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Angola: e onde está a “boa governação” do mundo? David Sogge 23 23 Working Paper / Relatório Junho de 2006 Working Paper / Relatório

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Angola: e onde está a “boa governação” do mundo?

David Sogge

2323 Working Paper / Relatório

Junho de 2006 Working Paper / Relatório

2FRIDE

A Fundação para as Relações Internacionais e o Diálogo Exterior (FRIDE) é uma organização privada e indepen-dente, sem fins lucrativos, registrada em Madri. FRIDE centra-se principalmente em questões de democracia e direi-tos humanos; paz e segurança; e ação humanitária e desenvolvimento.

NEP

O Núcleo de Estudos para a Paz (NEP), do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, dedica-se aosestudos sobre paz e conflitos desde 2002 e pretende ser um pólo de investigação-ação neste domínio. Centra-se prin-cipalmente em questões de desenvolvimento, mulheres e construção da paz, transformação não violenta de conflitos eprocessos de reabilitação em países devastados por conflitos armados.

Relatórios

Os relatórios da FRIDE têm por objetivo promover um debate importante sobre estas questões e apresentar uma aná-lise relevante das políticas internacionais.

2323 Working Paper /Relatório

Junho de 2006 Working Paper / Relatório

David Sogge

Junho de 2006

David Sogge, Fellow no Transnational Institute de Amsterdão, trabalha como analista independente. Desde 1985

que visita Angola com frequência, tendo publicado um livro e vários artigos sobre o país, bem como diversos

relatórios para organizações internacionais e angolanas.

Angola: e onde está a “boa governação” do mundo?

© Núcleo de Estudos para a Paz (NEP)

Centro de Estudos Sociais

Universidade de Coimbra

Colégio S. Jerónimo, Apartado 3087

3001-401 Coimbra - PORTUGAL

Tel.: +351 239 855593 – Fax: +351 239 855589

Email: [email protected]

Website: www.ces.uc.pt/nucleos/nep

© Fundación para las Relaciones Internacionales y el Diálogo Exterior (FRIDE) 2006.

Felipe IV, 9 1º Dcha. 28014 Madrid – ESPAÑA

Tel.: +34 915 22 25 12 – Fax: +34 915 22 73 01

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Todas as publicações da FRIDE estão disponíveis no site: www.fride.org

Este documento é propriedade da FRIDE. Proibida qualquer reprodução ou redistribuição sem a prévia autori-

zação da FRIDE. As opiniões expressas neste artigo são as do autor e não reflectem, necessariamente, as opi-

niões da FRIDE. Se tiver algum comentário ou sugestão sobre este artigo, não duvide em contatar-nos através

do e-mail [email protected]

Texto original em inglês.Tradução: Mónica Rafael.

Índice

Introdução 1

Angola: O Cenário 1

Empregos Sujos 1

Um Cliente Vindo do Frio 2

A Chegada de Novos Competidores 4

Sombras Onshore 5

Um Dividendo de Paz? 9

Um Estado sem Cidadãos 9

Poder para a Mudança 11

Agentes do Status Quo 11

Agentes Internos de Mudança 12

Agentes Externos de Mudança 14

Conclusão 18

Angola: e onde está a “boa governação” do mundo? David Sogge

1

Introdução

Do Equador à Guiné Equatorial, os países exportado-

res de petróleo mais pequenos estão a tornar-se alvos

não apenas para os investidores, mas também para os

geo-estrategas. Angola não é uma excepção. No entan-

to, como tantos outros casos controlados pelos petro-

dólares, Angola ilustra muitos dos sintomas do Estado

rentier: a existência de políticos, empresários e accio-

nistas que usufruem de montantes colossais nas suas

contas bancárias enquanto os cidadãos comuns enfren-

tam défices colossais nos serviços públicos, meios de

subsistência e governação legítima.

Este artigo oferece uma rápida leitura destes horizon-

tes relativamente a Angola, nomeadamente:

• A competição internacional pelo petróleo e dinheiro

angolanos está a intensificar-se; os europeus e ameri-

canos deixaram de ser os únicos competidores em jogo;

• A pobreza e a desigualdade projectam sombras enor-

mes na vida do país; após quase 30 anos de guerra,

o esperado “dividendo de paz” ainda está para che-

gar à maioria dos cidadãos;

• Internamente, a posição da classe política angolana

parece inquestionável, na medida em que controla

poderes clientelistas enormes e não é confrontada

com uma oposição doméstica importante. É pouco

provável que esta situação sofra alterações na

ausência de qualquer estrato/camada social que

sirva de contrabalanço, tal como o que pode emergir

do comércio ou produção agrária;

• Externamente, a posição da indústria do petróleo dá-

lhe capacidade de influência. No entanto, é pouco

provável que se use esse poder para alcançar trans-

parência e normas democráticas sem a existência de

uma pressão pública internacional. Levar as empre-

sas da indústria do petróleo (petroleiras) a compor-

tarem-se como cidadãos globais não é impossível.

Existem algumas iniciativas globais que sugerem

caminhos exequíveis, mas necessitam de muito mais

apoio político e implementação profissional – ambas

dimensões inexistentes hoje em dia na gestão da eco-

nomia global.

• Deste modo, Angola coloca desafios de democratiza-

ção e emancipação da pobreza, não só ao nível nacio-

nal mas também ao nível de uma governação res-

ponsável e aberta ao nível global.

Angola tem sido profundamente marcada pelas suas

relações externas. Este artigo procura situar as ten-

dências locais num contexto de poderes e fluxos glo-

bais, especialmente os relacionados com o petróleo e

os seus enormes rendimentos – as riquezas que têm

gerado guerra, corrupcão e pobreza.

Angola: O CenárioDe acordo com um dos principais axiomas do desen-

volvimento, a miséria de África deve-se à sua falta de

abertura, ao seu fracasso em alcançar o global. Angola

ilustra a imbecilidade de tais postulados simplificado-

res. Apesar de a exposição do país a interesses mer-

cantis, militares e políticos globais ter sido profunda e

implacável durante os últimos quinhentos anos, poucos

locais conheceram maior miséria.

A história de Angola reflecte as formas mais antigas e

perversas da globalização. Porém, se continuar esse

tipo de globalização – depredação livre de dentro e de

fora –, pressagia-se um futuro lúgubre para o país. O

desafio reside em domar os predadores, mas essa não

será uma tarefa fácil.

Empregos Sujos1

Há séculos que a extracção da riqueza humana e mate-

rial de Angola tem fornecido lucros extraordinários aos

interesses externos. No entanto, as maneiras e os meios

dessa extracção – escravatura, guerra, trabalho força-

do, corrupção, negação de respeito pelos cidadãos e

1 Na versão original Muck and Brass, referente à expressão ingle-sa ‘Where there’s muck there’s brass’, ou seja, ‘onde há empregos sujosa desempenhar, existe dinheiro a ganhar’.

Relatório 23

2

abuso dos seus direitos – tornam esses lucros excep-

cionalmente sujos. Desde o início da década de 70 que

a fonte de lucro principal tem sido o petróleo – “o

excremento do diabo”.

O petróleo subsidia o Estado e a classe política. Em

2005, somou 80 por cento dos rendimentos estatais e

90 por cento das receitas de exportação. No entanto, a

indústria do petróleo é um enclave, na medida em que

emprega menos de onze mil pessoas e quase não tem

qualquer ligação forward (para a frente, ex. industria

petroquímica) ou backward (para trás, ex. fornecimento

de serviços, equipamentos) com a economia onshore (de

base agro-industrial). A indústria diamantífera propor-

ciona mais empregos,mas encontra-se limitada de modo

semelhante. Se os rendimentos destas indústrias extrac-

tivas fossem investidos onshore e concentrados de forma

ampla sobre os cidadãos, poderiam tornar Angola numa

nação genuinamente produtiva e próspera.Mas a impor-

tância económica destas indústrias para Angola reside

principalmente no engordar de um pequeno número de

contas bancárias – a maioria das quais offshore e secre-

tas. E apesar de demonstrações de preocupação no

Ocidente sobre a pobreza de Angola, os bancos estran-

geiros, as empresas petrolíferas e outros investidores

pretendem continuar a puncionar a riqueza angolana

através de quaisquer meios necessários.

A política tem sido guiada por lutas pelo controlo

sobre os rendimentos do petróleo e dos diamantes, que

têm transformado a paisagem social e económica. O

petróleo tornou Angola num campo de batalha da

Guerra Fria. A guerra internacionalizada chegou ao fim

em 2002, mas o mesmo não aconteceu relativamente

às manobras geopolíticas em torno da riqueza angola-

na. A procura mundial por petróleo está a intensificar-

se e as fontes habituais de petróleo do Médio Oriente e

da América Latina parecem cada vez mais instáveis.

Estes factores transformam o petróleo angolano numa

questão de segurança para o Ocidente. Ao fim ao cabo,

os norte-americanos encaram o petróleo barato como

um dos seus direitos humanos fundamentais.

A governação em Angola nunca foi muito eficaz nem

legítima. O regime colonial português foi repleto de

violência e corrupção até ao seu término em 1975. De

acordo com as abordagens convencionais, os fracassos

de governação após essa altura devem-se às elites

domésticas – à sua ganância, às suas práticas cliente-

listas e disputas tribais. Mas essas abordagens detur-

pam seriamente a história do país, já que a governação

de Angola é há muito conduzida por forças domésticas

e estrangeiras. É uma realidade híbrida. Os poderes

soberanos são partilhados com actores externos pode-

rosos. As formas de governação são fracas à semel-

hança de dezenas de países orientados para o exterior,

de quem se espera o cumprimento de certas tarefas no

sistema mundial. Actualmente nesse sistema, os pode-

res absolutos são dominados por grandes empresas

privadas, especialmente no ramo do petróleo e das

finanças, e pela hegemonia dos Estados Unidos da

América. Estes actores têm desencorajado formas

sérias de regulação pública internacional deste sistema

lucrativo, mas opaco. A fraca governação angolana

reflecte a preferência de uma elite global por uma

governação global fraca.

Um Cliente Vindo do Frio

Até ao início da década de 90, as administrações

norte-americanas consideravam Angola um posto

avançado perigoso do Marxismo, para o qual a única

resposta adequada era uma guerra de baixa intensida-

de contra o comunismo – e, se possível, uma mudança

de regime. Hoje em dia, os estrategas ocidentais des-

crevem os Estados fracos ou falhados como ameaças

à segurança; no entanto, na década de 80, a intenção

das principais potências ocidentais era exactamente

enfraquecer os Estados. O êxito norte-americano em

alcançar este objectivo em Angola, como no

Afeganistão, Nicarágua e noutros alvos, foi impressio-

nante. Porém, com o final da Guerra Fria e com a

França e outros rivais comerciais a abocanharem as

oportunidades lucrativas em Angola, os Estados

Unidos começaram a encarar Luanda mais como clien-

te do que pária.

