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HELOÍSA HELENANUMJS SANT'ANNA "É o ato de sentir que confere existência ao sentimento". Corroborando este ponto de vista, SanfAnna (1999) coloca: "Somos capazes de sentir apenas os sentimentos disponíveis em nosso contexto". Dessa forma, para analisar o relato de Beatriz, temos que enfocar, não o sentimento (substantivo), "depressão", mas as contingências presentes na comunidade verbal que o construiu. Este procedimento de análise aplica-se a todos os sentimentos e emoções. Concluindo, a interpretação dos Estados Subjetivos deve ser feita de fora para dentro, ou seja, é analisando as contingências que a comunidade verbal estabelece que poderemos explicar os sentimentos, os pensamentos, a consciência e os demais estados. REFERÊNCIAS Granger, G.-G. (1979). Introdução. In Descartes, R. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural. Haggbloom, S. J., et ai. (2002). The most eminent psychologist os me 20" 1 century. Review of General Psychology, 6, 139-152. Kohtenberg, R. T., & Tsai,M. (1991). FunctionalAnalyticPsychothempy: Creating Intense and curative Therapeutíc Relationships. Plenum Press, New York. SanfAnna, R.C. (1999). Opsicoterapeuta como estímulo dlscriminativo para a normalidade. Trabalhoapresentado no Vil Encontro da ABPMC, Campinas. Skinner, B. F. (1974). Sobre o Behaviorismo, (Trad. Maria da Penha Villalobos.) São Paulo: Cultrix. Skinner, B. F. (1990). Can Psycology be a science of mind? American Psychologist, 45(11), 1206-1210. Watson, J. B. (1961). El Conductismo (3rd ed). (Trad. Orione Poli.) Buenos Aires: Editora Paidos. (Trabalho original publicado em 1912.) 74 Análise funcional do comportamento Sônia Meyer 1 Departamento de Psicologia Clínica IP-USP RESUMO A análise funcional é a identificação das relações entre os eventos ambientais e as ações do organismo. Para estabelecer estas relações, devemos especificar a ocasião em que a resposta ocorre, a própria resposta e as conseqüências reforçadoras. Quando as relações são de dependência entre eventos, estas são denominadas "contingências de reforço". O primeiro passo da análise funcional é a identificação do comportamento de interesse, que deve ser enunciado tanto em termos de ação ou omissão de ação como em termos de classe de ações, ou seja, comportamentos individuais podem ser membros de classes funcionais mais amplas. Para identificar relações entre variáveis ambientais e o comportamento de interesse, inicia-se com a descrição da situação antecedente e da subseqüente, para em seguida verificar quais destes eventos de fato exercem controle sobre a resposta analisada. Comportamentos operantes podem estar sendo mantidos por reforçamento positivo ou negativo. Para analisar a ocasião em que a resposta ocorre (seus antecedentes), devemos verificar se existem para essa resposta: 1) estímulos cliciadorcs; 2) estímulos discriminativos; 3) operações estabelecedoras; 4) regras c auto-regras (que são estímulos discriminativos ou operações estabelecedoras); 5) eventos encobertos geralmente não podem ser considerados antecedentes, por não participarem da determinação da resposta; 6) a história de vida não é uma ocasião em que a resposta ocorre. Relações entre respostas também fazem parte da identificação de relações enirr 1 Os trabalhos finais apresentados à disciplir Psicologia Clínica da USP "Avaliação e strada pela o Programado Pól-grtdUSfll íntal: fundamentos c i, Noel José Dias da Cosia e FabíolaAlvares Garcia-Serpa fórum iiiIiqHmlu» 75

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HELOÍSA HELENA NUMJS SANT'ANNA

"É o ato de sentir que confere existência ao sentimento". Corroborando esteponto de vista, SanfAnna (1999) coloca: "Somos capazes de sentir apenas ossentimentos disponíveis em nosso contexto".

Dessa forma, para analisar o relato de Beatriz, temos que enfocar, não osentimento (substantivo), "depressão", mas as contingências presentes nacomunidade verbal que o construiu. Este procedimento de análise aplica-se atodos os sentimentos e emoções.

Concluindo, a interpretação dos Estados Subjetivos deve ser feita defora para dentro, ou seja, é analisando as contingências que a comunidadeverbal estabelece que poderemos explicar os sentimentos, os pensamentos, aconsciência e os demais estados.

REFERÊNCIAS

Granger, G.-G. (1979). Introdução. In Descartes, R. Os Pensadores. São Paulo:Abril Cultural.

Haggbloom, S. J., et ai. (2002). The most eminent psychologist os me 20"1 century.Review of General Psychology, 6, 139-152.

Kohtenberg, R. T., & Tsai,M. (1991). FunctionalAnalyticPsychothempy: CreatingIntense and curative Therapeutíc Relationships. Plenum Press, New York.

SanfAnna, R.C. (1999). Opsicoterapeuta como estímulo dlscriminativo para anormalidade. Trabalho apresentado no Vil Encontro da ABPMC, Campinas.

Skinner, B. F. (1974). Sobre o Behaviorismo, (Trad. Maria da Penha Villalobos.)São Paulo: Cultrix.

Skinner, B. F. (1990). Can Psycology be a science of mind? AmericanPsychologist, 45(11), 1206-1210.

Watson, J. B. (1961). El Conductismo (3rd ed). (Trad. Orione Poli.) Buenos Aires:Editora Paidos. (Trabalho original publicado em 1912.)

