apostila de estética i

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Robson Oliveira ESTÉTICA I Rio de Janeiro 2009

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Filosofia da Arte - PUC Rio

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  • Robson Oliveira

    ESTTICA I

    Rio de Janeiro

    2009

  • 2

  • 3

    ndice

    PROGRAMA DE ESTTICA I 5 Objetivo ..................................................................................................... 5 Ementa ....................................................................................................... 5 Contedo Programtico ............................................................................. 5 Bibliografia Bsica .................................................................................... 9

    INTRODUO 11 DEFINIO DE BELO ................................................................................. 19 DIVISO DO BELO: ................................................................................... 20 NOO DE ARTE ....................................................................................... 21 DEFINIO DE ESTTICA .......................................................................... 21 JUSTIFICATIVA: POR QU A ESTTICA CONVERTE-SE EM TEMA FILOSFICO?

    ................................................................................................................. 23

    PERSPECTIVA HISTRICA 29 DISTINO ENTRE ESTTICA E HISTRIA DA ARTE .................................. 30 ESTTICA CLSSICA ................................................................................. 30

    CRTICA 49 RELAO ENTRE ESTTICA E METAFSICA ............................................... 50 RELAO ENTRE ESTTICA E TICA ......................................................... 50

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 53

  • 4

  • 5

    PROGRAMA DE ESTTICA I

    Objetivo

    O curso pretende apresentar aos alunos as questes filos-

    ficas acerca das noes do belo, de sua natureza e finali-

    dade; da arte, sua natureza e finalidade; e da relao en-

    tre esttica e tica.

    Ementa

    Introduo: Definio de Belo; Diviso do Belo; Noo

    de Arte; Definio de Esttica; Justificativa. Perspectiva

    Histrica: Distino entre Esttica e Histria da Arte; Es-

    ttica Clssica. Crtica: Relao entre Esttica e Metaf-

    sica; Relao entre Esttica e tica.

    Contedo Programtico

    1. Introduo

    a. Definio de Belo

    b. Diviso do Belo

    i. Temtica: Metafsica, Filosofia da Arte e Estti-

    ca

  • 6

    ii. Histrica: Conveniente, til e Agradvel

    c. Noo de Arte:

    i. Distino da noo de Belo e de Arte;

    ii. Noo de Belas Artes;

    d. Definio de Esttica:

    i. Distino da noo de Belo e de Arte da defini-

    o de Esttica;

    ii. Origem histrica da Esttica

    e. Justificativa: por qu o Belo se converte em tema

    filosfico?

    2. Perspectiva Histrica

    a. Distino entre Esttica e Histria da Arte

    b. Esttica Clssica:

    i. Mimeses Platnica;

    Arte como toda obra bem acabada

    Arte revela um mistrio contido nas aparn-

    cias

    Arte a purificao do olhar sobre a realidade

    Arte como convite ao profundo

    ii. Mimeses Aristotlica;

  • 7

    Arte como mantenedora da ordem (arte imita

    a natureza)

    Arte como atualizadora de possibilidades (ato

    e potncia)

    Arte como transformadora do estado de coi-

    sas (Lgos)

    iii. Mimeses Agostiniana;

    Kalon ka Agatn: o belo se permuta com o

    bem

    Formalizao do belo (De Musica)

    iv. Mimeses Tomista;

    Introduo: fases tomistas

    Distino entre Bem e Belo

    Propriedades do Belo

    Distino entre o Belo Esttico e Metafsico

    v. Metfora e Analogia

    3. Crtica

    a. Relao entre Esttica e Metafsica

    i. Esttica e Verdade

    ii. Esttica e Ser

  • 8

    b. Relao entre Esttica e tica (Belo e Bom alme-

    jam o Bem=Amor)

    i. Esttica Bem Fazer

    ii. tica Bem agir (ou Bem conduzir-se)

  • 9

    Bibliografia Bsica

    ADORNO, Theodore. Teoria Esttica. Lisboa: Martins Fontes,

    1982.

    ARISTTELES. Arte Retrica e Arte Potica. So Paulo: Gar-

    nier, 1964.

    BANFI, Antonio. Filosofia da Arte. Rio de Janeiro: Civilizao

    Brasileira, Rio de Janeiro, 1970.

    GADAMER, Hans-Georg. A atualidade do Belo: a arte como

    jogo, smbolo e festa. Trad. Celeste Ada Galeo. Rio de Janei-

    ro: Tempo Brasileiro, 1985.

    GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Mtodo. Petrpolis: Vo-

    zes, 1997.

    KANT, Immanuel. Crtica do Juzo. Os Pensadores. So Paulo.

    Abril, 1979.

    NIETZSCHE, Friedrich. A Origem da Tragdia. Portugal:

    Guimares, 1996.

    PASTRO, Cludio. O Deus da Beleza. So Paulo: Paulinas,

    2008.

    PLATO. Hpias Maior.

  • 10

    SCHELLING, Friedrich. Filosofia da Arte. So Paulo: EDUSP,

    2001.

    SCHILLER, Friedrich. A Educao Esttica do Homem. So

    Paulo: Iluminuras, 2002.

    SCHILLER, Friedrich. Kallias ou sobre a beleza. Rio de Janei-

    ro: Jorge Zahar, 2002.

  • 11

    INTRODUO

    O mundo ser salvo pela beleza1.

    Dostoivski

    Aps a Crise da Razo e a investida do Pensamento

    Dbil na Europa, bastante comum colocar-se o seguinte

    questionamento nas discusses e reflexes sobre a tarefa das

    cincias em particular: o que ainda resta a se fazer na filosofia?

    Que reas ainda subsistiro aos saques das cincias particula-

    res? Em meio confuso que assola o campo filosfico, o que

    se pode esperar da reflexo filosfica? Com efeito, o avano

    das cincias sobre temas filosficos aparenta esvaziar o discur-

    so filosfico. No entanto, a questo bem outra. Ainda que a

    filosofia stricto sensu no esteja na moda e que o discurso da

    filosofia perca reconhecimento dia a dia, possvel encontrar,

    sem muito esforo, estruturas de pensamento que se podem

    1 DOSTOIVSKI, Fiodor. O Idiota, parte III, 5. Milo: 1983, pp.478-479.

  • 12

    nomear filosficas e reflexes que, partindo de tais estruturas,

    procuram emprestar algum verniz de filosofia a informaes

    tratadas um pouco mais profundamente. Algumas estruturas

    que tentam dar respostas universais para as questes mais dif-

    ceis fundadas apenas na razo humanas so Marxismo, Lgica

    e Fenomenologia2.

