anestesia em revista 2/2017 - sbahq.org

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hps://www.sbahq.org Ano 67 | abr/jun de 2017 | Nº 02 ISSN 2446-9343 S ER D IFERENTE É N ORMAL Isabela de Fátima Maranhão

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https://www.sbahq.org

Ano 67 | abr/jun de 2017 | Nº 02

ISSN 2446-9343

Ser Diferente é normal

Isabela de Fátima Maranhão

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Os artigos publicados na Anestesia em revista são de inteira responsabilidade dos seus respectivos autores

Foto do Sumário: 21 de Março - dia Internacional da síndrome de Down.

Capa: Isabela de Fátima Maranhão - filha de Marcius Vinicius Mulatinho Maranhão - associado da SBA.

Conselho Editorial: Ricardo Almeida de Azevedo, Sérgio Luiz do Logar Mattos, Tolomeu Artur Assunção Casali, Augusto Key Karazawa Takaschima, Enis Donizetti Silva, Rogean Rodrigues Nunes e Erick Freitas Curi.

Diretor Responsável: Erick Freitas Curi.

Editora: Mercedes Azevedo.

Diagramação: Marcelo Marinho.

Impressão e Acabamento: Walprint Gráfica e Editora - Tiragem 12.000 - Distribuição Gratuita.

Importante: mantenha seu cadastro atualizado, cadastre seu e-mail na SBA.Rua Professor Alfredo Gomes, 36 - Botafogo - Rio de Janeiro - RJCEP 22251-080 | Tel.: (21) 3528-1050 - E-Mail: [email protected] - Portal: www.sbahq.orgFanpage: https://www.facebook.com/sociedadebrasileiradeanestesiologia - YouTube: https://www.youtube.com/user/SBAwebtv

Expediente

No dia 21 de março comemora-se o Dia Internacional da síndrome de Down (SD).

A data foi criada em 2006 com o objetivo de valorizar as pessoas com a síndrome, conscientizar a sociedade sobre a importância da promoção de seus direitos e, assim, permitir que elas tenham vida plena e digna, como membros participativos em suas comunidades.

O diagnóstico da SD se realiza mediante o estudo cromossômico (cariótipo), através do qual se detecta a presença de uma trissomia no cromossomo 21. Como a SD é uma alteração cromossômica, é possível realizar um diagnóstico pré natal utilizando diversos exames clínicos como, por exemplo, a amniocentese (pulsão transabdominal do liquido amniótico entre as semanas 14 e 18 de gestação) ou a biópsia do vilo corial (coleta de um fragmento da placenta).

Sumário060708

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36394650

EditorialSBA: uma jovem sociedade, pág. 06.

Palavra de DiretoriaQualidade de Vida do Anestesiologista, pág. 07.

Artigos CientíficosAnestesia no portador de síndrome de Down, pág. 08.

Paciente de alto risco cirúrgico: estamos realmente o identificando?, pág. 17.

Envelhecimento, trabalho médico e anestesiologia, pág. 19.

ArtigosDa cocaína à nanocaína. Perspectivas da era atômica na anestesia regional, pág. 21.

NotíciasRelações Internacionais, pág. 27.

Frente Parlamentar da Medicina, pág. 29.

CETs a caminho da evolução, pág. 30.

Excelência e Qualidade!, pág. 32.

Informações associativas, pág. 33.

OpiniãoAos mestres, com carinho e saudades!, pág. 36.

Responsabilidade SocialMeu bebê nasceu com síndrome de Down. E aí? Detalhes de uma vida, pág. 39.

Prata da CasaMédico e fotógrafo por devoção!, pág. 46.

Campanha de prevenção do suicídio

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SBA EditorialPor Erick Freitas Curi *

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• Colegas,

SBA: uma jovem sociedade

A juventude não pode ser defini-da pela idade cronológica. É um estado que se relaciona constante-mente com a capacidade evolutiva, flertando com o novo e fiel às expe-riências conquistadas.

Com 69 anos, a SBA é uma jovem sociedade, e esta edição da Anestesia em revista nos mostra bem isso. Eis os temas que nos permeiam: preo-cupação com o futuro dos colegas, da especialidade e do mundo; cui-dados especiais com pessoas muito especiais; compromisso constante com a qualidade e a segurança de nossos pacientes.

