quadro politico internacional

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1 O QUADRO POLÍTICO INTERNACIONAL APÓS O 11 DE SETEMBRO DE 2001 Walmir Barbosa * APRESENTAÇÃO O presente texto é um ensaio acerca das relações internacionais após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 e da intervenção militar terrorista dos Estados Unidos no Afeganistão. Como tal ele pretende proporcionar uma leitura do quadro político internacional, de forma a buscar identificar algumas tendências das relações internacionais no período histórico atual. Período que, a nosso ver, teve seu início anteriormente ao 11 de setembro, ainda no governo Bill Clinton, mas que se definiu claramente com a eleição de George W. Bush e os referidos atentados. Este ensaio é a materialização de resultados do desenvolvimento do projeto de pesquisa “Cenários possíveis das relações internacionais após o 11 de setembro de 2001”, aprovado junto a VPG/Coordenação de Pesquisa da UCG. O desenvolvimento do referido projeto contou com a indispensável participação e colaboração de Lorena Martins Rodrigues Alves, estudante do Curso de Direito da UCG, de Sebastião Cláudio Barbosa, mestrando em educação pela UFG e de Paulo Faria, membro da organização não governamental Coletivo Educacional e Cultural. Este ensaio se dirige aos estudantes que cursam a disciplina Ciência Política e aos do curso de Relações Internacionais, bem como a todos aqueles preocupados com a busca de uma abordagem dialética materialista histórica dos fenômenos em curso. * É mestre em História das Sociedades Agrária pela UFG e professor da UCG e do CEFET-GO.

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Page 1: Quadro politico internacional

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O QUADRO POLÍTICO INTERNACIONAL APÓS O 11 DE SETEMBRO DE 2001

Walmir Barbosa*

APRESENTAÇÃO

O presente texto é um ensaio acerca das relações internacionais após os

atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 e da intervenção militar terrorista dos

Estados Unidos no Afeganistão. Como tal ele pretende proporcionar uma leitura do

quadro político internacional, de forma a buscar identificar algumas tendências das

relações internacionais no período histórico atual. Período que, a nosso ver, teve seu

início anteriormente ao 11 de setembro, ainda no governo Bill Clinton, mas que se definiu

claramente com a eleição de George W. Bush e os referidos atentados.

Este ensaio é a materialização de resultados do desenvolvimento do projeto de

pesquisa “Cenários possíveis das relações internacionais após o 11 de setembro de

2001”, aprovado junto a VPG/Coordenação de Pesquisa da UCG. O desenvolvimento do

referido projeto contou com a indispensável participação e colaboração de Lorena Martins

Rodrigues Alves, estudante do Curso de Direito da UCG, de Sebastião Cláudio Barbosa,

mestrando em educação pela UFG e de Paulo Faria, membro da organização não

governamental Coletivo Educacional e Cultural.

Este ensaio se dirige aos estudantes que cursam a disciplina Ciência Política e aos

do curso de Relações Internacionais, bem como a todos aqueles preocupados com a

busca de uma abordagem dialética materialista histórica dos fenômenos em curso.

* É mestre em História das Sociedades Agrária pela UFG e professor da UCG e do CEFET-GO.

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1. INTRODUÇÃO

Abro a janela, vejo o horizonte! Ando três passos

para ele, ele anda 30 passos para longe de mim.

Corro 30 kilômetros para ele. Ele dispara 300

kilômetros para bem longe de mim.

Mas para que serve a utopia?

Para caminhar!

Eduardo Galeano

A queda do Muro de Berlim em 1988 e o fim da URSS em 1991 marcaram o triunfo

dos Estados Unidos no âmbito da Guerra Fria. Este triunfo se materializou na proposta de

uma “Nova Ordem Mundial” por parte dos Estados Unidos ao final dos anos 80 e início

dos anos 90 do século XX. A “Nova Ordem Mundial” proposta pelos Estados Unidos,

tendo à frente o governo George H. Bush, consistia fundamentalmente nos seguintes

pontos (Fernandes, 2002):

a) os vários fóruns multilaterais do sistema ONU deveriam se transformar no núcleo

ordenador de uma nova ordem mundial mais estável no mundo. O objetivo seria o

de superar tensões e antagonismos por meio da mediação e/ou mecânica

jurídico/institucional do sistema ONU;

b) o Conselho de Segurança da ONU assumiria uma nova centralidade como foro de

negociação e resolução de problemas relacionados à paz e à segurança no

sistema político internacional. O objetivo seria estabelecer uma política de

pactuação entre as potências militares, de forma a convertê-las em guardiões e

gestores da ordem mundial;

c) os organismos econômicos do sistema ONU (FMI, Banco Mundial, OMC etc)

exerceriam o papel de “indutores” e “guardiões” dos mercados abertos. O objetivo

seria assegurar que os organismos econômicos sustentassem política, econômica

e tecnicamente orientações de forte conteúdo liberal.

A “Nova Ordem Mundial” proposta pelos Estados Unidos representava a busca por

coesionar a hegemonia norte-americana por meio de pactos de compromissos, isto é, a

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forma de exercício da hegemonia norte-americana que aglutinava de forma subordinada,

subalterna ou não, interesses e metas de outros países, Estados e capitais. Mas de fato,

representou uma forma de realimentar a hegemonia norte-americana em prejuízo de

todos os demais países, embora em qualidade e quantidade diferenciada.

Os Estados Unidos buscaram alcançar vários objetivos estratégicos no plano

econômico e no plano político-ideológico. No plano econômico a “Nova Ordem Mundial”

almejou, em primeiro lugar, conquistar e consolidar novos mercados de exportação para

produtos e capitais norte-americanos, de forma a compensar a retração da demanda

interna provocada pela contenção dos níveis salariais e de emprego criado pelo ciclo

recessivo de 1988/92 e pela elevação do custo do capital constante que se dava em parte

às custas do capital variável, em função da elevação dos novos custos tecnológicos que a

reestruturação produtiva1 legou da era Ronald Reagan. Em segundo lugar, viabilizar um

ambiente mundial de liberdade de movimentação favorável às corporações e bancos

norte-americanos, francamente beneficiados pela posição diplomática e militar vantajosa

dos Estados Unidos nas relações internacionais, em um contexto em que os mesmos

encontravam-se acossados pelas corporações e bancos europeus e japoneses. Em

terceiro lugar, assegurar que os organismos econômicos do sistema ONU (FMI, Banco

Mundial, OMC etc) permanecessem como verdadeiros prolongamentos do Departamento

do Tesouro dos Estados Unidos, de forma a usufruir das vantagens que o padrão dólar

proporcionava nas relações econômicas internacionais.

No plano político-ideológico a “Nova Ordem Mundial” almejou, em primeiro lugar,

afirmar a tese do “Fim da História”, isto é, o de que teria esgotado a possibilidade de

ocorrerem novas revoluções/transformações sociais e que teria sido consagrada a

eternização do liberalismo econômico e político moderno. Em segundo lugar, confirmar os

Estados Unidos como o guardião da nova ordem, cujas ações políticas e militares

estariam justificadas/legitimadas pelo sistema ONU.

A “Nova Ordem Mundial” proposta pelos Estados Unidos demonstrou ser capaz de

coesionar a hegemonia norte-americana por meio de pactos de compromissos e, dessa

forma, realimentá-la. No Brasil, por exemplo, assistimos, ao longo dos anos 90, os efeitos

desse novo projeto de hegemonia. No plano econômico ocorreu a abertura incondicional

1 Combinação da revolução técnico-científica e dos novos métodos de gestão produtiva iniciados nos Estados Unidos e na Europa na segunda metade dos anos 70, cujos desdobramentos no mundo do trabalho foram o desemprego e o subemprego, a flexibilização das legislações de proteção ao trabalho, entre outros. No Brasil a reestruturação produtiva teve início no governo Sarney (1985-89), mas se aprofundou nos governos de Collor (1990-92) e nos de Fernando Henrique Cardoso (1995-98) e (1999-02).

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da economia brasileira aos produtos e serviços importados, a entrada maciça de

empresas transnacionais e a subordinação do país aos organismos internacionais (FMI,

Banco Mundial e OMC). No plano político-ideológico ocorreu o avanço da idéia de que

transformações sociais não mais seriam possíveis, de que a globalização seria inevitável

e de que o país deveria se submeter à benevolente “Nova Ordem Mundial” sob liderança

dos Estados Unidos, o grande ganhador em todo esse processo.

A “Nova Ordem Mundial” proposta pelos Estados Unidos, todavia, despertou uma

crescente resistência. Esta resistência foi especialmente grande após a crise mexicana e

o seu prolongamento sistêmico em 1994.

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2. PACTO FORDISTA, ACUMULAÇÃO E CRISE

A crise do neoliberalismo tem gerado a

oportunidade para aprofundá-lo. Cortes nos

gastos sociais, reestruturação de empresas, altas

taxas de juros, baixos salários e amplos

programas de privatização melhoram os

indicadores macroeconômicos e pioram os

indicadores macrosociais.

James Petras

A compreensão da proposição, crise e esgotamento da “Nova Ordem Mundial” e do

caminho para uma ordem mundial não prevista, nos impõe identificar velhas e novas

determinantes que condicionam o momento atual do sistema do capital e do seu sócio-

metabolismo. Assume relevância especial a tentativa do sistema do capital de

repor/aprofundar o domínio sobre o mundo do trabalho e a crise de acumulação do

capital, bem como a tentativa de restabelecer uma taxa de acumulação que ultrapasse a

pura e simples reiteração econômico-produtiva, isto é, que ultrapasse a reposição das

estruturas, processos e dinâmicas econômicas sem, todavia, realizar a acumulação de

capital real. A superação da crise de acumulação, por meio de uma taxa de acumulação

elevada, no âmbito do sistema do capital, significa a imposição de formas ainda mais

brutais de exploração econômica, dominação política e opressão ideológica aos

trabalhadores e aos povos das regiões periféricas e semi-periféricas do capitalismo.

2.1. A crise do pacto fordista

Uma angústia e um mal estar tomou conta das grandes massas que compõe o

mundo do trabalho, povos oprimidos e setores médios formados por assalariados e

pequenos proprietários em todo o mundo. Em primeiro lugar, emergem aspectos como a

degradação acelerada das condições de trabalho, o desemprego estrutural, a

precarização do contrato de trabalho, a destruição/desarticulação do sistema de proteção

social, o ressurgimento da fome, das epidemias, da subalternidade da mulher. Em

segundo lugar, aprofundam-se aspectos como a decadência dos valores ético-morais em

níveis individuais e coletivos, a arrogância das classes possuidoras, a ostentação da

riqueza, o individualismo possessivo. Em terceiro, intensificam-se aspectos como os

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grandes acidentes ecológicos, o desmatamento nos continentes onde ocorrem grandes

florestas, a poluição dos mares. E, por fim, radicalizam aspectos como a imposição dos

países capitalistas centrais sobre países capitalistas periféricos e semi-periféricos, a

guerra entre Estados e intra-Estado, a criminalidade.

No Brasil essa realidade encontra-se expressa por meio de aspectos como o

endividamento interno e externo e a desnacionalização da economia, com a maciça

transferência de excedentes para os países centrais do capitalismo; a desagregação

social no espaço urbano, com o conseqüente crescimento da criminalidade e

generalização da pobreza; a deterioração do mundo do trabalho e das tradicionais

ideologias liberais ancoradas no “vencer na vida pelo trabalho”, com a relação

infantilizada da família com a escola; a expectativa de um acontecimento inusitado

(loteria, Big Brother, futebol, show do milhão, grupos de pagode etc) para a ascensão

social, ou o fracasso dessas expectativas como fator impulsionador do pentacostalismo.

Essa realidade não compõe um quadro nem singular e nem original em suas

formas. De fato, a história da sociedade capitalista e burguesa é marcada,

profundamente, por ela. Todavia, havemos de registrar que essas formas de

manifestação da sociedade capitalista e burguesa podem se apresentar intensas e

aceleradas em determinadas conjunturas e/ou períodos históricos. Em nossa perspectiva,

nos encontramos atualmente numa dessas conjunturas e/ou períodos históricos.

Encerrou-se o período histórico compreendido entre o pós-guerra, quando teve

início a Guerra Fria, e 1988/91, época da contra-revolução liberal no leste europeu e do

fim da União Soviética. Período esse marcado pelo pacto fordista, que consistiu numa

reação defensiva das classes dominantes dos Estados Unidos e da Europa Ocidental,

para fazer face à grande crise econômica depressiva que teve início nos anos 30, o

controle parcial/temporário do impulso reprodutivo incontrolável do sistema do capital, a

reconstrução européia e japonesa e a contenção das lutas de classes e da ameaça de

“sovietização” da Europa Ocidental.

As bases políticas do pacto fordista articulava empresários, partidos políticos,

tecnocratas, sindicatos, dirigentes e quadros das organizações operárias. Essas forças

políticas e sociais procuravam ocupar o Estado, ampliar o fundo público por meio de uma

política fiscal ampla e consistente e reorientar o fundo público, de forma a contemplar dois

grandes objetivos. De um lado, realizar as grandes compras, os financiamentos

produtivos, as pesquisas em ciência e tecnologia incorporadas às políticas

governamentais, o que significava aprofundar o papel do Estado como um instrumento

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estrategicamente necessário para viabilizar a acumulação de um capital que tendia para o

oligopolismo. De outro, para criar a rede de proteção social, a saúde pública, a melhoria

das condições de trabalho e existência dos trabalhadores. O que significava ampliar as

bases do ‘contrato social’ liberal-burguês e afastar o ‘perigo’ do socialismo, na medida em

que o Estado assumia outras perspectivas de classes além da própria perspectiva

burguesa e é claro, baratear o custo de reprodução da força de trabalho para o capital, na

medida em que transferia seus custos de reprodução, a exemplo daqueles vinculados à

saúde, educação e previdência, para o Estado.

Efetivamente ocorreu, ao longo do período, uma elevada acumulação do capital,

uma melhora significativa das condições de trabalho e uma consistente rede de proteção

social. Ocorreu, ainda, a crença de que o capitalismo poderia ser “domesticado” e

“civilizado”; de que se poderia coesionar as perspectivas do mundo do trabalho com as

perspectivas do sistema do capital; de que a caracterização, conduzida pela dialética

materialista histórica à ordem capitalista e burguesa, intrinsecamente exploratória,

destrutiva e parasitária, não se sustentava; e, por fim, de que a idéia da revolução social

não mais se justificava.

No Brasil tais processos, comandados pelo sistema do capital, não dispuseram das

mesmas reservas econômicas, políticas, ideológicas e sociais, em decorrência da

condição de país de capitalismo semi-periférico. Além da criação/expansão precária dos

sistemas previdenciário, de saúde e de educação públicos, ocorreu um enorme

intervencionismo estatal industrializante sob regimes liberais populistas, conservadores ou

ditatoriais, e uma hiper exploração do mundo do trabalho (no campo e na cidade), tendo

em vista financiar as transformações produtivas, sob a grade de ferro da dependência e

subalternidade e transferir excedentes para os países centrais do capitalismo via

endividamentos, remessas de lucros etc.

No final dos anos 70 e início dos anos 80 do século XX o pacto fordista começou a

ruir. As eleições de Margareth Thatcher, na Inglaterra e de Ronald Reagan, nos Estados

Unidos, representantes exemplares do ultraconservadorismo inglês e norte-americano,

evidenciava e testemunhava a crise do pacto fordista. Amparados em programas

ultraliberais, eles propunham políticas que materializavam aspectos como a

desregulamentação da economia, a privatização de empresas do setor público, a restrição

dos direitos trabalhistas e da rede de proteção social, a redução de impostos sobre o

setor produtivo, a abertura das economias nacionais.