A Angola de hoje pode ter um Estado distorcido e frá-

gil, mas para as empresas é mais do que nunca um

Angola: e onde está a “boa governação” do mundo? David Sogge

3

local com quem desenvolver negócios. Libertada da

guerra a partir de 2002 e impulsionada por uma enér-

gica subida dos preços mundiais do petróleo, a econo-

mia formal de Angola está em expansão. No período

entre 2002 e 2004, o PIB registado cresceu a uma

rápida taxa média anual de 9,7%; entre 2005 e 2007,

é esperado que o crescimento do PIB galope até 18%

anuais. As reservas estrangeiras estão a aumentar. O

governo angolano começou a gerir um saldo positivo

no seu orçamento. Liquidou dívidas oficiais antigas

(incluindo, em 2004, o pagamento de US$ 750 milhõ-

es a um Portugal agradecido e necessitado) e assumiu

novas com banqueiros da China, Brasil, Inglaterra e

Israel, cujos empréstimos são suportados por rendi-

mentos petrolíferos futuros. Em 2004, Angola com-

prou cerca de US$ 6,6 milhões de bens e serviços

externos, fora do sector petrolífero; até 2009, espera-

se que o total alcance os US$ 12,3 biliões. Se incluir-

mos as aquisições para o sector petrolífero, a conta

total de importação será de US$ 19,6 biliões – um

mercado atraente sob quaisquer critérios2.

Os governantes em Luanda têm talhado leis e políticas

que gratificam as empresas estrangeiras. De acordo

com o ‘índice de liberdade económica’, produzido por

um think-tank baseado em Washington e que traduz

um conjunto de avaliação/classificação baseado princi-

palmente na atitude favorável da política governamen-

tal face a interesses de empresas externas, Angola

ocupa uma boa posição. Comparada com outros 28

Estados exportadores de petróleo e gás, Angola está

classificada com níveis médios ou acima da média em

sete dos dez critérios de “liberdade económica”; o seu

‘peso fiscal’ (impostos sobre empresas) leve atribui-lhe

uma posição particularmente elevada3. Em 2005, um

alto funcionário da Organização Mundial de Comércio

(OMC) só tinha elogios às polícias económicas do país.

É claro que Luanda raramente demonstrou animosida-

de para com grandes empresas estrangeiras – ponto

reforçado por figuras como o banqueiro David

Rockefeller durante a Guerra Fria, quando era obsole-

to tecer comentários agradáveis sobre o governo

‘Marxista-Leninista’ do MPLA. No entanto,

Rockefeller e outros membros do establishment norte-

americano foram incapazes de impedir que o

Secretário de Estado Henry Kissinger montasse uma

guerra longa e selvagem através de agentes em prol do

governo americano – África do Sul, Zaire e o movi-

mento rebelde da UNITA – contra o governo do

MPLA. A guerra de 27 anos ceifou as vidas de cerca

de um décimo da população angolana, conduziu ao

deslocamento de milhões de pessoas, levou à perda de

biliões de dólares de produção e destruiu a infra-estru-

tura. À semelhança de outro tipo de guerras rollback

noutros locais, os campos e as estradas de Angola

estão ainda semeados de minas anti-pessoais; em

2004, dois anos após o final da guerra, estas tinham

morto 73 pessoas e ferido 114.

Presentemente não falta amabilidade entre os Estados

Unidos e Angola. Funcionários oficiais descrevem as

relações comerciais como assuntos de lealdade há

muito estabelecida. Recentemente, um embaixador

norte-americano observou com satisfação que nunca

foi negado um único barril de petróleo angolano aos

Estados Unidos durante a guerra. Nesses anos, o petró-

leo e os lucros provenientes do petróleo continuaram a

fluir graças à Cuba comunista, cujas tropas protegiam

as instalações da empresa American Gulf Oil de ata-

ques por insurgentes apoiados pelos Estados Unidos.

De facto, as grandes empresas de petróleo, nomeada-

mente a norte-americana Chevron (que adquiriu a Gulf

Oil) e a sua rival, a francesa Total Fina Elf, têm sido

presenças decisivas no país, com as suas fortunas

entrelaçadas com as da classe política angolana,

incluindo os militares.

Angola possui atracções para os geo-estrategas. A

administração Bush, tal como muitas administrações

anteriores à sua, prometeu reduzir a dependência

norte-americana do petróleo estrangeiro. No entanto,

mesmo as projecções mais optimistas sustentam que,

2 FMI (2005), Staff Report for the 2004 Article IV Consultation,IMF Country Report No. 05/228, Washington DC: FMI, Julho.

3 Em comparação com a Argélia, Azerbeijão, Bahrein, Camarões,Chade, Colômbia, Congo, Equador, Egipto, Guiné Equatorial, Gabão,Irão, Kazaquistão, Kuwait, Líbia, México, Nigéria, Omã, Qatar, Rússia,Arábia Saudita, Síria, Trinidade e Tobago, Tunísia, Turquemenistão,Emirados Árabes Unidos, Venezuela e Iémen. Para 2005, a Heritagenão forneceu nenhuma classificação para outros produtores principaisde petróleo e gás, nomeadamente Brunei, República Democrática doCongo, Iraque, São Tomé e Príncipe e Sudão.http://www.heritage.org/research/features/index/index.cfm

Relatório 23

4

em 2025, os Estados Unidos terão ainda de importar

pelo menos 60 por cento do petróleo que necessitam.

As fontes do volátil e perigoso Golfo Pérsico são tudo

menos garantidas, o que se traduz na diversificação de

fontes de petróleo estrangeiras como um imperativo

estratégico prioritário.

Angola sempre vendeu a maior parte do seu petróleo

aos Estados Unidos, encontrando-se actualmente entre

os seus sete principais fornecedores de petróleo. Geo-

estrategas encaram o petróleo angolano, tal como o de

outros exportadores do Golfo da Guiné (Nigéria,

Camarões, Chade, Guiné Equatorial, Gabão, República

do Congo, São Tomé e Príncipe), como mais seguro do

que o proveniente do Golfo Pérsico. As fontes princi-

pais no Golfo da Guiné são poços profundos a dezenas

de quilómetros offshore. Nessas plataformas distantes,

problemas como greves, insurreições locais e crime

(como na Nigéria) não colocam nenhum perigo sério.

Além disso, esses campos de petróleo estão mais perto

das refinarias norte-americanas e europeias, tornando

o seu transporte mais barato e fácil de defender.

Angola não é membro da frequentemente difamada

Organização dos Países Exportadores de Petróleo

(OPEC), um clube que inclui regimes como a

Venezuela e o Irão, que dão dores de cabeça aos

Estados Unidos. Deste modo, os estrategas norte-ame-

ricanos cultivaram Angola como um parceiro no Golfo

da Guiné – denominado agora por alguns observadores

como um “lago norte-americano”.

A Chegada de Novos Competidores

A procura mundial por petróleo está a intensificar-se, o

seu fornecimento está a abrandar e pode em breve atin-

gir um ponto máximo. Estas tendências, e a pressão

crescente que colocam sobre os rendimentos angolanos,

estão a reforçar a posição negocial de Angola face às

empresas e governos estrangeiros. A China está hoje a

responder a mais de 40 por centro das suas necessida-

des petrolíferas através de importações – muitas delas

de África. Os investimentos chineses em África, princi-

palmente no sector petrolífero, estão em expansão. À

semelhança dos actores externos mais poderosos, os

negócios petrolíferos são maquilhados com migalhas

vistosas de ajuda. Recentemente, o New York Times

relatou: “Em Angola, que actualmente exporta 25 por

cento da sua produção petrolífera para a China,Pequim

assegurou uma aposta principal na produção de petró-

leo futura com um pacote de US$ 2 biliões de emprés-

timos e ajuda que incluem fundos para as empresas chi-

nesas construírem caminhos-de-ferro, escolas, estradas,

hospitais, pontes e escritórios; instalarem uma rede de

fibra óptica; e darem formação em telecomunicações

aos funcionários angolanos.”4. Adicionalmente, através

de um acordo dissimulado, a China está a construir um

novo aeroporto próximo de Luanda, empregando quase

exclusivamente mão-de-obra chinesa, para grande des-

apontamento de muitos angolanos desesperados por

emprego.Tal como os norte-americanos, a China está a

desenvolver relações militares modestas, fornecendo

equipamentos de telecomunicações e um centro de for-

mação para tropas de combate de elite próximo de

Luanda às forças armadas angolanas.

Para além da recém chegada China, outras potências

comerciais não ocidentais estão a procurar as oportu-

nidades lucrativas oferecidas pela riqueza angolana. A

África do Sul é uma presença comercial principal, for-

necendo cerca de 11 por cento das importações de

bens registados de Angola, bem como serviços bancá-

rios, de consultoria, de saúde e educação, entre outros.

Diz-se que os sul-africanos compraram ranchos e

outras quantidades consideráveis de bens imobiliários,

embora a extensão das suas posses não seja conhecida

publicamente na medida em que eles usam angolanos

como fachada para as suas aquisições.

Em termos culturais e históricos, o compromisso com

o Brasil tem sido sempre importante. O Carnaval de

Vitória, realizado anualmente em Luanda, é uma

reprodução do Carnaval do Rio de Janeiro. Os investi-

mentos brasileiros em supermercados e firmas de cons-

trução têm crescido desde 1990. Muitas destas activi-

dades são suportadas com créditos brasileiros concedi-

dos em troca de petróleo angolano. O Brasil fornece

4 Nota:Tradução própria. ‘Q&A: China, Africa, and Oil’ New YorkTimes, 18 Janeiro 2006.

Angola: e onde está a “boa governação” do mundo? David Sogge

5

cerca de seis por cento das importações angolanas

registadas. Entre ambos os países, há grandes fluxos

não oficiais. Diariamente, centenas de angolanos carre-

gados com bens comerciais chegam a Luanda em gran-

des aviões de transporte de viagens de reabastecimen-

to ao Rio de Janeiro e a Joanesburgo. Membros da

elite angolana armazenam a sua riqueza em bancos

brasileiros. Conselheiros económicos brasileiros trabal-

ham nos principais ministérios angolanos.

Imperativos semelhantes em negócios petrolíferos e

bancários estão a atrair interesses espanhóis, portu-

gueses e de outros países europeus. Em 2003, o banco

inglês Standard Chartered Bank organizou um consór-

cio de bancos da Europa ocidental para fornecer um

empréstimo enorme de US$ 1.15 biliões, seguido em

2004 por um empréstimo compacto de US$ 2.25

biliões, com juros altos, à companhia petrolífera esta-

tal angolana. No seu conjunto, os países da União

Europeia estão menos dependentes do que os Estados

Unidos das importações de petróleo do Golfo da Guiné

(incluindo as angolanas). No entanto, Espanha e

Portugal, que importam mais de 20 por cento do seu

petróleo do Golfo da Guiné, são excepções ao padrão

europeu. Portugal é o fornecedor mais importante de

bens a Angola, e em 2004 o país europeu somava 18

por cento das importações registadas. Portugal tam-

bém está activo na área bancária; o Banco Fomento

Angola, filial totalmente na posse do banco português

BPI, tornou-se o banco comercial mais importante, e

está a dar empréstimos para o desenvolvimento do sec-

tor petrolífero e para iniciativas tais como a renovação

das companhias aéreas nacionais angolanas.