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Análise funcional do comportamentoSônia Meyer1

Departamento de Psicologia Clínica IP-USP

RESUMO

A análise funcional é a identificação das relações entre os eventos ambientais eas ações do organismo. Para estabelecer estas relações, devemos especificar a ocasiãoem que a resposta ocorre, a própria resposta e as conseqüências reforçadoras. Quandoas relações são de dependência entre eventos, estas são denominadas "contingências dereforço". O primeiro passo da análise funcional é a identificação do comportamento deinteresse, que deve ser enunciado tanto em termos de ação ou omissão de ação como emtermos de classe de ações, ou seja, comportamentos individuais podem ser membros declasses funcionais mais amplas. Para identificar relações entre variáveis ambientais e ocomportamento de interesse, inicia-se com a descrição da situação antecedente e dasubseqüente, para em seguida verificar quais destes eventos de fato exercem controlesobre a resposta analisada. Comportamentos operantes podem estar sendo mantidospor reforçamento positivo ou negativo. Para analisar a ocasião em que a resposta ocorre(seus antecedentes), devemos verificar se existem para essa resposta: 1) estímuloscliciadorcs; 2) estímulos discriminativos; 3) operações estabelecedoras; 4) regras cauto-regras (que são estímulos discriminativos ou operações estabelecedoras); 5) eventosencobertos geralmente não podem ser considerados antecedentes, por não participaremda determinação da resposta; 6) a história de vida não é uma ocasião em que a respostaocorre. Relações entre respostas também fazem parte da identificação de relações en i r r

1 Os trabalhos finais apresentados à disciplirPsicologia Clínica da USP "Avaliação e

strada pela o Programado Pól-grtdUSfllíntal: fundamentos c

i, Noel José Dias da Cosia e Fabíola Alvares Garcia-Serpa fórum iiiIiqHmlu»

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SÔNIA MEYER PKIMIIIKOS PASSOS

eventos ambientais e ações do organismo. A análise funcional está intimamente relacionadaà intervenção, e permanece sendo um desafio o desenvolvimento de uma análise completa,especialmente quando ela não é desenvolvida com controles experimentais. Neste caso,ela pode ser denominada avaliação funcional.Palavras-chave; análise funcional; avaliação funcional; análise de contingências.

A análise do comportamento está interessada nas relações entre oseventos ambientais (os estímulos) e as ações do organismo (as respostas). Aidentificação destas relações é a análise funcional. "Fazer uma análise funcionalé identificar o valor de sobrevivência de determinado comportamento" (Matos1999b,p.ll).

Uma formulação da interação entre um organismo e seu ambiente devesempre especificar a ocasião em que a resposta ocorre, a própria resposta e asconseqüências reforçadoras. As inter-relações entre elas são as contingênciasde reforço (Skinner, 1974).

Contingências referem-se a relações de dependência entre eventos: entrea resposta e a conseqüência reforçadora, no caso do comportamento operante;entre antecedente, resposta e conseqüente, no operante discriminado; entre umacondição e um antecedente e a resposta e a conseqüência, em uma discriminaçãocondicional. Operantes complexos envolvem múltiplas contingências operandoem diferentes combinações, simultânea e/ou sucessivamente.

O primeiro passo para a realização de uma análise funcional é aidentificação do comportamento de interesse. Isto requer, do analista docomportamento, a observação do comportamento e/ou a obtenção de relatos deoutras pessoas.

Sturmey (1996) enumerou diversos critérios para seleção decomportamentos-alvo, sugeridos por vários autores: - selecionar o problemamais aversivo para o cliente, pais ou cuidadores; - selecionar comocomportamento-alvo aquele que apresente perigo físico ao cliente e/ou a outros;- selecionar comportamentos-alvo, sem o tratamento dos quais o cliente teriaum prognóstico pobre; - selecionar o comportamento que é fácil de mudar paraassegurar cooperação do cliente ou do cuidador; - selecionar umcomportamento-chave, aquele que produz maior mudança entre diversoscomportamentos-alvo; - ensinar comportamentos incompatíveis funcionalmenterelacionados que aumentem a adaptação ao ambiente, ou que sejam importantespara o desenvolvimento de outros comportamentos, ou que sejam relevantespara um desempenho bem-sucedído, ou que sejam valorizados socialmente; -selecionar como comportamento-alvo aquele que é provável de se manter; -selecionar comportamentos para mudar que são consistentes com as normaslocais e/ou de desenvolvimento; - selecionar comportamento-alvo que permitauma melhor habilidade de discriminação entre desempenhos bem e malsucedidos.

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O comportamento de interesse deve ser enunciado em termos de açõesdo participante. Por exemplo, a jovem faz chá para o pai, cozinha para o namorado,leva de carro membros da sua família aos lugares que eles pedem. Deve, também,gcr enunciado em termos de classe ou classes de ações. No exemplo dado, umaclasse de ações poderia ser a de agradar os outros. Além disso, para que umadefinição seja completa, é aconselhável identificar exemplos e não-exemplos(Matos, 1999b). No caso citado, um não-exemplo era procurar emprego.

