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http://salaconvivio.com.sapo.pt História de Portugal Contemporâneo Político e Institucional Apontamentos de: Ana Peixoto Email: [email protected] Data: 2000/01 Livro:História de Portugal Contemporâneo (Político e Institucional) João Medina Universidade Aberta 1994 ISBN: 972-674-129-2 Nota: Poderão existir erros de ortografia dado que o documento teve que ser scannarizado devido a se ter perdido o ficheiro original. A autora e o corrector ortográfico deram o seu melhor numa análise rápida... A Sala de Convívio da Universidade Aberta é um site de apoio aos estudantes da Universidade Aberta, criado por um aluno e enriquecido por muitos. Este documento é um texto de apoio gentilmente disponibilizado pelo seu autor , para que possa auxiliar ao estudo dos colegas. O autor não pode, de forma alguma, ser responsabilizado por eventuais erros ou lacunas existentes neste documento. Este documento não pretende substituir de forma alguma o estudo dos manuais adoptados para a disciplina em questão. A Universidade Aberta não tem quaisquer responsabilidades no conteúdo, criação e distribuição deste documento, não sendo possivel imputar-lhe quaisquer responsabilidades. Copyright: O conteúdo deste documento é propriedade do seu autor, não podendo ser publicado e distribuido fora do site da Sala de Convívio da Universidade Aberta sem o seu consentimento prévio, expresso por escrito.

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História de PortugalContemporâneo

Político e Institucional

Apontamentos de: Ana PeixotoEmail: [email protected]: 2000/01

Livro:História de Portugal Contemporâneo (Político eInstitucional)João MedinaUniversidade Aberta1994ISBN: 972-674-129-2

Nota: Poderão existir erros de ortografia dado que odocumento teve que ser scannarizado devido a se terperdido o ficheiro original. A autora e o correctorortográfico deram o seu melhor numa análise rápida...

A Sala de Convívio da Universidade Aberta é um site de apoio aos estudantes daUniversidade Aberta, criado por um aluno e enriquecido por muitos. Este documento éum texto de apoio gentilmente disponibilizado pelo seu autor , para que possa auxiliarao estudo dos colegas. O autor não pode, de forma alguma, ser responsabilizado poreventuais erros ou lacunas existentes neste documento. Este documento não pretendesubstituir de forma alguma o estudo dos manuais adoptados para a disciplina em questão.

A Universidade Aberta não tem quaisquer responsabilidades no conteúdo, criação edistribuição deste documento, não sendo possivel imputar-lhe quaisquerresponsabilidades.

Copyright: O conteúdo deste documento é propriedade do seu autor, não podendo serpublicado e distribuido fora do site da Sala de Convívio da Universidade Aberta sem oseu consentimento prévio, expresso por escrito.

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1. A TEMPESTADE NAPOLEÓNICA 1.1 A Tempestade Napoleónica O sistema liberal português tem lugar entre 1825 e 1925 sendo a sua vigência de um século.

Durante este período ocorrem diversas revoluções e sistemas governativos: • Revolução de 1820, que viabiliza o novo sistema representativo de 1834;

• Regeneração, 1851-91, como equilíbrio das facções liberais;

• I República, 1910-26, com o radicalismo dos valores liberais e burgueses;

• A Ditadura do Estado Novo (1926-74), já posterior a este período e com um sistema

oposto.

Entre nós, a derrocada do Antigo Regime foi precedida pela ocupação de Portugal pelas

tropas francesas entre 1807 e 1811. Para além deste facto e durante o primeiro quartel do

séc. XIX, Portugal sofreu as consequências das guerras entre os invasores franceses e

aliados ingleses; da abertura dos portos brasileiros ao comércio mundial; da agricultura

arruinada; das alterações da ordem pública devido às insurreições nortenhas contra os

Franceses; da permanência da família real no Brasil.

1.2 O Brasil, de colónia a «metrópole» O Brasil tornava-se uma verdadeira metrópole enquanto que a metrópole lusa era um palco de

batalhas contra Napoleão. Sob pretexto da protecção da “fiel aliada", Beresford, viria a ocupar

e a governar a ilha da Madeira entre 1807 e 1814.

As invasões levaram a que fossem tomadas medidas, em 1808, para a autonomização do

Brasil, garantindo o príncipe regente refugiado nesta colónia uma primeira forma de

independência em relação á sua nação colonizadora:

• Abertura dos portos brasileiros à navegação;

• Liberdade de comércio com o mundo (e com Inglaterra (!) que fora objecto de bloqueio

imposto a Portugal, por Napoleão);

• Medidas económicas, como a criação de manufacturas e a liberdade industrial;

• A fundação do Banco do Brasil e a atracção de emigrantes estrangeiros.

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1.3 Do bloqueio continental (1806) à primeira ocupação francesa (1807-1808) Quando foi decretado o bloqueio continental a Inglaterra, Portugal ficou em posição difícil.

Aquela medida de Napoleão visava arredar aquele País do comércio europeu, fechando os

seus portos e os mercados do continente - uma quarentena mercantil. A Batalha de Trafalgar

(1805) deu-lhe uma das primeiras vitórias sobre o Império francês. Apesar de Portugal ter

optado pela neutralidade, o Ministro dos Negócios Estrangeiros decretava pelo Tratado de

Fontainebleau (1807) que Portugal ficava sob tutela de Carlos IV de Espanha, o «protector do

reino da Lusitânia».

1.4 Panfletos anti-napoleónicos

A primeira invasão (1807-08) coube a Junot e terminou com a intervenção inglesa chefiada por Arthur Wellesley, futuro Duque de Wellington. A guerra em Espanha teve dimensão de guerra nacional, sendo uma «nação em armas» contra os invasores. De carácter eminentemente popular, a luta era feita de batalhas e cercos, emboscadas e surpresas. Esta ocupação francesa suscitou na península o primeiro tentame de um diploma legal - a Constituição de Cádiz (1812), que serviria de modelo à nossa constituição de 1822. Os panfletos anti-napoleónicos, na maioria de autoria anónima, lançaram-se logo em Maio de 1808, a que se seguiu o caudal espanhol, terminando em 1811 aquando da expulsão dos invasores. A primeira ocupação francesa viera mostrar que Napoleão considerava Portugal como um país sem soberania nacional pelo Tratado de Fontainebleau - no qual burlara a Espanha fazendo-a interessar-se pela partilha do nosso país quando o objectivo era ocupá-la assim como a Portugal para garantir a aplicação do bloqueio continental.

1.5 A segunda e terceira invasões trancesas (1809-1811)

O levantamento no Porto (1808) alastrara a Braga, Bragança, Viana e Guimarães levando à criação da Junta do Porto sob a direcção do bispo, a qual pediu ajuda à Inglaterra no combate ao invasor. Foi nesta altura que Wellesley iniciou os combates vitoriosos em Roliça e no Vimeiro. Em Setembro de 1808 voltava a flutuar em Lisboa a bandeira portuguesa. Napoleão ordenou nova invasão e colocou no trono espanhol o seu irmão José. Do Brasil, D. João

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ordenara a reorganização do nosso exército com Beresford, um homem da confiança de Wellesley e futuro usurpador temporário da Madeira. Beresford organizou uma réplica do exército luso napoleónico denominado Leal Legião Lusitana. Gomes Freire, maçon, fez parte desta Legião Portuguesa ao serviço de Napoleão e acabou por ser sentenciado à morte. A segunda invasão começou em Março de 1809 sendo chefiada por Soult que atravessou a fronteira vindo da Galiza tomando Chaves e entrando no Porto. Wellesley impediu que Soult atravessasse o Douro, cessando assim a segunda invasão. Uma terceira invasão, a cargo de André Masséna, foi destroçada também por Wellesley na batalha do Buçaco (Setembro de 1810) e depois nas linhas de Torres Vedras. Masséna acabou por retirar o exército de Portugal em Maio de 1811. Entretanto, a presença dos aliados ingleses e de Beresford substituiriam a insolência da anterior ocupação francesa. Ao contrário de Espanha, entre nós não houve um grupo significativo de «afrancesados», intelectuais e artistas, ligados ao ocupante napoleónico. O acolhimento amistoso ao inimigo foi feito por alguns sectores da Igreja e Maçonaria que, porventura, tentariam atenuar os excessos cometidos pelo invasor. As tropas napoleónicas foram recebidas como exército invasor, portanto inimigas da Nação, Soberania e do Povo Português. Os oficiais da Legião Portuguesa foram os únicos que se comprometeram activamente no apoio à causa do Imperador francês. Em Espanha, porém, a ocupação foi bem acolhida por um grupo significativo de liberais e maçons, do qual nasceu a Constituição de Cádiz a qual servirá de base à nossa Constituição Liberal, de 1822.

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2. A REVOLUÇÃO VINTISTA (1817-1828) 2.1 O paralelismo histórico entre Portugal e a Espanha Durante o séc. XIX os dois países seguiram impulsos ideológicos simultâneos: a revolução

liberal estala nos dois países em 1820, fundamentando-se na luta pela independência contra o

invasor comum e pela libertação do Antigo Regime. A nossa liberdade, a vintista, seguiria os

passos da constituição gaditiana de 18i2. A nossa constituição reflectiria o modelo de Cádiz,

de inegável sugestão maçónica. O paralelismo era o resultado da convergência de interesses,

grupos e ideologias. Portugal e Espanha tiveram dois partidos opostos (o liberal e o

absolutista), guerras civis e, sobretudo, a perda das colónias do continente americano (1825

para Portugal; 1826 para Espanha).

A dicotomia política marcou os dois países ao longo do séc. XIX. Havia uma divisão fulcral

entre os partidos liberal e absolutista. O liberal era defensor das reformas para o

desenvolvimento, para a modem idade e o progresso dos dois países. O absolutista defendia

valores do Antigo Regime, sistema retrogrado e feudal que os ventos da história há muito

tinham derrubado. Esta dicotomia prolonga-se durante a I República, a guerra civil e o período

longo de ditadura dos dois países.

2.2 Antecedentes da Revolução de 1820 Do «Sinédrio» maçónico tripeiro sairia a revolução nortenha de 24 de Agosto de 1820.

Resultado inevitável do abalo trazido pelas invasões e pela subsequente ocupação inglesa

abusiva para uma nação soberana como a nossa, ademais com uma situação económica e

financeira cada dia mais grave! á beira da bancarrota, com os campos abandonados, a

agricultura agonizante, as indústrias inermes e o país amargurado com a ausência do

soberano.

“Economicamente éramos colonos do Brasil, politicamente éramos colonos ingleses. O nosso

exército era inglês e governava-nos um general inglês (Beresford) por intermédio de uma

Regência servil que pretendia representar o rei detido no Brasil. Era necessário sair dessa

situação ou morrer.” (Alexandre Herculano, adapt.)

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2.3. A revolução vintista Aproveitando a ausência de Beresford no Brasil, as tropas portuguesas aliciadas no Sinédrio

revoltam-se no Porto, a 24 de Agosto de 1820. Proclamaram a fidelidade a D. João VI,

acautelaram garantias à religião católica, pediram um regime de «liberdade regrada pela Lei»,

um «governo provisório» de confiança que «abafasse a anarquia» e «coibisse os tumultos».

Deram vivas às cortes e por elas à Constituição vindoura. Os comandantes militares do

movimento foram Brito Cabreira, Sepúlveda, Domingos Sarmento, Leite de Berredo, Sousa

Pimentel e Cardoso e Silva. Formou-se um governo provisório denominado Junta Provisional

do Governo Supremo do Reino, com representantes da nobreza, magistratura, clero, da

universidade e das províncias.

A 15 de Setembro, as manifestações de simpatias em Lisboa originariam um governo

provisório na capital que acabaria por se fundir com o do Norte, quatro anos depois, em 27 de

Setembro.

Beresford acabou por ser escorraçado pelas novas autoridades demonstrando que o domínio

inglês cessara.

O governo provisório optou por um sistema francamente liberal, democrático e até censitário.

O voto foi concedido aos analfabetos. Houve ainda uma tentativa fracassada por parte de

manifestantes armados e burgueses (Martinhada) de desviar do seu curso uma revolução que

começara pelas armas.

As eleições indirectas para as constituintes realizaram-se em Dezembro de 1820 e em Janeiro

do ano seguinte, reuniram-se as primeiras cortes democráticas, i.e. eleitas.

No Brasil, D. João VI reagiu com alguma prudência sobretudo porque a Europa era então

tutelada pela Santa Aliança que não via com bons olhos o liberalismo triunfar na Península

Ibérica e em Nápoles.

A Santa Aliança (1815) foi um pacto político entre os imperadores da Rússia e da Áustria e do

rei da Prússia, após a derrota de Napoleão, com o objectivo de unir as nações no sentido do

absolutismo e da sua defesa contra as ideias liberais. Aliás, foi devido à intervenção de

Inglaterra que não se verificou uma intervenção antiliberal da Santa Aliança em Portugal, o

mesmo não se poderá dizer em relação a Espanha (1823).

No Brasil, em 1821, eclodiu uma revolução liberal exigindo uma constituição semelhante à

portuguesa. D. Pedro permanecerá o regente e o seu pai regressa a Portugal.