Em suma, os fluxos angolanos de petróleo e rendimen-

tos estão a estimular o espírito animal do comércio

global e os cálculos dos geo-estrategas. À medida que

cresce a corrida pelos seus favores, as elites angolanas

encontram-se em posições negociais cada vez mais

poderosas. Porém, na balança está a solidez da sua

posição para com os cidadãos comuns.

Sombras Onshore

A economia angolana, de cariz maioritariamente offs-

hore e elitista, está a crescer. Mas onshore, no terreno

da economia do dia-a-dia) emergem sombras imensas:

pobreza e incapacidade.

Apesar de a forma geral da economia ser amplamente

conhecida, a existência de informação detalhada está

longe de ser de confiança ou completa, mesmo no con-

texto da África Subsahariana5. Porém, tomando em

consideração os dados existentes como estimativas

indicativas, existem provas para sustentar as seguintes

conclusões:

A maioria dos angolanos sofre de pobreza material

crónica. Em 2001, 68 por cento da população vivia

abaixo da linha oficial da pobreza de US$ 1,70 por

dia; 28 por cento vivia abaixo da linha da pobreza

extrema, US$ 0,76 por dia. Nas cidades, três em cada

quatro pessoas não consomem o número mínimo diário

de calorias que necessitam, porque não têm recursos

para elas.

Os angolanos têm vidas curtas e doentes. Em 2002, a

Organização Mundial de Saúde (OMS) estimou que a

esperança média de uma vida saudável à nascença

para um angolano é de 33,4 anos (valor baixo, mesmo

para África), e que pode perder uma média de 17%

dessa vida para doenças e incapacidade – uma propor-

ção grande, mesmo para África.

A desigualdade está a crescer. Em 2001, os 10 por

cento mais ricos da população recebiam 42 por cento

da receita nacional.Nas áreas urbanas, o índice de Gini

de desigualdade de renda aumentou de 0,45 em 1994-

5 Desde 1970 que não é feito um censo geral da população.A infor-mação sistemática é duvidosa ou simplesmente inexistente devido à gue-rra e convulsão social, limitações em capacidades e falta de organiza-ção para pesquisa. No entanto, alguns funcionários angolanos desenco-rajaram simplesmente a pesquisa sobre a situação socio-económica.Mercedes González de la Rocha, 2001, Choices for the Poor: Lessonsfrom national poverty strategies, Nova York: UNDP;http://www.undp.org/dpa/publications/choicesforpoor/ENGLISH/CHAP08.PDF

Angola: datos comparativos8

Angola África subsahariana

Esperança de vida à nascença 41 anos 46 anos

Desnutridos como % da população total 40 % 30 %

Crianças menores de 5 anos moderada ou gravemente abaixo do peso normal 31 % 40 %

Taxa de matrícula escolar;nível primário 61 78

Taxa combinada de matrícula nos 3 níveis educacionais 30 50

Mortalidade, abaixo dos 5 anos,por 1000 260 179

Mortalidade, 0-1 anos,por 1000 nados-vivos 154 104

Mortalidade materna por 100,000 nascimentos 1700 1300

População com acesso a água potável melhorada 50 % 58 %

População com acesso a serviços sanitários melhorados 30 % 36 %

Índice Desenvolvimento Humano 2003 0.445 0.515

Índice de Pobreza Humana HPI-1 41.5 42.8

PIB per capita (PPP US$) $ 2344 $ 1856

Dados de vários anos no período 2000-2004

Próximo do final da era colonial, Angola estava num

caminho deformado, mas ainda assim dinâmico, de des-

envolvimento agro-industrial, com uma estrutura de

classe correspondente. O Banco Mundial raramente

apresenta análises de classes em qualquer país. Mas

fê-lo em 1991, identificando as classes principais (à

parte dos residentes rurais não assalariados ou cam-

poneses) da seguinte forma:

– Uma classe dominante de proprietários ausentes,

residentes maioritariamente na Europa;

Relatório 23

6

95 para 0,51 em 20016. O acesso a serviços de saúde

e de educação de qualidade, ambos em fase crescente

de privatização, é um privilégio que apenas pode ser

sustentado pelos mais ricos.

Em termos comparativos, Angola encontra-se numa

posição pobre nas classificações mundiais sobre des-

envolvimento e pobreza. Dos 103 países em vias de

desenvolvimento que constam do Índice de Pobreza

Humana do Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento (PNUD) de 20057, Angola classifi-

cou-se em 83º, entre a turbulenta Costa do Marfim e

a República Democrática do Congo [ver dados da

tabela].

A pobreza material difere em alcance e intensidade

entre a cidade e o campo, entre mulheres e homens, e

entre regiões diferentes. As explicações para a pobreza

são muitas e controversas. No entanto, o atraso das

tecnologias e a falta de know-how – citadas constante-

mente como as razões da pobreza angolana – só expli-

cam algumas das causas desta pobreza persistente.

Esta realidade é explicada através do recurso a algu-

ma história económica. Nas décadas de 50 e 60, a

economia onshore de Angola era tudo menos atrasa-

da. O Planalto central, o coração agrícola, tinha um

dos sistemas de cultivo comercial mais avançados de

África, baseado numa produção de pequenos proprie-

tários. Foram os agricultores africanos, e não os colo-

nos portugueses, que tornaram Angola num exporta-

dor bruto de bens alimentares. No que diz respeito à

quantidade de força produtiva assalariada, Angola

tinha um dos maiores proletariados africanos fora da

África do Sul.

6 Mário A. Sousa (2002), Angola Country Paper, InternationalConference on Poverty Reduction Strategy in Africa, Lusaka, Zambia,Junho.

7 O Índice de Pobreza Humana (IPH-1) mede a pobreza em paísesem vias de desenvolvimento. Centra-se sobre privações em três dimen-sões: longevidade, medida pela probabilidade à nascença de não sobre-viver aos 40 anos; conhecimento, medido através da taxa de analfabe-tismo adulto; e o aprovisionar de mantimentos, públicos e privados, emtermos gerais, medido pela percentagem de pessoas que não utilizamfontes de água melhoradas e a percentagem de crianças desnutridascom idade inferior a cinco anos.

8 Fontes: Estatísticas das Nações Unidas, http://unstats.un.org/unsd/mi/mi.asp;Relatório de Desenvolvimento Humano do PNUD 2005.

Angola: e onde está a “boa governação” do mundo? David Sogge

7

– Homens de negócios/empresários de posição elevada,

incluindo administradores e oficiais militares;

– Uma classe média mais baixa de pequenos proprie-

tários, funcionários subalternos e empregados assa-

lariados;

– Um proletariado urbano e rural;

– Um ‘lumpenproletariado’ nas áreas urbanas9.

Uma explicação completa da pobreza e do poder social

em Angola explicaria o modo como esta estrutura de

classe mudou no período pós-colonial – e como muito

dela permaneceu igual.

A pobreza material e a desigualdade de hoje são assim

causadas por uma economia política mais antiga. Mas

a guerra e a nova economia política extractiva refor-

maram fundamentalmente a sociedade e a política.

Tanto na guerra como na economia, as apostas políti-

cas têm sido elevadas e as lutas intensas. Os cidadãos

angolanos enfrentaram as consequências, tanto ime-

diatas como de longo-prazo. Entre as consequências

que ajudam a explicar a pobreza, a desigualdade e a

exclusão, encontramos as seguintes:

• Colapso dos sistemas agrícolas anteriores e da eco-

nomia ‘onshore’.

Com a partida apavorada, em 1974-75, dos colonos

portugueses que tinham monopolizado o comércio

rural, ocorreu um colapso dos circuitos económicos

vitais de mão-de-obra, gado, transporte, armazena-

mento e comércio de mercadorias. A “fome de bens”

resultante diminuiu os rendimentos dos agricultores e

negou-lhes investimentos cruciais, como arados e ferti-

lizantes. Esgotaram os excedentes agrícolas para

exportação e consumo urbano secaram. Seguiram-se

outros choques induzidos politicamente: recrutamento

forçado de habitantes rurais para os exércitos, aban-

dono oficial de pequenos produtores e arrebatamento

indevido de bens. A liderança de Luanda teve de ali-

mentar as cidades e o exército com comida importada.

Não havia falta de petrodólares para pagar, nem de

comerciantes e agências humanitárias ocidentais pre-

paradas para fornecer comida – muita dela subsidiada

fortemente pelos contribuintes ocidentais. Entretanto,

um anterior dínamo principal da economia angolana –

o café – entrou em colapso devido à guerra e ao enor-

me excedente da nova produção do Brasil, Vietname e

outros produtores tropicais. Outras exportações agrí-

colas também entraram em colapso. O abandono da

agricultura está a ocorrer em toda a África subsaha-

riana, mas em nenhum outro local se deu de forma tão

precipitada.

• Deslocação populacional

Em 1970, apenas 15 por cento da população, cerca de

850 mil pessoas, era residente urbana.Hoje, após déca-

das de urbanização forçada, pelo menos metade dos

angolanos, talvez sete milhões de pessoas, vive em cida-

des. À medida que os serviços de água, de sistema de

esgotos, de saneamento e de energia se deterioraram e

pouco tendo sido desenvolvido desde 1974, a miséria

urbana tornou-se geral e ameaçadora da sobrevivên-

cia. As cidades são esmagadoramente locais de pobre-

za. Durante a guerra, a maioria dos técnicos e profis-

sionais de classe média fugiram do interior. São poucos

os pobres e quase raros os de classe média que vêem

algum sentido em regressar ao campo. Deste modo, a

hiper-urbanização em Angola é permanente e só tende

a aumentar.

• Perda de empregos e transferência de bens

O emprego formal assalariado, quer a tempo inteiro

quer sazonal, nunca recuperou os seus níveis anteriores

à guerra e ao colapso. Os meios de subsistência e os

níveis de vida são hoje mais precários devido a mudan-

ças colossais no acesso (formal e costumeiro) à terra,

habitação e outros bens. A apropriação indevida de

terra no campo, em especial de quintas com infra-

estrutura, intensificou-se com o final da guerra. Nas

cidades, onde as elites começaram a apoderar-se de

apartamentos e de outros bens imobiliários durante a

década de 80, as lutas estão a intensificar-se em espe-

cial sobre terra urbana ocupada por moradores de bai-

rros pobres (musseques).

