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REPORTAGEM
AQUELAS CORDAS
Miguel Sá[email protected]
Violões de sete cordas, bandolins de dez, baixos de 12... O número decordas pode ajudar o músico a sedimentar um estilo próprio e atransformar o instrumento antigo em algo novo
Oque têm em comum os músicos Hamilton de Holanda,Arthur Maia, Jorge Pescara, Sizão Machado, Sydnei Car-valho, Mello Jr ou Bilinho Teixeira? Todos eles usam ins-
trumentos com mais cordas do que seria o “normal”. Em geral,isto acontece porque as “cordas a mais” aumentam os recursosdos instrumentos. Alguns embarcam na idéia de forma mais ra-dical, outros um pouco menos, mas todos gostam de poder con-tar com aquelas no-tas das cordas extras.
Bandolim
Este é um instru-mento que tem suaorigem no sul da Itá-lia, em Nápoles, noséculo 18. O que co-nhecemos por aqui,utilizado no chori-nho, tem origem por-tuguesa. A afinaçãoé semelhante à do vi-olino. O instrumentotradicionalmente temoito cordas, sendoque elas são dobra-das. A afinação é igual à do violino, em quintas, com cordasdobradas em sol, ré, lá e mi. Com o músico Hamilton deHolanda, o instrumento ganha novos contornos.
O músico sentia falta de uma sonoridade mais grave doinstrumento, além de querer mais possibilidades na hora deharmonizar, tocar uma melodia ou tocar em bloco, com acor-des e melodia. “No ano 2000, pedi a um amigo luthier, o
AQUELAS CORDASa mais...
Vergílio Lima, que fizesse um bandolim um pouquinho maiorpara mim, com 10 cordas. Na época, pedi que fosse um protó-tipo, com madeiras baratas para teste. Se não ficasse bom,não teríamos prejuízo. Acabou que o bandolim ficou ótimo ese tornou meu oficial por um bom tempo”, comenta Hamil-ton. A escala do novo instrumento é do mesmo tamanho quea de um bandolim de 8. A caixa acústica ficou um pouco
maior, “dando mais‘profundidade’ aosom”, explica o mú-sico. O bandolinistaé um dos principaisexpoentes do instru-mento no Brasil, cri-ando um novo re-pertório para ban-dolim solo de dezcordas. Há registrosde que o chorão Má-rio Álvares da Con-ceição, o Mário Ca-vaquinho - home-nageado por Ernes-to Nazareth na mú-sica Apanhei-te Ca-
vaquinho - teria usado um bandolim de 12 cordas. Na déca-da de 80, Armandinho, que toca bandolim e guitarrabaiana, usou uma quinta corda na guitarra (que tem a mes-ma afinação do bandolim) e também toca um bandolim dedez cordas. A afinação do bandolim de dez cordas de Ha-milton é a mesma do tradicional com um par de dó a mais(E,A,D,G, C).
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Contrabaixo
O contrabaixo se popularizou na mú-
sica popular no século XX, quando co-
meçou a ser tocado também com os de-
dos no jazz. Em 1951, Leo Fender cria o
baixo elétrico: o Fender Precision, que
tinha trastes e formato parecido com o
de uma guitarra elétrica, mas com as
mesmas quatro cordas do baixo acústico
tradicional (E, A, D, G). As primeiras
experiências com as “cordas a mais”
aconteceram em meados da década de
70, com Anthony Jackson, que pratica-
mente inventou o baixo de seis cordas
(B-E-A-D-G-C).
No Brasil, os novos formatos do bai-
xo, em cinco e seis cordas, começaram a
se popularizar na década de 80. O fale-
cido baixista Nico Assumpção foi um
dos mestres do seis cordas. Outros pio-
neiros por aqui foram Celso Pixinga,
Fernando, do Roupa Nova, e Sizão Ma-
chado, que trouxe um Yamaha BB5000
em 86 para o Brasil. “Gostei do recurso,
mas não uso muito. Uso mais para um
efeito no final de uma música”, diz
Sizão. Segundo ele, o jeito de tocar não
muda muito, a não ser na facilidade
que a corda a mais traz na digitação.
Sizão também usa baixo de seis cordas
em situações específicas, como quando
tem que fazer acordes no baixo ou vai
tocar “a capela” com o instrumento. O
instrumentista ainda utiliza um baixo
acústico de cinco cordas. “O braço é
mais largo e ele dá uma pesada em
cima, mas não muda muito”, diz. O
músico ainda tem dois baixos elétricos
verticais de cinco e quatro cordas. Sizão
usa os instrumentos da Yamaha.
Sizão Machado foi o primeiro baixista a
tocar baixo de cinco cordas que Arthur
Maia viu tocar. “Eu já vinha usando o de
quatro cordas com uma afinação diferente
em algumas músicas”. Há 20 anos que os
baixos de cinco são os preferidos do instru-
mentista. “Tenho baixo de seis, mas uso
pouco”. Hoje Arthur usa um instrumento
desenhado especialmente para ele.
Jorge Pescara é um entusiasta das
possibilidades que as “cordas a mais”
oferecem. Ele toca não só o baixo de
cinco cordas como também modelos es-
peciais de oito e 12 cordas. “O baixo de
seis cordas foi desenvolvido para fazer
melodias e acordes. Em outras situa-
ções, ele não é necessário”, afirma o
músico, que toca com a cantora Itha-
mara Koorax e tem trabalho solo. No en-
tanto, o baixo de seis cordas foi o primei-
ro que o músico teve com cordas a mais,
no fim da década de 80. “Vi o Pixinga e
o Arismar do Espírito Santo usando, lá
fora era o John Patitucci”.