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O pacto fordista ruía em face da crescente resistência da classe operária à

extração da mais-valia pelo sistema do capital, do acirramento da competição dos países

capitalistas centrais pelo mercado mundial e da tendência continuada de queda da taxa

média de lucro – ou queda da taxa média de acumulação do capital, relacionada a

aspectos como a elevação da composição orgânica do capital (composição entre os

capitais constante e variável), a própria luta da classe operária contra a extração da mais-

valia e pela ampliação das bases do ‘Welfare state’ e o acirramento da competição dos

países capitalistas centrais pelo mercado mundial. Mas o pacto fordista ruía, também,

devido ao afastamento conjuntural da ameaça ao capitalismo ocidental em decorrência do

declínio econômico da União Soviética e da ausência de ideologias socialistas

revolucionárias na subjetividade da classe operária e demais trabalhadores em

conseqüência do próprio pacto fordista. Configurava-se, portanto, um ambiente favorável

para a recondução do domínio incontestável do capital sobre o mundo do trabalho e para

a contenção da tendência de queda da taxa média de lucro do capital.

No Brasil tais processos coincidiram e se interpenetraram com a fase final da

transição conservadora da ditadura militar para o regime liberal conservador representado

pela “Nova República”. Sob a derrota do Movimento Pelas Diretas Já e das reformas

estruturais formuladas pelos movimentos sociais, por um lado, e do conluio liberal-

conservador do Colégio Eleitoral e da Assembléia Constituinte de 1987/88, por outro,

alcançavam-se diversos objetivos, a saber: a transição das bases jurídico-políticas da

ditadura militar para bases jurídico-políticas liberais clássicas; a derrota da resistência

operária e popular reconstruída no bojo da luta contra a ditadura militar e contra a

exploração do sistema do capital e a recondução do pleno domínio do sistema do capital

sobre o mundo do trabalho; o início da ofensiva liberal por meio da campanha política e

ideológica contra o serviço público, contra o socialismo, e o marxismo, e pela privatização

do setor público, abertura econômica para a entrada de mercadorias, serviços e capitais

financeiros especulativos e produtivos oligopolistas.

O mundo do trabalho por meio dos movimentos sociais, em especial o sindical,

começava a perder a dinâmica da luta de resistência em curso e que dava sinais de que

poderia se desenvolver para a conquista da iniciativa política, isto é, de que as forças

políticas e sociais do mundo do trabalho fizessem com que as forças políticas e sociais do

sistema do capital agissem defensivamente em face das suas ações políticas. Tal

processo foi consumado por meio do trauma sócio-político representado pela vitória

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eleitoral de Fernando Collor de Mello em 1989 e pelo desemprego estrutural, acarretado

pela reestruturação produtiva e pela crise econômica aprofundados a partir de 1990.

A tentativa de retomada da luta de resistência, numa qualidade superior, a exemplo

da greve dos petroleiros de 1995, também foi seguida de derrota política. Tal realidade

ampliou a ofensiva do sistema do capital- parcialmente representado pelas forças políticas

e sociais, expressas no governo Fernando Henrique Cardoso e na sua base de

sustentação política no Estado e na sociedade-, contra os direitos trabalhistas e pelo

arrocho salarial, maior subordinação da sociedade brasileira ao endividamento interno e

externo, a privatização das gigantescas empresas estatais etc.

O fim do pacto fordista restringiu os mecanismos políticos e econômicos de

controle parcial/temporário do impulso reprodutivo incontrolável do sistema do capital. Em

conseqüência, passamos a nos encontrar em um contexto de liberdade quase total do

capital para desenvolver e valorizar. Equivale dizer que a humanidade encontra-se quase

que totalmente sobre a lógica de impulso de reprodução incontrolável do sistema do

capital causadora da degradação das condições de existência das amplas massas; da

crise ético-moral que conquista novos terrenos na sociedade; do acirramento dos danos

ambientais, e da radicalização do imperialismo, entre outros tantos processos.

2.2. Nova onda de mundialização do capital

O sistema do capital somente pode ser compreendido a partir da categoria

‘contradição’ como uma oposição inclusiva. Capital versus trabalho, capital unitário versus

capital unitário, capital não monopolista/oligopolista versus capital

monopolista/oligopolista, capital produtivo (produtor de valor e de mais-valia) versus

capital comercial (capital empregado na intermediação e na distribuição) e capital

financeiro (capital monetário centralizado e concentrado) e vice-versa, capital de matriz

nacional versus capital de outra matriz nacional, e assim por diante. Esta contradição,

impulsionada pela luta de classes e pela competição no mercado, desencadeia um

movimento de reprodução anárquico e incontrolável que se materializa em contradições,

descompassos e conflitos entre produção e consumo e produção e distribuição (Chesnais,

1997, p. 15-17).

Com o fim do leste europeu e da União Soviética, o sistema do capital completou o

seu processo de mundialização pois se fez presente em todos os cantos do planeta, não

encontra nenhum tipo de sistema competidor ou desafiador em escala internacional e

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apresenta um entrelaçamento profundo, a partir dos grupos monopolistas/oligopolistas

com interesses assentados nos seus respectivos Estados. E se mundializou, ainda, no

sentido de que proletarizou/concentrou grandes contingentes de trabalhadores (operários,

desempregados, marginalizados, segmentos médios, assalariados etc)2 e estendeu as

relações de produção capitalistas sobre todo o mundo, ainda que coetaniamente tenha

preservado formas não capitalistas de produção.

A fase atual da mundialização do sistema do capital assumiu formas diversas e

inquestionáveis. Todavia, três formas se destacaram. Em primeiro lugar, a referida

mundialização ocorreu dirigida e controlada pelo capital monopolista/oligopolista, que se

utilizou das políticas de liberalização e desregulamentação. Estas políticas permitiram ao

capital monopolista/oligopolista avançar, por um lado, no domínio da moeda e das

finanças e, por outro, nas novas condições de trabalho e de contratação da força de

trabalho.

Em segundo lugar, a referida mundialização foi profundamente caracterizada pela

expansão inaudita do capital financeiro extremamente concentrado e centralizado. O

capital financeiro configurou, por meio das dívidas internas e externas, a principal forma

de transferência de mais-valia e renda dos Estados que compõe a periferia e a semi-

periferia capitalista para os Estados que compõe o centro capitalista, em especial os

Estados Unidos.

O capital financeiro configurou, ainda, uma dinâmica de reprodução circunscrita

dentro da esfera financeira, isto é, sem necessariamente interagir de forma subordinada

com o capital produtivo, como de fato ocorreu no início da industrialização, no final do

século XVIII e no estabelecimento do capitalismo monopolista no final do século XIX. O

capital financeiro procura, atualmente, compartilhar/disputar com o capital produtivo a

maior cota da mais-valia e renda socialmente produzida, seja na forma: de controle que

exerce sobre o fundo público por meio da dívida pública; de financiamento da expansão

mundializada do capital monopolista/oligopolista; de especulação em torno de ações e

títulos nas bolsas de valores; ou ainda das dívidas externas dos Estados.

A expansão, sem precedentes, das operações de capital que conserva a forma

especulativa (monetária) e se valoriza por apropriação de parte dos rendimento do capital

produtivo (produtor de valor e mais-valia), sem sair da esfera financeira, revela um grau

extremado do fetichismo das relações sociais do capitalismo contemporâneo. Marx havia

2 Ricardo Antunes utiliza o conceito “a-classe-que-vive-do-trabalho” para expressar os diversos tipos de trabalhadores que passaram a compor o mundo do trabalho, desde a elaboração de O Capital de Karl Marx.

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identificado a tendência histórica de parasitismo do capitalismo, em especial pelo

advento/expansão do capital especulativo. Segundo ele (Marx apud Chesnais, 1997, p.

18),

Embora não seja senão uma parte do lucro, isto é, da mais-valia que o capitalista ativo extorque do operário, o juro aparece agora [...] como o fruto propriamente dito do capital; inversamente, o lucro, que toma a forma de lucro de empresa, aparece como um simples acessório adicional, que é acrescentado durante o processo de reprodução. A forma fetichizada do capital e a representação do fetiche capitalista atingem aqui a sua apresentação mais acabada. A fórmula D-D’ representa a forma sem conteúdo do capital, a inversão e a materialização das relações de produção elevadas à máxima potência: a forma produtora de juro, a forma simples do capital em que ele é a condição prévia de seu próprio processo de reprodução; a capacidade do dinheiro, ou da mercadoria, de multiplicar o seu próprio valor, independentemente da reprodução, é a mistificação capitalista em sua forma mais brutal. É, portanto, no capital portador de juros que esse fetiche automático está claramente exposto: valor que se valoriza a si mesmo, dinheiro que engendra dinheiro; nessa forma, ele deixa de carregar as marcas de sua origem.

O capital financeiro passou a ser defendido por poderosas instituições financeiras

internacionais (FMI, BIRD etc) e por Estados hegemônicos na ordem internacional, em

especial os Estados Unidos.

Em terceiro lugar, a referida mundialização foi acompanhada da reestruturação

produtiva. O processo de reestruturação produtiva consistiu, de um lado, na revolução

tecnológica baseada na automação, nos microcomputadores e nos novos materiais.

Portanto, um novo padrão tecnológico intensificador da produtividade do trabalho foi

incorporado nos setores produtivos e de serviços. De outro lado, o processo de

reestruturação produtiva provocou a implementação de novos métodos de gestão em

substituição e/ou hibridagem com o método fordista de produção. Portanto, uma busca

pela intensificação do trabalho em termos quantitativos – trabalhadores produzem mais

aceleradamente e ampliando atribuições – e qualitativos – trabalhadores produzem sob

competências e habilidades novas, mais complexas e diversificadas.

A reestruturação produtiva proporcionou aspectos como a ampliação da mais-valia

relativa e, também, da absoluta, o que, objetivamente, reduziu o custo do capital variável

na composição do capital. Todavia, proporcionou também aspectos como o desemprego

estrutural, a flexibilização do mercado de trabalho, a subcontratação, a perda de direitos

trabalhistas.

A fase atual da mundialização do sistema do capital, em que pese a inexistência de

qualquer tipo de sistema competidor ou desafiador, em escala internacional, tenderá a

coexistir com formas de crescente resistência nascidas do mundo do trabalho em escala

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local, regional, nacional e internacional. Tal tendência encontra-se esboçada em

decorrência da queda das ilusões e das máscaras do denominado “socialismo real” e da

social-democracia, que, de fato, inicialmente representavam formas não capitalistas que

foram, progressivamente, se subordinando ao controle do sistema do capital, e da

liberdade de ação desse sistema e do seu sistema sócio-metabólico, que tem acirrado o

caráter explorador, destrutivo e parasitário do capital.

2.3. A mundialização do sistema de capital e o Estado O sistema do capital, que também se expressa como unidade diferenciada e

hierarquizada no plano da economia mundial, determina relações de rivalidade, de

dominação e de dependência política entre os Estados.

Primeiramente, porque os Estados fazem parte do sistema do capital, conforme

evidencia o caráter do Direito (leis, instituições e magistratura) e do Burocratismo (aparato

administrativo, modus operandi e burocracia). O Estado converte-se num pressuposto

político-jurídico e ideológico do domínio do sistema do capital.

Em segundo lugar, porque o Estado converteu-se num instrumento sem o qual a

acumulação de capital, na fase monopolista/oligopolista, não pode se realizar. As

compras públicas, o financiamento público, a dívida pública, as leis de controle do

trabalho são exemplos e testemunhos do papel (e a quem serve este papel)

desempenhado pelo Estado na atualidade.

Em terceiro lugar, porque o Estado cumpre o papel de organizador das relações de

rivalidade, de dominação e de dependência política no sistema de Estados. Ao definir a

hierarquia entre os Estados, define a posição de cada país no que tange aos capitais

especulativos, produtivos e comerciais, isto é, como dominantes (centrais) ou como

dominados (periféricos e semi-periféricos) no âmbito da referida hierarquia.

O realce assumido pelo Estado na fase monopolista/oligopolista do capital e que foi

aprofundado em face das novas realidades, permitiu aos Estados Unidos conhecerem

uma expansão inaudita da sua hegemonia nos anos 80 e 90 do século XX.

Primeiramente, assumiram uma posição privilegiada no plano internacional como única

superpotência militar do planeta, à medida em que se encaminhava a crise agônica e o

fim da União Soviética. Em segundo lugar, converteram-se no centro do capital financeiro

internacional. As maiores corporações financeiras e a base financeira do FMI e do Banco

Mundial compõe o dominante capital financeiro especulativo e parasitário norte-

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americano. Agregado a este capital, os Estados Unidos concentram as maiores

corporações produtivas e comerciais do planeta.

Os Estados Unidos possuem a capacidade de estabelecer regras de jogo sobre as

quais eles possam vencer e quebrar essas mesmas regras de jogo sobre as quais eles

possam perder, unilateralmente. Esta capacidade advém do padrão dólar, do domínio dos

organismos econômicos internacionais e da superioridade bélico-militar.

2.4. A crise de acumulação do capital A reação do capitalista em face de outro capitalista o obriga a intensificar o trabalho

e aumentar o rendimento por meio de novos equipamentos tecnológicos. O aumento do

custo do capital devido à elevação do capital constante é compensado pela redução dos

custos do capital variável, pelo aumento da escala de produção e pela elevação da

“qualidade” da mercadoria. Mas os preços das mercadorias dificilmente poderão ser

conservados, em decorrência dos demais capitalistas que, obrigatoriamente, terão que

seguir o mesmo exemplo, o que determina uma redução do custo médio das mercadorias

em função das disputas no mercado.

Esta tendência, em face da automação e da informática e dos novos métodos de

gestão da produção que gera o desemprego estrutural e que reduz a capacidade de

resistência do trabalho em face do capital, tem levado a uma queda da renda da família

média que vive de salários e dos pequenos proprietários urbanos e rurais. Agrega-se a

este quadro a transformação de uma parte importante da classe trabalhadora do planeta

em lumpem-proletário, isto é, em contingentes de trabalhadores que compõem

marginalmente, ou mesmo sequer compõem, o exército industrial de reserva. São os 2,8

bilhões de pessoas que se encontram na linha de pobreza e/ou miséria absoluta

(desqualificados, desempregados e degradados) em todo o mundo e que se transformam

em superpopulação relativa para o capital.

Esta realidade nos ajuda a entender um aspecto central da crise de acumulação

atual. O contínuo aumento da mais-valia em sua dimensão relativa, oriundo dos

investimentos de capital constante na forma de equipamentos tecnológicos mais

sofisticados, pressiona para a redução dos custos do capital variável (salários) na

composição orgânica de capital. A elevação dos custos do capital, constante na

composição orgânica de capital, tem ocorrido mais rapidamente não apenas devido à

elevação dos custos da nova tecnologia, mas também devido ao ciclo de renovação

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tecnológica ter sido reduzido pela competitividade globalizada. Estes custos têm se

apresentado extremamente elevados, mesmo quando os custos de capital variável tem

sido rebaixados, por meio da eliminação de direitos e conquistas dos trabalhadores.

Os problemas que decorrem imediatamente da crescente composição orgânica do

capital agravam os problemas ligados à realização do valor. O fosso que separa o

mercado real do mercado potencial de consumo de mercadorias e serviços tem se

ampliado. Observamos, atualmente, o crescimento dos contingentes de trabalhadores

(empregados, industrial de reserva e superpopulação relativa) que vivem uma retração do

consumo de mercadorias e serviços.