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2.4 A Constituição de 1822 e os limites do vintismo Nas constituintes tinha predomínio a classe burguesa já que a burguesia comercial não tinha

representação social condigna. Desde logo se notaram dois partidos opostos, os moderados

(futuros setembristas) e os radicais (futuros cartistas). A índole da maioria dos deputados seria

aliás conservadora.

Os princípios da nossa constituição de 1822 eram: (cf. quadro comparativo, Cap. 3)

• A realeza tinha uma função marginal e era tutelada por um conselho de estado recrutado de uma lista proposta pelas Cortes;

• A soberania residia na Nação, retomando o princípio da constituição francesa de 1791; • Havia só uma câmara; • Cada legislatura duraria dois anos; • O rei tinha o poder executivo; os juizes o poder judicial e o governo dependia das

Cortes. Consagrava-se o princípio clássico liberal da separação dos três poderes, com fundamento na soberania popular de onde derivava todo o poder (em oposição ao princípio absolutista de que todo o poder emanava de Deus e do principio do direito divino dos reis). Em matéria religiosa, o Catolicismo era a religião do país mas permitia-se o culto de outras confissões apenas a estrangeiros. A Carta de 1826 insistiu nesta ressalva já que dificultava o exercício de outras confissões aos Portugueses. Afinal, a Constituição de 1822 fora elaborada «Em nome da Santíssima e Indivisível Trindade», a fórmula usada no pacto da Santa Aliança! Quanto ao Brasil, a proposta dos deputados brasileiros não teve acolhimento favorável. Queriam que houvesse duas Cortes, cabendo ao seu regente a sanção das respectivas leis. Consagrava-se assim a desunião luso-brasileira. As Cortes de Lisboa proibiram que D. Pedro renunciasse á regência do reino do Brasil. O. Pedro ficou e junto do Ipiranga deu o grito de independência (7de Setembro de 1822). A Constituição foi jurada pelo rei D. João VI, por D. Miguel e recusada por Carlota Joaquina que se assumia como a cabeça da contra-revolução. As medidas legislativas aprovadas pelas Cortes foram:

• Extinção da Inquisição; • Supressão dos forais e outros privilégios feudais; • Lei da liberdade de imprensa; • Reforma dos forais; • Criação do Banco de Lisboa;

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• A lei eleitoral; • Primeiro esboço da extinção dos conventos e das corporações religiosas; • Medidas de protecção da propriedade, agricultura e indústria; • Inventariação dos bens nacionais; • Etc.

2.5 Da Contra-Revolução à Usurpação Este conjunto legislativo não teve contudo capacidade de mudar a estrutura essencial do país.

O vintismo foi tímido nos seus propósitos de «regeneração» do como social, económico e

material de Portugal. O mais difícil estava em fazer perdurar as liberdades. D. João VI

contentou-se com a proclamação de princípios e embrenhou-se em questões secundárias

deixando evaporar o calor da revolução. O congresso audaz em declarações e acanhado em

actos não cumpriu nenhuma das promessas.

Em 1823, a Santa Aliança decidiu estrangular o liberalismo em Espanha e a sua atitude

encorajou os nossos absolutistas que decidiram pôr ao vintismo usando o exército corno

instrumento, O infante D. Miguel, revolta-se em Vila Franca de Xira (a «Vilafrancada»)

prometendo nova constituição ao País. O. João VI nomeia-o comandante-chefe do exército e

dissolve as Cortes. A primeira experiência liberal morrera com três anos apenas. O

absolutismo voltava mas de forma ambígua.

Em 1824, após nova tentativa fracassada de usurpação por parte de D. Miguel (a «Abrilada»),

este abandona a chefia do exército e é expedido para o estrangeiro.

Em 1825, D. João VI reconhece a independência do Brasil. Em 1825 o monarca morre e D.

Pedro é candidato a sucessor do trono. Mas, já que era o imperador do Brasil não podia ser

facilmente aceite como cidadão português. Todavia, D. Pedro proclamou-se sucessor, tendo

tido até acolhimento favorável por parte da Áustria, onde D. Miguel se tinha refugiado.

Como solução para o imbróglio criado, D. Pedro outorgou a Carta Constitucional (1826) e

abdicou dos seus direitos sucessórios em favor da filha Maria da Glória se esta casasse com o

tio D. Miguel e se fosse posta em vigor a Carta.

Quanto ao seu conteúdo programático a Carta era conservadora, representando um notável

retrocesso quanto à sua predecessora de 1822. A Carta vigorou durante dois anos

consecutivos e só voltou a aplicar-se em 1834. (vd. pormenores em quadro comparativo)

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Em 1827, D. Miguel foi nomeado regente de Portugal por D. Pedro I do Brasil. Em 1828

desembarca em Portugal, jurando acatar a Carta, declarando agir no seu sentido e

prometendo entregar o reino a D. Maria II (D. Maria da Glória) assim que ela chegasse à

maioridade. A usurpação estava pronta a começar!

D. Miguel, aclamado rei absoluto nas Cortes, dissolveu a Câmara de Deputados, nomeando

uma Junta para a substituir; proibiu o hino de D. Pedro; mandou calar a imprensa liberal,

iniciando um reino de terror que só terminaria seis anos depois após uma guerra civil.

Os liberais emigraram em massa; o número de prisioneiros aumentava mas o reconhecimento

internacional do regime miguelista seria quase sempre nulo.

Nesse mesmo ano de 1828 um grupo de soldados liberais exilados dirige-se para a ilha

Terceira, o reduto da liberdade. D. Maria II retrocede para Inglaterra, deserdada e espoliada

dos seus direitos constitucionais e em 1829 volta para o Brasil.

A usurpação (1828-34) foi de facto um período funesto da nossa história. No exílio, os nossos

liberais aprenderam com realidades sociais e políticas mais evoluídas: o parlamentarismo,

novas formas de governo e as novas ideias da Europa liberal do primeiro quartel de

oitocentos.

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3. OS LIBERAIS DO EXÍLIO AO PODER. O TRIUNFO DOS LIBERAIS PELAS ARMAS (1828-1834) 3.1 Os princípios da Carta Constitucional

O O vintismo e a Constituição de 1822 animava os exilados que viriam juntar-se às tropas

acantonadas na ilha Terceira, para daí seguirem para o Porto. Apesar de irmanados na luta

comum, havia entre os liberais da Diáspora pelo menos três partidos:

• Um sector conservador, liderado por Palmela, de via moderada do regime

constitucional monárquico inglês;

• Um partido radical, que contava com o apoio dos irmãos Passos, do Duque de Saldanha e do coronel Pinto Pizarro;

• Um grupo burguês «amigos de D. Pedro» formado por homens da classe média com prática de Direito e que contava com José da Silva Carvalho, Mouzinho da Silveira e Agostinho José Freire.

No meio destes três grupos a Carta representava o sector do próprio D. Pedro, o dador da Carta, prescindindo de uma revolução popular para a constituição do poder e dispensando uma assembleia constituinte para a elaboração de um diploma fundamental. A outorga da Carta foi um acto espontâneo do poder legítimo do rei e que não poderia ter sido arrancada de um espírito revolucionário. A Carta representava o direito divino dos reis, uma concessão do senhor, em vez de um pacto social. A Constituição de 1822 derivava da soberania popular e era a consagração das doutrinas democráticas. A Carta foi talvez a mais monárquica das constituições do seu tempo (Marcelo Caetano). Um dos seus principais retrocessos foi o reconhecimento de quatro poderes em vez de três. O poder moderador era o quarto poder exercido pelo rei, aí residindo a chave do sistema. A Carta garantia a nobreza hereditária, criando-lhe uma câmara - a Câmara dos Pares - de nomeação régia, e concedia ao rei, a título de moderador, o poder de nomear e demitir o Governo, suspender os magistrados, conceder perdões, convocar as Cortes, dissolver a Câmara dos Deputados e vetar as leis do parlamento. O rei era a chave de toda a abóbada político-constitucional, sendo o seu um poder autónomo. Para o assistir, existia um Conselho de Estado (conselheiros vitalícios, de nomeação régia). Cada legislatura durava 4 anos. Em resumo o rei outorgava um diploma constitucional mas reservava-se o poder supremo.

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QUADRO COMPARATIVO CONSTITUIÇÃO DE 1822 CARTA DE 1826

Baseada na Constituição de Cádiz de 1812

Inspirada na Constituição do Brasil de 1824, com sugestões da carta francesa de 1814 que por sua vez fora influenciada por modelos por modelos políticos ingleses. A influência mais patente foi do jurista francês Constant (que elaborou para Napoleão o Acto Adicional)

Radical Conservadora Derivava da soberania popular Produzida por direito próprio do rei sem

delegação de poder anterior ou superior a ele Consagrava as doutrinas democráticas Representava o direito divino real Produzida por uma assembleia eleita para o efeito

Outorgada pelo rei e uma concessão do senhor

Só havia uma Câmara (Câmara dos Deputados)

Duas Câmaras (Deputados - sufrágio de tipo censitário; Pares – aristocrática, membros vitalícios e hereditários, sem nº fixo, nomeados pelo rei)

Princípio dos poderes tripartidos Reconhecimento de 4 poderes; o rei exercia o poder moderador

Poder judicial: Juizes Poder judicial: o rei podia suspender os juizes (ouvido o Conselho de Estado); minorar as penas; conceder perdões ou amnistias

Poder legislativo: Cortes O rei tinha apenas veto suspensivo na feitura das leis

Poder legislativo: o rei podia convocar extraordinariamente as Cortes, prorrogá-las ou adiá-las; dissolver a Câmara dos Deputados; conceder ou negar a sanção às leis e decretos; nomear os Pares do reino.

Poder executivo: Rei Poder executivo: o rei podia nomear e demitir livremente os juizes

-

Poder moderador (exercido pelo rei): nomear e demitir o Governo; suspender os magistrados; conceder perdões; nomear os Pares vitalícios; Convocar Cortes; dissolvera Câmara dos Deputados; vetar leis

Realeza tutelada, remetida para uma função marginal (assistida por Conselho de Estado que o rei deveria escolher de um lista proposta pelas Cortes)

O rei tem o poder supremo (assistido por um Conselho de Estado – conselheiros vitalícios de nomeação régia)

Legislatura de 2 anos Legislatura de 4 anos O Governo depende das Cortes O Governo depende do rei

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3.2 A fase final das guerras civis (1832-1834)

A usurpação miguelista faz-nos entrar num período de convulsões permanentes e por fim à guerra civil generalizada, aquando do desembarque (1832) dos exilados na praia do Mindelo (Vila do Conde). Ainda nos Açores, D. Pedro iniciava uma série de reformas com o auxílio do legislador Mouzinho da Silveira, tais como a abolição parcial dos morgadios, da sisa, de portagens e direitos feudais, dos conventos e dos dízimos. A guerra civil foi longa. Só um ano depois do desembarque no Mindelo é que chegariam, a Cacela, as tropas do Duque da Terceira e só cerca de dois anos mais tarde se renderia D. Miguel, com a assinatura da convenção de Évora-Monte (27 de Maio de 1834).

A guerra arrastara-se e estava difícil de vencer. George Sartorius ofereceu-se a Palmela para comandar a esquadra naval, mas os fracos resultados dos seus combates fizeram com que D. Pedro aceitasse os serviços de Charles Napier (ou Carlos de Ponza) graças à influência de Mendizábal. O plano era tomar Lisboa a partir do Algarve. O Duque da Terceira acabará por atravessar o Tejo, depois de conquistada Almada. Outras cidades foram também devolvidas aos liberais. A última batalha da guerra civil foi a da Asseiceira, em Coimbra (1834). A 20 de Junho desse ano, D. Maria II começava a reinar e O. Pedro IV faleceria quatro dias depois em Queluz.

3.2. D. Pedro, figura romântica e herói de dois mundos

A Europa seguia a disputa entre Absolutistas e Liberais com bastante interesse. A seus olhos D. Pedro IV era o protótipo do herói romântico, batendo-se por uma menina espoliada, D. Maria da Glória. O Duque de Bragança prestava-se a esse papel já que tinha atrás de si um país de cuja autodeterminação fora dador. 3.3. As reformas de Mouzinho da Silveira

O essencial da legislação (1832) de Mouzinho, feita em ditadura e em plena guerra civil, como ministro de D. Pedro IV, veio alterar toda a realidade portuguesa e revolucionou mais a estrutura legal, material e social de Portugal do que toda a revolução víntista. Os seus objectivos foram os de libertar a circulação mercantil, a terra e as actividades produtivas dos encargos seculares, garantindo a estabilidade e a livre reprodução da propriedade privada, reorganizando o Estado ao nível administrativo, político, financeiro e judicial.

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Mouzinho foi, nesta perspectiva, um liberal antifeudal que teve a ocasião na história lusa de

inflectir os destinos portugueses. Foi também um dos primeiros europeístas por se mostrar

mais interessado em nos pôr em consonância com a Europa burguesa, comercial e industrial,

do que no rumo colonialista. Eis o essencial da sua legislação:

• Limitação dos morgadios (libertar a terra, principal fonte de riqueza nacional,

emancipando-a dos entraves seculares, privando a nobreza da sua base económico-

social, ajudando assim a liquidar a estrutura feudal-senhorial dos campos);

• Abolição dos forais e extinção dos dízimos;

• Abolição do confisco dos bens e garantia da inviolabilidade da propriedade privada

(terminando, assim, o imposto da sisa e reorganizando a Fazenda Pública e o sistema

Judicial);

• Fim do monopólio e extinção da Companhia Geral de Agricultura e Vinhas do Alto

Douro;

• Extinção dos dízimos recebidos pela lgreja (reduzida a funções espirituais, sem

privilégios e regalias socialmente opressoras).