Comportamentos individuais são freqüentemente considerados comomembros de classes funcionais mais amplas. Estas são agrupamentos decomportamentos que compartilham a mesma função, mesmo que com topografiasdiferentes. A identificação destes agrupamentos ou classes requer repetidasobservações de diversos comportamentos e dá-se pela constatação deregularidade de funções de diferentes formas de comportamentos abertos ouencobertos. Sturmey (1996) sugeriu ainda que comportamentos múltiplos podemser organizados em termos de encadeamento ou de hierarquias de respostas.

Também pode ser foco de interesse a omissão ou não ocorrência de umdado comportamento (Matos, 1999b), como, por exemplo, a falta de habilidadessociais. Analistas do comportamento preocupam-se em fortalecer comportamentosadaptados que sejam funcionalmente equivalentes àqueles que estão causandoproblemas e, para isso, às vezes é necessário desenvolver novos repertórios decomportamentos que possam substituir os problemáticos, outras vezes o repertóriojá existe, mas não está sendo devidamente reforçado (Sturmey, 1996).

O segundo passo para a realização de uma análise funcional é, de acordocom Matos (l 999b), identificar e descrever o efeito comportamental: a freqüênciacom que ocorre, duração ou intensidade.

O terceiro passo é o da identificação de relações ordenadas entrevariáveis ambientais e o comportamento de interesse, assim como a identificaçãode relações entre o comportamento de interesse e os outros comportamentosexistentes (Matos, 1999b). Para realizar esta tarefa, iniciamos com a descrição dasituação antecedente e da situação subseqüente ao comportamento de interesse.Após essa descrição, passamos a identificar quais eventos são condiçõesantecedentes e quais são conseqüências.

Para analisar as conseqüências, as seguintes perguntas sugeridas porMatos (1999b) podem ser formuladas: a) é uma condição reforçadora ou umacondição aversiva? b) sua ação se faz por apresentação, remoção ouimpedimento? c) o produto é grande, provável, imediato? d) existem produtos ulongo prazo? Quais? e) os produtos são conseqüências naturais ou SOCÍIIÍH?São conseqüências mediadas por agentes sociais? Quem são os agentes?

As respostas a estas perguntas ajudam-nos a entender característica*essenciais dos comportamentos operantes. As respostas que são cnnlnilmliiN

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SÔNIA MEYI

(', pelos estímulos conseqüentes são chamadas de operantes, os operantes são,então, caracterizados pela relação RESPOSTA-CONSEQÜÊNCIA (R-C). Osoperantes podem ocorrer em baixa freqüência ou alta freqüência, a depender doestímulo conseqüente. Quando se observa o aumento na freqüência de respostas,diz-se que as respostas foram reforçadas e, quando se observa baixa freqüênciade respostas, dizemos que as respostas foram punidas ou extintas. Dois tipos deconseqüências são chamados de reforços, aquelas em que uma resposta produza apresentação de um estímulo (reforço positivo) e aquelas em que uma respostaproduz a remoção (reforço negativo ou fuga) ou o adiamento de um estímulo(reforço negativo - esquiva). Ambos os tipos de conseqüências produzem oaumento na freqüência da resposta (Sidman, 1995). Assim como nas contingênciasde reforçamento, dois tipos de contingências de punição podem ser observados:o primeiro tipo ocorre quando uma resposta produz a apresentação de um estímuloaversivo (punição positiva), e o segundo, quando uma resposta produz a remoçãode um estímulo reforçador positivo (punição negativa) (Sidman, 1995), Afreqüência de respostas também diminui quando um reforçador usual deixa deser apresentado, e esse processo é chamado de extinção.

Ao realizarmos análises funcionais de comportamentos consideradosproblemáticos, podemos direcionar nossa pesquisa sobre os conseqüentes paraas seguintes questões: há falta de conseqüências apropriadas? Isto porque algumasvezes pessoas desenvolvem comportamentos problemáticos simplesmente porqueo ambiente não reforça respostas mais úteis. Há conseqüências competitivasentre si? Vários comportamentos desenvolvem-se sob um conjunto de condições,mas mais tarde passam a ser influenciados por outras condições, e pode ser difícilidentificar quais delas estão operando num determinado momento. Conseqüênciasa curto prazo muitas vezes competem com as de longo prazo, como no caso defazer dieta, em que a conseqüência a longo prazo mantém o comportamento, maso reforço imediato obtido pelo comer claramente interfere. Há controle conseqüenteinadequado, ou seja, existem reforços que não deveriam reforçar, como é o caso dapedofílía? Nestes casos, pode ser necessário dificultar o acesso a estes reforçadores(Follette, Naugle & Linnerooth, 2000).

Para analisar a ocasião em que a resposta ocorre, ou seja, os antecedentesda resposta, devemos verificar se existem para essa resposta 1) estímuloseliciadores; 2) estímulos discriminativos; 3) operações estabelecedoras. Podemosainda tentar identificar a existência de um tipo importante de estímulodiscríminativo ou operação estabelecedora: 4) regras e auto-regras. Seidentificarmos a ocorrência de pensamentos ou sentimentos antes da ocorrênciada resposta, teremos que olhar com muito cuidado se estes 5) eventos encobertospodem ser considerados antecedentes, se realmente participam da determinaçãoda resposta. Ao analisarmos a 6) história de vída, devemos evitar confundi-lacom a ocasião em que a resposta ocorre.

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1'KIMHmosl'ANWW

L. Estímulos eliciadores

Respostas reflexas ou respondentes são eliciadas ou provocadas porum estímulo. Por exemplo, o estímulo "ruído alto" elicia a resposta de susto.