Se há milhares de anos a humani-dade foi criando meios de tornar o mundo menos inóspito para os seres humanos e consequentemente isso nos permitiu maior longevidade, hoje, nos deparamos com outros de-safios, como fazer de nossos centros cirúrgicos lugares mais aprazíveis, construir pontes sólidas em nossas convivências, laborar de forma sau-dável e chegar à melhor idade da maneira mais digna possível.

O conceito de juventude tratado no início deste editorial é sedi-mentado no artigo intitulado “Da cocaína à nanocaína. Perspectivas da era atômica na anestesia regio-nal”, por meio do qual a jovem autora nos traz o passado, critica o presente e joga luz no futuro dos anestésicos locais.

Esta edição ainda nos convida a outra reflexão muito necessária nos dias de hoje. Em consequên-cia da crise política, financeira e, principalmente, moral vivenciada em nosso país, não é incomum ou-virmos pessoas querendo deixar a nação brasileira. A SBA tem feito o caminho inverso. Tem desenvol-vido políticas internacionais que visam à cooperação mútua com grandes entidades da anestesiolo-gia mundial. Somos protagonistas na Frente Parlamentar da Medi-cina. Nossos centros de ensino e treinamento se aperfeiçoam para uma formação profissional cada vez mais moderna e qualificada. A SBA acredita no Brasil.

A sustentabilidade das ações da SBA se dá através de pilares insti-tucionais esculpidos em terreno rochoso. Para isso é indispensável estabelecermos parcerias qualifi-cadas e de excelência. Assim clas-sificamos nossa assessoria jurídica Alcântara & Advogados Associa-dos, que, no dia 19 de abril, entrou no nobre ranking dos 500 escritó-rios de advocacia mais admirados do Brasil.

A SBA é assim. Uma evolução qua-lificada e segura.

Boa leitura! ■

* O autor é diretor do Departamento Administrativo e responsável por

esta publicação.

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• Em 2017, a Sociedade Brasileira de Anestesiologia completou 69 anos de existência. Desde 1948, tudo que se refere à anestesiologia no Brasil teve origem na SBA ou, de alguma forma, passou por ela.

Coerente com essa bela e dinâmi-ca história é o fato de que uma das categorias de associados que mais crescem a cada ano é exatamente a daqueles que nasceram na mesma época da fundação de nossa socie-dade. Hoje 1.274 associados, entre homens e mulheres, têm mais de 65 anos; destes, 450 têm mais de 75 anos. Podemos assegurar que uma grande parte desses colegas goza de boa saúde e continua exercendo a especialidade. Alguns certamente por puro prazer – seja pela prática assistencial da anestesia, seja pelo ensino ou até pelo convívio social com outros colegas e pacientes. Mas a maioria, certamente, ainda que tenha prazer no trabalho, o faz por necessidade material.

O problema de pessoas ainda pre-cisarem trabalhar – sobretudo em uma especialidade desgastante como a nossa – em idade avançada, quando esse exercício deveria ser opcional, é a possível negligência com a própria saúde e o descuido

SBA Palavra da DiretoriaPor Sérgio Luiz do Logar Mattos *

com limites pessoais que possam colocar em risco até mesmo os pa-cientes sob seus cuidados.

Mas a verdade é que, com ou sem reforma da Previdência, quase ninguém consegue viver nos dias de hoje apenas com os recursos provenientes de sua aposentado-ria. A exceção são aqueles que se encontram exercendo altos cargos políticos ou no Judiciário, o que certamente não é o caso da imensa maioria dos médicos.

Mais do que nunca são essenciais o planejamento financeiro e o cui-dado com a saúde se quisermos continuar aptos a enfrentar e apro-veitar nosso trabalho com prazer e em boas condições físicas por mais tempo em nossas vidas. Pode pare-cer óbvio, mas é tão difícil que quase todos acabam negligenciando um ou outro aspecto. É muito fácil cair em um dos dois extremos. O mais comum é que o anestesiologista se mate de trabalhar deixando de lado o lazer, a família e os amigos e descuidando da saúde. Falta tempo até para cuidar, de forma adequada, do dinheiro que consegue ganhar. Assim, esse médico, quando chega aos 65 anos, é obrigado a usar todo o capital que conseguiu guardar – e

que não cresceu muito, porque ele não se preocupou em investir bem, nem em aprender como investir – na tentativa, muitas vezes em vão, de recuperar a saúde perdida em tantas noites insones e tanto estresse.