• Legislação sobre conventos e bens da lgreja.

Esta nova legislação permitia o decreto de Abril 1832:

• Desarticulação dos domínios senhoriais;

• Desmembramento da grande propriedade e sua distribuição pelos pequenas

proprietários;

• A sisa era só limitado à troca e venda de bens de raiz. Fixa em 5% o preço dos

prédios;

• Garantia do direito ao trabalho;

• Fim dos dízimos pagos ao clero pelos agricultores (o Estado compensava a Igreja com

uma Côngrua).

• Supressão da portagens, direitos e autorizações; reorganização das alfândegas

(melhorar a circulação dos bens e da riqueza);

• Reestruturação da administração pública:

o Reorganização das províncias, comarcas e concelhos;

• Novo ordenamento judicial:

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o Regulamentação dos cargos de juiz e supressão da hereditariedade dos

empregos públicos;

3.5 A extinção dos conventos e a venda dos bens nacionais. A desamortização Uma das medidas mais polémicas tomadas por D. Pedro IV, foi o decreto (28 de Maio de

1834) de Joaquim António de Aguiar extinguindo os conventos, colégios e outras casas

religiosas de todas as ordens regulares, sendo todos os seus bens revertidos para a Fazenda

Nacional.

Esta medida tinha de algum modo sido precedida em plena guerra civil de um diploma do

ministro Silva Carvalho (que considerava extintas as comunidades religiosas com menos de

12 professos). Por outro lado, também se inscrevia num crescente conflito ente a Igreja e o

Estado liberal. Na sequência da lei de Joaquim Augusto de Aguiar (alcunhado de "Mata-

Frades") criava-se a Comissão da Reforma Geral Eclesiástica, com o intuito de articular o

novo regime com a Igreja.

O decreto permitiria uma importante alteração da posse dos bens imobiliários, já que a Igreja,

através daqueles institutos extintos e nacionalizados, detinha um terço do conjunto das terras

cultivadas. Com a venda dos bens em hasta pública o Estado poderia pagar dívidas e permitir

a multiplicação de pequenos proprietários. Os monumentos artísticos e os conventos serviriam

para instalar repartições públicas e hospitais.

Esta medida de desamortização teve um peso considerável na transformação da estrutura

social, económica e agrícola do país.

Economicamente, a situação não tão favorável já que foram, sobretudo, os grandes

proprietários rurais e a média burguesia que lucraram com a posse das terras. Palmela,

Terceira e Sá da Bandeira também beneficiariam desta transferência de propriedade. Os

grandes favorecidos seriam aqueles que mais dispunham de dinheiro ou de importância

política.

De qualquer modo, o Antigo Regime tinha saído derrotado com os castigos infligidos pelos

liberais aos pró-miguelistas de grande pane do clero através da desamortização dos bens da

Igreja, detentora de riquezas e principal sustentáculo de um regime que vivera da «aliança

Trono-Altar».

Com 1834, era de facto, o reinado do Barão que se iniciava em Portugal.

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4.A DIFICIL IMPLEMENTAÇÃO DO REGIME LIBERAL EM PORTUGAL (1834-1851) 4.1 As primeiras vicissitudes do novo regime constitucional (1834-36)

Seriam precisos dezassete anos de convulsões para que aqueles que se mantinham fiéis ao vintismo e os que, mais moderados, tinham na Carta o seu ideário, acabassem por encontrar uma fórmula de compromisso susceptível de criar um regime monárquico-constitucional capaz de durar. Todavia, o golpe de Costa Cabral que, em começos de 1842, repôs a Carta na sua pureza, viria a comprometer esse compromisso por nove anos, durante os quais o democratismo tolerante dos adeptos de Passos Manuel seria substituído pela tirania recheada de tumultos e de um novo ciclo de guerra civil (Maria da Fonte e Patuleia). 4.2. Partidos políticos e sociedades secretas durante o Liberalismo. A Maçonaria portuguesa (1804-1869)

A princípio não havia propriamente partidos políticos, embora as câmaras se dividissem em geral entre radicais (correspondentes aos cartistas) e moderados (correspondentes aos vintistas e, dentro em breve, aos setembristas). Seria preciso o golpe da Regeneração para que se estruturasse, pela primeira vez e segundo modelos estrangeiros, o Partido Regenerador. Em toda a Europa, os partidos resultaram da necessidade de atender à transformação da sociedade liberal em democracia política; dar uma base democrática aos regimes liberais foi a razão de ser dos partidos políticos europeus. Ao lado dos partidos, havia as «sociedades secretas», entre as quais a Maçonaria - o Grande Oriente Lusitano Unido (1869) - à qual pertenceram quase todas as grandes figuras do Liberalismo, tais como, Gomes Freire, D. Pedro IV, Mouzinho da Silveira, Joaquim António de Aguiar ou os irmãos Costa Cabral e os irmãos Passos. A Maçonaria influenciou as constituições de 1822 e 1838. O texto da constituição de 1822 inspirou-se em grande medida na constituição maçónica de 1821. A primeira constituição maçónica datava de 1806. O texto da constituição republicana de 1911 também trazia a marca maçónica. A Maçonaria portuguesa tomou-se relevante em 1804 (embora as suas origens remontem ao séc. XVIII), altura em que se fundou o Grande Oriente Lusitano. Internamente, durante as invasões francesas, chegaram a acentuar-se divergências entre apoiantes dos invasores e dos ingleses, embora muitos tivessem combatido o inimigo (Gomes Freire, porém, serviu as

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tropas napoleónicas - cf. Legião Portuguesa - mas, a maçonaria lusa foi sempre fiel ao mártir decapitado em 1817, em S. Julião da Barra). A revolução vintista foi em larga medida fruto da Maçonaria já que a ela pertenciam es membros do Sinédrio e os principais dirigentes políticos. O Miguelismo representaria uma fase de perseguição aos maçons. Em 1840, Silva Carvalho criava uma dissidência - o Grande Oriente Escocês (saído do Grande Oriente Lusitano. Entretanto, outros maçons fundaram a Grande Loja Portuguesa, devido ao facto de os partidários de Costa Cabral usarem a Maçonaria como instrumento político. Houve ainda outra dissidência designada por Grande Oriente de Portugal. Em 1851 fundiram-se a Maçonaria do Norte e Maçonaria do Sul no seio da Confederação Maçónica Portuguesa. Em 1866, reunia-se uma tendência mais republicana liderada por Elias Garcia originando o Grande Oriente Português. Em 1889 juntaram-se as três grandes tendências maçónicas, mais o rito escocês, no Grande Oriente Lusitano Unido. 4.3 As vicissitudes da imprensa no período de 1834 a 1851

Durante o período liberal a maioria dos jornais tinha um carácter acentuadamente partidário e constituíam o principal apoio dos políticos activos. Após 1834 a imprensa registou um grande aumento de títulos. Os nossos jornalistas tinham aprendido o essencial do seu mester no exílio, trazendo depois para Portugal as influências dos jornais ingleses e franceses, com um acrescento de sentido passional muito português. Com o Setembrismo a imprensa perde vitalidade e redobra-a com o triunfo do Cabralismo, devido às perseguições aos periódicos e à legislação que restringe a liberdade de imprensa (de 1840 até à Regeneração). Em 1843-44 começam os manifestos a incitar a população a rebelar-se contra a ditadura vigente e a guerra dos panfletos é levada ao rubro com a Maria da Fonte e as Patuleias. A Convenção do Gramido (1847) e, em particular, a «Lei das Rolhas» (1850) açaimaram a imprensa e a produção jornalística reduziu consideravelmente. Esta lei viria a ser abolida em 1851, com a Regeneração. 4.4. A vida política desde 1834 a 1838

Relativamente ao sistema eleitoral, as eleições faziam-se por sistema censitário (rendimento mínimo de 200 mil réis para as de 1835 como eleitor) com sufrágio indirecto (resultando 350

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mil eleitores para elegerem 120 eleitos). O dogma da soberania popular animaria os setembristas contra este sistema de escrutínio tão defeituoso. Em 1834, D Maria encarrega Palmela de formar o primeiro gabinete (cartista) saído das Cortes desse ano. Foi durante o seu governo que se deu início à venda dos bens nacionais. Este primeiro governo foi substituído por outro em 1835, também cartista, presidido pelo Conde de Lumiares. Nesse ano, realizam-se eleições para a nova câmara que se mostram favoráveis ao governo moderado. Durante 1835, os governos são sucessivamente presididos por Saldanha, Loureiro e pelo Duque da Terceira (1835-36). Em 1836, dá-se em Espanha a restauração da constituição gaditiana de 1812, o que veio a influenciar também os destinos lusos. Da revolta militar de La Granja resultou a nova constituição espanhola de 1837, modelo da nossa de 1838. Em Portugal, termina a primeira fase da monarquia constitucional restaurada e a segunda vigência da Carta, com o movimento setembrista (Setembro de 1838) e a queda do ministério de Terceira. 4.5. Setembrismo (1836-1842). A Constituição de 1838

O governo de Passos Manuel, chefiado primeiro pelo Conde de Lumiares e depois por Sá da Bandeira durou até Junho de 1837 (oito meses). Ele em uma fórmula de compromisso entre o Setembrismo puro (restaurar a Constituição de 1822), de afirmar a soberania popular, legislar num sentido verdadeiramente reformador (foi criado o ensino liceal e o teatro nacional e tentou-se criar o Panteão Nacional) e a Carta como documento a melhorar no sentido democratizante. A Constituição de 1822 foi desde logo restaurada, ao mesmo tempo que se tenta harmonizar os dois diplomas constitucionais opostos resultando na Constituição de 1838 (fórmula de equilíbrio político-social e ideológico que não iria vingar): CONSTITUIÇÃO DE 1838

(vigorou entre Abril de 1838 e Fevereiro de 1842) Princípio dos três poderes:

Poder legislativo: compete às Cortes, com a sanção do rei;

Poder executivo: exercido pelos ministros, competindo ao rei exercê-lo;

Poder judiciário: compete aos juizes e jurados;

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Mantém-se o bicamaralismo:

As Cortes compõem-se pelas Câmaras dos Senadores e dos Deputados, eleitas por

sufrágio directo e restrito, censitário;

Deputados eleitos por 3 anos;

Senadores renovados em metade, cada vez que houvesse eleições;

As leis tinham que ser aprovadas nas duas Câmaras;

O rei não tinha poder próprio mas era o chefe do poder executivo: Sancionava as leis com veto absoluto;

Dissolvia a Câmara dos deputados, se assim exigisse a salvação do Estado;

Nomeava e demitia livremente os ministros;

O Setembrismo foi uma reacção da burguesia industrial urbana, aliada à classe média dos comerciantes e a alguns estratos populares contra o predomínio da alta burguesia e dos grandes proprietários rurais. Transparece também a defesa da indústria nacional (o cartismo fizera da agricultura o essencial das suas preocupações). Outro importante projecto setembrista tinha a ver com a educação, procedendo à reforma global da instrução pública. Passos Manuel cairia em Abril de 1837 coincidindo com uma conspiração de militares para pôr D. Miguel no trono. A par deste acontecimento, havia a agitação cartista (marechais Saldanha e Terceira) e a agitação de um grupo de extremistas vintistas do lado setembrista. Deste grupo, o sector mais esquerdista do setembrismo, sairia o golpe de estado que repôs a Carta na sua pureza. 4.6 O Cabralismo (1842). O novo ciclo das guerras civis: a Maria da Fonte (1846) e a Patuleia (1847). A queda definitiva do Cabralismo (1851)

A Carta foi reposta no golpe de estado de 1842 liderado por Costa Cabral. O Cabralismo foi um período de desenvolvimento económico governando Costa Cabral ditatorialmente de molde a realizar o seu programa, incrementando as reformas materiais do país e a melhoria da administração.