    De todas as estruturas de pensamento atuais, estruturas

    explicitamente filosficas, a mais fragilizada o marxismo. Se

    pelo fracasso prtico de suas investidas, se pela inconsistncia

    terica de suas premissas, no se sabe. Sabe-se e constata-se, no

    entanto, que os fundamentos desta doutrina que tentara subs-

    tituir a Poltica e a tica, cincias filosficas vm sendo revi-

    sitados constantemente pela sociologia, economia e antropolo-

    gia. No mais incontestvel a tese inaugural do marxismo: A

    felicidade humana, a despeito do que afirmava Karl Marx, no

    acontecer a partir da dialtica Senhor-Escravo ou da reflexo

    sobre a Mais-Valia. O bem humano no se presta a estas inge-

    rncias indevidas.

    2 cf. MURALT, Andr de, LEnjeu de la Philosophie Mdivale: tudes

    thomistes, scotistes, occamiennes et grgoriennes. N.Y., E.J.Brill: 1993, p.

    3-5.

  • 13

    Uma das reas mais alheias s mudanas que ocorrem

    na seara filosfica a Lgica. De fato, ela faz parte do Corpus

    Philosophicum desde sua longnqua origem (basta dizer que

    Aristteles no a fundou como fez com quase todas as cincias

    conhecidas, pois no seu pensar, ela j estava formada, em gran-

    de parte por Eudoxo). No entanto, motivadas por uma aproxi-

    mao com as cincias matemticas e tecnolgicas, suas ques-

    tes tornaram-se muito tcnicas e pouco filosficas. Pertence

    Lgica e suas co-irms (Filosofia da Linguagem, Semitica,

    Filosofia da Matemtica, etc.) a questo da verdade das propo-

    sies, uma das mais graves em filosofia.

    A Fenomenologia a mais fecunda das reas que ainda

    restam filosofia e a estrutura mais influente. Existencialismo,

    Ontologia Hermenutica, Estruturalismo, todas pretendem ser

    os verdadeiros herdeiros de Edmund Husserl. Em comum a

    ideia de que a realidade , em certo sentido, bipartida, ou mes-

    mo duplicada.

    Marxismo, Lgica e Fenomenologia assenhoraram-se

    individualmente das questes propriamente filosficas. Toma-

    ram a si e propuseram solues novas e criativas para proble-

  • 14

    mas que, antes da Crise da Razo, eram avaliadas conjuntamen-

    te, a partir de uma perspectiva universalista. Com isso, alm de

    espoliar a herana multissecular da filosofia, terminaram por

    esvazi-la de tudo que era prprio de sua reflexo: as causas

    ltimas e princpios mais universais.

    A despeito deste processo de reduo e menosprezo dos

    temas filosficos que se assiste, vem da literatura um sinal de

    esperana. Dostoivski, em O Idiota, afirma que a beleza ser a

    redentora do mundo. O belo, sabe-se desde a reflexo aristotli-

    ca e da novidade tomista, se converte no uno e na verdade. E

    todos atraem os homens porque neles se contempla um bem! A

    sentena do autor russo aponta para a perseverana do discurso

    filosfico atravs da permanncia do belo no discurso humano,

    apesar da setorializao do discurso filosfico.

    Durante sculos, questes fundamentais acerca do ho-

    mem e do discurso propriamente filosfico permaneceram res-

    tritos a mbitos bastante estreitos. Com as excees honross-

    simas de Aristteles e Toms de Aquino, a filosofia pendeu ora

    para um formalismo (o real a essncia: Plato, Plotino, Leib-

    niz, Ockam, Descartes), ora para um materialismo (o real ex-

  • 15

    perincia: Leucipo, Hume, Locke). De todo modo, a filosofia

    foi, durante muito tempo, a busca do necessrio que h em cada

    experincia, seja essencialista, seja materialista. Pensava-se

    que, ao menos nisso, se tinha alcanado um ponto firme.

    Era o prprio Estagirita quem fundamentava esta certe-

    za. Nos Segundos Analticos, I 2, 71 b 9-12, assim definia a

    labuta filosfica:

    Pensamos ter cincia (epistevme) de qualquer coisa em sentido prprio vale dizer, no de modo sofstico, isto , por acidente no caso de pensarmos conhecer a causa pela qual a coisa [aquilo que ], que ela causa

    daquela coisa e que no possvel que esta seja diver-

    samente3.

    O natal da filosofia tem como companhia, dir-se-ia que

    a companhia da filosofia, a necessidade pois no se pode

    conhecer verdadeiramente o acidente e a causalidade visto

    que, sem se conhecer a causa do que se estuda no se conhece

    de fato. Estas duas caractersticas constituintes do discurso ci-

    entfico perpassaram todos os sculos, todas as correntes filos-

    ficas, com mais ou menos nfase sobre um ou outro aspecto.

    3 Conferir ainda Metafsica, 1027 a 20; 1031 b 5.

  • 16

    Um momento da histria do pensamento, que funda-

    mental para entendermos a fora da inspirao aristotlica, a

    querela dos transcendentais. No fim do sculo XIII, incio do

    XIV, surgiu uma questo que mobilizou praticamente toda a

    comunidade acadmica recm-nascida: os transcendentais, e-

    xistem ou no? Bonum, Verum, Unum, Pulchrum so reais ou

    so produzidos pelo homem? Em linguagem mais precisa, so

    entes reais ou so entes de razo? Ou ainda: derivam de entes

    reais ou derivam de entes de razo? Passaram-se os anos e cor-

    rentes nominalistas esvaziaram o sentido dos transcendentais:

    flatus vocis! Noes como as de bem, de verdade, de unidade

    e de beleza tornaram-se simples conceitos. Importantes sim,

    mas frutos maduros da racionalizao da natureza.

