vida e morte intimamente conectadas: uma … · vida e morte intimamente conectadas: uma...

105
CENTRO UNIVERSITÁRIO AUTÔNOMO DO BRASIL UNIBRASIL VIDA E MORTE INTIMAMENTE CONECTADAS: UMA INVESTIGAÇÃO DA ROTINA PRODUTIVA DA SEÇÃO OBITUÁRIO DA GAZETA DO POVO CURITIBA 2016

Upload: votuong

Post on 07-Nov-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

CENTRO UNIVERSITÁRIO AUTÔNOMO DO BRASIL – UNIBRASIL

VIDA E MORTE INTIMAMENTE CONECTADAS: UMA INVESTIGAÇÃO DA

ROTINA PRODUTIVA DA SEÇÃO OBITUÁRIO DA GAZETA DO POVO

CURITIBA 2016

CENTRO UNIVERSITÁRIO AUTÔNOMO DO BRASIL - UNIBRASIL KÊNIA CARVALHO

VIDA E MORTE INTIMAMENTE CONECTADAS: UMA INVESTIGAÇÃO DA

ROTINA PRODUTIVA DA SEÇÃO OBITUÁRIO DA GAZETA DO POVO

Trabalho de Conclusão apresentado à Banca

Examinadora do Curso de Comunicação

Social com Habilitação em Jornalismo do

Centro Universitário Autônomo do Brasil –

UniBrasil

Orientadora: Profª Dra. Maura Martins

CURITIBA 2016

O obituário tem o papel de nos aproximar de pessoas, de nos contar uma história e de revelar a existência de alguém. No fim das contas, é disto que trata o jornalismo: de vidas e memórias. Contar histórias foi exatamente o que me fez escolher o jornalismo como profissão, parece justo escolher essa seção para encerrar meu primeiro ciclo acadêmico. Dedico este trabalho ao meu pai, José Carlos de Carvalho e a Douglas Vieira, que confiaram em mim e me deram estímulos, apoio e carinho para que eu chegasse até aqui. Amo vocês!

AGRADECIMENTOS

Ao meu pai, pelos princípios, ética e aconselhamentos.

Meu muito obrigada ao meu esposo, que a oito mil quilômetros se fez presente

através do suporte, compreensão e amor.

À minha professora e orientadora Maura Martins, pela disposição e pela direção.

Aos professores do curso de Jornalismo do UniBrasil, em especial para Elaine

Javorski, Paulo Camargo, Rodolfo Stancki e Ricardo Sabbag, pelo suporte

constante.

Também não posso deixar de prestar um agradecimento especial à minha querida

amiga Regiane Marroco, pelo amparo prestado do começo ao fim da minha trajetória

em busca da graduação como jornalista.

Os demais agradecimentos vão aos estudantes de Jornalismo que colaboraram com

meu projeto: Alexia Lopes, Ana Paula Saraiva e Natanny Carvalho.

RESUMO

A presente monografia visa discutir o processo de produção da seção obituário da Gazeta do Povo. Deste modo, o intuito é investigar como se dá a criação de um texto com características autorais e literárias, como o texto do obituário, dentro de uma rotina produtiva marcada pela temporalidade que fundamenta o processo jornalístico. Para isso, a análise se consolidou por três aparatos teórico-metodológicos: análise das rotinas produtivas a partir dos estudos do newsmaking; mapeamento dos valores-notícias; e por fim, a etnografia como forma de investigação das rotinas e desenvolvimento da seção.

Palavras-chave: obituário, Gazeta do Povo, rotina produtiva, valores-notícias.

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO........................................................................................................ 8

2. A MORTE E SUA RELAÇÃO COM A SOCIEDADE E O JORNALISMO ............ 10

2.1 CONCEITOS E VISÕES SOBRE A MORTE ............................................................................................. 10

2.2 A(S) MORTE(S) NO JORNALISMO ................................................................................................... 13

2.3 OBITUÁRIOS – A MORTE CELEBRADA NO JORNALISMO ........................................................................ 17

2.4 O OBITUÁRIO NA GAZETA DO POVO ............................................................................................... 22

3. FORMATO OBITUÁRIO COMO PRODUTO DA INDÚSTRIA JORNALÍSTICA .. 29

3.1 JORNALISMO COMO UM PROCESSO INDUSTRIAL ................................................................................ 29

3.2 O OFÍCIO DO NARRADOR E SUA APROXIMAÇÃO COM AS ESPECIFICIDADES DOS GÊNEROS TEXTUAIS ................. 31

3.3 JORNALISMO LITERÁRIO E ROTINAS PRODUTIVAS DE TRABALHOS AUTORAIS COMO O OBITUÁRIO ................... 34

4. PRODUÇÃO JORNALÍSTICA E A ELABORAÇÃO DA NOTÍCIA ....................... 38

4.1 A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA SOB A PERSPECTIVA DA TEORIA DO NEWSMAKING ......................................... 38

4.2 ROTINAS PRODUTIVAS NA ELABORAÇÃO COTIDIANA DO PRODUTO JORNALÍSTICO ...................................... 40

4.3 A ELABORAÇÃO DA REPORTAGEM-PERFIL NA ROTINA PRODUTIVA DE UM JORNAL ...................................... 42

5. ANÁLISE DO PROCESSO PRODUTIVO DO OBITUÁRIO DO JORNAL GAZETA

DO POVO.................................................................................................................. 46

5.1 A PESQUISA ETNOGRÁFICA COMO FORMA DE ENTENDER AS ROTINAS PRODUTIVAS DO OBITUÁRIO ................. 46

5.2 MÉTODO E CONDIÇÕES DA PESQUISA EMPREGADA............................................................................. 49

5.3 O PROCESSO DE SELEÇÃO E CONSTRUÇÃO DO OBITUÁRIO DA GAZETA DO POVO ........................................ 51

5.4 O OBITUARISTA E A INFLUÊNCIA DA TEORIA DO NEWSMAKING .............................................................. 53

5.5 APROXIMAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE NOTICIABILIDADE NO OBITUÁRIO DA GAZETA DO POVO .......................... 55

5.6 PARÂMETRO DE VALORES-NOTÍCIAS IDENTIFICADOS ........................................................................... 58

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 62

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 64

LISTA DE ENTREVISTAS ........................................................................................ 70

ANEXOS ................................................................................................................... 71

ANEXO 1. ROTEIRO DE PERGUNTAS AOS COLABORADORES E EX-COLABORADORES DA SEÇÃO. ALINE PERES ........... 72

ANEXO 2. ROTEIRO DE PERGUNTAS AOS COLABORADORES E EX-COLABORADORES DA SEÇÃO. FERNANDA LEITÓLES . 78

ANEXO 3. ROTEIRO DE PERGUNTAS AOS COLABORADORES E EX-COLABORADORES DA SEÇÃO. JOSÉ CARLOS

FERNANDES ................................................................................................................................... 86

ANEXO 4. ROTEIRO DE PERGUNTAS AOS COLABORADORES E EX-COLABORADORES DA SEÇÃO. MARLETH SILVA ....... 97

8

1. INTRODUÇÃO

Esta monografia pretende investigar de que forma se dá a produção do

obituário na Gazeta do Povo – ou seja, identificar a estrutura da rotina do setor, seus

valores-notícias, tendo como propósito notar elementos acerca do processo

submetido durante a criação e edição dos textos a fim de ficarem com o padrão

desejado pelo veículo.

Antes, porém, a pesquisa se deteve em abordar uma discussão acerca do

critério da temática. O capítulo dois ocupa-se da abordagem sobre a morte e sua

relação com a sociedade e o jornalismo, a definição de obituário e a chegada e

desenvolvimento da seção no periódico.

Entre as primeiras abordagens do trabalho estão os pontos de partida para o

embasamento do tema, a delimitação do problema e uma primeira análise de

campo, nos quais estão presentes os resultados da investigação sobre os valores-

notícias no período de nove meses, totalizando assim 23 textos analisados,

categorizados segundo os valores-notícias de construção que, para Nelson Traquina

(2005), são os componentes indispensáveis na edificação da autenticidade do

jornalismo e são anexos pela rotina produtiva dos profissionais. Como forma de

compreender o processo de produção dos obituários, a atenção ao aspecto como os

valores do veículo e os valores-notícia transparecem no texto pode ser um sinal para

a assimilação do formato. Assim como para Wolf (1985), os valores-notícias de

seleção servem como orientação ao jornalista na hora de optar pelo grau de

relevância do conteúdo descrito por ele.

Optou-se por realizar uma análise de textos publicados entre os meses de

junho de 2015 e fevereiro de 2016, levando em consideração que a janela temporal

escolhida poderia trazer uma visão representativa do desempenho atual da seção. A

pesquisa foi realizada no acervo do setor de Periódicos, da Biblioteca Pública do

Paraná. Tendo em vista que dentro desse recorte temporal escolhido os textos

foram publicados semanalmente, a condição para parcela temporal escolhida para o

estudo era de seis meses.

Para entender as especificidades do processo de produção e rotinas da seção

de obituários, entende-se por necessário o embasamento da metodologia de

9

pesquisa etnográfica, técnica de exploração escolhida para contribuir com o

presente trabalho monográfico, cuja característica tem como a observação

participante, entrevistas em profundidade e análise documental como foco principal

de análise (Geertz apud Benetti e Lago, 2008).

Tendo escolhido o método, o transcorrer da análise foi sustentada por

entrevistas com colaboradores e ex-colaboradores da seção. Como pode ser visto

ao longo do capítulo dois, para se adequar a metodologia de pesquisa etnográfica,

optou-se por realizar entrevista de profundidade com dois jornalistas e dois editores,

são eles: Aline Peres (ex-colaboradora), Fernanda Leitóles (editora executiva), José

Carlos Fernandes (colaborador) e Marleth Silva (ex-editora executiva). Ainda no

capitulo dois, a pesquisa trás o roteiro de pergunta de um dos entrevistados.

Durante o planejamento da técnica de abordagem da segunda parte da

pesquisa de campo, a estratégia de investigação escolhida foi a observação

participante, porém, após a mudança na estruturação do jornal, conforme informado

no capitulo dois, a formação e ritual da seção passaram a ser introduzida na rotina

diária de um repórter, previamente selecionado para a produção da semana. Desta

forma, para alcance dos objetivos propostos, optou-se por aplicar a metodologia da

entrevista de profundidade.

Como sustentação da averiguação proposta neste trabalho, as

fundamentações teóricas que sustentam a pesquisa estão embasadas no obituário e

sua participação na indústria jornalística, disponível no capítulo três. Nele, o estudo

inclinou-se em discutir ainda as especificidades dos gêneros textuais e as rotinas

dos trabalhos autorais.

Na tentativa de entender o processo de produção dos textos de obituário e

tendo em vista o propósito de evidenciar como a construção da notícia pode ajudar a

desvendar o processo de estruturação da seção, para evidenciar suas

especificidades, o capítulo quatro destaca as rotinas produtivas do jornalismo.

Em todo o caminho traçado, a presente monografia tem o objetivo de, a partir

do entendimento das rotinas produtivas da seção, levantar a discussão acerca das

principais particularidades do processo de produção que os textos de obituário da

Gazeta do Povo são submetidos até sua publicação no periódico.

10

2. A MORTE E SUA RELAÇÃO COM A SOCIEDADE E O JORNALISMO

2.1 Conceitos e visões sobre a morte

A morte, no seu aspecto etimológico é definida como a cessação da vida: “1.

Ato de morrer; o fim da vida animal ou vegetal. 2. Termo fim. 3.Destruição, ruína”

(FERREIRA, 1999, p.1873). O conceito de morte não está relacionado somente à

sua feição cultural entre as sociedades, uma vez que pode apresentar diferentes

relações. É necessário analisar múltiplos campos, tais como a cultura, o contexto

histórico e a religião.

Para compreender a maneira com que o jornalismo aborda a morte, é

necessário antes estudar a relação morte e sociedade. A existência do homem está

fundamentada no seu fim. Com a consciência da morte, a vida torna-se mais solene.

Habituar-se à ideia da morte alicerça um apreço particular sobre a existência,

fundamental para o entendimento de sua essência (SIMMEL apud NEGRINI, 2016).

Pode-se ver claramente a significação da morte como criadora de forma. Ela não se contenta com limitar nossa vida, quer dizer, dar-lhe forma à hora do desenlace; ao contrário, a morte é para a nossa vida um fator de forma, que vai matizar todos os seus conteúdos, fixando-lhe inclusive os limites. A morte exerce a sua ação sobre cada um dos seus conteúdos e dos seus momentos; a qualidade e a forma de cada um deles seriam outras se lhes fosse possível sobrepor-se a esse limite imanente (id, p. 17).

Em um primeiro momento, pode parecer que os posicionamentos humanos

com relação à morte sempre foram os mesmos. Porém, com o passar do tempo,

estas visões passaram por pequenas e lentas mudanças. Para compreender melhor

a transformação da postura do homem ocidental perante a morte, é importante saber

a maneira que ele lidava com a morte no passado. Na Antiguidade, a finitude era

tratada com mais abertura e frequência. Se fizermos uma comparação com o século

XXI, a morte, no período medieval, era menos reservada, mais presente em todo o

círculo da sociedade e menos oculta (ARIÈS, 1977).

As observações de Ariès (id) sobre o contexto do indivíduo perante a morte

relacionam-se à história ocidental. Ele afirma que, a partir da segunda metade do

século XX, a morte foi transportada para os hospitais, e mostrou-se a partir disso

como um fenômeno técnico, em que ocasionalmente pode ser adiada ou antecipada,

11

variando com a vontade daqueles que arriscam domá-la. Atualmente os avanços

científicos e tecnológicos propiciam essa alteração na data da morte (ibid, p. 65).

É importante evidenciar a relação entre os comportamentos e feitos que são

comuns, especialmente da Idade Média, época que Ariès (ibid) nominou de “Morte

Domada”, e as atitudes típicas da negação dos nossos dias, chamadas de “Morte

Invertida” (em oposição). Segundo Ariès (ibid), na Idade Média, a morte era prevista.

O indivíduo pressentia sua morte, através de indícios e consciências particularmente

internas, e assim, administrava sua própria morte. Depois de notificá-la, instaurava-

se então uma prática padrão, onde estavam presentes amigos, familiares e vizinhos.

Dirigiam-se as seguintes fases: uma evocação triste, sem dramatizações excessivas;

perdão dos companheiros; oração e sacramento; morte. Muitas vezes fazia parte do

processo a realização pública do testamento (ibid, p. 67)

Até meados do século XIX, o luto e o funeral sucediam com exibições

comoventes e tocantes, com muito contato com o cadáver, clamores e pesares

profundos. No século XX, segundo Ariès (ibid), o comportamento do homem

ocidental diante da morte e o morrer transformaram-se demasiadamente. A morte

passou a ser oculta, banida, para resguardar a vida. Ela passa a ter sobre si a

incumbência do silêncio.

A morte exerce seu fascínio e remete o sujeito a constantes interrogações. E

ela é encarada distintivamente, de acordo com as perspectivas das sociedades.

Passado, presente e futuro nos fascinam, pois nos fazem querer vislumbrar as

conquistas, experiências e realizações (BRUSTOLIN, 2007).

Falar da morte é falar de vida. Não se pode pensar em viver sem tratar do morrer. A vida e a morte estão intimamente conectadas. Presente e futuro nos fascinam tanto, porque queremos vislumbrar as conquistas e realizações, quanto nos atemorizam a frustração, o limite e o fim (id, p. 7).

Conhecer a morte é preciso. Com o discernimento da morte, o homem tem

ideia de sua fragilidade e do marco de sua existência. A percepção da morte é um

componente de conflagração para os indivíduos, mas é necessário para o

entendimento de seu fundamento (NEGRINI, 2016).

A morte é parte da existência humana. Em todas as sociedades, ela tem um

papel relevante; é um eixo norteador das culturas ao longo da história. Desde o

nascimento da humanidade, percebe-se que o homem tem refletido sobre o assunto

12

e tem buscado uma decifração para os mistérios que a envolvem. “As perguntas

mais persistentes que os seres humanos exploram através de seus mitos e religiões

são as ligadas ao renascimento e ressurreição e a uma vida além da morte”

(KUBLER-ROSS,1998, p.28).

As diretrizes filosóficas têm como uma das principais investidas e atividades

elucidar o significado da morte e do morrer. Desta maneira, pode-se observar que há

anos o homem tenta atribuir à morte uma concepção e significação. Arrisca-se dizer

que foi a morte que desencadeou as observações filosóficas, que é dela a

fundamentação e a razão da filosofia. Pois, foi através da morte que o homem

passou a se questionar sobre a vida. Ao ter consciência de sua finitude e

mortalidade, o homem pensa mais sobre o próprio viver (MARANHÃO, 1998).

A tentativa de elucidar o significado da morte, desde os Vedas (textos sagrados indianos, escritos há aproximadamente 3 mil anos) até o atual movimento existencialista, constitui uma das tarefas centrais de alguns dos nossos principais sistemas de pensamento filosófico. A filosofia, afirmava Platão, não é senão uma meditação da morte, meditatio mortis. Toda vida filosófica, escreveu depois Cícero, é uma preparação para a morte. Vinte séculos depois Santayana disse que „uma boa maneira de provar o valor de uma filosofia é perguntar o que ela pensa à respeito da morte.‟ Uma filosofia não se reveste de uma total seriedade enquanto não se defrontar com a questão da morte; pode-se pensar, inclusive, que sem a morte o homem talvez jamais tivesse começado a filosofar. Ela seria o verdadeiro gênio inspirador, o substrato fundante de todo o pensamento filosófico (id, p. 62-63).

Portanto, cogitar sobre a temática nada mais é que refletir sobre a vida. Ao

pensar sobre a existência e ao buscar para ela um significado, o homem se depara

com a questão da finitude. Morte e vida não são conceitos independentes entre si,

eles se coabitam. “Entrelaçam-se as palavras „vida e morte‟, porque não podem ser

vistas separadamente, pois assim se constitui o ser humano” (BROMBERG, 1996, p.

16).

Perante o ponto de vista psicológico, o homem tem que se defender do medo

da morte. O homem mostra simpatia em uma notícia de morte porque o fim do

semelhante corresponde à ideia de sua perenidade e invulnerabilidade. Assim, ele

tende a repelir a realidade de sua própria morte, pois o inconsciente não pode

concebê-la e é devido a isso que o homem acredita em sua perpetuidade. Contudo,

enquanto a sua morte não é aceita, o homem pode aceitar a morte do outro.

13

Em nosso inconsciente, não podemos conceber nossa própria morte, mas acreditamos em nossa imortalidade. Contudo, podemos aceitar a morte do próximo, e as notícias do número dos que morrem nas guerras, nas batalhas e nas autoestradas só confirmam a crença inconsciente em nossa imortalidade, fazendo com que – no mais recôndito de nosso inconsciente – nos alegremos com um “ainda bem que não fui eu‟”. [...] O que ouvimos quase diariamente nos noticiários é que matamos dez vezes mais inimigos em comparação com nossas baixas. É isto que queremos de verdade, a proteção de nosso desejo infantil de onipotência e imortalidade? Se um país inteiro, se uma sociedade inteira sofre deste medo e rejeição da morte, deve lançar mão de defesas que só podem ser destrutivas. As guerras, os tumultos, o aumento do índice de criminalidade podem ser sintomas da decrescente incapacidade de enfrentar a morte com resignação e dignidade (KUBLER-ROSS, 1998, p.18).

Estudar alguns conceitos sobre a morte e a mudança de atitude do homem

ocidental diante do assunto, feito neste tópico, é essencial para a compreensão de

como a sociedade encara o morrer. O jornalismo, enquanto campo que se

fundamenta justamente na sua inserção social, faz difundir certas visões sobre a

morte, bem com cerceia a circulação de outras. Para dar continuidade à pesquisa,

no próximo item, aborda-se a relação morte no jornalismo.

2.2 A(s) morte(s) no jornalismo

O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros apresenta importantes diretrizes

que o jornalista deve aderir ao noticiar uma morte. De acordo com o inciso II do

artigo 11 do Código, “o jornalista não pode divulgar informações de caráter mórbido,

sensacionalista ou contrário aos valores humanos, especialmente em cobertura de

crimes e acidentes”.

Da mesma forma, de acordo com o inciso VIII do artigo sexto do Código, “É

dever do jornalista respeitar o direito à intimidade, à privacidade, à honra e à

imagem do cidadão”. Bem como, pelo inciso III do artigo 12, “O jornalista deve tratar

com respeito todas as pessoas mencionadas nas informações que divulgar”.

Consequentemente, viva ou morta, a pessoa deve ser respeita quando noticiada.

De acordo com o Manual de Redação e Estilo de O Estado de São Paulo

(2016), a morte deve ser tratada sem sensacionalismo. O jornalista deve escrever

diretamente a razão da morte da pessoa, contando ao leitor a verdade, sem

preconceito e poupando o leitor de detalhes ásperos. Particularidades da vida íntima

14

só devem ser noticiadas se relacionadas diretamente com a causa ou circunstância

da morte. Nos noticiários, devem-se utilizar as palavras morrer, morte e morto.

Falecer, falecimento ou falecido restringe-se à seção dos obituários e falecimentos.

Já a palavra assassinar só deve ser usada com significar matar premeditadamente

(MARTINS, 2016, s/p).

Morrer, morte, morto. 1- Por serem mais jornalísticas, use estas palavras no noticiário, em vez de falecer, falecimento ou falecido, cujo emprego deve ficar restrito à seção de Falecimentos [...]. 2 - Como morto é particípio tanto de morrer quanto de matar, prefira a forma que morreu a morto (para não dar a ideia de que alguém matou alguém) em frases como: Fred Astaire, que morreu em 1987 (e não morto em)... / Tinha saudades do filho, que morrera aos 18 anos na capital (em vez de morto aos 18 anos na capital) (id, s/p).

Angrimani (1995) argumenta que falar sobre a morte não é fácil e “exige

preparo e disposição emocionais. No entanto, os jornais trazem a morte todo dia em

suas páginas, não somente na seção enquadrada e editada como tal – a Necrologia,

mas também espalhada nas diversas editorias” (id, p. 53).

Apesar de a morte ser um assunto delicado e complexo de abordar, ela é

objeto diário no jornalismo. Curiosamente, o aspecto do falecimento é capaz de dar

ao personagem um caráter público, como lembra Tavares (2012). Isso quer dizer

que uma morte particularmente excepcional ou chocante, pode transformar a vítima

em alvo de interesse público, passando a ser alvo de acompanhamento jornalístico.

Mouillaud (2002) observa que os meios de comunicação, enquanto agentes

de memória, responsabilizam-se por restaurar os personagens públicos ao expor a

morte. Na mídia há uma tentativa em cultuar ou mitificar a imagem do morto

conforme o lugar e posição que ocupa na sociedade. Ele é posto em vários lugares,

pois precisa aparecer disperso, mas de modo marcante, vivo.

De acordo com o autor, o contexto do jornalismo é ambiente para diferentes

tipos de morte. Ele ressalta que existem variados tipos de mortos nas páginas dos

jornais impresso, como: os mortos de serviço, que compõem a necrologia; os mortos

acidentais; os mortos dos conflitos, das guerras e das revoluções, que passam a

fazer parte da história; e o Grande Morto, que se destaca pelo seu nome, pela sua

fama.

Reconhece-se um Grande Morto na medida em que tende a ser Único. A informação única; na primeira página, ele apaga todas as demais

15

informações. No interior do jornal, ao contrário, o Grande Morto prolifera; o preenchimento até a borda e a repetição maçante de seu nome são a segunda marca da exclusividade (id, p.351).

Para Angrimani (1995), o jornal atende a uma necessidade inconsciente do

leitor, na qual o morto da matéria morre no lugar do observador. Portanto, ao ler uma

notícia de morte, o leitor se impressiona, pois o cadáver o lembra de seu destino. Ao

mesmo tempo em que produz uma sensação de impacto, produz uma sensação de

alívio, pois aquilo não aconteceu ao leitor, mas sim a um terceiro desconhecido.

Ou seja, as características descritas por Angrimani (id) se aplicam ao conceito

de catarse, que tem origem na Poética de Aristóteles, quando este falava sobre o

gênero artístico da tragédia. Ele utiliza a expressão para designar um efeito de

purificação que os sentimentos de temor e compaixão provocam no homem ao

encontrar-se com um cenário nefasto. No caráter midiático, é como se o público

absorvesse o trágico de maneira a se sentir aliviado de seu próprio cotidiano e

redimido de seus próprios conflitos. Desta maneira, a morte é notícia porque é de

interesse coletivo.

O leitor, então, recebe um choque, imaginando que amanhã poderá ser a vez dele. Mas ao mesmo tempo que se produz esse impacto (a morte ilustrada, ampliada, por um recurso de linguagem editorial, sensacionalista), vem também o alívio. O jornal atende a uma necessidade inconsciente, onde o cadáver “ilustrado” morre por procuração no lugar do leitor (ibid, 1995, p.56).

O autor ainda afirma que os jornais trazem a morte todo dia em suas páginas,

não somente na seção enquadrada e editada como tal – Necrologia – mas também

espalhada nas diversas editorias.

Morte, em si, não é uma categoria jornalística. Ela aparece de variadas formas

e com diferentes abordagens no jornalismo. Quando o morto é um cidadão comum,

frisa-se nas pessoas relacionadas a ele e nas manifestações de afetos. Entretanto,

se o falecido é um personagem destacado, a morte em si é a notícia, indica Antunes

(2012).

Ao falar de morte, os jornais reforçam que ela acontece todos os dias, que faz

parte da vida e que é algo comum. Os jornais vão além do fato da morte, somente,

mas utilizam o acontecimento como razão para abordagem de diferentes questões

sociais (TAVARES, 2012). Todavia, Leal (2012) levanta que, na realidade, não é

exatamente da morte que o jornalismo trata, mas dos eventos que relacionam a ela.

16

Por ser de interesse coletivo, ininterruptamente será de interesse do jornalismo,

portanto o assunto sempre será notícia e tema presente nos jornais. A morte é um

dos valores-notícia fundamentais para o jornalismo, destaca Traquina (2005): “onde

há morte, há jornalistas” (id, p. 79). Por essa razão, a morte jamais é banida pelo

jornalismo, e ela aparece em diferentes condições nos jornais. Tanto pode ser parte

de uma notícia (ou mesmo a notícia em si) quanto um simples anúncio fúnebre.

Traquina (ibid) ainda sinaliza que quando um morto é um cidadão comum, enfatiza-

se nas pessoas relacionadas a ele, nas demonstrações de afeto, podendo ainda

exaltar dramaticamente o momento. Todavia, se o falecido é um personagem

conhecido, a própria morte já é notícia, vinculando assim ao valor-notícia de

notoriedade.

As sepulturas eram a ponta final do processo que era o funeral. Para o falecido,

o cerimonial fúnebre assinalava a transmutação de estado, mas, para os vivos

apontava uma etapa perturbadora de contato com sua limitação. Desta maneira, os

ritos lutuosos acabam sendo mais espantosos que a própria morte (MORIN apud

ENGSTER, 2016, p. 19). No entanto, a presença da morte nos noticiários presta

uma forma de alívio para os vivos, pois, ao saber que outro morreu, reconheço-me

vivo (VAZ, 2012).

