aquelas cordas a mais -...

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60 www.backstage.com.br REPORTAGEM AQUELAS CORDAS Miguel Sá [email protected] Violões de sete cordas, bandolins de dez, baixos de 12... O número de cordas pode ajudar o músico a sedimentar um estilo próprio e a transformar o instrumento antigo em algo novo O que têm em comum os músicos Hamilton de Holanda, Arthur Maia, Jorge Pescara, Sizão Machado, Sydnei Car- valho, Mello Jr ou Bilinho Teixeira? Todos eles usam ins- trumentos com mais cordas do que seria o “normal”. Em geral, isto acontece porque as “cordas a mais” aumentam os recursos dos instrumentos. Alguns embarcam na idéia de forma mais ra- dical, outros um pouco menos, mas todos gostam de poder con- tar com aquelas no- tas das cordas extras. Bandolim Este é um instru- mento que tem sua origem no sul da Itá- lia, em Nápoles, no século 18. O que co- nhecemos por aqui, utilizado no chori- nho, tem origem por- tuguesa. A afinação é semelhante à do vi- olino. O instrumento tradicionalmente tem oito cordas, sendo que elas são dobra- das. A afinação é igual à do violino, em quintas, com cordas dobradas em sol, ré, lá e mi. Com o músico Hamilton de Holanda, o instrumento ganha novos contornos. O músico sentia falta de uma sonoridade mais grave do instrumento, além de querer mais possibilidades na hora de harmonizar, tocar uma melodia ou tocar em bloco, com acor- des e melodia. “No ano 2000, pedi a um amigo luthier, o AQUELAS CORDAS a mais... Vergílio Lima, que fizesse um bandolim um pouquinho maior para mim, com 10 cordas. Na época, pedi que fosse um protó- tipo, com madeiras baratas para teste. Se não ficasse bom, não teríamos prejuízo. Acabou que o bandolim ficou ótimo e se tornou meu oficial por um bom tempo”, comenta Hamil- ton. A escala do novo instrumento é do mesmo tamanho que a de um bandolim de 8. A caixa acústica ficou um pouco maior, “dando mais ‘profundidade’ ao som”, explica o mú- sico. O bandolinista é um dos principais expoentes do instru- mento no Brasil, cri- ando um novo re- pertório para ban- dolim solo de dez cordas. Há registros de que o chorão Má- rio Álvares da Con- ceição, o Mário Ca- vaquinho - home- nageado por Ernes- to Nazareth na mú- sica Apanhei-te Ca- vaquinho - teria usado um bandolim de 12 cordas. Na déca- da de 80, Armandinho, que toca bandolim e guitarra baiana, usou uma quinta corda na guitarra (que tem a mes- ma afinação do bandolim) e também toca um bandolim de dez cordas. A afinação do bandolim de dez cordas de Ha- milton é a mesma do tradicional com um par de dó a mais (E,A,D,G, C).

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Page 1: AQUELAS CORDAS a mais - backstage.com.brbackstage.com.br/newsite/ed_ant/materias/155/Aquelas_Cordas.pdf · de que o chorão Má-rio Álvares da Con-ceição, o Mário Ca-vaquinho

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REPORTAGEM

AQUELAS CORDAS

Miguel Sá[email protected]

Violões de sete cordas, bandolins de dez, baixos de 12... O número decordas pode ajudar o músico a sedimentar um estilo próprio e atransformar o instrumento antigo em algo novo

Oque têm em comum os músicos Hamilton de Holanda,Arthur Maia, Jorge Pescara, Sizão Machado, Sydnei Car-valho, Mello Jr ou Bilinho Teixeira? Todos eles usam ins-

trumentos com mais cordas do que seria o “normal”. Em geral,isto acontece porque as “cordas a mais” aumentam os recursosdos instrumentos. Alguns embarcam na idéia de forma mais ra-dical, outros um pouco menos, mas todos gostam de poder con-tar com aquelas no-tas das cordas extras.

Bandolim

Este é um instru-mento que tem suaorigem no sul da Itá-lia, em Nápoles, noséculo 18. O que co-nhecemos por aqui,utilizado no chori-nho, tem origem por-tuguesa. A afinaçãoé semelhante à do vi-olino. O instrumentotradicionalmente temoito cordas, sendoque elas são dobra-das. A afinação é igual à do violino, em quintas, com cordasdobradas em sol, ré, lá e mi. Com o músico Hamilton deHolanda, o instrumento ganha novos contornos.

O músico sentia falta de uma sonoridade mais grave doinstrumento, além de querer mais possibilidades na hora deharmonizar, tocar uma melodia ou tocar em bloco, com acor-des e melodia. “No ano 2000, pedi a um amigo luthier, o

AQUELAS CORDASa mais...