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O Cabralismo constitui um período importante em que se dá uma mutação económico-social do país, com o apoio de uma nova base social, a classe fundiária financeira e comercial (barões e viscondes). A Maria da Fonte foi uma reacção camponesa e agrária contra as reformas do Liberalismo (Mouzinho, Aguiar e Silva Carvalho) e contra alguns aspectos da política de fomento material empreendida pela ditadura dos Cabrais, i.e. contra a modernização económico-social iniciada desde 1832. A revolta começou no Minho e alastrou até ao Tejo, como alvoroço contra uma medida higiénica tomada pelos Cabrais que ordenaram que cessassem os enterros nas igrejas. A revolta (com assaltos a sedes da administração civil, arquivos e quartéis) configurava-se, assim, como uma explosão de massas populares contra o capitalismo e reformas liberais, a que se somaria o protesto contra as medidas repressivas cabralistas. D. Maria II demite Costa Cabral e chama o Duque de Palmela. Ao mesmo tempo o parlamento aprova uma nova lei dos forais que satisfazia muitos dos revoltosos. Palmela marca eleições para Outubro, mas na data marcada, a rainha efectua o golpe da Emboscada, no qual Palmela foi substituído por Saldanha, o que originou uma verdadeira guerra civil - a Patuleia (1846-1847). O nosso embaixador em Madrid, Costa Cabral, ao abrigo da Quádrupla Aliança (feita para defender o Liberalismo na Península) fez com que as nações estrangeiras acabassem por intervir na nossa guerra civil. A 29 de Junho foi assinada a Convenção do Gramido que pôs fim a este última guerra civil entre clãs liberais. Em Agosto, Saldanha formou gabinete e mandou realizar eleições legislativas. Em meados de 1848 regressara Costa Cabral, porque fora eleito deputado no novo parlamento. Em Junho de 1849 é indigitado para chefiar governo. Cresce o caudal de hostilidades contra o ditador reinvestido no poder rebentando o golpe de estado da Regeneração em Abril-Maio de 1851. Saldanha aceitaria encabeçar este golpe, que terminou com a fuga de Cabral para Espanha. Saldanha assumia a chefia do ministério que duraria até 1856. Entre os seus ministros contava-se Fontes Pereira de MeIo.

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5. A REGENERAÇÃO (1851-1891) 5.1 A Regeneração ou o terceiro Liberalismo. O apaziguamento político-social e a política de melhoramentos materiais: o Fontismo

Com a ajuda de antigos setembristas, o Cartismo moderado estabilizara a vida política em torno da ideia de que a Carta deveria manter-se, desde que emendada em alguns aspectos, i.e. democratizada, viabilizando-se assim um sistema liberal ordeiro e capitalista, com a alternância no poder dos dois partidos políticos liberais existentes, continuação dos cartistas e setembristas do segundo liberalismo (1º liberalismo = Vintismo; 3º liberalismo = Regeneração). Antes de mais era urgente instituir a ordem. O facto de o governo de Saldanha ter durado cinco anos era um início promissor dessa estabilização. A fórmula de apaziguamento dos clãs liberais permitiu acabar de vez com os sobressaltos revolucionários, estabelecendo-se assim um regime durável, estável, com paz civil e social para permitir o tão ansiado desenvolvimento económico e material. Na verdade, este sistema duraria quarenta anos, até 1890, altura em que a crise estalaria sob a forma do Ultimatum britânico (1890) e um ano mais tarde com a Revolução Republicana no Porto. Grosso modo, porém, o sistema instaurado pela Regeneração sobreviverá aos solavancos até 1910. A Regeneração foi assim: Plano político: Liberalismo estabilizado, na sua via moderada, pelo pacto constitucional partidário, o Acto Adicional de 1852. Plano cultural: o período do segundo Romantismo (Camilo Castelo Branco, Pinheiro Chagas). Plano económico-social: viragem da vida portuguesa, traduzindo-se na implementação do sistema capitalista; expansão do sector agrícola e de um fruste desenvolvimento industrial; introduziu o arcaico Portugal no capitalismo europeu e no seu sistema financeiro, pela política de melhoramentos materiais (rede viária e ferroviária, actualizações tecnológicas, abastecimento de água e luz, sistema livre-cambista que proporcionariam o empréstimo de nações estrangeiras mais industrializadas). Plano financeiros fase de avultados investimentos de capitais, abertura de créditos que beneficiaram sobretudo a expansão do sector agrícola, também favorecido pela política de melhoramentos materiais e de sistemas de comunicação; tentativa de reduzir o défice orçamental para as obras de Fomento.

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Fontismo: a Regeneração recebeu o nome de Fontismo por ter tido em Fontes Pereira de Meio o seu grande inspirador. Apesar de tudo, Fontes não gozou de uma historiografia favorável e foi alvo de grandes críticas por parte dos seus contemporâneos. Para além do equilíbrio político-constitucional obtido desde 1852 com o Acto Adicional a Regeneração deve ser vista como a via portuguesa para o capitalismo europeu da segunda metade do séc. XIX, uma tentativa de implementação do libero-capitalismo, de tónica financeira e bancária, com parâmetros livre-cambistas que interessavam aos países ricos. 5.2 O Acto Adicional de 1852 e outras reformas da Carta (1885 e 1895/6)

O Partido Regenerador foi o grande lucrador deste Acto Adicional, uma vez que foi aquele que

mais anos esteve no poder (27 anos) contra os 19 anos do partido progressista, 8 anos para

as coligações e 4 para outras formações partidárias menores. O rotativismo duraria até 1891.

A revisão constitucional da Carta, em 1852, conhecida por Acto Adicional, resultou da convergência entre alguns sectores do progressismo moderado e do cartismo mais liberal. Eis os aspectos reformadores da Carta: • Sufrágio alargado e eleição directa dos deputados: • Direito das Cortes intervirem na administração pública; • As províncias ultramarinas podiam ter leis especiais decretadas pelo governo ou seus

governadores; • Abolida a pena de morte para crimes políticos (só sancionada em 1887) mas mantendo-se

a pena de morte no foro militar até 1976. Em suma, uma reforma limitada. A segunda revisão da carta seria feita em 1885 por iniciativa dos próprios regeneradores. Alguns pontos foram alterados:

• Redução da legislatura de 4 para 3 anos; • Suprimida a hereditariedade no pariato e ilimitação do n.º dos Pares; • Poder moderador exercido pelos ministros, regulando-se o direito da sua dissolução; • Consagração dos direitos de reunião e petição.

A terceira revisão da Carta seria feita em 1895, em plena ditadura de HintzelFranco, com intuitos liberticidas. A intervenção régia na política esteve na base desta última refonna da carta, feita agora por um acto ditatorial. Esta reforma seria o terceiro Acto Adicional à Carta constitucional: • Supressão dos pares electivos;

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• Ministros autorizados a nomearem delegados para em representação do govemo tomarem parte na discussão de projectos de lei nas câmaras;

• Direito do rei de dissolver a Câmara dos Deputados e de convocar eleições. As reformas agora feitas eram uma vez mais escassas e limitativas da soberania popular o que parecia dar razão à crítica satírica de Ramalho Ortigão quanto aos defeitos da Carta e da própria monarquia constitucional. 5.3 Os partidos políticos, o rotativismo e a progressiva desagregação do sistema partidário constitucional

Durante o regime monárquico-constitucional, a vida política padeceu de diversos males que se sintetizam do seguinte modo:

• Inexistência de uma opinião pública esclarecida e civicamente actuante, devido à grande taxa de analfabetismo (80%);

• Falta de educação política e inexistência do cidadão; • Papel deficiente do próprio sistema partidário português e falso como garantia

de qualquer modelo de representação popular. A vida política estava condenada por estas atrofias básicas na sociedade e no sistema político. O próprio mecanismo do sufrágio era distorcido porque era quantitativamente limitado, reservando o voto a um grupo muito reduzido e manipulado por caciques. Por outro lado, as eleições eram uma praxe puramente formal para garantir que o novo gabinete encarregado de formar governo tivesse o apoio maioritário das Cortes. Assim, se entende que o nosso sistema tenha sido classificado como «sistema parlamentar de gabinete» (Marcelo Caetano). Os partidos também tendiam a confundir-se nas mesmas ideias e nos mesmos propósitos de lealdade ao trono e conservantismo dos programas, não exprimindo uma opinião pública nem anseios sociais. Os partidos serviam tão-só o rito do rotativismo, através de eleições limitadas, falseadas e manipuladas. A crescente perda de expressão contestatária do Partido Regenerador acabaria por levar à formação dos Partidos Socialista e Republicano (1875). A falência do reformismo «patuleia» explicaria as tentativas de sectores dentro da monarquia para criarem soluções novas (franquistas, dissidentes, partido antidinástico ou miguelista). Outra via de reforma achou-se fora do regime, no Partido Republicano. Também as hostes socialistas, rompendo com o

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sistema vigente, pretendiam concretizar as aspirações domésticas do nosso operariado, cuja vida social combativa desperta no início de 1870 com as primeiras greves. Desta aspiração socialista era a nossa Geração de 70 a expressão mais evidente. A deficiente industrialização portuguesa está na origem do fenómeno de emigração crescente para o Brasil, cuja remessa cambial constitui elemento de equilíbrio para as nossas finanças. A evolução do socialismo português também se fez num sentido decepcionante já que foi prejudicado pelo crescimento do republicanismo luso. 5.4 Do terramoto ao «Dies Irae: a revolução inevitável

O endividamento externo, a emigração crescente, a estagnação económica, o predomínio da burguesia mercantil, financeira e bancária, a dependência externa, o erro da opção livre-cambista, o defeituoso funcionamento do sistema liberal parlamentar, problemas que se agravaram na década de 90, sem esquecer a trepidação interna gerada pelo Ultimatum inglês, despertaram para acção de um incipiente Partido republicano. O défice do tesouro fazia pairar o espectro da bancarrota, a este somava-se o perigo da perda do nosso «terceiro império». Era a dupla derrocada do sistema regenerador (o desmoronamento do liberalismo e a ameaça da bancarrota com a ameaça da perda do império africano). Destes problemas saiu o fim do sistema liberal português, desacreditado na política e na vide efectiva dos portugueses, tomado sinónimo de burlas eleitorais, governos frágeis, cambalachos, escândalos na administração e incúria económico-financeira. Caberia aos Republicanos, depois do triunfo da revolução de 1910, tentar restaurar (ou recomeçar) o Liberalismo em Portugal.

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6. SÉCULOS XIX E XX; DA MONARQUIA CONSTITUCIONAL À DITADURA 6.1 A «Mãe Negra», terra de escravos

Durante mais de quatro séculos e meio a presença portuguesa em África não obedeceu ao esforço de ali edificar um império, que viria a ser o terceiro. A África portuguesa era puramente costeira e destinava-se a assegurar o comércio, a fornecer escravos e a servir de apoio às rotas indicas. Só a perda do Brasil forçaria Portugal a modificar esta postura que só teve sequência efectiva a partir de 1880, quando ali se iniciava a luta pela partilha do continente negro. A aventura colonial portuguesa entre a fase do «scramble for Africa» e o desmoronamento imperial de 74/75 constitui-se, assim, como o terceiro ciclo de uma vocação imperial (primeiro o asiático, o «império da pimenta»; depois o império sul-americano, no Brasil e, por fim, o terceiro, o africano). O tráfico esclavagista, pela exploração crescente do Brasil, condenaria África a uma espécie de reserva de gado humano. Entre 1580 e 1836, quatro milhões de escravos atravessariam o Atlântico com destino ao continente americano. As tentativas de fixar colonos em África fracassaram sistematicamente. 6.2 O degredo como método colonizador

Antes da conferência de Berlim, o continente africano não era considerado atraente pelos colonos brancos: a doença, o clima e a má administração desencorajavam qualquer imigração dos portugueses. A história da colonização angolana foi feita sobretudo por criminosos, os degredados. Eis a imagem fortemente negativa: a «costa de África» era o lugar de punição dos criminosos. Portugal foi a primeira e a última nação a usar degredados para colonizar África. O degredado raramente vivia preso; todos os postos no exército, polícia e comércio de bebidas eram ocupados por degredados. A estes, juntavam-se todos os que a coroa portuguesa queria expulsar de Portugal ou do Brasil: judeus, jesuítas, ciganos. O condenado era assim o colono principal, o que tornava a colónia cada vez menos apetecível para os brancos livres. Só em 1954, a vinte anos de acabar um império quase cinco séculos antes, Portugal abolia finalmente o degredo para a «costa de África». 6.3 O «novo Brasil em Africa»

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A conferência de Berlim, lançando em bases novas a partilha de África, o «scramble for Africa» - e declarando aberta a caça colonial - ia pôr Portugal à prova. A propaganda antiportuguesa iria buscar fortes argumentos à imagem negativa associada ao império luso em África. A perda do Brasil foi sentida como um desastre irreparável mas a sua independência não levou à ruptura com a metrópole. Uma nova classe mercantil lusa estabelecida na ex-colónia continuaria a pesar de modo importante nos destinos económicos da nova nação sul-americana, mesmo para além de 1889, ano em que a República destronou D. Pedro I, imperador do Brasil. Esta colónia mercantil portuguesa continuaria a prosperar e a manter com a mãe-pátria relações privilegiadas, importando produtos e repatriando lucros. No Rio, os portugueses passaram do comércio para a banca, a indústria e a agricultura. Muitos desses capitais obtidos no Brasil eram depois reinvestidos em Portugal sendo um dos elementos básicos da industrialização oitocentista no nosso país. O «scramble for Africa», coincidindo com alterações económicas e até com novas e vantajosas conquistas da medicina (como o quinino, contra o paludismo), forçou-nos a competir com as demais nações europeias, nessa espécie de protoguerra que foi a partilha de África. 6.4 A partilha de África: a «guerra civil» europeia travada no continente negro A partilha de África insere-se num ciclo de conflitos internos europeus:

• Guerra francoprussiana (1870-71),'

• Guerra angloboer (1899-1902;);

• 1ª guerra mundial (1918) e 2ª guerra mundial (1939-45)

O período do «scramble» vai da conferência de Berlim (que se encerra em 1885) à primeira

guerra mundial.