2. Estímulos discriminativos

Em uma contingência de três termos, os estímulos discriminativos (Sua)sinalizam as condições sob as quais uma resposta tem conseqüênciasdiferenciais.

Os operantes (relações R-C) não ocorrem indiscriminadamente, elespodem ocorrer em algumas situações e em outras não, na presença de algumestímulo e não ocorrer na sua ausência ou, ainda, uma resposta poderia ocorrerna presença de um estímulo e não ocorrer na presença de um outro estímulo. Osestímulos que antecedem os operantes são freqüentemente chamados deestímulos discriminativos, e a relação de dependência entre um estímulodisctiminativo (SD), uma resposta (R) e uma conseqüência (C) é chamada detríplice contingência (SD-R-C) (Catania, 1 999; Matos, 1 98 1, 1 999a). Em uma tríplicecontingência ou contingência de três termos, os SDs sinalizam as condições sobas quais uma resposta tem conseqüências diferenciais. Por exemplo, umadolescente pode aprender que na presença dos pais (SD1) falar "palavrões" (R)é seguido por desaprovação (Cl), enquanto na presença dos amigos (SD2) falar"palavrões" (R) é seguido por aprovação (C2). Um adolescente submetido aesta situação apresentará um operante discriminado se falar palavrões apenasna presença dos amigos e não falar palavrões na presença dos pais. O operanteé considerado discriminado quando a resposta emitida pelo organismo ocorrecom alta freqüência na presença de um SD e não ocorre ou ocorre em baixafreqüência na sua ausência ou presença de um outro SD (Matos, 1981).

A função do estímulo antecedente (estímulo discríminativo) nooperante deve ser diferenciada da função do estímulo antecedente (estímuloeliciador) no respondente. O estímulo antecedente no operante tem a funçãoapenas de estabelecer a ocasião em que uma resposta será seguida pordeterminadas conseqüências, ele não elicia, não provoca a resposta. A relaçãoentre o estímulo discriminativo e a resposta no operante deve ser entendida,segundo Matos (1981), em termos probabilísticos, ou seja, a resposta tem asua probabilidade de ocorrência aumentada em função da apresentação doestímulo discriminativo, entretanto, ela poderá ou não ocorrer, não se tratando,portanto, de uma relação causai. No caso do estímulo eliciador no respondente,a relação entre o estímulo e a resposta é causai e não probabilística, ou seju, nresposta é eliciada, provocada pelo estímulo antecedente e sempre ocorrcrà NOo estímulo eliciador estiver presente.

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SOMA MEYHR

Ao analisarmos funcionalmente comportamentos considerado»problemáticos, podemos direcionar nossa pesquisa sobre os antecedentes piinias seguintes questões: Faltam antecedentes apropriados, ou seja, o problem»ocorre não por falta de repertório do indivíduo, mas por falta de oportunidade deocorrência de uma resposta apropriada? Uma criança que é filha única e que nilofreqüenta escola pode não ter tido oportunidade de desenvolver cooperação.Falta controle discriminativo? Há ocasiões em que um padrão comportamental íapropriado em alguns contextos, mas não em outros, entretanto, estes diferentescontextos não controlam diferencialmente as respostas. Há controlediscriminativo inadequado? Este parece ser o caso de comportamentosautolesivos que são reforçados diferencialmente, mas onde seria mais desejávelque o mesmo contexto controlasse respostas funcionalmente equivalentes, masmenos destrutivas (Follette, Naugle & Linnerooth, 2000).

3. Operações Estabelecedoras - OEs

Além dos estímulos discriminativos, outras condições ambientaisantecedentes podem alterar diferentemente a probabilidade de ocorrência dosoperantes. Operações como a privação e a saciacão podem aumentar ou diminuira probabilidade de ocorrência de uma resposta. A estas operações Michael(1982,1993) chamou de operações estabelecedoras (OEs). Catania (1999) defineas OEs como qualquer operação que mude a condição de um estímulo como umreforçador ou punidor, como, por exemplo, a privação, a saciação, osprocedimentos que estabelecem estímulos formalmente neutros comoreforçadores condicionados ou como aversivos condicionados e asapresentações de estímulos que mudam a condição reforçadora ou punitiva deoutros estímulos (p.412). Por exemplo, se uma criança pede ou não um copo deágua pode depender, em grande parte, de quanto tempo se passou desde aúltima vez em que ela bebeu água e não da presença ou ausência do filtro deágua. Essas operações têm a função de evocar a resposta e alterar a efetividadede eventos reforçadores ou punitivos.

As operações estabelecedoras produzem dois diferentes efeitos sobreo comportamento de um organismo: l- alterar (aumentando ou diminuindo) aefetividade de algum objeto ou evento como reforçador ou punidor e 2- evocaro comportamento que, no passado, foi seguido por esta conseqüência. Asoperações estabelecedoras são operações ambientais antecedentes que devemter suas funções diferenciadas da função das operações ambientais antecedentesdefinidas como estímulos discriminativos. As operações estabelecedoras definema efetividade de conseqüências, enquanto os SDs apenas sinalizam a ocorrênciadas conseqüências, caso a resposta seja emitida.