A SBA tem preocupação especial com esse grupo de associados e está passando a dedicar mais espaço, em sua programação, para abordar temas ligados à manutenção da saúde física dos anestesiologistas ao longo de suas carreiras, cada vez mais longevas, mas dessa vez sem se esquecer de abordar o tema Planeja-mento de forma mais abrangente – muito além da escolha de um plano de previdência privada –, que resul-te em uma adequada saúde finan-ceira que venha a lhes permitir um ritmo prazeroso de trabalho ou até mesmo a opção de simplesmen-te deixar de trabalhar a partir do momento em que se sintam reali-zados profissionalmente.

Depois vamos continuar essa conversa.

Um forte abraço! ■* O autor é vice-presidente da SBA.

Qualidade de Vida do Anestesiologista

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sSBA Artigos CientíficosPor Marcius Vinícius M. Maranhão - TSA *

• As alterações cromossômicas ocorrem com uma frequência de aproximadamente 1:1.000 recém--nascidos vivos1. A síndrome de Down (SD), trissomia do cromos-somo 21, ocorre em 1:600-800 nascidos vivos, sendo a alteração cromossômica mais frequente. A cada ano, nascem aproximada-mente 4.400 portadores de síndro-me de Down nos Estados Unidos2. Estima-se que existam cerca de 270 mil indivíduos com SD no Brasil. Nessa população são fre-quentes alterações craniofaciais; cardíacas; respiratórias; endócri-nas; hematológicas; ortopédicas; neurológicas e gastrointestinais. Estas comorbidades podem au-mentar o risco de complicações durante o período perioperatório1-7.

De acordo com os aspectos citoge-néticos, a SD pode ser classificada em três tipos:

Tipo 1 – Trissomia livre do cro-mossomo 21É o tipo mais frequente, com 87% dos portadores de SD. Todas as cé-lulas apresentam 47 cromossomos, e não 46, e o cromossomo extra é do par 21. Ocorre por acidente ge-nético, e em mais de 80% se deve a uma não disjunção cromossômica na meiose materna (óvulo), embo-ra em um pequeno percentual essa

Anestesia no portador de síndrome de Downalteração possa acontecer no lado paterno (espermatozoide). O fator de risco que mais se associa a esse acidente é a idade materna elevada. Mulheres com idade acima de 45 anos apresentam uma incidência de 1:25 recém-nascidos vivos por-tadores de SD. Entretanto, como o número de mulheres jovens que têm filhos é muito maior, a maioria dos pacientes com SD é filho de mães jovens. Como se deve a um acidente genético, não familiar, o risco de recorrência em futuras gestações é de 1% a 2%. O cariótipo nesses casos é: 47, XY + 21 ou 47, XX + 215,7.

Tipo 2 – TranslocaçãoRepresenta 6% dos indivíduos com SD. Todas as células apresentam o número normal de cromosso-mos (46). No entanto, uma parte do cromossomo 21 está aderida a outro cromossomo. Assim, tra-ta-se de uma trissomia parcial, e não uma trissomia completa. Os cromossomos que mais frequen-temente se encontram aderidos ao cromossomo 21 nos casos de trans-locação são os acrocêntricos 13, 14, 15, o próprio 21 e o 22. Nesse caso, o pai ou a mãe pode ser portador de uma translocação balanceada envolvendo o cromossomo 21, com risco de recorrência variando de

10% a 100%, dependendo do tipo de translocação e em qual dos pais o defeito foi detectado. O cariótipo nesses pacientes é: 46, XY, t (...21); ou 46, XX, t (...21)5.

Tipo 3 – MosaicismoAcomete 7% dos indivíduos com SD. Algumas células exibem ca-riótipo normal e outras, trissomia livre do cromossomo 21. Nesses pacientes ocorre acidente genético, não sendo familiar. Geralmente se deve a uma falha na divisão celular em algumas linhagens de células após a formação do zigoto5.