    Mais tarde, com o advento do marxismo, dentre as mu-

    danas propostas pelas premissas polticas deste movimento, a

    verdade deixou de ter valor em si, e passou a ser relativa soci-

    edade: verdadeiro o que a comunidade decide, verdadeiro o

    que se move pelas foras de produo e que, portanto, no pos-

    sui realidade em si, mas no outro que a sociedade.

  • 17

    Depois de Freud, relativizou-se a compreenso do que

    unidade, pois se percebeu que o indivduo mais compartimen-

    tado que se imaginava. Pode-se dizer com certeza de cada um

    de ns, o que o endemoniado afirma de si para o Cristo no E-

    vangelho: somos multido! Multido de desejos, de sonhos, de

    traumas, de recalques. Todos testemunhando no a unidade da

    pessoa, mas sua fragmentao.

    A partir da moral existencialista e pragmatista, o concei-

    to de bem igualmente perde seu poder agregador. A desintegra-

    o metafsica, proporcionada pelo existncialismo, produz o

    paulatina esvaziamento da prtica do bem. Para autores como

    Sartre, a noo de bem humano, como realizao de um aspecto

    da natureza humana, dissimulao, mauvaise foi, m-f que

    tenta naturalizar egosmos. Quem sustentar o desinteresse de

    suas aes sabendo que o homem dissimulador rremediavel?

    Como alcanar um bem prtico impossvel, quando predomina

    o pragmatismo?

    Se os transcendentais so os modos pertencentes ao ente

    enquanto ente, o que resta deles, depois da modernidade, para

    que se possa redescobrir o ser? Donde se partir para construir

  • 18

    um discurso que toque a sociedade por onde ela quer ser toca-

    da? Eis a pista que um famoso clrigo hodierno concede: O

    homem moderno duvida da verdade, resiste ao bem, mas

    fascinado pelo belo4. A ltima muralha dos transcendentais

    em tempos conturbados como esses a beleza! Como diria

    Dostoivski: O mundo ser salvo pela beleza sim, muito em-

    bora haja no mundo muitas belezas! Sendo assim: qual delas o

    salvar? Como compreender o ser que se esconde por detrs

    das belezas do nosso tempo, e com elas aprender? Como com-

    preender a beleza de um cone e de uma tela contempornea?

    De que modo aproximar Rublev e Mir? Nisto a esttica pode

    ajudar! Eis o fio condutor deste curso!!!

    Como ter um olhar esttico to abrangente que abarque

    tanto El Greco quanto Picasso, tanto Rembrandt quanto Dal?

    Esta a tarefa da atual Filosofia da Arte ou, como se diz tam-

    bm, da Esttica.

    Entende-se que a noo de gosto, que prevalece desde

    Kant no mbito da esttica, no oferece resposta a esta questo.

    De fato, gosto supe certa fruio desinteressada, certa compla-

    4 CANTALAMESSA, Raniero. Contemplando a Trindade. So Paulo:

  • 19

    cncia sem finalidade, ambas fundadas sobre o belo, que carac-

    terizaria a obra de arte. Sem embargo, na perspectiva kantiana

    gosto a unio entre o belo e o verdadeiro na obra tornada arte.

    Antes da fruio se diz, porm, que a arte contm um lgos que

    indissocivel de seu ser. Aristteles vem em socorro do ho-

    mem hodierno, algemado ao conceito de gosto desde Kant. O

    Estagirita recorda que a prtica artstica encontra-se includa na

    parte racional da alma (virtudes dianoticas), e nela, dentre as

    cincias denominadas calculadoras pois so daquele tipo de

    cincia que pode ser diferentemente.

    DEFINIO DE BELO

    Antes de tudo, nos aproximemos da noo de belo. De

    fato, embora a esttica tenha como objeto principal de sua cin-

    cia a beleza, a noo que se tem de belo no evidente. Classi-

    camente, o conceito de belo no est unido ao conceito de arte.

    Antes, por belo entende-se um contedo determinado e bastante

    definido. O belo est mais unido metafsica do que esttica,

    no mbito filosfico; de modo geral, o belo sempre est ligado

    Loyola, 2004, p. 66.

  • 20

    natureza. A ideia mais ou menos comum de que belo e arte se

    identificam , por isso, bastante tardia.

    Numa aproximao primria, dir-se-ia que belo o que

    apetece, o que agrada5. As diferentes fontes do apetecer e do

    agradar que acarretaro as diversas formas de beleza

    DIVISO DO BELO:

    O Belo distingue-se, como j se viu, segundo a fonte da

    complacncia.

    Metafisicamente, diz-se belo do ente enquanto apetec-

    vel. Tal definio muito mais complexa do que pode se supor.

    Se belo o que apetece, aquilo que apetece ao homem maxi-

    mamente deve ser belo maximamente. Por isso, o ente, que o

    maximamente desejvel, tem que ser o maximamente belo. Esta

    beleza, obviamente, no a beleza de uma tela de Dal, nem de

    uma pea de Vivaldi. Mas de uma outra natureza. Dela se

    pode dizer que tudo o que existe belo.

    As primeiras reflexes sobre o tema da beleza foram re-

    ferentes tenso entre arte e natureza (Plato) e arte e lgos

    5 Cf. nota 2.

    AdministradorRealce

  • 21

    (Aristteles). S muito tardiamente (sculo XVIII) introduziu-

    se a noo de belo necessariamente obra de arte.

    Belo em Plato => Transcendente, a beleza tem caracte-

    rsticas divinas?

    Belo em Aristteles => Imanente, a beleza um deus?

    NOO DE ARTE

    Segundo Aristteles, Arte o lgos da obra produzida,

    tomado sem a matria. Isto , no existe relao imediata entre

    arte e beleza em Aristteles A obra de arte mais filosfica

    porque possui uma racionalidade prpria, um lgos especfico

    que a torna um objeto filosfico.

    Arte em Plato

    Arte em Aristteles

    DEFINIO DE ESTTICA

    Definio da Esttica:

    1-Etimolgica: Esttica encontra sua origem em

    Baumgarten (aesthetica) e significa a doutrina do conhecimento

    sensvel (cognitio sensitiva).

    AdministradorRealce

  • 22

    2-Definio real: cincia que trata da arte como mani-

    festao da beleza e da verdade.