A guerra angloboer passa-se entre Inglaterra e um colonato europeu autónomo da África do

Sul. Trata-se de um conflito entre brancos europeus e envolve as demais potências em

disputas pelos territórios (Moçambique era vital para a estratégia militar inglesa).

Esta guerra opôs dois planos distintos:

Plano de Rhodes (ministro da colónia do Cabo; criar um imenso império do Cabo ao

Cairo, concebendo a hipótese de uma federação pam a Africa do Sul, onde boers,

ingleses e bantus convivessem pacificamente).

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Plano de Paul Kruger (Presidente do Transvaal; sonhava em unificar toda a África do

Sul sob a bandeira republicana boer)

A concessão dada pelo parlamento inglês a Rhodes para fundar a British South Africa Company ao norte do Botswana levá-lo-ia a fixar os seus interesses nas regiões que os portugueses reivindicariam. Rhodes, em 1890, ocupava os territórios de Shona e um ano depois a região do actual Zimbawué. O seu plano era cercar o Transvaal o que lhe valeu entrarem conflito indirecto com os Portugueses em Moçambique, até 1897. Um ano antes já os seus planos tinham sofrido alguns desastres e arruinado politicamente viria a ser substituído por Alfred Muner, em 1897. Este tomou inevitável a guerra que terminou com a derrota dos boers em 1899, com a qual o essencial do «scramble» estava concluído. Porém, as ambições dos vários parceiros continuariam a fermentar no continente negro. 6.5 Prefácio do «scramble»: viagens e explorações africanas

Um dos aspectos mais decisivos que precede o «scramble» foi o súbito afã europeu pelas viagens e explorações africanas. Entre os portugueses destacam-se os nomes de Capelo, Ivens e Serpa Pinto. Mas a primazia destas viagens pertenceu aos ingleses, já que o primeiro grande nome a emergir dessas viagens foi o do escocês David Livingstone, missionário, que aparecia como o novo paradigma do grande explorador europeu do oitocentismo em África. Sociedades destinadas a promover tais expedições, como a nossa Sociedade de Geografia (1876), canalizavam os entusiasmos na direcção de uma proveitosa exploração dos territórios que começavam a despertar a cobiça dos governos europeus. A imprensa da época tomara África, um tópico forçoso da actualidade oitocentista europeia graças às viagens e explorações. Esta nova atmosfera fazia parte das preocupações concretas europeias que presidiram à partilha de África na última década e meia do séc. XIX. Chegara o momento de prolongar em África o capitalismo industrial de algumas potências europeias que tinham capital excedentário para investir e precisavam de matérias-primas para as suas indústrias ou de mercados para os seus produtos. Neste panorama de competição, Portugal estava mal colocado, de saúde económica muito frágil e finanças combalidas. A perda do Brasil e a convicção de que a riqueza de Portugal estava em África levaram os políticos a arquitectar a nossa presença nessa competição, entusiasmada que estava até a própria opinião pública.

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6.6 A conferência de Berlim

Bismarck considerava que o seu mapa de África estava na Europa. Eis os objectivos da conferência de Berlim (15nov1884-25fev1885): dividir o continente negro pelos que vão tomar lugar no banquete da sua partilha. A França humilhada pela perda da Alsácia e da Lorena, confrontava-se agora com uma Alemanha unificada e imperialista. Segundo os objectivos de Bismarck a competição africana distraí-la-ia dessa humilhação. Os impérios coloniais de Inglaterra de Portugal podiam aproveitar os imbróglios territoriais da bacia do Congo para definir regras de convivência e viam agora aparecer novos pretendentes imperialistas como a Itália e a Bélgica. Como pano de fundo estavam os mercados para as economias europeias em causa. Para Bismarck a partilha tinha a vantagem de prevenir as guerras que fermentavam ainda em solo europeu. A conferência foi também o triunfo pessoal do rei Leopoldo II da Bélgica - o Estado Livre do Congo saído da conferência foi um negócio chorudo. Portugal, conseguiu apesar de tudo garantir a posse de regiões imensas. A França conseguiu a sua esfera de actuação na África Ocidental. A Alemanha que chegara com as mãos vazias, partia com ganhos de vulto: o sudoeste africano (futura Namíbia) e a África Oriental alemã, mais os Camarões e o Togo. Mas o maior ganho fora sem dúvida para Leopoldo da Bélgica. O seu outro rival seria Cecil Rhodes, cuja British South Africa Company, concessão dada pelo parlamento inglês, se tomava um grande obstáculo para o «mapa cor-de-rosa» lusitano. O Katanga era outra ambição de Rhodes (deitado por terra por Leopoldo da Bélgica) que tinha também um outro sonho que colidia directamente com o mapa português, a famosa estrada Cairo-Cabo, que passava pelo actual Malawi, o que poria a Inglaterra em confronto directo com Portugal. Na sequência das decisões tomadas na conferência de Berlim, no sentido de se considerar

que os direitos históricos cediam aos da efectiva ocupação militar dos territórios africanos, a

Inglaterra estabeleceu prioridades na África tropical, não hesitando em pactuar com a

Alemanha no sentido de espoliar o que restara do nosso património africano. Ambas

estabeleceram um plano secreto de divisão das duas grandes colónias portuguesas em África.

Esse plano (1898) obedecia, na parte inglesa, á politica darwinista que animava a estratégia

de Robert Gecil, terceiro marquês de Salisbury, á parábola das nações moribundas,

considerando que havia países cada vez mais fracos destinados a serem devorados por

países cada vez mais fortes («sancionando a ideia bismarckiana de que a força suprime o

direito», Augusto Fuschini) nesse «struggle for life» que era a competição internacional - e que

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se transformara afinal na partilha de África. Daí o uso do papão colonial como instrumento de

apoio para a classe reinante - as colónias que não lográvamos explorar nem desenvolver

eram indispensáveis à dique política.

Relativamente aos modelos coloniais adoptados pelas várias nações, temos:

O modelo alemão: desenvolvimento científico;

O modelo francês: estímulo das elites locais, assegurando a presença europeia;

O modelo belga: exploração nua;

O modelo inglês: idêntico ao estabelecido na Índia, respeito pela cultura, autoridades locais e

chefes tradicionais;

O modelo português: «assimilação».

6.7 Portugal bate-se pelas suas colónias - na Flandres e em África

Desde Agosto que, pelas duas fronteiras com a Alemanha (Moçambique e Angola), Portugal entrava precocemente em conflito armado com o seu vizinho colonial europeu. A necessidade de preservar as duas colónias suscitou o desejo teimoso por parte da nossa diplomacia de entrarmos na guerra que então lavrava na Europa. O antiguerrismo e o neutralismo de alguns sectores da nossa opinião pública duvidavam que fosse forçosos verter sangue na Flandres para salvar as terras que possuíamos em África. O Sidonismo resultaria em larga medida desta aversão a entrar na corrida às armas como penhor para se acautelar interesses coloniais. 6.8 Do regime republicano à ditadura salazarista

Implantada a República esta tentaria na medida do possível cumprir a promessa de manter o império e desenvolvê-lo, pois estaria ali a garantia da nossa viabilidade como nação. Mas o nosso raquitismo interno ilustrava a situação das nossas colónias. O primeiro esforço do regime foi o ordenamento jurídico, mas a primeira lei orgânica da administração civil sairá só em 1914. Em 1918 criou-se a figura do Alto Comissário com o objectivo de acentuar a autonomia ou a descentralização dos territórios africanos. Em 1920 um diploma fundiu todas as então existentes leis ultramarinas, com a tentativa de considerar de modo novo o estatuto jurídico dos nativos. Mas aos indígenas não se lhes reconhecia direitos políticos iguais aos dos colonizadores brancos. No campo da instrução e no final do regime republicano a taxa de analfabetismo era colossal. A demografia era também deficitária, já que a imigração era

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mínima. A aridez dos solos, a escassez dos minérios, as dificuldades de comunicação e as doenças eram algumas das grandes responsáveis. Mas a Costa de África era também sinónimo de degredo. O aparente dinamismo da República saldava-se, assim, em malogros sistemáticos. Em 1926 a Ditadura empenhar-se-ia em modificar o panorama colonial. Um dos instrumentos jurídicos basilares do novo regime estaria no Acto Colonial (1930) com o qual se procurou fortalecer a unidade e a vontade metropolitana. Ao mesmo tempo dinamizavam-se exposições coloniais, conferências de governadores coloniais e uma política nova de visitas ministeriais e presidenciais às colónias (Carmona, Craveiro Lopes e Tomás, com excepção de Salazar). O ditador nunca teve o interesse bastante para conhecer essa misteriosa galáxia que ele considerava habitada por «raças inferiores». 6.9 A derrocada colonial Enquanto que as outras nações tinham iniciado o «scram from Africa», Portugal aferrava-se

dramaticamente ás suas antigas colónias, enfrentando treze anos de guerras inúteis (1961-

74). Os primeiros incidentes ocorreram, em 1953, em 5. Tomé e depois, em 1961, em Angola,

1963 na Guiné e 1964 em Moçambique. O regime preferia responder com força bélica,

mantendo de forma teimosa, insensata e suicida o império. Mas, na verdade e, sobretudo, em

Angola registava-se um surto económico notável e um crescimento de imigração o que

parecia fazer credível a ideia de um império próspero ou rentável, o tão esperado "Brasil em

África». Por outro lado, a propaganda imperial desempenhou um papel de relevo na

perpetuação do regime ditatorial.

Mas, Portugal lançou-se a corpo perdido nas guerras africanas ao mesmo tempo que se esforçava por ingressar na Europa comunitária. Com este paradoxo encerrou-se o ciclo do terceiro império que se perdeu por uma guerra que haveria de esfacelar o poder da metrópole até este cair em 1974.

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7. A I REPÚBLICA 7.1 A Revolução lisboeta

O ódio antibrigantino apelava ao assassinato como que ritual do monarca, apontado como o causador de todas as desgraças nacionais. Com o regicídio (1fev1908) caía a experiência ditatorial de João Franco. Nos sectores republicanos acelerava-se a ideia de confiar a uma associação secreta conspirativa, de inspiração e modelo maçónicos (a Carbonária), de pôr a revolução na rua, com recurso à revolta armada. Após dois dias de luta, foi deitada abaixo uma monarquia multissecular. 7.2 Recomeçar o liberalismo. A questão da nova bandeira nacional

1910 foi antes de mais a terceira tentativa de estabelecer entre nós o Estado burguês liberal, significando que se tinham gorado os propósitos semelhantes intentados pelo primeiro modelo liberal. À altura do 5 de Outubro, Portugal não se modernizara a fundo, tendo o sedimento do Antigo Regime sobrevivido ás tentativas superficiais de liberalização e modernização, ás reformas da industrialização capitalista. A República era assim a tentativa de recomeçar o Liberalismo, daí a importância que assumiu a questão da nova bandeira nacional. A opção estava afinal entre o verde-rubro que representava, por um lado, a tradição cromática mais canónica do republicanismo e, por outro, o que havia de insurreccional nos dois grandes momentos revolucionários (31 de Janeiro, Porto; 4/5 de Outubro, Lisboa). Do lado oposto estava outro duo cromático, o branco e o azul da bandeira liberal, vigente desde 1830. As duas escolhas essenciais para a nova bandeira eram: ou verde-rubra (da ruptura) ou azul e branca (da tradição). As próprias bandeiras que os revolucionários tinham hasteado nos combates nas ruas de Lisboa e nos barcos do Tejo eram bastante diferentes em relação ao modelo que acabou por vingar. Os pendões da Carbonária eram vermelhos junto á tralha e o resto, maior, verde; a esfera armilar, no centro, reproduzia o selo da «maçonaria florestal» (uma esfera de ouro em fundo azul). O modelo adoptado fez duas alterações a esta bandeira; colocou o verde junto da haste e o vermelho no exterior e retirou o selo carbonário obviamente conspirativo.