Este quadro foi agravado pela brutal concorrência inter-imperialista. Esta

concorrência intensificou sobremaneira a concorrência unidade capitalista versus unidade

capitalista, a concorrência entre unidades capitalistas no âmbito nacional e a concorrência

entre unidades capitalistas no âmbito internacional, de forma a turbinar os processos

acima descritos.

As pressões do capital financeiro internacional agravaram o quadro. Capital este

que subtrai parte do seu lucro do lucro do capital produtivo, de forma direta (financiamento

do capital produtivo por parte do capital financeiro) e de forma indireta (dívida pública que

vilipendia o fundo público para cuja composição também concorrem políticas fiscais que

atuam sobre o capital produtivo) além, é claro, do artificialismo monetário especulativo,

isto é, do lucro especulativo sem mediações produtivas e públicas.

Este contexto foi determinante no estabelecimento de uma curva descendente na

taxa de acumulação do capital. Esta curva teve início anteriormente a 1974/75, isto é, à

crise do petróleo e à conseqüente elevação dos custos gerais de produção e de capital e

à crescente resistência dos trabalhadores europeus a intensificação da acumulação

mediante a redução de salários, conquistas e direitos. A queda da taxa de acumulação do

capital somente apresentou uma certa estabilização nos anos 90, mas, ainda assim,

conservando uma taxa de queda média de 2% (Chesnais, 1997, p. 19).

Os capitalistas de cada grupo industrial e de cada país, bem como os Estados,

visto que também integram o sistema do capital, encontravam-se pressionados pela crise.

Encontravam-se pressionados, ainda, pela estagnação da demanda em termos absolutos

– isto é, pela estagnação da demanda geral - e pela retração da demanda em termos

relativos – ou seja, pela capacidade produtiva ampliada que, todavia, convive com um

elevado coeficiente de ociosidade.

Page 15: Quadro politico internacional

15

2.5. Acumulação de capital e economia armamentista

A economia armamentista, em especial nos Estados Unidos, assumiu proporções

imprevistas no pós guerra e se conserva no pós Guerra Fria. Ela absorve atualmente

entre 20% e 30% dos pesquisadores, cientistas e engenheiros, compromete dois terços

da totalidade do orçamento destinado à pesquisa, absorve em torno de 50% do

orçamento público federal, gera um faturamento anual de 1 (um) US$ trilhão e emprega,

direta e indiretamente, 15 milhões de pessoas (Coggiola, 1996, p. 204-206).

A economia armamentista é o maior responsável pelo desenvolvimento tecnológico

nos Estados Unidos. Se é fato que desde o final do século XIX, com o advento do

capitalismo monopolista, ocorreu um desenvolvimento correlacionado entre tecnologia

bélica e tecnologia civil no mundo capitalista, não é menos verdade que no pós-Segunda

Guerra, a tecnologia bélica antecipou e, na maioria dos casos, determinou o

desenvolvimento da tecnologia civil. Soluções tecnológicas como circuitos integrados,

supercondutores, satélites, aviões, diversos tipos de alimentos industrializados, surgiram

quase sempre dos programas bélicos dos Estados Unidos. Somente após a sua

incorporação bélica é que foram gradativamente transportados para a tecnologia civil

dentro e fora dos Estados Unidos.

A economia armamentista concorreu, ainda, para a mistificação da ciência e da

tecnologia. Construiu-se uma ideologia que valoriza e fascina o poder de controle, de

previsibilidade, de cálculo e de exatidão. O que é complexo e o que é renovado

constantemente assumiu um papel sedutor, em contraposição ao que é simples e o que é

perene, passou a, quase sempre, ser desprezado.

Todo esse poderio econômico, social e ideológico é comandado, nos Estados

Unidos, por uma tríade composta por 48 grandes empreiteiras (que monopolizam 64% da

fabricação bélica mundial), pelo Pentágono e pela elite científica. O poder econômico da

referida tríade se prolonga para a esfera política, exercendo uma influência determinante

na mídia, no meio acadêmico e no Estado. A tríade compõe-se, em parte fundamental, do

bloco do poder e dos círculos hegemônicos nos Estados Unidos.

O governo norte-americano atua dentro de um estrito “keynesianismo militar”:

define quem, como e em qual direção inovar a tecnologia bélica; programa as

transferências dessa tecnologia para a tecnologia civil; transforma as aquisições militar

em instrumentos de políticas anticíclicas de estímulo à demanda e emprego com profundo

Page 16: Quadro politico internacional

16

impacto em todas as cadeias produtivas; e tem nas exportações bélicas uma mercadoria

que atenua os desequilíbrios da balança comercial.

A mercadoria gerada pela economia armamentista proporciona a sua realização

como valor de troca, sem que, necessariamente, tenha que ser consumida. Quando

consumida, isto é, utilizada para destruir forças produtivas (consciência, força de trabalho,

estruturas econômicas e sociais, recursos naturais etc), é criadora de novas frentes de

expansão de capital, tendo em vista as reconstruções dos pós-guerras.

A economia armamentista, que assumiu uma posição estratégica na acumulação

da economia norte americana representa, ainda, um precioso instrumento imperialista. A

hiper-supremacia militar que ela proporciona aos Estados Unidos representa a espada da

hegemonia norte-americana sobre todos os demais países, isto é, uma ameaça a todos

aqueles que resistirem a abrir suas economias aos bens, serviços e capitais norte-

americanos; a dificultar o acesso norte-americano aos recursos naturais que o país

possui; e a cumprir os ‘contratos’ e ‘compromissos’ estabelecidos com o capital financeiro

norte-americano, na forma do pagamento das dívidas internas e externas.

A economia armamentista constitui-se, por sua vez, em uma fonte de desequilíbrio

fiscal do Estado norte americano e mobiliza fundos gigantescos cujos resultados

tecnológicos nem sempre podem ser absorvidos pela tecnologia civil. Todavia, as maiores

instabilidades econômicas estão relacionadas com a pressão sobre a taxa média de

lucros.

Conforme identificamos, a economia armamentista, ao se constituir em fator

impulsionador da economia capitalista para a mudança tecnológica, determina, ao mesmo

tempo, a elevação da composição orgânica do capital e a deterioração da proporção de

ganhos, em relação ao total do capital investido. Décadas de lucros continuados da

economia armamentista e a pronta oferta de tecnologia incorporada aos demais setores

da economia foram fatores responsáveis pelo declínio da média geral de lucros na

economia norte americana. Este fenômeno prolonga-se pelo conjunto da economia

mundial, visto que, com a mundialização globalizada e imperialista do sistema do capital,

todas as conquistas tecnológicas e os conseqüentes desdobramentos na composição

orgânica do capital, estendem-se de forma sistêmica, pelo conjunto do sistema.

Page 17: Quadro politico internacional

17

2.6. Iniciativas de contratendências à crise de acumulação do capital

A reação à tendência de queda da taxa de acumulação do capital é uma

característica do sistema do capital. Atualmente ela tem assumido diversas formas.

Primeiramente, tem levado capitalistas e Estados a aumentar a intensidade e a

duração do trabalho e a baixar o preço da força de trabalho, a promover a precarização

do trabalho e o desemprego estrutural, bem como reduzir a participação dos

trabalhadores no orçamento público. Tal realidade representa, respectivamente, a

redução do capital variável na composição orgânica do capital e a ampliação do Estado,

como um instrumento da acumulação do capital por meio do vilipendiamento do fundo

público, de forma direta (dívida pública) e de forma indireta (financiamento).

Tal processo possui conseqüências graves no conjunto da sociedade. A erodização

das bases do trabalho representa um processo de erodização das bases da sociedade,

cujos desdobramentos se estendem da criação/expansão da população relativa do capital

à criminalidade e crise ético-moral.

Em segundo lugar, tem determinado um processo de intensa concentração de

capital. São aquisições e/ou fusões de empresas e grupos, mas que não pressupõe,

necessariamente, aumento do capital produtivo investido. A forma acima descrita, da

concentração de capital, se tornou uma maneira de o capital, suficientemente

concentrado, combater a queda da taxa média de lucro, absorvendo outras empresas, de

forma a reunir/integrar os mercados. Por outro lado, permite, eventualmente, integrar

alguns elementos da capacidade de produção e de pesquisa tecnológica dessas últimas,

mas desmantelando-as em grande parte.

Observa-se, ainda, que esta concentração tem assumido a forma de cartelização

econômica. Os grupos e empresas de capital produtivo e comercial têm buscado explorar

o poder econômico, resultante da sua própria dimensão, isto é, o poder de monopólio

(poder de produção e de controle de mercado) e o de “monopsônio” (poder de

comprador). Esta última característica tem se materializado em inúmeros acordos de

terceirização e de cooperação empresarial normalmente desigual, de forma a permitir o

surgimento das denominadas “empresas-rede”.

A empresa-rede é, de fato, uma empresa dominante que possui uma enorme

capacidade de se articular, incorporar e apropriar, pelo seu tamanho e poder de mercado,

da mais-valia e da renda criada coletivamente no seio de uma rede de empresas que

Page 18: Quadro politico internacional

18

trabalham em conjunto. Isto evidencia que o caráter parasitário do capital não se reduz,

absolutamente, ao capital financeiro.

É importante realçar, ainda, que o fato da base fundamental do capital produtivo

encontrar-se na produção, não o impede de, também, se reproduzir como capital

financeiro, isto é, especulador, a exemplos dos bancos de propriedade de empresas e

grupos econômicos e como capital comercial, isto é, na distribuição/circulação das

mercadorias, a exemplo da comercialização on-line com o setor comercial das

corporações. O capital produtivo pode, também, tomar iniciativas como a emissão e

especulação com ações e títulos e a criação de instituições para financiar a demanda dos

bens por ele produzidos.

Em terceiro, tem desencadeado o aprofundamento do desperdício do capitalismo.

Para além do consumismo observa-se a redução da vida útil dos bens, denominada taxa

decrescente de utilização ou obsolescência programada dos bens. A redução da vida útil

dos bens, como um todo, ou de componentes substituídos dentro de uma programação,

reflete os problemas advindos da realização do valor (distribuição e consumo), o que tem

conduzido o sistema de capital a radicalizar o desperdício.

O desperdício na forma da taxa decrescente de utilização, ou obsolescência

programada dos bens, aprofunda os problemas da realização do valor, que, em princípio,

foi acionado para atenuar e/ou resolver. Isto porque a redução do ciclo de vida útil dos

bens, acompanhado do crescente valor agregado (custos tecnológicos elevados) aos

mesmos, impõe ao sistema do capital uma distribuição regressiva de rendas na

sociedade. Portanto, sob a manta da distribuição injusta de renda, há, de fato, a lógica

perversa do capital, da extração da mais-valia às condições politicamente criadas para a

realização do valor.

Em quarto lugar, a reação a tendência de queda da taxa de acumulação do capital

tem conduzido a uma crescente “presença” dos países centrais em regiões que possuem

recursos naturais que podem concorrer para a redução ao custo de reprodução do capital,

a exemplo das reservas de petróleo, de minérios estratégicos e de biodiversidade. Esta

“presença”, que pode assumir uma forma de domínio direto ou indireto, que se expressa

como assuntos da diplomacia, do direito e da guerra, nada mais representa do que

iniciativas do sistema do capital num contexto de crise de acumulação.

Em quinto, tem aprofundado o papel que a indústria armamentista e a guerra

ocupam no capitalismo. A indústria armamentista é, por excelência, a indústria do

desperdício, do valor de troca que se realiza sem que necessariamente tenha que ser

Page 19: Quadro politico internacional

19

consumido. Indústria que, para tanto, exige que o Estado mobilize o fundo público para a

realização comercial dos seus bens, na forma do armamentismo, sob corrida bélica entre

os Estados ou não. A guerra, por sua vez, assegura novas frentes de reprodução do

capital sob a própria destruição de forças produtivas, bem como assegura o domínio do

mundo do trabalho e de povos, por parte do sistema do capital.

Enfim, a reação à queda da taxa de acumulação do capital assume diversas

formas. Todavia, são formas que, se de um lado, asseguram a continuidade da

reprodução do sistema do capital por meio do próprio aprofundamento da exploração, do

desperdício e da destruição, de outro aprofunda as próprias contradições sobre as quais

ele se reproduz.

2.7. Crise e tendência de incontrolabilidade do sistema do capital Durante a fase da revolução industrial o capital produtivo foi capaz de subordinar o

capital comercial e o capital financeiro à lógica do capital produtivo. Atualmente

constatamos que o capital comercial, altamente concentrado, readquiriu a capacidade de

se colocar como rival do capital produtivo. Ele tem tido poder de determinar, em grande

medida, o tipo de produção de bens de consumo final, bem como de recolher uma parte

importante da mais-valia, mediante o controle eficaz do final da cadeia de realização do

valor (da distribuição ao acesso ao mercado). Constatamos, ainda, que o capital

financeiro, altamente centralizado, tende a se impor crescentemente sobre o capital

produtivo, de forma a controlar a sua reprodução a médio e, possivelmente, num futuro

não muito distante, a curto prazo. Abocanha, assim, uma gigantesca parcela da mais-valia

e do sobre-trabalho, socialmente produzido, e amplifica o fetiche ilusório de que o dinheiro

teria o poder de criar valor.

A mundialização do sistema do capital, sob a forma da concentração do capital

produtivo e comercial, da centralização do capital financeiro e da financeirização da

economia, tende a determinar a homogeneização dos ritmos de acumulação entre todas

as empresas e grupos econômicos. Este fenômeno se estende também por toda a

economia, por exemplo, dos países dominantes. De fato, o Japão perdeu seu ritmo de

acumulação e se aproximou da Europa, em especial, a partir de meados dos anos 90. Os

Estados Unidos, após os sete anos de ciclo econômico expansivo, em grande medida

artificial e especulativo - artificial porque não redefiniu a matriz tecnológica e energética e

porque se beneficiou da intensificação de consumo às custas de déficits comerciais e

Page 20: Quadro politico internacional

20

públicos e do endividamento da família média norte-americana; e especulativo porque

maquiou o desempenho e faturamento de empresas, responsáveis pela ampliação

criminosa do valor patrimonial das empresas e grupos econômicos – convive com uma

queda do ritmo de crescimento econômico e com a tendência de nivelação com os ritmos

de crescimentos econômicos da Europa e do Japão.

A mundialização do sistema do capital tende a determinar, ainda, que as empresas,

grupos econômicos e países lancem mão de todos os instrumentos que possam atenuar a

tendência de queda dos ritmos de acumulação. Instrumentos que serão aplicados de

forma agressiva contra os trabalhadores, povos e países dependentes (periféricos e semi-

periféricos), visto que a própria tendência de homogeneização dos ritmos de acumulação,

entre todas as empresas, grupos econômicos e países dominantes, constitui, em si

mesmo, um fator intensificador da agressividade.

Page 21: Quadro politico internacional

21

3. A RESISTÊNCIA À “NOVA ORDEM MUNDIAL”

Há razões bastante substanciais para a oposição

disseminada em todo o mundo contra a forma,

típica da globalização, de “direitos do investidor“

que vem sendo imposta.

Noam Chomsky

A proposição da “Nova Ordem Mundial” neoliberal e globalitária, sob hegemonia

dos Estados Unidos, cujos objetivos estratégicos eram buscar condições favoráveis para

aprofundar o domínio do sistema do capital sobre o mundo do trabalho e para superar a

crise de acumulação do capital, passou a orientar a agenda política internacional, de

forma definitiva, após a queda do leste europeu, a Guerra do Golfo e o fim da União

Soviética. Em contrapartida, passou também a enfrentar crescentes resistências em todo

o mundo, a partir de meados dos anos 90, do século passado.