• Lutas competitivas pela existência

A maior parte das famílias participa numa ou noutra

parte da economia informal de bens (especialmente9 Banco Mundial (1991), Angola: An Introductory Economic

Review, Washington: Banco Mundial, p. 186.

Relatório 23

8

contrabandeados, roubados ou importações isentas de

impostos ou regulações) e serviços (comércio de

moeda, trabalho de reparação, de cabeleireiro, prosti-

tuição, trabalho em minas). O comércio é bem mais

importante que a produção. É um eixo de fluxos nacio-

nais e internacionais de trabalho, incluindo o de terras

distantes na África Ocidental; estima-se que residam

em Angola cerca de meio milhão de migrantes – vir-

tualmente todos sem registo. O controlo sobre os sec-

tores comerciais está geralmente nas mãos de magna-

tas comerciais e oficias do exército com poderes privi-

legiados para importar bens. Os homens e especial-

mente as mulheres no comércio informal, tal como ven-

dedores de rua, sofrem represálias oficiais frequentes.

Nas províncias do nordeste, a exploração diamantífera

atraiu centenas de milhares de trabalhadores, na sua

maioria da vizinha RDC. As autoridades angolanas

intimidaram e, nos últimos anos, expulsaram cerca de

trezentos mil destes migrantes esfomeados por empre-

go, apesar dos protestos internacionais generalizados.

• Fornecimento exíguo e desigual de bens e serviços

públicos

Quase três décadas de guerra e negligência oficial con-

duziram à destruição de escolas, centros de saúde,

estradas, pontes, linhas de electricidade e sistemas de

água. Hoje, os serviços básicos alcançam apenas uma

minoria de pessoas, na sua maioria os mais ricos. Os

serviços são irregulares e de pobre qualidade. A guerra

e o consumo das elites absorveram a maior parte dos

recursos públicos. Um estudo apoiado pelas Nações

Unidas concluiu que nos anos 90, ‘Angola dedicou ao

sector da saúde menos de metade do que os outros paí-

ses da região [África Austral] e ao sector da educação

menos de um terço, em proporção com os gastos totais

do governo’10.

É claro que a guerra explica, pelo menos em parte, a

redução dos gastos. Mas a política das elites também

o explica em grande medida. Os orçamentos governa-

mentais reflectem as preferências de um estrato social

protegido e rico. ‘De 1997 a 2000, os montantes for-

necidos em bolsas para estudar no estrangeiro excedeu

o financiamento fornecido para o ensino superior no

país. A alta percentagem de gastos em bolsas…não

tem paralelo em nenhum outro país africano’11. Em

2001, menos de 35 por cento da população tinha aces-

so aos serviços de saúde estatais; de todos os nasci-

mentos, cerca de 23 por cento foram assistidos por

profissionais de saúde qualificados, em contraste com

uma média de 41 por cento na África subsahariana. A

maior parte dos gastos de saúde vai para serviços

curativos hospitalares, incluindo grandes quantias gas-

tas pela elite na África do Sul e Portugal. Entre

Fevereiro e Junho de 2006, cerca de dois mil angola-

nos morreram devido à cólera – uma doença emble-

mática de serviços públicos de má qualidade e da indi-

ferença da elite para com os pobres (como aconteceu

em boa parte da Europa no século XIX).

Para responder às exigências do FMI em inícios da

década de 90, o governo acabou com os subsídios de

comida para os pobres urbanos. Não tem havido nen-

hum esforço sério em promover emprego para os

pobres, tal como em projectos de trabalhos públicos.

Não existe um sistema público eficaz de protecção

social para os que se encontram em desvantagem cró-

nica e para os idosos, embora uma nova lei de

Protecção Social aprovada em 2004 o torne possível

em princípio. Mas não há sinais alguns de um estado

previdência emergente e são poucos os sinais claros de

uma redistribuição descendente. A maior parte dos

angolanos sobrevive totalmente às custas dos seus pró-

prios recursos, predominantemente de redes familiares.

• Segurança precária e desrespeito por direitos

Os angolanos já não sofrem as violações de direitos

humanos horríficas dos anos da guerra. No entanto, um

relatório de 2005 realizado por uma Representante

Especial das Nações Unidas (NU) confirmou aquilo

que muitos angolanos e observadores externos há

muito denunciam: muitos direitos básicos são abusa-

dos. Os sistemas judicial, policial e prisional desempen-

ham as suas tarefas de forma deficiente – ou seja, des-

empenham-nas tão bem como a maior parte dos10 UNDP, IOM, UNICEF, WHO (2002), Public Financing of the

Social Sectors in Angola, Luanda: UNDP (em parceria com osMinistérios angolanos da Educação, Finanças e Saúde), p. 13. 11 Ibid., p. 70.

Angola: e onde está a “boa governação” do mundo? David Sogge

9

outros sistemas do sector público. Mas o regime colo-

nial e a devastação da guerra servem apenas para

explicar alguns dos défices de justiça e de segurança. A

representante das NU descobriu que as autoridades

demonstram um desrespeito activo pelos direitos e ten-

dem a andar vagarosamente quando instruídos para

melhorar as coisas. Tais atitudes oficiais ajudam a

explicar a impunidade judicial para a polícia e solda-

dos, o desalojamento, as restrições à liberdade de

expressão (especialmente fora de Luanda) e os impe-

dimentos graves à acção colectiva na sociedade civil12.

Em resposta ao relatório da Representante Especial

das NU, o Ministro angolano das Relações Exteriores

denunciou-o como uma interferência nos assuntos

domésticos do país.

Um Dividendo de Paz?

Hoje em dia está-se a tentar resolver algumas insufi-

ciências nos serviços públicos através de uma maior

contratação de novos professores e alguma reconstru-

ção de infra-estrutura social. Mas a maior parte do

investimento público está direccionado para objectos

convencionais de ‘alta modernidade’, tais como uma

super auto-estrada na periferia da cidade capital.

Assim, há ainda que pagar um ‘dividendo de paz’ aos

cidadãos comuns, principalmente aos mais pobres.

Um Estado sem Cidadãos

Os governantes da nação – uma constelação de rentis-

tas políticos, tecnocratas do sector petrolífero e ofi-

ciais militares – gerem o Estado de acordo com os seus

interesses. Há um conjunto de factores que contribuiu

para a centralização do poder: leis, normas e um apa-

relho do sector público herdado dos portugueses; a

busca de sistemas de controlo de um estado socialista;

resultados de lutas pela supremacia no interior do

MPLA13; lutas pela supremacia militar contra os

insurgentes; e fluxos centralizados de receitas das

indústrias extractivas, nomeadamente do petróleo.

A política gira em torno do poder pessoal. O assento

supremo da autoridade reside no Futungo de Belas, o

complexo presidencial numa colina do litoral nos arre-

dores de Luanda. O termo comummente usado

Futungo refere-se ao grupo de personagens e de redes

clientelistas centradas em redor do Presidente Dos

Santos. A política da oposição também gira em torno

dos ‘grandes homens’ – sendo Jonas Savimbi o exem-

plo mais notório – e não parece haver um afastamen-

to, quanto mais um repúdio por tal estilo político.

A democracia multipartidária tem sido a lei da terra

desde 1991. Os partidos da oposição são tolerados,

pelo menos na capital. Porém, para a classe política

reinante, a competição política activa é perturbadora e

indesejável. De qualquer forma, esta foi desencorajada

desde 1992, quando o então cliente dos Estados

Unidos, Jonas Savimbi da UNITA, enviou o país de

volta para a guerra, após uma estreita derrota nas pri-

meiras eleições de sempre no país. Hoje, as autorida-

des não se cansam de informar os ocidentais de que as

eleições são uma prioridade elevada14, mas após adia-

mentos repetidos os angolanos estão ainda a esperar

pela sua segunda oportunidade para votar15.

O verdadeiro centro da política angolana é gerir o

clientelismo e pactos entre elites. A maior parte desta

gestão ocorre de forma discreta e fora do escrutínio

público. Comprar e cooptar opositores é há muito um

13 Em 1977, as forças de segurança impediram uma tentativa degolpe de estado da esquerda; em meados da década de 80, o círculo inter-no de africanos negros seniores do partido estabeleceu a marginalizaçãodos mestiços e figuras brancas do partido, alguns dos quais se mantiverampresos a ideais social-democratas e socialistas dos anos iniciais.

14 International Foundation for Election Systems, InternationalRepublican Institute, National Democratic Institute, 2002, ANGOLAPre-Election Assessment Report, Washington DC, Março.

15 Houve uma forte especulação sobre a realização de eleiçõesantes do final de 2006. No entanto, isso parece pouco provável, de acor-do com uma declaração feita pelo Presidente Dos Santos, no final deJaneiro de 2006.

12 UN Commission On Human Rights (2005), Mission to Angola.Promotion and Protection of Human Rights Human Rights Defenders.Report Submitted by the Special Representative of the Secretary-General on the Situation of Human Rights Defenders, Hina Jilani, NovaYork: Nações Unidas, E/Cn.4/2005/101/Add.2.

procedimento operativo padrão. Os anos 80 assistiram

à criação de centenas de novos postos governamentais

pelo MPLA como forma de recompensar trânsfugas de

um antigo partido étnico-nacionalista, a FNLA,domes-

ticando assim aquele competidor político. Em meados

e finais da década de 90, surgiu um apoio generoso aos

trânsfugas da UNITA, alguns dos quais receberam

posições oficiais importantes.Todos os partidos políti-

cos representados no parlamento recebem subsídios e

privilégios significativos, incluindo habitação e auto-

móveis.

Para além de Luanda, as autoridades anuíram em par-

tilhar alguns rendimentos dos impostos petrolíferos

com duas províncias ricas em petróleo mas escassa-

mente povoadas, Cabinda e Zaire, onde os sentimentos

separatistas estão acesos. Apesar de vários estudos e

planos, de uma legislação nesse sentido aprovada em

1999 e de um Ministério encarregue da questão, uma

descentralização real do sector da administração e dos

gastos públicos está ainda por acontecer. Em algumas

províncias, e com financiamento de doadores, estão a

decorrer algumas experiências para promover a con-

sulta entre órgãos estatais e não estatais. Mas o poder

provincial é supervisionado firmemente desde Luanda.

À partida, as eleições locais deveriam ser realizadas

um ano após as eleições de nível nacional. Se essas

eleições de facto ocorrerem, traduziriam um avanço

muito importante em direcção à responsabilidade

democrática. No entanto, é pouco provável que Luanda

encoraje uma política de descentralização num futuro

próximo, especialmente no enclave petrolífero de

Cabinda e nas zonas diamantíferas do nordeste.