A elevada mortalidade nos recém--nascidos e lactentes com SD ob-servada no passado era decorrente da alta frequência de cardiopatias congênitas nesse grupo de crian-ças. O desenvolvimento de técnicas de cirurgia cardíaca, circulação ex-tracorpórea, anestesia, bem como dos cuidados pós-operatório, possibilitou a correção desses de-feitos o mais precocemente possí-vel, diminuindo significativamente a morbimortalidade5.

Além disso, os modernos méto-dos de estimulação física e mental permitiram melhora acentuada no desenvolvimento dessas crian-ças, facilitando sua integração ao meio social5.

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sCrianças com SD têm, hoje, elevada expectativa de vida, a maioria chegando à idade adulta, com aumento da possibilidade de necessidade de procedimentos cirúrgicos.‘

Hoje em dia não é infrequente reali-zarmos anestesias em pacientes com síndrome de Down. Crianças com SD têm, hoje, elevada expectativa de vida, a maioria chegando à idade adulta, com aumento da possibilida-de de necessidade de procedimentos cirúrgicos. A anestesia e a cirurgia levam a um maior risco nos pacien-tes com SD quando comparados com a população geral, e um manu-seio cuidadoso no perioperatório é essencial para um ótimo resultado anestésico-cirúrgico4,6.

Alterações morfofisiológicas em órgãos e sistemas na síndrome de Down

CraniofaciaisEm geral, as crianças com SD são pequenas para a idade quando com-paradas com a população geral, apresentando reduzida proporção craniofacial1,3,6-7. As alterações cra-niofaciais mais frequentemente ob-servadas são microcefalia; alopecia areata; face achatada; pescoço curto; fenda palpebral oblíqua; pregas epicânticas; orelhas pequenas com implantação baixa; macroglossia; língua saburrosa; microdontia; fusão de dentes e hipoplasia mandibular. O nariz é pequeno e achatado1-3,5-6,8-9. Atresia coanal é mais frequente que na população geral. Nasofaringe es-treita anteroposterior é característica na SD3. Fenda labial e do palato estão associadas à SD2.

CardiovascularesDefeitos cardíacos são frequentes na SD. Cerca de 40% a 50% têm cardio-patia congênita associada. As cardio-patias congênitas mais frequentes são defeito do septo atrioventricular de forma total (40%); comunicação interventricular (17%); persistência do canal arterial (14%) e tetralogia de Fallot (8%), sendo importante, pelo anestesiologista, o conhe-cimento da fisiopatologia dessas cardiopatias para adequado ma-nuseio anestésico1-3,5-7. Todas essas doenças, com exceção da tetralogia de Fallot, cursam com hiperfluxo pulmonar e hipertensão arterial pulmonar. A correção cirúrgica pre-coce evitará hipertensão pulmonar grave decorrente de doença vascular pulmonar (hiper-resistência) com elevada morbimortalidade periope-ratória1-2,6-7. Nas crianças com SD, a hipertensão arterial pulmonar se desenvolve mais precocemente que na população geral1-2,5,7. É impor-tante enfatizar que a hipertensão pulmonar pode ocorrer mesmo sem cardiopatia associada, em virtude da hipoxemia crônica secundária à infecção pulmonar, da hipoventi-lação em decorrência da hipotonia muscular e da apneia obstrutiva do sono1,5,7. Atualmente, a correção cirúrgica das cardiopatias congêni-tas é realizada, na maioria dos pa-cientes, com excelentes resultados. A grande maioria dos pacientes

torna-se assintomática, embora em uma pequena minoria exista a pos-sibilidade de defeitos residuais, que podem inclusive limitar a atividade dessas crianças. Defeitos de condu-ção podem ocorrer após cirurgia para correção de defeitos do septo atrioventricular (coxim endocárdi-co), tetralogia de Fallot e comunica-ção interventricular7.

Existe maior frequência de hiper-tensão pulmonar persistente do recém-nascido em portadores de SD quando comparado com a po-pulação geral2.

Tônus vagal hiperativo é caracte-rístico dos portadores de SD5.

