nadas em grupos focais e entrevistas, extremamente afetadas, como podemosver, pelas afinidades com certos tipos de armas e também pelos papéis quecada um dos agentes desempenha dentro do conflito.

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• Simbologia• A simbologia atribuída às armas pode estar afetada pela percepção parcial dos

agentes que foram entrevistados neste estudo, portanto, são representaçõesdas visões dos policiais militares envolvidos no conflito e também de jovensque atualmente não têm vinculação com o tráfico de drogas. Neste últimocaso, as mudanças nos significados, acontecidas nos anos mais recentes entreos jovens envolvidos em tráfico ou entre os jovens das favelas podem estarfaltando.

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Agradeço especialmente o apoio e a colaboração para a realização dessa pes-quisa das seguintes pessoas:

Rubem César Fernandes (orientador), Henry Decoster (gerenciamento e admi-nistração de projeto, revisão do texto, pesquisa em internet), Emerson Fernandes(assistente de pesquisa), Pablo Dreyfus e Marcelo Nascimento (bases de dados dearmas de fogo), Júlio César Purcena (preços das armas brasileiras no mercadolegal), Keila Lola, Luis Eduardo Guedes (gráficos), Michael (preços das armas nomercado legal internacional), Haydeé Caruso, Verônica dos Anjos, Luciane Patricio,Elizabete Ribeiro Albernaz (grupos focais com policiais), Praças da Polícia Militardo Rio de Janeiro e Divisão de Fiscalização de Armas e Explosivos (DFAE) daPolícia Civil do Rio de Janeiro.

PATRICIA S. RIVERO

A autora é doutora em Sociologia (Iuperj), pesquisadora do Iser ebolsista do Programa de Fixação de Pesquisador da Fundação de

Amparo à Pesquisa do Governo do Estado do Rio de Janeiro (Faperj)sob orientação do antropólogo Rubem César Fernandes.