Ao fornecer narrativas povoadas de mortos e agonizantes, continuada e reiteradamente a imprensa nos fornece farto material com o qual podemos proteger o nosso lugar (...) Eles serão sempre os outros, não eu, leitor (id, p. 46).

Uma ressalva importante sobre mídia e a noticiabilidade da morte é o tabu que

gira em torno do suicídio na pauta jornalística. A decisão de noticiar um suicídio

provoca discussão entre pesquisadores e profissionais. Dapieve (apud GRANDO,

2016), por exemplo, propõe que os motivos que levam a descrição da mídia perante

o assunto são para apaziguar o sofrimento e possível culpabilidade dos amigos e

familiares do suicida, além de respeitar a intimidade e a motivação do caso. E ainda

segundo o autor, existe uma crença de que o assunto pode ser contagiante, quer

dizer, divulgar suicídios poderia influenciar, mesmo que inconscientemente, outros

atos.

Kovács (2016) evidencia que o falecimento do outro manifesta uma descoberta

da morte em vida entre os indivíduos. Como uma viabilidade de sondar a morte em

17

vida. Para a autora, é nos meios de comunicação que o indivíduo supre a

necessidade de passar pela experiência do pós-morte, mesmo durante sua

existência. Assim, ao conduzir a morte até as casas dos espectadores e ou leitores,

as mídias demonstram como devem ser as práticas e hábitos diante dela, fazendo

com que se torne compartilhada (KOVÁCS apud NEGRINI, 2016).

Os meios de comunicação podem levar a morte até a casa do público, mesmo

que ela seja proibida nesse ambiente. Eles são capazes de fazer com que o óbito se

torne público e construir o imaginário sobre ele. Mostram, assim, como devem ser os

rituais diante do fim, os lugares de preservação da lembrança e os aspectos que

devem ser levados em consideração em relação à finitude (NEGRINI, 2016, p. 49).

Contudo, pode-se observar que a abordagem da morte no jornalismo faz uma

intermediação entre o homem e algumas das angústias que cercam a sua vivência.

Consumir a morte na mídia vai muito além da simples contemplação de veiculações

de meios de comunicação; é uma forma encontrada pelo espectador para lidar com

um tema delicado e polêmico.

O próximo conteúdo abordará um espaço reservado para a morte no jornalismo:

os obituários. Como seção fixa de alguns jornais impressos, os obituários são claras

expressões da abordagem da morte na mídia.

2.3 Obituários – a morte celebrada no jornalismo

O obituário, ou necrológio1, é a relação dos óbitos acontecidos no dia anterior

publicados em jornal impresso e, bem como, na atualidade, até mesmo em jornal on-

line. Os dicionários de língua portuguesa o descrevem como a parcela ou a

associação de pessoas que morrem em predeterminado período ou de uma devida

patologia, ou ainda com reconhecimentos ou notícias fúnebres. Em seu Dicionário

Etimológico da Língua Portuguesa, Cunha (1986, p. 554) categoriza o surgimento da

palavra obituário pontualmente nos Oitocentos (período de 1800 a 1899).

1 Necrológio é um recurso utilizado basicamente para informar o falecimento de uma pessoa e podem

trazer declarações e afirmações do tipo “foi um ótimo pai”, por exemplo.

18

Um tanto mais voltado para uma definição jornalística, o Novo Dicionário da

Língua Portuguesa (FERREIRA, 1999, p.1397) o apresenta como uma notícia

inserida em um meio de comunicação atribuído a pessoas que faleceram,

normalmente como elogios.

Portanto, é uma seção que se dedica exclusivamente a falar de pessoas. Local

em que o jornalismo se dedica a conhecer alguém, mesmo que seja após sua morte.

Na nossa tradição católica e latina, a morte é vivida como silêncio e dor. Você pode ter a dor da perda, mas isso não impede que você possa também celebrar os fatos importantes relacionados à vida de uma pessoa (COSTA, 2008, s/p).

Dentre as perspectivas históricas e a pesquisa sobre as atitudes diante da

morte, é possível observar que a recordação pública sempre foi de crucial relevância

em diferentes pontos e tempos culturais. Monarcas, soberanos, burgueses,

importantes figuras religiosas e destemidos heróis de guerra foram os primeiros a

serem lembrados por seus legados e suas imposições diante de uma cultura, como

uma forma de registrar um passado notório (VOLVELLE, 1997).

Criado na Inglaterra, o obituário recebeu alguns aperfeiçoamentos nos Estados

Unidos. Na década de 1960 ele foi reestruturado, herdou uma narrativa literária,

passando a exaltar a vida e o regozijo, e não mais associado à melancolia da morte.

A Folha de São Paulo foi o precursor que incorporou o obituário no jornalismo

brasileiro, no dia 24 de outubro de 2007, influenciada pelas tendências e modelos do

The New York Times (SILVA, 2016, s/p).

O livro Secrets of the Press (1999) traz um artigo de James Fergusson, no qual

o editor aponta detalhes da história dos obituários. Segundo ele, uma revista

fundada no ano de 1731, em Londres, Gentleman‟s Magazine, começou a se

destacar pelo seu diferencial. Sua proposta era trabalhar com episódios do

cotidiano, eventualidades, poesias, casamentos, mortes e funerais. Na seção

mortório, além das informações básicas das mortes e enterros, fornecidas

corriqueiramente, começou a publicar detalhes estatísticos sobre falecimentos. Essa

singularidade com o tema começou a instigar os leitores.

Posteriormente, em 1778, John Nichols, responsável pela seção, expandiu

ainda mais os necrológios da revista, deixando-os ainda mais arquitetados e

semelhantes aos obituários contemporâneos. Em 1791, a seção já consumia oito

19

páginas, e chamava-se Obituary of considerable Persons, with Biographical

anecdotes.

Seguindo esta linha, em 1850, ainda em Londres, o The Times, jornal diário

fundado em 1785, ainda com textos não assinados, desviou o sucesso nos

obituários. Segundo Fergusson (id), no ano de 1966 a coluna de Mortes deste jornal

já tinha identidade e era incomparável a qualquer outro jornal.

Em 1988, o jornal britânico Guardian foi o primeiro jornal a empregar

assinaturas nos obituários, com textos assinados por Neville Cadus. Mas o veículo

que consolidou o modelo e o uso diário do obituário foi o Independent, jornal

britânico, no qual Fergusson trabalhou.

Já o estilo atual do The New York Times, modelo internacional de obituários,

deve-se a Abe M. Rosenthal e Arthur Gelb, editor e assistente. Antes de Rosenthal,

o jornal já publicava narrativas em seus necrológios, contudo, limitava-se a episódios

sobre pessoas familiarizadas com o veículo. Rosenthal, inspirado no jornalismo

literário, queria um obituário com narrativas mais desenvolvidas do que as

integradas apenas por relatos biográficos, salienta Fergusson (ibid).

Fergusson (ibid) considera que a seção devia representar as pessoas pelo

que elas foram. Exemplificando, seria como publicar no obituário de um pintor, uma

de suas obras.

Deviam ser escritos não com exercício jornalístico, mas por pessoas que sabiam do que estavam falando, a par dos assuntos ou especialistas na área. Isto daria a eles valor e veracidade. Eles deviam ser escritos, também, assim como construídos [...]; eles devem responder a grande questão (porque esta pessoa é lembrada, ou porque ela merece ser lembrada? Como ele ou ela era?) e não errar no pântano da cronologia [...]. Isto deveria torná-los entretenimento: material para o leitor em geral, não

somente aquele de certa idade, não somente notícias para homens velhos2

(FERGUSSON in GLOVER, 1999, p.154).

O obituário narra histórias de pessoas que faleceram, uma forma de respeitar

as memórias das figuras atraentes, curiosas e relevantes de uma sociedade. Ele faz

com que o leitor sinta vontade de conhecer a trajetória de vida daquele indivíduo.

Seu texto costuma trazer características que se aproximam do chamado jornalismo

2 Tradução pessoal da autora

20

literário, pois utilizam figuras de linguagem e outros recursos para retratar as

trajetórias de vida dos personagens.

Trata-se de um texto jornalístico que necessita tanto dos mortos quanto dos

vivos para ser elaborado, um verdadeiro processo entre o passado e futuro.

Obituário é uma minibiografia, publicada em jornais, após a morte de um indivíduo e

expressa o que há de mais singular durante sua existência.

É importante ressaltar que o obituário é diferente da nota de falecimento,

considerando que a nota pode ser paga e manifesta-se de modo resumido sobre a

vida do falecido. Segundo mapeamento teórico, o obituário encontra-se nos gêneros

utilitários ou prestadores de serviços de um veículo (MELO, 2016).

Trata-se de deixar de se publicar apenas a morte dos já conhecidos em vida

pela imprensa, e passar a deter o olhar um pouco mais demoradamente sob uma

população anônima e não reconhecida pela maioria, mas que fez a diferença para o

mundo de alguma forma, mesmo que para seu pequeno mundo: cidade, bairro, rua,

família, amigos. O necrológio passa a ser uma oportunidade de se aparecer no

jornal com alguma dignidade, ao menos no fim. Todos que foram importantes ou

interessantes de alguma maneira têm o mérito de aparecer.

O obituário detalha a vida de um personagem e rastreia suas maiores virtudes.

Ele carrega diversos aspectos da vida de um sujeito e resume em partes o que o

representa como: o que o indivíduo era, e aquilo que considerava importante para

ele, conforme a mediação feita pelas pessoas próximas a ela. Estes geralmente são

compostos por nome do falecido, sua idade, profissão, local e dia em que será

sepultado, e uma espécie de lembrança aos entes queridos com a habitual frase:

“Deixa...” filho (a), viúvo (a), pais e irmãos, referindo-se às pessoas de sua família.

Ainda é comum haver na mesma divisão registro das missas de sétimo dia que

estão por vir. Em alguns veículos, há espaços para informações sobre órgãos

responsáveis em caso de morte e relação de telefones e/ou endereços eletrônicos

para contato com a seção obituária do jornal.

Fergusson (1999) lembra que necrológio é um registro histórico importante

para a época e para o próprio registro do jornal. Ele pode vir a ser estudado para

conclusões sobre a vida de determinada sociedade. Outra justificativa para sua

21

inserção no jornal seria uma fuga do leitor, já cansado das habituais notícias

corriqueiras ou estrangeiras (FERGUSSON apud GLOVER, 1999).

Stanley Walker, editor do jornal de New York Herald Tribune, pertencente ao

grupo The New York Times Company, escreveu em um de seus livros que os

obituários sobre pessoas desconhecidas vêm a ser uma das partes mais difíceis do

jornalismo, pois envolve uma pesquisa meticulosa.

Quase nunca temos a necessidade de apresentar o morto como um santo ou um monstro: é possível, com todo respeito pela alma que talvez esteja na soleira do inferno, ser realista, até mesmo picante, sem ser injusto ou cruel. Os melhores amigos do morto serão capazes de fechar o jornal e dizer “esse era o Abner que conheci em vida (WALKER apud SUZUKI, 2008, p.290).

Segundo Suzuki (2008), a relação do jornalismo americano com os óbitos

passou por modificações. Antigamente os textos enviados para publicação eram

escritos por um conhecido do perfilado. Mediante estas relações afetivas que

cercavam a produção do conteúdo, a composição do texto era de enaltecimento e

elogios.

Mais tarde, os obituários passaram a ser compostos e redigidos pelos

noticiaristas, por meio de técnicas jornalísticas, renunciando o conceito de

glorificação dos mortos. “Nesse processo, apareceram, aqui e ali, aspectos

socialmente menos aceitos da vida dos biografados, mas quase sempre em sotto

voce. O eufemismo faria do obituário sua confeitaria” (id, p.300).

A tendência de fazer obituários com pessoas comuns que têm histórias para

contar surgiu na década de 80. E essa referência é utilizada por diversos jornais na

Europa, América do Norte e mesmo no Brasil. O texto procura transmitir uma

narrativa mais humanizada e sensível à morte. Segundo Suzuki (ibid), é uma poesia

à vida e não ao luto como se pensa “ainda que retire a brevidade de tudo, ao tomar

o ponto final da existência como ponto de partida do jornalismo” (ibid, p.289).

Atualmente, os eufemismos se renovaram e apresentam-se até como ironias nos

obituários, através de diversas maneiras sutis de referir-se a certos atributos do

perfilado.

Os obituários diante de tal dimensão discursiva poderiam ser, segundo Marocco

(2016), identificados em pelo menos dois formatos: um mais cronológico e superficial

22

e outro mais denso e autoral, marcado pela apuração jornalística, mas ambos

responsáveis por formas de narrar e reordenar a vida dos obituariados.

De acordo com Marocco (id), o jornalismo brasileiro não possui um „tipo‟ ou

„padrão‟ de se fazer obituários. O que acontece são apropriações do estilo

internacional de se fazer obituário, que variam de periódico para periódico.

O relato da experiência vivida no obituário, a partir de outras valorizações que não a de valor-notícia, se distancia igualmente do simples anúncio fúnebre; com ela, aparece o acontecer no fluxo da cotidianidade sob forma de um quase indizível jornalístico, do qual o obituarista vai se aproximar optando entre dois procedimentos: redação final de um texto, com base nos materiais enviados ao jornal por amigos e familiares ou a investigação jornalística (ibid, p. 373).

Para Silva (2016) o gênero chegou tardiamente ao Brasil devido a fatores

culturais no tratamento da morte. Scarpin (2008) acredita que possivelmente, por

relacionar a perda de alguém ao sofrimento, os brasileiros ainda não possuem uma

afinidade com a morte, da mesma maneira que os europeus e norte-americanos, por

exemplo. No Brasil, apesar de reconhecer o gênero, muitos ainda podem estranhar

a real aplicabilidade do texto de obituário (id, p.2).

Neste item observaram-se detalhes da missão, definição e história do gênero.

Para avaliar a construção dos obituários brasileiros, e com ênfase no jornal Gazeta

do Povo, o próximo espaço abordará a chegada do obituário no Brasil e no veículo

em questão.

2.4 O obituário na Gazeta do Povo

Para entender a especificidade do processo de produção dos textos de

obituários, optou-se como objeto de averiguação o formato de obituário do jornal

Gazeta do Povo, do grupo Rede Paranaense de Comunicação, filiada da Rede

Globo. Atualmente, no Paraná, é a empresa líder no segmento jornal impresso3.

Com circulação média de 32.845 exemplares diariamente4, no ano de 2015 o

veículo esteve na posição de 22° no ranking dos maiores jornais do Brasil de

circulação paga (Associação Nacional de Jornais, 2016). Há 11 anos, o jornal vem

3 Essa informação pode ser encontrada no site <www.grpcom.com.br>.

4 Segundo informações cedidas pelo setor de Comunicação Institucional do veículo.

23

dominando o primeiro lugar em todas as edições do Top of Mind5, desde o início da

pesquisa, na categoria de jornal mais lembrado do Paraná (CORAIOLA, 2016, p.

108).

Criado pelos advogados Benjamin Lins e Oscar Joseph de Plácido e Silva, a

primeira edição do jornal saiu em três de fevereiro de 1919. Trazia notas a respeito

da cidade, estado e país. A Editora Gazeta do Povo Ltda., constituinte da Rede

Paranaense de Comunicação (RPC), surgiu a partir de uma série de debates

realizados no escritório de Benjamin Lins, estabelecido na Rua Doutor Muricy. A

mudança para a Praça Carlos Gomes, atual sede do veículo, aconteceu em 27 de

janeiro de 1951.

A Rede Paranaense de Comunicação é o maior grupo de comunicação do Estado do Paraná. Constituída por 13 diferentes empresas, detém a liderança nos quatro segmentos de mídia em que atua: rádio, televisão, jornal e internet. Até meados do ano 2000, existiam somente 11 empreendimentos autônomos e isolados em propriedade de duas famílias (CCI, in CORAIOLA, 2016, p. 108).

O veículo nasceu com a finalidade de ser um espaço para difusão e afirmação

dos interesses do povo paranaense. As primeiras palavras da edição inaugural do

jornal, que circulou em Curitiba no dia 3 de fevereiro de 1919, anunciavam

claramente esta intenção.

Este jornal, como já o declarou seu editor em boletim profusamente distribuído, é um jornal imparcial. Destina-se à defesa dos interesses gerais da sociedade, a chamar a atenção de todos e de cada um para os assuntos que, diretamente, nos interessam (FERNANDES; DOS SANTOS, 2010, p. 16).

Segundo levantamento histórico feito pelo veículo6, no ano de 1996 a Gazeta

do Povo lança seu site, e começa a reproduzir o conteúdo do jornal impresso para o

online, a chamada integração. Em 2008, para comemorar os 90 anos do jornal, o

veículo impresso passou por uma atualização gráfica. O espaço online também

ganhou uma reestruturação. A partir de então, o jornal passou a disponibilizar todo o

5 Top of Mind é um termo em inglês utilizado na área de marketing empresarial como uma maneira de

qualificar as marcas que são mais populares na mente (mind em inglês) dos consumidores. 6 Levantamento do site da Gazeta do povo. Disponível em

<http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id=970046&tit=Gazetado-Povo-91-aniversario-marca-o-ano-da-integracao. Acesso em 4 de junho de 2016.

24

seu conteúdo aberto na internet, tornando um editorial único para ambas as

plataformas7.

O primeiro dado sobre divulgação e informação de falecimentos no veículo foi

no ano de 1923. Segundo referências históricas, nesta época, na sede do jornal,

endereço em que permanece até hoje, na parede externa do imóvel havia uma

pedra de mármore conhecida como “pedra da Gazeta”. No local, a qualquer hora do

dia, as pessoas podiam ler os mais recentes acontecimentos, inclusive as notas de

falecimento dos moradores da capital (OLIVEIRA, 2016, p. 90).

Até o ano de 2008, a seção obituária do veículo era composta apenas por uma

listagem de falecimentos do dia, chamada lista de falecimento. Esta lista é composta

pelo nome do falecido, a data de sua morte, data de nascimento, profissão,

endereço, filiação, o nome do viúvo (a), o número da FAF (Ficha de

Acompanhamento de Funeral), o local de falecimento, velório e sepultamento, a data

e o horário deste último e informações sobre a funerária responsável. Ela

permanece no veículo até os tempos atuais e é obtida através da Prefeitura de

Curitiba – porém, o jornal não se responsabiliza por sua produção, apenas da

divulgação.

A chegada dos textos de obituário no veículo (site e impresso) ocorreu em abril

de 2008. Criando uma seção fixa e com textos diários, a partir de então, o caderno

“Serviços” tomou novas formas e passou a implantar os textos de obituários,

seguindo a linha de um texto biográfico, com média de 4,5 mil a 5 mil caracteres e

carregados de particularidades da vida de perfilado8, previamente definido pelo

jornalista responsável pela produção do conteúdo.

A proposta de implantação do gênero na Gazeta do Povo foi feita por Marleth

Silva, editora executiva na época. “Eu lia em outros jornais e eu achava interessante

[...] É uma forma de abrir as portas do jornal para falar de pessoas comuns, fora do

noticiário” (SILVA, 2016).

O primeiro obituário do periódico foi a história de um motoboy, 46 anos. Estava

indo fazer uma entrega, a sua última entrega. Peres (2016) comenta que aquela

7 Cada plataforma é uma mídia, ou seja, plataforma impresso, plataforma online, plataforma móbile,

plataforma rádio e plataforma TV. 8 Informações coletada pela pesquisadora, no dia 3 de março de 2016, com a jornalista Aline Peres,

repórter responsável pela produção dos primeiros textos de obituário na Gazeta do Povo.

25

poderia ter sido igual a qualquer outra morte por acidente, se inserida às matérias

diárias do veículo. Mas estava no obituário e, por isso, foi diferente. “Queríamos e

conseguimos transformar um nome desconhecido da lista de falecimento em uma

pessoa com forma, cheiro e sentimento” (id).

No segundo semestre de 2015, o jornal passou por uma reforma em seu formato

e, por conseguinte, ficou estabelecido que os textos de obituário estariam apenas

nas edições de fim de semana e passariam a ter uma média de 3,5 mil a 4 mil

caracteres. Neste sentido, a produção do conteúdo da seção passou a se encaixar

na rotina de um jornalista, previamente selecionado para elaboração do conteúdo da

semana. A editora executiva Fernanda Leitoles (2016) esclarece os critérios das

modificações:

O jornal ficou um pouco menor. Foi preciso escolher alguns conteúdos. Então, naquele momento, a direção entendeu que, o obituário era um serviço que deveria continuar juntamente com a lista de falecimentos que sai diariamente, que é a lista das pessoas que morreram em Curitiba, tida como um documento, uma lista que é passada pela Prefeitura de Curitiba pelo serviço municipal. Já o texto da homenagem decidiu que ia ser semanal, pra que fosse trabalhado e fosse um conteúdo também do jornal especial do fim de semana (id).

Os perfilados são resgatados pelo repórter aleatoriamente, através da lista do

Serviço Funerário Municipal disponível em seu site na internet, estar entre o nicho

de conhecidos de um dos jornalistas do veículo ou por interesse da própria família.

Não existe nenhum parâmetro na hora da escolha do perfilado. Os únicos critérios

estabelecidos pelo veículo é que o perfilado tenha alguma relação com o estado do

Paraná e que a publicação não exceda três meses da data do falecimento. “Nós não

fazemos distinção entre pessoas [...] Nós vamos atrás das famílias e contamos boas

histórias, esse é o objetivo” (ibid).

No obituário não buscávamos contemplar o público A e B, por exemplo, foco da Gazeta do Povo; assim como, outros interesses editoriais. Como eu disse antes, havia uma liberdade de escolha e texto nas produções. Talvez aí o sucesso (PERES, 2016).

No sentido jornalístico, os textos podem ser tomados como um segmento da

comunicação em que um autor, o jornalista, compila uma série de dados e

informações que marcaram a vida da pessoa em questão através de um

levantamento investigativo. Uma vez que foi decidido o perfilado da semana, para a

composição da biografia são realizadas entrevistas com familiares e/ou conhecidos

26

do perfilado, na grande maioria das vezes, via telefone. “Em alguns casos as

pessoas preferem ir até a redação. São exceções, mas nós também atendemos e

fazemos pessoalmente” (LEITOLES, 2016).

Nas entrevistas, buscam-se elementos essenciais sobre o perfilado que serão

inseridos no texto. Com relação à construção da obra, discorre-se sobre aspectos de

identidade, o que ele gostava de fazer e como as pessoas a seu redor a viam, por

exemplo.

Não deixa de ser um perfil, só que com um formato mais livre e com uma pegada mais sensível. Reforço a palavra sensibilidade, porque está aí o segredo. Se for fazer uma entrevista como para um perfil de alguém vivo, nem sempre terá boas respostas. É diferente. Lembrando que a grande maioria dos contatos era por telefone, sem olhar no olho do outro. Eu usava o parâmetro da voz como sentimento e emoção. Você aprende onde investir, o momento de parar e o momento de retomar a pergunta (PERES, 2016).

Para a construção de um obituário, é preciso que se tenha o máximo de

informações sobre o indivíduo perfilado. Um ponto importante é quem ele vai

entrevistar para coletar e checar as informações necessárias para enriquecer e

sustentar seu trabalho. Neste caso, a informação está sujeita a dois níveis de filtros

de seleção, conforme relato dos colaborados e ex-colaboradores: uma das formas

utilizadas pelos jornalistas para localizar potenciais perfilados, conforme já relatado é

a lista do Serviço Funerário Municipal, através de influências entre os jornalistas ou

por interesse de famílias que procuram o veículo para solicitar divulgação.

Profissionais liberais são os perfis mais reproduzidos na seção. Ao longo desta

pesquisa, descobriu-se que isso se dá graças à facilidade na busca por contatos em

listas telefônicas ou redes sociais. Conforme aponta Peres (id), “precisávamos ser

ágeis, porque era uma produção diária”. Deste modo, constata-se que a pressão do

cumprimento de uma rotina diária causa determinação nos personagens a serem

escolhidos ao obituário.

Seguindo a linha literária, as biografias descrevem a origem dos perfilados, se

casou, teve família, sua profissão e seus gostos e costumes. A linha inferior do texto

segue um padrão: data do falecimento, idade, causa da morte – exceto em caso de

suicídio, segundo Peres (ibid). A edição gráfica é composta ainda por uma fotografia

de arquivo pessoal.

27

Diante da rotina do periódico, o repórter responsável pela produção da semana

tem o prazo de uma semana para a entrega do material. Tendo detectado e

selecionado o perfilado da semana, em um segundo momento, é feito o contato com

os familiares e conhecidos do homenageado para a composição do personagem

para a biografia.

De acordo com Vilas Boas (2007), lidar com o filtro da memória é um trabalho

de extrema delicadeza e exige que o jornalista ou historiados seja muito cuidadoso

ao tomar os relatos:

A maioria dos biógrafos reconhece que o sentido da palavra oral lhes escapa ao controle. Entrevistados com frequência alteram seus pensamentos e suas palavras conforme a idade e a conveniência; lembram e mentem conforme a necessidade e a época; consciente ou inconscientemente, reproduzem o que apenas ouviram como se tivessem testemunhado; tentam agradar ou desagradar dizendo o que acham que o biógrafo quer ouvir (id, p. 61).

O jornalista pode enfrentar resistência para coletar estas informações. Segundo

Pena (2016), dificilmente o autor encontra fontes melhores do que os familiares do

biografado, mas o que poderia ser útil para o biógrafo pode acabar se tornando uma

barreira para a coleta das informações. Mesmo que estes familiares colaborem com

o trabalho, é preciso ter cuidado. Os testemunhos estão baseados na lembrança e

nos interesses do emissor.

A seleção de perfilados era extensa, mas os que aceitavam não chegavam a dois ou três, de 20, por exemplo. Tornava-me íntima das pessoas, porque entrava na vida delas, no mais profundo. Lembro que chorei muitas vezes ao escrevê-lo. Em algumas situações eu precisei segurar para não chorar no telefone (PERES, 2016).

Os fatos históricos existem, mas não são independentes da interpretação de

quem os seleciona (CARR, 1989, p. 15). Para a construção de um texto de obituário,

é preciso que se tenha tipos específicos de informações sobre o perfilado os

repórteres desta seção necessitam ter certa sensibilidade para o filtro das

informações mas, mais especificamente, para a procura pela singularidade de cada

indivíduo.

E as pessoas ficam intimidadas quando a qualidade é que ela fazia um bolo de laranja como ninguém, e a gente sabe que no obituário isso é bacana porque o bolo de laranja que alguém fazia vai ser sempre a lembrança. No obituário, isso tudo cai muito bem, porque no fundo, na vida comum, na vida no cotidiano, que é disso que nós estamos falando, é do cotidiano (FERNANDES, 2016, em entrevista).

28

Nessa perspectiva, a seção do obituário se revelou, desde sua instalação, um

formato regular do jornal produzido em consonância com a rotina de trabalho do

veículo. Ou seja, sua produção está adequada aos demais processos que

possibilitam que a Gazeta do Povo concretize periodicamente um veículo jornalístico

composto por conteúdos diversos.

Pretendemos, portanto, apreender a especificidade da produção do obituário,

de modo a compreender de que forma se dá a elaboração deste tipo de conteúdo

(um texto jornalístico de acentuado trabalho estético, com fortes características

autorais e literárias, que anuncia a morte de indivíduos selecionados dentre vários) e

como ela se encaixa em um intrincado processo da geração de um jornal.