RespiratóriasEstenose laringotraqueal e este-nose subglótica são frequentes em crianças com SD1,3,5,7-8. A laringe apresenta menor diâmetro, evi-denciada por meio de ressonância magnética1,5-7,9-10. Ocorre aumento na frequência de infecção respi-ratória5, e traqueomalácia não é rara1,7. Insuficiência respiratória associada à cardiopatia congênita é um importante fator no aumento da morbimortalidade após cirurgia cardíaca1. Estridor laríngeo depois da extubação traqueal é comum, principalmente em entubações prolongadas. O tratamento dessa complicação é realizado com o uso de nebulização com adrena-lina, corticosteroides e, quando

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necessário, reentubação com tubo de menor calibre1,3,5-6. A hipoto-nia da musculatura lisa da árvore traqueobrônquica justifica a baixa frequência de asma nessas crian-ças11. Processos inflamatórios e in-fecciosos podem causar hipertrofia das adenoides e das amídalas que, associadas a uma epiglote peque-na, que pode prolapsar contra a parede posterior da faringe, além do contato do palato mole com a língua, são causas de obstrução das vias aéreas, apneia do sono e dificuldades na indução e recupe-ração da anestesia1,3,5-6,8.

Do sistema digestivoAs alterações do sistema digestivo são as mais frequentes após os de-feitos cardíacos, sendo importante causa de cirurgia nos primeiros dias de vida4. Ocorre aumento na incidência de atresia duodenal e pâncreas anular, bem como da doença de Hirschsprung1-2,5. Re-fluxo gastroesofagiano e estenose pilórica são comuns3,5,11

Do sistema nervoso centralO retardo mental está sempre pre-sente na SD, contudo, essas crianças apresentam, em sua maioria, eleva-da sociabilidade7. Convulsões estão presentes em 10% dos pacientes5 e existe maior frequência da doença de Alzheimer6,11. Calcificações no gânglio basal ocorrem em 26% a 45% dos pacientes11.

A hipotonia generalizada, associa-da com grande frouxidão ligamen-tar e alterações da coluna cervical, predispõe os pacientes com SD à instabilidade da coluna cervical (atlantoaxial, atlantoccipital e cra-niofacial), devendo ser evitadas a flexão, extensão e rotação exage-rada do pescoço. A instabilidade e subluxação da articulação atlan-toaxial (C1–C2) aumentam o risco de compressão medular, podendo levar à quadriparesia, principal-mente durante a laringoscopia e entubação traqueal, broncoscopia, esofagoscopia, cirurgias otológi-cas e durante punção de veia ju-gular interna1-7,9.12-13. A incidência de instabilidade atlantoaxial em pacientes com SD é de aproxima-damente 15%4. O diagnóstico de certeza é obtido mediante raios X da coluna cervical em flexão e extensão4-5. De acordo com as Diretrizes do Atendimento a Pes-soas com Síndrome de Down, do Ministério da Saúde, independen-temente de um diagnóstico pré-vio, toda criança com síndrome de Down deve realizar um exame de raios X da coluna cervical aos 3 e aos 10 anos para identificar se existe instabilidade atlantoaxial. Em algumas situações, pode ser necessária a realização de tomo-grafia computadorizada e/ou res-sonância magnética. Um intervalo entre a C1 e C2 aos raios X maior

que 4,5 mm em uma visão lateral é considerado instabilidade atlan-toaxial. Quanto maior esse inter-valo, maior o risco de compressão medular. Existem controvérsias sobre se é necessário fazer raios X de cervical em pré-operatório no paciente assintomático4-5,7,12-13. No caso de o paciente apresentar alte-rações neurológicas, raios X da co-luna cervical e a avaliação por um neurologista são obrigatórios13.

Na avaliação pré-anestésica é im-portante o anestesiologista procurar sinais e sintomas de comprometi-mento atlantoaxial, como altera-ções de comportamento (recusa em participar de atividades habituais); comprometimento da marcha; diminuição da motricidade fina; disfunção vesical e/ou intestinal; cefaleia; dor cervical; dificuldade de movimentação da cabeça; vertigem e síncope4-5,12. Durante o exame físico, alguns aspectos deverão ser observados: anormalidades na mo-vimentação da cabeça e do pescoço e dor cervical à palpação; anormali-dade da marcha; fraqueza muscular; espasticidade; aumento dos reflexos tendinosos profundos; reflexo de Babinsk positivo e clono das ex-tremidades inferiores4-5. Subluxa-ção atlantoaxial no período intra e pós-operatório é rara, mas pode causar comprometimento neuro-lógico importante, ainda na sala de cirurgia, e, mais frequentemente,