    Diviso:

    1- Filosofia da Arte: trata da parte da filosofia

    que se ocupa da relao entre arte e natureza, realidade e

    imitao.

    2- Esttica: cincia que pesquisa a arte enquanto

    reflexo da verdade e da beleza.

    Por Esttica entende-se a cincia que une o estudo do

    belo e do verdadeiro. Contrariamente noo de Belo, que no

    inclui o verdadeiro; e noo de arte, que se distancia do Belo,

    a Esttica tal qual surgiu no sculo XVIII uma tentativa filo-

    sfica de reunir a Beleza e a Verdade em um mesmo discurso.

  • 23

    JUSTIFICATIVA: POR QU A ESTTICA CON-

    VERTE-SE EM TEMA FILOSFICO?

    O que h na experincia esttica que possa exigir uma

    abordagem mais detalhada do filsofo? Por que a esttica se

    apresenta ao homem hodierno, e igualmente ao filsofo clssi-

    co, como uma questo que deve ser abordada? Neste momento

    um texto de Plato poderia nos ajudar. Trata-se do texto onde

    ele afirma que o artista (artfice, tcnico) produz suas obras a

    partir da ideia da obra, mas no a esgota:

    Scrates: - Tomemos ento uma das muitas esp-cies de seres: P.ex.: h uma multido de leitos e

    mesas.

    Glauco: - Sem dvida.

    Scrates: - Todos, porm, abrangidos sob duas i-

    deias apenas: a de leito e a de mesa.

    Glauco: - Sim.

    Scrates: - Tambm costumamos dizer que o artfi-

    ce que faz um ou outro destes mveis trabalha se-

    gundo a ideia que tem na cabea quando produz

    uma destas mesas ou destes leitos que servem para

    nosso uso. O mesmo se dir dos outros mveis.

  • 24

    Porque, certamente, no a prpria ideia do m-

    vel, o que o artfice fabrica.6

    Plato assevera que a produo de arte contm algo de

    extraordinrio: quando se termina a labuta artstica, o arteso

    no esgota a ideia do objeto que produz e o que produz mera

    cpia da ideia.Toda obra de arte cpia da ideia que a originou.

    Assim como o espelho reflete a imagem dos objetos reais, a

    produo humana reflete a ideia do objeto produzido. J que a

    produo artstica reproduo, imitao, o que o autor repro-

    duz ou imita quando produz arte?

    Scrates: - (...)Toma um espelho e volta-o em to-das as direes: produzirs, num pice, o sol, todos

    os corpos celestes, a terra, a ti mesmo, os outros

    animais, as plantas, as obras, tudo enfim o que dis-

    semos.

    Glauco: - Sim, farei tudo isso, decerto, mas somen-

    te na aparncia; nada, porm, de verdadeiro e real.

    Scrates: - Muito bem. Entras perfeitamente no

    meu modo de pensar. O pintor aparentemente um

    artista desta espcie. No?

    Glauco: - Sem dvida.

    6 PLATO. A Repblica, X. So Paulo: Atena, 1959.

  • 25

    Scrates: - Dir-me-s, talvez, que nada h de real

    em tudo quanto ele faz. No entanto, o pintor tam-

    bm, de certo modo, faz um leito

    Glauco: - Sim: um leito aparente

    Scrates: - E, quanto ao carpinteiro, no acabas de

    dizer que no faz a prpria ideia, que chamamos a

    essncia do leito, seno um certo leito particular?

    Glauco: - o que eu disse.

    Scrates: - Se, pois, no faz a prpria essncia do

    leito, nada faz de real, mas somente uma coisa que

    representa o que, verdadeiramente .

    A experincia esttica revela um mistrio no mundo, um

    mistrio no real: h uma verdade por detrs das aparncias de

    realidade. A produo artstica, que mmesis da ideia, asseme-

    lha-se ao reflexo dos seres descritos por Plato. Tudo o que

    produzido pelo arteso irreal, tudo aparncia de realidade.

    No entanto, os seres existentes, mesmo que sejam apenas refle-

    xo, revelam que existe algo sob as aparncias. Ora, desde a

    clebre passagem das virtudes dianoticas, de Aristteles, que a

    epistemologia escolar afirma que s pode haver cincia quando

    h necessidade. Deste modo, um lugar onde imperam sensibili-

    dade e aparncias este no o mundo da arte? no pode

    produzir conhecimento. isto que Plato afirma a seguir:

  • 26

    No admira, pois, que de tais obras no se tire muita luz para o conhecimento da verdade.

    A mmesis platnica no atribui qualquer valor pedag-

    gico arte porque qualquer relao existente entre a ideia e a

    obra muito distante. A arte como mistrio abre o horizonte

    para discutirmos a natureza da arte clssica. Afinal, o que

    arte?

    Noo Ampla de Arte

    1. Tem-se a ideia mais ou menos geral de que arte

    tudo o que intil. De fato, necessrio que a obra averiguada

    seja intil para que reconhecem como arte. fundamental que a

    obra de arte no esteja em funo de nada seno de si mesma,

    por isso no pode ser til, pois o que til o que est em fun-

    o de outro. No entanto, embora toda obra de arte seja intil,

    i.e. no seja instrumento para algo, nem tudo o que intil

    obra de arte. Ser fim para si no basta para fundar a obra de

    arte. Muitos atos voluntrios tambm so fins em si (como a

    honestidade), mas nem por isso configuram obras de arte.

  • 27

    2. Antiguidade tambm no suficiente para carac-

    terizar uma obra de arte. Contrariamente ao que se disse sobre a

    utilidade, a antiguidade nem necessria para a formao da

    obra de arte.

    Arte, pelo contrrio, tudo o que bem feito, tudo que

    possui tcnica. Pois o que bem acabado revela o Belo. A no-

    o de Belo no est includa na reflexo de arte, pois o Belo

    em Plato no algo que se preste a ser produzido. Ora, a arte

    trata do que pode ser produzido (poisis). Logo, o Belo s se

    relaciona com a arte derivadamente.