29

3. FORMATO OBITUÁRIO COMO PRODUTO DA INDÚSTRIA JORNALÍSTICA

3.1 Jornalismo como um processo industrial

Freidson (1996) afirma que uma profissão procura gerar confiabilidade em

torno de si com a utilização de artifícios retóricos e institucionais que atraem seu

compromisso em servir; sendo assim, “parte da defesa que o profissionalismo faz de

seu status especial incluir a alegação de compromisso com algum valor

transcendente: verdade, beleza, esclarecimento, justiça, salvação, saúde ou

prosperidade” (id, 1996, p. 151).

Freidson (ibid) também objetiva a elucidação de profissão como um “tipo

específico de trabalho especializado” e que engloba “ocupações e ofícios

desempenhados na economia reconhecida oficialmente” (ibid, 1996, p. 143). Para o

autor, as profissões se diferenciam em virtude de uma colocação proeminente nas

qualificações da força de trabalho, confirmando crescimento e visibilidade. O

jornalismo industrial, especializado e profissionalizado, certamente se engloba nisso.

A profissionalização da atividade jornalística segue particularidades políticas e

sociais de cada país. No Brasil, a padronização se iniciou em meados do século XX,

com o Decreto-Lei 910, de 1939, assinado por Getúlio Vargas, a respeito da

regulamentação de profissões. Mais tarde, em 1967, foi assinada a Lei de Imprensa

e, a continuidade do Decreto-Lei, de 1969, referente à prática da profissão

jornalística, que começou a requerer o diploma universitário da atividade. No

entanto, a exigência do diploma foi abolida em junho de 2010, por veredito do

Supremo Tribunal Federal (NEVEU, apud AGNEZ, 2011, p. 62).

De acordo com Juarez Bahia (1990), jornalismo significa “apurar, reunir,

selecionar e difundir notícias, ideias, acontecimentos e informações gerais com

veracidade, exatidão, clareza, rapidez, de modo a conjugar pensamento e ação”.

Contudo, para alguns pensadores o jornalismo serve a interesses específicos: “os

jornais não são simplesmente empresas capitalistas com a ânsia do lucro, mas

também organizações políticas que funcionam como clubes políticos” (WEBER in

BRODBECK; BRUSTOLIN; SALMON; SILVA, 2016, p. 6).

30

A sociedade precisa confiar na fidedignidade da manifestação jornalística,

pois “é por meio do jornalismo que o leitor espera ler o mundo” (BENETTI; JACKS,

2012, p. 6). Como lembra Nelson Traquina:

Lemos as notícias acreditando que elas são um índice do real; lemos as notícias acreditando que os profissionais do campo jornalístico não irão transgredir a fronteira que separa o real da ficção. E é a existência de um „acordo de cavalheiros‟ entre jornalistas e leitores pelo respeito dessa fronteira que torna possível a leitura das notícias enquanto índice do real e, igualmente, condena qualquer 16 transgressão como „crime‟ (id, 1993, p. 168).

Para alguns estudiosos, o jornalismo trabalha com interesses específicos,

uma vez que “os jornais não são simplesmente empresas capitalistas com a ânsia

do lucro, mas também organizações políticas que funcionam como clubes políticos”

(WEBER, in BRODBECK; BRUSTOLIN; SALMON; SILVA, 2016, p. 6).

O jornalismo, para Gramsci (1979, p. 164), tem o dever de “seguir e controlar

todos os movimentos e centros intelectuais que existam e se formam num país”. No

entanto, Marcondes Filho (1989, p. 31) reconhece o jornalismo como uma

construção social de segunda essência, utilitário à preservação do capitalismo, uma

vez que o seu serviço (notícia) é instrumento de comercialização.

O jornalismo desempenha a atividade central de informar, explicar e orientar.

Todavia, o jornalismo, como fração da comunicação de massa, executa ainda outros

serviços, segundo Pereira Lima (2004, p. 11).

As funções subjacentes são muitas, variadas, incluindo-se no rol a função econômica, a ideológica, a educativa, a social, entre outras. Mas o que diferencia de fato o jornalismo de outras atividades é o desempenho da tarefa informativa e orientativa. O alimento dessa função é a ocorrência social, sobre a qual se debruça o jornalismo para, a partir daí, manter a sua audiência a par dos acontecimentos, possibilitando-lhe orientar-se diante da avalanche de ocorrências relevantes na sociedade moderna (id, 2004, p. 11).

De acordo com Traquina (2005), a profissionalização do jornalismo apadrinhou

certas circunstâncias, como a constituição de associações de classe, criação de

códigos deontológicos e a evolução do ensino da atividade. Para Traquina (id),

mesmo ainda havendo obstáculos para o meio na área profissional, com

multiplicidade de forma de acessos, algumas conquistas já foram atingidas, como a

autenticação do sigilo profissional entre fonte e jornalista, como entre médicos e

pacientes. No resguardo pelo mercado de atuação, discursos ideológicos voltados

31

para uma “imprensa livre” ou a defesa de um “quarto poder”, proposto a assistir uma

opinião pública e comprometido com a verdade, rastrearam um ethos profissional,

com peso, linguagens, práxis e regras próprias.

Na metodologia de industrialização e profissionalização da atividade

jornalística, o método da autolegitimação se apresentou permanente através da

introdução de valores relativos à liberdade de imprensa e ao interesse público

baseado em um ideal utópico de clareza como a garantia de tratado com a verdade

e a suposta neutralidade do profissional (MORETZSOHN, 2007).

Esta divisão do trabalho apresenta o jornalismo como uma atividade da

Comunicação Social que trabalha com notícias, dados e informações factuais;

coletando, redigindo, editando e publicando informações por meio de um veículo de

imprensa. As divulgações podem estar fundamentadas em circunstâncias culturais,

econômicas, políticas ou sociais.

Diante destas particularidades do processo industrial do fazer jornalístico, é

importante compreender não apenas a manufatura da produção, mas também a

narrativa jornalística como produto individual dos jornalistas. É significativo

caracterizar tanto o papel daquele que narra quanto os estímulos que norteiam as

técnicas jornalísticas nas construções textuais e as particularidades de seus

gêneros, principalmente no que diz respeito às estruturações do gênero obituário –

formato de forte característica autoral e estética e que, ainda assim, se situa na

processualidade temporal da produção do jornalismo.

3.2 O ofício do narrador e sua aproximação com as especificidades dos gêneros textuais

A narrativa é formada pelos elementos que a compõem. Como afirma Motta

(2016, p. 5), “na narrativa, imitamos a vida, na vida, imitamos as narrativas”. O

jornalismo é uma entre tantas formas de compreender o mundo e o outro por meio

do ato de narrar fatos e histórias. A narrativa jornalística pode ser compreendida

como mediação entre “os sujeitos que escrevem e se inscrevem no texto”

(RESENDE, 2006, p. 138).

32

O narrador é quem se posiciona sobre algo; ele assume o papel de

conselheiro, segundo Benjamin (apud CAVALCANTI, 2006). A proporção válida do

narrador pode aparecer em um ensinamento moral ou uma sugestão prática, de

acordo com o autor.

Rocha (2016) traça o surgimento do emblema no narrador quando o hábito

dos discursos era a expressão oral. Para a autora, nos feitos históricos, o narrador

se posicionava em um padrão superior, como embaixador da voz de outro ser. Na

modernidade, com o surgimento do romance, e a difusão da informação, aquele

narrador que já não existe mais, como explica Benjamin (apud RESENDE, 2006).

Perde sua vitalidade – narrador - no momento de exacerbação de uma prática cotidiana, burocratizante e limitadora (...), sendo assim, o ato de narrar, quando burocratizado pelas fundamentações epistemológicas do discurso jornalístico, torna-se limitado e limitador (id, pg. 3).

Traduzindo conhecimento em relato, a narrativa nos coloca em perspectiva de

um determinado acontecimento em seu desenrolar lógico e cronologicamente. “Isto

é, a qualidade de descrever algo enunciando uma sucessão de estados de

transformação” (MOTTA, 2009, p. 2).

Para compreender a estruturação do personagem dentro do jornalismo é

necessário compreender o papel do jornalista enquanto autor e conceituar seu

ofício. Para Resende (2006), as narrativas jornalísticas são dominadoras, já que

ofuscam o autor, em princípio.

O jornalista, diante de pressupostos conceituais que formatam o seu texto – a necessária busca da verdade, valor encravado na pressuposta imparcialidade de quem relata o fato – se esvai no narrado e raramente se apresenta como autor. Não há, na perspectiva da narrativa jornalística tradicional, alguém que conta a história (id, p. 164).

Com finalidade de estabelecer o que são os gêneros jornalísticos dentro do

oficio do narrador é importante verificar como a sua separação foi feita ao longo da

história. Acerca disso, Medina (2016) explica que:

[...] classificar gêneros já era uma atividade na Grécia antiga, onde Platão propôs uma classificação binária, entre gênero sério, que incluía a epopeia e a tragédia, e gênero burlesco, do qual faziam parte a comédia e a sátira. Posteriormente, o próprio Platão realizou uma nova classificação, agora em três modalidades, baseada na variação das relações entre literatura e realidade, à luz do conceito de mimesis, ou seja, da imitação: gênero mimético ou dramático (tragédia e comédia); gênero expositivo ou narrativo (ditirambo, nomo, poesia lírica); e gênero misto, constituído pela associação

33

das duas classificações anteriores (epopéia). Com isso, Platão lançou o fundamento da tripartida dos gêneros literários (id, p. 45).

Medina (ibid) afirma que os gêneros servem para orientar os leitores a

prestigiaram os jornais, além de auxiliarem na elaboração de um diálogo entre o

periódico e o leitor. Para o autor “é através das exigências dos leitores que as

formas e os conteúdos dos jornais se modificam” (ibid, p. 50). Segundo ele, os

gêneros também servem para identificar uma determinada intenção, seja de

informar, opinar, interpretar ou divertir.

No jornalismo, os tópicos de interesse público foram fragmentados em

seções, pretendendo atender a carência de informação de cada um. A classificação

nasceu a partir de uma necessidade humana, conforme levanta Seixas (2009):

[...] naturais e humanas evidenciaram a necessidade prática da classificação. Ordenar para preservar e manipular. A mesma ordem que se pretendia estabelecer para os seres vivos, se buscava na observação dos dados concretos visíveis dos textos (id, p. 20).

Para Gargurevich (1982), os gêneros jornalísticos são aspectos que os

jornalistas trazem para se manifestar. Suas características estabelecidas estão na

forma da estratégia da linguagem. O autor traz uma exibição de conceitos do

jornalismo sobre gêneros jornalísticos, abordando as peculiaridades entre jornalismo

noticioso e jornalismo literário. No primeiro conjunto estão as crônicas, as colunas,

as entrevistas, as reportagens, o editorial, o artigo e a notícia. No segundo estão os

ensaios, as biografias, os contos e as histórias verídicas ou conto da vida real (apud

MEDINA, 2016).

Para Marcuschi (2008), os gêneros estão conectados à atividade social da

língua, e aos empregos, que ao tornarem-se sucessivo em uma comunidade,

transformam o texto em um modelo pré-elaborado. “O tipo caracteriza-se muito mais

como sequências linguísticas (sequências retóricas) do que como textos

materializados; a rigor, são modos textuais” (id, p.154).

No Brasil, a classificação de gêneros jornalísticos é constantemente

modificada, “por não convencerem quanto aos critérios de divisão” como afirma

Seixas (2009, p. 55). Isso faz com que a cada novo estudo científico os gêneros

ganhem novos conceitos e divisões.

34

Luiz Beltrão e Marques de Melo (apud TONDOLO, 2016) categorizam os

gêneros jornalísticos de forma semelhante. Luiz Beltrão classifica os gêneros em:

Informativo (História de atrativo humano, Notícia, Reportagem, Informação pela

imagem), Opinativo (Editorial, Artigo, Fotografia e ilustração, Resenha, Crônica,

Charge/caricatura, Colaboração do leitor) e Interpretativo (Reportagem em

profundidade). Logo, Marques de Melo divide em: Informativo (Nota, Notícia,

Reportagem, Entrevista) e Opinativo (Editorial, Artigo, Resenha, Crônica, Caricatura,

Carta, Comentário, Coluna).

Ainda de acordo com Bazerman (in TONDOLO, 2016, p. 7), as características

dos gêneros textuais “estão relacionadas as funções principais ou atividades

realizadas”, desta forma, a missão do gênero coordena suas peculiaridades

linguísticas. Desta forma, os textos de obituários podem se desprender de alguns

limites e paramentos do jornalismo informativo – capaz de desprender-se das

noticias midiáticas.

Para Lima (apud MARTINS, 2016), a estruturação da perspectiva sistêmica

de um determinado acontecimento exige a identificação da atividade que o sistema

vem praticando e poderá vir a praticado. Os textos de obituário não estão

estritamente ligados ao sistema jornalístico de produção, como a notícia, por

exemplo. Nesta perspectiva, o obituário é um produto autônomo, pois apresenta

maior liberdade e não sofrem interposições sobre outros trabalhos do jornalismo

convencional e seu sistema. Com um parâmetro mais literário, o obituário, não traz

somente as formas básicas da narrativa dos fatos, ele caracteriza-se por ser um

texto mais carregado de adjetivos, e um enredo sofisticado.

3.3 Jornalismo literário e rotinas produtivas de trabalhos autorais como o obituário

Conforme já dito, enquanto um gênero que está intimamente relacionado com o

jornalismo literário, “os obituários são, sem dúvida, na imprensa diária, os textos

mais bem escritos, eles estão muito próximos do melhor texto do jornalismo literário”

(SUZUKI, 2016, s/p).

35

O princípio do jornalismo literário é detectado por diferentes autores em

diversos momentos históricos. De acordo com Pena (2016), alguns determinam

como referência introdutória o século XIX, onde “escritores assumiram as funções de

editores, articulistas, cronistas e autores de folhetim” (id, p. 21). No entanto, demais

autores acreditam que o jornalismo desenvolvido nos anos 1960 como a origem

desta tendência.

Para Martinez (2009), a especialidade jornalística tem primícias em época

muito mais extrema, determinando o advento do jornalismo literário simultaneamente

ao início da civilização, quer dizer, da oralidade.

Não seria incorreto, sob este ponto de vista, dizer que os seus primórdios remontam à aurora da civilização. Tempo em que o ser humano se deu conta de que era finito e que, para lidar com o irremediável fato de sua mortalidade, começou a se questionar, pensar, simbolizar e, sobretudo, comunicar suas inquietações e descobertas sobre essas questões que continuam nos intrigando até hoje, como a origem da vida, de onde viemos, para onde vamos, quem somos (id, p.72).

Como já mencionado neste trabalho, os textos da seção obituária de um

veículo são composições cujas características se aproximam do chamado jornalismo

literário. Um estilo que foge do campo pré-estabelecido, os textos sobressaltam o

óbvio e cruzam os aspectos predominantes das publicações. Um gênero jornalístico

que emprega estratégias peculiares da composição literária e se dispõe a provocar

sensações, despertar interesse, instigar e seduzir.

O jornalismo literário é identificado por Lima (1969) como um ofício em que as

expressões, utilizadas em uma maneira particular, devem ser um fim em si mesma e

não um meio, afirmando que “o modo de dizer é um elemento capital para que o

jornalismo, como qualquer outro êmprego [sic] da palavra, seja ou não uma arte” (id,

p. 42).

Segundo o autor, é este modo de dizer, de empregar as palavras, que

estabelece o jornalismo como gênero literário e artístico. Assim como Lima (ibid),

outros autores também consideram essencial o estilo e uso da palavra como forma

de fixar o jornalismo em vertente literária (WEISE apud MELO; OLIVEIRA; VALKIU;

VICHOSKI; VIEIRA, 2016).

Tanto jornalismo quanto literatura empregam a palavra para dar corpo ao fato, seja ele jornalístico ou ficcional. A literatura abusa do mundo

36

imaginário, já o jornalismo prima pela versão de fatos que envolvem, de alguma maneira, seres humanos (id, p.43).

Para Costa (2005), a linguagem literária atravessa a estrutura do discurso

jornalístico. Para a autora, ao contrário da direção do texto jornalístico, esta

linguagem apresenta uma “intransitividade radical”, fundamentada na liberdade

linguística e na autorreferência. Em outras palavras, a manifestação literária não tem

a obrigação de difundir algo de aspecto objetivo.

Do jornalismo literário, Lima (2016), destaca sua natureza humana, espaço

para pessoas deixam de ser “apenas um dado folclórico de ilustração de uma

situação, uma fonte de informação” para se enxergarem estampadas em toda a sua

complexidade como imagem de uma utilidade social. Assim sendo, afirma o autor:

O Jornalismo Literário que se preza envolve a imersão do repórter na realidade que deseja retratar, a exatidão no relato de acontecimentos e situações, a leitura simbólica do mundo que observa, estilo, uma voz narrativa distinta e às vezes digressões que abram uma reflexão profunda sobre o tema subjacente à narrativa. Busca unir a compreensão racional do mundo com o entendimento intuitivo, passando pela leitura sensível de pessoas, ações, cenários e contextos. Une razão e lógica, integra as esferas objetiva e subjetiva que constituem a realidade integrada (id, p.1).

Autores ressaltam que a essência do jornalismo literário não o caracteriza

numa variação do jornalismo tradicional, mas de um “modelo paralelo e oposto,

composto por suas próprias variações de modalidade” (PASSOS e ORLANDINI,

2016, p. 78), estabelecido pela combinação substancial de jornalismo e literatura.

Referente ao vinculo que cerca o jornalismo e a literatura, Lima (1969) declara

que “sendo literatura, por se enquadrar dentro da definição dessa atividade humana,

não se confunde com qualquer outro gênero literário, distinguindo-se deles pela

marca específica de ser uma apreciação em prosa dos acontecimentos” (id, p. 64).

Para Pena (2016), essa liberdade na criação do conteúdo possibilita ao

jornalista abstrair-se de entrevistados formais, rotineiros da imprensa diária, e

levantar outras fontes, muitas vezes protagonistas presentes no cotidiano popular.

Desta maneira, como acontece nos textos de obituários, é permitido inovar e

elaborar mais aspectos de envolvimento com o leitor. Para o autor, o conceito de

jornalismo literário abrange:

Potencializar os recursos do Jornalismo, ultrapassar os limites dos acontecimentos cotidianos, proporcionar visões amplas da realidade,

37

exercer plenamente a cidadania, romper as correntes burocráticas do lead, evitar os definidores primários e, principalmente, garantir perenidade e profundidade nos relatos (id, p. 13).

O estilo literário, portanto, é a arte da combinação de expressões que podem

ou não adotar as articulações linguísticas para manifestar uma mensagem que

possui um significado inexpressável pelos modelos da narrativa do discurso

cotidiano. Percebemos neste momento que toda notícia é objeto de apuração

jornalística, mas nem todo texto jornalístico é, necessariamente noticioso. Há outras

formas de texto, com personalidades poéticas e literárias que podem ser

classificados como textos jornalísticos não noticiosos, como as crônicas, os editoriais

e os obituários, por exemplo.

Como forma de dar continuidade do processo de estudo do gênero, é preciso

adentrarmos nas rotinas jornalísticas e técnica de produção para associarmos o

processos e elaboração do conteúdo abordado.

38

4. PRODUÇÃO JORNALÍSTICA E A ELABORAÇÃO DA NOTÍCIA

4.1 A construção da notícia sob a perspectiva da teoria do newsmaking

A maneira singular como um jornal nota, narra e relaciona os fatos é um

importante ponto de partida para conhecê-lo. Os jornalistas possuem costumes

próprios que são determinados pelo processo de apuração, redação e divulgação

das informações, principalmente em produtos autorais como caso dos obituários.

Neste sentido, compreender as rotinas produtivas e o processo de construção da

notícia é necessário para esclarecer a metodologia de elaboração desse produto.

Um dos estudos sobre a estruturação da notícia é a teoria do newsmaking, o

conceito aborda o processo de construção das notícias como um fenômeno de

interesse social. Para esta teoria, desvendar suas especificidades significa reunir

várias disciplinas. O estudo do newsmaking reúne observações de áreas como a

ciência política, a economia, a crítica literária e a sociologia.

Hohlfeldt (apud RUSSI, 2016) destaca que a teoria teve início com as

investigações acerca da verificação do processo de gatekeeping (filtragem da

notícia) realizados por Kurt Lewin, nos Estados Unidos, em 1947. A compreensão

deste estudo exibe a expressão originária do inglês, gate „portão‟ e keeper „porteiro‟,

que Wolf (1995) retrata como „selecionador‟ das notícias compartilhadas ao público.

De acordo com os estudos de Lewin, “os gates são regidos por regras imparciais ou

por um grupo (no poder) de tomar a decisão de „deixar entrar‟ ou „rejeitar‟ uma

notícia” (WHITE in TRAQUINA, 1999, p.142). Desta maneira, o gatekeeper dá

medidas às notícias para descomplicar a escolha do que vai entrar.

Já para Motta (2002) a teoria newsmaking é uma corrente de estudos sobre a

maneira de seleção de notícias que se aprimorou na Universidade de Birminghan,

Inglaterra, a partir da década de 1960. Para ele, o newsmaking “nasceu fazendo

uma forte crítica ao empirismo da sociologia da comunicação norte-americana” (id, p.

130).

Os estudos sobre newsmaking tratam os meios de comunicação como

emissores de mensagens socialmente produzidas. Na formação dessa mensagem,

se espelham as rotinas produtivas dos profissionais. O cotidiano é marcado por

39

acontecimentos que atingem diretamente a sociedade. Para Hohlfeldt (apud RUSSI,

2016) a hipótese de newsmaking dá ênfase à produção de informações, ou seja, à

transformação dos acontecimentos em notícia.

A hipótese de newsmaking dá especial ênfase à produção de informações, ou melhor, à potencial transformação dos acontecimentos cotidianos em notícia. Deste modo, é especialmente sobre o emissor, no caso o profissional da informação, visto enquanto intermediário entre o acontecimento e sua narratividade, que é a notícia, que está centrada a atenção destes estudos, que incluem sobremodo o relacionamento entre fontes primeiras e jornalistas, bem como as diferentes etapas de produção informal, seja ao nível da captação da informação, seja em seu tratamento e edição e, enfim, em sua distribuição (id, p. 9).

A noticiabilidade, apresentado por Wolf (2001) como consequência da

investigação do newsmaking, está pertinente ao processo de rotinização das

atividades produtivas do jornalismo, que representa em colher matéria prima a partir

das situações. Pra o autor, as notícias são aquilo que os jornalistas delimitam como

tal, mas a noticiabilidade é “a reposta que o órgão dá à questão que domina a

atividade dos jornalistas: quais os factos quotidianos que são importantes?” (WOLF,

2001, p. 190).

Wolf (2003) relaciona o newsmaking com um estudo ligado à sociologia das

profissões. Para ele, o estudo passa, impreterivelmente, pelo quesito dos

parâmetros de distinção do que vem a ser noticia, isto é, critérios de relevância e

ponto de vista da noticiabilidade dos fatos.

A noticiabilidade é constituída pelo complexo de requisitos que se exigem para os eventos – do ponto de vista da estrutura do trabalho nos aparatos informativos e do ponto de vista do profissionalismo dos jornalistas -, para adquirir a existência pública de notícia. Tudo o que não responde a esses requisitos é „selecionado‟, uma vez que não se mostra adequado às rotinas de produção e aos cânones da cultura profissional: não conquistando o estatuto público de notícia, permanece simplesmente um evento que se perde na „matéria-prima‟ que o aparato informativo não consegue transformar e que, portanto, não deverá fazer parte dos conhecimentos de mundo, adquiridos pelo público por meio da comunicação de massa. Pode-se dizer também que a noticiabilidade corresponde ao conjunto de critérios, operações e instrumentos com os quais os aparatos de informação enfrentam a tarefa de escolher cotidianamente, de um número imprevisível e indefinido de acontecimentos, uma quantidade finita e tendencialmente estável de notícias (id, pg. 195/196).

Wolf (ibid) destaca também que os critérios de noticiabilidade e as rotinas

produtivas empregados pelos veículos podem promover uma distorção, ainda que,

inconsciente, entre o acontecimento e o produto final, ou seja, a notícia. No âmbito

40

referente aos meios de comunicação, os fatos são considerados com base no meio

em que a notícia pretende ser explorada. Entra em análise a disponibilidade,

liberdade para deslocar um profissional e até mesmo o acesso à informação.

Para Traquina (2005), a notícia é construída de forma complexa e na sua

produção intervêm agentes e forças sociais diversas. E como podemos observar nas

constatações dos autores acima, diante de um amplo universo de fatos ocorridos, o

jornalismo estabelece critérios que determinarão quais destes fatos serão vistos

como notícias e, consequentemente, divulgados. Assim, pode-se afirmar que o

processo de seleção da notícia nas redações é, muitas vezes, subjetivo. Isto quer

dizer: as notícias que chegam até a população são aquelas que o jornalista, ou o

veículo em que ele trabalha, decidiu publicar.

Em suma, se a identidade do jornalismo enquanto profissão continua a ser problemática, é bem clara a existência de uma identidade jornalística, ou seja, existe uma resposta bem precisa à pergunta sobre o que é que significa “ser jornalista”. Antropologicamente falando, a comunidade jornalística é uma tribo, e as características e ideologia dessa tribo são um factor crucial na elaboração do produto jornalístico, na definição da agenda jornalística (TRAQUINA, 2000, p.25-26).

Os interesses do veículo de comunicação influenciam no que vai ser noticiado.

O espaço dedicado ao fato também será mensurado a partir do grau de importância

estabelecido pela empresa. A seção de obituários tem local limitado no jornal, e é

utilizada para publicar mortes que foram encaminhadas ao veículo e/ou

selecionadas por ele. Além disso, existem os fatos inesperados, que contemplam

vários critérios de noticiabilidade e por isso precisam ser publicados, como o

falecimento de famosos, que geralmente é mencionado na seção, por isso a

influência da teoria do newsmaking como correspondente análise.

4.2 Rotinas produtivas na elaboração cotidiana do produto jornalístico

Como a presente unidade de análise tem como objetivo investigar o processo

de produção dos textos da seção obituário da Gazeta do Povo, compreender

detalhes da atividade profissional e das rotinas produtivas contribuem para

elucidação da articulação do cotidiano do veículo. Isso significa repensar as rotinas

41

profissionais no jornalismo visando identificar técnicas de produção característica da

seção de obituário.

Chamamos de mídias convencionais aquelas de caráter comercial, tradicionais

veículos de empresas e redes de comunicação instaladas no mercado para

distinguir de mídia das fontes. As instituições criaram seus próprios serviços de

comunicação para falar com jornais, rádio, televisão, internet.

Particularidades da rotina de produção jornalística provocam alterações nas

decisões do que se torna ou não notícia nas esferas de comunicação de massa. De

acordo com o manual da Folha de S. Paulo, o jornalismo está “subordinado a um

regime de pressa que faz parte de sua utilidade pública” (p. 14). Isto é, a utilidade

pública, assim sendo, está associada à agilidade. Uma notícia não tem valor se for

antiga.