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sAproximadamente 10% dos recém-nascidos com SD poderão ter doença mieloproliferativa transitória, ...‘

no pós-operatório, levando à ins-tabilidade cardiovascular; apneia; dificuldade de desmame do respi-rador; incapacidade de deambu-lar e quadriplegia12. A prevenção dessa complicação inclui laringos-copia e entubação traqueal suave; manutenção da cabeça em posição neutra durante os procedimentos cirúrgicos; transporte adequado da sala de cirurgia para a sala de recuperação pós-anestésica ou UTI; aspiração atraumática da traqueia; cuidados com o posi-cionamento da cabeça durante a realização de raios X e na punção da veia jugular interna4,12. É im-portante enfatizar que a ausên-cia de instabilidade atlantoaxial, diagnosticada por meio dos raios X da coluna cervical, não garante a ocorrência dessa complicação por causa do manuseio inadequado do pescoço no perioperatório2. Pa-cientes portadores de SD que ne-cessitem de outros procedimentos cirúrgicos, posteriormente, deve-rão realizar raios X da coluna cer-vical no pré-operatório no caso de apresentarem sinais e sintomas de comprometimento neurológico, se houver anormalidade em exame de raios X prévio ou se este foi rea-lizado antes de o paciente comple-tar 3 anos, pois o desenvolvimento ósseo pode ter sido incompleto, e se a cirurgia proposta necessitar que a cabeça e o pescoço perma-neçam em posição não neutra4-5.

O anestesiologista e o cirurgião devem estar sempre atentos para o surgimento de alterações neuro-lógicas no intra e pós-operatório em pacientes com SD e incluir no diagnóstico diferencial instabili-dade, subluxação e luxação atlan-toaxial. Devemos enfatizar que, em caso de compressão medular, o tratamento será mais efetivo se for realizado precocemente4.

EndócrinasExiste aumento na incidência de hi-potireoidismo congênito (4% a 6%) na SD. Cerca de 40% dos adultos apresentam hipotireoidismo5-6. Os sinais clínicos podem não ser signi-ficativos e as dosagens de TSH e T4 livre são recomendadas. Anticor-pos antitireoide são encontrados em um quinto dos pacientes5. Bai-xos níveis plasmáticos de catecola-minas têm sido relatados, podendo explicar a pobre resposta ao estres-se observado nessas crianças1,5-7.

HematológicasA presença de policitemia com hematócrito acima de 70% é fre-quente (34%) no período neonatal, podendo haver necessidade de fle-botomia para aliviar a falência cir-culatória grave. Cerca de 80% dos recém-nascidos podem apresentar neutrofilia e 66%, trombocitope-nia. Os leucócitos são normais em número, podendo, entretanto, ser estruturalmente e funcionalmente

anormais. Leucemia (linfoide e mieloide aguda) apresenta inci-dência 10 a 20 vezes maior que na população geral1-2,5-7. Aproxima-damente 10% dos recém-nascidos com SD poderão ter doença mie-loproliferativa transitória, também conhecida como leucemia mega-carioblástica transitória, que geral-mente desaparece nos primeiros 3 meses de vida2.

ImunológicasPacientes com SD apresentam, ge-ralmente, deficiência imunológica e são suscetíveis a processos infeccio-sos, particularmente do sistema res-piratório5. O sistema imunológico timo-dependente é mais gravemen-te comprometido que o humoral7. Os níveis de gamaglobulina sérica estão acima da normalidade1 e exis-te aumento na incidência de antí-geno de superfície da hepatite B5. Níveis baixos de serotonina podem ter grande significado na etiologia da hipotonia muscular nesse grupo de pacientes1.

OftalmológicasPontos de Brushfield estão presentes em 85% a 90% dos pacientes com SD. Estrabismo e catarata congênita são frequentes, bem como vícios de re-fração, nistagmo e glaucoma1-2,5-6,11.

OsteoarticularesA escoliose está presente em cerca de 8% dos pacientes14. Os ângulos acetabular e ilíaco apresentam-se

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diminuídos. Displasia acetabular é encontrada em 60% a 70% dos casos e instabilidade rótulo-femo-ral, em 12% dos pacientes11. Poli-dactilia é frequente2.