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O pendão de D. João 1 a D. João II oferecerá aos republicanos de 1910 quase todos os elementos que formarão a bandeira que será sancionada por decreto da Assembleia Constituinte, em 19 de Junho de 1911 7.3 A vergonha da «Adesivagem»

A República tentou a reforma radical, o regresso ao Liberalismo. Fê-lo de imediato com a reforma dos símbolos e da mentalidade (bandeira, escudo, toponímia, ortografia, instituições de ensino, feriados, formulários oficiais, estampilhas postais, culto cívico em tomo do mito de Camões, etc.). O fenómeno da adesivagem foi um dos mais curiosos movimentos sociais e políticos da nossa classe política. Os «aderentes» eram aqueles que tendo servido a Monarquia em lugares de destaque se passavam para o novo regime mudando de convicções com uma rapidez fulminante, suscitando a indignação dos poucos monárquicos que ainda se mantinham fiéis ao azul e branco assim como dos velhos republicanos «históricos» que viam entrar nas arraias da República aqueles que ainda os perseguiam. O fenómeno da adesivagem alimentaria até ao final da República os protestos e a cólera de quem via o novo regime assaltado por clientelas famélicas e desonestas. 7.4 A «balbúrdia sanguinolenta» Os dezasseis anos que medeiam entre a revolução de 1910 e o golpe castrense de Braga de

1926 são a crónica monótona, frenética, quase sempre sanguinolenta, de desilusões

constantes e desvarios infindáveis, crónica de uma progressiva degradação do ideal, da fé O

da esperança num regime que fora proclamado com uma unanimidade quase messiânica,

rara na nossa História:

• Discórdias permanentes e incapacidade de reunir um núcleo fundamental de reformas;

• Constante instabilidade governamental;

• Fragilidade da ordem pública;

• Agravamento do sector económico4inanceiro;

• Conflitos com a Igreja Católica

Destes problemas, o mais grave foi a declaração de guerra lançada nos primeiros dias contra a Igreja, relativa à lei de Afonso Costa (Lei da separação das Igrejas e do Estado). Esta guerra

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custaria imenso à República reduzindo cada vez mais o campo dos que apoiavam o novo regime. Os assassinatos da «Noite Sangrenta» (19out1921>, na qual tombaram fundadores da República como machado santos, António Granjo ou Carlos da Maia, leva ao clímax esta dança macabra que só terminará cinco anos depois. Ao número dos inimigos da República é de acrescentar o operariado que desiludido com os pretensos intuitos sociais do novo regime não tardaria em fazer manifestações. Este divórcio entre operariado e República nunca mais seria sanado. O exército também depressa se afastaria da República. Aliás o contenciosos começara no dia 5 de Outubro. O regime nunca conseguiria reformar e democratizar o exército de molde a transformar no seu braço armado, preferindo criar a Guarda Republicana. A entrada na guerra em 1916 acarretou dramas suplementares para as forças armadas, primeiro em Angola, depois em Moçambique e por fim na Flandres. A I República limitara-se afinal a abalar a velha instituição militar com humilhações e tarefas inglórias. 7.5 A República propõe-se acabar com o catolicismo

A hostilidade à religião nos primeiros dias da revolução com uma enxurrada de diplomas, cavou um fosso enorme entre católicos e republicanos. Afonso Costa, ministro e um dos estrategas da I República anunciou numa reunião maçónica que a lei da Separação (denominada doravante pela «Intangível») iria eliminar o catolicismo em duas gerações. As aparições de Fátima (1917) ocorreram no terceiro governo de Afonso Costa. O nosso país reagia deste modo, pelo culto mariânico e pelo recurso ao milagre à hostilização decretada pelo político. Quando Sídónio Pais toma o poder em Dezembro de 1917, uma das suas primeiras medidas seria a de pôr fim à questão, dando os passos diplomáticos necessários para reatar relações com a Santa Sé. 7.6 A intervenção portuguesa na Grande Guerra

A nossa entrada na guerra seria determinada pela vontade colonialista lusa de pôr em cheque uma eventual partilha que outras nações prosseguiam em relação ao «scramble for Africa», em particular a Alemanha de Bismarck.

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O Partido Democrático de Afonso Costa era a favor da nossa entrada na guerra, com a pouca simpatia dos Unionistas de Brito Camacho, dos monárquicos1 dos sindicalistas e dos sectores católicos. Do grupo dos Unionistas sairia o futuro ditador, Sidónio Pais. Em Fevereiro de 1916, um decreto governamental autorizava a requisição dos barcos mercantes alemães que se encontravam fundeados no Tejo, o que serviria de «casus beIli» para a Alemanha de Guilherme II. Em Março, este apresentou ao nosso governo a nota de declaração de guerra. Foi o começo formal de um conflito que há muito portugueses e alemães vinham travando em Angola e em Moçambique. De Fevereiro de 1917 a finais do ano seguinte, milhares de soldados viverão o horror de uma guerra deprimente abandonados bem cedo pelo poder político de Lisboa, particularmente depois da revolução de Sidónio, conhecida pelo Dezembrismo (5dez1917). Com a guerra europeia e com o seu lúgubre desfecho a 9 de Abril de 1918 os republicanos - sobretudo os democráticos, mas também os sidonistas - caminhavam para o fim do seu próprio regime. 7.7 A República fracturada; o Sidonismo ou «República Nova» O curto mas impetuoso consulado sidonista (Dez. 1917-Dez. 1918) que termina na morte

sangrenta de Sidónio Pais (Dez. 1918) terá o remate ideal uma década depois com o «Estado

Novo». De facto, o salazarismo retomará muitos dos esboços deixados pela «República

Nova», serão duas experiências nascidas de idêntica raiz.

A primeira convergência entre o regime de Sidónio Pais e o de Oliveira Salazar está na ideia

de ditadura nacionalista, de regime autoritário, antiliberal.

Outra semelhança foi não só a origem castrense do poder que ambos exerceram, mas ainda a importância que a instituição militar continuaria a ter em ambos os sistemas, como sustentáculo da ilegitimidade poliuca de dois regimes saídos de golpes de Estado. A terceira semelhança é de ordem política e que define a natureza híbrida dos dois regimes: tanto um como outro conseguiram fazer uma omeleta republicana com ovos monárquicos. Os dois eram «sinceramente» republicanos e secretamente «monárquicos». Fosse como fosse, a monarquização da República iria ser retomada por Salazar uma pseudo-república, esvaziada de qualquer conteúdo republicano, liberal, democrático ou progressista. 7.8 A queda da I República

As dificuldades do novo regime também tinham sido notáveis nos campos económicos e financeiros. O aparecimento de uma nova ideologia monárquica - o Integralismo Lusitano -

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dava ao campo anti-republicano um dos pilares da contra-revolução, aquele que mais pesaria no derrube da I República, de par com o conservadorismo sidonista. O exército seria a força ideal para cortar com o desgoverno e o caos do afonsismo, ou seja do Partido Democrático. O sidonismo fora já um exemplo de como podiam triunfar os clãs que se opunham a este predomínio afonsista demoliberal, anticlerical e demagógico. O culto da ditadura e do louvor da espada como solução tomaram-se comuns. A tentativa de derrube do regime parlamentar foi finalmente conseguida durante o mandato de Bernardino Machado como Presidente da república, em Maio de 19Z. O exército estava finalmente no poder e os militares iriam procurar estabelecer uma ditadura onde só faltava o ditador: foi achado dois anos depois. 7.9 A I República - o que foi?

Se a I República foi um sonho burguês de criação de ordem económico-social liberocapitalista e se o sonho republicano se cifrou antes de mais numa tentativa de nos dotar de uma sociedade deveras europeia, progressista, mental, tecnologicamente e materialmente em consonância com a sua época e com o seu continente, forçoso será então constatar que a aldeia retrógrada e sonolenta venceu a cidade burguesa, mercantil e industrial. Nesta perspectiva, o colapso de 1926 foi o inevitável reconhecimento da falência do regime sonhado. A instabilidade política, o défice crónico, o excesso do sector terciário traduzido-se numa burocracia paralizante, a incapacidade de uma gestão pública, competente e dinâmica, todos eles vícios que inviabilizaram o nosso liberocapitalismo. O franquismo tudo quis liquidar. A República foi o sonho progressivamente apodrecido de um regime autenticamente liberal e burguês, um neovintismo que depressa seguiu os inacessíveis atalhos do seu predecessor oitocentista. A balbúrdia, a guerra civil permanente, o ataque à igreja, a efemeridade dos gabinetes, as reformas proteladas, o crescimento das inimizades sociais, a corrupção e a imoralidade. Seria conveniente olhar para a República como a tentativa frustrada de implementação eet Portugal de uma ordem burguesa moderna e modernizadora, um liberalismo recomeçado, aberto à colaboração social com as classes desfavorecidas que outrora eram simples gado humano exportado para o Brasil, muleta destinada a equilibrar as eternamente combalidas finanças nacionais devoradas pelo cancro do défice.

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8. A DITATURA DO «ESTADO NOVO» 8.1 O Fim do demoliberalismo O liberalismo durara entre 1820 e 1926, mais de um século. Liquidada a l República demo-

liberal, parlamentar e multipartidária, o modelo político e até a estratégia económico-social iria

pautar-se para ideia da ditadura, que se viu crescer no período de crise dos anos noventa do

oitocentismo. Aliás, esta ideia estava no espírito do tempo, pois em geral eram os regimes

caudilhistas que proliferavam na Europa dos anos 20-30. Todavia, o nosso modelo conjugou

curiosamente duas vertentes político-ideológicas: o catolicismo papal e as doutrinas do

Integralismo Lusitano, mais do que os ditatorialismos então em voga.

A nossa Ditadura, especialmente a partir de 1932, guiou-se mais por um tradicionalismo

autoritário, corporativista e tradicionalista, de essência antiliberal e antidemocrática, com

raízes anteriores ao aparecimento na Europa do fenómeno fascista, mais preocupada cm

estabilidade do que em crescimento.

O ideário de Salazar, representava a síntese das ideologias retrógradas que nele encontraram

um denominador comum, i.e. a preocupação de alcançar um consenso de forças direitistas e

tradicionalistas, independente das formas de governo - para ele sem importância desde que

acatassem a sua chefia pessoal e recusando todos os valores liberais e da democracia, tida

esta como funesta.

Salazar acreditava não na igualdade mas na hierarquia. Não acreditava nem no sufrágio

universal nem sequer no conceito de cidadão, rejeitando todo o sistema representativo. Só a

célula base da sociedade (a família), as classes sócio-profissionais, os municípios e os grupos

detentores do capital e dos meios de produção, deveriam, segundo ele, ter voz na vida

política.

O seu corporativismo, entendido desde o domínio da sociedade ao da economia, postulava a

rejeição absoluta de toda a tradição liberal e democrática repudiando os direitos de expressão

do pensamento da liberdade de imprensa, de livre associação...

Anti-parlamentar, o Estado Novo perpetuou através de pseudo-eleições para a constituição de

uma assembleia mono ou até anti-partidária (para Salazar, a União Nacional não era um

partido), uma simples câmara de ressonância do governo, um verdadeiro órgão central do

governo, que além de governar, legislava e administrava. Como o governo era Salazar, o

Estado era ele também.

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8.2 «Deus, Pátria, Familia»: o lema do salazarismo

Por ocasião do décimo aniversário (1938) da investidura de Salazar como Ministro das Finanças, o governo exaltou a sua acção através de quadros didácticos que expusessem nas escolas a acção do «chefe da revolução nacional» e que se intitulavam «A Lição de Salazar». O sétimo quadro recebeu o título de «Deus, Pátria, Família - a trilogia da educação nacional», urna sinopse da mundivisão salazarista: as ideias, o aspecto sócio-económico e a mentalidade do regime, instituído desde 1928. No começo, a própria tríade (Deus-Pátria-Família), num país católico e com um governo conservadorista não seria de espantar que a estrutura mental e ideológica se representasse numa divisa triangular, como uno e trino era o Deus de Roma, Pai, Filho e Espírito Santo. No referido quadro sinóptico encontramos o essencial da filosofia política, do paternalismo político, da noção cristã da chefia e da obediência, a par do ideal «utópico», ou mais exactamente ucrónico, virado para um mundo dourado e impossível com a sua aura de humildade e pobreza, o seu ideal neotomista de uma pax ruris medieval, com o «bom selvagem» salazarista condensado no campónio que regressa à pequenina casa portuguesa, de pois de um dia de trabalho no amanho da terra (o fundamento de toda a riqueza) sob um céu onde Deus velava pela tranquilidade, de que o Presidente do Conselho seria afinal o delegado terreno e o chefe de família (célula base da sociedade). Enfim, um regime patemalista, cristão, misoneísta e arcaizante, anti-industrialista através do qual se perpetuava urna Nação rural tal como a Ditadura a imaginava, a queria formar, a forçava a ser... Acresce que desde 1936, Salazar vinha apontando a trilogia como base da sua filosofia política. A sociedade que se encontra retratada na trilogia é uma sociedade espessamente imóvel, rotineira, sem cultura alguma, tradicional, religiosa, conservadora e naturalmente muito «salazarista». Em suma, este modelo político-social português estava muito mais apegado ao ruralismo passadista do Antigo Regime do que aos estilos desenvolvimentistas em voga após a crise do capitalismo de 1929. O seu conservadorismo exaltava valores de tradição, ordem, estabilidade e paternalismo expressos na divisa «Deus, Pátria, Família», expressão de um regime sem carisma nem modernismo, antes voltado para o ucronismo de uma ordem social e económica que tentava manter intacto o velho «Portugal português» dos campos, dos camponeses, da nossa mítica «pax ruris» anterior à revolução industrial.