Na metodologia de produção das notícias, à formação de práticas profissionais

que, em grande proporção, condicionam a rotina de jornalistas e repórteres,

combina-se ainda as pressões adotadas pela ânsia da empresa. Segundo Traquina

(2005), esse processo é natural, pois a adaptação do jornalista ao ritual é

considerada profissionalismo. “O conhecimento de formas rotineiras de processar

diferentes tipos de „estórias‟ noticiosas permite aos repórteres trabalhar com maior

eficácia” (id, p. 193).

Assim, é preciso averiguar a pertinente liberdade que os jornalistas utilizam a

seu trabalho, no centro de um plano em que dificilmente as decisões serão tomadas

isoladamente. Os manuais de redação instruem os jornalistas a acompanhar a linha

editorial do jornal, ajustando limites para a emancipação dos autores das notícias.

Consequentemente, apesar das linhas editoriais e dos valores notícias, a rotina

produtiva do veículo também pode intervir na produção do jornalista.

Cada meio e cada seção tem uma maneira de ordenar o trabalho e um acordo sobre o que supostamente o jornalista deve fazer e se espera que ele faça, assim como critérios que indicam o que é publicável, noticiável, e que formam parta de qualquer organização dos meios de comunicação (MARTINI apud MARTINS, 2003, pg. 6).

Em relação ao ambiente organizacional, as rotinas produtivas, a cultura

profissional e a estrutura de valores–notícia dominante, os jornalistas trabalham

como elementos no controle de execuções lógicas produtivas e fazem a

42

intermediação desse suporte com as operações objetivas, a realidade social e a

própria subjetividade. Os jornalistas são operadores proprietários de um

determinado nível de liberdade na prática em relação aos poderes constituídos, e

têm papel relevante nos processos de construção negociada de sentidos quando

elaboram seu relato sobre os acontecimentos a partir de dados fornecidos pelas

fontes (TRAQUINA, 2005, p. 114-126).

Alguns aspectos da rotina de produção jornalística influenciam claramente na

definição do que vira ou não notícia nos meios de comunicação. Para se moldar às

linhas editorias do veículo, um jornalista começa a decifrar as especificidades do

veículo e passa a trabalhar de acordo com elas. Como evidencia Breed (apud

TRAQUINA, 2005), o profissional passa a assimilar a rotina para qual está

trabalhando, aprende a política editorial, descobre e interioriza os direitos e as

obrigações do seu estatuto, interessado em recompensas e evitando punições.

Um ponto a ser considerado neste contexto de rotinas produtivas, dentro do

processo de produção dos obituários é que há neles influência de uma espécie de

compromisso com a memória e com o nostálgico - e não, necessariamente, com o

fato ou a relação reveladora do acontecimento. Ou seja, a “pauta de Deus”, como se

refere Marocco (2016) referindo-se aos critérios da rotina produtiva dos textos,

coloca o obituário como um ambiente de noticiabilidade para “acontecimentos

impróprios” e que não teriam no gênero algum valor-notícia. Deste modo, tornam a

morte “acessório de um acontecimento estético, cuja apreensão é concebida na

relação entre o jornalista e o que se configura como um objeto de valor, em um ritmo

que não é natural ao jornalismo” (id, p. 374).

4.3 A elaboração da reportagem-perfil na rotina produtiva de um jornal

Ao buscarmos estudar os processos de confecção dos conteúdos de

obituários, um fator considerado primordial é o esclarecimento do comportamento e

das rotinas de produção do texto em estilo perfil.

O perfil é um gênero que descreve os fatos sobre a vida de uma pessoa,

procurando informações inéditas, tratando o indivíduo com uma identidade original.

Usa figuras de linguagem e caminhos literários para retratar a existência de alguém

43

– contudo, o perfil pode ser um conteúdo amplo. Se a notícia é o informe de um

episódio de interesse jornalístico, a reportagem é a narrativa que trata as origens,

implicações e desenvolvimento do fato, bem como apresenta os personagens

envolvidos nele, humanizando-os. [...] “é uma extensão da notícia e, por excelência,

a forma-narrativa do veículo impresso” (SODRÉ, 1986, p. 11).

A reportagem-perfil visa atender a necessidade de ampliar os fatos para uma

dimensão contextual e colocar para o receptor uma compreensão de maior alcance,

que possibilita um mergulho nos fatos e em seu contexto e oferece ao seu autor

uma dose ponderável de liberdade para superar os padrões e fórmulas

convencionais do tratamento da notícia.

As pessoas lêem e continuam lendo biografias, acredita Stephen B. Oates, pelo prazer de se projetarem em outras vidas, diferentes tempos, outros destinos e de retornarem ao presente após a viagem. As biografias sugerem o universal embutido na particularidade de um indivíduo. É como se o leitor se deliciasse com o fato de não estar sozinho no mundo, de poder compartilhar a sua própria história com a outra pessoa, não importando a época (VILAS BOAS, 2007, p. 37).

É, portanto, considerado um produto para uma leitura agradável, que consegue

abordar passagens relevantes da vida e carreira do entrevistado e/ou perfilado,

extrair suas convicções em assuntos importantes, ouvir o que dizem dele os amigos

e até os inimigos. O perfil é o “filão mais rico das matérias chamadas humanas”, pois

é nele que o repórter tem a chance de fazer um texto mais trabalhado – seja sobre

um personagem, um prédio ou uma cidade (KOTSCHO in LENE, 2016).

Para fazer um perfil é necessário que o repórter se municie previamente sobre o tema de que vai tratar. O motivo é simples: para ir fundo na vida de uma pessoa ou de um lugar é preciso, antes de mais nada, conhecê-lo bem. Estas informações prévias podem ser conseguidas no arquivo do jornal, em pesquisa na internet ou com pessoas ligadas ao assunto (id, 2016, s/p).

Os indivíduos se interessam pela trajetória dos outros, em virtude da

magnanimidade passada por suas performances excêntricas. Quando uma pessoa

falece, as memórias preponderantes se sobrepõem. No obituário, por exemplo,

concentra-se a morte através dos feitos e do passado do indivíduo. “A cultura de

massa, que valoriza o indivíduo particular, que ignora o além não tem outra coisa a

fazer senão recalcar, camuflar, euforizar o fundo trágico ou delirante da existência,

e, evidentemente, a morte” (MORIN in SILVA, 2016, p. 25).

44

Para Sodré (1986), diante do perfilado, que pode ser um herói ou anti-herói, o

repórter deve manter dois tipos de comportamento: ou permanece afastado,

permitindo que o focalizado se pronuncie, ou compartilha com ele um determinado

momento e passa ao leitor essa experiência (id, p. 14). Para o autor, a reportagem-

perfil apresenta-se das seguintes formas:

a) Personagem indivíduo – A imagem que o jornalista faz do perfilado é menos

referencial e mais psicológica. A relevância trata a respeito do comportamento do

entrevistado/perfilado diante da vida, sua conduta, a característica de seu modo e

atitudes. O narrador, obviamente, salienta o lado de maior importância do perfilado

(modelo característico de obituários).

b) Personagem tipo – Nem sempre temos uma figura surpreendente. Como por

exemplo, celebridades que se inscrevem em grupos: esportistas, cantores,

milionários, etc. O natural, diante disso, é ressaltar, no texto, propriamente aquilo

que lhes deu popularidade: beleza, dinheiro, habilidade, talento, ou qualquer outra

característica própria de suas classes ou atividades.

c) Personagem caricatura – São os indivíduos estranhos, grotescos, de atitudes

espalhafatosas, com intensa inclinação para a exibição, que podem originar um perfil

tipo caricatura.

d) Miniperfil – Casualmente introduzido na reportagem. Sendo assim, a ênfase é

dada aos acontecimentos, suas ações, e os personagens são complementares ou

secundários. A descrição de um episódio é suspenso para dar um breve destaque

sobre personagens.

e) Multiperfil – Quando o personagem é tão significante que merece uma

abrangência maior que a do perfil. Exemplo: quando é uma personalidade muito

reconhecida, escritor renomado ou figuras políticas, jornais chegam a elaborar

cadernos especiais exclusivos sobre o indivíduo.

Ainda segundo o autor (ibid), a imagem que o repórter faz de um perfilado é

mais psicológico do que referencial. A importância reincide sobre o posicionamento

do individuo diante da vida, suas particularidades, comportamentos e modo de

desempenho. O locutor, sensatamente, salienta o sentido de maior relevância do

perfilado.

45

O bom perfil “é intimista, sem ser invasivo; e interpretativo, sem ser analítico”

(PIZA in LENE, 2016, s/p). O autor ainda destaca que no jornalismo brasileiro,

corriqueiramente, os perfis costumam terminar glamourizando os personagens,

através de seus gestos elogiáveis. Um erro, segundo ele.

Para desvendar o processo de produção do conteúdo do obituário, faz-se

necessário compreendermos que o perfil ou a reportagem-perfil caracterizam o

material que é publicado na seção de obituários. Isso pode ser certificado a partir da

análise de que muitos textos desse padrão se empregam de referências sobre

alguém para escrever uma memória.

46

5. ANÁLISE DO PROCESSO PRODUTIVO DO OBITUÁRIO DO JORNAL GAZETA

DO POVO

Nesta divisão, os conceitos teóricos abordados ao longo dos capítulos

anteriores são aplicados através da análise da pesquisa etnográfica. Os tópicos a

seguir referem-se, de acordo com a metodologia utilizada neste estudo, às

condições e diagnósticos revelados ao longo das entrevistas.

5.1 A pesquisa etnográfica como forma de entender as rotinas produtivas do obituário

Há muitas maneiras de se fazer pesquisa no âmbito das ciências sociais e

humanas, e de acordo com teorias já citadas, sabemos, portanto, que o jornalismo

produz discursos em condições particulares. A partir dessas considerações, para a

investigação do objetivo proposto a esta monografia, adequam-se os métodos da

vertente etnográfica.

Mas o que é exatamente uma etnografia? Ferreira (1999, p. 849) define a

etnografia de duas maneiras: como "parte dos estudos antropológicos que

corresponde à fase de elaboração de dados obtidos em pesquisa de campo e

estudo descritivo de um ou de vários aspectos sociais ou culturais de um povo ou

grupo social".

A etnografia é uma descrição densa. Fazer a etnografia é como tentar ler (no sentido de “construir uma leitura de”) um manuscrito estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos, escritos não com os sinais convencionais do som, mas com exemplos transitórios de comportamento modelado (GEERTZ, 2008, p. 7).

Para Wilson (apud LIMA; DUPAS; OLIVEIRA; KAKEHASHI, 2016) a pesquisa

etnográfica apoia-se em dois prognósticos sobre as práticas humanas: 1) a hipótese

naturalista-ecológica, que declara ser a conduta humana consideravelmente

influenciada pelo âmbito em que se posiciona. Por causa disso a conveniência de

estudar o indivíduo em seu ambiente natural. 2) a hipótese qualitativo-

fenomenológica, que define ser pouco possível entender uma conduta,

procedimento ou costume sem procurar compreender a situação referencial dentro

47

do qual os indivíduos coabitam. Logo, o pesquisador deve exercer o papel subjetivo

de participante e o papel objetivo de investigador, a fim de compreender e explicar

aquele determinado comportamento.

Geertz (apud TRAVANCAS, 2016) acredita que a etnografia é um método cuja

aplicação significa "estabelecer relações, selecionar informantes, transcrever textos,

levantar genealogias, mapear campos, manter um diário, assim por diante" (id, pg.

1). Sendo assim, as especificidades do método etnográfico o tornam aplicável nos

critérios de execução desta pesquisa, uma vez que se pretende aqui mapear, por

meio de entrevistas em profundidade com os atores sociais envolvidos, os meandros

da produção jornalística e suas relações com o produto – o jornal e, mais

especificamente, o formato obituário dentro do sistema do jornal – a partir da

compreensão de suas rotinas.

O trabalho de campo etnográfico é uma técnica especialmente aberta para a

representação do cotidiano. O reconhecimento participante exige que seus

praticantes experimentem fisicamente a tarefa de interpretar um corpo social,

procurando compreender suas expressões, sistemas e símbolos. A teoria

etnográfica faz o pesquisador ver com outros olhos a diversidade cultural e

linguística. O termo etno designa cultura. O conceito é uma descrição densa de uma

determinada cultura, feito a partir de um trabalho de campo, cuja observação

participante é a principal característica. Lago e Benetti (2008, p. 234) ressaltam a

importância da observação participante nas pesquisas práticas sobre a relação dos

emissores.

Na falta de um conceito mais efetivo para darmos da observação participante no dia-a-dia das redações propomos a noção provisória do etnojornalismo, observação sobre práticas jornalísticas que resultam num produto chamado notícia (id, 2008, p. 234).

A etnografia é hoje empregada na compreensão das especificidades culturais

de grupos de nossa própria sociedade. Em pesquisa etnográfica, o observador vai

até o local de produção, permanece durante um período de tempo, analisando como

os profissionais do jornalismo aplica sua atividade, para assimilar como se dá o

processo de produção das notícias. Isso permite reconhecer as rotinas como parte

central do processo. Fernandes (2002) acredita que a melhor maneira para estudar

48

um grupo é submeter-se aos choques culturais do determinado local. Para o autor, é

preciso usar seus próprios corpos e mentes como um laboratório.

O trabalho do jornalista Gonzo termina quando ele conta uma boa história. O do etnólogo apenas começa aí. Ele tenta interpretar a pesquisa de campo. E geralmente isso leva a questionar a ciência, o modo ocidental de viver, os valores e a filosofia. Passa-se da etnografia para a etnologia (FERNANDES in COSTA; BATISTA; GOMES, 2016, p. 57).

Segundo Pena (2016), para perceber além, é necessário ver com olhos do

outro. Vivemos da nossa própria cultura, nossos estilos, nosso vocabulário,

costumes, princípios e conduta, e esses elementos não podem servir como base de

conduta para estudar a coletividade. Neste sentido, o autor questiona: “como pode

um profissional perceber a cultura, o rito e mito das diversas sociedades se é cego

para o polissêmico e surdo para o polifônico?” (PENA, 2016, s/p).

Do ponto de vista etnográfico do jornalismo, faz sentido pensar que os

profissionais da área formaram, ao longo dos anos, uma cultura técnica, a qual

Traquina (2005) chama de tribo jornalística, uma vez que “não é possível

compreender as notícias sem uma absorção da cultura dos profissionais que

dedicam suas horas e, às vezes, suas vidas, a esta atividade” (id, p. 14). O autor

destaca que a formação dessa tribo jornalística, ajustada por profissionais que

repartem uma cultura profissional, acaba fazendo com que isso se revele na forma

similar com que todos os jornalistas propagam as notícias - como uma consequência

de pensamentos comuns de um grupo.

O principal objetivo da pesquisa etnográfica é entender o ponto de vista do

informante. E para verificar se um estudo pode ser chamado de etnográfico, “basta

verificar se a pessoa que lê esse estudo consegue interpretar aquilo que ocorre no

grupo estudado tão apropriadamente como se fosse um membro deste grupo”

(WALCOTT in SILVA, 2016, s/p).

Mais do que um estudo sobre pessoas e/ou comportamento, etnografia quer

dizer “aprendendo com as pessoas” (SPRADLEY in LIMA; DUPAS; OLIVEIRA;

KAKEHASHI, 2016, p. 24). É importante esclarecer que a pesquisa etnográfica não

é a única forma de averiguação e interpretação de um meio, no entanto, a fim de

compreender as características do processo autoral e os elementos metodológicos

do obituário da Gazeta do Povo, a pesquisa leva em consideração a hipótese

49

“qualitativo-fenomenológica”, visando interpretar o que é e como é desempenhado o

gênero utilizando dos recursos etnográficos de apuração.

5.2 Método e condições da pesquisa empregada

Bronosky (in PIRES, 2016, p.43), estabelece uma definição de etnografia que

se harmoniza igualmente ao problema proposto pela pesquisa. De acordo ele, “a

etnografia trata-se de um processo/método de captura, descrição e análise de dados

provenientes de observações qualitativas realizadas em agrupamentos específicos”.

Segundo Bardin (1994), a pesquisa é uma forma de estudo em que se

atribuem conceitos objetivos em objetos de comunicação. Como resultado das

propostas de estudos desenvolvidos neste trabalho, e como já mencionado, na

etnografia, o pesquisador participa, o quanto é possível, da vida normal do grupo

pesquisado, da cultura pesquisada. A partir dessas considerações, o método de

pesquisa conduzido neste trabalho foi a pesquisa de profundidade, que significa uma

técnica qualitativa que permite explorar um ou mais temas, com maior profundidade

do que as entrevistas comuns.

Quando aplicada, a entrevista de profundidade pode ser classificada em três

categorias distintas, em função do grau de estruturação do guia de entrevista

utilizado pelo entrevistador: entrevista não-estruturada; entrevista semi-estruturada e

entrevista estruturada (DELBÈS; GRAMONT, apud MARCHETTI, 2016). A estratégia

utilizada para a entrevista aplicada nesta pesquisa foi o método da entrevista

individual e estruturada, pois se percebeu a necessidade da criação de um roteiro de

perguntas, acreditando que desta forma, o aproveitamento do tempo, da

observação, interpretação, discernimento e o desenvolver de uma perspectiva

holística, seriam mais favoráveis.

Apesar de a observação participativa ser uma técnica importante à pesquisa

etnográfica, neste trabalho a estratégia não foi aplicável. Tendo em vista que, desde

o segundo semestre de 2014, o obituário passou a ser semanal, o repórter

responsável pelo texto encaixa a produtividade do conteúdo na sua rotina diária do

expediente – ou seja, não existe, necessariamente, um horário específico para

50

elaboração do produto, o que não possibilitaria a permanência de uma pesquisadora

dentro da redação para acompanhar a prática de produção.

Para chegar a uma compreensão descritiva contextualizada do processo de

produção dos obituários da Gazeta do Povo, optou-se por realizar entrevistas com

dois obituaristas e uma editora executiva e uma ex-editora do veículo, acreditando

que desta forma possível interpretar e desenvolver uma perspectiva do processo de

análise proposto por este trabalho.

Foram coletados depoimentos da ex-colaboradora da seção, Aline Peres; o

colaborador José Carlos Fernandes; a ex-editora e introdutora do projeto no veículo,

Marleth Silva; e a atual editora da seção, Fernanda Leitóles. A condição das

entrevistas foi planejada através de encontros pessoais com os referidos. Porém, a

rota da pesquisa foi adotada com dois dos entrevistados. Devido a indisponibilidades

pessoais, Aline Peres participou da entrevista através de e-mail, e a editora

executiva Fernanda Leitóles prestou participação via contato telefônico.

A escolha dos entrevistados se deu pelo seu tempo de colaboração na seção,

pela participação histórica no início do processo de introdução dos textos no veículo

e pela atuação no desenvolvimento editorial nos dias que correm a produção desta

monografia. Os dados gerados através das técnicas aqui descritas foram transcritas

e encontram-se na categoria “Anexos” desta pesquisa. Todos os entrevistados foram

acessíveis e se mostraram dispostos a colaborar com a elaboração do estudo.

O encontro com José Carlos Fernandes aconteceu no setor de Comunicação

Social da Universidade Federal do Paraná (UFPR), e o de Marleth Silva aconteceu

em um café, na região central de Curitiba. Todas as entrevistas foram gravadas,

tendo autorização prévia dos entrevistados, inclusive a realizada com Fernanda

Leitóles, via telefone.

Segundo Pena (2005), “a „tribo‟ dos jornalistas tem efetivamente seus próprios

costumes e ritos” (p. 152). No geral, o recolhimento de dados feitos através do

método etnográfico teve foco de interpretar individualmente cada realidade dentro da

seção, contextualizar e compreender a prática e rotina de produção do obituário da

Gazeta do Povo.

51

5.3 O processo de seleção e construção do obituário da Gazeta do Povo

Os conceitos teóricos abordados ao decorrer desta pesquisa foram aplicados

através dos parâmetros da pesquisa etnográfica. Assim, os estudos propostos pela

análise, que intenta investigar a rotina produtiva da seção, que engloba a rotina do

repórter, seleção de perfilado, processo de produção, função do editor, e produto

final.

A análise da pesquisa de campo nos possibilita identificar uma mecanicidade

no processo de produção dos textos. Como relata Leitóles (2016), ao ser indagada

sobre os passos da construção do obituário no jornal Gazeta do Povo:

Primeiro: encontrar o personagem. Passo dois: entrar em contato com a família e explicar o que é obituário pra ver se elas aceitam ou não. Se a família aceitar, nós marcamos uma data para fazer a entrevista. Passo três: a pessoa ou as pessoas, porque às vezes são duas, enfim, vão contar pra nós tudo que elas queira sobre os seus falecidos. Passo quatro: depois que fizemos essas entrevistas vamos produzir o texto para o obituário. Passo cinco: esse texto será realizado pelo repórter. Passo seis: será editado por mim. Passo sete: eu vou preparar essa edição, ou seja, vou colocar na página, passar para o paginador. Passo oito: esse conteúdo vai ser publicado no jornal de fim de semana e no site da Gazeta do Povo (id).

Para Leitóles, Peres e Silva (2016), a ideia do obituário é valorizar o homem

comum, aquele sujeito que não entraria como destaque de seus feitos no noticiário.

Olha, eu nem sei mais o que eu pensava na época, porque assim, eu achava era uma forma exatamente de falar de pessoas comuns, porque muitas vezes a gente ouve falar de pessoas interessantes [...] na verdade eu achava que o obituário era uma forma, pelo que eu lia, de outros jornais, de você colocar pessoas comuns que, normalmente, não sairia no jornal. Essa que era a minha ideia, você colocar a pessoa comum (SILVA, 2016).

Contudo, as entrevistas trazem pistas de que a realidade nem sempre permite,

precisamente, elaborar os conteúdos através desses critérios de planejamento.

Como já discutido no capitulo dois desta pesquisa, devido ao tempo viável para tal, o

contexto da necessidade de agilidade acaba determinando modificações na

justificativa inicial do produto.

Para Fernandes (2016) o detalhe do sucesso e eficiência no processo de

elaboração do texto de obituário é “procurar a chave”. Decifrar detalhes, fazer o leitor

se identificar. “A regra é o leitor dizer „minha vida comum e a minha vida parecida

52

com a dele‟, „eu também sou assim‟” (id). No mesmo sentido, para Silva (2016) a

particularidade está em não repetir padrões textuais ou estereótipos:

Era um tal de dizer: “como um bom católico ele era devoto de Nossa Senhora”. “Nunca esqueceu a sua infância passada no interior e por isso gostava de comer banana no pé”. Então virava um clichê, um clichê, um clichê e isso era um problema. E como é que você foge do clichê? Ficar ouvindo, ouvindo, ouvindo e escrever o que ela falou e não o que você já tem pronto na cabeça (id).

Pensar nos fatos básicos. Não excluir detalhes simples da vida das pessoas é

ainda considerado uma premissa para a técnica de produção. Esse procedimento é

importante ao se levar em conta as diferentes etapas de produção na narrativa do

obituário.

É isso que você tem que ajudar aonde o leitor comum vai se mirar naquela vida? E às vezes sim, é o bolo de laranja ou limpar uma casa ou costurar ou era um grande vendedor, como o meu pai que foi um comerciante, valorizar isso. Aonde é que estava a topofolia dele? O espaço de felicidade (FERNANDES, 2016).

Observa-se que o obituário funciona, para Fernandes (id), como uma

narrativa que cria identificação imediata. É como se tais elementos, quando

oferecidos ao obituarista, por meio de entrevistas com familiares ou amigos,

ganhassem vida na estruturação do texto.

Temos em vista que o processo de produção é de um texto autoral, voltado

às técnicas do jornalismo literário, como já discutido anteriormente. Sendo assim, a

relação entre o obituarista e o editor está diretamente relacionado à qualidade final

do produto. Trata-se de um sistema de controle e qualidade de produção, conforme

levantamentos:

Eu vou lendo o texto, obviamente, e vou tentando ver se as coisas batem, se as coisas encaixam. A ideia é deixar, o bom texto que o repórter já me entrega, tentar deixar ainda melhor. Então, repetição de palavras, por ventura algum erro ortográfico, que dificilmente a gente encontra, mas assim, a gente passa um pente fino. Essa é a parte, digamos assim, ortográfica, o português correto. E também a alguma informação que às vezes me soa estranho ou eu acho que vou conversar com o repórter [...] Tentando tirar as dúvidas e entregar o melhor texto possível que nós podemos naquele momento (LEITÓLES, 2016).

Mesmo que o obituário seja entendido como autoral, e não sendo

compreendido como um texto essencialmente informativo, é possível compreender

53

que as técnicas empregadas no processo de produção podem se tornar

automáticas dentro da rotina da seção:

Ter sensibilidade de fazer as perguntas certas que me possibilitariam ter um perfil psicológico da pessoa, assim como a percepção de cenários e situações muito próprias ao retratado. Se você for ler os obituários, verá que a ideia sempre é aproximar o retratado do leitor para que ele possa “sentir” as emoções; “ver” as cenas que foram importantes a ele; “tocar”, de certa forma, aquele que busca o texto como curiosidade (PERES, 2016).

“Você não fala da morte, você fala da vida” (SILVA, 2016). Segundo Suzuki

(2008), obituário é uma ode à vida e não à morbidez como se pensa. Na Gazeta do

Povo, os obituaristas procuram desenvolver uma narrativa mais humanizada e

sensível à morte, não manifestam detalhes do abatimento dos últimos momentos,

por exemplo. Mantendo assim, de alguma maneira, os perfilados vivos no periódico.

5.4 O obituarista e a influência da teoria do newsmaking

Conforme já apresentado nesta pesquisa, um dos estudos sobre a formação

da notícia é a teoria do newsmaking. Um conceito que discute o processo de

construção das notícias como um fenômeno de interesse social. Na formação dessa

mensagem, se espelham as rotinas produtivas dos profissionais.

Em concordância com a metodologia de pesquisa proposta para este

trabalho, segundo Schlesinger (apud WOLF, 1985) os estudos de newsmaking são

fundamentados pela linha de pesquisa etnográfica.

A abordagem etnográfica, ao contrário de outras abordagens centradas no produto de mass media, permite a observação, teoricamente orientada, das práticas sociais efetivas que dão lugar à produção cultural. (id, p. 167).

A maneira individual como um veículo nota, narra e relaciona os fatos é um

importante ponto de partida para estudá-lo. Os jornalistas possuem costumes

próprios que são determinados por alguns processos, como por exemplo, a forma de

apuração, redação e exposição das informações.

Durante a análise, foi possível perceber que o obituário transita por vários

caminhos até a chegada no leitor. Neste sentido, pode ser tomado como um

segmento da comunicação em que um autor recolhe uma série de dados e

54

informações que marcaram a vida da pessoa, através de um levantamento

investigativo.

Produtos autorais, como casos de obituários, ao menos teoricamente,

envolvem uma metodologia de desenvolvimento mais autônoma, se comparados

com as rotinas de produção dos noticiários, dentro de um veículo. Podemos

argumentar que não existe a consolidação de um método padrão entre os

obituaristas da Gazeta do Povo para levantamentos de dados, rotina e elaboração

dos textos.

Diante das entrevistas realizadas, observamos que o processo de filtragem dos

perfilados entre Aline Peres e José Carlos Fernandes, por exemplo, seguem linhas

opostas. Aline, enquanto colaboradora da seção, extraía personagens, na maior

parte das vezes, de lista de falecimentos fornecida pela Prefeitura de Curitiba.