PRIMEIROS PASSOS

As operações estabelecedoras de privação, saciação e estimulaçãoaversiva possuem, segundo Michael (1993), quatro efeitos comuns:

1- Efeito estabelecedor de reforçamento ou punição: uma operaçãoestabelecedora altera momentaneamente a efetividade reforçadora ou punidorade um estímulo;

2- Efeito evocativo ou supressivo: evoca ou suprime respostas que no passadoproduziram conseqüências cuja efetividade tenha sido alterada;

3- Efeito evocativo ou supressivo do SD: aumenta a efetividade evocativa ousupressiva de todos os SDs que tenham sido correlacionados com o reforçadorou punidor definido pelas operações estabelecedoras;

4- Efeito sobre o reforçamento ou punição condicionada: aumenta/diminui aefetividade reforçadora ou punidora de qualquer estímulo que tenha sido pareadocom o reforçador ou punidor estabelecido pelas operações estabelecedoras.

As operações estabelecedoras podem ser condicionadas ouincondicionadas. As operações estabelecedoras condicionadas são aquelascorrelacionadas com estímulos reforçadores, punidores ou eliciadorescondicionados, ou seja, que passaram por um processo de aprendizagem. Asoperações estabelecedoras incondicionadas são aquelas correlacionadas comestímulos incondicionados, não estabelecidos por qualquer processo deaprendizagem. A distinção entre as operações estabelecedoras condicionadas eincondicionadas depende unicamente do processo de estabelecimento - inatoou aprendido - e não do efeito evocativo.

O estudo das operações estabelecedoras pode contribuir para umaanálise mais minuciosa das variáveis das quais o comportamento é função. ParaSchlinger e Blakely (1994), a análise do comportamento operante não deve serestringir apenas à análise da contingência de dois termos (relação R-S), masdeveria contemplar também a análise das OEs e dos SDs que antecedem acontingência de dois termos. O seguinte paradigma é sugerido por Schlinger eBlakely (1994):

OE

* Conseqüência

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SÔNIA MEYER

Um exemplo da utilidade da análise de operações estabelecedoras foidado por Dougher e Hackbert (2000) em estudos relacionados à depressão. Paraos autores, os comportamentos depressivos são, geralmente, antecedidos por

5S condições: l - níveis insuficientes de reforçamento; 2- a perda de uma gamaae retorçadores; 3- persistente punição ou altos níveis de estimulação aversiva.a terceira condição funcionaria como operação estabelecedora para oscomportamentos depressivos, uma vez que evocaria os seguintescomportamentos: chorar excessivamente, autodepreciação, formulação de regras

sãs sobre si mesmo, esquiva social, abuso de álcool e drogas, pensamentospessimistas sobre o futuro, sono, entre outros. Estabeleceria, ainda, as expressõesae simpatia, a comiseração e a oferta de assistência como reforçadores efetivos

m disso, estas condições antecedentes poderiam potencializar os efeitoslorçadores do comer, dormir, do isolamento, das drogas e do álcool.

Segundo Sturmey (1996), os estados emocionais também poderiamfuncionar como operações estabelecedoras. O estado de ansiedade, por exemplopodena funcionar como uma OE por: l -aumentar o valor reforçador da remoção

.te estimulo e 2- aumentar a freqüência dos comportamentos que removemeste estimulo. Para o autor, o conhecimento das operações estabelecedoras peloinahsta do comportamento poderia proporcionar formulações mais complexas e

Doderir™ de,,SUaS/0rmuIaf^- Além disso, as operações estabelecedorasnam ser uülizadas para descrever como as relações antecedente-resposta-

conseqüência são alteradas em ambientes diferentes.

Miguel (2000) aponta quatro razões para que o conceito de OE seja levado-m conta numa análise funcional: l- porque tal conceito pressupõe relações

íntais que poderiam alterar o valor de reforçadores condicionadosindependente do valor de reforçadores primários com os quais foram pareados; 2-porque permite a manipulação de comportamentos através da manipulação de

«tos ambientais antecedentes, mantendo a relação resposta-conseqüênciaconstante; 3- porque provoca uma nova discussão conceituai a respeito do uso

mo i ; 4- porque chama a atenção dos analistas do comportamento para um

r ^ c o c o s : a m o v a ç o - e s i m oa (1999), quando estudamos a motivação, estamos interessados no que

as conseqüências mais ou menos efetivas como reforçadoras ou punitivas.

1. Regra e aiito-regra

rsirirn ^Sé ̂ estímul° discriminativoverbal que descreve contingênciasJfflier, 1 982), mas ha situações em que ela pode funcionar ainda como operação

.tabelecedora, ou seja, pode exercer múltiplas funções (Albuquerque, 2001) A

Pr?™,0 H T ™amstruÇão- um conselho, uma ordem, uma exigência, umaproposta de beneficio mútuo.

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PKIMHIKOH PANSUN

Regras são antecedentes de comportamentos de seguir regras, e essescomportamentos são denominados de comportamentos governados por regrasem contraposição aos comportamentos modelados por contingências. A rigor,apenas a primeira emissão de um novo comportamento após uma regra ter sidoformulada é um comportamento governado por regras, porque o comportamentode seguir regras também é um operante mantido por contingências. Asconseqüências que mantêm o comportamento governado por regras são de doistipos: a obediência à regra é mantida por contingências sociais; a execução docomportamento especificado pela regra é, em geral, um desempenho motormodelado por contingências naturais (Matos, 2001).