Em primeiro lugar, países capitalistas centrais passaram a resistir a processos

como o avanço das forças econômicas dos Estados Unidos nos novos mercados por meio

da nova onda de mundialização das corporações e bancos norte-americanos; da

conservação de políticas protecionistas na economia norte-americana, em franca

contradição com a pressão que os Estados Unidos realizavam pela redução das barreiras

comerciais dos outros países; da imposição por parte dos Estados Unidos de acordos

comerciais amplamente favoráveis ao país do Tio San junto a países capitalistas

periféricos e semi-periféricos em prejuízo da Europa/Japão; da condução de espionagens

econômico-financeiras, por meio dos sistemas de comunicação/informação centrados nos

Estados Unidos viabilizando informações privilegiadas, favoráveis a empresas norte-

americanas, nas disputas de contratos comerciais etc.

Um segundo fator é o fato de os Estados Unidos passarem a enfrentar oposição de

países capitalistas semi-periférico como a Rússia, Índia, China e Brasil. Estes países

passaram, em que pese a variação de intensidade, a resistir aos processos como: o

protecionismo dos Estados Unidos; aos posicionamentos favoráveis a eles emitidos pela

Organização Mundial do Comércio (OMC); à pressão do Departamento de Tesouro dos

Estados Unidos no tocante à forma de gestão das dívidas internas e externas, dos países

devedores; à imposição, por parte do maior país da América, de concessões econômico-

comerciais em favor da economia norte-americana.

Page 22: Quadro politico internacional

22

Um terceiro fator que determinou o enfrentamento de crescentes resistências à

Nova Ordem Mundial proposta pelos Estados Unidos foi a oposição de movimentos

sociais, a exemplo do movimento “antiglobalização neoliberal”, das diversas vertentes do

fundamentalismo islâmico, do movimento indígena/campesino de Chiapas. Estes

movimentos passaram a resistir a processos como a destruição de postos de trabalho nos

países periféricos e semi-periféricos, a desarticulação econômico-social de comunidades

locais, o avanço inaudito do padrão cultural, representado pelo “American way of life”.

Page 23: Quadro politico internacional

23

4. CRISE DA “NOVA ORDEM MUNDIAL” E ORDEM MUNDIAL INDEFINIDA

Estados e capitais das grandes potências sempre

competiram entre si e atuaram como oligopólios

em relação aos adversários externos. Devido a

isso se transformaram em máquinas de guerra

para se reorganizarem como um novo super

capitalismo.

José Luís Fiori

A “Nova Ordem Mundial” deu sinais de crise no final dos anos 90. De um lado, em

decorrência da crescente resistência de países e dos movimentos sociais à referida

ordem mundial. De outro, em decorrência do comportamento político dos Estados Unidos

no âmbito das relações internacionais, caracterizado por uma crescente agressividade.

Servem como testemunhas os intensos bombardeios norte-americanos na “área de

exclusão militar” do Iraque em 1998; a presença norte-americana nos Bálcãs, por meio do

bombardeio da Iugoslávia e da ocupação militar da região do Kosovo pelas forças

multinacionais, lideradas pelas forças norte-americanas em 1999; o aprofundamento da

presença dos Estados Unidos no conflito da Colômbia; o ataque, ocupação e

estabelecimento de um Estado títere no Afeganistão, em 2001.

Silenciosamente os Estados Unidos (e os países e movimentos sociais que

assumem oposição à política externa norte-americana) terminaram por, se não enterrar os

referenciais que haviam orientado a criação da chamada “Nova Ordem Mundial”, colocá-la

- a Nova Ordem Mundial - em um plano de menor relevo. Tal processo assumiu maior

visibilidade no segundo mandato do governo Bill Clinton (1997-2000).

Todavia, foi com a chegada dos republicanos ultraconservadores ao governo -

com George W. Bush à frente - que o novo eixo estruturador da política externa dos

Estados Unidos ficou consolidado. Os elementos que assumem centralidade no referido

eixo estruturador dessa política são o unilateralismo flexível – que permite a

materialização da ação política, por meio da opção da prática de supremacia, isto é, de

uma política na qual os interesses e metas dos países subordinados encontram pouco

espaço de convergência, negociação e pactuação em relação aos interesses e metas

norte-americanas – e a lógica da força – que desloca a lógica da persuasão/consenso em

favor de uma lógica estrita de força (coação e violência), na medida em que tal prática

encontra-se coerente com a opção da prática política de supremacia.

Page 24: Quadro politico internacional

24

Esse novo eixo passou a perseguir dois objetivos políticos. O primeiro deles foi

impedir a formação e/ou consolidação de centros de poder que poderiam vir a ameaçar os

interesses norte-americanos. Isto significa a tentativa de repor a condição de única

superpotência em escala internacional e a de afirmar a sua hegemonia em escala

regional, respectivamente, em relação aos demais países de capitalismo central (em

particular França e Alemanha que lideram a Europa Unificada e Japão) e em relação aos

países de capitalismo central e semi-periférico. O segundo objetivo perseguido foi

preparar-se para recorrer a todos os instrumentos de força à sua disposição para alcançar

essas metas – inclusive a utilização ofensiva de armas nucleares.

O novo eixo estruturador da política externa dos Estados Unidos assumiu

contornos mais precisos, após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 nas

duas torres gêmeas, que compunham o World Trade Center, e no Pentágono e que

culminou com a intervenção armada norte-americana no Afeganistão. Após o governo dos

Estados Unidos realizar o estabelecimento da ligação do regime político fundamentalista

islâmico, sustentado pelas milícias Taleban, no Afeganistão, com a rede terrorista Al

Qaeda, suposta articuladora dos referidos atentados, ele permitiu a construção do fato

político necessário para que os ensaios do novo eixo estruturador da política externa dos

Estados Unidos, presentes na recusa em assinar o protocolo de Kyoto, na retirada da

conferência contra o racismo em Durban e na retomada do projeto “Guerra nas Estrelas”,

pudesse apresentar uma materialização exemplar e justificável.

No plano externo, o novo eixo de política externa dos Estados Unidos assumiu

como suas características:

a) a transformação da chamada “guerra contra o terrorismo” no tema dominante da

sua política externa;

b) a definição imprecisa do que venha a ser “terrorismo”, “terroristas” e “guerra contra

o terrorismo”, de forma a permitir a contínua “eleição” de novos alvos, segundo a

conveniência política do momento;

c) a indefinição do período de duração da campanha de “guerra contra o terrorismo” e

a afirmação unilateral de que ela será prolongada, o que redefine o conceito de

guerra e coloca sobre o mundo a “espada de Dâmocles” norte-americana, a única

potência que se acha capaz de definir o que venha a ser “terrorismo”, “terroristas” e

“guerra contra o terrorismo” ;

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25

d) a construção de “coalizões” internacionais em torno dos objetivos geopolíticos dos

Estados Unidos, de forma a estabelecer alianças e parcerias ad hoc pontuais e

seletivas, construídas por meio de acertos bilaterais, segundo as prioridades

variáveis da sua agenda externa, de um lado, e de outro, a sacrificar a

consolidação de um sistema multilateral de segurança coletiva;

e) a territorialização das ações militares, isto é, a retomada dos objetivos geopolíticos

de controle direto (econômico e militar), indireto (econômico e político) e misto

(econômico, político e militar) de povos e países, de forma que recuperam

modalidades de domínios territoriais referenciados no imperialismo do final do

século XIX e início do século XX, a exemplo da ocupação político-militar do

Afeganistão pelos Estados Unidos e forças aliadas e da recente ocupação político-

militar do Iraque, pelas forças anglo-americanas, com a formação,

respectivamente, do governo títere de Karzai, e do governo militar/civil de norte-

americanos e elites iraquianas;

f) a materialização de ações político-diplomáticas e militares na forma de uma

“cruzada” pseudo laica entre o “bem”, a “democracia”, a “civilização” contra,

respectivamente, o “mal”, a “tirania”, a “barbárie”, tão bem representada pela

célebre frase do presidente norte-americano George W. Bush, segundo o qual

“quem não está conosco esta contra nós”.

No plano interno, o novo eixo de política externa dos Estados Unidos assumiu

como suas características:

a) a redefinição da estratégia de segurança nacional, com a restrição dos direitos e

liberdades civis dos cidadãos norte-americanos em geral;

b) o controle eletrônico ostensivo por parte do aparato de segurança sobre a esfera

privada e a autorização para a violação de correspondência dos cidadãos norte-

americanos ou estrangeiros residentes nos Estados Unidos;

c) a autorização para a condução de prisões e interrogações de cidadãos

estrangeiros sem acusação prévia e mesmo sem qualquer prova de envolvimento

com o “terrorismo” ou mesmo com “agressores” dos interesses norte-americanos;

d) o julgamento de militares norte-americanos somente será realizado por tribunais

militares norte-americanos;

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26

e) o controle de massas com repressão às manifestações de movimentos e

organizações norte-americanas contra a política externa dos Estados Unidos, a

exemplo da repressão ao protesto contra a guerra, no último dia 15 de fevereiro de

2003, em Nova York.

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27

5. DETERMINANTES IMEDIATAS DO NOVO EIXO DE POLÍTICA EXTERNA DOS ESTADOS UNIDOS

O direito internacional deve ser obedecido sempre

que possível; mas a ação unilateral se justifica

sempre que necessária para garantir os

interesses.

Bill Clinton

O novo eixo de política externa dos Estados Unidos possui determinantes mediatas

e imediatas. As determinantes mediatas são as determinantes profundas, correlacionadas

com a reposição do domínio do capital sobre o mundo do trabalho e a crise de

acumulação de capital, conforme já identificamos. As imediatas são as formas concretas e

próximas assumidas pelas determinantes mediatas, no período e/ou conjuntura histórica.

Identificá-las nos permite compreender melhor o terreno a partir do qual o referido eixo se

construiu, bem como compreender as contradições e tendências do mesmo.

5.1. Crise recessiva, desemprego e eleições

A recessão mundial possui, como uma das suas raízes, o processo de valorização

artificial de ativos financeiros. Processo esse que vem se desenvolvendo desde o início

dos anos 80, sob a pressão de ideólogos e de especuladores de organismos financeiros

internacionais como FMI e Banco Mundial, quando foram sendo eliminadas as

regulamentações que controlavam e segmentavam o mercado financeiro.

A globalização e a liberalização de capitais construiu uma economia mundial mais

interdependente e caracterizada pelo parasitismo e pela especulação financeira. Os riscos

de “contaminação” nas crises capitalistas, isto é, os riscos de crises capitalistas

sistêmicas, aumentaram.

Os sete anos de prosperidade do governo Bill Clinton legaram um endividamento

das famílias médias norte-americanas. Durante o governo Clinton a renda familiar foi

elevada e os juros ficaram baixos. A família média norte-americana intensificou o

consumo e adquiriu títulos e ações, negociadas nas bolsas de valores dos Estados

Unidos. Com rendas familiares robustas e as ações e títulos aquecidos, o peso da dívida

privada familiar ficou relativizada.

Todavia, com a chegada da recessão vieram o desemprego, a renegociação de

contratos de trabalho desfavoráveis aos trabalhadores, a redução da participação nos

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28

lucros e prêmios produtivos, o que reduziu a renda familiar. A ação anti recessiva do

Federal Reserve (FED), por meio da redução dos juros, aliviava-se o crescimento relativo

da dívida privada familiar, mas não em termos absolutos, visto que o montante ficou

demasiadamente elevado. Por outro lado, os escândalos envolvendo a maquiagem de

faturamento das corporações econômicas, em especial da chamada “nova economia”,

jogaram por terra o valor patrimonial das empresas e, por conseqüência, das suas ações.

Isto representou um golpe na economia privada familiar, com uma redução da riqueza

patrimonial, um intenso endividamento da família média norte-americana e uma queda da

renda familiar. George W. Bush assumiu o governo nesse contexto.

O governo George W. Bush tem buscado mostrar aos norte-americanos que está

preocupado com a economia, tanto quanto está preocupado com a “guerra contra o

terrorismo”. Em diversas oportunidades tem abordado o problema da recessão e se

comprometido em atacar o desemprego.

As questões da recessão e do desemprego constituem-se em temas sensíveis

politicamente, em qualquer processo eleitoral de massas. Todavia, ocupam uma

sensibilidade ímpar na atual realidade política dos Estados Unidos, visto que este tema

desperta mais atenção dos norte-americanos do que a própria guerra.

Isso é conseqüência das fraturas políticas entre republicanos e democratas. Estas

fraturas fizeram-se presentes nas articulações e tentativas de impeachment, conduzidas

pelos republicanos contra o ex-presidente Bill Clinton. Fizeram-se presentes, ainda, na

vitória de George W. Bush com evidências de manipulações e fraudes, conduzidas por

seu irmão e governador do Estado da Flórida, já que foi a vitória eleitoral naquele estado

que garantiu, ao então candidato, uma pequena maioria no colégio eleitoral que o tornou

presidente. O consenso construído atualmente em torno da “guerra contra o terrorismo”,

que parece se constituir em uma política de estruturas profundas, isto é, em política de

Estado e não de governo, não atenuará as contradições entre republicanos e democratas,

salvo em conjunturas de maior tensão provocadas pela política externa dos Estados

Unidos.

Outra conseqüência é o fato de a composição da câmara dos deputados e do

senado, do país em questão ter se constituído sob um empate técnico entre republicanos

e democratas. O que significa que as iniciativas parlamentares e a tramitação de projetos

e/ou projetos-lei conduzidos pelo executivo tenderão a encontrar grandes resistências nas

duas casas do congresso norte-americano, em especial no que tange à redução fiscal, em

favor de empresas e grandes fortunas e à orçamentária, em prejuízo de programas

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29

sociais (mas em favor da ampliação de investimentos no setor militar e na segurança

interna).

Uma terceira conseqüência determina que esta realidade é intensificada pela

seqüência de eleições legislativas, que anualmente ocorrem em diferentes Estados da

federação. Isso significa que se trata de um sistema político-eleitoral no qual as eleições

não dão descanso e cada conjuntura poderá ser explorada eleitoralmente de forma mais

imediata, com significativo impacto na composição das forças sociais e políticas do

congresso dos Estados Unidos.

E, por fim, as questões de recessão e desemprego despertam tanto a atenção dos

norte-americanos visto que ainda está presente o destino político sofrido pelo governo de

George H. Bush no início dos anos 90, quando elevada popularidade obtida com a Guerra

do Golfo compartilhava a conjuntura como o início de uma grande recessão. Ao término

de dois anos essa recessão havia arrasado com a popularidade que o então presidente

acumulara com a guerra e conduzia os democratas, com Bill Clinton à frente do governo,

por dois mandatos. De outro lado, é ainda forte as lembranças do ciclo econômico

virtuoso de sete anos de prosperidade e crescimento econômico, vividos nos governos

democratas de Bill Clinton, o que representa um fantasma sob a gestão republicana.

Enfim, a continuidade da recessão pode provocar em uma parte importante do eleitorado -

menos ideológico e mais sensível ao humor variável das taxas de emprego e

comportamento da renda familiar - uma correlação entre os democratas, que podem

passar a ser reconhecidos pelos eleitores como privilegiadores do crescimento

econômico, do emprego e da expansão da renda familiar, e os republicanos, como

privilegiadores dos gastos militares, dos assuntos externos e dos ricos.