Fernandes inclina-se por perfilar pessoas que possuem uma ligação habitual com o

jornalista ou por contemplar um ponto de importância no perfilado. “No meu caso é

eu conhecer, eu ter admiração ou eu acreditar que eu posso ter admiração”

(FERNANDES, 2016).

Foi possível observar que Peres e Silva (2016) apontam que o processo do

obituário acaba se automatizando dentro da corrida rotina jornalística, e que é

comum que os jornalistas não se atentem a isso, pela simples razão de não terem

tempo para refletir cotidianamente sobre suas práticas. Suas falas indicam também

a questão do desinteresse dos repórteres das sucursais pela seção, uma vez que o

texto é considerado de pouca repercussão – o que contradiz com o fato de que é um

dos textos mais lidos, conforme vários dados levantados pelos entrevistados. Ou

seja, talvez haja aqui uma importante constatação acerca da “tribo jornalística”: o

fato de que os jornalistas das sucursais não privilegiam o formato por considera-lo

de pouca relevância entre os próprios jornalistas.

Neste sentido, atentou-se ao detalhe de que, para Fernandes – que atualmente

opera no jornal como colaborador, sem vínculos empregatícios – o obituário é um

possível bônus da práxis: “Eu faço como uma colaboração, é um texto doado, eu

recebo só pelas colunas” (id). De alguma forma, ele sugere que o obituário seja,

para ele, uma trégua dentro de uma árdua rotina de trabalho, pois o jornalista pode

ser menos jornalista e mais escritor, devido a liberdade estética do trabalho.

55

5.5 Aproximação dos critérios de noticiabilidade no obituário da Gazeta do Povo

De modo a entender a processualidade da seção de obituário da Gazeta do

Povo, optou-se por fazer ainda um mapeamento dos critérios de noticiabilidade que

regem a seção. Neste sentido, para fazer uma aproximação à metodologia, optou-se

por fazer uma seleção temporal de oito meses de publicações, valendo-se do acervo

da Biblioteca Pública do Paraná, que mantém preservados há mais de 30 anos

materiais dedicados aos assuntos do Estado.

Na tentativa de entender o processo de produção, a pesquisa se deteve a

analisar 23 textos de obituário, publicados entre junho de 2015 e fevereiro de 2016.

Em todo caminho traçado, a presente consulta tem objetivo de, a partir da

exploração dos conteúdos reproduzidos, levantar a discussão acerca dos possíveis

parâmetros de valores-notícias utilizados pela seção.

A fim de facilitar a apresentação e análise dos dados coletados, optou-se por

fazer uma listagem com as principais particularidades encontradas nos textos (tabela

1). A norma utilizada para ordem de lançamento dos nomes na planilha abaixo é a

data de publicação do texto.

A partir daí, os parâmetros da pesquisa atentaram-se a constatar os critérios

de noticiabilidade encontrados nos textos publicados, ou seja, um conjunto de

elementos que vão agir na definição do produto. A fim de localizar particularidades

no processo de construção dos textos, assim como suas referencias.

Hierarquizando e considerando as categorias analisadas abaixo, é possível

testificar algumas pistas e elementos do processo de produção do obituário do

jornal, como, por exemplo, a categoria “Perfilado”, que indica a média de sexo e

idade dos homenageados, permitindo ainda averiguar que entre os textos

analisados, o predomínio está entre o sexo masculino e com idade entre 84 e 94

anos.

É evidente que residentes em Curitiba estão entre a maioria dos perfilados. É

notório também que o maior número de publicações parte com assinaturas da

redação – a justificativa para não trazer o nome do repórter responsável pela

produção do conteúdo indica que a produção do texto foi feita por um estagiário do

veículo, segundo relatou José Carlos Fernandes (2016) em entrevista.

56

A caracterização e destaques das profissões dão indícios do grupo social

representado entre os homenageados. Esquadrinha-se também que, em maioria,

estão indivíduos com grau superior de escolaridade – o que, a princípio,

descredibiliza algumas das colocações dos entrevistados, acerca do fato de o

obituário ser sobre qualquer indivíduo.

Ao proceder a pesquisa, pode-se notar que as principais características do

personagem começam a ser destacadas a partir do título do texto. Na categoria

“Informações destacadas no título” é possível averiguar que os títulos seguem um

modelo padrão: contêm o nome completo do perfilado, juntamente com uma frase

que descreve uma ou mais particularidade de sua personalidade.

Por intermédio das consultas de dados abaixo é interessante ressaltar que os

textos são conduzidos por um discurso altamente valorativo. Também é válido

ressaltar que os textos são regidos por recursos literários para contar histórias, se

isentando de críticas e expressando, exclusivamente, apenas o que há de mais

singular do personagem em evidência.

Tabela 1 – Características e critérios de noticiabilidade no jornal Gazeta do Povo

Perfilado Local do

falecimento Profissão

Informações destacadas

no título

Principais características destacadas no

texto

Assinatura Data de

publicação

Carlos Gabriel Surjus, 71 anos

Curitiba Médico Origem e time

de futebol

Amor pelo time do coração, profissão

e família A redação 7/6/2015

Eduardo Alves de Souza, 24 anos

Curitiba Não

menciona Família e futebol

Amor pelo futebol, família e amigos

A redação 14/6/2015

Cristina Alexandre Girke, 43 anos

Curitiba Vendedora Fé e profissão

Independência, cuidado com a

família e perfeccionista

A redação 21/6/2015

João Gualberto de Sá Scheffer, 85

anos Curitiba Médico

Orquídeas e praia

Amor por orquídeas, férias, família e futebol

A redação 28/6/2015

Bruno Schweitzer de Miranda, 34

anos Curitiba Médico Profissão

Amor pela medicina, amigos do bairro e família

Aline Peres 5/7/2015

Odair Cooper, 86 anos.

Curitiba Empresário Profissão Amor pela

profissão, família e criação de aves

A redação 12/7/2015

Paulo Lubel, 78 anos

Curitiba Padre Piedade, cultura

e religião Vocação A redação 19/7/2015

57

Iamir Pereira de Souza, 88 anos

Curitiba Professora Referência ao

nome

Amor pelo fusca azul, praia,

esportista, mãe adotiva e, religiosa

José Carlos Fernandes

26/7/2015

Francisco Soares Neto, 51 anos

Curitiba

Escritor, educador,

compositor e artista

plástico

Profissão Amor pela arte,

religião e animais Daniel Zanella 2/8/2015

Douglas MacArthur de Oliveira

Boechat, 69 anos Curitiba Professor

Viver entre nuvens e estrelas

Prazer em assustar os familiares,

apreciador de artes, futebol e

compras

Daniel Zanella 9/8/2015

Daniella Nichio Cordeiro de Lima,

24 anos. Curitiba Estudante

Sonhos, viagens em família

Vaidosa, preparo para o casamento que não chegou, família e noivo

Aline Peres 16/8/2015

Arno Hauser Júnior, 90 anos

Curitiba Aviador,

comerciante e projetista

Referência ao nome

História com o nome, boa memória, liberdade,

natureza, animais e família

A redação 6/12/2015

Paulo Sérgio Hulmann, 35 anos

Ponta Grossa Atleta Profissão Amizade, amor pela profissão e

família Especial 13/12/2015

Rosangela Valêncio Santos, 46 anos

Paranaguá Não

menciona Referência à característica

Festa, família e amigos

Especial 20/12/2015

José Daher, 87 anos

Morretes Professor Cidade e profissão

Família, amigos, religião,

voluntariado e profissão

A redação 27/12/2015

Mauro Scaramuzza, 85 anos

Curitiba Médico Profissão Profissão e família José Carlos Fernandes

3/1/2016

Zaira Julia Avelleda, 104 anos

Curitiba Professora Idade

História do passado

curitibano, profissão, família,

viajar, amigos, festas de

aniversário, arte e religião

A redação 10/1/2016

Raul Pimenta, 81 anos

Maringá Professor Profissão Profissão e família Especial 17/1/2016

Adelar Miecoanski, 54 anos

Curitiba Professor Profissão e

música Profissão, família

e música A redação 31/1/2016

Hélio Luiz Ribeiro, 59 anos

Curitiba Trabalhava

com aço Características

físicas Amizade, família,

música e praia Diego Ribeiro 7/2/2016

Karina as Silva Pratezzi, 25 anos

Paranaguá Estudante Idade

Animal de estimação, família,

estudo, características

pessoais, causa da morte (dengue)

Especial 14/2/2016

58

Mairicio Schewinski, 31

Anos

União da Vitória

Secretário de saúde

Características pessoais

Família, crianças, animal de

estimação, doença e trabalho

Especial 21/2/2016

Roamano Ribeiro, 99 anos

Palmeira Auditor da

Receita Federal

Apreço pessoal

Idade, trabalho, família, leitura,

viagens, música e dança

A redação 28/2/2016

A análise dos valores-notícias nos possibilita identificar, de aspecto prévio, um

predomínio de características entre os perfilados. Os perfis publicados são de

indivíduos, evidentemente munidos de méritos sociais, no quesito profissão ou grau

de escolaridade. A maioria dos textos é constituída por personagens com instrução

em nível superior, e recebem destaques nas atuações profissionais, por exemplo,

notoriamente há uma predominância entre educadores e profissionais liberais. Como

já mencionado neste trabalho, isso se deve à facilidade de acesso às buscas por

nomes e informações.

Nesse sentido, é possível afirmar que há circunstâncias que atuam e exercem

certo critério de distinção na escolha dos perfilados dos textos de obituário, mesmo

que de forma inconsciente, isso influencia na representatividade do produto.

É importante frisar que, ainda que haja destaque aqui nas características dos

critérios de noticiabilidade da seção, através da análise de textos publicados, esse

não é o objetivo central desta pesquisa. Os critérios aparecem aqui como um

desdobramento de um corpus de um diagnóstico maior, isto é, um ciclo cujo

averiguação precisa entrar para manifestar detalhe da processualidade da rotina

produtiva.

5.6 Parâmetro de valores-notícias identificados

Como forma de elucidação do processo de produção dos obituários, a atenção

à forma como os valores do veículo e os valores-notícia transparecem no texto pode

ser uma pista para a compreensão do formato. Em atenção às características

destacadas dos perfilados, aferidas e observadas diante do estudo em 23 textos, foi

possível observar uma quantidade significativa de personagens com formação

acadêmica, profissionais liberais (médico e empresários), por exemplo. Para

59

Traquina (2005), valores-notícias são ingredientes primordiais na construção da

veracidade do jornalismo e são acrescentados pelo ritual produtivo dos profissionais.

A análise dos valores-notícia se mostra importante devido à orientação de triagem

que antecede a produção dos textos, a fim de ficarem com as características

evidenciadas no estudo. Segundo Wolf (1985), os principais critérios de

noticiabilidade de um fato são os valores-noticias.

Os jornalistas não podem obviamente, decidir sempre como devem selecionar os fatos que surgiram. Isso tornaria seu trabalho impraticável. A principal exigência é, por conseguinte, rotinizar tal tarefa, de forma a torná-la exequível e gerível. Os valores-notícias servem, exatamente para esse fim (id, p. 197).

Wolf (ibid, p. 194) declara que, como esses valores, o repórter alcança a

resposta para os seguintes questionamentos: quais os acontecimentos que são

considerados suficientemente interessantes, significativos e relevantes para serem

transformados em notícias?

Como verificado nas entrevistas, os perfilados são resgatados pelo repórter

aleatoriamente, através da lista do Serviço Funerário Municipal disponível em seu

site na internet, ou estar entre a classe de relacionamento de um dos jornalistas ou

através de procura, por interesse da própria família (mais raro).

Mesmo com estes critérios de seleção, observou-se que os profissionais

liberais são os perfis mais presentes na seção, devido à facilidade na busca por

contatos em listas telefônicas ou redes sociais. Por meio das entrevistas, foi possível

entender que o compromisso com a produção do texto de obituário não está entre as

prioridades dos repórteres do veículo; diante disso, o colaborador preza pela

agilidade no rastreio pelo personagem.

Melo (1985) acredita que os gêneros jornalísticos são determinados pelo estilo,

e dependem muito de uma relação de interlocução que o jornalista deve manter com

o seu público, apreendendo seus modos de expressão e suas temáticas abordadas,

é evidente que a sua classificação destina-se a meios culturais pré-definidos. Como

se os valores-notícias dessem a direção ao veículo na hora de eleger o assunto

retratado.

Funcionam, portanto, como uma espécie de itinerário para o jornalismo

rastrear, inspirando o que deve ser elevado ou extraído do conteúdo. Particularidade

60

esta identificada durante averiguação da pesquisa de campo, na reflexão feita por

Silva:

Então você tem aí um conjunto de informações e vai destacar aquelas que criam aquele personagem. Você não tem como ser 100% realista sobre alguém, isso é impossível. Então, você não compõe um perfil verdadeiro, você esta criando um personagem (SILVA, 2016).

Para Silva (2004), estudar os critérios dos valores-noticias e parâmetro de

noticiabilidade implica em trilhar os julgamentos sociais e culturais das organizações

de cada setor, interferências estas que são válidas em diferentes cargos na redação,

e até mesmo na participação das fontes e do público ao qual pretende atingir. A

autora ressalta que a influência dos valores-notícias ocorre da seguinte maneira:

servem como critério de seleção dos elementos a serem incluídos no produto final e

funciona como termômetro para o que deve ser priorizado ou omitido. “Às vezes, a

matéria conterá diversos destes elementos provocadores de interesse, outras vezes,

apenas um. Em cada caso, o elemento dominante presente nos indica qual o tipo de

categoria do assunto” (BOND in SILVA, 2004, p. 101).

Observa-se, diante das entrevistas com Fernandes e Silva, que o meio

jornalístico considera o obituário como um jornalismo menor, como pode ser

observado na decupagem, anexa a esta pesquisa.

Ele tem uma licenciosidade, é lógico que o obituário é um “panegírico”. Por isso ele é considerado um jornalismo menor; ele é um elogio a uma pessoa, ao destaque do cotidiano daquela pessoa, da miudeza da vida daquela pessoa, mas é uma vida, uma homenagem. [...] é o máximo da generosidade, você não esta atrás de um lead, de um grande fato, não vai ser premiado por isso (FERNANDES, 2016).

Podemos observar que, apesar dos valores-notícias estarem vigentes em todos

os ciclos da produção jornalística, cada notícia está carregada de um caráter

particular de avaliação de importância ou interesse, seja do veículo ou do jornalista.

Valores estes que podem ser notados em análise:

Elaborei um pequeno manual para nortear o trabalho de apuração e escrita. Basicamente, contávamos com a lista do Serviço Funerário Municipal diária para nos dar um norte de quem procurar. Selecionava os casos que mais chamavam a atenção: sobrenomes estrangeiros; sobrenomes conhecidos; idade para mais ou para menos; profissão (PERES, 2016).

61

Conforme afirmação de Marleth Silva (2016), quando um personagem se

destaca pelo reconhecimento e obras – como, por exemplo, um renomado cientista

ou artista – faz mais sentido transferir sua história para uma reportagem do jornal.

Ou seja, os valores envolvem algo abstrato e só ganham força quando aplicados

através dos critérios relativos ao produto, meio de comunicação e ao formato a ser

abordado. Veículos de comunicação se valem de valor-notícia como meio de tornar

uma publicação mais atrativa, vendável comercialmente. Estas características

podem ser aplicáveis também ao gênero obituário.

Distinguir o vínculo do gênero relacionado à manifestação social, cultural e

religiosa permite entender não somente os valores-notícias do veículo, mas também

os discursos compreendidos, o conjunto de signos e significados que se referem a

determinadas representações. Práticas que formam, sistematicamente, os objetos

de que falam (FOUCAULT apud ABUD, 2016).

De acordo com Cavalcanti (2006), no meio jornalístico, nada se destaca

isoladamente, protegido de interferências. E com esta essência, os resultados das

análises dos valores-notícias de construção atestam a hipótese de que o processo

de seleção do perfilado interfere diretamente na representação social do veículo,

mesmo que indiretamente. Seja pela técnica de valerem-se de aparentes virtudes

e/ou facilidade nas buscas, como menciona Aline Peres (2016), “[...] casos que mais

chamavam a atenção: sobrenomes estrangeiros; sobrenomes conhecidos; idade

para mais ou para menos; profissão”. Ou por nível de contato e convívio do

jornalista, como é o caso de José Carlos Fernandes.

62

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como objetivo, este trabalho monográfico se propôs a mapear as principais

particularidades do processo produtivo e elaborar um conjunto de elementos para a

representação histórica, bibliográfica e conceituar os valore-noticías da seção de

obituário do jornal Gazeta do Povo. Para que o trabalho não se limitasse à teoria, e

de modo a nos aproximarmos do corpus da pesquisa e suas constantes discursivas,

narrativas e método de produção, achou-se considerável a necessidade de subsidiar

uma investigação por meio de entrevista de profundidade com colaboradores e ex-

colaboradores da seção. Fez-se necessário ainda a execução de uma análise dos

critérios de noticiabilidade que a regem, através da observação de 23 textos

publicados entre junho de 2015 a fevereiro de 2016.

Durante a investigação, observou-se a quebra de três meses consecutivos de

publicações de perfis, já que a seção obituária passou a vincular matérias da então

colunista do veículo – Clarissa Grassi. As matérias abordavam temas sobre

cemitérios e arquitetura tumular. Diante da interrupção da publicação dos perfis, o

recorte de tempo se estendeu para nove meses.

A seguir, para compreender como os filtros de redação interferem nas

especificidades do objeto analisado, a metodologia abordada levantou discussão

sobre a morte e sua relação com a sociedade e o jornalismo, tendo em vista que o

obituário leva em sua temática estas referências.

Dentre as perspectivas abordadas sobre as atitudes do homem diante da

morte, foi possível observar que a recordação pública da perda sempre foi de crucial

relevância em diferentes pontos e tempos culturais. A partir disso, a presente

monografia introduziu reflexão e histórica do gênero morte dentro da história e no

próprio jornalismo, inclusive no veículo analisado.

Após relacionar a morte na sociedade, mídia e suas formas de noticiabilidade,

a pesquisa atentou em relacionar as rotinas produtivas e o processo de construção

do gênero obituário dentro da indústria jornalística. Dentro desta estratégia de

abordagem, viu-se a necessidade dos estudos sobre a estruturação da notícia é a

teoria do newsmaking, o conceito aborda o processo de construção das notícias

63

como um fenômeno de interesse social. Para esta teoria, desvendar suas

especificidades significa reunir várias disciplinas.

No último capítulo a monografia se direciona ao um conteúdo teórico-

metodológico, evidenciado pela elucidação da condição do aspecto da etnografia,

modelo de pesquisa estabelecido como trabalho que campo, entendida como uma

técnica especialmente aberta para a representação do cotidiano. E isso permitiu

reconhecer as rotinas jornalísticas como parte central do processo. Nesta mesma

divisão, foi possível evidenciar e aplicar através dos conceitos teóricos abordados ao

longo dos capítulos uma análise de conteúdo das entrevistas. Neste segmento, foi

possível difundir os interesses propostos por esta monografia, que pretendia

investigar a rotina produtiva da seção, que engloba a rotina do repórter, seleção de

perfilado, processo de produção, função do editor, valores-notícias e produto final.

Os jornalistas possuem costumes próprios que são determinados por alguns

processos, como por exemplo, a forma de apuração, redação e exposição das

informações. Durante a análise, também foi possível perceber que o obituarista

transita por diferentes alternativas até a chegada do produto final ao leitor.

Soube-se que os perfilados são resgatados pelo repórter aleatoriamente,

através da lista do Serviço Funerário Municipal disponível em seu site na internet, ou

estar entre a classe de relacionamento de um dos jornalistas ou através de procura,

por interesse da própria família (mais raro). Porém, o detalhe da análise de campo

nos possibilita identificar uma mecanicidade no processo de produção dos textos. Ao

longo da averiguação, foi possível constatar que há circunstâncias que atuam e

exercem certo critério de distinção na escolha dos perfilados dos textos de obituário,

mesmo que de forma inconsciente, isso influencia na representatividade do produto.

64

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABUD, Cristiane de C. Ramos. Até que a morte nos separe: relações de gênero em anúncios de Obituários do Jornal Diário Catarinense de 2014. Monografia. Disponível em: <http://www.snh2015.anpuh.org/resources/anais/39/1423942399_ARQUIVO_Cris.pdf. Acesso em 10 maio 2016.

ANGRIMANI SOBRINHO, D. Espreme que sai sangue - um estudo do sensacionalismo na imprensa. São Paulo: Sumus, 1995. ANJ, Associação Nacional de Jornais. Maiores jornais do Brasil. Ano de 2015. Disponível em: <http://www.anj.org.br/maiores-jornais-do-brasil/>. Acesso em: 23 out 2016.

ARIÈS, Philippe. História da morte no ocidente. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1994. BAHIA, Juarez. Jornal, história e técnica – As técnicas do jornalismo. São Paulo: Ática, 1990. BRODBECK, Pedro; BRUSTOLIN, Franciele; SALMON, Luíza ; SILVA, Karin. O jornalismo e as percepções sobre a morte. Trabalho de conclusão de curso - Curso de Comunicação Social, Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba. 2008. BROMBERG, M. H. P. F. Vida e morte – laços de existência. São Paulo. Casa do Psicólogo, 1996. BRUSTOLIN, Leomar Antonio. Morte: uma abordagem para a vida. Porto Alegre: EST Edições, 2007.

CARR, E. H. Que é história?. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.

CAVALCANTI, Jauranice Rodrigues. No “mundo dos jornalistas”: interdiscursividade, identidade, ethos e gêneros. Tese (Programa de Pós Graduação em Linguística). Unicamp, 2006.

CORAIOLA, Diego Maganhotto. Agência e discurso no processo de mudança de projeto gráfico do jornal Gazeta do Povo. Dissertação. Disponível em: <http://www.academia.edu/2323409/Ag%C3%AAncia_e_discurso_no_processo_de_mudan%C3%A7a_de_projeto_gr%C3%A1fico_do_jornal_Gazeta_do_Povo._Curitiba_2006. Acesso em: 20 fev 2016.

COSTA, Cristiane. Pena de Aluguel: escritores jornalistas no Brasil (1904-2004). São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

COSTA, Luciano Martins. Entrevista/Matinas Suzuki Jr.: Reportagem + biografia + arte = obituário. Observatório da imprensa. 19 de fevereiro de 2008. Disponível em:

65

<http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=473FDS001>. Acesso em: 2 março 2016.

CUNHA, Antonio Geraldo da. Dicionário etimológico da língua portuguesa. 2. Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

ENGSTER, Ariel. A Vida dos Mortos: construção de personagem nos obituários do The New York Times. Monografia. Disponível em: <https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/111776/000952777.pdf?sequence=1. Acesso em: 6 abril 2016.

FERNANDES, Eduardo. Gonzologia - Gonzo pode dar mais ao mundo do que somente jornalismo? Eduf.com, 2002. Disponível em: <www.eduf.com.br/gonzo.php?Tid=35. Acesso em 1 maio 2016. FERNANDES, José Carlos; SANTOS, Marcio Renato dos. Todo dia nunca é igual: Notícias que a vida contou em 90 anos de circulação da Gazeta do Povo. Curitiba: Editora Gazeta do Povo, 2010. FERREIRA, A. B. H. Novo Aurélio Século XXI – o dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008

GLOVER, S. Secrets of the Press – Journalists on journalism. Londres: Allen Lane,

1999.

GOMES, Felipe Sáles; COSTA, Klenio Veiga da; BATISTA, Renata Lourenço. Jornalismo Narrativo: Eficiência e viabilidade na mídia impressa. Monografia. Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt/pag/costa-klenio-jornalismo-narrativo.pdf. Acesso em: 30 abril 2016.

GRAMSCI, A. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.

GRANDO, Carolina. O suicídio na pauta jornalística. Observatório da Imprensa. 29 de junho de 2010. Disponível em: <http://observatoriodaimprensa.com.br/diretorio-academico/o-suicidio-na-pauta-jornalistica/>. Acesso em: 5 out 2016.

KUBLER-ROSS, E. Sobre a morte e o morrer: o que os doentes terminais têm para ensinar a médicos, enfermeiras, religiosos e aos seus próprios parentes. São Paulo: Martins Fontes,1998.

LAGO, Cláudia. Antropologia e jornalismo: uma questão de método. (In) BENETTI, Marcia; LAGO, Cláudia (org). Metodologia de pesquisa em jornalismo. Rio de Janeiro: Vozes, 2008.

66

LENE, Hérica. O personagem em destaque. Observatório da imprensa. 26 de setembro de 2006. Disponível em: <http://observatoriodaimprensa.com.br/diretorio-academico/o-personagem-em-destaque/>. Acesso em: 9 set 2016.

LIMA, Alceu Amoroso. O jornalismo como gênero literário. Rio de Janeiro: AgirEditora, 1969.

LIMA, Edvaldo Pereira. Jornalismo literário no cinema. 2007. Disponível em: http://www.edvaldopereiralima.com.br/index.php/jornalismoliterario/posgradua. Acesso em: 8 set 2016.

LIMA, PEREIRA. Páginas ampliadas: o livro-reportagem como extensão do jornalismo e da literatura. 3. ed. Barueri: Manole, 2004.

MARANHÃO, J. L. S. O que é a morte. 2 ed. São Paulo: Brasiliense, 1998.

MARCHETTI, R. Z. Diversidade e Tendências das Pesquisas Qualitativas de Marketing. In: Caderno de Ciências Sociais Aplicada. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_nlinks&ref=000225&pid=S1415-6555200500020000200034&lng=en>. Acesso em: 31 out 2016.

MARCONDES FILHO, C. O capital da notícia: jornalismo como produção social da segunda natureza. 2 ed. São Paulo: Ática, 1989.

MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. 2. ed. São Paulo: Parábola, 2008. MAROCCO, Beatriz. Fragmentos de vidas exemplares. Revista FAMECOS. Porto Alegre/RS. 2013. Disponível em: <file:///C:/Users/User/Downloads/1210657807-1-PB%20(2).pdf>. Acesso em: 31 out 2016.

MARTINS, Eduardo. Esclareça as suas dúvidas: Manual de Redação e Estilo. Disponível em: <http://area50.estadao.com.br/manualredacao/esclareca/m.shtm>. Acesso em: 15 set 2016.

MARTINS, Maura. Rotinas jornalísticas em um trabalho autoral. Cadernos de Comunicação da UniBrasil . Nº4. Disponível em: <http://apps.unibrasil.com.br/revista/index.php/comunicacao/article/view/65/. Acesso em 30 abril 2016.

MARTINEZ, Mônica. Jornalismo Literário: a realidade de forma autoral e humanizada. 2009. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/jornalismo/article/view/19846924.2009v6n1 p71/10418. Acesso em: 8 set 2016.

MEDINA, Jorge Lellis Bomfim. Gêneros jornalísticos: repensando a questão. Revista SymposiuM. Disponível em: <http://www.thaisabueno.com.br/wp-content/uploads/2016/01/01-textonovogenero-1.pdf>. Acesso em 8 set 2016.

67

MELO, José Marques. Gêneros e formatos na comunicação massiva periodística: um estudo do jornal "Folha de São Paulo e da Revista "Veja". São Paulo: Universidade Metodista. Disponível em: <http://www.portcom.intercom.org.br/pdfs/b43f21945b991b4e99923bee1b2e5d7c.PDF. Acesso em: 5 março 2016.