    Em apoio ao que Plato sugere sobre a obra de arte vem

    Fernando Pessoa:

    Toda a arte expresso de qualquer fenmeno psquico. A arte, portanto, consiste na adequao,

    to exata quanto caiba na competncia artstica do

    autor, da expresso cousa que quer exprimir. De

    onde se deduz que todos os estilos so admissveis,

    e que no h estilo simples nem complexo, nem es-

    tilo estranho nem vulgar. H ideias vulgares e ideias elevadas, h sensaes

    simples e sensaes complexas; e h criaturas que

  • 28

    s tm ideias vulgares, e criaturas que muitas vezes

    tm ideias elevadas. Conforme a ideia, o estilo, a

    expresso. No h para a arte critrio exterior. O

    fim da arte no ser compreensvel, porque a arte

    no a propaganda poltica ou imoral.7

    7 PESSOA, Fernando. Sobre Orpheu, Sensacionismo e Palismo.

  • 29

    PERSPECTIVA HISTRICA

    O mundo moderno duvida da verdade, resiste ao

    bem, mas fascinado pelo belo8

    De acordo com o itinerrio orientador deste trabalho,

    abordaremos agora a filosofia da arte, isto a relao entre apa-

    rncia e realidade. Neste ponto de nossa pesquisa, utilizaremos

    a noo de imitao (mmesis) como conceito-guia de nossa

    reflexo. Evidentemente, esta noo possui definies distintas

    em cada autor que a aborda. Por isso, nos limitaremos a refletir

    sobre o papel da imitao em Plato e em Aristteles. De fato,

    embora muito prximos cronologicamente, entre estes autores

    h um abismo terico, o que justifica a tarefa de refletir sobre a

    mmesis platnica e a mmesis aristotlica.

    8 DANNEELS, G. Intervento al Concistorio Straordinario, 2001. Citado

    por Raniero Cantalamessa. Ver nota 1.

  • 30

    DISTINO ENTRE ESTTICA E HISTRIA DA

    ARTE

    A esttica clssica (filosofia da arte) pode ter o objeto de sua pes-

    quisa suficientemente resumido na reflexo sobre os

    ESTTICA CLSSICA

    A esttica clssica (filosofia da arte) pode ter o objeto

    de sua pesquisa suficientemente resumido na reflexo sobre os

    modos de relao existentes entre natureza e produto; realidade

    e aparncia. Para melhor aprofundar este tema, utilizaremos

    dois filsofos com posturas distintas: Plato e Aristteles.

    Plato: para a esttica. Sem embargo, belo o

    ente enquanto apetecvel. Tal definio muito mais

    complexa do que suporia um filsofo comum. Alm do

    que, as duas grandes fontes filosficas que trataram do

    tema s raramente abordaram o assunto nestes termos.

    As primeiras reflexes foram referentes tenso entre

    arte e natureza (Plato) e arte e lgos (Aristteles). S

  • 31

    muito tardiamente (sculo XVIII) introduziu-se a noo

    de belo necessariamente obra de arte.

    Aristteles: Arte transformadora das

    coisas (Arte imita a natureza)

    Arte enquanto pedagoga

    (Arte hbito produtivo acompanhado pelo logos)

    Mmesis Gadameriana

    Na Primeira Parte de Verdade e Mtodo, Hans-Georg

    Gadamer trata da Liberao da questo da Verdade desde a

    experincia da arte. Esta parte da obra subdivide-se duplamen-

    te em uma abordagem acerca do valor transcendente da refle-

    xo esttica (O ato de transcender da dimenso esttica) e uma

    outra parte que trata da obra de arte como chave hermenutica

    do real (A ontologia da obra de arte e seu significado herme-

    nutico). Nesta ltima, Gadamer trata de derivar as explicaes

    ontolgicas do conceito de Jogo alm de retirar dedues est-

  • 32

    ticas e hermenuticas desta noo. Ora, quando trata do papel

    do conceito de Jogo o autor acaba por revelar qual sentido o

    conceito de mmesis possui em sua filosofia e qual a relao

    deste conceito com a ontologia. Antes, porm, vamos tentar

    aproximar as noes de jogo e de mmesis.

    Gadamer afirma que a noo de Jogo correlata noo

    de arte. O Jogo, como Gadamer entende, no a posio psico-

    lgica do jogador nem seu comportamento no Jogo. A aborda-

    gem que o Jogo sugere ontolgica, pois, diz Gadamer:

    J tnhamos visto que no a conscincia esttica, mas a experincia da arte e, com isso, a questo pelo

    modo de ser da obra de arte que ter de ser objeto

    da nossa ponderao9.

    A experincia da arte da qual Gadamer fala no a

    experincia interna, psicologista, da arte. E isto se revela a se-

    guir:

    A obra de arte tem, antes, o seu verdadeiro ser em se tornar uma experincia que ir transformar aque-

    le que a experimenta. O sujeito da experincia da

    9 GADAMER, Hans-Georg. Wahreit und Methode, p. 108.

  • 33

    arte, o que fica e persevera, no a subjetividade de

    quem a experimenta, mas a prpria obra de arte10.

    A obra de arte, tal qual pensa Gadamer, ganha certa au-

    tonomia em relao ao espectador e tambm em relao ao ar-

    tista. aqui que se aproximam mais decididamente Jogo e obra

    de arte, pois no Jogo o jogador est em funo do Jogo:

    O jogo tem uma natureza prpria, indepen-dente da conscincia daqueles que jogam [...]. O su-

    jeito do jogo no so os jogadores, mas o jogo, atra-

    vs dos que jogam11.

    Deste modo, relacionamos Jogo e obra de arte, visto

    que, segundo Hans-Georg Gadamer, ambos caracterizam-se

    pela preponderncia do objeto e no do sujeito. Todavia, que

    relao pode existir entre Jogo e imitao? Esse o nosso novo

    objetivo.

    A natureza do Jogo enquanto fim de si demonstra que

    no h movimento transcendente ou finalista. Diferentemente

    de outras atividades, o Jogo objetiva apenas a si e, portanto,

    10

    Idem. Ibidem. 11

    Idem. Ibidem.

  • 34

    representa apenas a si. A natureza do Jogo meramente um

    representar-se:

    Realmente, o Jogo limita-se a representar-se. Sua natureza de ser , portanto, a de auto-

    representao. Agora, a auto-representao um

    aspecto universal do ser da natureza12.