As instituições que não estão directamente sujeitas a

provisões constitucionais, ao parlamento ou outros

tipos de fiscalização, são importantes para a arquitec-

tura do poder em Angola. A principal instituição que

utiliza uma contabilidade ilícita é a empresa petrolífe-

ra para-estatal Sonangol. Como um Estado dentro de

um Estado, ela opera em aliança com empresas petro-

líferas, bancos e outros interesses multinacionais offs-

hore. Juntamente com o Banco Central e o Ministério

das Finanças, conspira para criar “um ‘buraco negro’

para os rendimentos petrolíferos do país, semelhante

ao famoso triângulo das Bermudas onde os navios des-

apareceriam sem deixar rasto”16. Dependente da lide-

rança máxima, tem grande autonomia para negociar

empréstimos para financiar investimentos, compras de

armas ou qualquer coisa que o regime deseje,mas quei-

ra manter à margem do conhecimento público. O acor-

do permitiu ao governo angolano resistir até mesmo às

pressões do Fundo Monetário Internacional (FMI). As

contas da empresa diamantífera nacional de Angola,

Endiama, são ainda menos transparentes.

Estas dinâmicas aquisitivas, e o costume de manter as

coisas encobertas e impunes, ilustram as utilizações da

desordem como um instrumento político17. Esta forma

de gerir o poder político – uma autoridade opaca e

irresponsável, uma ordem legal fraca e corrupta, fron-

teiras mínimas entre os sectores formal e informal,

uma cumplicidade activa das empresas estrangeiras,

etc. – também está presente na política doméstica e

nas relações internacionais de outros Estados africa-

nos, incluindo aqueles que não sofrem guerra nem

grandes oscilações políticas. Mas as condições existen-

tes e a riqueza disponível em Angola fizeram da desor-

dem um mecanismo especialmente eficaz, que serve

um conjunto diverso de interesses. Por detrás do fumo

e do caos da guerra, a desordem foi útil tanto para o

MPLA como para a UNITA.

Os cidadãos são actores periféricos. A reciprocidade

entre o Estado e os cidadãos é virtualmente inexisten-

te. Não existe nenhum contrato político-social, através

do qual os cidadãos concordem em respeitar exigências

legítimas (tais como o pagamento de impostos, cum-

primento do estado de direito, etc.) em troca da recep-

tividade estatal, dentro das suas capacidades, em res-

peitar os direitos dos cidadãos de forma ampla e justa.

Salvo raras excepções – recentemente um grupo de

camponeses desafiou uma decisão governamental em

tribunal18 – os cidadãos carecem de meios públicos de

confiança para rectificar injustiças. Encerrar este

Relatório 23

10

16 Tony Hodges (2001), Angola. From Afro-Stalinism to Petro-Diamond Capitalism, Oxford: James Currey, p. 124. Para mais detalhes,ver Global Witness (1999), A Crude Awakening, Londres.

17 Patrick Chabal & J-P Daloz (1999), Africa Works. Disorder asPolitical Instrument, Oxford: James Currey.

18 Fernando Pacheco, comunicação pessoal.

fosso imenso entre os cidadãos comuns e a classe polí-

tica é um desafio principal.

No período colonial, os africanos não eram considera-

dos cidadãos; não tinham importância em termos polí-

ticos porque eram indígenas e subalternos. Não obs-

tante, eram necessários pelo seu trabalho, os seus

impostos e, até certo ponto, pela sua capacidade de

consumir bens portugueses. Hoje, os angolanos podem

ocasionalmente ter importância em rituais políticos

(como “rebanho eleitoral”) mas não muito em termos

económicos, na medida em que a maior parte do que a

classe política necessita pode ser obtido sem trabalha-

dores, impostos e consumo angolanos. A “maldição dos

recursos” é fundamentalmente uma maldição política,

na medida em que destrói a reciprocidade entre gover-

nantes e governados.

Angola ilustra um aspecto da globalização e governa-

ção surpreendentemente pouco estudado: o engrande-

cimento das elites em África pode corroer a prática

democrática no Ocidente. Na década de 90, persona-

gens seniores do partido francês Gaullist e da CDU

alemã encheram os cofres dos seus partidos (e talvez

as suas contas bancárias pessoais) através de esque-

mas complexos com base em rendimentos petrolíferos

angolanos e de outros países africanos. Alguma desta

corrupção foi denunciada no escândalo do

“Angolagate” de 1999-2003. Graças à firmeza de fun-

cionários judiciais franceses, empresários importantes

e um antigo Ministro dos Negócios Exteriores francês

foram perseguidos pelos seus crimes. Dinheiros angola-

nos também foram detectados em campanhas políticas

e de advocacia nos Estados Unidos19.

Poder para a Mudança

Será Angola uma nação condenada à governação auto-

crática e à consolidação de privilégios e pobreza num

estrato social semelhante ao de castas? O que poderá

fazer o país sair de uma zona perigosa de autocracia

para um caminho emancipador rumo a uma governa-

ção aberta e a um crescimento igualitário?

As forças para a mudança emancipadora podem con-

quistar pontos de influência tanto dentro do país como no

exterior. Numa economia política virada para o exterior

como a de Angola,o que se desenvolve internamente está

intimamente relacionado com o que acontece – ou não –

no exterior.Vamos considerar em primeiro lugar as forças

internas, depois as externas, mas tendo presente que

ambas dimensões se sobrepõem e interagem.

Agentes do Status Quo

As bases económicas da classe política não são com-

pletamente conhecidas, mas os padrões gerais são

detectáveis. De acordo com as percepções populares

angolanas, o poder está nas mãos de “Treze Famílias”;

uma versão revista fala de “Cem Famílias”. Este termo

sugere um regime dinástico baseado em riqueza pro-

prietária e uma base de poder estreita e sem relação

com mérito. A riqueza e a posição política estão inter-

ligadas, mas a riqueza quase nunca é conseguida sem

posição, influência e protecção política. Em Janeiro de

2003, o jornal ‘O Angolense’ de Luanda publicou uma

lista de dez angolanos com bens alegadamente superio-

res a cerca de US$ 50 milhões cada. A maior parte dos

membros da lista são ou eram funcionários do governo

ou do partido governante. Como resposta, o gabinete do

Presidente escreveu ao editor do jornal:“consideramos

a sua desinformação como perigosa, na medida em que

visa não só destruir as personalidades mencionadas,

mas as próprias instituições estatais”20.

Angola: e onde está a “boa governação” do mundo? David Sogge

11

19 Global Witness (2002), All the Presidents’ Men. TheDevastating Story of Oil and Banking in Angola’s Privatized War.Londres.

20 ANGOP, 22 Janeiro 2003.http://www.angola.org/news/NewsDetail.cfm?NID=11579

Depois de 1989, quando o Estado aderiu ao FMI e

começou a privatizar bens públicos, desenvolveram-se

novas formas de enriquecimento para as elites. À mar-

gem do conhecimento público, a elite política vendeu

empresas, quintas, casas e blocos de apartamentos de

propriedade estatal e licenças especiais de exportação

para si e os seus amigos, mesmo para trânsfugas de

partidos rivais. Negócios lucrativos como contratos de

sucatas de metal exportáveis – um recurso abundante

graças à guerra e aos acidentes de carro – eram extre-

mamente bem pagos. Hoje, alguns bens privatizados

geram dinheiro para o partido governante, que se pensa

ter na sua posse cerca de 35 empresas, do sector hote-

leiro e de restauração ao de publicidade.

Deste modo, os rentistas emergiram de funcionários,

militares e empresários que usufruíam de favorecimen-

to político. Alguns bens estão sob propriedade estran-

geira, ainda que os grandes investidores estrangeiros só

consigam entrada caso usufruam de ligações com e de

protecção de angolanos em posições de destaque. É

costume ter angolanos como fachada para os interes-

ses externos, o que deste modo torna difícil verificar os

padrões gerais de propriedade. Comenta-se que os

investidores sul-africanos adquiriram concessões dia-

mantíferas importantes. Os empresários libaneses já

chegaram ao país. É apenas uma questão de tempo até

que os empresários chineses, com os seus bens de con-

sumo baratos, comecem a abrir lojas.

Agentes Internos de Mudança

Nas décadas de 40 e 50, emergiu uma massa crítica de

angolanos que exigia a autodeterminação entre os inte-

lectuais urbanos, funcionários de baixo escalão e

alguns agricultores-comerciantes, particularmente nas

zonas nortenhas de café. As suas mensagens naciona-

listas foram bem recebidas pelo proletariado urbano e

rural e por alguns membros da classe média emergen-

te, ainda que muito restrita.

É possível que hoje surjam algumas pressões modestas

pela mudança junto de funcionários médios do Estado,

como aconteceu durante a luta contra a ordem colonial.

Sindicatos de professores e enfermeiros têm por vezes

demonstrado militância e consequentemente receberam

aprovação pública generalizada. Pode ser que algum

poder desponte eventualmente entre a classe média

comercial – negociantes, transportadores, agricultores e

fornecedores de serviços – com bens e espaços garanti-

dos nos mercados em expansão. No entanto, o sector

empresarial formal não depende da sua capacidade

competitiva nos mercados abertos para prosperar.Antes,

está dependente de ultimar negócios com angolanos bem

posicionados com boas relações nos altos círculos do

governo. Licenças de negócio e outras vantagens são

atribuídas directamente pela classe política ou indirec-

tamente pela sua persuasão sobre investidores e empre-

sários estrangeiros. Não há alternativa ao clientelismo

da classe política dominante. Nestas condições, é impro-

vável a emergência próxima de um bloco profissional e

comercial autónomo e de contra-peso social.

Deste modo, Angola não é muito diferente do

Kazaquistão ou Azerbeijão, países exportadores de

hidrocarbonetos geridos por dinastias familiares e seus

clientes preferenciais. Estas oligarquias dominam o

poder político e detêm ou supervisionam sectores chave

do comércio e da indústria, graças à riqueza petrolífera

e as alianças com investidores estrangeiros. Angola

assemelha-se ao Gabão, rico em petróleo, onde um

governante de uma dinastia rica está no poder desde

1967. No Gabão, as camadas comercial e profissional

não conduziram à emergência de nenhum bloco socio-

político rival, na medida em que essas camadas não têm

uma autonomia real da classe política dinástica, assen-

te no petróleo. Geralmente nestes países, os regimes e a

governação demonstram uma manutenção de poder

extraordinária. Porém, os índices de bem-estar social e

de educação em Angola são menores que no Gabão e

muito menores que no Azerbeijão e Kazaquistão. As

divisões sociais – verticalmente entre classes e horizon-

talmente entre grupos étnicos – são profundamente

acentuadas e em expansão.