A “guerra contra o terrorismo” interessa ao governo republicano de George W.

Bush como um bode expiatório internamente ao país para escamotear: a recessão e seus

efeitos; a redução dos impostos sobre lucros das grandes empresas e grandes fortunas; o

aprofundamento do controle do Estado sobre a população civil, entre outros fatores.

Todavia, a eficácia desta iniciativa depende, em grande medida, da capacidade desse

governo de administrar sua tênue necessidade “preparar” os norte-americanos para novas

ameaças terroristas, sem aterrorizá-los em demasia, de maneira a preservar o apoio

político-eleitoral, de um lado, e de construir a idéia de que o que se faz agora – guerra e

domínio direto e indireto norte-americano em regiões estratégicas – seria um preço a ser

pago para um futuro de paz e prosperidade sem que os sacrifícios sejam demasiados, de

outro.

Page 30: Quadro politico internacional

30

5.2. Estados Unidos e o petróleo

A busca do controle de parte das maiores reservas de petróleo do planeta é o que

norteia a política estratégica dos Estados Unidos nas regiões do Golfo Pérsico e da Ásia

Central. A guerra contra o Afeganistão, que não é produtor de petróleo, decorreu da sua

localização estratégica para a exploração do precioso bem, na região da Ásia Central por

ser um país de passagem entre o Oriente Médio e a Ásia Central. A mais recente guerra

contra o Iraque, que produz atualmente 10% do tão disputado combustível no contexto

mundial, já decorre da necessidade de controle direto dessas reservas.

Os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 serviram como pretexto para

que os Estados Unidos realizassem uma intervenção militar nas regiões do Golfo Pérsico

e da Ásia Central, como parte da criação das condições geopolíticas para o controle de

parte das maiores reservas de petróleo do planeta. A viabilidade desta estratégia depende

da construção de sólidas bases militares nas referidas regiões.

Os Estados Unidos são os maiores consumidores de petróleo e encontram-se

fortemente dependentes da sua importação. O país possui 4,2% da população mundial,

produz 9,8% do petróleo mundial, mas consome 25,6% do mesmo (Fonte: ENI, 2001.).

O orçamento de petróleo dos Estados Unidos é de aproximadamente 200 bilhões

de dólares anuais. Os gastos militares atuais, próximos dos US$ 400 bilhões, também

compõem, indiretamente, os gastos demandados para assegurar o controle de parte das

maiores reservas petrolíferas do planeta.

A Lei de Política Energética dos Estados Unidos de 1992 instituiu estoques

estratégicos para garantir o funcionamento do sistema econômico, em caso de uma

interrupção das rotas e fluxos de petróleo, de forma que o governo teria um espaço de

tempo para agir. Concluída a desobstrução, via militar ou não, as rotas e fluxos de

transporte do mesmo e do acesso aos campos de produção do combustível, em especial

do Oriente Médio, estariam assegurados.

Os estoques estratégicos norte-americanos representam 2,8% das reservas

estocadas no mundo, o que garantiria o seu consumo por apenas quatro anos. Portanto,

este seria o espaço de tempo para o país agir.

Os Estados Unidos, a exemplo da Europa e do Japão, dependem do acesso

permanente aos recursos petrolíferos de outras regiões, especialmente do Oriente Médio.

O modo de produção e de acumulação do capital opera sob uma economia do consumo e

Page 31: Quadro politico internacional

31

do desperdício, cuja matriz energética ainda hoje são os combustíveis fósseis. O petróleo

encontra-se, portanto, no centro das relações de acumulação do capital.

O maior ou menor custo para o acesso às concorridas reservas ao petróleo pode

também determinar modificações no desenho político-econômico dos países de

capitalismo central, visto que esse acesso compõe o custo de reprodução do capital. A

elevação do custo do petróleo para a Europa e o Japão, em decorrência da posição

favorável dos Estados Unidos no que se refere ao controle do mesmo pode elevar custos

de produção e de comercialização na Europa e no Japão em relação aos Estados Unidos,

reduzir a competitividade industrial/comercial e, no limite, reduzir a taxa de acumulação do

capital no conjunto da economia deste continente e deste país. As bases sobre as quais

estão assentadas a acumulação do capital, por exemplo, o custo energético, pode

determinar a erosão, conservação e fortalecimento de hegemonias. Portanto, o custo do

petróleo ou o valor econômico que ele representa numa dada conjuntura não reflete em

absoluto o papel estratégico na reprodução do capital. Não considerar o papel que o

“objeto do desejo” ocupa nas relações políticas e, em especial nos conflitos e guerras, é

omitir cinicamente a sua profunda importância no processo de reprodução do capital.

Em que pese o papel que o petróleo ocupa no processo de redução do capital e o

custo para a sua extração, transporte beneficiamento, o seu preço é definido em termos

que ultrapassam a dimensão econômica imediata, isto é, ele é, em grande medida,

político. Representa a síntese momentânea da correlação de forças – relações inerentes

ao mercado cartelizado, a estratégias e pressões corporativas, ao poderio militar – dos

interesses envolvidos na apropriação de sua renda e de seus benefícios. Interesses que

podem ser de empresas, grupos econômicos e Estados.

Os principais produtores de petróleo do mundo em milhões de barris/dia são: 1º

Arábia Saudita: 8,5; 2º Estados Unidos: 8,1; 3º Rússia: 7; 4º Irã: 3,8; 5º México: 3,6; 6º

Noruega: 3,4; 7º China: 3,3; 8º Venezuela: 3,1; 9º Canadá: 2,7; 10º Emirados Árabes

Unidos: 2,6 (Fonte: ENI, 2001).

As maiores reservas comprovadas de petróleo em bilhões de barris se encontram

nos seguintes países: 1º Arábia Saudita: 262; 2º Iraque: 113; 3º Emirados Árabes Unidos:

98; 4º Kuwait: 97; 5º Irã: 90; 6º Venezuela: 78; 7º Rússia: 49; 8º Líbia: 30; 9º México: 27;

10º Nigéria: 24. Mas, segundo as fontes esses dados podem ser superiores (Fonte: ENI,

2001).

A ação militar sobre o Iraque, a exemplo da ação militar sobre o Afeganistão,

poderá desencadear oscilações nos preços, em especial no contexto de uma resistência

Page 32: Quadro politico internacional

32

civil-popular à ocupação. Historicamente os picos de preços do petróleo sempre foram

acompanhados por crises político-militares no oriente médio. Mas os instrumentos de

regulação político-econômico-militar dos Estados Unidos e da Europa poderão manter os

seus valores dentro de faixas toleráveis aos seus próprios interesses.

Os Estados Unidos, que produzem 40% e importam 60% de todo o petróleo que

consomem, têm, portanto, na questão deste combustível um tema estratégico da sua

política externa. Tal importância é amplificada em face da distante realidade da transição

para uma outra matriz energética e do lobby das grandes corporações petrolíferas norte-

americanas junto às políticas de Estado e governamentais daquele país. Esta realidade

tenderá a assumir um sentido dramático à medida em que nas próximas duas ou três

décadas o progressivo esgotamento da produção de petróleo venha a elevar o preço

deste combustível, com intensas repercussões no custo de capital, no desequilíbrio

financeiro dos países, nas disputas por regiões produtoras – a exemplo do que foi o

conflito Irã versus Iraque. Este quadro poderá apresentar desdobramentos que estreitem

ainda mais a taxa média de acumulação de capital.

A presença de 65% das reservas mundiais de petróleo na região do Golfo Pérsico

colocou-a no centro da geopolítica internacional. Enquanto os Estados Unidos dependem

de 60% de importações de petróleo, a Europa depende de 68%, e o Japão, de 98%

(Fonte: ENI, 2001).

5.3. A importância estratégica do Iraque

O Iraque despertou atenção especial dos Estados Unidos. Isso não decorreu

apenas do fato daquele país não se encontrar sob a batuta política deste, contrariamente

a outros países árabes títeres da região. Há de se considerar a assinatura de pré-

contratos de exploração de petróleo entre empresas chinesas, francesas e russas e o

governo iraquiano.

Há de se considerar, também, a transformação do Euro em moeda de referência

entre as transações econômicas envolvendo Europa e Iraque, de forma a afastar os

Estados Unidos/Dólar das relações econômicas em favor da Europa/Euro e da alternativa

e oportuna político-econômica que tal medida representaria em termos da construção de

uma influência direta crescente da Europa sobre o Iraque. Tal processo representaria um

espaço de influência política e econômica que tenderia a se estender sobre grande parte

da região.

Page 33: Quadro politico internacional

33

A ocupação político-militar norte-americana do Iraque, ou a sua transformação em

um Estado títere visa, de um lado, ao controle direto sobre a produção e as reservas de

petróleo deste país. De outro, visa a afastar a Europa da região do Golfo Pérsico e do

Oriente Médio, e/ou submeter a sua presença a um papel de coadjuvante político e

econômico de menor importância e subordinado aos Estados Unidos.

Esta economia política do petróleo nos ajuda a compreender o caráter da maioria

dos regimes políticos dos países produtores deste combustível. Estes regimes políticos

não primam pelos princípios da democracia e dos direitos humanos, pelo contrário

sustentam-se, como tais, pelos países de capitalismo central, em especial pelos Estados

Unidos, Inglaterra, França e Alemanha.

5.4. A indústria bélica dos Estados Unidos

A indústria bélica dos Estados Unidos fatura anualmente US$ 1 trilhão, compõe

uma profunda cadeia produtiva que emprega milhões de trabalhadores e tem se

constituído em um dos instrumentos da manutenção no poder de governos títeres e

autoritários. A cruzada de Bush, portanto, pode ser entendida, também, por este viés,

visto que a indústria armamentista é um dos segmentos econômicos que ganhará com a

guerra de Bush.

A “guerra contra o terrorismo” e a defesa da nação são apresentados como as

principais missões do governo George W. Bush. Tais missões, que podem ser

sintetizadas como a defesa do país, demanda custo, o que foi utilizado para justificar a

aprovação para 2003 do maior orçamento militar das duas últimas décadas (US$ 379

bilhões) e da duplicação do orçamento para segurança doméstica (US$ 38 bilhões).

O corte nos impostos (redução fiscal) e o aumento dos gastos militares, que

cumprem papel destacado no contexto da crise de reprodução do capital, representam

também pagamentos feitos pelo governo Bush às grandes corporações econômicas, em

especial à indústria bélica, que financiaram boa parte da sua campanha eleitoral. Todavia,

o governo Bush tenta mascarar esta realidade quando, de um lado, tenta relacionar a

busca pelo crescimento econômico com a “guerra contra o terrorismo” e, de outro, tenta

atribuir o déficit fiscal público aos custos da guerra “necessária”, escamoteando a

importância que a própria redução fiscal, promovida por ele, cumpriu neste quadro.

Page 34: Quadro politico internacional

34

A indústria bélica é, ainda, um instrumento econômico tendo em vista a superação

da recessão econômica dos Estados Unidos, segundo uma espécie de “keynesianismo”

militar, conforme já observado.

5.5. Protecionismo econômico Os Estados Unidos têm pregado a abertura econômica e tem sido o mais

protecionista dos países. Tem usufruído do apoio da Organização Mundial do Comércio

(OMC), no que tange aos temas por eles apresentados para a apreciação, disputa e

julgamento. As medidas protecionistas podem determinar uma variação de 8 a 30% dos

custos de importação.

A Lei Farm Bill prevê subsídios para o setor agropecuário dos Estados Unidos de

US$ 180 bilhões de dólares nos próximos dez anos. Esta lei interferirá profundamente no

mercado agrícola internacional de bens agropecuários, porque determinará menor preço,

dentro e fora do país, para os bens agropecuários de maior produção no mercado

mundial. Isto porque os Estados Unidos são os maiores produtores de bens

agropecuários como soja, trigo, milho e carnes.

Tal realidade provocará a queda de preços de produtos agrícolas em todo o

mundo, como também provocará problemas no âmbito do emprego, do balanço de

pagamento, do comércio e do equilíbrio fiscal em países periféricos e semi-periféricos,

como o Brasil. Agregam-se aos subsídios para o setor agropecuário, aspectos como as

leis sanitaristas e as pressões comerciais e financeiras dos Estados Unidos, que também

concorrerão para uma radicalização dos problemas acima identificados.

Tais processos agem fortemente nas exportações de produtos agropecuários e de

matérias primas e na redução dos seus preços. Concretamente eles representam uma

pressão nas balanças comerciais de países periféricos e semi-periféricos porque

transferem os déficits comerciais norte-americanos para estes países. Representam,

enfim, o usufruto da condição de império em favor da contenção da sua crise econômica

recessiva, imediata e, imediatamente, da criação de condições favoráveis para a

superação da sua crise de acumulação.

O setor siderúrgico norte americano, por sua vez, além dos subsídios reservados

ao aço, foi premiado pelas cotas e tarifas de importações sobre o aço importado. Tal

realidade desencadeou uma reação protecionista da Europa em face do aço norte-

americano.

Page 35: Quadro politico internacional

35

Para países exportadores de produtos agropecuários e de aço, como o Brasil, tais

processos representam pressões nas balanças comercial e de pagamento além, é claro,

de conseqüências sociais e políticas de enorme gravidade.

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36

6. SUSTENTAÇÃO IDEOLÓGICO-POLÍTICA DA NOVA POLÍTICA EXTERNA DOS ESTADOS UNIDOS

O que se precisa hoje é de um novo tipo de

imperialismo, que seja aceitável ao mundo dos

direitos humanos e dos valores cosmopolitas, o

imperialismo pós-moderno voluntário da

economia global. No passado, os impérios

impuseram suas leis e seus sistemas de governo.

Hoje trata-se de movimento voluntário de auto

ajuda.

Robert Cooper

Um contexto histórico - marcado por aspectos como: a ascensão dos

ultraconservadores republicanos no governo dos Estados Unidos com George W. Bush à

frente; o colapso argentino; o atentado terrorista do dia 11 de setembro de 2001 e a

guerra no Afeganistão - colocou em cheque toda uma produção ideológico-político dos

anos 90. Teses como as que asseguravam: que as transformações históricas teriam

chegado ao fim com o advento do mercado global livre, do liberalismo e do fim do

socialismo; que o imperialismo seria coadunável com os direitos humanos; que a

globalização sob a nova roupagem liberal seria benévola e promotora da socialização do

conhecimento, da informação, dos valores democráticos e das vantagens comparativas

entre os Estados, caíram por terra.

Teorias, livros, ensaios, artigos e pronunciamentos sustentados nas referidas teses

e em outras, foram conduzidos pela história para a lata de lixo das ilusões perdidas. Os

resultados das ilusões, todavia, estão presentes.

No Brasil a ofensiva teve início no final dos anos 80, enormente beneficiada por

processos como a crise da União Soviética, a reintegração direta do leste europeu à

economia ocidental e a transição do regime político da ditadura militar para um regime

liberal conservador. No meio universitário ocorreu um ataque a dialética materialista

histórica e um avanço de diversas modalidades de metodologias, teorias e concepções

irracionalistas. Em termos políticos e econômicos as conseqüências foram a privatização

de empresas públicas, amplas concessões públicas, realizadas em favor de grupos

monopolistas/oligopolistas, a desnacionalização de economias, o endividamento interno e

Page 37: Quadro politico internacional

37

externo gigantesco, a dependência do capital financeiro internacional, o desemprego

estrutural, a demolição de direitos dos trabalhadores, entre outras.