    Neste sentido, Jogar j sempre um representar 13 e

    representar , de algum modo, imitar. Assim, diramos parafra-

    seando Gadamer, jogar sempre imitar. Eis o ponto de encon-

    tro entre a noo de mmesis e Jogo em Gadamer. A arte asse-

    melha-se ao Jogo, pois ambos preponderam sobre seus especta-

    dores e atores; o Jogo , em si, um representar-se, visto que o

    fim do jogo apenas jogar; representar um outro modo de

    imitar; portanto, o Jogo mmesis tal qual a arte, cuja relao

    primariamente foi afirmada. No entanto, embora bastantes ca-

    ractersticas tenham j aparecido sobre a natureza da arte, nada

    ainda foi dito sobre a imitao em si mesma. Afinal, o que se

    imita quando se joga? Como se viu, no se imita o jogador,

    12

    Idem. p. 113. 13

    Idem. p. 114.

  • 35

    nem fsica nem psiquicamente. Igualmente, quando se produz

    arte no se imita nem a matria nem a psique do artista. O que,

    ento, se imita? Vejamos o que Gadamer nos diz:

    O conceito de imitao, porm, s consegue descrever o jogo da arte, se no se perder de vista o

    sentido do conhecimento, que se encontra na imita-

    o. A encontra-se o que representado a rela-o mmica originria. Quem imita alguma coisa

    deixa isso ser a o que conhece e como o conhece14.

    Ainda:

    Com isso, tornou-se claro: o que imitado, formulado pelo poeta, representado pelo ator, reco-

    nhecido pelo espectador, de tal modo o que se tem

    em mente (Gemeinte), aquilo onde reside o significa-

    do da representao, que a formulao potica ou o

    desempenho da representao nem chegam a ser re-

    alados15.

    Gadamer afirma que a produo artstica ou o jogo ou a

    interpretao de textos quer representar o significado da obra,

    do jogo, do texto. Mas este carter um carter necessrio no

    14

    Idem. p. 118 e 119.

  • 36

    apenas para quem produtor (mimtico, poeta, ator), necess-

    rio tambm para o espectador. De acordo com Gadamer, a obra

    de arte pode ser mais bem apreciada pelo espectador segundo o

    quanto ele penetra na alma da obra de arte. Obviamente, isto

    no significa que a fruio est subordinada absolutamente ao

    carter significativo da obra produzida. isso, alis, que nos

    fala Goethe:

    questo de saber se se devem ou no fazer comparaes quando se observam diferentes obras

    de arte gostaramos de dar a resposta que se segue.

    O conhecedor que tem formao adequada deve

    comparar: a ideia paira sua frente, apreendeu o

    conceito relativo ao que pode e ao que deve ser pro-

    duzido. O amador, que apanhado ainda no trajeto

    da sua formao, s tem a ganhar se no fizer com-

    paraes e se observar em separado cada realiza-

    o: assim que o seu gosto e o seu sentido do geral

    se iro formando a pouco e pouco. Quanto compa-

    rao levada a cabo pelo no iniciado apenas uma

    soluo de facilidade que dispensa qualquer juzo16.

    15

    Idem. p. 122. 16

    GOETHE, Johann Wolfgang von. Mximas e Reflexes.

  • 37

    Para Goethe, compreende melhor a obra de arte aquele

    que melhor compreende o esprito do autor, presente na obra e

    revelada pelo seu significado. o que nos ratifica Gadamer:

    O que propriamente experimentamos numa obra de arte e para onde dirigimos nosso interesse ,

    antes, quo verdadeira ela , isto , em que medida

    conhecemos e reconhecemos algo e a ns prprios

    nela17.

    E mais: A imitao e a representao no so apenas

    uma repetio figurativa, mas conhecimento da natureza18.

    Depois de distinguir os muitos aspectos da mmesis ga-

    dameriana, ainda resta esclarecer em que sentido a imitao de

    Plato se distingue da imitao de Gadamer. Ambos autores

    concordam que arte mmesis, no entanto, no est claro ainda

    em que sentido elas se distinguem.

    Para o platonismo avant la lettre, a natureza da mmesis

    est em harmonia com as noes de anamnesis e reminiscncia.

    E a correta compreenso do que se entende pelo conceito de

    17

    GADAMER, Hans-Georg. Wahreit und Methode, p. 119.

  • 38

    imitao inclui uma reflexo sobre a noo de reconhecimento.

    De fato, para Plato o caminho para o ser est na idealidade da

    linguagem:

    Na realidade, um tal idealismo da essncia colocado no fenmeno do reconhecimento. O co-

    nhecido alcana o seu ser verdadeiro e mostra-se

    como ele , apenas atravs do reconhecimento19.

    O reconhecimento encontra seu tpos na idealidade da

    essncia. A idealizao das essncias, pondo-as num lugar dis-

    tinto e acessvel dialeticamente, a salva-guarda da possibili-

    dade de haver reminiscncia das mesmas ideias. O conhecer

    encontra sua fundamentao e sua melhor formulao quando

    se conhece a essncia, pois Plato entende todo conhecimento

    da essncia como reconhecimento20. Assim, a imitao plat-

    nica, que tambm um certo tipo de representao, carece de

    aprofundamento. Seria muito frustrante que o reconhecer pr-

    prio da epistemologia humana e o reconhecer esttico igual-

    mente resumisse-se apenas numa lembrana do que j sabe-

    18

    Idem. p. 120. 19

    Idem. p. 119.

  • 39

    mos. Esta postura coloca a imitao numa situao bastante

    incmoda.

    No entanto, Gadamer afirma que qualquer reflexo que

    tente diminuir o papel que a imitao possui na produo de

    conhecimento deve ser revista, visto que o reconhecer um

    outro do conhecer:

    O que o reconhecimento, segundo a sua mais profunda natureza, no ser compreendido, se

    somente virmos no sentido de ali reconhecermos algo

    que j conhecemos, isto , o fato de que o conhecido

    reconhecido. A alegria do reconhecimento reside,

    antes, no fato de identificarmos mais do que somente

    o que conhecido21.