Caso o registo histórico angolano possa ser considera-

do um indicador do que poderá emergir no futuro, o

mais provável que persistam blocos socio-políticos

Relatório 23

12

rivais em zonas periféricas. Noutros países exportado-

res de petróleo, como a Nigéria, Congo, Sudão,

Camarões e Chade, emergiram regularmente movimen-

tos de ruptura e reivindicações regionais por receitas

petrolíferas. Nesses casos, as pessoas tendem a sentir-

se prejudicadas por pertencerem ao grupo ou região

étnica “errada” e a exprimir os seus agravos de forma

correspondente. Assim foi o início de décadas de resis-

tência de oposição política armada no enclave rico em

petróleo de Cabinda – oposição previamente encoraja-

da e apoiada por interesses externos, incluindo empre-

sas petrolíferas francesas e regimes clientelistas oci-

dentais hostis a Luanda nos dois Congos.

Após décadas de práticas de terra queimada, tanto

rural como urbana, e de formas incontáveis de abuso e

humilhação, os angolanos estão a lutar com os efeitos

políticos de uma auto-estima colectiva magoada.

Aqueles que são estigmatizados pela sua origem étnica

ou regional podem sentir isto de forma mais aguda – na

selva urbana de Luanda, os Bakongo e Ovimbundo

sofreram por vezes hostilidade violenta. Estes ressenti-

mentos podem ser inflamados por alguns partidos com

objectivos eleitorais. Mas enquanto os partidos depen-

derem dos que estão no topo do comando, permanecen-

do assim expostos à cooptação, é pouco provável que

qualquer esforço para mobilizar pessoas contra Luanda

com base em injustiças étnicas e regionais ganhe força.

Uma outra razão para não esperar uma mobilização

popular activa é a repressão. A polícia angolana usa a

força de forma rotineira para pôr um fim a protestos

públicos, tais como os de famílias expulsas das suas

casas. Existe intimidação explícita por parte das forças

de segurança formais e informais, incluindo a Polícia

de Intervenção Rápida ou ‘ninjas’ e a Organização de

Defesa Civil paramilitar, cujos membros são citados,

num relatório recente do Departamento de Estado

norte-americano, como os ‘principais abusadores de

direitos humanos e responsáveis pela maior parte das

mortes extrajudiciais’21 de Angola. Os relatórios da

Amnistia Internacional e da Human Rights Watch des-

crevem padrões recorrentes de abusos graves pela polí-

cia22. Os cidadãos encaram a força policial como a ins-

tituição menos digna de confiança no país23. Para além

de serviços de segurança oficiais, grupos informais

como o Movimento Nacional Espontâneo – grupos vio-

lentos ao serviço do poder – têm sido enviados para

virar o equilíbrio de força nas ruas.

Por estas razões, e pela memória repulsiva da guerra,

os angolanos estão mais resistentes que nunca a serem

mobilizados para política partidária. Os cidadãos con-

fiam muito pouco em qualquer líder ou partido políti-

co. O inquérito de opinião de 2003 indica uma descon-

fiança popular devastadora relativamente aos partidos

políticos, classificados apenas com uma ligeira dife-

rença acima da detestada polícia. Este facto pouco

surpreende à luz das muitas traições feitas aos cida-

dãos por todas as lideranças políticas. No entanto, não

está claro que os angolanos estejam agora imunes a

apelos políticos a medos raciais, étnicos ou religiosos –

todos critérios previamente usados em contestação

política.

A maior parte dos veículos para uma acção cidadã

emancipadora não é forte, embora alguns tenham aju-

dado a abrir espaços para desafiar o abuso oficial de

direitos civis e políticos e a promover a reconciliação.

Na esfera civil, têm surgido organizações sem ânimo de

lucro desde a descompressão política de inícios da

década de 90. Uma ampla variedade de ONG juntou-

se a vários órgãos de base religiosa. Afirma-se a exis-

tência de 500, embora talvez apenas algumas dúzias

operem a tempo inteiro. A maior parte das ONG repre-

sentam iniciativas da camada média assalariada – pro-

fessores, gestores, padres e do género.A sua orientação

é principalmente para o sistema da ajuda e a sua mis-

tura sempre inconstante de interesses e exigências dos

doadores. A maior parte delas tem como objectivo o

Angola: e onde está a “boa governação” do mundo? David Sogge

13

22 A 2002 report by Amnesty International, Policing to protecthuman rights. Uma análise da prática policial em países da SADEC,1997-2002, recomenda (p. 102) melhorias fundamentais na formaçãopolicial em Angola.

23 International Republican Institute, 2004, Survey Report ofAngola, Washington DC: IRI. http://www.iri.org/pub.asp?id=7676767888

21 US Department of State, 2005, Country Reports on HumanRights Practices for 2004, Volume I, Submitted to the Committee onForeign Relations U.S. Senate and the Committee on InternationalRelations U.S. House of Representatives

fornecimento de serviços básicos de saúde, formação,

educação e desenvolvimento comunitário – algo que é

bem acolhido pelas autoridades governamentais, inca-

pazes de ou relutantes em fornecer tais serviços.Várias

ONG de desenvolvimento demonstram bons princípios

profissionais e algumas delas têm influenciado a políti-

ca pública (tal como sobre direitos da terra) através de

pesquisa de qualidade e de abordagens sofisticadas aos

decisores.

Algumas ONG mais jovens têm-se concentrado sobre

direitos civis e políticos em cenários particulares: resi-

dentes de vizinhanças pobres a sofrerem abusos por

parte das autoridades ou dos proprietários das terras

(tais como despejos forçados); condições prisionais; jor-

nalistas e sindicalistas que enfrentam restrições à liber-

dade de expressão; mulheres vítimas de abuso e violên-

cia doméstica. Constituídas por advogados e usufruindo

da protecção discreta de figuras políticas, líderes religio-

sos e actores externos, tais como a Embaixada da

Suécia e a Fundação Open Society, estas ONG estão a

desenvolver trajectos de eficácia e de credibilidade públi-

ca dignos de registo. A existência de meios de comuni-

cação social independentes fez de Luanda um local onde

a crítica e o debate estão disponíveis regularmente em

jornais semanais e rádios de baixa potência, pelo menos

para a classe média instruída.

No entanto, para organizações de trabalho estrutura-

do, comunitárias e para a maioria dos cidadãos fora

de Luanda, o espaço político para grupos civis que

prosseguem agendas emancipadoras é muito limita-

do. Desde os inícios da década de 90 que a classe

política angolana tem tentado criar os seus próprios

contrabalances na sociedade civil. A mais proemi-

nente é a Fundação Eduardo dos Santos (FES), um

braço de caridade do partido governante, para a qual

os empresários estrangeiros e nacionais são energi-

camente convidados a fazer doações. Noutras esferas

da sociedade civil, surgiram grupos empresariais e

profissionais e associações locais como resposta às

oportunidades em Angola e no exterior. Todas estas

organizações têm que evitar aparentar promover

posições que possam desagradar os governantes do

país.

A fragilidade ou ausência de instituições públicas, tais

como um sistema de tribunais competentes e indepen-

dentes, incluindo a existência de tribunais de pequena

instância para verificar abusos por parte de proprietá-

rios de terras e construtores, limita a possibilidade de

mudança promovida pela pressão cidadã. Instituições

públicas fracas ou ausentes contribuem para a desor-

dem geral que durante muitos anos tem servido favora-

velmente as elites. Ocasionalmente, uma massa crítica

de activistas e intelectuais estabeleceu ligações com

pessoas pobres sob ameaça,mas esses elos são mínimos

e repletos de riscos. É uma espécie de armadilha de

equilíbrio de baixo nível (low-level equilibrium trap).

No plano internacional, o activismo relativo a direitos

ou governação no plano internacional, liderado por

organizações estrangeiras de activistas baseadas em

conhecimento da realidade, como a Global Witness e a

Human Rights Watch, tem sido muito menos inibido e

tem conseguido grandes progressos no que diz respeito

a levantar questões e a definir agendas no comporta-

mento corporativo.

Agentes Externos de Mudança

Há ainda uma outra razão que justifica o facto de os

actores civis permanecerem fracos e o seu espaço políti-

co constrangido. Os cidadãos não importam em grande

medida porque, comparativamente, os eleitorados

estrangeiros têm muito mais peso político sobre a defi-

nição das políticas públicas e mudanças emancipadoras.

Em muitos contextos africanos, as políticas governa-

mentais e o investimento público estão fortemente

dependentes da ajuda dos doadores e de empréstimos

externos. Em Angola, não é este o caso. O sistema de

ajuda apenas se começou a fazer sentir nos finais dos

anos 80, quando se iniciaram vagas de sofisticadas

operações de socorro de capacetes azuis das Nações

Unidas. Houve golpes humanitários publicitários, tais

como a visita da Princesa Diana em 1996, para dar

visibilidade à crise de amputados e minas anti-pesso-

ais.Mas ao contrário de muitos países africanos, a vida

pública angolana não gira em torno da ajuda externa.

Relatório 23

14

Há muito que Angola é conhecida entre os doadores

como um jogador difícil, não cooperante24. A linha de

inclinação da atribuição de ajuda continua a aumentar,

embora algumas agências de ajuda se tenham retirado

devido a resultados medíocres e ao facto de não pode-

rem gastar o seu dinheiro num ritmo regular.

Para Angola, ao contrário de muito no resto de África,

o FMI nunca foi um competidor sério pelo poder sobre

a economia. O governo nunca contraiu um empréstimo

com o FMI nem prestou muita atenção ao seu

Programa Monitorizado (Staff Monitored

Programme), iniciado nos finais da década de 90. Em

2006, Angola ignorou de forma pertinente os avisos do

FMI relativamente ao estabelecimento de um banco

nacional de desenvolvimento, projectado para absorver

até 5 por cento das receitas oficiais anuais de petróleo,

para promover o empreendimento privado nacional.

Em Moçambique, a comunidade doadora vetou rapida-

mente uma proposta governamental semelhante para

um banco de desenvolvimento.

As autoridades angolanas sabem que apenas uma por-

ção modesta da ajuda destinada a Angola em termos

materiais entra realmente no país, para ser usada à

discrição dos angolanos. Sabem que muita dela é

absorvida por expatriados, agências estrangeiras,

empresas de consultoria, ONG e outros intermediários.

Também assistiram à distribuição esmagadora de

ajuda para as Nações Unidas e agências privadas de

ajuda – não para o Estado. As autoridades angolanas

nunca esconderam o seu desejo de supervisionar a

ajuda humanitária e de outro tipo de forma mais pró-

xima. Algumas vezes, também não esconderam a sua

falta de confiança na comunidade doadora, apesar de

procurarem aproveitar-se dela ao mesmo tempo.

Doadores como a Suécia, que começou a investir de

modo maciço num conjunto de sectores de desenvolvi-

mento entre 1977 e 2000, estão agora a colocar um

maior ênfase nos seus objectivos comerciais. Por outro

lado, o governo britânico parece estar a manter o seu

compromisso com Angola, tanto com objectivos de

ajuda como comerciais.