AuditivasPerda auditiva não é rara e geralmen-te decorre de processos infecciosos de repetição. Existe maior incidên-cia de estenose do canal auditivo15.

GeniturináriasPodem ser encontrados: hipoplasia renal; uropatia obstrutiva; micro-cisto glomerular; diminuição da depuração de creatinina; refluxo vesicoureteral; válvula de uretra posterior; hipospádia; criptorquidia e câncer testicular. Hipogonadismo masculino e feminino é frequente. Também pode ocorrer amenorreia primária. Os homens são geralmente estéreis. As mulheres que engravi-dam têm alta probabilidade (50%) de darem à luz uma criança com SD11,16.

Da parede abdominalA hipotonia muscular generalizada é responsável pela maior incidência de hérnias umbilical e inguinal, além de diástase dos músculos retos abdominais11.

Prematuridade/Baixo peso ao nascerA prematuridade (< 36 semanas) está presente em 25% dos recém--nascidos com SD quando compa-rados com a população geral (6,3%)

na mesma faixa etária2. A propor-ção de neonatos com baixo peso (< 2.500g) ao nascer é maior nos por-tadores de SD do que naqueles sem trissomia do cromossoma 21 (14,2% X 4,2%)2.

Manuseio perioperatório do paciente com síndrome de Down

O conhecimento das alterações ana-tômicas e fisiológicas, frequentes na síndrome de Down, é a chave para a diminuição da morbimortalidade perioperatória. História clínica e exame físico cuidadoso, bem como a solicitação de exames complemen-tares, quando indicados, permitem uma adequada avaliação pré-ope-ratória. Como exames complemen-tares de rotina estão indicados a ecocardiografia transtorácica, raios X de tórax e eletrocardiograma para afastar a presença de defeitos cardía-cos1,3,5-7. Hemograma pode eviden-ciar policitemia, trombocitopenia, neutrofilia e leucemia mais frequen-tes1-2.4,6-8. Dosagem de eletrólitos, principalmente nos pacientes car-diopatas em uso de diuréticos, é importante para a detecção de hi-popotassemia. Quando indicados, raios X da coluna cervical em flexão e extensão deverão ser realizados para descartar instabilidade da arti-culação atlantoaxial4-5. Avaliação da função tireoidiana (TSH e T4 livre) é importante, em virtude da alta in-cidência de hipotireoidismo5-6. Deve

ser enfatizado que o hipotireoidis-mo pode ser a causa da dificuldade de saída de circulação extracorpó-rea na cirurgia cardíaca.Outro aspecto relevante é que a maioria desses pacientes faz uso de medicação de uso crônico, como diu-réticos, digitálicos, betabloqueado-res, bloqueadores de canais de cálcio, antiarrítmicos, anticonvulsivantes, hormônio tireoidiano e antidepressi-vos, entre outros, devendo o aneste-siologista ter conhecimento do perfil farmacológico dessas drogas, princi-palmente no que se refere às possí-veis interações farmacológicas com as drogas anestésicas. Essas crianças, em sua maioria, são dóceis e coope-rativas, aceitando facilmente a medi-cação pré-anestésica por via oral. A presença dos genitores, mais efetiva-mente a mãe, em todos os momentos do seu desenvolvimento, sobretudo em períodos delicados quanto à in-tegridade da saúde, é, sem dúvida, o fator de maior peso na conquista do bem-estar, bem como da evolução e resposta terapêutica. Portanto, acre-ditamos ser importante a presença da mãe, sempre que possível, na indução e recuperação da anestesia1.As doses dos benzodiazepínicos utilizados na medicação pré-anes-tésica não diferem das usadas na população geral.Podem-se encontrar dificuldades na realização da punção veno-sa periférica em virtude do maior

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sA proteção dos olhos é importante para evitar complicações pós-operatórias.‘

desenvolvimento do tecido adiposo, podendo ser necessária a colocação de cateter em veia central1,18. Catete-rismo arterial (PAM) também pode ser mais difícil18. O uso da mistu-ra eutética lidocaína-prilocaína (EMLA®), por minimizar a dor das punções venosas periféricas, é dese-jável. Naqueles pacientes submeti-dos a procedimentos invasivos que apresentem cirurgia cardíaca prévia ou entubação nasotraqueal deve-se iniciar antibioticoterapia profilática, visto que essas crianças apresentam, em sua maioria, comprometimento imunológico, estando mais susce-tíveis à bacteremia1,4. Por esse mo-tivo, nos procedimentos invasivos, técnica asséptica é obrigatória, e os cateteres arterial e venoso, a sonda vesical e o tubo traqueal deverão ser removidos o mais precocemente possível, para minimizar a possibili-dade de processo infeccioso5,7.