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Em resumo, a ditadura salazarista destinou-se mais a travar a modernização do país, a congelar todo o esforço de crescimento e desenvolvimento, em suma, a apoteose da passividade como ideal supremo da nação. 8.3 Mecanismos repressivos

Os mecanismos repressivos eram da mais suma importância para a perpetuação do longevo regime ditatorial. A ditadura começara por irradicar tudo o que representasse os valores e a prática demo-liberal: a censura foi estabelecida após o golpe de 1926, os partidos proibidos, a greve abolida, o parlamento encerrado e as eleições postas de lado. Uma polícia política eficiente facilitaria a destruição da democracia ou da vida política. Degolada a República faltava encontrar o ditador, o que tardou. Depois do fiasco sucessivo de militares, coube a um técnico perito em finanças endireitar o combalido erário nacional. Salazar só aceitou se lhe garantissem condições de autêntica ditadura financeira, o que Carmona aprovou, 8.4 A lenta edificação do «Estado Novo»

Em 1932 quando foi nomeado presidente do conselho, Salazar começou a pôr em prática a sua maneira de agir. Estabeleceu uma liga política - a União Nacional -, um sistema político-económico e social de inspiração papal (o corporativismo), uma doutrina política, regime erguido segundo a bitola do tradicionalismo católico-integralista e republicano-conservador. Foi dada uma atenção especial ao império colonial a somar ao terror espalhado pela polícia política (PVDE, depois PIDE) e pelas instituições de doutrinação obrigatória e militarizada da juventude (Mocidade Portuguesa), bem como a criação da milícia armada do regime (Legião Portuguesa). 8.5 A propaganda da imagem do Chefe

Salazar teve a habilidade de criar dois instrumentos vocacionados para formar uma opinião pública favorável ao regime: a Emissora Nacional e sobretudo o SPN (Secretariado de Propaganda Nacional, que em 1944 se passou a chamar SNI), confiado ao jornalista António Ferro. O SPN/SNI saberia divulgar a doutrina do Estado Novo e tornar conhecida a imagem do seu chefe como sábio, cristão, de falas suaves, elegante nas atitudes e de pensamento elevado, uma espécie de modelo platónico-cristão do ditador, ave rara numa Europa onde os caudilhos

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(como Mussolini e Hitler) eram ao invés frenéticos demagogos apoiados pelo fervor de massas fanatizadas. De espírito mesquinho e rancoroso, egocêntrico, vaidoso mas de aparência modesta, provinciana e culturalmente limitado, avesso ao cosmopolitismo pelo seu horror em viajar, sedentário e imobilista nas suas ideias e atitudes, defensor dos valores da Família m~ preferindo não constituir um lar normal e vivendo antes amancebado1 Salazar sabia que devia oferecer uma imagem austera de professor devotado ao bem público, de sábio dirigente que leva uma vida monacal, isolando-se no seu ermitério de S. Bento para melhor servir a Pátria, o protótipo de «chefe de missão». O nosso ditador esforçou-se assim em mostrar uma imagem de homem frio, lento, meticuloso, fechado, retirado e desprendido das solicitações do século, um filósofo, um pensador da política. 8.6 Fascização pontual

Em 1936, Salazar acrescentou ao seu edifício duas instituições que adaptadas representavam rituais, processos e até emblemas, que os fascistas tinham tornado habituais: a Mocidade Portuguesa e a Legião Portuguesa. Deles copiou a exaltação do valor da mocidade, o culto da força na chamada acção directa, o princípio da superioridade do poder político na vida social e o enquadramento das massas atrás de um chefe. 8.7 O regime da Ditadura, de 1940 a 1974

Conseguindo manter Portugal neutral durante a 2ª Guerra Mundial, concessionando facilidades militares nos Açores, Salazar conseguiu tirar partido da política de benevolência dos Aliados e ingressou na NATO (1949) e na ONU (1955). Este período coincidiu com a acumulação de capitais que permitiu Portugal a fabricar para fora e à iniciativa privada ajudada por uma mão-de-obra barata e sem força reivindicativa. Tudo isto acontecia sem suporte de um modelo de política económica, sempre metida nas baias estreitas do corporativismo, que impedia o crescimento português. Nos anos 70, a situação modificou-se com a emigração em massa. Politicamente, as pseudo-eleiçôes de 1958 permitiram exprimir o descontentamento nacional, cristalizado em torno do carismático General Humberto Delgado (m.1965), que deu voz à ansiedade de mudança.

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Socialmente, as mudanças tinham sido sensíveis, já que a uma classe média agrária, sucedia uma nova classe média de raiz industrial e mercantil, disposta a desembaraçar-se dos ideais imobilistas em proveito de uma expansão acelerada. Em meados da década de 50, surge o maior obstáculo à eternização da ditadura: a questão colonial. Em 1953, quando era lançado o primeiro plano de fomento, surgiu a revolta de S. Tomé, e um ano mais tarde em Goa. Em 1961, tropas da União Indiana põem fim ao estado português da Índia (Goa, Damão e Diu). Nesse mesmo ano estalava a guerra em Angola. Em 1963 cabia a vez da Guiné-Bissau e a Moçambique em 1964. Salazar recusar-se-ia a qualquer negociação ou concessão, alegando que essas colónias eram parte integrante de uma comunidade nacional multi-racial e multi-continental, mantendo-se «orgulhosamente só» até ao fim. Salazar teve de abandonar a chefia do govemo em 1968 confiada então a Marcelo Caetano até 1974. Este nunca conseguiu resolver o problema fundamental do regime ditatorial, das guerras coloniais, questão que esta na origem da contestação militar que criaria o MFA, o qual derrubou um regime fundado pelas armas, quase meio século depois.

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9. DE 1974 AOS NOSSOS DIAS 9.1 A Revolução de Abril O governo de Marcelo Caetano foi derrubado a 25 de Abril de 1974 pela insurreição armada.

As primeiras intenções dos capitães de Abril foram:

1. Suprimir a polícia política;

2. Restabelecer a liberdade de pensamento e de expressão;

3. Reconhecer os partidos políticos existentes ou a criar;

4. Reconhecer a organização sindical clandestina;

5. Proceder à realização de eleições para 1975, para eleger uma assembleia constituinte;

6. Estabelecer negociações com os movimentos de independência das colónias.

O poder foi confiado a uma Junta de Salvação Nacional, encarregada de dirigir o País. Esta,

mais tarde, seria substituída pelo Conselho da Revolução (1975-1982) constituído por

militares do MFA, que foi empossado de uma série de seis governos provisórios até ao

funcionamento da futura constituição (1976).

O Conselho da Revolução constituía um verdadeiro poder moderador de grande influência na

reaprendizagem da democracia:

• Atribuições constitucionais;

• Atribuições legislativas em relação às forças armadas;

• Atribuições de conselho ao Presidente da República.

Em Março de 1975, sob a ameaça de um putsch direitista de elementos afectos a Spínola (designado PR pela Junta de Salvação Nacional), elementos do PCP' passaram a ter destaque no governo, ao mesmo tempo que se decretavam medidas socialistas na economia (nacionalização da banca e dos seguros), das quais resultou a passagem para o sector estatal de inúmeras empresas (cf. golpe do 11 de Março). Em relação às colónias, a primeira a ter a sua soberania reconhecida foi a Guiné-Bissau (1974), seguindo-se-lhe, em 1975, Moçambique, Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe e Angola. A descolonização ficou por fazer em Timor Leste, quando este foi invadido em 1975 pela Indonésia. O contencioso chegou ao fim em 1999. A transferência de poderes relativamente a Macau aconteceu também em 1999.

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9.2 A caminho da normalização democrática

Um mês depois do golpe de 11 de Março de 1975 realizavam-se as eleições para a constituinte, ficando o PS com 38% dos votos expressos. Este recebeu o apoio da média burguesia portuguesa e de muitos sectores sociais por todo o país, à excepção do Norte, onde o PPD/PSD se afirmaria como dominante. O derradeiro governo de tendência comunista liderado por Vasco Gonçalves (1974-75) cairia depois do «verão quente» de 1975, durante o qual a agitação antimarxista ganhou foros de autêntica contra-revolução. Perante esta perda de influência, o PC lançou-se numa aventura putschista que veio a desencadear o golpe de 25 de Novembro de 1975. Esta movimentação acabou por retirar de vez do poder o PCP. No sector sindical dominava a CGTP-IN, agora com uma concorrente alternativa - a UGT. Após várias peripécias, foi aprovada em 1976 a primeira constituição democrática, de clara orientação socialista (esta tendência foi expurgada na revisão de 1989). 9.3 Funcionamento do Estado de direito democrático A câmara era única com 246 deputados eleitos por sufrágio popular directo por quatro anos. A

assembleia faz as leis e aprova o orçamento. O executivo é dirigido por um primeiro-ministro.

O PR é eleito por cinco anos também por sufrágio universal e directo. O PR nomeia e demite o

primeiro-ministro. O primeiro-ministro e os outros membros do Gabinete formulam a política do

Gabinete.

Extinto o Conselho da Revolução (1975-1982), foi este substituído por:

Tribunal Constitucional;

Conselho de Estado;

Conselho Supremo de Defesa Nacional.

Sucederam-se 6 governos provisórios (1974-1976) empossados pelo Conselho da Revolução e até 2001,12 governos constitucionais. 9.4 Tendências reveladas pelas consultas eleitorais

Eleitoralmente o período 1976-91 reflecte uma descida do PS e um enfraquecimento constante do PCP e do CDS-PP. Em suma, de 1987 a 1991 conseguiu-se um governo de legislatura seguro de se manter sem os sobressaltos da mecânica parlamentar.

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Após a instabilidade política, Portugal conheceu enfim uma nova fase, o que corresponde à via europeizante e modernizante inseparável dos ideais democráticos triunfantes com a revolução de 1974. O ingresso na CEE (1986) orientou-o de vez para um futuro comunitário realmente solido.

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10. NOTAS BIOGRÁFICAS JOAQUIM ANTÓNIO DE AGUIAR (Coimbra, 1792-1874)

De origem modesta, estava a estudar Leis quando se deram as invasões francesas e por isso alistou-se nos batalhões académicos. Terminou o curso de Direito depois da guerra e foi nomeado catedrático em 1816. Refugia-se no Porto com a Vilafrancada. Perde a cátedra, pela segunda vez, após a Belfastada. Faz parte da expedição liberal que desembarca no Mindelo e com o triunfo dos liberais, D. Pedro IV nomeia-o Ministro do Reino (1833) e um ano mais tarde como Ministro da Justiça. Foi depois várias vezes ministro e presidente do Ministério. Opôs-se ao Setembrismo e a Costa Cabral. Tomou-se célebre o seu diploma que extinguia os conventos (1833) mas, na verdade, o decreto foi apenas a formalização da situação existente, pois muitos já estavam despovoados e encerrados.

ANTÓNIO JOSÉ DE ÁVILA, Duque de Ávila (Faial, 1806-1881) Foi Conde, Marquês e Duque de Ávila. Teve uma longa carreira política, tendo sido várias vezes presidente do Ministério. Ficou na história como o autor da portaria que mandou encerrar as Conferências do Casino (1871), (não lhe sendo poupadas sátiras sobre isso) as quais tinham claramente um fim eleitoralista aliás denunciado na imprensa da época. Apesar deste estratagema, Àvila perdeu as eleições de 1871 e foi Fontes quem formou gabinete até 1877. Eça de Queirós dedicou-lhe uma das suas famosas "Farpas" (1871).

ANSELMO JOSÉ BRANNCAMP (1817-85) Formou-se em Direito tendo combatendo o Cabralismo. Com a Regeneração foi deputado e ministro e presidente do Ministério. Sucedeu ao Duque de Loulé na chefia do Partido Progressista. Quando os últimos morgadios foram extintos (1863), Braancamp era ministro do Reino. ANTÓNIO BERNARDO DA COSTA CABRAL (1803-?) Formou-se em Direito tendo exercido advocacia. Com a Belfastada exilou-se em Inglaterra voltando na expedição de D. Pedro IV. Aderiu ao Setembrismo e teve acção de destaque numa conspiração abortada de tentativa de reposição da Carta. Torna-se cartista e proclama a restauração da Carta (1842). Foi chamado ao governo e ali ficou entre 1842 e 1846. Neste ano exila-se por causa da Maria da Fonte e volta ao poder três anos depois sendo derrubado

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pela Regeneração (1851). Toma-se embaixador na Santa Sé e Grão-Mestre da Maçonaria. Foi Conde e depois Marquês de Tomar. MARCELLO JOSÉ DAS NEVES CAETANO (1906-1980) Colaborou muito jovem numa revista antidemocrática (Ordem Nova) de orientação integralista. Doutorou-se em Direito e faz uma rápida e brilhante carreira no aparelho político do Estado Novo, começando como auditor jurídico de Salazar. Teve cargos na Junta Consultiva da União Nacional, no Conselho do Império Colonial, na Mocidade Portuguesa, na Câmara Corporativa, no Conselho Ultramarino e na Reitoria da Universidade de Lisboa. Foi Ministro das Colónias, Ministro da Presidência e Primeiro-Ministro (1968-74) após o afastamento de Salazar. Foi o primeiro Presidente do Conselho da Ditadura a visitar (1969) as colónias. Com a Revolução dos Cravos foi mandado para a Madeira e exilou-se no Brasil, onde faleceu. Deixou uma obra importante como legislador, tratadista de direito administrativo, constitucionalista e historiador. A sua obra máxima foi o Código Administrativo. Ideologicamente foi um dos mais destacados teóricos do nosso corporativismo. Embora com finalidades de «evolução na continuidade», Caetano procurou, sem sucesso, criar o seu regime, projecto para o qual dispunha de mais trunfos do que Salazar, já que conhecia melhor o país real além de que cultivam uma certa aura de liberalismo renovador. O partido militar e o aparelho repressivo impediram as tentativas de reforma marcelista. Caetano não foi capaz de mudar o regime que acabou por comandar. O drama colonial pesou sobre a sua incapacidade e o seu fracasso como político desastrado. JOSÉ LUCIANO DE CASTRO (1834-1914) Foi um dos fundadores do Partido Progressista, ocupando lugares importantes no parlamento e nos gabinetes ministeriais. Tido como corrupto, contribuiu para desprestigiar o sistema partidário da monarquia constitucional. Foi crucial nos últimos trinta anos da Monarquia tendo chefiado por diversas vezes o Ministério. JOÃO PINHEIRO CHAGAS (1863-1925)

Orientou-se desde muito cedo para o jornalismo, tendo sido panfletário, cronista e crítico.. Chegou a ser preso por um artigo insultuoso para a Monarquia na altura quando eclodiu a revolução de 31 de Janeiro, o que não o impediu de ser condenado pela participação nesta e degredado para Angola. Fugiu do degredo, foi detido e em 1893 era amnistiado. Em 1908 foi

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novamente preso por causa da intentona de 28 de Janeiro. Após o advento da República assumiu o primeiro governo constitucional, bem como na ditadura de Pimenta de Castro. Quando esta caiu foi também nomeado para formar Governo e demitiu-se aquando da revolução sidonista. Após esta retomou o seu posto, aposentando em 1924.