O despertar do mundo das ilusões na forma da volta das guerras, da corrida

armamentista e da reafirmação explícita dos Estados Unidos como epicentro do poder

político-militar internacional demandava novas contraposições ideológico-políticas.

Portanto, não era mais possível adiar a formulação explícita de uma nova polarização

ideológico-política.

Os Estados Unidos, em decorrência da necessidade de coesão interna, da

extorsão econômica planetária em favor da sua estrutura econômica e do seu belicismo,

necessitam construir inimigos externos. São inimigos virtuais ou relativos que

proporcionem uma racionalidade argumentativa justificadora e legitimadora da sua política

hegemonista e imperialista.

Desde o fim da Guerra Fria, os Estados Unidos buscaram impor uma nova

polarização. Aquela que mais lhe interessou foi a que se estabeleceu entre capitalismo

neoliberal e os Estados fundamentalistas da sua periferia. Ela poderia ser caracterizada

como choque de civilizações – versão internacional e geopolítica das teorias do

multiculturalismo.

Nesta nova polarização, o capitalismo neoliberal foi apresentado como caminho

único. O que se pretendia era suplantar a contradição ideológico-política entre capitalismo

e socialismo.

O fundamentalismo foi apresentado como a negação da civilização e da

democracia. O que se pretendia era obscurecer as contradições e lutas de classes,

abertas ou ocultas, na forma dos grupos, classes e Estados em conflito.

6.1. Construindo um paralelo com a Guerra Fria Donald Rumsfeld (2001), secretário de defesa norte-americana, buscou construir

um paralelo entre o combate ao comunismo e a União Soviética e o combate ao

terrorismo. Segundo ele, o combate ao comunismo e a União Soviética teria sido definido

entre 1946/50 e foi uma guerra longa, de forma que “uma União Soviética agressiva,

expansionista e armada até os dentes foi contida e impedida de ocupar a Europa

Ocidental e de espalhar o comunismo pelo mundo”.

Segundo Rumsfeld, esta política teria sido acertada, visto que a corrida militar

viabilizou a ruína das bases econômicas e sociais desse Estado e dos seus satélites, na

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38

medida em que teria gerado um comprometimento dos seus PIBs com a corrida militar. O

combate ao terror seria, segundo ele, uma guerra longa, com ações militares e de

inteligência, mas que também ao final de um longo processo seria por todos reconhecida

a sua importância por extirpar o terrorismo internacional, a exemplo do que teria sido o

combate ao comunismo e à União Soviética.

Tal paralelo expressa-se na “satanização” de forças políticas e na ação repressiva

às referidas forças políticas, tendo em vista a defesa do status quo internacional. Nessa

medida, representa a tentativa de reunir e galvanizar um leque de forças e aliados que

envolvam os Estados centrais do capitalismo, os Estados títeres e as classes sociais

dominantes e dirigentes políticos dos Estados semi-periféricos e periféricos do capitalismo

subordinados ao papel e liderança hegemônica dos Estados Unidos, como baluarte da

defesa da ordem internacional.

6.2. Capitalizando o moralismo

O governo de George W. Bush tem buscado acentuar um discurso e uma prática

política conservadora e moralista internamente nos Estados Unidos. Tal discurso e tal

prática está relacionada com a tentativa de alcançar uma base de sustentação política e

ideológica à política de Estado, marcada pelo unilateralismo e militarismo, no plano

externo, e pela construção de bases político-eleitorais mais sólidas para seu governo, no

plano interno.

Seu conservadorismo propõe salas de aulas para meninos e meninas; dispõe a

apoiar apenas os colégios voltados para meninos e/ou para meninas; libera fundos mais

robustos para conduzir campanhas publicitárias em favor de abstinência sexual entre

jovens e contra o aborto; delega para entidades da sociedade civil de cunho religioso

recursos para o combate à pobreza e à dependência de drogas e restringe a atuação

direta do Estado a estas áreas. Por fim, tem-se observado o estímulo ao crescimento de

rituais religiosos em instituições e dependências governamentais desde a chegada dos

republicanos ultraconservadores ao governo.

A direita evangélica está mais organizada e influente. O seu apoio aos republicanos

ultraconservadores nas eleições representou, por sua vez, pressão sobre o próprio

governo republicano. Ela possue uma rede de ONGs conservadoras que, além de

articular política e religião, pode criar instrumentos da sociedade política do império

(Estado-governo) no âmbito da sociedade civil e/ou da sociedade civil do capital no

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39

âmbito da sociedade norte americana como um todo. Esta questão pode, ainda,

representar a criação/expansão de uma rede de ONGs conservadoras em escala

internacional, em especial na América Latina, a exemplo do que organizações religiosas

desenvolveram na América latina no período de vigência da chamada Aliança para o

Progresso de John Kennedy, e mesmo posteriormente.

Essa política conservadora e moralista é acentuada, também, por outros meios. Ela

determinou a volta da disciplina Educação Cívica aos currículos escolares; interfere na

indústria cinematográfica de Hollywood pressionando para que a mesma produza mais

filmes que enalteçam o patriotismo e conduz campanhas publicitárias em favor da

realização do serviço e da carreira militar. O próprio Pentágono está financiando a criação

de jogos eletrônicos de guerra, voltados para crianças e adolescentes, com o propósito de

construir uma cultura militar, mais enraizada, no inconsciente coletivo da sociedade norte-

americana.

Concepções e valores religiosos e culturais, cujas raízes históricas se encontram

no puritanismo e que se fazem presentes nas estruturas mentais e culturais da sociedade

norte-americana, são explorados pela sociedade política (Estado e governo) e pela

sociedade civil do capital (corporações midiáticas, igrejas evangélicas e ONGs

conservadoras etc). São concepções e valores como aqueles identificados com a

“missão“ do povo norte-americano em face da humanidade, a condição de povo

predestinado a realizar no mundo valores “cristãos”, o Estado/governo como pastor de um

grande rebanho (o povo norte americano) e cuja função é protegê-lo do “mal” e das

“ameaças” externas ao rebanho.

Portanto, para que se possa justificar aspectos como os gastos militares, o

ocultamento da redução da carga de impostos sobre as grandes fortunas e empresas, o

fortalecimento dos republicanos ultraconservadores no Estado e a reafirmação da

hegemonia norte-americana sobre bases de supremacia política, tem que ser criado o

“inimigo externo” e serem instrumentalizados valores e concepções ideológicas que

compõem a subjetividade da sociedade norte-americana.

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7. O DEBATE DIPLOMÁTICO NORTE AMERICANO

De todo esse mal resultará o bem. Em meio às

nossas lágrimas podemos vislumbrar

oportunidades de tornar o mundo melhor para as

gerações vindouras. E nós aproveitaremos essas

oportunidades.

George W. Bush

O fim da Guerra Fria não foi acompanhado pela definição de um direito ou norma

internacional claramente definida. Sequer uma instância suprema que avocasse do direito

de definir o que seria “eqüidade” e “justiça” foi criada. A ONU, que agia como tribunal de

entendimentos e que poderia ter sido convertida nesta instância, ficou progressivamente

enfraquecida ao longo dos anos 90, em especial a partir da Guerra do Kosovo, quando o

seu Conselho de Segurança foi ignorado pelos Estados Unidos e aliados, tendo em vista

a intervenção militar na Iugoslávia.

A fragilidade da ONU contrastava com a força dos Estados Unidos nos terrenos

militar, financeiro e informacional e com a globalização econômica que era imposta ao

mundo, a partir deles. Os Estados Unidos assumiam o papel de centro de referência

política, econômica e ideológica do mundo. Papel este para o qual foram beneficiados

também pelos sete anos de prosperidade da era Bill Clinton que, se por um lado, não foi

capaz de superar a crise de acumulação de capital nos Estados Unidos (e em grande

medida foi um ciclo econômico virtuoso às custas de fraude e corrupção). Por outro, foi

capaz de assegurar um ambiente interno de estabilidade econômica e social e um

superior desempenho econômico das corporações e bancos norte americanos, em face

do desempenho de corporações e bancos europeus e japoneses.

Todavia, os anos 90 foram também anos de situações adversas para a

preservação da hegemonia dos Estados Unidos. Os anos 90 foram responsáveis pelo

crescimento de um sentimento antiamericanista concomitante e proporcional ao

aprofundamento da hegemonia dos Estados Unidos. Déficits nas transações comerciais

entre Estados Unidos e Europa e Estados Unidos e Japão acentuaram desequilíbrios

econômicos externos do País. Internamente a disputa pelo governo travada entre

democratas e republicanos ameaçou se converter em instabilidades institucionais.

Page 41: Quadro politico internacional

41

Um ambiente favorável ao surgimento de um novo “pacto de guerra” estava dado.

Faltavam atores determinados para criá-lo e um fato para justificá-lo. A eleição de George

W. Bush e os atos terroristas de 11 de setembro de 2001 atendiam às duas condições.

O “pacto de guerra” como uma política de Estado poderia se utilizar de duas

vertentes políticas norte-americanas. Primeiramente, a vertente tradicionalmente

identificada com os democratas, que valoriza uma via hegemonista e imperialista

incorporadora de metas e perspectivas, ainda que de forma subalterna dos demais países

e segundo a sua importância econômica, política e militar. Portanto, trata-se de uma

concepção de política externa fundada na pactuação política.

Em segundo lugar, a vertente tradicionalmente identificada com os republicanos,

que valoriza uma via hegemonista e imperialista pouco incorporadora de metas e

perspectivas dos demais países. Portanto, trata-se de uma concepção de política externa

fundada no exercício de supremacia política.

Joseph Nye, doutor em Ciência Política pela Universidade Harvard, consultor do

Departamento de Estado dos Estados Unidos de 1977 a 1979 no governo Jimmy Carter e

Presidente do Conselho Nacional de Segurança dos Estados Unidos, evidencia a

concepção tradicionalmente identificada com os democratas. Para ele a política externa

dos Estados Unidos deveria combinar o “hard power” – a utilização de instrumentos

militares e econômicos para coagir outros atores políticos, econômicos ou sociais a fazer

o que eles não querem, que sempre foi importante para os Estados Unidos e que foi

alentado após os atos terroristas de 11 de setembro de 2001 – com o “soft power” – a

habilidade de conseguir que se façam aquilo que se quer que eles façam, sobretudo por

meio de influência diplomática, cultural e ideológica. Para ele a era da informação global

tenderia a alentar o “soft power”.

Para Joseph Nye os Estados Unidos deveriam ser líderes na produção de bens

públicos globais nas áreas de desenvolvimento, segurança e combate ao terrorismo.

Todavia, é um critico da gestão George W. Bush. Este, segundo aquele, não conduziu

uma ampla discussão sobre os interesses nacionais dos Estados Unidos em face do

mundo e, por conseqüência terminara por cultivar no governo uma política menos

multilateral do que deveria ser. Este peso excessivo de ação política unilateral foi o que

teria determinado o abandono dos Estados Unidos do Tratado Antimísseis Balísticos

(TAB), que, embora, apóie a iniciativa e não acredite que ela possa realimentar uma

corrida armamentista, não reconhece que o momento tenha sido adequado para esta

iniciativa.

Page 42: Quadro politico internacional

42

Para Joseph Nye o ambiente político internacional, criado após os atos terroristas

de 11 de setembro de 2001 teria determinado modificações nas relações internacionais. A

necessidade da cooperação internacional de grandes Estados na luta contra o terrorismo,

e de seus poderes de destruição em massa, até recentemente privilégio militar, teria

permitido um avanço da China e da Rússia nas relações políticas internacionais, embora,

em sua opinião, este avanço não tenha sido tão expressivo como muitos analistas

costumam identificar. A Europa teria permanecido em grande medida marginalizada por

não possuir uma única voz internacional, por não possuir forças de segurança para agir

de modo global, menos da Inglaterra, o único país europeu a possuí-las, mas não se

encontrar política e diplomaticamente subordinada à Europa.

Para Paul Wolfowitz, sub-secretário de Defesa do governo George W. Bush, a

política externa do seu País deveria combinar negociações duras com todos os Estados

que aceitam/subordinam aos termos das relações internacionais ditadas e/ou aceitas por

ele, com as ações preventivas, isto é, a ação armada contra aqueles que agem ou

poderiam agir desautorizando os interesses estratégicos do País. Para ele, os Estados

Unidos não poderiam, ainda se submeter à camisa de força que o sistema ONU

representaria, no que tange aos interesses estratégicos do poderio norte-americano.

A posição de Colin L. Powell (2001) parece coincidir, em linhas gerais, com as

posições de Joseph Nye em que pese a sua filiação republicana. Colin L. Powell

reconhece que os atos terroristas de 11 de setembro de 2001 criaram oportunidades para

fortalecer e/ou reconfigurar as relações internacionais e expandir ou estabelecer áreas de

cooperação. O eixo político seria avançar o padrão de política externa norte americana

nos campos de interesses fundamentais, que segundo ele seriam: a) direitos humanos; b)

governos responsáveis; c) mercados livres; d) não proliferação de armas nucleares; e)

resolução de conflitos.

Para Colin L. Powell, os Estados Unidos deveriam assumir iniciativas próximas e

concretas para evidenciar seus compromissos com o referido eixo. Comporia estas

iniciativas: a cooperação para suplantar a pandemia HIV/AIDS; o estabelecimento de um

cenário estratégico pós-Guerra Fria”; o lançamento de uma nova rodada comercial

internacional e a promoção da paz no Oriente Médio. O objetivo dessa política seria

segundo ele “(...) um mundo de democracia, oportunidades e estabilidade” (...) “no qual o

terrorismo não pode prosperar”.

Page 43: Quadro politico internacional

43

8. CONSEQÜÊNCIAS IMEDIATAS DA NOVA DOUTRINA

É preciso a ordenação de um poder soberano

para que se possa então definir o que é a

equidade e a justiça, uma vez que é a autoridade

e não a verdade que faz a lei porque antes que se

designe o que é justo do que é injusto, deve haver

alguma força coercitiva.

Hobbes

A nova política externa dos Estados Unidos determinou e tem determinado

diversos processos político-institucionais e político-militares diretos. Estes processos

trazem conseqüências graves para o sistema de segurança internacional e para as

relações políticas regionais.

Dentre os processos político-institucionais destacou-se a oposição à ratificação do

Tribunal Penal Internacional; a recusa em assinar o protocolo de Kyoto; a retirada da

conferência da ONU sobre o racismo em Durban; a recusa em endossar o Instrumento de

Verificação do Protocolo de Armas Biológicas; a recusa em assinar o protocolo sobre

minas terrestres; a ruptura unilateral do Tratado de Mísseis Anti-Balísticos (ABM); a

ofensiva diplomática pelo controle de organizações da ONU e/ou afastamento de

responsáveis que representam obstáculos aos interesses norte-americanos, a exemplo do

afastamento do diplomata brasileiro José Maurício Bustani, que presidia a Organização

para a Proscrição de Armas Químicas (OPAQ) e da irlandesa Mary Robinson, Alta

Comissária de Direitos Humanos.

Dentre os processos político-militares diretos destacou-se a deflagração da guerra

contra o Afeganistão à revelia do Conselho de Segurança da ONU; a derrubada do

regime dos Talibãs e estabelecimento de um regime títere no Afeganistão, sustentado

pelas forças multinacionais que permanecem no país; a liberdade de ação ao governo de

Ariel Sharon contra os palestinos e israelenses-árabes; o envolvimento ativo na luta

contra o grupo guerrilheiro fundamentalista islâmico Abu Saiaf, nas Filipinas; a presença

mais ostensiva no conflito civil da Colômbia; a participação direta na tentativa de golpe

civil-militar contra o governo de Hugo Chaves na Venezuela, em abril de 2002; a guerra e

ocupação do Iraque; e a autorização e efetiva eliminação física de ativistas e dirigentes de

Page 44: Quadro politico internacional

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organizações fundamentalistas e marxistas revolucionárias pela CIA em diversos países e

regiões da África e da Ásia.