_____________. A opinião no jornalismo brasileiro. Petrópolis: Vozes, 1985.

MELO; OLIVEIRA; VALKIU; VICHOSKI; VIEIRA. O imaginário da morte no contexto social e midiático. Trabalho de conclusão de curso - Curso de Comunicação Social, Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba. Disponível em: file:///C:/Users/User/Downloads/MONOGRAFIA-CORRIGIDA-FINAL%20(2).pdf. Acesso em: 8 set 2016.

MORETZSOHN, Sylvia. Jornalismo em “tempo real”. O fetiche da velocidade. Rio de Janeiro: Revan, 2002. MOTTA, Luiz Gonzaga. A análise pragmática da narrativa jornalística. Disponível em: <http://www.port.com.intercom.org.br/pdfs/105768052842738740828590501726 523142462.pdf.> Acesso em: 10 out 2016. MOUILLAUD, Maurice. As grandes mortes na mídia. In: MOUILLAUD, Maurice; PORTO, Sérgio Dayrell (org.). O Jornal: da forma ao sentido. Brasília: Paralelo 15, 2002. MÜLLER, Felipe. Você no G1: uma análise da notícia no webjornalismo participativo. Monografia. Disponível em: <http://bdm.unb.br/bitstream/10483/3662/1/2011_FelipeBarjaMuller.pdf. Acesso em: 20 maio 2016.

NEGRINI, Michele. A morte em horário nobre: a espetacularização da notícia no telejornalismo brasileiro. Tese (Doutorado) - Curso de Comunicação Social, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010. Disponível em: <http://tede.pucrs.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=2588>. Acesso em: 30 março. 2016.

OLIVEIRA, Elza Aparecida Filha de. Apontamentos sobre a história de dois jornais curitibanos: “Gazeta do Povo” e “O Estado do Paraná” Disponível em: <file:///C:/Users/User/Downloads/19-76-1-PB%20(1).pdf Acesso em: 25 março 2016.

PASSOS, Matheus Yuri; ORLANDINI, Romulo Augusto. Um modelo dissonante: caracterização e gêneros do jornalismo literário. 2008. Disponível em: <http://www.contracampo.uff.br/index.php/revista. Acesso em: 8 set 2016.

PENA, Felipe. Teoria Etnográfica: teoria do jornalismo de pesquisa. Artigo científico. Disponível em: <http://literacomunicq.blogspot.com.br/2010/04/teoria-etnografica.html. Acesso em: 30 maio 2016.

68

_____________. O jornalismo literário como gênero e conceito. Disponível em: <http://www.portcom.intercom.org.br/pdfs/773112563855910194792001756582 Acesso em: 8 set 2016.

PIRES, Guilherme. A EDIÇÃO COMO ESTILO: INVESTIGAÇÃO DA ROTINA PRODUTIVA DA SEÇÃO ESQUINA DA REVISTA PIAUÍ. Trabalho de Conclusão do Curso em Comunicação Social Jornalismo. UniBrasil. Curitiba. 2012. Disponível em: <https://tccunibrasil.files.wordpress.com/2010/05/a-edic3a7c3a3o-como-estilo-investigac3a7c3a3o-da-rotina-produtiva-da-sec3a7c3a3o-esquina-da-revista-piauc3ad.pdf>. Acesso em: 9 out 2016.

RESENDE, Fernando. O jornalismo e a enunciação: perspectiva para um narrador-jornalista. Livro da XIV COMPÓS – 2005: narrativas midiáticas contemporâneas. Porto Alegre.

ROCHA, Patrícia. Jornalismo em primeira pessoa: a construção de sentidos das narradoras da revista TPM. Dissertação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/10881/000602674.pdf?sequence=1>. Acesso em: 10 out 2016.

RUSSI, Joyce. Assessoria de comunicação, agendamentos e newsmaking. 2010. Disponível em: <http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/7610/1/2010_JoyceMariaMagalhaesRussi.pdf>. Acesso em: 27 set 2016.

SCARPIN, Paula. A logística de fazer um morto. Revista Piauí, São Paulo, n.17, fev. 2008. Disponível em: http://revistapiaui.estadao.com.br/materia/a-logistica-de-fazer-um-morto/. Acesso em: 2 abril 2015.

SEIXAS, Lia. Redefinindo os gêneros jornalísticos. Proposta de novos critérios de classificação. LabCom Books, 2009

SILVA, André Kainan dos Santos. Obituário contemporâneo: vulgarização ou celebração da vida? Monografia. Trabalho de Conclusão do Curso Comunicação Social Jornalismo. UniCeub. Brasília, 2009. Disponível em: <http://repositorio.uniceub.br/bitstream/123456789/2056/2/20561944.pdf. Acesso em: 24 março 2016.

SILVA, Gislene. Para pensar critérios de noticiabilidade. Artigo científico. Disponível em: <http://revistas.univerciencia.org/index.php/estudos/article/view/5931/5402. Acesso em: 15 maio 2016.

SINDIJOR-PR, Sindicato dos Jornalistas do Paraná. Gazeta do Povo demite mais onze e aumenta insegurança entre jornalistas. Conteúdo de divulgação. Disponível em: <http://sindijorpr.org.br/noticias/2/noticias/6142/gazeta-do-povo-demite-mais-onze-e-aumenta-inseguranca-entre-jornalistas. Acesso em: 1 jun 2016.

SODRÉ, Muniz; FERRARI, Maria Helena. Técnica de reportagem: notas sobre a narrativa jornalística. São Paulo: Summus, 1986

69

SUZUKI, Júnior. O livro das vidas: Obituários do New York Times. São Paulo: companhias das Letras, 2008. Coleção Jornalismo literário.

TRAQUINA, Nelson. Teorias do jornalismo volume 1: Porque as notícias são como são. Santa Catarina: Insular, 2005.

________________. Teorias do jornalismo volume 2. A tribo jornalística – uma comunidade interpretativa transnacional. Santa Catarina: Insular, 2005.

________________. O poder do jornalismo: análise e textos da teoria do agendamento. Coimbra: Minerva, 2000.

________________. Jornalismo: questões, teorias e <estórias>. 2. ed. Lisboa: Vega Editora, 1999.

TAVARES, Frederico de Mello Brandão. Jornalismo e acontecimento: diante da morte. Florianópolis: Insultar, 2012.

TONDOLO, Daniela Cristina Peiter. Uso dos Gêneros Textuais Jornalísticos nas Escolas de Ensino Médio de Frederico Westphalen. Trabalho de Conclusão de Curso. 2011. Disponível em: <http://decom.ufsm.br/tcc/files/2011/09/TCC-daniela-c.-tondolo.pdf>. Acesso em: 24 out 2016.

VAZ, Paulo Bernardo. Jornalismo e acontecimentos. Tese. Disponível em: <https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/111776/000952777.pdf?sequence=1. Acesso em: 30 abr 2016.

VILAS BOAS, Sergio. (org). Jornalistas Literários: Narrativas da vida real por novos autores brasileiros. São Paulo: Summus, 2007

VOVELLE, Michel. Imagens e imaginário na história. 1 ed. São Paulo: Ática, 1997.

WOLF, Mauro. Teoria da comunicação. Portugal: Editorial Presença, 1985.

________________.Teorias da Comunicação. 6. ed. Lisboa: Editorial Presença, 2001.

________________. Teorias das comunicações de massa. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

70

LISTA DE ENTREVISTAS

FERNANDES, José Carlos. Entrevista concedida à pesquisadora em 21 de outubro

de 2016.

LEITÓLES, Fernanda. Entrevista concedida à pesquisadora em 20 de outubro de

2016.

PERES, Aline. Entrevista concedida à pesquisadora em 26 de outubro de 2016.

SILVA, Marleth. Entrevista concedida à pesquisadora em 18 de outubro de 2016.

71

ANEXOS

ANEXO 1. ROTEIRO DE PERGUNTAS AOS COLABORADORES E EX-COLABORADORES DA

SEÇÃO. ALINE PERES ................................................................................................... 72

ANEXO 2. ROTEIRO DE PERGUNTAS AOS COLABORADORES E EX-COLABORADORES DA

SEÇÃO. FERNANDA LEITÓLES ........................................................................................ 78

ANEXO 3. ROTEIRO DE PERGUNTAS AOS COLABORADORES E EX-COLABORADORES DA

SEÇÃO. JOSÉ CARLOS FERNANDES ............................................................................... 86

ANEXO 4. ROTEIRO DE PERGUNTAS AOS COLABORADORES E EX-COLABORADORES DA

SEÇÃO. MARLETH SILVA ............................................................................................... 97

72

Anexo 1. Roteiro de perguntas aos colaboradores e ex-colaboradores da seção. Aline Peres

VIDA E MORTE INTIMAMENTE CONECTADAS: UMA INVESTIGAÇÃO DA

ROTINA PRODUTIVA DA SEÇÃO OBITUÁRIO DA GAZETA DO POVO

Jornalista, formada há 25 anos pela PUCRS em Comunicação Social, com

especializações nas áreas de marketing, comunicação empresarial e pós em

psicopedagogia. Já atuou na área de comunicação do SESI-RS, Zero Hora, revistas

de esporte e assessorias. Em Porto Alegre, montou uma agência de propaganda e

editora de vídeo, onde atuou por mais de cinco anos. Em 1997, mudou para Curitiba

e iniciou o trabalho na Gazeta do Povo. Concomitantemente, atuou em assessorias

como o DER e a AmplaSet. Durante os 18 anos de atuação na Gazeta do Povo

passou pelas áreas de planejamento gráfico/pauta e reportagem com atuação em

projetos como “Paz Tem Voz”, “Tô na Gazeta” e Obituário.

1- Quanto tempo trabalhou no jornal?

18 anos

2 - Como você descreve seu trabalho no setor de obituário da Gazeta do Povo?

O projeto de publicação de obituários pela Gazeta do Povo iniciou de um desejo da

editora Marleth Silva de iniciarmos uma coluna tal qual o modelo do New York

Times. Em 2008, o “O Livro das Vidas” tinha sido lançado. Assim, mediante uma

conversa resolvemos experimentar em abril daquele ano, com publicação diária. A

última edição foi no segundo semestre de 2015.

3 - Como era o ambiente da redação?

Dinâmico.

4 - Como foi a chegada do obituário na Gazeta do Povo? De quem foi o

projeto? De onde surgiu a inspiração?

73

Então, como escrevi na resposta três foi um trabalho de dupla. A Marleth teve a ideia

e me chamou para participar do projeto pelo perfil de trabalho que sempre

apresentei, mais humanizado, mais intuitivo com um toque educado de insistência,

algo essencial para um trabalho como esse de conversar com as famílias para que

me contassem as histórias dos entes queridos, recém-falecidos.

5 - Como acontecia a seleção do repórter responsável pela produção do

obituário?

Por muitos meses, fiquei quase que exclusivamente escrevendo sozinha, com

algumas participações da Marleth. Com o tempo, incluímos participação de

repórteres do interior que enviavam semanalmente uma contribuição mais a

presença de estagiário. Como sempre foi uma área mais sensível, nem sempre os

designados se sentiram à vontade de lidar com o tema. Em quase oito anos de

existência, foram várias desistências permanecendo apenas a minha contribuição

como constante desde a inauguração da coluna.

6 - Quais eram suas rotinas, seus passos, dentro do setor de obituários?

Quando da inclusão de outros colaboradores, elaborei um pequeno manual para

nortear o trabalho de apuração e escrita. Basicamente, contávamos com a lista do

Serviço Funerário Municipal diária para nos dar um norte de quem procurar.

Selecionava os casos que mais chamavam a atenção: sobrenomes estrangeiros;

sobrenomes conhecidos; idade para mais ou para menos; profissão, e admito que

muita intuição de que aquele nome se transformaria em uma excelente história. Era

raro eu me enganar. A partir da delimitação de 20 nomes, em média, eu ia buscar

contato telefônico pela Telelista e redes sociais. Lembrando que as funerárias não

são autorizadas a passar informações da pessoa falecida, por isso precisávamos

achar o nosso método de procura. Digamos que era praticamente uma caça

investigativa. Diariamente, buscava essa média de contatos e ligava para todos que

conseguia contato, sempre após o enterro. Salvo exceções quando a família nos

procurava ou quando era uma figura conhecida e se fazia necessário a publicação

factual. É claro que com o tempo de publicação e sucesso da coluna – estava

74

sempre entre as dez mais lidas matérias publicadas diariamente – as pessoas

começaram a entrar em contato com a redação sugerindo histórias.

7 - Quanto tempo levava para escrever um texto de obituário?

Não tinha uma regra. A entrevista podia durar de 20 minutos a uma hora; dependia

muito do caso, da receptividade da família. Confesso que ganhei alguns novos

amigos que depois vinham me conhecer pessoalmente e trazer pequenas

lembranças, quando não produzida pela própria pessoa falecida. Teve uma ocasião

que recebi um pano de prato pintado; um terço bento pelo Papa João XXIII e dado

de presente pela filha da minha personagem; e bolachas de Natal; vaso de bromélia

e orquídeas produzidas pelo falecido, entre outros. A escrita sempre foi rápida

porque a história ia sendo construída durante a entrevista. Cerca de 20 minutos, o

texto estava pronto para ser revisado.

8 - Já teve algum caso diferenciado, alguma coisa específica que marcou a

seção?

Os textos eram únicos para cada publicação tendo o cuidado sempre de ter um viés

humano e pessoal em cada um deles. Cada história era uma história. As normas

criadas para facilitar o trabalho diário e repassar para possíveis colaboradores eram

apenas um norte; nunca rígidas.

9 - Como fazia a coleta de dados para a produção do perfil?

Quase sempre por telefone; em raras exceções a pessoa interessada aparecia no

jornal para conversar comigo.

10 - Desde sua implantação, quais as principais mudanças que a seção de

obituários já enfrentou?

Inicialmente – mas, por pouquíssimos meses – chegávamos a publicar três histórias

breves de pouco mais de 1,5 mil caracteres. Percebemos rapidamente que além de

ser difícil conseguir três boas histórias diárias – sendo que produzia matérias diárias

e especiais para o caderno Vida e Cidadania; não era minha tarefa exclusiva – os

textos acabavam ficando superficiais e engessados pelo tamanho. Assim, passou a

75

ser apenas uma história no tamanho que fosse necessário. Teve ocasiões que

chegamos a publicar um material com mais de quatro mil caracteres.

11 - A partir da mudança do texto diário para o semanal, quais foram as

mudanças na rotina da seção de obituário?

Quando passou para o semanal, não estava mais na redação.

12 - Qual momento do dia utiliza, exclusivamente, para a produção do texto de

obituário? Como você encaixava a produção do texto dentro da sua rotina?

Como no meu tempo a apuração era diária – algumas vezes eu conseguia adiantar

as publicações dois a três dias – todos os dias ao chegar no jornal buscava a lista do

Serviço Funerário Municipal e já buscava os nomes potenciais. Quando no final de

ano, chegava a produzir sete obituários diários para deixar como gaveta; assim

como no período de férias quando produzia, em média, de 20 a 22 textos, em uma

semana, para somarem-se às contribuições do interior.

13 - Acredita que a seção possui uma importância social? Descreva sua

posição.

Com certeza. Desde sua inauguração, a coluna sempre teve uma excelente

aceitação. As pessoas – envolvidas ou não com o morto retratado – me ligavam

para agradecer a leitura do dia; o quanto estava fidedigno ao perfil da pessoa morta;

o quanto era bom iniciar o dia com uma boa história que retratava um simples nome

na lista do serviço funerário.... Assim, era uma satisfação pessoal quando tinha esse

feedback. Foram pouquíssimas vezes que recebemos alguma ligação negativa.

Eram casos de famílias duplas que envolvia herança, por exemplo, e que uma das

partes não queria que a pessoa tivesse sido exposta. Mas, foram raras situações

contornáveis.

14 - Os textos passavam por um processo de edição?

Sim, passavam sempre pela edição. Após a produção de Curitiba, por exemplo, a

Marleth ou o Márcio Campos, quando o obituário passou para a editoria de Opinião,

76

liam os textos. O material do interior, normalmente, eu revisava e pedia mudanças,

caso necessário, antes de ir para a página. Depois de diagramado, nova revisão

gramatical, nesse caso.

15 - Quais seus principais critérios para produção de um texto de obituário?

Saber ouvir, ter sensibilidade de fazer as perguntas certas que me possibilitariam ter

um perfil psicológico da pessoa, assim como a percepção de cenários e situações

muito próprias ao retratado. Se você for ler os obituários, verá que a ideia sempre é

aproximar o retratado do leitor para que ele possa “sentir” as emoções; “ver” as

cenas que foram importantes a ele; “tocar”, de certa forma, aquele que busca o texto

como curiosidade. Em resumo, a motivação dos leitores sempre foi a curiosidade.

16 - Por favor, detalhe como é fazer um texto de obituário:

Sempre foi um processo agradável, mesmo sendo sobre um tema tão árduo e

sensível. Eu, particularmente, sentia prazer em poder ouvir a outra pessoa em um

momento tão triste e – muitas vezes, muitas mesmo – ouvir da outra parte o quanto

isso fazia bem a ela. As pessoas gostam de falar de quem amam; e a morte não

deixa de ser um momento de expurgo, de manutenção da lembrança; do medo de

que a pessoa seja esquecida porque morreu. O obituário acabava tendo essa

missão. Manter a pessoa viva no impresso. A história de qualquer um – rico, pobre,

negro, branco, homem, mulher, adolescente ou idoso – era retratada com toda a

fidelidade, diante do que era repassado pelo familiar que conversava comigo. Nesse

sentido, os filhos eram os que mais tinham a intenção de falar, em especial as filhas

mulheres. Em algumas situações, a pessoa do outro lado da linha quando eu

perguntava se gostaria de participar da coluna, me dizia que a história do seu

familiar era tão simples que não valia a pena. Eu sempre argumentava de que não

existiam histórias simples, e iniciava a conversa. Ao fim da ligação, tinha elementos

fantásticos para retratar uma pessoa. Só o simples fato de ouvir e ter as perguntas

certas faziam com que a pessoa do outro lado se soltasse e falasse comigo como

uma amiga íntima.

17- Como você avalia o setor e a versão final dos textos?

77

Os meus textos não eram modificados; passavam pelo crivo do editor que alterava

uma palavra aqui, outra ali – muitas vezes para deixar mais claro – mas a essência e

construção textual eram sempre preservadas. Acontecia, sim, com os textos do

interior onde as equipes não tinha tanto comprometimento e nem sempre gostavam

da tarefa imposta de envio semanal de um texto. Tiveram exceções de repórteres

que me diziam que gostavam muito do trabalho. Assim, as versões finais eram o que

tínhamos imaginado que o leitor leria. Tínhamos muita liberdade e espaço criativo

para produzir.

18 - É possível haver uma ligação entre o padrão dos perfilados e a linha

editorial do jornal?

Não. No obituário não buscávamos contemplar o público A e B, por exemplo, foco da

Gazeta do Povo; assim como, outros interesses editoriais. Como eu disse antes,

havia uma liberdade de escolha e texto nas produções. Talvez aí o sucesso.

78

Anexo 2. Roteiro de perguntas aos colaboradores e ex-colaboradores da seção. Fernanda Leitóles

VIDA E MORTE INTIMAMENTE CONECTADAS: UMA INVESTIGAÇÃO DA

ROTINA PRODUTIVA DA SEÇÃO OBITUÁRIO DA GAZETA DO POVO

Jornalista, formada pela PUC-PR. Historiadora, formada pela Universidade Federal

do Paraná. Especialista em Comunicação Política e Imagem. Recentemente conclui

o curso Jornalismo de Desenvolvimento Social, no Instituto Tecnológico de

Monterrey.

Trabalha na Gazeta do Povo desde 2008. No periódico, já contribuiu com as

editorias de Esportes; Vida Pública; Vida e Cidadania; Verão; fez alguns projetos

especiais junto com o jornalista José Carlos Fernandes, como edição Oitenta Mil na

Gazeta do Povo e participou da pesquisa histórica do livro sobre os noventa anos da

Gazeta do Povo “Todo dia nunca é igual”. Desde 2014 é editora Web, Vida e

Cidadania e também editora do Obituário.

1 - Há quanto tempo trabalha no jornal?

Desde 2008.

2 - Acompanhou a chegada do obituário na Gazeta?

Não.

3 - Quais mudanças presenciou na seção obituária do veículo?

O conceito geral do obituário não mudou. O que é um texto do obituário? É um texto

em homenagem a uma pessoa que faleceu. Então eu sempre digo para os

repórteres e enfim, quem vai começar o trabalho no obituário, a gente vai falar da

vida da pessoa, e não da morte. É essa a ideia que me conduz e que já vinha assim.

Ele mudou por alguns fatores, mudanças de tamanho, de estrutura, no sentido da

Web, né! Então, por exemplo: quando eu assumi, o obituário saía todos os dias na

edição e também era publicado no site. Depois que houve a mudança no formato do

jornal o obituário seria semanal. Que faria parte da edição especial de fim de

79

semana. O tamanho do texto diminuiu um pouco, a gente passou de 4,5 mil a cinco

mil pra 3,5 mil a quatro mil. Mas o que mais mudou mesmo foi deixar de ser diário

para ser semanal.

4 - O que motivou a mudança?

Exatamente pelo tamanho ou formato do jornal. O jornal ficou um pouco menor.

Então foi preciso escolher alguns conteúdos. Naquele momento a direção entendeu

que o obituário era um serviço que deveria continuar com a lista de falecimentos que

sai diariamente, todo dia publicado no jornal, a lista das pessoas que morreram em

Curitiba, que é um documento, uma lista que é passada pela Prefeitura de Curitiba

pelo Serviço Municipal. E o texto da homenagem decidiu que ia ser semanal pra que

fosse trabalhado e fosse um conteúdo também do jornal especial do fim de semana.

5 - Como você descreve seu trabalho no setor de obituário da Gazeta do Povo?

Olha, é um trabalho que precisa ter muito cuidado. Ter muita atenção com as

pessoas. Como essas homenagens chegam pra gente? Como esses personagens

chegam pra gente? Digamos assim, qualquer pessoa pode ser perfilada e passar

pelo obituário depois da sua morte. Não há diferenciação de pessoas de luxo ou

pessoas comuns, como nós. Por indicações, muitas vezes as pessoas entram em

contato por meio da central do leitor. Algumas famílias fazem o anúncio, que é outro

serviço, o Serviço do Falecimento é um serviço pago, não tem nenhuma relação

com o obituário, o nosso texto da homenagem. Então as famílias estão sempre

fragilizadas. Ou quase sempre é um momento de muita emoção pra pessoa recordar

e falar sobre o seu parente ou ente querido. A gente sempre ouve que o trabalho do

jornalista é ouvir as pessoas, mas ali no obituário é dar uma atenção especial. A

pessoa vai contando, a gente vai perguntando, as pessoas vão lembrando de coisas

importantes, coisas interessantes da pessoa que faleceu. Também tem todo o

trabalho jornalístico de entender daquilo tudo que a pessoa conta, o que você vai

contar, o que é mais importante, às vezes é uma informação que pra pessoa ou pro

parente que inicialmente parecia menor ou não tão importante é aquilo que pode dar

pro texto um molho. Como a gente fala com jargão, deixar ele especial, aquela

pegada no texto. É um trabalho de contar histórias. O obituário nada mais é do que

80

contar uma história. Infelizmente a pessoa já se foi, mas a gente está ali pra prestar

aquela última homenagem e com aquela pessoa, representar várias outras que não

passaram por ali, mas que são pessoas comuns e que tem alguma coisa bacana pra

contar. Uma dona de casa, um professor, um médico, um jornalista, um estudante,

enfim, pessoa comum do dia a dia e, em alguns casos a gente acaba falando de

pessoas ilustres da cidade. Já houve a primeira matéria da morte que aconteceu na

sua editoria específica: um atleta no Esporte, um político em Vida Pública, um artista

no Caderno G. E depois a gente vai fazer o texto no obituário, porque como eu te

expliquei, a pegada, o objetivo do obituário é diferente. Um texto jornalístico a gente

vai contar: fulano morreu na hora tal no dia tal e morreu disso. Lead, sublead, contar

um pouco da história. No Obituário entra o quê? Entra um parente, um filho, um pai,

um esposo, um marido, um amigo também pra complementar, falamos sempre com

alguém da família, em alguns casos tem um amigo que goste de complementar

também, pra fazer aquela homenagem, a visão daquela pessoa a partir dos entes

que ela deixou. Então essa é a pegada do obituário.

6 - O que você acha do ambiente da redação?

Estou há oito anos. Gosto muito. Sou uma jornalista que sempre trabalhou em

redação, em estágios. É um ambiente super bacana. Jornalista gosta disso, ver

movimentação, ver os colegas apoiando. Quando acontece alguma coisa como

ontem, um fato, o Cunha preso. Toda aquela agilidade, a gente vai pro aeroporto,

pra Polícia Federal pra acompanhar, apuração, checando fonte. Eu acho que é um

ambiente muito bacana e gosto muito de trabalhar em redação.

7 - Como é feita a seleção do repórter responsável pela produção do texto da

semana?

Nisso houve algumas mudanças ao longo do tempo. De 2014 até agosto/setembro

de 2015, nós tínhamos uma equipe chamada “Tô na Gazeta”, que é um projeto

especial da Gazeta. Nesse período, repórteres desse projeto faziam o texto

obituário, só que o obituário é muito anterior a isso. Então, antes, um repórter de

Vida e Cidadania que fazia esse texto. Depois passou pra todos da Gazeta e assim

continua. Hoje, vai ser alguém da equipe Web que faz. As vezes alguns trainees,

81

que também ajudam na apuração e as vezes também freelas do interior, porque

alguns textos vêm do interior do estado. O jornal tem freelas em várias cidades e

eles também mandam personagens das suas cidades.

8 - Quais são suas rotinas, seus passos, dentro do setor de obituários?

Primeiro: encontrar o personagem. Como esse personagem vai ser encontrado? Às

vezes ele entra em contato conosco (familiares), às vezes ele entra na Lista de

Falecimentos e encontramos pessoas, e às vezes nos temos indicações. Passo

dois: entrar em contato com a família e explicar o que é obituário pra ver se elas

aceitam ou não. Se a família aceitar, nós marcamos uma data para fazer a

entrevista. Passo três: a pessoa ou as pessoas, porque às vezes são duas, enfim,

vão contar pra nós tudo que elas queiram sobre os seus falecidos. Passo quatro:

depois que fizemos essas entrevistas vamos produzir o texto para o obituário. Passo

cinco: esse texto será realizado pelo repórter. Passo seis: será editado por mim.

Passo sete: eu vou preparar essa edição, ou seja, vou colocar na página, passar

para o paginador. Passo oito: esse conteúdo vai ser publicado no jornal de fim de

semana e no site da Gazeta do Povo.

9 - Como são feitas as entrevistas?

Nós temos uma série de questões, mas como já te falei, explicar pra família tudo

aquilo, o que é obituário. Nós vamos começar a conversar: então, quando e onde o

fulano nasceu? O que a pessoa gostava de fazer? Quais são as características

dele? No que ele trabalhou? Uma séria de perguntas, enfim, que nos ajudem a

construir um mini perfil e aí os ganchos que as pessoas vão dando e as pontes que

as pessoas vão fazendo. A gente vai perguntando e vai complementando também

com aqueles pontos que a gente acha importante e que naquele momento a família

não tocou ou esqueceu de falar. Assim que é feito.