Vergílio Lima, que fizesse um bandolim um pouquinho maiorpara mim, com 10 cordas. Na época, pedi que fosse um protó-tipo, com madeiras baratas para teste. Se não ficasse bom,não teríamos prejuízo. Acabou que o bandolim ficou ótimo ese tornou meu oficial por um bom tempo”, comenta Hamil-ton. A escala do novo instrumento é do mesmo tamanho quea de um bandolim de 8. A caixa acústica ficou um pouco

maior, “dando mais‘profundidade’ aosom”, explica o mú-sico. O bandolinistaé um dos principaisexpoentes do instru-mento no Brasil, cri-ando um novo re-pertório para ban-dolim solo de dezcordas. Há registrosde que o chorão Má-rio Álvares da Con-ceição, o Mário Ca-vaquinho - home-nageado por Ernes-to Nazareth na mú-sica Apanhei-te Ca-

vaquinho - teria usado um bandolim de 12 cordas. Na déca-da de 80, Armandinho, que toca bandolim e guitarrabaiana, usou uma quinta corda na guitarra (que tem a mes-ma afinação do bandolim) e também toca um bandolim dedez cordas. A afinação do bandolim de dez cordas de Ha-milton é a mesma do tradicional com um par de dó a mais(E,A,D,G, C).

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REPORTAGEM

Contrabaixo

O contrabaixo se popularizou na mú-

sica popular no século XX, quando co-

meçou a ser tocado também com os de-

dos no jazz. Em 1951, Leo Fender cria o

baixo elétrico: o Fender Precision, que

tinha trastes e formato parecido com o

de uma guitarra elétrica, mas com as

mesmas quatro cordas do baixo acústico

tradicional (E, A, D, G). As primeiras

experiências com as “cordas a mais”

aconteceram em meados da década de

70, com Anthony Jackson, que pratica-

mente inventou o baixo de seis cordas

(B-E-A-D-G-C).

No Brasil, os novos formatos do bai-

xo, em cinco e seis cordas, começaram a

se popularizar na década de 80. O fale-

cido baixista Nico Assumpção foi um

dos mestres do seis cordas. Outros pio-

neiros por aqui foram Celso Pixinga,

Fernando, do Roupa Nova, e Sizão Ma-

chado, que trouxe um Yamaha BB5000

em 86 para o Brasil. “Gostei do recurso,

mas não uso muito. Uso mais para um

efeito no final de uma música”, diz

Sizão. Segundo ele, o jeito de tocar não

muda muito, a não ser na facilidade

que a corda a mais traz na digitação.

Sizão também usa baixo de seis cordas

em situações específicas, como quando

tem que fazer acordes no baixo ou vai

tocar “a capela” com o instrumento. O

instrumentista ainda utiliza um baixo

acústico de cinco cordas. “O braço é

mais largo e ele dá uma pesada em

cima, mas não muda muito”, diz. O

músico ainda tem dois baixos elétricos

verticais de cinco e quatro cordas. Sizão

usa os instrumentos da Yamaha.

Sizão Machado foi o primeiro baixista a

tocar baixo de cinco cordas que Arthur

Maia viu tocar. “Eu já vinha usando o de

quatro cordas com uma afinação diferente

em algumas músicas”. Há 20 anos que os

baixos de cinco são os preferidos do instru-

mentista. “Tenho baixo de seis, mas uso

pouco”. Hoje Arthur usa um instrumento

desenhado especialmente para ele.

Jorge Pescara é um entusiasta das

possibilidades que as “cordas a mais”

oferecem. Ele toca não só o baixo de

cinco cordas como também modelos es-

peciais de oito e 12 cordas. “O baixo de

seis cordas foi desenvolvido para fazer

melodias e acordes. Em outras situa-

ções, ele não é necessário”, afirma o

músico, que toca com a cantora Itha-

mara Koorax e tem trabalho solo. No en-

tanto, o baixo de seis cordas foi o primei-

ro que o músico teve com cordas a mais,

no fim da década de 80. “Vi o Pixinga e

o Arismar do Espírito Santo usando, lá

fora era o John Patitucci”.

Pescara também gosta do baixo de

oito cordas, que nada mais é que um bai-

xo de quatro com cordas dobradas, como

um violão de 12. “Ele soa como se tivesse

um chorus”, comenta. Este baixo já foi

usado, por exemplo, por Sting e John

Paul Jones, do Led Zepellin. Pescara tam-

bém usa um Megatar: baixo de 12 cordas,

com as seis mais graves na afinação do

baixo de seis cordas (B, E, A, D, G, C) e

mais seis cordas agudas (C#, F#, B, M,

A, D). O instrumento é usado com a téc-

nica de tapping, na qual o instrumentista

percute as cordas com a ponta dos dedos

fazendo a base e a melodia.