Pescara também gosta do baixo de
oito cordas, que nada mais é que um bai-
xo de quatro com cordas dobradas, como
um violão de 12. “Ele soa como se tivesse
um chorus”, comenta. Este baixo já foi
usado, por exemplo, por Sting e John
Paul Jones, do Led Zepellin. Pescara tam-
bém usa um Megatar: baixo de 12 cordas,
com as seis mais graves na afinação do
baixo de seis cordas (B, E, A, D, G, C) e
mais seis cordas agudas (C#, F#, B, M,
A, D). O instrumento é usado com a téc-
nica de tapping, na qual o instrumentista
percute as cordas com a ponta dos dedos
fazendo a base e a melodia.
Violão de sete cordas
Não é preciso falar sobre o papel do
violão na música popular brasileira. Há
toda uma escola brasileira do instrumen-
to criado pelos espanhóis, com nomes
como Baden Powell, João Gilberto,
Turíbio Santos e muitos outros da área
popular e erudita. O violão é um instru-
mento que, tradicionalmente, tem seis
cordas (E, A, D, G, B, E).
Nos regionais de samba e choro,
desde os primórdios destes gêneros mu-
“O baixo de seiscordas foi
desenvolvido parafazer melodias e
acordes. Em outrassituações, ele não énecessário” declara
Pescara
Bilinho não restringe sua sétima corda ao chorinho
Sizão foi um dos pioneiros das “cordas a mais” entre
os baixistas brasileiros
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sicais que o violão de sete cordas (comuma corda mais grave em si ou dó)marca presença. As primeiras referên-cias ao instrumento dão conta de que oviolonista Tute, que tocava muito comPixinguinha, foi um dos primeiros atocá-lo. Ele foi a inspiração para DinoSete Cordas, falecido em maio de2006, considerado o criador da lingua-gem atual das “baixarias” usadas noinstrumento. As gravações de Cartolacom ele no violão de sete cordas sãoconsideradas essenciais para quemquer tocar o instrumento.
No entanto, a linguagem dele foiexpandida por músicos como RaphaelRabello, falecido em 1995. Hoje em diaele é usado como um instrumento queoferece mais possibilidades para o mú-sico. “O violão de sete cordas não é só abaixaria”, explica Bilinho Teixeira. Se-
gundo ele, a “corda a mais” aumentaos recursos do instrumento na hora defazer arranjos, conduções harmônicase fazer acordes mais “cheios”. “Tam-bém toco jazz com ele”, diz Bilinho. Omúsico, que também toca violão deseis cordas e guitarra, gosta de usar oinstrumento em formações de trio,como a que tem com o baterista MárcioBahia e Franklin da Flauta, na qualprecisa preencher a harmonia e as regi-ões mais graves.
No entanto, o violão não precisa ficarrestrito às sete cordas. No quartetoMaogani, por exemplo, Maurício Mar-ques e Paulo Aragão tocam violão deoito cordas. O multiinstrumentista Egber-to Gismonti chega a usar um violão dedez cordas.
Guitarra de sete cordas
Desde a década de 30 que há guitar-ras elétricas de sete cordas. O guitarristade jazz George Van Eps tinha uma coma sétima corda afinada em lá. Outrosguitarristas de jazz usaram o recurso ex-tra, como Bucky Pizzarelli, HowardAlden, Ron Eschete, Lenny Breau eJohn Pizzarelli, filho de Bucky. O for-mato atual da guitarra de sete cordas,bastante usado no rock pesado, entrouem produção comercial pela Ibanez,com o modelo Ibanez Universe, usadopor Steve Vai, que popularizou o forma-to no rock.
Entre os guitarristas que utilizam oinstrumento no Brasil, estão SydneiCarvalho e Mello Jr. O primeiro as uti-lizou bastante em seus trabalhos comAlex Martinho, Intensity e Intuition.Mello Jr está finalizando um trabalhocom Maurício Leite (bateria) e Felipe
“A guitarra de 7cordas proporciona
trabalhar o somnuma região mais
grave, em que umaguitarra de 6 cordasnão alcança. É idealpara sons pesados”
Nos regionais desamba e choro, desdeos primórdios destesgêneros musicais queo violão de 7 cordas
(com uma corda maisgrave em si ou dó)
marca presença
Andreoli (baixo) no qual a guitarra desete cordas desempenhou papel im-portante. Ao serem questionados so-
bre o que a guitarra de sete traz para osom, ambos não exitam: o peso. “Aguitarra de sete cordas proporcionatrabalhar o som numa região mais gra-ve, em que uma guitarra de 6 cordasnão alcança. É ideal para sons pesa-dos”, diz Mello Jr.
A primeira vez que Mello Jr viuuma guitarra de sete cordas em ativi-dade foi com Steve Vai, nas gravaçõesde Passion and Warfare. “Os guitarris-tas que me influenciaram na lingua-gem dessa guitarra foram Steve Vai, osguitarristas do Korn e John Petrucci”,comenta Mello.
Para Sydnei, a técnica muda umpouco em relação à guitarra de seis. “Apegada é outra, o braço é mais largo e acorda a mais acaba tirando uma relaçãovisual a qual você já está muito acostu-mado. Mas o elemento técnico mais di-fícil em minha opinião é o “mutting”, ouseja, a forma como tem que abafar ascordas que não estão sendo tocadas.Com uma corda a mais e um braço bemmais largo esta técnica se torna bemmais difícil”, diz o guitarrista, que usaguitarras de sete cordas N.Zaganin.Ambos os guitarristas utilizam a sétimacorda afinada em si.
Sidney Carvalho utiliza guitarra de sete cordas