A maioria das vezes é feita por telefone. Em alguns casos as pessoas preferem ir

para a redação, são exceções, mas nós atendemos e fazemos pessoalmente.

10 - Em média, quanto tempo leva pra um repórter escrever um texto de

obituário?

82

Isso depende muito da experiência, não tem um tempo fixo. Porque isso vai

depender muito se é um repórter mais experiente, se é um repórter mais novo. Mas

eu acredito que entre duas e três horas eles escrevem, depois tem mais o tempo da

revisão ou aquela segunda lida que ele vai ter que complementar alguma coisa que

tenha faltado, ou alguma coisa assim. Mas eu imagino que seja esse mais ou menos

o tempo.

11 - Já teve algum caso diferenciado, alguma coisa específica que marcou a

seção?

Houve casos assim, um parente deu a entrevista e depois comentou com os outros

e daí as pessoas não quiseram mais fazer, porque houve uma discordância entre os

familiares. Então, atendendo ao pedido da família, nós não publicamos esse

obituário. Isso já aconteceu. Não é uma coisa incomum de acontecer, porque às

vezes a pessoa tinha a intenção e os outros acham que naquele momento não é o

mais adequado. Nós respeitamos e não publicamos.

No meu caso, em específico, eu acho que um obituário muito particular e muito

especial foi o da minha avó. A minha vó faleceu em 2015 e aí quando completou um

mês da morte, nós publicamos um obituário dela. Claro que foi uma experiência

completamente diferente das outras, até porque é um parente meu e, enfim, todas

aquelas emoções que as pessoas passam naquele momento de dar aquela

entrevista eu passei também e tentei construir aquele perfil como via meu pai, o filho

dela via, como nossos familiares viam a minha vó. Uma semana depois morreu o

irmão dela, o irmão caçula dela e aí a Aline Peres, que na época era repórter do

obituário, escreveu também e aí, enfim, como os dois faleceram praticamente na

mesma semana, eu toquei um e ela tocou outro, então foi um momento difícil, mas

também especial. Por eu escrever o texto da minha vó e ver uns dias depois sair o

do meu tio-avô.

12 - Tendo em vista que o texto é publicado semanalmente, como é a rotina da

produção?

Isso não tem uma regra. Isso realmente não é X, Y. Cada um vai entregar o texto no

dia de acordo com os seus afazeres, reportagens, as outras atividades que eles têm

83

que fazer. Ele tem o compromisso de entregar esse texto até na quinta ou sexta-

feira. Então, de repente, por exemplo, ele entrou em contato com a família na

semana anterior e a família “eu não quero”. Ok, ele passa pra um segundo, terceiro,

enfim, quantos contatos tiver que fazer. Pode ser que na semana seguinte aquela

primeira família dê um retorno. Então se ele já tem o personagem vai ser mais

rápido, porque ele já vai agendar a entrevista e a coisa vai fluir de uma forma mais

fácil pra ele. Se ele não tiver esse personagem, ele já vai começar a procurar muito

antes. Ele vai ter que encaixar durante a semana, ali na rotina dele, mas ele não vai

seguir uma regra. Porque depende muito do horário que a família pode atender.

Depende de quantas pessoas essa família orientou que ia falar. Depende de uma

série de questões e também da rotina jornalística. Obviamente nem um dia é igual

ao outro.

13 - O jornal costuma manter obituários de gaveta?

Isso depende muito. Às vezes, tem um feriado na semana, alguma coisa assim que

encurte a semana, nós tentamos adiantar, mas nem sempre é possível. Depende,

digamos, se as famílias vão topando ou não. Se possível, sim. No fim de ano a

gente tenta adiantar um pouquinho, porque muitas famílias não atendem, vão viajar,

enfim, pra organizar a rotina também. Mas, nem sempre. Depende muito desse

fluxo, digamos assim, que as pessoas vão aceitando e do calendário mesmo.

14 - Existe algum critério para escolha do perfilado?

Nós não fazemos distinção entre pessoas, digamos, conhecidos/pessoas públicas e

pessoas comuns, assim como nós. Não há distinção de profissão, de idade, de

nada. O único critério que nos colocamos é ter uma relação com o estado do

Paraná. Obviamente porque vai sair na Gazeta do Povo, que é o jornal do Paraná. A

pessoa não precisa ter nascido no Paraná. Mas alguma relação com o estado, ou

morou aqui, estudou aqui, cresceu, trabalhou aqui um tempo. Enfim, alguma coisa

que a aproxime do nosso estado. Essa é a única situação, a única questão,

digamos, além do tempo da morte. Nós normalmente fazemos os obituários das

pessoas até um ou dois meses do falecimento. Mas se chega uma pessoa depois e

fala “meu parente está completando três meses hoje, gostaria muito de fazer o

84

obituário”, nós não vamos deixar de atendê-lo. Nós não vamos deixar de fazer, mas

normalmente nós tentamos buscar pessoas que tenham falecido há um, dois meses

ou três no máximo.

15 - Acredita que a seção possui alguma importância social?

Com certeza é uma posição social. Primeiro, contar histórias de pessoas comuns, eu

acho isso muito bacana. O jornalismo vive de contar boas histórias e o obituário é

um espaço pra isso. E é um espaço também em que as pessoas gostam de ler

porque veem as homenagens e às vezes alguma característica lembra de alguém.

Então, acho que é um espaço muito importante pra família e também pra nós, que

escrevemos e para o jornal.

16 - Como é feita a edição dos textos?

Eu vou lendo o texto, obviamente, e vou tentando ver se as coisas batem, se as

coisas encaixam. A ideia é deixar, o bom texto que o repórter já me entrega, tentar

deixar ainda melhor. Então, repetição de palavras, por ventura algum erro

ortográfico, que dificilmente a gente encontra, mas assim, a gente passa um pente

fino. Essa é a parte, digamos assim, ortográfica, o português correto. E também a

alguma informação que às vezes me soa estranho ou eu acho que vou conversar

com o reporte, “olha, não entendi essa parte. É isso mesmo? É isso aqui?”.

Tentando tirar as dúvidas e entregar o melhor texto possível que nós podemos

naquele momento. É isso, não tem muito segredo.

17 - Como você avalia o setor e a versão final dos textos?

Eu acho que assim, é um trabalho demorado. Porque até a gente conseguir as

famílias, até o resultado final, a publicação no impresso, no site, demora. Mas a

gente sempre se esforça pra entregar o melhor possível. Um trabalho que está há

muito tempo na Gazeta, é uma seção. Uma seção que as pessoas leem muito e

acho que, sim, estamos realizando um bom trabalho.

85

18 - É possível haver uma ligação entre o padrão dos perfilados e a linha

editorial do jornal?

Eu acredito que não há uma relação direta. Nós fazemos perfis muito diferentes. A

ideia do obituário é muito diferente. Então, nós já fizemos crianças, infelizmente, que

faleceram de câncer, alguma doença. Muitos idosos, a maioria foram de idosos.

Claro, tudo dentro de um jornal tem que estar de acordo. Mas nunca houve, que eu

tenha conhecimento, tem que ser assim ou tem que ser assado. Nós vamos atrás

das famílias, e contamos boas histórias, então esse é o objetivo. Não sei como

poderia ser diferente. Nesse momento não conseguiria responder exatamente essa

pergunta. Mas eu acho que nunca houve um texto barrado, ou que isso não pode

ser publicado. Até porque, nós contamos com as famílias, então o que as famílias

nos contam, até mesmo quando são questões delicadas, uma dependência química

ou alguma outra questão assim, a família já tem um cuidado pra nos contar e,

obviamente, nós colocamos no texto, mas reportamos também de uma maneira

muito respeitosa e de forma alguma queremos, enfim, denegrir a imagem de

ninguém.

19 - Tecnicamente, como é produzir o texto de obituário?

Ele é um texto diferente de um texto jornalístico porque ele não vai ser lead e

sublead. Não vai ser “fulano de tal morreu”. É um texto que se aproxima de uma

crônica, é um mini perfil. Tem a característica de crônica, então você vai contando a

história de alguém. E nem sempre a linha é a cronológica: pessoa morreu, estudou,

trabalhou, algumas vezes casou ou não e faleceu. Essas informações estão dentro

do texto. Às vezes, alguma característica dela que se sobressaia, é que vai abrir o

texto. Então, são essas as características principais.

86

Anexo 3. Roteiro de perguntas aos colaboradores e ex-colaboradores da seção. José Carlos Fernandes

VIDA E MORTE INTIMAMENTE CONECTADAS: UMA INVESTIGAÇÃO DA

ROTINA PRODUTIVA DA SEÇÃO OBITUÁRIO DA GAZETA DO POVO

Jornalista, professor e pesquisador. Antes do jornalismo, José foi religioso, estudou

no seminário católico, dos 13 aos 25 anos. Academicamente, é formado em

Filosofia, Belas Artes e Jornalismo e cursou três anos de Teologia, não concluído.

Tem especialização em História da Arte no século XX e Mestrado e Doutorado em

Estudos Literários. Veio para o jornalismo aos 25 anos. Entrou na Gazeta ainda na

faculdade. No começo trabalhou em um setor pré internet, fazendo pesquisas,

preparando textos de sínteses. Em seguida foi para o caderno de Cultura, e lá ficou

por 13 anos. Atua na seção de obituário desde 2008.

1 - Qual sua função hoje na Gazeta do Povo?

Sou colaborador desde maio com a coluna, para o obituário, pra um blog que não

comecei ainda, pra um acervo, enfim, são vários trabalhos que faço com eles.

2 - Há quanto tempo trabalha na Gazeta?

27 anos. Agora como colaborador.

3 - Como foi a chegada do obituário na Gazeta do Povo?

Eu achei interessante, gostava, já tinha lido alguma coisa sobre isso. Eu lembro Eu

achei interessante, gostava, já tinha lido alguma coisa sobre isso. Eu lembro que era

um livro da Sara Belke, mas antes disso teve um texto do Robert Darnton. Ele é um

autor muito lido na área de leitura que é a que pesquiso. E Darnton tem um texto

chamado Toda Notícia que Couber a Gente Publica, que é uma volta dele ao New

York Times. Ele chega lá no Times, onde trabalhou antes de ser historiador, e fala

do obituarista. Quando você ia fazer obituários era como se estivesse no fim da

carreira ou que não estava bem no jornal. Então, o obituário era para alguém que

não tinha grandes desafios. Então você imagine no Brasil, alguém que ficou anos

87

atualizando o obituário da Dercy Gonçalves, ou do Niemeyer, por exemplo. Você

nunca será premiado por um obituário. Então, ele fala desse menino, o Jones, que

fazia o obituário e que um dia ele o provoca para que ele invente uma história, e ele

inventa, mas não sobre um morto, e sim sobre um menino que teve a bicicleta

roubada. Aí, o Darnton diz pra ele: “Agora ligue pra família do menino e pergunte se

tudo o que você colocou no texto é verdade”. Ele liga e, curiosamente, tudo que ele

imaginou era verdade. Na verdade, as histórias são muito previsíveis. Como é que

um menino americano compra uma bicicleta? Entregando jornal. É aquela coisa que

a família tem de comprar com o suor do seu trabalho. Que dia ele ganhou? No Natal.

O que ele ganhou também com a bicicleta? O direito de andar no parque. E aí ele

tinha essa frase fatal no texto, e o menino nunca mais foi ao parque. Os americanos

são absurdamente obcecados pela liberdade, do ir e vir. É uma coisa cultural pra

eles. Essa frase mobilizou a comunidade toda pra comprar uma bicicleta nova para o

menino e para rever a questão da segurança do parque. Se aquele menino não

podia andar no parque, outros meninos não poderiam andar também. E daí, a

sociedade americana estaria caminhando para o fim impedindo meninos e meninas

de andarem de bicicleta num parque público. Ele lembra esse episódio do Jones que

era alguém que estava preso ao obituário, uma história que é contada pela família

da qual você não pode sair e pra uma história imaginária sobre a vida de um menino

qualquer. E aquela matéria sobe na página, vai pro abre, continua durante a semana

e vai tendo toda uma repercussão em cima de uma mobilização de uma

comunidade. E depois teve o filme “Closer”, que eu não lembro se foi exatamente na

mesma época que começaram os obituários na Gazeta, mas repare que o

personagem é o obituarista de um jornal, e com exceção de um personagem, todos

os outros são medíocres. Então, quem é o jornalista considerado mais limitado? O

obituarista. Quem é o médico mais limitado, no senso comum? O ortopedista. O

personagem é um ortopedista. Quem é a fotógrafa mais limitada, mais medíocre? A

documentarista que fotografa crianças chorando, com pé no chão, aquela foto

emocional do Natal, era o personagem da Julia Roberts. E tem a garota de

programa, a única pessoa no filme que não é medíocre. Sei que a palavra medíocre

é forte, mas é uma trama, e aquilo me chamou a atenção, a ideia do obituarista

como alguém medíocre. E o que é interessante no campo do jornalismo é você

pensar como é esse espectro com a internet, com essa coisa da angústia provocada

pela multidão, de que nós passaremos a vida em branco, que só quem teve grandes

88

feitos será lembrado, todos querem ter uma grande vida, e parece que o obituarista

saiu desse espaço burocrático da mediocridade no fim da carreira pra um lugar de

mais destaque porque ele está resistindo a essa engrenagem violenta da grande

vida, que é uma marca do século 21. A afirmação da grande vida é muito

angustiante porque a maioria de nós não terá uma grande vida. Nossa vida será

comum, entende? E daí, o obituário parece que renasce, e daí você vê o livro das

vidas. Aqui no Brasil já saiu Um Dia Uma Vida, que é da Folha de São Paulo. Os

jornais começam a valorizar esse elemento que é muito unido. Outra coisa, as

medições na Internet mostraram o absoluto sucesso que os obituários tinham. Na

Gazeta, por exemplo, nós tínhamos uma medição; todo dia o obituário estava na

lista das cinco matérias mais lidas. Uma nota do Reinaldo Bessa, alguma nota do

obituário. Agora, na última reforma, eles tiraram o obituário de todo dia porque

disseram que a soma da audiência, pelo trabalho que dava, e tinha uma regra que

não podia ser mais de um mês, e agora essa regra não está sendo mais respeitada,

então, eles acharam que não valia mais a pena todo o investimento porque a

audiência é baixa, e daí passa a ser só uma vez por semana, mas na Folha de São

Paulo ainda é todo dia.

4 - Como você descreve seu trabalho no setor de obituário da Gazeta do Povo?

Primeiro, eu sou um privilegiado na questão do obituários porque eu nunca fiz um

obituário de alguém que eu não tivesse conhecido. Então eu entrei como

colaborador veterano, então você vem com as vantagens do veterano. A minha

obrigação não é igual a da Aline que tinha que entregar todo dia, aquele era o

trabalho dela. Eu entrava por ser mais velho, por estar muitos anos no jornalismo,

conhecia muita gente. Só agora estou com o Wilson Rio Appa, vizinho meu, que

morreu, homem de grande piedade. Então eu fiz de pessoas conhecidas, ou que

eram meus amigos, meus vizinhos, ou que eram parentes, porque não tem esse

problema no obituário. A imparcialidade, a não ser que seja um caso de uma vida

introvertida. Então, ele tem uma licenciosidade nesse sentido porque é lógico que o

obituário é um “panegírico”. Por isso ele é considerado um jornalismo menor; ele é

um elogio a uma pessoa, ao destaque do cotidiano daquela pessoa, da miudeza da

vida daquela pessoa, mas é uma vida, uma homenagem. Então isso me facilitou. Eu

nunca escrevi de alguém que eu achasse que não merecesse um obituário. E não

89

tem vida que você não olhe que você não ache alguma coisa. Então, o meu trabalho

foi esse, e bacana porque eram pessoas que muita gente não acreditava que elas

tinham elementos pra informação na vida delas sobre coisas que eu pesquiso como

jornalista. Aconteceu também de eu fazer de pessoas que entrevistei. Então, eu fiz

obituários que não saíram na página do obituário, às vezes saiam em uma página

inteira. Então, essas grandes vidas, eu também fazia já, mas como repórter

veterano. E teve obituários que não saíram pra mim, que eu chorei de tristeza

porque eu queria muito ter feito, e fiquei muito bravo de não terem me dado. Nem

sempre me pediam. Às vezes eu achava que era pra me poupar. Mas assim em

alguns eu senti de não ter feito.

5 - Como é o ambiente da redação?

Eu acho um ambiente mais estimulante do mundo, o céu deve ser parecido com a

redação de um jornal. Você tá ali e alguém diz que caiu o avião do Eduardo Campos

caiu, ou que jogaram duas bombas nos Estados Unidos, o crime do Morro do Boi,

então, você tem que elaborar aquilo, se mobilizar, não tem esses filtros acadêmicos,

longos discursos, a coisa é muito instantânea, muito humana, você tem uma

obrigação com o leitor, é pra ele que você vive, de ir pra rua naquele momento atrás

do que você tem que contar pra aquela pessoa, naquele dia, mesmo quando morre

alguém. Como não deixar aquela vida passar. Eu acho assim, um lugar

intelectualmente estimulante, é muito despojado, muito direto, você não tem

segredos com os teus amigos de redação. “Cara, você não tá vendo que tá falando

uma grandessíssima merda?” Você tem alguns choques de convivência, que no dia

seguinte tudo acabou, no dia seguinte você tem outra edição pra fechar. Então não

tem essa coisa de carregar uma mágoa da terça pra quarta, não que não haja,

lógico, mas eu acho que é menos comum. De segunda pra terça, terça pra quarta,

quarta pra quinta, quinta pra sexta, no dia seguinte todo mundo é igual de novo. Seja

lá quem for, todo mundo tem uma pauta nova pra cobrir, tem que se apresentar de

novo pra alguém que está do outro lado do telefone, começar do zero. Então, é um

mundo assim, que a vaidade. Você é colocado à prova todos os dias, você pode

errar, entendeu? Pode errar feio, recomeça. Eu acho muito bacana.

90

6 - Como é feita a seleção do repórter responsável pela produção do obituário?

Olha, é meio assim, contando ninguém acredita. Eu acho que tem um pouco das

camadas óbvias, quer dizer, morreu o Wilson Rio Appa, poxa, lógico foi o pai da

contracultura aqui no Paraná, uma figura ímpar da vida da época do “desbunde” do

teatro, pronto, você tem que fazer. Aí, tem aquela coisa que alguém te conta. “Puxa,

olha, morreu um vizinho meu, é uma pessoa que daria um obituário”. No meu caso

vinha por quem eu conhecia. Como eu te falei, a Aline fazia uma prospecção por

nome da família. Tanto que usei esse método num trabalho que a gente fez aqui

(UFPR), com professoras formadas no Instituto de Educação, em 1963. Como a

gente achou? A maioria foi pelo nome da família. Família Quadros, família Vosniack.

Curitiba tem uma certa facilidade, principalmente família de imigração, elas moram,

elas são ligadas a bairros. Mesmo que a pessoa não more mais nesse bairro, mas

você sabe que é o Pilarzinho, é uma família que muita gente tem aquele sobrenome.

Smolka, né, você sabe que tem Bettega no Portão. Então, por exemplo, tem Nadalin,

Baggio, Gabardo, no Água Verde. Tulio, Santa Felicidade. Então, isso facilitava um

pouco. Ás vezes, ela recebia a lista da prefeitura, dos mortos, ela meio que ia pelos

bairros. Então, a Aline perguntava: “Você conhece alguém em Santa Felicidade com

esse nome?”. Aí, a gente tinha lá a mãe do Carlos Dallastela, por exemplo, que é

uma família muito conhecida lá. Então, ela dizia “Sim, fulano era daqui, tenho o

telefone, me criei com eles”. Então, a gente achava assim, sabe? Daí tinha os

colegas de redação que eram ligados a determinadas áreas, então, quando morria

alguém que a família era da Água Verde, eles me perguntavam, a minha mãe mora

lá há 50 anos. “Ah, conhecia, era comerciante”, a gente acabava, a minha mãe dava

muita ajuda no obituário, tinha uma rede que ela sabia exatamente quem estava

sendo velado na capela do cemitério da Água Verde, todos os dias ela sabe quem é.

“Mãe, você conhece?” “Sim, lógico”. Era da Igreja Filhas de Maria ou de grupos da

paróquia, e a gente descobria, sabe? E Aline fazia um quadro em que ela ia

marcando, tipo uma tabela de Excel, em que ela ia marcando mais ou menos as

pistas que a gente tinha pra encontrar as pessoas. Tem também, as pessoas que

ligavam, e eu sempre achei que ir ao cemitério diretamente, sempre funcionava. Ela,

que eu me lembre, foi umas duas vezes só, mas eu já tinha feito matéria direto no

cemitério e funcionava. As pessoas ficam num estado de surrealidade na hora que

morre alguém. As pessoas diziam “não é ofensivo?”, não, às vezes ela se sente

gratificadas, elas querem contar quem era aquela pessoa que morreu. E, eu

91

inclusive fui fazer obituários indo no cemitério, no caso da Ana Maria, aquela artista

plástica, conhecia também. Fui no velório, e a cena do velório foi a primeira cena do

obituário. Abri o obituário com a cena do velório, foi um franciscano que fez a

cerimônia e aí ele falou “Por favor, cada um que está aqui diga uma palavra que

defina a Ana Maria, né”. Aí, começou “generosidade”, e assim ficou um coral, tão

bonito foi aquilo, espontâneo, as pessoas começaram a falar e não paravam mais,

“Alegria, bondade” e não sei o que lá, só palavrinha, sabe? Então, eu abri com

aquela imagem, que era muito. A Ana Maria era muito generosa, ela foi uma pessoa

muito generosa com os amigos, com qualquer pessoa que cruzasse com ela, na

frente do caminho dela, e foi no velório que eu encontrei essa cena. Se eu não

tivesse ido ao velório não teria.

7 - Quais são suas rotinas, seus passos, dentro do setor de obituários?

Olha, eu acho que é a mesma, é uma lógica parecida, com a lógica do perfil, sabe?

Embora no perfil entra mais o defeito do que é humano, é mais bem visto no perfil do

que num obituário. A Aline vai te dizer isso melhor, que a gente chegou a fazer uma

lista de eufemismos que as pessoas usavam. Eu escrevi o obituário do meu pai, só

pra você ter uma ideia dos eufemismos que as pessoas usavam nos obituários. Ela

pegava mais eufemismo do que eu, porque eu nunca fiz por telefone. Só se fosse

uma checagem o último, mais um filho que não mora comigo, aquelas histórias, mas

pessoalmente os eufemismos são menores, mas por telefones os eufemismos eram

grandes. É engraçado e perigoso você tem que tomar cuidado aonde você coloca

isso porque pode dar impressão que a gente tá tirando sarro, e não é? Não estou

tirando sarro, não estou debochando da pessoa de nenhuma maneira. Eu acho que

é natural. Eu estou falando com um estranho, e se ele fosse escrever sobre o meu

pai, eu não diria as coisas que eu posso dizer pra você aqui numa boa. Isso não

diminui o meu amor por ele em nada, entendeu? Então, eram coisas assim. Gostava

da coisa certa, provavelmente era alguém um pouco autoritário, mas a pessoa não

quer usar. Era organizado, pronto. Talvez tivesse um toque de limpeza, alguma

coisa assim. Era muito reservado, parecia muito uma pessoa deprimida. Era muito

reservado, isso acontecia muito, não gostava de conversa, e às vezes, era

engraçado. Vinha toda essa parte de depuração do defeito e na hora de você

começar a fazer a entrevista você vai depurando o defeito e chega a hora das

92

grandes qualidades. E as pessoas ficam intimidadas quando a qualidade é que ela

fazia um bolo de laranja como ninguém, e a gente sabe que no obituário isso é

bacana porque o bolo de laranja que alguém fazia vai ser sempre a lembrança,

entende? Lá em casa, o meu pai levou todas as receitas de bacalhau embora, ele

nunca contou, e nós tínhamos as famosas bacalhoadas lá em casa, e ele nunca

contou como é que ele fazia. Minha irmã mais velha tentou descobrir, então assim,

comer bacalhau lá em casa é um memorial dele, lembrar do bacalhau que nós

nunca mais vamos comer, a carne com alho especiaria portuguesa. Assim, no

obituário, isso tudo cai muito bem, porque no fundo, na vida comum, na vida no

cotidiano, que é disso que nós estamos falando, é do cotidiano. Vou te dar mais uma

informação importante. No cotidiano, é ali que as pessoas próximas vão lembrar

daquele que se foi, sabe? Das pequenas manias dele, que depois a gente começa a

achar graça, entendeu? Então, a gente ajudava, geralmente no final da entrevista, a

pessoa a contar. Eu lembro que fiz um obituário bem difícil pra mim, porque foi de

um vizinho meu da Água Verde, o seu Danilo Baggio. E o seu Danilo eu conheço

desde criança. Estudei com os três filhos dele, e são os nossos vizinhos. E o seu

Danilo foi se tornando uma pessoa “casmurra”, assim na velhice, sabe? E daí, eu

sentia que os filhos dele estavam evitando esse lado mais esquisito dele, mas tinha

uma história linda que era como ele construiu uma casa pra se casar com a mulher

dele. Ele construiu uma casa, nova e muito boa, daí eu falei “Como está a casa?”. Aí

ele desmanchou essa casa e levou pra um sítio que ele tem. Esse homem pescou

todos os dias da vida dele, todos os finais de semana, ele só não pescou no final de

semana que ele casou. A dona Joaninha nunca teve ele em casa no sábado e

domingo porque ele pescava, e onde ele era feliz era pescando. Assim, aquilo era

meio incômodo pra ele, como ela conta também. Isso depois eu liguei e conversei

com elas, mas ela pediu pra não colocar que a mãe do seu Danilo morreu com uma

patada de vaca. E eu achei interessante contar que você tinha, no Água Verde,

pessoas que ainda tiravam leite em casa. Ela dizia que era muito esquisito, as

pessoas acham que aquilo vai dar um sintoma de classe. Sabe que às vezes, aquela

palavrinha destrói o obituário porque daí a família fala “Ah, mas falou que a nona

morreu com patada de vaca, que chato!”. Daí tirei. Eu tive que procurar admiração

por ele ali nas histórias porque eu tinha uma imagem muito forte dele como uma

pessoa difícil. O esforço do obituarista de procurar onde está o encanto daquela

pessoa, quando o encanto não é tão visível. Ou porque os últimos anos não foram

93

tão encantadores pra ela. Então você constrói, ela é um pouquinho ficcional, mas ela

é um recorte, e você vai procurar onde está a dobra. Qual foi o grande momento da

vida daquela pessoa. E essa é a chave. É a mesma coisa que o perfil. No caso da

minha avó, por exemplo, pra mim já estava claro que a grande dobra da vida dela foi

o momento que ela veio para o Brasil com os filhos todos. Desobedece o marido que

já estava aqui e vem. E daí ela vai pedir favor pro Ivo Leão, que era dono do Mate

Leão, pra ter uma casa pra ela, porque ela era uma mulher que tinha uma casa em

Portugal e não tinha onde morar com os sete filhos, e ele disse pra ela: “nossa, dona

Marta, vocês gostam de fazer filhos, hein”? E ele dá uma casa pra ela morar um

tempo, e ela tem mais dois filhos. Ela teve três pessoas que a ajudaram. Então a

dobra foi a vinda, desobedecer e vir e a segunda dobra foi a gratidão eterna pelas

pessoas que a ajudaram. Era o Ivo Leão, a irmã do Mário Covas, a primeira pessoa

que deu bordados pra ela, e apresentou a minha vó pra toda alta sociedade, e o Dr.