    Alm do mais, no possvel apenas reconhecermos o

    que est na obra ou no mundo, pois estes entes possuem uma

    defasagem em relao com o original.

    A representao da essncia tampouco uma mera imitao, que necessariamente demons-

    20

    Idem. p. 120. 21

    Idem. p. 119.

  • 40

    trativa. Quem imita tem de deixar algo fora ou real-

    ar algo22.

    O reconhecimento em Gadamer, contrariamente a Pla-

    to, possui um papel relevante na produo de arte e do conhe-

    cer. Reconhecer tambm apreender um pouco do outro e do

    objeto. A imitao, portanto, jamais ser uma atividade deriva-

    da ou aceita resignadamente, mas ser buscada e ser querida.

    Distino entre a Mmesis Platnica e a Mmesis Ga-

    dameriana

    De muitos modos Plato e Gadamer se aproximam.

    Com efeito, o modo gadameriano de abordar temas como a

    filosofia prtica, especialmente as noes de phrnesis e

    snesis; a forma como entende as noes de linguagem colo-

    cam Gadamer na esteira dos filsofos ditos idealistas. Livros

    como O elogio da teoria, Lies sobre Hegel e outros tes-

    temunham a favor desta classificao. Todavia, h pontos em

    que Gadamer e Plato se distanciam: a arte um deles.

    22

    Idem. p. 120.

  • 41

    Gadamer no faz eco s palavras de Plato em alguns

    pontos: sobre a potncia pedaggica da arte; sobre o valor in-

    trnseco da arte; sobre a imanncia do belo; sobre o papel trans-

    formador da arte. Todavia, o que mais importa na distino

    entre Gadamer e Plato o papel relegado mediao.

    Para Plato, a reminiscncia que faria s vezes de in-

    termdio entre o homem e as Ideias Eternas caminho neces-

    srio, mas absolutamente improdutivo no que se refere co-

    nhecimento e prazer. Esta postura refletir sobre a noo de

    mmesis, pois o reconhecimento da essncia provocado pela

    arte permanecer estril. O conhecimento e o prazer esttico se

    daro de outro modo: o primeiro pelo cultivo da dialtica (co-

    mo se v na Repblica VII) e o segundo na contemplao do

    Belo, contemplao prazerosa e propiciada pela prpria dialti-

    ca.

    Em Gadamer, a mediao revela um outro lado. Reco-

    nhecer no apenas lembrar algo que j se sabe, mas tambm

    conhecer. A mmesis gadameriana torna-se mais eficaz peda-

    gogicamente, alm de tratar do belo de modo imanente.

  • 42

    Mmesis Aristotlica

    Esta parte do curso intenta compreender com maior a-

    gudeza o que arte para o Estagirita. Com efeito, levando-se

    em conta que as posturas tericas de Aristteles e Plato em

    geral se distinguem avant la lettre, importa que entendamos o

    que significa a famosa frase aristotlica: A arte imita a nature-

    za. Sem dvida, no quer dizer que a arte imita a ideia, esvazi-

    ando seu sentido epistmico; nem que a arte degradao de

    uma realidade ideal. Mas em que ento a mmesis aristotlica se

    distingue da platnica? Esta a tarefa que nos propusemos nes-

    ta reflexo: compreender a natureza da arte em Aristteles e em

    que ela se distingue da arte platnica.

    Dentre as possveis bibliografias para auscultarmos A-

    ristteles no que se refere arte so as seguintes obras:

    Arte Potica

    Arte Retrica

    tica a Nicmaco VI

    Metafsica I, II, VI, XI, XII

    Das Partes dos Animais I

  • 43

    Segundos Analticos II

    Fsica II

    Tpicos VIII

    Nelas Aristteles aborda de algum modo o tema da arte,

    seja em si mesma (Fsica II, Da parte dos animais I), seja em

    relao a outro (Metafsica VI, tica a Nicmaco VI). De todo

    modo, a arte figura, para o Estagirita, em patamar filosfico

    importante, no que diz respeito sua classificao.

    Da Natureza da Arte

    a) Arte como forma de racionalidade

    Clebre a passagem da Metafsica II (o famoso a mi-

    nsculo), onde Aristteles esclarece o fim da filosofia, distin-

    guindo-a em filosofia teortica e filosofia prtica:

    justo tambm denominar a filosofia cin-cia da verdade. Com efeito, da filosofia teortica

    fim a verdade, da prtica a obra, visto que os [filso-

    fos] prticos, ainda que investiguem de que modo

  • 44

    so as coisas, no estudam a causa por si mesma,

    mas em relao a alguma outra coisa23.

    De toda filosofia fim a verdade, ainda que da filosofia

    prtica seja fim a verdade em relao a outro, e no em si mes-

    ma, como ocorre com a filosofia teortica. Esta definio de

    Aristteles j coloca a filosofia prtica numa situao distinta

    da de nossos contemporneos. Se para nosso tempo a filosofia

    prtica, especialmente a tica, est desprovida de qualquer rela-

    o com a racionalidade, relegando seu papel a mero conven-

    cionalismo, para o Estagirita a filosofia prtica possui uma ver-

    dade que prpria, uma verdade cientfica: a filosofia prtica,

    includa a arte, uma forma de racionalidade. Mas que tipo

    de verdade capaz a filosofia prtica?

    Quando o Estagirita trata da parte racional da alma (dia-

    nia razo), ele a distingue duplamente: uma parte que tem

    por objeto realidades cujos princpios no podem ser diferen-

    temente e outra que trata de objetos que podem ser diferente-

    mente. Da parte necessria diz-se cientfica (epistemonikn),

    a contingente chama-se calculadora (logistikn). As cincias

    23

    ARISTTELES. Metafsica, II, 1, 993 b 1923.