Essa mesma questão pode ser mais bem explicada: O comportamento deseguir regras sempre envolve duas contingências, uma a longo prazo, a contingênciaúltima, e outra a curto prazo, a contingência próxima ou reforço por seguir a regra(Baum, 1999). Quando o ouvinte acata uma ordem, pedido ou instrução, o falantefornece aprovação ou reforçadores simbólicos ou retira uma condição aversiva.Esta conseqüência tem papel fundamental quando se quer instalar umcomportamento, ou quando se está em início de treino. A contingência última justificaa existência da contingência próxima, pois embora atue a longo prazo,

"incorpora uma relação entre comportamento e conseqüência que érealmente importante, independente de quão trivial ou arbitrária acontingência próxima possa parecer. A relação é importante porque serefere à saúde, sobrevivência e bem-estar a longo prazo dosdescendentes e da família (Baum, 1999, p. 162)".

Por exemplo, sujeira e pedregulhos no chão constituem o contexto parausar sapatos, porque isso impede ferimentos e doenças que poderiam seradquiridas ao andar descalço. Assim, a redução da probabilidade de ferimentose doenças e o aumento da probabilidade de sobreviver e reproduzir constituemo reforço último por usar sapatos. A regra e a contingência próxima sãotemporárias. Se a resposta neste contexto for fortalecida, entrará em contatocom a contingência última e será mantida por ela. Esta seria a situação ideal,embora não ocorra em todos os casos (Baum, 1999).

Regras facilitam a aquisição de novos comportamentos, principalmentequando as contingências são complexas, imprecisas ou aversivas. Entretanto, oseguimento de regras pode produzir redução na sensibilidade comportamentalàs contingências naturais, ou seja, quando as contingências naturais mudam co comportamento não se altera, diz-se que o comportamento é insensível àscontingências naturais. Provavelmente, nestes casos, o comportamento eslliapenas sob controle das contingências sociais, não fazendo contato com IIHcontingências naturais que produziriam comportamento incompatível.

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SÔNIA MEYER

Seres humanos não apenas seguem regras apresentadas por outros,como também formulam e seguem suas próprias regras. Quando estas sãoformuladas ou reformuladas pelo indivíduo cujo comportamento passam acontrolar, dizemos que são auto-regras. Neste caso, uma parte do repertório doindivíduo afeta outra parte deste repertório. As auto-regras podem ser explicitadaspublicamente, ou podem ocorrer de forma encoberta, quando o indivíduo pensa(Jonas, 1997).

É importante considerar que, quando há correspondência entre auto-relato e desempenho não-verbal, é difícil afirmar se o desempenho não-verbal foicontrolado pelo relato ou se as mesmas contingências controlam tanto açãoquanto descrição da ação, sem que o relato participe da determinação da ação.

A formulação de novas regras é um mecanismo de mudança na clínica,e uma forma de facilitar o aparecimento de novos comportamentos que se esperaque passem a ser controlados por suas conseqüências naturais. Entretanto, aose conduzir uma análise funcional de um caso clínico, é difícil que regras sejamantecedentes críticos. Geralmente, os comportamentos-alvo de nossas análisese intervenções estão bem estabelecidos e, mesmo que tenham sido adquiridospor regras, são mantidos por algum tipo de reforço, caso contrário não semanteriam. Se o cliente está seguindo uma regra que está em desacordo com asconseqüências naturais de suas ações, ele deve estar sendo reforçado por isso: e essa a dimensão que deve ser analisada com ele. Podemos considerar a

possibilidade de que ele seja excessivamente controlado por aprovação social.

Outro cuidado deve ser tomado ao se empregar o conceito de governopor regras para explicar fenômenos que ocorrem na clinica. Não se devemonrundir crenças, conceito usado pelos terapeutas comportamentais cognitivos,

com regras, apesar de existirem algumas semelhanças. Afirmar que um clientepossui uma crença, muitas vezes irracional, e que ela é responsável porcomportamentos que causam problemas, é usualmente uma afirmação sobre aprobabilidade de comportamento e está baseada na observação de instânciasou relatos passados do comportamento (Costa, 2002). O termo "regra" é porvezes usado de maneira similar, como nos alertou Baum (l 999), ao afirmar quelao se diz que uma pessoa está seguindo uma regra quando percebemos alguma

regularidade em seu comportamento. Por exemplo, uma avaliação funcionalidentificou o comportamento inadequado de um homem em aproximar-se demulheres. Identificou ainda uma história de punição para essa classe de ações,mas concluiu que esta história levou-o ao desenvolvimento da regra "se eu fortalar com alguma moça, vai dar tudo errado", que teria passado a controlar seucomportamento de esquiva social. Mas será que há necessidade de supor queuma regra esteja controlando o comportamento? Não basta a história de vidapara entender a função deste comportamento?

Ao analisarmos comportamentos considerados problematicon,podemos direcionar nossa pesquisa sobre o controle por regras paru tisseguintes questões: O cliente formula regras que não correspondem i\contingência natural? Ele tem dificuldades em seguir regras e auto-regras? Adificuldade em seguir regras restringe-se àquelas que descrevemconseqüências diretas do comportamento (em contraposição à aprovaçãosocial)? Ou ele apresenta seguimento excessivo de regras, mantidas porconseqüências sociais? (Follette, Naugle & Linnerooth, 2000).

2. Eventos encobertos podem ser antecedentes?

Baseando-se em Skinner(1982), alguns terapeutas comportamentais epesquisadores brasileiros têm utilizado eventos encobertos em suas análises(Banaco, 1999). Tal uso suscita questões e divergências. Algumas delas seriam:o uso de eventos internos na análise funcional é legitimo? Não seria uma tentativade explicar as causas do comportamento humano a partir do interior das pessoas,como nas teorias mentalistas? Se for importante utilizar os eventos encobertosna análise funcional, qual seria o papel destes e sua importância?