8.1. Um novo conceito de guerra Para Donald Rumsfeld é necessário mudar a forma de pensar a segurança do país

e transformar as forças armadas. Segundo ele um padrão de organização militar e policial

de guerra, de diplomacia e de multilateralismo, consagrado na luta contra a União

Soviética e o comunismo, não correspondem às mudanças drásticas do mundo.

Conforme Donald Rumsfeld (2001),

Esta guerra não será conduzida por uma grande aliança unida pelo simples propósito de derrotar um eixo de forças hostis. Pelo contrário, envolve coalizões flutuantes de países, que podem mudar e evoluir. (...) Alguns (países) ajudarão publicamente, enquanto outros, devido a suas circunstâncias, poderão ajudar privada e secretamente. Nesta guerra a missão definirá a coalizão – e não o contrário. Esta guerra não necessariamente será uma em que nós bombardearemos alvos militares e usaremos forças maciças para eliminar esses objetivos. Em vez disso, a força militar será uma das várias ferramentas que utilizaremos para deter indivíduos, grupos e países que se envolvam com o terrorismo. (...) nossa resposta poderá incluir o disparo de mísseis de cruzeiro contra alvos militares, em algum lugar do planeta. Estamos também combatendo no campo eletrônico para rastrear e parar as movimentações financeiras por meio de bancos no exterior. Esta não é uma guerra contra uma pessoa, um grupo, uma religião ou um país. Nosso oponente é uma rede mundial de organizações terroristas e os Estados que os financiam, comprometidos em negar às pessoas livres a oportunidade de viver como elas quiserem. Enquanto realizamos ofensivas militares contra governos estrangeiros que patrocinam o terrorismo, também buscaremos tornar aliados os povos que esses governos oprimem. (...) Esqueçam das “saídas estratégicas”, estamos diante de um compromisso sustentado que não tem data para terminar. Não temos regras fixas sobre como deslocar nossas tropas; vamos estabelecer linhas gerais para determinar se o uso de forças militares é a melhor forma de alcançar um determinado objetivo. (...) Mas se esta guerra é uma guerra diferente, uma coisa não mudou: os Estados Unidos continuam indomáveis. Nossa vitória virá com os norte-americanos vivendo suas vidas dia a dia, indo ao trabalho, criando seus filhos e construindo seus sonhos como sempre o fizeram – um povo livre e grande.

Donald Rumsfeld reconhece que na “guerra contra o terrorismo” ocorrerão “danos

colaterais”. Seriam equipamentos que falham, exércitos que utilizam escolas, hospitais e

creches como instalações e equipamentos militares e que serão alvos das forças norte-

americanas. Todavia, reafirma o compromisso do governo Bush de que os “danos

colaterais” seriam atenuados ao máximo, visto que os Estados Unidos agiriam

humanamente.

Conforme podemos observar, a nova política externa dos Estados Unidos

radicaliza o papel que a guerra ocupa no sistema do capital e imprime uma nova forma à

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mesma. Durante o pós-Segunda Guerra Mundial ocorreu uma longa fase de “guerra”

representada pela “Guerra Fria”. Esta “guerra” foi orientada pela estratégia da “contenção

universal” do comunismo e da União Soviética, na qual conflitos diretos, a exemplo da

Guerra da Coréia e Guerra do Vietnam, representaram a exceção. A guerra fundamental

se dava internamente, orientada pelas teorias de segurança nacional, na forma de ação

policial-militar contra movimentos insurgentes revolucionários e/ou ação de espionagem e

repressão política contra organizações da sociedade civil e ativistas e partidos políticos.

A nova proposta de “guerra” representa um deslocamento da fase de “guerra”

assentada na estratégia de “contenção universal” para a longa fase de guerra assentada

na estratégia de “ofensiva universal”. Estratégia esta expressa por meio da teoria da

“ação preventiva”, isto é, da ação preventiva dos Estados unidos contra os “inimigos” que

“ameaçam” ou que poderão vir “ameaçá-los” .

Na nova longa fase de “guerra” os conflitos diretos tenderão a ser mais constantes,

dirigidos a todos aqueles países capitalistas periféricos e semi-periféricos – e, no limite,

até mesmo em países capitalistas centrais – que resistirem ao domínio dos Estados

Unidos. Suas intervenções armadas mais recentes, a exemplo daquelas ocorridas na

Somália, Sudão, Afeganistão, Iraque (1998 e 2003), Iuguslávia e Haiti, isto é, de 1998 aos

dias atuais, praticamente equivalem a todas as intervenções militares realizadas por eles

no período da Guerra Fria.

A “guerra” interna, ditada por teorias de segurança nacional e dirigida contra

movimentos insurgentes revolucionários e contra ativistas, ONGs e partidos políticos, em

especial aqueles orientados por perspectivas anticapitalistas, antiimperialistas e

antimilitaristas, também ocuparam grande importância. Esta “guerra” lançará mão da

coerção e violência e dos instrumentos de comunicação e espionagem para a sua

condução, por meio de um aparato repressivo integrado mundialmente, envolvendo

estruturas policiais-militares dos Estados Unidos e dos Estados subservientes à sua

política.

O deslocamento da estratégia de “contenção universal” para a estratégia de

“ofensiva universal” decorre da crise de acumulação do capital. Decorre da conquista dos

terrenos “concedidos” pelo sistema do capital, no âmbito do pacto fordista e da Guerra

Fria a determinadas classes sociais, povos e Estados. A estratégia de “ofensiva

universal” decorre, ainda, da liberdade e da própria materialização dos impulsos de

expansão e reprodução do sistema do capital.

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8.2. Terceira guerra mundial Para Renato Pompeu (2001) encontra-se em curso na humanidade a “Terceira

Guerra Mundial”. Ela teria iniciado após a “Guerra do Kosovo”, tendo como seu primeiro

capítulo a Guerra no Afeganistão, e herdado do passado outras guerras como o conflito

judeus-israelenses versus palestinos e judeus-árabes. Teria, como seu segundo capítulo,

a Guerra no Iraque.

Esta terceira e nova guerra não estaria comprimida no tempo e no espaço. Ela vem

ocorrendo em um longo tempo e com guerras esparsas. Seu grande alvo seriam as

regiões estratégicas em termos geopolíticos como a Chechênia, os Bálcãs, a Ásia

Central, o Tibete, a China, a Taiwan, a Indonésia. Na América latina as regiões

estratégicas envolveriam países como a Colômbia, o Peru, o Equador, o Brasil, a

Venezuela, isto é, países que compartilham a região amazônica. Estas áreas possuiriam

grandes reservas naturais para serem exploradas, em especial em um contexto de crise

de reprodução do capital, mas também coexistiriam com movimentos políticos e armados

que desafiariam a hegemonia norte-americana.

De fato, podemos falar de uma terceira guerra mundial em grande medida

determinada pela crise de acumulação e pela evolução tecnológica continuada. O sistema

do capital é, por natureza, destrutivo e precisa destruir continuadamente para expandir.

Nesta conjuntura/período histórico em que o sistema de capital não encontra novas

frentes de expansão nos Estados Unidos e na Europa para que possa investir e

reproduzir, ele procura na própria exploração/reconstrução dos diversos pós-guerras, a

oportunidade de investir e reproduzir de forma expansiva. Assim, ocorre um profundo

entrelaçamento entre a crise de reprodução e a guerra continuada.

Finalmente, os Estados Unidos procuram se compor como um império. E procuram

ter, ainda que com contradições importantes, a Europa ao seu lado, bem como países

como o Cazaquistão, o Uzbequistão e a Arábia Saudita. Ou seja, procuram se impor

como um império por sobre uma série de feudos à sua volta.

8.3. A continuidade de um impasse iniciado na guerra do Afeganistão A intervenção militar expressa na Guerra do Golfo possuiu uma “legitimidade” e

uma “legalidade”. Havia, na questão, o problema da soberania de um país invadido por

outro, em que pese o fato do Kuwait se constituir em parte da mesopotâmia histórica,

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justificando, portando, o aval da ONU e do direito internacional: a “legitimidade” e a

“legalidade” para aquela guerra.

Na guerra do Afeganistão não havia consenso entre os “aliados” quanto aos

objetivos estratégicos da mesma. E não havia, também, uma base legal referenciada no

direito internacional que respaldasse a guerra.

No Afeganistão a “legitimidade” do “pacto de guerra” se deslocou do campo do

Direito Internacional para o campo do Direito Penal. Aguardavam-se provas para a

caracterização do crime e a decisão do castigo que deveria caber a uma pessoa física

identificada como suposto culpado. Em termos estritos e jurídicos, o que os europeus

estavam discutindo era a legalidade de uma guerra que seria declarada por motivos

penais. Uma guerra de vários Estados e exércitos aliados para capturar, levar a

julgamento e “castigar” um indivíduo.

A questão da legalidade era a aparência do processo, por mais extravagante que

pudesse ser uma guerra de Estados contra um homem para capturá-lo, julgá-lo e

“castigá-lo”. Esta mesma realidade ocorreu nas intervenções “humanitárias” da Somália,

da Bósnia e do Kosovo, ou nos bombardeios do Sudão, isto é, a legalidade de um Estado

bombardear um outro fora de um estado de beligerância declarada e sem a autorização

do Conselho de Segurança da ONU.

Sob a manta da aparência, o que, de fato, ocorria, era o deslocamento de um

projeto de hegemonia global “benevolente”, em favor de um projeto imperial explícito.

Uma espécie de reação norte-americana à postura de crescente resistência internacional

à hegemonia dos Estados Unidos e à desaceleração do ciclo econômico virtuoso norte-

americano. Este deslocamento encontrava-se acompanhado, ainda, pelo problema da

inexistência de normas e consensos pactuados entre as grandes potências capitalistas

centrais, de um lado, e das fraturas políticas internas norte-americana oriundas dos

embates entre democratas e republicanos, de outro.

Na guerra contra o Iraque toda esta realidade emergiu. Tratou-se de uma guerra

contra um homem satanizado; um Estado bizarramente convertido em ameaça aos

Estados Unidos; uma guerra à revelia do Conselho de Segurança da ONU; e uma ação

militar prontamente condenada nas ruas por milhões de pessoas.

Para José Luís Fiori (2001) a falta de limites externos ao poder financeiro,

corporativo e militar dos Estados Unidos, agregado às fraturas e incertezas internas da

sociedade norte americana, se constituiu nos principais fatores de desestabilização da

“Nova Ordem Mundial” iniciada em 1991. Para ele, a complexidade dos interesses e os

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conflitos por eles despertados, agregados às incertezas do quadro atual, tendem a

projetar a instabilidade internacional por um longo tempo.

Este quadro poderá desencadear mudanças importantes em todo o mundo.

Primeiramente poderá desencadear uma recomposição da elite norte-americana por meio

da definição das novas bases da política de Estado, que provavelmente ficaria a meio

caminho da versão democrata mais agressiva do final do governo Bill Clinton e do atual

desempenho imperialista e militarista desmedido do governo George W. Bush.

Em segundo lugar, tenderá a desencadear um ambiente mais favorável para a

imposição/aceitação de normas impostas pelos Estados Unidos aos demais países, por

dentro e por fora do sistema ONU. Estas imposições certamente se utilizarão do “soft

power” e do “hard power”, isto é, de diversos instrumentos de pressão e persuasão e do

“porrete” norte-americano.

Em terceiro lugar, podemos nos encontrar nos passos iniciais para uma nova fase

expansiva do domínio global dos Estados centrais. Domínio que pode ter sido iniciado nos

pactos de guerras contra o Afeganistão e o Iraque, mas que pode redundar na construção

de uma nova versão do congresso de Berlim de 1885, quando as potências européias

decidiram as regras da repartição colonial da África e da Ásia.

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9. INSTABILIDADE POLÍTICA NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

No grau de cultura em que ainda se acha o

gênero humano, a guerra é um meio inevitável

para estender a civilização.

Immanuel Kant

A “Nova Ordem Mundial” em crise não deu lugar a uma nova ordem mundial. Em

contrapartida, a política externa dos Estados Unidos tem sido responsável por um

acirramento de instabilidades políticas regionais. A política externa dos Estados Unidos

tem apresentado características marcantes neste sentido.

9.1. Centralidade do Estado imperial À medida que os fundamentos econômicos do sistema do capital foi debilitado pela

crise de acumulação, em especial nos Estados Unidos, o papel do Estado imperial foi

progressivamente ampliado. Os Estados Unidos se tornaram mais dependentes da

intervenção estatal para assegurar medidas como esmagar/intimidar adversários,

consolidar a presença norte-americana em regiões estratégicas e estabelecer a confiança

no investidor.

A centralidade do Estado imperial refutou a suposição dos teóricos do movimento

“anti-globalização neoliberal” como Susan George, Antônio Negri, Ignácio Ramonet e

Robert Karten de que as corporações econômicas de atuação global possuíam

autonomia, em face dos Estados hegemônicos. A ênfase no papel do mercado mundial e

da atuação das corporações econômicas e do capital financeiro especulativo em criar

pobreza, dominação e desigualdade é um anacronismo no atual contexto, visto que, de

fato, o Estado imperial é um pressuposto de todo este processo. Agrega-se a esta

realidade o “keynesianismo militar”, isto é, o papel que a economia armamentista

representa no processo de reprodução do valor para o grupo de corporações econômicas

que direta e indiretamente compõe a indústria bélica norte-americana, inglesa ou franco-

germânica (Petras, 2001).

Aspectos como o avanço das liberdades e autodeterminação dos povos, a

democratização da riqueza planetária e a contenção da destruição ambiental, demandam

um deslocamento do foco dos movimentos “antiglobalização neoliberal” para movimentos

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sociais anti-imperialistas, anti-militaristas e anti-capitalistas. Demanda que estes

movimentos sociais superem falsas suposições sobre “superestados” dominados por

multinacionais autônomas para a realidade das corporações multinacionais atadas aos

Estados imperiais.

Demanda, ainda, que os movimentos sociais superem uma visão romântica das

lutas pelos direitos humanos identificados com as lutas pelas liberdades individuais. E que

estes movimentos centralizem as suas atenções na necessária articulação entre as lutas

pelos direitos humanos (o direito à terra e aos financiamentos e preços agropecuários; o

direito ao trabalho e a remuneração condizente; o direito à habitação, ao saneamento e

aos bens domésticos; o direito à alimentação em quantidade e qualidade necessárias; o

direito à saúde física e mental; o direito à educação pública e de qualidade e a

democratização das instituições de educação; o direito à independência e à auto-

determinação dos povos, nações e grupos étnicos; o direito à liberdade de movimento, de

expressão e de orientação sexual; o direito à democracia e à participação política efetiva;

o direito à justiça e à igualdade; e o direito à paz e à felicidade), com a luta anti-

imperialista, anti-militarista e anti-capitalista.

9.2. A reposição da coerção e da violência em escala mundial

O recurso aberto à coerção e à violência para a conquista de objetivos geopolíticos

tornou-se o eixo estruturador da política externa dos Estados Unidos. Esta realidade

tenderá desencadear desdobramentos nos demais Estados.

Os Estados tenderão a retomar os investimentos no setor armamentista.

Armamentos, instalações bélicas e pesquisas militares tenderão a ampliar a sua

participação nos orçamentos públicos em prejuízo dos gastos sociais.