O comércio internacional professa um desejo por um

mundo melhor através da promoção da “cidadania glo-

bal” 25 dos seus membros. Porém, no caso de Angola,

a sua prática real de ‘cidadania global’ é limitada e

degradada. Para as empresas petrolíferas, a responsa-

bilidade social corporativa resume-se a uma coisa:

lucros maiores26. Além disso, as pressões competitivas

e geopolíticas expõem o comércio à manipulação, atra-

vés da qual votos de responsabilidade corporativa são

facilmente forjados. Tal como outros países pobres

exportadores de petróleo, Angola ilustra a falsidade de

muitas reivindicações sobre responsabilidade corpora-

tiva ou, em qualquer caso, a facilidade com a qual as

medidas de responsabilidade corporativa podem ser

abandonadas quando há interesses comerciais em jogo.

Do conjunto de iniciativas de transparência global,

sobressaem dois esforços principais que, caso sejam

colocados em prática, podem promover uma melhor

responsabilidade pública pelas indústrias de hidrocar-

boneto e outras que se encontram, tais como os regi-

mes rentistas, na raiz dos problemas de governação.

O primeiro destes esforços resultou directamente de

investigações à indústria petrolífera em Angola feitas

pela ONG inglesa Global Witness: a iniciativa Publique

o Que Paga27, “uma coligação de mais de 280 ONG a

nível mundial pede a divulgação obrigatória dos paga-

mentos feitos por empresas de petróleo, gás e de explo-

ração mineira a todos os governos para a extracção de

recursos naturais”28. Estabelecido em Junho de 2002,

esse esforço não governamental começou a ameaçar

interesses estabelecidos. O primeiro-ministro britânico

Tony Blair avançou rapidamente com o lançamento de

um esforço oficial paralelo: a Iniciativa de

Transparência nas Indústrias Extractivas (ITIE), que

Angola: e onde está a “boa governação” do mundo? David Sogge

15

24 Ver por exemplo: Sanches, Adérito Alain, 1999, EU Cooperationwith Politically Fragile Countries: Lessons from Angola, ECDPMDiscussion Paper 11. Maastricht: ECDPM

25 Ver, por exemplo, declarações do Fórum Económico Mundial.26 Wiig, Arne e Madalena Ramalho (2005), Corporate social res-

ponsibility in the Angolan oil industry, Working Paper 2005:8, Bergen:Chr. Michelsen Institute.

27 Publish What You Pay (PWYP) initiative.28 PWYP website: http://www.publishwhatyoupay.org/english/

“tem como objectivo aumentar a transparência nas

transacções entre governos e empresas das indústrias

extractivas”29.

Embora insatisfeitas com qualquer das iniciativas, as

empresas globais e os Estados exportadores de petró-

leo favorecem a ITIE, na medida em que a divulgação

da informação está principalmente à descrição das

autoridades nacionais. É flexível e carece de qualquer

sanção real. Em contraste, a iniciativa Publique o Que

Paga não é popular precisamente porque seria obriga-

tória. As empresas e os governos encaram-na como

uma intrusão no segredo corporativo, colocando assim

as empresas em desvantagem face a competidores que

se recusem a revelar seja o que for. A posição oficial

norte-americana, fortemente influenciada pela indús-

tria petrolífera, não favorece esta iniciativa. O seu

objectivo é transferir o peso da transparência das

empresas para os Estados exportadores de petróleo.

Um investigador da Universidade de Stanford conclui

em tom irónico, ‘na perspectiva dos Estados Unidos,

cabe aos governos corruptos publicitar a sua própria

corrupção’30. É difícil evitar a conclusão de que a ini-

ciativa de Blair recebe o apoio das empresas porque

estas sabem que é ineficaz.

A Iniciativa de Transparência nas Indústrias Extractivas

afirma que tem o apoio oficial de Angola.No entanto, de

acordo com investigadores independentes, Angola

‘inventou para si mesma uma categoria de ‘observador’,

evitando desta forma um compromisso para decretar

qualquer princípio da ITIE. É bastante comum que os

contratos de produção contenham acordos confiden-

ciais, e enquanto a ITIE continuar voluntária, não terá o

poder de se sobrepor a eles’31. Por outro lado, as autori-

dades angolanos são claramente hostis face à iniciativa

Publique o Que Paga. Um mês depois do seu lançamen-

to, o parlamento angolano passou uma Lei sobre

Segredo de Estado, tornando as empresas petrolíferas

internacionais sujeitas a perseguição caso tornassem

públicos dados sobre os seus negócios com a empresa

petrolífera estatal angolana Sonangol.

Entretanto, o governo angolano está a fazer o seu mel-

hor para responder à pressão oficial internacional

sobre corrupção e má governação. Em Julho de 2004,

assinou o “Mecanismo Africano de Revisão pelos

Pares” [African Peer Review Mechanism] da União

Africana, apesar de não ter assinado a Convenção

sobre Prevenção e Combate à Corrupção da União

Africana. Em 2003, assinou a Convenção das Nações

Unidas Contra a Corrupção, que entrou em vigor em

Dezembro de 2005. No entanto, e juntamente com

muitos outros (incluindo os Estados Unidos, o Reino

Unido, Espanha e outros) tem ainda que ratificar a sua

adesão a esta convenção.

No entanto, o centro do problema é externo. A indús-

tria petrolífera mundial lança uma sombra enorme,

obscurecendo as perspectivas por uma governação

democrática em Angola, noutros países exportadores

de petróleo e na comunidade mundial no seu todo. A

discrepância entre as intenções públicas internacionais

de melhorar a governação e as práticas reais não é

mais flagrante em nenhuma dimensão que na indústria

petrolífera, particularmente em África. Um perito da

indústria assinala: ‘No Golfo da Guiné, os estrangeiros

exploram o petróleo e vendem-no a si próprios (man-

tendo frequentemente dois conjuntos de livros e guar-

dando a diferença em contas bancárias na Suiça)’32.

Porém, a Convenção das Nações Unidas Contra a

Corrupção requer explicitamente aos Estados que pro-

cessem as empresas por práticas desse tipo.

Longe de praticarem a ‘cidadania global’, as empresas

demonstram regularmente falta de respeito por obri-

gações normais de cidadania. A sua abordagem às

obrigações tributárias ilustra este desrespeito. Desde

Relatório 23

16

29 EITI website: http://www.eitransparency.org/faqs.htm30 MacMillan, John (2005), “The Main Institution in the Country

Is Corruption”: Creating Transparency in Angola, Working Paper Nr.36, Center on Democracy, Development and The Rule of Law StanfordInstitute on International Studies.

31 Platform Research (2005), Pumping Poverty. Britain’sDepartment for International Development and the oil industry, p. 23http://www.foe.co.uk/resource/reports/pumping_poverty.pdf

32 Yates, Douglas (2004), ‘Changing Patterns of Foreign DirectInvestment in the Oil-Economies of the Gulf of Guinea’ in Rudolf Traub-Merz e Douglas Yates (orgs.), Oil Policy in the Gulf of Guinea, Security& Conflict, Economic Growth, Social Development. Berlin: Friedrich-Ebert-Stiftung, p. 49.

2004, as empresas petrolíferas e de gás norte-ameri-

canas detinham legalmente um mínimo de 882 empre-

sas fantoche em locais como as Ilhas Caimão,

Bermudas e Liechtenstein – nenhuma das quais algu-

ma vez produziu uma única gota de petróleo33. Devido

à falta de regulação e ao secretismo generalizados, não

é possível saber quem mantém acumulações de recei-

tas petrolíferas nesses locais. A nível global, estima-se

que empresas e individualidades ricas possuam cerca

de US$ 11.5 triliões em paraísos fiscais completamen-

te fora do alcance e controlo públicos. Estes são fun-

dos que poderiam noutro caso ser utilizados para o

bem comum, exemplificado em coisas tais como os

Objectivos de Desenvolvimento do Milénio.

As empresas petrolíferas são grandes profissionais na

promoção da evasão fiscal, mas não são as únicas. De

acordo com um economista de Oxford, empresas de

todos os tipos recusam regularmente, de forma ‘legal’

e ilícita, cerca de US$ 100 milhões por ano em paga-

mento de impostos que devem aos governos de países

de baixo rendimento34. Questionado sobre este desvio

massivo, o economista e Nobel Joseph Stiglitz respon-

deu, ‘É do interesse de alguns dos interesses dos ricos

permitir que isto ocorra. Não é um acidente; poderia

ter sido acabado a qualquer momento’35.

Grandes empresas de petróleo e de gás estão a basear-

se nos seus acordos contratuais com autoridades

nacionais em locais como Angola (Acordos de Partilha

de Produção [Production Sharing Agreements] e

Acordos com o Governo-Sede [Host Government

Agreements]) para ‘conseguir um controlo quase abso-

luto não apenas sobre as leis referentes às suas activi-

dades mas sobre o próprio desenvolvimento dos recur-

sos naturais’ dos Estados em questão’36. Um maior

poder sobre países como Angola surge de Tratados

Bilaterais de Investimento, que permitem às empresas

‘desafiar as leis nacionais (incluindo leis ambientais),

as regulações administrativas locais, os impostos e

outras acções governamentais que são consideradas

prejudiciais ao valor dos seus investimentos’.

Para que Angola ganhe uma parte justa dos rendimen-

tos petrolíferos e melhore as possibilidades de esses

fundos beneficiarem o povo angolano, é exigida trans-

parência sobre todos os fluxos. Essa exigência devia

abranger não apenas os recursos geridos pela elite

angolana, o foco usual da atenção, mas também os que

são geridos pelas empresas. Isso faria com que propos-

tas recentes de partilhar os rendimentos petrolíferos

directamente com cidadãos fossem possíveis, tais como

a que foi recentemente apresentada sobre o Iraque na

revista do establishment norte-americano Foreign

Affairs37. Tais propostas podem parecer radicais, mas

apresentam vantagens relativamente às alternativas

existentes no que diz respeito a capturar pelo menos

alguns rendimentos e garantir que estes são gastos de

acordo com regras benéficas em termos democráticos

e sociais. As alternativas existentes, tais como fundos

especiais reservados no Chade e Azerbeijão destinados

a objectivos sociais, não produziram os resultados

esperados.

Apesar de perdas também para os cofres de Estado do

Norte e apesar dos riscos (como foi demonstrado pela

Al-Qaeda), as potências ocidentais continuam surpre-

endentemente a demonstrar uma iniciativa e esforço

mínimos na formulação e implementação de regulaçõ-

es normais sobre estes fluxos não transparentes e não

regulamentados. No entanto, estão em marcha algu-

mas acções modestas e cautelosas com vista à super-

visão e regulação pública que merecem atenção. Duas

entre elas são:

Projecto da OCDE sobre Práticas Fiscais Desleais.