  • 45

    teorticas sero submetidas parte cientfica, pois seus objetos

    so necessrios (como as matemticas) ou possuem ao menos

    princpios necessrios (como a fsica e a metafsica). Mas

    tambm ser submetida parte cientfica da razo a filosofia

    prtica, visto que seu objeto geralmente ou quase sempre,

    o que epistemologicamente equipara-se aos princpios necess-

    rios. Assim, Aristteles garante uma universalidade de princ-

    pios para a tica, embora haja variedade de meios (a phrnesis

    a virtude mxima da parte calculadora da alma e ela a res-

    ponsvel por calcular os meios razo prtica para se al-

    canar o bem a filosofia prtica). A filosofia prtica com-

    posta pela tica e esttica. Portanto, a esttica possui uma ver-

    dade sua, uma verdade que ao mesmo tempo garante um prin-

    cpio identificador, uma marca, uma essncia e que deixa ao

    artista o direito de usar os meios mais convenientes para reali-

    zar a obra desejada. Sobre a phrnesis poderamos falar depois,

    mas sobre a filosofia prtica aquela que teortica, cientfica

    e, portanto, prescritiva devemos retom-la agora.

  • 46

    Bem, se se pode afirmar que a filosofia prtica possui

    um princpio racional no se deve furtar a possibilidade de per-

    guntar sobre o princpio que acaba por informar as artes. Afi-

    nal, que princpio est na base da filosofia prtica?

    Com efeito, das coisas produtveis (poie-tn), o princpio est naquele que produz, isto , a in-

    teligncia ou a arte ou outra capacidade qualquer,

    enquanto das coisas praticveis (praktn) ele est

    naquele que age24.

    Eis uma citao preciosa! Pois o Estagirita acaba de a-

    firmar que o princpio da arte est naquele que produz. Tal

    afirmao entraria em contradio com a noo que Gadamer

    tem de Jogo e Arte ambos ganham autonomia ao instaurar-se

    a relao de disputa ou de contemplao. Todavia, por aquele

    que produz Aristteles no est se referindo ao produtor, mas

    ideia de produto, a inteligncia do produto que informa e que

    est guiando o artfice.

    b) Arte enquanto hbito produtivo

    24

    ARISTTELES. Metafsica, VI, 1025 b 22-27.

  • 47

    Na tica a Nicmaco Aristteles nos presenteia com

    uma noo de arte que merece um pouco de ateno. Por isso, a

    apresentaremos por partes a fim de compreendermos seu signi-

    ficado. Antes de tudo, o Estagirita afirma que arte hbito

    produtivo. Entende-se que o hbito a que se refere Aristteles

    a capacidade de produzir. Mas no um hbito de produzir

    qualquer coisa. A produo de conceitos, de hipteses, de aspi-

    raes, de volies no arte, visto que no abrange um outro

    aspecto: o resulto da arte deve ser um produto diferente do pro-

    dutor. Ora, conceitos, volies, desejos e hipteses so apenas

    enquanto entes de razo. Sua existncia depende do indivduo.

    A arte, pelo contrrio, em sua realidade no depende do autor.

    c) Arte enquanto hbito produtivo acompanhado

    pelo lgos

    d) Arte enquanto hbito produtivo acompanhado

    pelo lgos verdadeiro (

    e) A arte imita a natureza (Fsica II 2, 194 a 21)

  • 48

  • 49

    CRTICA

    ;;;;;;;;;;;;.25

    ;;;;;;;;;;;;; o itinerrio orientador deste trabalho, aborda-

    remos agora a filosofia da arte, isto a relao entre aparncia e

    realidade. Neste ponto de nossa pesquisa, utilizaremos a noo

    de imitao (mmesis) como conceito-guia de nossa reflexo.

    Evidentemente, esta noo possui definies distintas em cada

    autor que a aborda. Por isso, nos limitaremos a refletir sobre o

    papel da imitao em Plato e em Aristteles. De fato, embora

    muito prximos cronologicamente, entre estes autores h um

    abismo terico, o que justifica a tarefa de refletir sobre a mme-

    sis platnica e a mmesis aristotlica.

    25

    DANNEELS, G. Intervento al Concistorio Straordinario, 2001.

  • 50

    RELAO ENTRE ESTTICA E METAFSICA

    A esttica clssica (filosofia da arte) pode ter o objeto de sua pes-

    quisa suficientemente resumido na reflexo sobre os

    RELAO ENTRE ESTTICA E TICA

    A esttica clssica (filosofia da arte) pode ter o objeto de sua pes-

    quisa suficientemente resumido na reflexo sobre os

  • 51

    NDICE ONOMSTICO

    A

    Aquino, Toms de .....................................................7

    Aristteles .......... 6, 7, 9, 10, 12, 15, 16, 21, 22, 23, 24

    B

    Baumgarten, Alexander ........................................... 10

    C

    Cantalamessa, Raniero...............................................9

    D

    Dali, Salvador ...................................................... 9, 10

    Danneels, G. ............................................................ 16

    Descartes, Rene........................................................7

    Dostoivski, Fiodor ........................................... 6, 7, 9

    E

    El Greco.....................................................................9

    Eudoxo ......................................................................6

    F

    Freud, Sigmund .........................................................8

    G

    Gadamer, Hans-Georg ......... 16, 17, 18, 19, 20, 21, 23

    Goethe, Johann Wolfgang von .......................... 18, 19

    H

    Harmenszoon van Rijn, Rembrandt .......................... 9

    Hegel, Georg Wilhelm Friedrich ............................. 20

    Hume, David ............................................................. 7

    Husserl, Edmund ....................................................... 7

    K

    Kant, Immanuel ......................................................... 9

    L

    Leibniz, Gottfried Wilhelm von ................................ 7

    Leucipo ..................................................................... 7

    Locke, John ............................................................... 7

    M

    Marx, Karl ................................................................. 6

    Mir, Juan ................................................................. 9

    P

    Pessoa, Fernando ..................................................... 13

    Picasso, Pablo............................................................ 9

    Plato ................... 7, 10, 11, 12, 13, 15, 16, 19, 20, 21

    Plotino ....................................................................... 7

  • 52

    R

    Rublev, Andrei ..........................................................9

    S

    Scrates ............................................................. 11, 12

    V

    Vivaldi, Antonio ...................................................... 10

  • 53

    REFERNCIAS BIBLIOGR-

    FICAS

    ARISTTELES. Metafsica.

    PLATO. A Repblica. So Paulo: Atena, 1959.

    CANTALAMESSA, Raniero. Contemplando a Trindade. So

    Paulo: Loyola, 2004.

    DOSTOIVSKI, Fiodor. O Idiota. Milo: 1983.