Giocondo Artigas que foi o médico que a operou de graça. Ela bordava pra família

dele e teve uma pancreatite, e ele a operou e nunca cobrou um tostão dela. Foi

médico dela por 40 anos. Então, o senso dela de gratidão era imenso. Era

impressionante porque hoje as pessoas são pouco gratas. Então, a vida inteira ela

visitou as pessoas. Eu tinha o obituário dela pronto na minha cabeça. Às vezes,

quando você não conhece também, mas não era o meu caso, eu sabia onde

estavam. O Sr. Danilo era a construção daquela casa, mas ele era um homem que

não queria ficar na casa talvez por bipolaridade, ele queria estar pescando, e daí o

que ele faz? Ela leva a casa para o lugar da pescaria. Então, é altamente simbólico.

Ele desmancha a casa e a leva para o lugar onde ele gostaria de ter vivido, à beira

do rio. Às vezes, até a família não viu essa relação. Eu lembro quando eles viram

pronto, eles não tinham feito essa relação, a casa e o desejo de liberdade dele, que

talvez fosse uma bipolaridade, mas na verdade era o que ele era. Um homem que

procurou a liberdade o tempo inteiro. É um processo assim: procurar a chave. Às

vezes, a própria família não decifrou, porque você está muito perto, você tem que

fazer um esforço pra ver o que eles estão dizendo nas entrelinhas. Sobre aquele

personagem e às vezes você tem a chave, em todo o caso da Maria Tereza que eu

disse “Eu tinha a chave”. A chave era pelo menos uma chave possível para o leitor

identificar. A regra é o leitor dizer “minha vida comum e a minha vida parecida com a

dele”, “eu também sou assim, eu fui uma pessoa que tive gratidão por alguém”,

vendo a minha virtude da gratidão foi reconhecido dentro daquela pessoa. É um jogo

94

de espelho, que é uma teoria bem clássica no jornalismo, muito eficiente no jogo que

o obituário propõe. “Eu oro e me vejo gratificado” ou alguém que pesca todo o final

de semana, outro olha e diz “eu queria ser igual a esse cara”, ele foi fazer o que era

uma alegria e não fez riqueza, mas fez a história que ele queria viver. Há um jogo de

espelhos ali que é muito bacana. É isso que você tem que ajudar aonde o leitor

comum vai se mirar naquela vida? E às vezes sim, é o bolo de laranja ou limpar uma

casa ou costurar ou era um grande vendedor, como o meu pai que foi um

comerciante, valorizar isso. Aonde é que estava a topofolia dele? O espaço de

felicidade. Todo mundo tem o espaço de felicidade. No caso do meu pai era o

balcão, ele era uma pessoa muito melhor quando ele estava vendendo. Ele era um

grande vendedor, tinha um carinho por todos. Da porta pra dentro de casa ele era

sombrio. No meu caso, eu tive liberdade pra isso, coloquei que ele era sombrio. E há

outros obituários que você sabe onde está a felicidade da pessoa. É ali que você

tem que explorar o obituário.

8 - Sendo colaborador especial para Gazeta, como você encaixa a produção do

obituário? Como é a sua rotina de preparação?

Só indo na casa mesmo, falando com os familiares, eu sugiro a família geralmente

apoia, não tem muito segredo. Eu faço como uma colaboração, é um texto doado,

eu recebo só pelas colunas.

9 - Como são feitas as entrevistas com as famílias dos perfilados?

Eu chego lá e explico como é, pergunto como era o fulano em casa, às vezes eles

cobram o porquê não colocamos aquilo que eles falaram. Com isso vemos que o

pacto na entrevista não ficou tão claro, principalmente com pessoas mais

esclarecidas. Fiz com um professor da PUC esses dias, conversei muito com a

mulher dele, tive que explicar tudo muito bem. Ela queria que eu pegasse o currículo

dele. Depois ela viu que o que eu fiz era o marido dela dentro de casa. Agora as

pessoas comuns não se importam com as vidas invisíveis. Eu fiz um agora do meu

pediatra e a família dele ficou numa expectativa que eu falasse da profissão dele, foi

uma entrevista bem difícil. Depois no Facebook ficou engraçado, o filho dele postou

95

dizendo que ele que escreveu, eu deixei e dizia assim “veja o belo texto que eu fiz

do papai”.

10 - Quanto tempo leva para escrever um texto de obituário?

Sou cada vez mais lerdo, mais lento. Posso escrever em 2 horas, mas o que demora

é a reflexão da pessoa, encontrar a chave.

11 - Você utiliza algum critério na escolha dos perfilados?

No meu caso é eu conhecer, eu ter admiração ou eu acreditar que eu posso ter

admiração.

12 - Os seus textos passavam por algum processo de edição?

Eu mando pra edição igual a todo mundo, acredito que é uma Instituição o editor, é

igual imprensa. Pode ter coisa ruim, mas é pior sem ela. Então, às vezes o editor

pode estragar o seu texto, mas eu não tive problemas assim. É importante ir pra

edição, porque você tem aquele primeiro leitor que diz o que não entendeu. O

obituário não está nos textos principais, então as pessoas se importam menos, são

mais espontâneos.

13 - Como é fazer um texto de obituário?

É o máximo da generosidade, você não está atrás de um lead, de um grande fato,

não vai ser premiado por isso. É ouvir. Você não tem grandes perguntas, então é

muito exercício de respeitar, de ouvir. O obituário às vezes pode te dar uma

novidade, que ninguém sabe. Antes era uma por semana, agora são mais.

14 - Desde sua implantação, quais as principais mudanças que a seção de

obituários já enfrentou?

Hoje, é feito por duas estagiárias com muito carinho. Elas fazem bem e lógico que

elas não querem ser obituaristas. No meu caso já é um conforto, conheço bastante

gente, estou há 30 anos aqui. Eu acho que é lido por pessoas mais velhas, porque

eles reparam nos familiares, idade, se reconhecem alguém. Por isso que antes tinha

96

uma visualização maior. O obituário que teve a maior leitura na Gazeta, foi a do

Fernando Guimarães. Teve uns 10 mil acessos. Eu escrevo mais do que eles

pedem, uns quatro mil caracteres. Eu gosto do formato, eu acho que a gente é

menos radical de ficar olhando.

15 - É possível haver uma ligação entre o padrão dos perfilados e a linha

editorial do jornal?

Eu acho que tem sim, digamos assim com a internet de hoje, a audiência que move

os jornais, e foi isso que matou o obituário. Se eu tinha lá uma estagiaria que ia atrás

da família do morto, que gastava energia com isso, colocavam ela pra gastar energia

em outras coisas, coisas curiosas. Só o que é essencial nas linhas editorias está

sobrevivendo. Só o que é essencial mesmo. Porque as questões de sessões

editorias, essa parte da editoria fina, o trator passou por cima. Eu tinha lá uma

pessoa que trabalhava com tal coisa, o caderno do estudante, vai lá e fecha. Não

sei até quando o obituário vai continuar. Certas coisas vêm em momentos de

farturas, quando tinha muita gente trabalhando, 30 mil, a audiência era bom. É um

tiro no pé.

97

Anexo 4. Roteiro de perguntas aos colaboradores e ex-colaboradores da seção. Marleth Silva

VIDA E MORTE INTIMAMENTE CONECTADAS: UMA INVESTIGAÇÃO DA

ROTINA PRODUTIVA DA SEÇÃO OBITUÁRIO DA GAZETA DO POVO

Mestre, jornalista, formada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Já

trabalhou na Sucursal do Jornal do Brasil, na Câmara Americana do Comércio, foi

repórter da Revista Veja, portal UOL, foi editora na Gazeta do Povo e hoje é

colunista no veículo.

1 - Quanto tempo trabalhou no jornal?

14 anos.

2 - Como você descreve seu trabalho no setor de obituário da Gazeta do Povo?

Acho que tem duas partes. Uma é você conseguir localizar essas pessoas, o que é

difícil. Eu imagino que, num jornal, onde haja tradição de obituário que, aqui no

Paraná não chegou a existir em lugar nenhum. Na Gazeta existiu durante alguns

anos e daí começou a perder força. Não é uma coisa que as pessoas sabem sobre o

obituário da Gazeta do Povo, não se tem clareza, senão eles iriam levar a

informação até nós. Então o desfaio. É entrar em contato com essas pessoas e o

outro é ouvir. Então o trabalho tem duas etapas que são bem fundamentais.

Primeiro, você consegue localizar a família. Não é localizar a pessoa morta, porque

que nem eu te falei, você pode ficar sabendo que morreu alguém do seu bairro e

você ver que é uma história interessante. Mas e daí pra você localizar a família?

Porque se a pessoa acabou de morrer, esse é outro aspecto que eu sempre defendi,

não precisa fazer assim que a pessoa morreu, porque daí a família não tinha

condições de falar. Então, você tem que localizar essa família e convencer essa

família a falar. A outra coisa é o ouvir... ouvir, ouvir. As pessoas podem pensar que

não têm nada pra falar. Muitas vezes a família acha que não tem nada pra contar.

Então você tem que ficar fazendo pergunta. O que ela estava fazendo, se estava

trabalhando, o que fazia no final de semana, o que ela fez quando jovem. “Ah,

quando jovem ela tinha trabalhado na roça”. E ela ainda gostava de trabalhar na

98

terra? “Ah, gostava ou não gostava”. E onde que ela morava? Alguma coisa assim,

você tem que ficar cutucando porque na hora de escrever você tem uma história pra

contar. Ai primeiro você conta: morava na rua Marechal, no centro de Curitiba,

adorava o centro, o movimento, o asfalto porque tinha crescido na roça e tinha vivido

uma infância muito dura. Você entende? Você constrói a historia. É um exercício

muito bom de jornalismo. Mas é isso, tem essas duas etapas. Localizar essas

pessoas e ouvir, ouvir, ouvir.

3 - Como era o ambiente da redação?

O ambiente varia muito, conforme vários fatores. Se o jornal está num bom período,

se está em um período difícil. E outra coisa é quem são as pessoas, porque o mix

vai mudando, então tem vários ambientes. Em geral, a Gazeta em todos esses anos

estava num esforço pra melhorar. O que a gente percebia era isso. O esforço, desde

pra direcionar as pessoas que entravam, ver o potencial, preparar as pessoas que

estavam lá. Eu diria que era sempre um ambiente de esforço pra melhorar. Isso que

me marcou.

4 - Como foi a chegada do obituário na Gazeta do Povo? De quem foi o

projeto? De onde surgiu a inspiração?

Olha, eu nem sei mais o que eu pensava na época, porque assim, eu achava era

uma forma exatamente de falar de pessoas comuns, porque muitas vezes a gente

ouve falar de pessoas interessantes. Vamos supor: você trabalha na redação de um

jornal e dai você vê que morreu o dono daquele comércio que tem lá na sua rua, no

Xaxim, que todo mundo no Xaxim conhece. Então você sabe que no Xaxim está

todo mundo comentando que fulano faleceu. Eu pensava que esse tipo de coisa

tinha que sair no jornal um pouco, entendeu? Porque tem uma graça nisso, é a vida

das pessoas. Só que você não vai colocar lá: “morreu o seu fulano que era dono de

uma mercearia”. Isso não entra no jornal. O obituário é uma forma de falar, então foi

esse o meu argumento e, também, porque na verdade quem trabalha num jornal tem

que saber o que é um obituário. Apesar que, como eu te falei, entre os chefes até

nem tanto, mas entre os mais jovens, nossa, as pessoas torceram muito o nariz.

Tinha gente que não sabia eu era ideia minha e falava pra mim: “agora essa ideia de

ficar falando de morto, vamos ter que falar de morte no jornal”. Muita gente falou isso

99

perto de mim, sabe? Então assim, a chefia aceitou e foi uma época que o jornal

estava passando por uma reforma e eu propus da gente criar uma seção física. E eu

me lembro que no dia que a gente estava editando o primeiro obituário que foi esse

do motoboy, depois que a gente fechou o jornal, o assunto era esse obituário. Todo

mundo falou “mais que legal, olha só o cara”. Então ali eu já percebi que era uma

história de um motoboy e estava todo mundo falando daquilo. E ele foi um sucesso.

Tanto é que, às vezes assim, a direção do jornal, os donos dos jornais vêm me

contar: “encontrei não sei quem e que pegava a Gazeta e ia ler o obituário”. Isso

acontecia muito. Só que, francamente, eu acho que a redação em si nunca

assimilou. Proporcionalmente o trabalho que dá é grande pra uma coisa pequena.

Pra fazer um bom obituário você tem que ter paciência porque você não consegue

numa conversa rápida. Você demora pra conseguir falar com a pessoa. Por

exemplo, esse rapaz aí, você liga e ele não está ou ele não pode falar. Então você

leva um tempinho pra chegar na pessoa, aí a pessoa topa conversar com você e às

vezes você vai ter que falar uma hora com ela, então é uma coisa trabalhosa. Outra

coisa, você vai ter que fazer aquilo todo dia então você vai ter que ter um cuidado

pra não ficar repetitivo, pra não cair em clichê. É uma coisa trabalhosa. Então, a

redação como um todo não gostava de fazer. Era bem difícil, as pessoas às vezes

vinham falar: “ai, eu acho legal”. Mas depois de um certo tempo, você notava que

tinha uma certa resistência. Mas a empresa, em si, aceitou, inclusive teve um efeito

comercial. Acho que isso é interessante. Como se colocava junto com a lista de

falecimento e se não saía, tinha gente que ligava pra reclamar ou saía um dado

errado, porque na verdade aquelas lista não são informações da Gazeta, são da

Prefeitura. Não tem como um jornal fazer aquilo, não tem como. Teria que checar

com a família que acabou de perder uma pessoa, então é impossível isso. A gente

notava que tinha muita repercussão de público, então foi assim, foi bem aceita a

proposta pela direção, pela redação não, e com isso foi difícil de tocar. Eu acho até

que durou bastante, hoje olhando pra trás, porque a Aline que tocou muito tempo, eu

tinha outras funções. Eu ajudava a Aline porque, pensa fazer sete numa semana,

era muito difícil. Então, geralmente, eu fazia um, dois e a Aline fazia o resto. E às

vezes as pessoas acham que as pessoas ligavam pra passar, mas é muito raro

alguém ligar e dizer “quero fazer um obituário”, é muito difícil. Então, na verdade, é

muito trabalho pra aquele resultado lá. Uma outra coisa que eu ia te falar, não sei se

encaixa nas suas questões é a questão do trabalho jornalístico mesmo em cima do

100

obituário. Você tem que ter muito cuidado pra não cair no clichê. As pessoas tendem

a cair no clichê. Fica fácil, entendeu? Por exemplo, você dizer assim: a Aline, cá

entre nós, muitas vezes tinha que puxar a orelha dela porque como a pessoa está

fazendo aquilo todo dia, ela começa a fazer obituários muito parecidos porque daí

você percebe essas coisas assim. Comentário meu: interessantíssima essa análise

da Marleth sobre a padronização do texto, uma automatização do texto autoral. Não

adianta perguntar só da profissão, você tem que perguntar o que as pessoas faziam

nas horas vagas. Então, começa a virar um clichê porque a pessoa começa a repetir

o mesmo padrão e até coisas meio feitas já e que são falsas, por exemplo, você

dizer assim: “ela era descendente de italianos e ela era uma pessoa festiva e que

gostava de cantar. Como bom descendente de italiano, ela era uma pessoa

animada”. Isso é um clichê. Nem todo descendente de italiano vai ser animado,

então não tem nada a ver, mas é uma coisa que as pessoas tendem a começar a

repetir. Ou de dizer assim, destacar a mesma coisa. Então pronto já tem uma

historinha. Não, entendeu? O obituário é você ouvir à exaustão e tentar tirar uma

coisa original e depois da uma olhada pra ver se não entrou em clichê. É muito fácil

entrar em clichê. Isso me irritava muito e eu comecei a notar que tinha uma época

que tinham alguns repórteres que ajudavam a Aline e que nunca tinham feito aquilo.

Como a pessoa nunca tinha feito aquilo, o que ela fazia? Ela olhava os obituários

que já tinham sido feitos e ela copiava, não a informação, óbvio. Mas era como se

ela pegasse um padrão e trocasse as informações. Então todos os obituários

ficavam parecidos. Era um tal de dizer: “como um bom católico ele era devoto de

Nossa Senhora”. “Nunca esqueceu a sua infância passada no interior e por isso

gostava de comer banana no pé”. Então virava um clichê, um clichê, um clichê e isso

era um problema. E como é que você foge do clichê? Ficar ouvindo, ouvindo,

ouvindo e escrever o que ela falou e não o que você já tem pronto na cabeça.

Então, eu não sei, porque na verdade eu achava que o obituário era uma forma, pelo

que eu lia, de outros jornais, de você colocar pessoas comuns que, normalmente,

não sairia no jornal. Essa que era a minha ideia, você colocar a pessoa comum.

Muitas pessoas que você poderia dizer que pessoa comum é aquela que não tem

uma profissão importante? Não, porque às vezes uma pessoa com uma profissão

importante nunca ia sair no jornal, nunca vai se ouvir falar dela. Então vamos pensar

assim, por exemplo: a pessoa pode ser o professor de medicina mais importante da

Universidade Federal do Paraná, e nunca você vai colocar num jornal. Quando ele

101

morre, todos os ex-alunos dele falam dele: “você soube que o professor fulano

morreu?” e você não põe ele no jornal. Eu achava que era um jeito de colocar essas

pessoas. Desde aquele que é a pessoa do teu bairro que morreu. Por exemplo, eu

moro no bairro Cascatinha, muitas vezes você vai na padaria e ouve: “você soube

que o seu fulano ali faleceu?” O seu fulano então que a gente poderia colocar no

jornal. Era essa a minha ideia. Você abrir as portas do jornal e falar de pessoas

comuns, fora do noticiário. Aqui tem uma notícia: eles morreram. Mas as pessoas só

usam isso como desculpa pra botar ele ali.

5 - Como acontecia a seleção do repórter responsável pela produção do

obituário?

Era mais pela conveniência mesmo, se a pessoa não estava envolvida com outros

projetos, que na verdade a Aline ficou encarregada muito tempo. Depois ela

começou a acumular com outras coisas, mas acho que porque ela queria variar,

porque eu dizia que não sabia como ela ia aguentar, porque eram muitos anos

fazendo a mesma coisa. Não dá certo. Então era conforme a pauta definida pelas

tarefas e pelo perfil também. A Aline é muito boa para ouvir. Ela é uma pessoa que

consegue fazer as pessoas falarem. É uma mistura de perfil com a pauta do jornal.

6 - Quais eram suas rotinas, seus passos, dentro do setor de obituários?

A gente tinha que, quando ele era diário, tinha que garantir que iriam ter os sete

obituários da semana, sendo que os de sábado, domingo e segunda eles tinham que

estar prontos na sexta-feira. Então, na verdade, em cinco dias a gente fazia sete

obituários. Era uma corrida pra conseguir fazer. E no final do dia ela fazia, eu editava

no final do dia. Todo dia antes de ir embora, era a última coisa que eu fazia. Entrava

lá, pegava o texto dela e editava. Eu reescrevia o que precisava, corrigia e daí

liberava o texto. E, às vezes, pro fim de semana a gente passava muito apuro,

porque chegava na sexta feira você tinha que ter três, e às vezes não tinha. Era bem

complicado.

7 - Como foi a mudança da publicação diária para a versão semanal?

Foi depois que eu saí.

102

8 - O obituário é considerado um setor dentro do veículo?

A Aline ficou bastante tempo. Às vezes, quando ela pegava um outro assunto, ela

precisava de alguém ajudando. Mas, em geral, tinha uma pessoa fixa. Não vou dizer

que era um setor, porque era uma pessoa só. Ela tinha dedicação exclusiva a isso e

eu era encarregada de editar, então ninguém mais precisava falar daquilo. Entrava

numa editoria e quem cuidava disso era eu.

9 - Como o nome dos perfilados chegam até o veículo?

Poucos chegavam até nós, era muito difícil. A maioria era pela lista de falecimentos

da prefeitura, ai nós procurávamos os telefones, entrávamos em contato, e

entravamos em contato com as funerárias quando precisava. Eu me lembro que era

uma busca ativa, digamos assim. Por exemplo, você via na lista de falecimentos que

alguém era militar, porque saía na relação. Aí eu ligava na Associação da Vila Militar

e perguntava: vocês conhecem fulano de tal que morreu? Na verdade, nunca deu

certo, que eu me lembre. Eu cheguei a pedir a algumas entidades de classe como a

Associação da Vila Militar que se eles tivessem alguém que faleceu que me

ligassem. Era muito difícil. Dos militares, por exemplo, que fui eu que falei nunca

aconteceu. Às vezes você ouvia falar de alguém e você ia atrás pra descobrir quem

era. Uma vez eu vi uma pessoa que era uma senhora, também. Eu não sei se foi o

filho dela que procurou, mas eu acho que daquela vez aconteceu isso. Mas era

muito raro alguém nos procurar. Nos últimos anos começou a acontecer, mas era

muito pouco.

10 - Como encaixava a produção do obituário dentro da rotina do jornal?

Era entendido como uma reportagem normal. Tanto é que durante anos, a Aline fez,

praticamente, só isso. Ela pegava outros trabalhos às vezes, mas dificilmente um

trabalho com pauta diária. Ela podia participar de alguma outra reportagem.

11 - Quanto tempo levava para escrever um texto de obituário?

Acho que 1h. Não muito mais do que isso. O trabalho maior é antes. Que é ouvir,

localizar. Quer dizer, no total, você pode levar um dia inteiro pra fazer. Porque até

103

você localizar, até você conseguir falar com ela, você ter a história. Até porque

quando você está ouvindo a história, você já percebe os elementos que você vai

poder compor.

12 - Já teve algum caso diferenciado, alguma coisa específica que marcou a

seção?

Não, na verdade todos eles tinham o desafio de serem diferentes.

13 - Como era feita a coleta de dados para a produção do perfil?

Na entrevista com os familiares. A gente não tem tempo de ouvir mais de uma

pessoa, então a gente acaba ouvindo uma pessoa só. Talvez se você quisesse

compor um perfil mais realista da pessoa, você teria que ouvir mais de um.

Provavelmente, se você ouvir um amigo, ele vai te contar aspectos diferentes.

14 - Qual momento do dia utilizava, exclusivamente, para a produção do texto

de obituário? Como você encaixava a produção do texto dentro da sua rotina?

No final do dia, isso quando era semanal.

15 - Acredita que a seção possui uma importância social?

Na minha visão, tem sim uma função social. Que é exatamente mostrar a dignidade

da vida, independente do papel econômico dela na sociedade. Porque aí você pega

desde uma pessoa que tinha uma função altamente remunerada até uma pessoa

que tinha uma mais simples, e contar no mesmo nível, porque isso que é importante

de um obituário. Todo mundo é tratado igual, ninguém é tratado como mais ou

menos importante. Eu acho, inclusive, que essa é real função social. Eu acho que

quando o obituário deixar de ser feito pelo repórter e passar, e eu acho que na

Gazeta está acontecendo isso, a família a fazer o texto e eles publicam, eu acho que

é isso que falha. Porque dai eles começam a ficar vangloriando aquela pessoa,

“Porque ele fez isso fez aquilo”, perde o sentido. O sentido é tratar todo mundo igual.

16 - Os textos passavam por um processo de edição?

104

No caso da Gazeta, todo dia ele era relido por alguém e editado, no caso eu. Ele era

produzido por um repórter e editado por editor.

17 - Quais os principais critérios para a produção do texto?

Eu acho que você não pode ter critérios muito fixos para a escolha de um

personagem. Tem que ser uma escolha muito ampla pra você ter a variedade de

pessoas e não começar a criar alguns preconceitos em relação ao personagem,

então é melhor não ter muitos critérios. Excluir aqueles que devem ser somente de

reportagem. São aqueles em que a obra tem que prevalecer. Eu vou dar um

exemplo: morreu no começo do ano o professor Bigarella, que era um cientista,

professor da Universidade Federal do Paraná. Você podia fazer um ótimo obituário

dele contando a história da família dele, dos amigos dele e tal. Você tem que falar da

obra dele, entendeu? Nesse caso, é melhor que ele seja um assunto de reportagem

do jornal, porque você vai ter que enfatizar muito a obra dele. Por exemplo, morre o

Bob Dylan, que ganhou o premio Nobel. Você pode fazer o obituário dele, mas faz

mais sentido você fazer uma reportagem porque, necessariamente, você vai ter que

falar da obra dele, e é isso que as pessoas querem saber. Quando a obra da pessoa

vai tomar uma proporção maior transfere ele pra uma reportagem.

18 - Por favor, detalhe como é fazer um texto de obituário:

É destacar aspectos que deem uma ideia ao leitor de quem era aquela pessoa.

Então você tem aí um conjunto de informações e vai destacar aquelas que criam

aquele personagem. Esse que é o maior segredo. É óbvio que a informação sobre a

profissão é importante. O fato de ter trabalhado 30 anos como professor do ensino

médio é importante, mas só isso não diz quem era ele. Você tem que encontrar

informações que ajudem o leitor a compor a ideia desse personagem. Você não tem

como ser 100% realista sobre alguém, isso é impossível. Pra saber isso teria que

ouvir muitas pessoas. A família vai contar uma história, os amigos vão contar outra.

Então, você não compõe um perfil verdadeiro, você está criando um personagem.

19 - Desde a chegada do obituário na Gazeta do Povo, quais mudanças você

acompanhou na seção?

105

Na verdade, o obituário foi criado enquanto eu estava lá. Ele passou por um período

de consolidação e depois ele deixou de ser prioridade, e eu vi que ele estava

perdendo espaço. Não estava mais cuidando dele porque saiu da minha área e

caminhava, inclusive, pra ele desaparecer. Acho até que é o que está acontecendo.

Eu vi ele nascer, crescer e vi ele perdendo força. Na minha opinião é errado, porque

as pessoas gostam de ler. Mas é como eu te falei, o obituário não é uma coisa que

as pessoas entendem.

20 - Como você avalia o setor e versão final dos textos?

Eu detecto uma série de falhas. Eu acho que precisaria ser feito por mais pessoas.

Eu acho que as pessoas precisam entender melhor e gostar mais de fazer. A Aline

gostava, mas não é todo mundo que gosta de fazer. Eu acho difícil que os jornalistas

se encantem com isso, não sei se é no mundo inteiro. Aí também você tem que

achar pessoas que sejam contadoras de histórias, que gostam de ouvir. Não é todo

mundo que gosta disso.

21 - É possível haver uma ligação entre o padrão dos perfilados e a linha

editorial do jornal?

Hoje eu acho que sim, eu percebo que eles estão escolhendo mais. A equipe

diminuiu muito, então na atual situação acho que eles não têm muita opção. E antes

tinha no sentido que você trazia um lado humano para o jornal. Servia para essa

valorização das qualidades humanas que o jornal queria fazer.