Entre as propostas potencialmente positivas deste

Angola: e onde está a “boa governação” do mundo? David Sogge

17

33 Williams, Bob e Jonathan Werve (2004), Gimme Shelter (FromTaxes). Washington DC: Center for Public Integrity.

34 Cobham, Alex (2005), Tax evasion, tax avoidance and develop-ment finance, Working Paper Number 129, Finance and Trade PolicyResearch Centre, Queen Elizabeth House, University of Oxford.

35 Komisar, Lucy (2001), “After Dirty Air, Dirty Money”, TheNation, 18 Junho, p. 16.

36 Hildyard, Nicolas e Greg Muttitt (2005), Turbo-ChargingInvestor Sovereignty. Investment Agreements and CorporateColonialism, The Corner House, p. 44http://www.thecornerhouse.org.uk/pdf/document/HGAPSA.pdf. DesdeJunho de 2005, Angola só assinou Tratados Bilaterais de Investimentocom Cabo Verde, Portugal, Reino Unido, Itália e Alemanha.

37 Birdsall, Nancy e Arvind Subramanian (2004), “Saving Iraqfrom its Oil”, Foreign Affairs, Julho/Agosto.

esforço existe um modelo de acordo que daria aos

governos o poder para se sobreporem às regras de

secretismo empresarial.

Linhas Orientadoras da OCDE sobre Empresas

Multinacionais. O relatório de 2005 da Comissão do

Governo britânico para os estados africanos afirma:

‘ainda que voluntariamente, os governos da OCDE são

obrigados a promover e a garantir a adesão às linhas

orientadoras. O G8 já se comprometeu a “encorajar a

adopção de princípios voluntários de responsabilidade

social empresarial pelos envolvidos no desenvolvimen-

to dos recursos naturais de África”. Essa obrigação

necessita agora ser implementada’38.

Para além destas medidas oficiais cautelosas, que

dependem da soft law (códigos de conduta, pressões

por parte da sociedade civil) e da boa vontade dos par-

ticipantes, serão necessários passos mais rigorosos e

obrigatórios. A investigação desenvolvida por grupos

de activistas políticos, dos Friends of the Earth à

Global Witness e à Corner House, está a fazer recuar

as cortinas da opacidade ao redor das indústrias

extractivas e dos Estados rentistas autocráticos nor-

malmente associados a elas.

Alguns governos da Europa Ocidental atribuíram fun-

dos modestos e deram apoio a esta pesquisa e propos-

tas de reforma. No entanto, dada a seriedade e o alcan-

ce destas questões, é urgente e necessária uma maior

atenção.Face às tensões imensas e crescentes em torno

dos bens petrolíferos e à sua relação com a repressão

violenta e a resistência violenta em muitos cantos do

mundo, os governos deviam estar a avançar de forma

mais dinâmica rumo à construção de uma base sólida

de conhecimento e consenso público, sobre a qual se

poderia talvez construir leis e instituições capazes de

reduzir os riscos que o actual sistema coloca à paz e à

segurança.

Conclusão

A pobreza e o desrespeito por outros direitos dos cida-

dãos revelam fracassos da liderança angolana, mas

esses não são totalmente da sua responsabilidade,

como se Angola estivesse numa ilha autónoma. Esses

fracassos são reproduzidos quando os governantes e os

incentivos levam a classe política angolana a não ter

que prestar contas nem aos seus cidadãos nem a nen-

huma autoridade pública externa ao país. Os proble-

mas de governação doméstica de Angola são simulta-

neamente problemas de governação global. De facto,

estes não podem ser compreendidos dentro de um qua-

dro de referência estritamente doméstico, o de um

Estado-nação geograficamente limitado.

A cidadania global reivindicada por grandes empresas

não significa apenas direitos, mas também deveres. No

entanto, a maior parte das empresas ocidentais

demonstram um sentido de responsabilidade superfi-

cial e oportuno, limitado essencialmente aos seus

departamentos de relações públicas. Este sentido pode

ainda ser mais superficial em empresas de zonas não

ocidentais, tais como a China, que se estão a expandir

rapidamente para países como Angola. O avanço do

capitalismo pode criar maravilhas de engenharia e de

geração de lucro, mas se o passado é algum tipo de

guia para o futuro, as consequências sociais e políticas

em Angola não serão bonitas. As abordagens de soft

law voluntárias internacionais podem ajudar, mas em

última análise uma lei firme e de implementação públi-

ca é condição sine qua non para que regimes como o

de Angola percam a sua protecção mais importante –

a cumplicidade de grandes empresas e circuitos finan-

ceiros opacos – e sejam forçados a avançar rumo a

uma responsabilidade social e uma governação demo-

crática genuínas.

Relatório 23

18

38 Our Common Interest: Report of the Commission for Africa,section 5.2.4, paragraph 49. cited in:The Corner House and Rights andAccountability in Development,2006,The UK National Contact Point’sPromotion and Implementation of the OECD Guidelines forMultinational Enterprises.

Response to the Stakeholder Consultation

Angola: e onde está a “boa governação” do mundo? David Sogge

19

A proposal for governance of the Gaza strip in the context of the announced Israeliwithdrawal, CITPax, an initiative of Shlomo Ben-Ami, November 2004

El Proceso de Barcelona, diez años después: ¿Un modelo para afianzar la reforma árabe?,Richard Youngs, Enero de 2005

El Islam político: ¿está listo para comprometerse?, Emad El-Din Shahin, Febrero de 2005

Reflexiones sobre la reforma del Servicio Exterior de España, Carlos Espósito,Febrero de 2005

¿Cómo juzgar a los acusados de actos de terrorismo?, Jessica Almqvist, Marzo de 2005

España y Marruecos: ¿hacia una agenda de reformas?, Richard Gillespie, Abril de 2005

Contribución española a la construcción de la paz. Razones y propuestas para la elaboraciónde un Plan de Acción, Luis Peral, Abril de 2005

Los instrumentos de la UE en la prevención y gestión de conflictos, Javier Niño Pérez, Abrilde 2005

España y el Magreb durante el segundo mandato del Partido Popular. Un períodoexcepcional, Laura Feliú, Mayo de 2005

Agresión, crimen de agresión, crimen sin castigo, Antonio Remiro Brotóns, Junio de 2005

Reforma política y perspectivas para una transición democrática en el Golfo Pérsico, JillCrystal, Julio de 2005

Building a New Role for the United Nations: the Responsibility to Protect, Carlos Espósitoand Jessica Almqvist, September 2005

Alliance of Civilisations: International Security and Cosmopolitan Democracy,Kristina Kausch and Isaías Barreñada, October 2005

¿Ayudando a Castro? Las políticas de la UE y de EE UU hacia Cuba, Susanne Gratius,Octubre de 2005

Las amenazas a la seguridad humana y el problema de los medios de acción, Luis Peral,Octubre de 2005

INFORMES Y DOCUMENTOS DE TRABAJO 2004-05

1

2

34

567

8

9

1011

12

13

14

15

Europa e Irak: ¿Hacia una política más constructiva?, Richard Youngs, Noviembre de 2004

Hacia una nueva cooperación española, Silvia Hidalgo y Fernando Espada,Diciembre de 2004

Uso de la fuerza y responsabilidad de proteger. El debate sobre la reforma de la ONU, CarlosEspósito, Junio de 2005

Una Comisión de Consolidación de la Paz para las Naciones Unidas, Jessica Almqvist, Juniode 2005

12

3

4

Relatório 23

20

DOCUMENTOS DE TRABAJO 2005-06

16

17

1819

202122

23

The United Nations’ Responsibility towards Victims of Terrorist Acts,Irune Aguirrezabal Quijera, November 2005

Transition and Legitimacy in African States: The cases of Somalia and UgandaMartin Doornbos, December 2005

Facing the Victims in the Global Fight against Terrorism, Jessica Almqvist, January 2006

Failing States or Failed States? The Role of Development Models: Collected Works; MartinDoornbos, Susan Woodward, Silvia Roque, February 2006

Defining ‘Terrorism’ to Protect Human Rights, Ben Saul, February 2006

Democracia y Seguridad en Oriente Medio, Richard Youngs, Marzo de 2006

La recuperación del conflicto armado: Lecciones aprendidas y próximos pasos para mejorarla asistencia internacional, Megan Burke, Abril de 2006

Angola: La “buena gobernanza” global también es necesaria, David Sogge, Junio de 2006

David Sogge

21

www.fride.orgFelipe IV, 9 1º Dcha. 28014 Madrid – SPAIN. Tel.: +34 915 22 25 12 – Fax: +34 915 22 73 01. Email: [email protected]

Do Equador à Guiné Equatorial, os países exportadores de petróleo mais pequenos estão a tornar-

se alvos não apenas para os investidores, mas também para os geo-estrategas. Angola não é uma

excepção. No entanto, como tantos outros casos controlados pelos petrodólares, Angola ilustra mui-

tos dos sintomas do Estado rentier: a existência de políticos, empresários e accionistas que usufruem

de montantes colossais nas suas contas bancárias enquanto os cidadãos comuns enfrentam défices

colossais nos serviços públicos, meios de subsistência e governação legítima.

Este artigo oferece uma rápida leitura destes horizontes relativamente a Angola, nomeadamente:

• A competição internacional pelo petróleo e dinheiro angolanos está a intensificar-se; os

europeus e americanos deixaram de ser os únicos competidores em jogo;

• A pobreza e a desigualdade projectam sombras enormes na vida do país; após quase 30 anos

de guerra, o esperado “dividendo de paz” ainda está para chegar à maioria dos cidadãos;

• Internamente, a posição da classe política angolana parece inquestionável, na medida em que

controla poderes clientelistas enormes e não é confrontada com uma oposição doméstica

importante. É pouco provável que esta situação sofra alterações na ausência de qualquer

estrato/camada social que sirva de contrabalanço, tal como o que pode emergir do comércio ou

produção agrária;

• Externamente, a posição da indústria do petróleo dá-lhe capacidade de influência. No entanto,

é pouco provável que se use esse poder para alcançar transparência e normas democráticas sem

a existência de uma pressão pública internacional. Levar as empresas da indústria do petróleo

(petroleiras) a comportarem-se como cidadãos globais não é impossível. Existem algumas

iniciativas globais que sugerem caminhos exequíveis, mas necessitam de muito mais apoio

político e implementação profissional – ambas dimensões inexistentes hoje em dia na gestão da

economia global.

• Deste modo, Angola coloca desafios de democratização e emancipação da pobreza, não só ao

nível nacional mas também ao nível de uma governação responsável e aberta ao nível global.

Angola tem sido profundamente marcada pelas suas relações externas. Este artigo procura situar as

tendências locais num contexto de poderes e fluxos globais, especialmente os relacionados com o

petróleo e os seus enormes rendimentos – as riquezas que têm gerado guerra, corrupcão e pobreza.

NEPNúcleo de Estudos para a Paz

Centro de Estudos Sociais Universidade de Coimbra