Inicialmente, é necessário definir o que são eventos encobertos. SegundoSkinner (1982), o comportamento encoberto é aquele que só pode ser observadopela própria pessoa que se comporta (por exemplo, sentir) ou pode ser executadoem uma escala tão pequena que não seja visível aos outros (por exemplo, pensar),ou o comportamento encoberto é fazer aquilo que se faria quando o estímuloestivesse presente (como ver algo na ausência da coisa vista, "fantasiar", porexemplo). Por isso, o acesso da comunidade verbal a estes comportamentos érestrito, e depende da descrição verbal feita pelo indivíduo de seus próprioscomportamentos encobertos. Até o momento, o relato verbal é a fonte maisimportante de dados sobre os eventos internos (de Rose, 1997).

Poderia se definir eventos internos a partir de outra perspectiva. Banaco(1999) sugere que seria melhor definir essa classe de eventos não comocomportamentos encobertos, mas sim como respostas encobertas, já quesabemos que o comportamento é mais do que uma resposta.

O uso dos eventos encobertos no processo terapêutico tem importânciano contexto behaviorista? Na busca dessa resposta, terapeutas brasileiros têmse referido com freqüência à seguinte citação de Skinner (1982):

"Uma análise behaviorista não discute a utilidade prática dos relatosacerca do mundo interior, o qual é sentido e observado introspectivamente.Eles são pistas (l) para o comportamento passado e as condições que oafetaram; (2) para o comportamento atual e as condições que u afetam;e (3) para as condições relacionadas com o comportamento futuro. "

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Parece estar, então, justificada a prática de se investigar o mundo interiortos clientes. Mas outra questão é levantada: o que fazer com as informações

coletadas? Elas são o que, e servem a quê?

De Rose (l 997) menciona que há circunstâncias nas quais o pesquisadorlao pode obter dados de observação sobre alguma contingência que opera ou

operou sobre as respostas que está estudando. Nesses casos, ele se utiliza derelatos verbais dos sujeitos que descrevam as contingências que necessita parapoder analisar. Assim, perguntar aos clientes o que pensaram, ou o que sentiramno momento pode ser uma forma de se poder chegar aos dados que levam àanalise funcional.

Skinner (l 974) justifica esta prática da seguinte forma:

'Tentamos descobrir como outra pessoa se sente por varias razões.Boa parte de. nosso comportamento é reforçada por seus efeitos sobreos outros, e será presumivelmente mais reforçador se o efeito for claro.Assim, agimos para reforçar aqueles de quem gostamos ou a quemamamos ou para evitar feri-los, em parte, por causa do que farão porsua vez. (A tendência poderia ser inata, de vez que há um valor desobrevivência, por exemplo, no comportamento de uma mãe que alimentaseu filho, cuida dele e os protege dos perigos e que, assim fazendo,propicia condições que classificamos como reforçadores positivos enegativos; todavia, as contingências sociais de reforço geram umcomportamento comparável). È importante que o receptor revele quefomos bem-sucedidos e ele o pode fazer informando seus sentimentosUma pessoa que está sendo massageada diz que a sensação é boa-alguém para quem se está tocando determinada peça musical diz quegosta dela. Quando tais 'sinais de sentimentos' estão ausentes, podemosperguntar ou investigar de outro modo como uma pessoa se sente(Skinner, 1974, p.193)."

O que fazer com as informações obtidas sobre os eventos encobertos?bsta e uma questão primordial ao se tratar do tema análise funcional. Taisníormaçoes devem ser consideradas não como explicação da conduta do

indivíduo, mas como um meio de se saber mais a respeito das contingências nasquais ele está inserido. A isto, Skinner (l 974) refere-se assim:

"A comunidade verbal pergunta 'como você se sente', em vez de 'porquevocê se sente assim?' por que terá maior probabilidade de obter umaresposta. Tira vantagem da informação disponível, mas deve culpar só asi própria se não houver outros tipos de informação ao dispor (p.187-

PRIMIÍIROS PASSOS

(...) Pode parecer que há uma razão mais forte para investigar ossentimentos alheios. Se 'não é o comportamento que importa, mas comoa pessoa se sente quanto a seu comportamento', a descoberta dos sentimentosdeveria constituir o primeiro passo. Mas a maneira como uma pessoa sesente acerca de seu comportamento depende do comportamento e dascondições de que é função, e podemos lidar com estas sem examinarsentimentos. Quando estamos ajudando pessoas a agir de forma maiseficaz, nossa primeira tarefa será aparentemente modificar-lhe a maneirade sentir e assim a maneira de agir, mas um programa mais efetivo serámudar-lhes a maneira de agir e assim, incidentalmente, a de sentir.Numa análise behaviorísta, conhecer outra pessoa é simplesmente conhecero que ela faz, fez ou f ara, bem como a dotação genética e os ambientespassados e presentes que explicam por que ela o faz. Não se trata de umatarefa fácil porque muitos fatores relevantes estão fora do alcance e cadapessoa é indubitavelmente única. Mas nosso conhecimento de outrem élimitado pela acessibilidade, nãopela natureza dos fatos (p.194)."