AFONSO AUGUSTO DA COSTA (1871-1937) Catedrático em Direito aos 25 anos. Entrou para o parlamento em 1900 tomando-se famoso orador republicano. Foi Ministro da Justiça no governo provisório da República, autor da lei de separação das Igrejas e da instituição do divórcio e Ministro das Finanças durante vários gabinetes acumulando com a chefia do Governo, quando eclodiu a revolução sidonista (Dezembro de 1917) que o mandaria prender. Solto um ano mais tarde foi para Paris onde se voltaria a exilar durante a ditadura de Salazar ANTÓNIO MARIA FONTES PEREIRA DE MELO (1819-1887)

Serve sob as ordens de Saldanha durante a Maria da Fonte e distingue-se na Batalha de Torres Vedras (1846). Foi eleito deputado entre 1848 e 1869, ano em que entrou para a Câmara dos Pares. Recusou-se a sempre a ser nobilitado. Participa no golpe de Saldanha em 1851 e torna-se Ministro da Marinha. Com a morte de Rodrigo da Fonseca, Fontes toma-se chefe do partido regenerador até ao ano da sua morte. Foi por diversas vezes presidente do Ministério das Obras Públicas, encabeçando a política de transformação material do país e de empréstimos estrangeiros, que ficou conhecida por Fontismo. CARLOTA JOAQUINA DE BOURBON (1715-1830) Filha de Carlos IV de Espanha foi casada com D. João VI aos dez anos de idade. Começou a dar mostras da sua ambição, quando a família real se encontrava exilada no Brasil. Quis ser imperatriz da América espanhola, rainha de Espanha (quando Napoleão depôs o seu pai> e regente de uma parte da América espanhola. Conseguiu criar um partido seu nas cortes espanholas. Com o regresso da família real a Portugal, conspirou contra a constituição de 1822 e para ser aclamada rainha. Alia-se ao seu filho D. Miguel e trama a conspiração de 1824 dando todo o apoio á usurpação de D. Miguel em 1828. Morreu antes de se dar a guerra civil.

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BERNARDINO LUIS MACHADO GUIMARÃES (1851-1944)

Membro do Partido Regenerador, deputado e par do reino. Ministro das Obras Públicas, Grão-Mestre da Maçonaria. Com a sua adesão ao Partido Republicano torna-se Ministro dos Negócios estrangeiros no governo provisório republicano. Posteriormente é várias vezes ministro, três vezes chefe de governo e duas vezes Presidente da República. JOSÉ MENDES RIBEIRO NORTON DE MATOS (1872-1955) Entrou para a Escola do Exército e seguiu depois para a Índia de onde regressou para servir no Estado-Maior. Foi governador de Angola até à sua demissão pelo ditador Pimenta de Castro. Foi Ministro da Guerra até ser afastado do poder pelo Dezembrismo, exilando-se em Londres. Voltou para Angola como Alto-Comissário. Opôs-se à ditadura salazarista e concorreu em 1948 como candidato republicano às pseudo-eleições, desistindo antes do sufrágio. SIDÓNIO BERNARDINO CARDOSO DA SILVA PAIS (1872-1918) Catedrático e militar, foi deputado e depois Ministro do Fomento no primeiro governo constitucional chefiado por João Chagas e depois Ministro das Finanças no governo de António Vasconcelos. Conspirou para o derrube do gabinete de Afonso Costa e para a modificação da nossa política em relação à guerra europeia e na instauração de um regime de «República Nova». Este regime viria a tornar-se num presidencialismo ditatorial. Nomeado chefe de governo pela Junta Revolucionária de 1917 foi eleito Presidente da República por sufrágio universal em Abril de 1918. Foi assassinado nesse ano. PEDRO DE SOUSA HOLSTEIN, DUQUE DE PALMELA (1780-1850) Acompanha o pai quando este é nosso representante em Roma. Regressa a Portugal com as invasões francesas. Torna-se embaixador em Londres e, regressando, apoia a Vilafrancada. É preso por ordem de O. Miguel durante a Abrilada. Libertado, partirá para Londres tornando-se partidário da Carta. A usurpação leva-o a demitir-se do cargo de embaixador. Foi Presidente do Conselho de Regência, criado por D. Pedro e Ministro do Reino. Participa no cerco do Porto. Toma parte na expedição do Algarve comandada por Terceira. É eleito Presidente da Câmara dos Pares com a vitória liberal. Chefiou a corrente cartista moderada. Foi ministro dos Negócios Estrangeiros no gabinete de Saldanha. Foi acusado de cúmplice na morte do Príncipe Augusto de Leuchtenberg e defendido pelo seu maior inimigo, Passos

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Manuel. Volta para Portugal depois de um passeio pela Europa sendo expulso por Costa Cabral por ser contra o Cabralismo. Voltou novamente com a Convenção do Gramido afastando-se depois da vida política. Foi o político mais completo e actuante dos começos do liberalismo tendo durado até ao cabralismo. Palmela teve uma grande importância durante os anos do exílio conseguindo trazer as suas gentes até às praias da vitória. ANTÓNIO DE SERPA PIMENTEL (1825-1900) Inflectiu para a política acamaradando com Alexandre Herculano e Latino Coelho, entre

outros. Foi deputado e Ministro das Obras Públicas, Fazenda e Estrangeiros. Chefiou o

Partido Regenerador após a morte de Fontes. Presidiu ao governo que teve de liquidar as

consequências do Ultimatum.

ERNESTO RUDOLFO HINTZE RIBEIRO (1849-1907)

Foi eleito deputado e tomou-se Ministro das Obras Públicas no gabinete de Rodrigues Sampaio. Foi também Ministro da Fazenda e dos Negócios Estrangeiros. Chefiou o governo entre 1893 e 1897, uma primeira forma de ditadura extraparlamentar. Chefiou o Partido Regenerador depois da morte de Serpa Pimentel. BERNARDO DE SÁ NOGUEIRA DE FIGUEIREDO, Marquês de Sá da Bandeira (1795-1876) Foi militar no período derradeiro das invasões francesas. Abraçou com entusiasmo a revolução de 20 de Agosto de 1820, do Porto. Durante a regência , foi nomeado ajudante-de-campo de D. Pedro. Perdeu o braço no cerco do Porto (familiarmente designado por «Sá Maneta»). Com o Setembrismo defende princípios que, não aceitando em absoluto, seguiu com seriedade, honra e brio. A sua carreira esteve intimamente ligada às questões coloniais na segunda metade de novecentos. JOÃO CARLOS GREGÓRIO DE SALDANHA OLIVEIRA E DAUN, Duque de Saldanha (1790-1816) Era neto do Marquês de Pombal. Entrou para a Academia Real de Marinha aos 14 anos. Demite-se do exército ao conspirar contra o invasor napoleónico. Beresford fê-Io major e bateu-se em várias batalhas. Tomou-se general aos 27 anos. Participa nos acontecimentos

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ligados ao juramento da Carta. Exila-se com a usurpação. Saldanha tomou o comando das forças que combateram D. Miguel nos finais da guerra civil vencendo as derradeiras batalhas. Chefiou o governo em 1835 e em 1848 Levou a cabo o golpe da Regeneração e voltou a governar. Chefiou a Saldanhada, um novo golpe militar em 1870, e manteve-se no poder algum tempo. Afastado por D. Luís regressa à sua embaixada em Londres. ANTÓNIO MARIA DE AZEVEDO MACHADO SANTOS (1875-1921) Fez triunfar a causa da República (4/5 de Outubro de 1910), ao fazer um relatório indispensável dos preparativos e o processamento carbonário conspirativo do acto revolucionário. Dirigiu um jornal republicano radical e tornou-se severo crítico do regime que ajudara a fundar. Foi sobretudo um adversário de Afonso Costa e aderiu ao Sidonismo nessa lógica de antipatia pelo partido da I República. Tentou criar um partido seu que nunca importância política real. Foi assassinado na Noite Sangrenta por um comando extremista monárquico. JOÃO XAVIER MOUZINHO DA SILVEIRA (1780-1849) Formado em Leis ingressou na magistratura. Foi Ministro da Fazenda, tendo-se afastado com a reacção da Vilafrancada e foi preso por ocasião da Abrilada. Com a outorga da carta foi deputado às Cortes. Vai para o exílio com a usurpação. O. Pedro nomeia-o Ministro da Justiça e dos Negócios eclesiásticos e da Fazenda, iniciando os nove meses de actividade legislativa que mudarão Portugal. Apeado com a queda do ministério vai para Paris e volta para Portugal para o seu cargo nas Alfândegas. É leito deputado pela sua terra, Castelo de Vide. Acabaria por abandonar a política dedicando-se à administração das suas terras. DUQUE DA TERCEIRA (1792-1860) Pertencia à mais elevada nobreza de Portugal. Militar, seguiu toda a carreira dos exilados com D. Pedro. Foi um dos mais contemplados com a doação dos bens nacionais. Foi o grande vencedor da batalha da Terceira (1829) e dirigiu a marcha sobre Lisboa tomando a cidade em 1834. Foi também presidente do Conselho nesse ano. D. ANTÓNIO ALVES MARTINS, Bispo de Viseu (1808-1882) Professou na Ordem Terceira de S. Francisco mas passou a juventude em combates políticos, participando em quase todas as campanhas do segundo liberalismo. Foi par do reino,

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ministro, presidente do concelho de ministros e chefe do Partido Reformista. Foi figura singular no meio eclesiástico tendo levado até Roma a sua rebeldia e falar franco (recusou-se a saudar o Papa nos termos pedidos). O seu partido recebeu sátiras ferozes nas primeiras Farpas. ANTÓNIO DE OLIVEIRA SALAZAR (1889-1970) Filho de gente modesta ligadas às fainas agrícolas e comerciais. Doutorado pela Faculdade de Direito e entra para a Cátedra de Economia (1918). Publica algumas teses académicas e milita no Centro Académico de Democracia Cristã onde acamarada com o futuro cardeal Cerejeira. Destaca-se como dirigente e teórico do nacionalismo católico. Em 1926, após a queda da 1 República é chamado ao governo mas demite-se pouco depois. Acolhe dois anos mais parte a pasta das Finanças. Foi nomeado Presidente do Conselho em 1932, cargo que ocupa até 1988, mantendo a pasta das Finanças até 1940. Foi Ministro das Colónias, da Marinha, da Guerra, dos Negócios estrangeiros e da Defesa Nacional. Na pasta das Finanças estabeleceu uma ditadura financeira que alargaria ao resto da maquinaria estatal e política. Além do nacionalismo católico, o regime salazarista aparecia como um sistema autoritário mas, teoricamente, não violentista, já que na prática não se coibia de enviar inimigos para o Tarrafal, em Cabo Verde. O regime era ainda corporativo na sua fundamentação económico-social e nas relações do trabalho. Muitos dos contributos ideológico-políticos do Estado Novo vinham do Integralismo Lusitano. No aspecto externo, o Pacto Ibérico consagrou uma boa colaboração das duas ditaduras ibéricas. A Çoncordata, com o Vaticano, abriu o caminho para o entendimento perfeito. As relações com as potências em guerra foi porém pautadas pela neutralidade. O equilíbrio financeiro e a balbúrdia da I República tinha dado prestígio a Salazar mas a situação alterar-se-ia depois da guerra. Apesar de ter conseguido manter a neutralidade de Portugal no segundo conflito mundial (1939-45) e quando a queda dos regimes nazifascistas tomavam instante a mudança do nosso regime, Salazar perdia por incapacidade de adaptar a Ditadura a um contexto novo e dinâmico, a partir do qual se cavava cada vez mais o isolamento político internacional de Portugal e se acentuava a esclerose do regime salazarista. Apesar de alguns sucessos diplomáticos (entrada de Portugal para a NATO e para a ONU) a Ditadura tornava-se cada vez mais isolada com o início das guerras coloniais. O assassinato

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de Humberto Delgado (1965), candidato à Presidência da República, mostrava que a Ditadura não hesitava em eliminar oposicionistas ao regime. A eleição de Américo Tomás para a Presidência da República (1958), verdadeiro fóssil vivo do regime e de espírito espessamente insusceptível de percepção política tomava a situação agonizante. Salazar nem se apercebeu do final da sua ditadura pois o acidente cerebral afastou-o do poder (1968).

FIM