Bem como, também, tenderão eles a recorrer à coerção e mesmo à violência no

plano regional, continental e internacional, para assegurarem os interesses dos seus

respectivos capitais. Disso decorre que a maioria dos Estados buscarão se colocar de

forma confiável e/ou conquistar a condição de aliado preferencial dos Estados Unidos em

suas respectivas regiões e/ou continentes.

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9.3. Unilateralismo flexível e sistema ONU

O processo de tendente esvaziamento do Conselho de Segurança da ONU, como

instância multilateral legítima de resolução dos problemas de paz e de segurança no

mundo, em favor de uma política de construção de alianças pontuais, via contatos e

negociações bilaterais e segundo os interesses dos Estados Unidos em cada Estado,

região ou continente, materializa a sua opção pelo unilateralismo flexível.

Este processo não levará ao desmantelamento do sistema multilateral de

segurança coletiva, consagrado no sistema ONU ao fim da Segunda Guerra Mundial. Isto

porque o capital necessita de formas de controle na unidade produtiva, na região, no

Estado e no mundo por ele mesmo criado. São estruturas de controle que não detém a

tendência de incontrolabilidade do capital, mas que, na sua ausência, o expõe a uma

lógica contraditória centrífuga e auto-destrutiva.

O sistema ONU é precisamente uma criação do sistema do capital e o compõe em

escala mundial por meio dos Estados. Ele existe para proteger a nação dos excessos de

voracidade do sistema do capital. Essa voracidade pode assumir a forma das guerras de

conquista, das intolerâncias suscitadas para a exploração econômica de conflitos, dentre

outras. Ele existe, ainda, para assegurar a hierarquia dos Estados no sistema do capital e

assegurar, também, que as contradições e conflitos não ameacem o domínio e a

reprodução do referido sistema.

O conflito e a disputa dos Estados é a materialização da contradição do capital e de

seus interesses no nível das relações internacionais. O enfraquecimento do sistema ONU,

que ora assistimos, evidencia uma tendência de radicalização das contradições do

sistema do capital no âmbito das disputas do capital e deste em relação ao trabalho.

Todavia, o sistema do capital, como não pode prescindir do sistema ONU, o reestruturará

em face das novas contradições e demandas, de forma a incorporar, no seu futuro

redesenho político, institucional e orgânico as novas relações de poder, isto é, incorporar

na sua própria ossatura futura, as relações de poder entre capitais e Estados.

Quem ditará em última instância este processo serão os capitais e o Estado que,

por suas reservas produtivas, financeiras e militares, constituir-se-ão na guarda pretoriana

do capital: os Estados Unidos.

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9.4. Imposição econômica internacional

Os organismos econômicos do sistema ONU (FMI, Banco Mundial, OMC etc)

tenderão a ser instrumentos para impor aos países dependentes uma agenda liberal de

abertura de mercados. Todavia, esta orientação político-econômica tenderá a permanecer

contrariada pela adoção de uma política econômica norte-americana (e européia)

protecionista e intervencionista, de características fortemente antiliberais.

A conjuntura econômica internacional poderá proporcionar um ambiente favorável

para a construção/reconstrução dos Estados e nações dependentes, à medida em que

contradições e conflitos tenderão a ser intensificados. Para tanto, o mundo do trabalho

não poderá se permitir o nacionalismo chauvinista e guerreiro, patrocinado por capitais

nacionais, de forma a contrapor à guerra por meio da unidade internacional dos

trabalhadores na luta anti-imperialista, anti-militarista e anti-capitalista. Tal caminho

poderá surgir a partir do bloco de forças políticas, econômicas e sociais contra-

hegemônicas.

9.5. Retomada do militarismo e neocolonialismo

O sistema político internacional tenderá a ser mais caracterizado pela combinação

de processos de militarização e neocolonialismo. A imposição de domínio direto

(econômico e militar), indireto (econômico e político) e misto (econômico, político e militar)

tenderá a reduzir, sobremaneira, o grau de independência e autonomia dos Estados

periféricos e semi-periféricos nos quais o mundo do trabalho se apresentar desorganizado

politicamente e sem referenciais ideológicos consistentes.

A forma de domínio direto tenderá a ocorrer nos países periféricos e semi-

periféricos que possuem grandes reservas naturais, localização estratégica, resistência

popular e/ou cujas elites dominantes e/ou dirigentes assumem algum grau de oposição

aos países centrais, mas sem as condições de rechaçar a sua presença político-militar,

em especial a dos Estados Unidos. É o exemplo de países como o Afeganistão e o

Iraque.

A forma de domínio indireto tenderá a ocorrer nos países periféricos e semi-

periféricos que não apresentam grande resistência popular, que reconheçam as relações

hierárquicas no âmbito dos Estados e que se submetam aos interesses dominantes. É o

exemplo de países como a Argentina, as Filipinas e, até o momento, o Brasil.

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A forma de domínio misto tenderá a ocorrer nos países periféricos e semi-

periféricos que procurarem assumir alguma margem de autonomia e independência para

além do que os Estados centrais estarão dispostos a conceder, mas sem romper com os

centros de hegemonia internacional. É o exemplo da Arábia Saudita e dos Emirados

Árabes.

A possibilidade de Estados autônomos e independentes, que atualmente se

apresenta como uma possibilidade distante, somente poderá ocorrer a partir de projetos

políticos oriundos no mundo do trabalho e em contraposição às imposições do sistema do

capital.

9.6. O novo eixo ideológico da política imperialista dos Estados Unidos

A tese do “Fim da História” de Francis Fukuyama, segundo a qual teria chegado ao

fim a era das revoluções/transformações e consagrado a eternização do moderno

liberalismo econômico e político, que tão bem compunha com a “Nova Ordem Mundial” no

final dos anos 80 e início dos anos 90, vê-se esgotada. Tem origem agora a tese do

“Choque de Civilizações” de Samuel Huntington, segundo a qual conflitos e guerras

continuarão a persistir em decorrência de encontros e conflitos de cultura e identidade

(Sader, 2001).

A tese do “Choque de Civilizações” busca ocultar os interesses econômico-políticos

de fato subjacentes a qualquer conflito e a qualquer guerra, sob o manto da subjetividade

(cultura e identidade). Esta tese, que legitima/justifica a nova forma de exercício de

hegemonia e de guerra demandada pelos Estados Unidos, fornece o embasamento

teórico-filosófico para a exploração de falsas polarizações internacionais e para a

aglutinação de “intelectuais” (jornalistas, ex-perts em relações internacionais, economistas

e outros profissionais, de plantão em todo o mundo) que “interpretam” o “sentimento” e as

ações norte-americanas.

9.7. Estados Unidos versus Europa A visita de George W. Bush à Europa, em maio de 2002, evidenciou um grau

elevado de contradição, presente nas políticas externas destes dois centros de poder,

embora não fosse explicitado, e mesmo freqüentemente negado. Todavia, a recorrência

de questões, nesta direção, dirigidas a Bush testemunham a existência da contradição.

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George W. Bush buscou evidenciar que os Estados Unidos e a Europa possuiriam

os mesmos objetivos econômicos e possuiriam sociedades que se organizariam sob um

modo de vida idêntico. Todavia, reconheceu contradições e conflitos de interesses.

Conforme Bush (2002),

(...) há mais fatores que nos unem do que fatores que nos separam. O amor à liberdade é um vínculo potente. (...) Somos unidos por valores comuns: o direito, os poderes constitucionais, o mercado. Além disso, temos problemas comuns a resolver que são mais importantes do que qualquer disputa. O combate ao terrorismo é uma causa comum que forma um vínculo forte entre nós.

Assim, penso que temos uma relação forte e sadia. É claro que surgem desavenças, de vez em quando. Temos desentendimento na área de comércio, mas é porque o comércio, entre nós, é considerável. É o andamento normal dos negócios, e com certeza não é algo que afete a visão que tenho de nossa aliança.

A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) foi questionada quanto ao

seu papel estratégico, em especial no que tange à “guerra contra o terrorismo”. As

intervenções de George W. Bush foram no sentido de defender a sua continuidade como

organização estratégica para diversos países.

Todavia, realçou alguns pontos: mudar o eixo de atuação da OTAN e promover

uma evolução de suas capacidades para combater as novas ameaças ao padrão social e

econômico euro-americano, o que equivale dizer que a OTAN deve se capacitar para uma

atuação global e, também, para combinar ações militares diretas e de informação

(espionagem); ampliar a OTAN, envolvendo países do leste [e talvez até mesmo de

outros continentes] sem que tal ampliação comprometa a sua linha de atuação

estratégica; dirimir os desníveis orçamentários, bem como de capacidade de intervenção

de forças de segurança em escala global entre norte-americanos e europeus; manter a

não extensão do direito de veto da Rússia sobre as ações militares da OTAN na Europa,

o que equivale, na prática, a um veto dos Estados Unidos e da Inglaterra ao pedido russo

de incorporação na OTAN; e conservar a Rússia como um parceiro a ser consultado

frente aos desafios da criação de medidas para o combate à proliferação de armas

nucleares e à “guerra contra o terrorismo”.

A política dos Estados Unidos para com a Europa unificada busca incorporá-la

como sócia-menor na política de pilhagem e exploração de todo o mundo. Esta política se

beneficia da presença inglesa na Europa e do quadro ainda precário em termos políticos e

jurídicos da unificação.

A Europa, por sua vez, tenderá a buscar um caminho próprio em termos políticos,

econômicos e militares, determinados pelas contradições crescentes com os Estados

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Unidos no âmbito do sistema do capital. Para tanto, a Europa deverá patrocinar um longo

processo de fortalecimento de relações com a Rússia, construir bases políticas e jurídicas

mais centralizadas que contenham posições diferenciadas frente a temas e conjunturas

de importância estratégica e criar forças de segurança de atuação global.

Duas conclusões são necessárias. Primeiramente, esta tendência não levará,

necessariamente, ao fim da OTAN. Todavia, poderá restringir o seu papel a ações contra

Estados e forças sociais e políticas que atuem contra o sistema do capital, no âmbito da

Europa ou em outros continentes, quando ocorrer acordos entre Estados e Europa

unificada.

Em segundo lugar, uma possível polarização futura no âmbito das relações

internacionais, certamente representará algum nível de contenção da política externa dos

Estados Unidos. Todavia, a tendência é a de que isto não represente um fator de

atenuação do quadro de exploração dos países periféricos e semi-periféricos, visto que as

motivações dos Estados centrais do capitalismo são as mesmas, quais sejam, encontrar

condições favoráveis para a superação da crise de acumulação de capital às custas do

mundo do trabalho e dos povos oprimidos em todo o planeta.

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10. CONCLUSÃO

A globalização atual, isto é, o imperialismo sob

nova forma, aprofunda contradições e conflitos

sociais. Como no passado, a atual fase de

expansão da globalização do capital amadurece

lutas sociais revolucionárias em todo o mundo.

James Petras

Em uma leitura de perspectiva histórica, percebe-se as mudanças ocorridas entre a

proposição da “Nova Ordem Mundial” e a nova política externa dos Estados Unidos

apontam para uma ordem mundial com características mais nítidas em termos

ideológicos, políticos, econômicos e militares. Ocorre uma espécie de “transição” do

formato da agenda imperialista do pós-Guerra Fria, no qual o multilateralismo era mais

evidente, para um formato da agenda imperial do final do governo Bill Clinton e acentuado

por meio da eleição de George W. Bush, dos atentados terroristas de 11 de setembro e

da intervenção militar terrorista dos Estados Unidos no Afeganistão do 7 de outubro de

2001. Na nova agenda imperialista, as formas da ação imperialista assumem contornos

cada vez mais próximos das formas clássicas de imperialismo do final do século XIX e

início do século XX.

A nova política externa dos Estados Unidos tenderá a enfrentar cada vez maiores

dificuldades para coesionar politicamente o sistema internacional em torno dos seus

objetivos. Em primeiro lugar, cresce a oposição da Europa à política externa dos Estados

Unidos em função das disputas interimperialistas pelas reservas de recursos naturais e de

mercados. Em segundo lugar, intensifica a resistência de países (Irã, Líbia, Síria) e de

movimentos sócio-políticos (fundamentalistas, laicos, culturais) ao imperialismo norte-

americano. Em terceiro lugar, ocorre uma crescente oposição na América Latina (governo

Hugo Chaves na Venezuela, FARC na Colômbia, movimentos sociais e governo Lula no

Brasil) da presença/hegemonia norte-americana no subcontinente latino americano. Em

quarto lugar, o movimento “antiglobalização neoliberal” aprofunda a sua articulação e a

sua capacidade de mobilização por meio de “redes políticas”, conforme testemunha o

Fórum Social Mundial e a mobilização internacional contra as guerras que os Estados

Unidos estão conduzindo e que tenderão a conduzir na nova conjuntura e/ou período

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histórico. Em quinto lugar, ocorre uma tendência de radicalização dos conflitos nacionais

(Índia versus Paquistão; palestinos versus judeus; turcos versus curdos etc).3

Desde que George W. Bush chegou ao governo os interesses norte-americanos

converteram-se no princípio legitimador de um novo tipo de intervencionismo político e

militar, que é permanente, preventivo e global. Propõe, uma bipolarização do mundo entre

o “bem” e o “mal”, e a condução de uma guerra longa contra um inimigo invisível. O mal e

o inimigo que, de início foi exemplarmente representado pela Al Qaeda e pelo regime

Taleban, que posteriormente à guerra do Afeganistão passou a ser representado pelo

“ditador” Sadam Russein e pelo regime iraquiano de então, mas que poderá assumir

formas imprevistas no futuro próximo.

Ocorreu um deslizamento do centro estratégico de “contenção universal” dos

Estados Unidos para o centro estratégico de “ofensiva universal”. Os objetivos centrais da

política norte-americana podem ser definidos então, primeiramente, o de impedir o

aparecimento, em qualquer parte do mundo, e por tempo indeterminado, de qualquer

outra nação ou aliança que se transforme em potência capaz de rivalizar-se com eles. E,

em seguida, o de bloquear e destruir qualquer tipo de poder que tente competir e/ou

autonomizar-se em relação à sua força soberana.

Em função desta realidade soberania, direitos humanos e democracia são valores

que ficam suspensos por um tempo indeterminado e/ou estão sujeitos aos interesses e

cálculos políticos do império.

3 A tendência de radicalização dos conflitos nacionais ora fomentados pelos Estados Unidos para ampliar sua influência na região, ora como disputas determinadas por interesses norte-americano e europeus buscando construir áreas de influência, ora como recursos nacionais-chauvinistas de manipulação de massas, tendo em visto aplacar/ocultar/sublimar crises econômicas e sociais e políticas que decorrem de políticas econômicas coerentes com as determinações e interesses do capital financeiro.

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58

FONTES PESQUISADAS a) Livros: -BIHR, Alain. Da Grande Noite À Alternativa. São Paulo : Boitempo, 2000. -CHESNAIS, François. “Capitalismo De Fim De Século”. In : COGGIOLA, Osvaldo

(org.). Globalização e Socialismo. São Paulo : Xamã, 1997.

-CHOMSKY, Noam. 11 de Setembro. São Paulo : Berthand do Brasil, 2002. -COGGIOLA, Osvaldo, e, KATZ, Cláudio. Neoliberalismo ou crise do capital?

São Paulo : Xamã, 1996.

-MAGNOLI, Demétrio. O mundo contemporâneo: Relações internacionais (1945-2000). São Paulo : Moderna, 1996.

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