Embora não haja nada, em uma concepção externalista docomportamento, que justifique a recusa em analisar o comportamento verbalsupostamente descritivo de eventos internos, há que se cuidar em entendê-loscomo indicativos das contingências ambientais envolvidas na conduta doindivíduo (Tourinho, 1997). Essa classe de eventos tem sua importância emoferecer pistas para que sejam identificados os determinantes, sendo vistos,portanto, como adjuntos a eles, um subproduto destes determinantes quefacilitam sua identificação.

A consideração dos eventos encobertos na análise funcional é devidaao fato de se constituírem em facilitadores do processo de identificação ecompreensão dos eventos em análise. Através deles, torna-se possível percebera intensidade em que certos eventos impactam o indivíduo.

Concluindo, a identificação de contingências é fundamental para acompreensão do comportamento e a decorrente mudança deste. Essa tarefa serábem-sucedida se o terapeuta, ou analista do comportamento, investigar compropriedade todos os aspectos possíveis relacionados a ela. Nesse sentido, oestudo dos eventos encobertos se reveste de importância, dadas as suaspossibilidades em favorecer tal tarefa.

Embora tenham importância em sinalizar eventos e permitir uma compreensãomais ampla dos determinantes, aos eventos encobertos não se deve atribuir funçãocausai. Contudo, deve-se buscar no ambiente os eventos diretamente associados aeles que tenham tal relação com o comportamento em análise.

Finalizando, pensamentos, regras, auto-regras e sentimentos não sãoos antecedentes priorizados. Eles podem ser antecedentes quando há algumaevidência de que participaram da contingência. Por exemplo, qu;imlo t i

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pensamento ou processo de tomada de decisão de uma pessoa tiver influenciadodiretamente a ação subseqüente. Neste caso, há uma relação resposta-resposta.Dores podem ser consideradas antecedentes quando eliciarem respondentes.Medo, por sua vez, não seria considerado um antecedente, e sim um indicadorda existência de um estímulo aversivo.

3. História de vida não é antecedente

Devemos evitar contundir história de vida e antecedentes. Antecedentetem sido entendido como a ocasião em que a resposta ocorre e não como "atose fatos anteriores de uma pessoa que permitem julgar sua conduta presente"(Dicionário Míchaelis eletrônico). Isto não quer dizer que a pesquisa da históriade vida não seja relevante, apenas que os dados obtidos não são aqueles quecorrespondem ao primeiro termo da contingência de três termos. Variáveishistóricas podem ser importantes, se elas levam à identificação de variáveiscontemporâneas que afetam o comportamento e são controláveis. Oconhecimento da história nos dá informações sobre a maneira pela qual oindivíduo tende a se comportar em função da aprendizagem e dos esquemas dereforçamento a que foi submetido.

Relações comportamento-comportamento: A análise dos antecedentese conseqüentes é, em grande parte, análise de relações ordenadas entre variáveisambientais e o comportamento de interesse. Entretanto, já foi levantada apossibilidade de haver relações entre o comportamento de interesse e outroscomportamentos existentes no caso das auto-regras e dos comportamentosencobertos. Para identificar relações comportamento-comportamento, algumasperguntas podem ser úteis: "Existem outros comportamentos que ocorrem antesdo comportamento de interesse? Sua relação com o comportamento de interesseé de necessidade (pré-requisitos), de facilitação, ou são ocorrências acidentais?"(Matos, 1999b,p. 16).

Como último aspecto a ser considerado, é importante ressaltar que aanálise funcional está intimamente relacionada à intervenção, dado que ela fornececondições para seu planejamento. Inclusive, o sucesso de uma intervenção quefoi baseada em predições possibilitadas pela análise funcional tem sidoconsiderada um teste desta. Analistas do comportamento preconizam que aseleção do tratamento seja feita com base na análise da função, ou da provávelfunção do comportamento. Neste sentido é que a aplicação de técnicasdissociadas de uma análise funcional não é vista com bons olhos pelos analistasdo comportamento. Sem entrar em detalhes sobre como se pode derivar umtratamento a partir da análise funcional, podemos dizer que a intervenção podese dar ao se propor novas contingências ou ao se ensinar o cliente a conduziranálises funcionais.

Finalizando, a análise funcional ou a avaliação funcional (termo preferidono caso em que não é feita uma análise experimental) é o instrumento básico detrabalho de qualquer analista de comportamento. É sua tarefa identificarcontingências que estão operando e inferir quais as que possivelmente operaramno passado, ao ouvir a respeito ou observar diretamente comportamentos. Elepode também propor, criar ou estabelecer relações de contingência paradesenvolver ou instalar comportamentos, alterar padrões, assim como reduzir,enfraquecer ou eliminar comportamentos dos repertórios dos indivíduos.Mudanças no comportamento só se dão quando ocorrem mudanças nascontingências. Por isso, a análise funcional é fundamental sempre que o objetivoseja o de predição ou controle do comportamento. Entretanto, esta não tem sidouma tarefa fácil, especialmente quando ela não é desenvolvida com os controlesexperimentais possíveis no laboratório (Meyer, 1997,1998). Mas, de acordo comSkinner (l 974), a objeção feita a uma análise funcional completa, a de que ela nãopode ser levada a efeito, é que ela ainda não foi levada a efeito. Ele disse que ocomportamento humano é talvez o mais difícil de ser estudado pelos métodoscientíficos, mas que a complexidade não nos deveria desanimar.

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