Violão de sete cordas

Não é preciso falar sobre o papel do

violão na música popular brasileira. Há

toda uma escola brasileira do instrumen-

to criado pelos espanhóis, com nomes

como Baden Powell, João Gilberto,

Turíbio Santos e muitos outros da área

popular e erudita. O violão é um instru-

mento que, tradicionalmente, tem seis

cordas (E, A, D, G, B, E).

Nos regionais de samba e choro,

desde os primórdios destes gêneros mu-

“O baixo de seiscordas foi

desenvolvido parafazer melodias e

acordes. Em outrassituações, ele não énecessário” declara

Pescara

Bilinho não restringe sua sétima corda ao chorinho

Sizão foi um dos pioneiros das “cordas a mais” entre

os baixistas brasileiros

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REPORTAGEM

sicais que o violão de sete cordas (comuma corda mais grave em si ou dó)marca presença. As primeiras referên-cias ao instrumento dão conta de que oviolonista Tute, que tocava muito comPixinguinha, foi um dos primeiros atocá-lo. Ele foi a inspiração para DinoSete Cordas, falecido em maio de2006, considerado o criador da lingua-gem atual das “baixarias” usadas noinstrumento. As gravações de Cartolacom ele no violão de sete cordas sãoconsideradas essenciais para quemquer tocar o instrumento.

No entanto, a linguagem dele foiexpandida por músicos como RaphaelRabello, falecido em 1995. Hoje em diaele é usado como um instrumento queoferece mais possibilidades para o mú-sico. “O violão de sete cordas não é só abaixaria”, explica Bilinho Teixeira. Se-

gundo ele, a “corda a mais” aumentaos recursos do instrumento na hora defazer arranjos, conduções harmônicase fazer acordes mais “cheios”. “Tam-bém toco jazz com ele”, diz Bilinho. Omúsico, que também toca violão deseis cordas e guitarra, gosta de usar oinstrumento em formações de trio,como a que tem com o baterista MárcioBahia e Franklin da Flauta, na qualprecisa preencher a harmonia e as regi-ões mais graves.

No entanto, o violão não precisa ficarrestrito às sete cordas. No quartetoMaogani, por exemplo, Maurício Mar-ques e Paulo Aragão tocam violão deoito cordas. O multiinstrumentista Egber-to Gismonti chega a usar um violão dedez cordas.

Guitarra de sete cordas

Desde a década de 30 que há guitar-ras elétricas de sete cordas. O guitarristade jazz George Van Eps tinha uma coma sétima corda afinada em lá. Outrosguitarristas de jazz usaram o recurso ex-tra, como Bucky Pizzarelli, HowardAlden, Ron Eschete, Lenny Breau eJohn Pizzarelli, filho de Bucky. O for-mato atual da guitarra de sete cordas,bastante usado no rock pesado, entrouem produção comercial pela Ibanez,com o modelo Ibanez Universe, usadopor Steve Vai, que popularizou o forma-to no rock.

Entre os guitarristas que utilizam oinstrumento no Brasil, estão SydneiCarvalho e Mello Jr. O primeiro as uti-lizou bastante em seus trabalhos comAlex Martinho, Intensity e Intuition.Mello Jr está finalizando um trabalhocom Maurício Leite (bateria) e Felipe

“A guitarra de 7cordas proporciona

trabalhar o somnuma região mais

grave, em que umaguitarra de 6 cordasnão alcança. É idealpara sons pesados”

Nos regionais desamba e choro, desdeos primórdios destesgêneros musicais queo violão de 7 cordas

(com uma corda maisgrave em si ou dó)

marca presença

Andreoli (baixo) no qual a guitarra desete cordas desempenhou papel im-portante. Ao serem questionados so-

bre o que a guitarra de sete traz para osom, ambos não exitam: o peso. “Aguitarra de sete cordas proporcionatrabalhar o som numa região mais gra-ve, em que uma guitarra de 6 cordasnão alcança. É ideal para sons pesa-dos”, diz Mello Jr.

A primeira vez que Mello Jr viuuma guitarra de sete cordas em ativi-dade foi com Steve Vai, nas gravaçõesde Passion and Warfare. “Os guitarris-tas que me influenciaram na lingua-gem dessa guitarra foram Steve Vai, osguitarristas do Korn e John Petrucci”,comenta Mello.

Para Sydnei, a técnica muda umpouco em relação à guitarra de seis. “Apegada é outra, o braço é mais largo e acorda a mais acaba tirando uma relaçãovisual a qual você já está muito acostu-mado. Mas o elemento técnico mais di-fícil em minha opinião é o “mutting”, ouseja, a forma como tem que abafar ascordas que não estão sendo tocadas.Com uma corda a mais e um braço bemmais largo esta técnica se torna bemmais difícil”, diz o guitarrista, que usaguitarras de sete cordas N.Zaganin.Ambos os guitarristas utilizam a sétimacorda afinada em si.

Sidney Carvalho utiliza guitarra de sete cordas