A escolha da monitoração tran-soperatória baseia-se no tipo de procedimento a ser realizado e das condições clínicas do paciente. Nor-malmente, a monitoração básica (pressão arterial não invasiva, ele-trocardioscopia, oximetria de pulso, capnografia, temperatura e BIS) é adequada. Nos procedimentos de grande porte e em pacientes com condições clínicas críticas, a moni-toração invasiva está indicada.

O controle rigoroso da temperatu-ra com o uso de colchão térmico e

aquecimento dos fluidos de repo-sição é recomendável, visto que os pacientes com SD são mais propen-sos à hipotermia.

O posicionamento do paciente na mesa cirúrgica deve ser realizado com cuidado para evitar lesões de nervos, articulações e ossos em razão da hipotonia muscular. A proteção dos olhos é importante para evitar complicações pós-operatórias1.

Resposta exacerbada ao uso de atro-pina em pacientes com SD que rece-beram a droga sob a forma de colírio e por via venosa tem sido relatada1. Embora o aumento da resposta midriática tenha sido confirmado, estudo posterior não mostrou res-posta aumentada no que se refere à frequência cardíaca em comparação com a população geral. Bloqueio vagal é teoricamente desejável, desde que esses pacientes apresen-tem atividade do sistema nervoso autônomo colinérgica aumentada e baixo nível de catecolaminas circu-lantes. Entretanto, o uso rotineiro de drogas anticolinérgicas na medi-cação pré-anestésica ou indução da anestesia não é recomendável, ne-cessitando de mais estudos1,5-7,19-20.

A literatura não evidencia resposta anormal à maioria das drogas utili-zadas em anestesia como tiopental; propofol; midazolam; cetamina; fentanil; sufentanil; remifenta-nil; succinilcolina; cisatracúrio;

vecurônio; pancurônio; desflurano e xenônio. O uso de óxido nitro-so em pacientes com cardiopatia congênita que cursam com hi-pertensão arterial pulmonar está contraindicado1,6-8,12,21-24.

Os anestésicos inalatórios haloge-nados apresentam efeitos depresso-res cardiovasculares bem definidos. Estudo retrospectivo mostra uma incidência de bradicardia severa associada com a indução inalató-ria com halotano e isoflurano em crianças com síndrome de Down de 3,7%, percentual este superior à população geral na mesma faixa etária, que foi de 0,36%3. Os auto-res enfatizam que a bradicardia é frequentemente refratária ao uso de anticolinérgicos3.

Roodman et al. relataram três casos de bradicardia severa (frequência cardíaca < 100 bpm) e hipotensão com o uso de sevoflurano (concen-trações expiradas de 3,8%-4,5%) na indução da anestesia em pacientes com SD (idade de 5,26 e 42 meses). Em dois pacientes, a bradicardia foi revertida com o uso de atropina e glicopirrolato e em um paciente não houve resposta satisfatória ao uso de atropina, sendo necessário o uso de adrenalina25.

Estudo retrospectivo realizado em uma população pediátrica (idade < 18 anos) de 11.201 pacientes encontrou 96 (< 1%) crianças

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portadoras de SD. A indução da anestesia foi realizada com o uso do sevoflurano. A incidência de bradicardia foi significativamen-te maior nos pacientes com SD quando comparados com o grupo controle (28% X 9%). A pressão ar-terial média apresentou os valores basais após a indução da anestesia com sevoflurano mais baixos no grupo SD. Contudo, a frequência de hipotensão foi semelhante nos dois grupos. A frequência cardíaca diminuiu significativamente nos 10, 15 e 20 minutos após a indução com o sevoflurano, retornando aos valores basais depois de 25 minu-tos. Na maioria dos pacientes, a diminuição da concentração inspi-rada do sevoflurano e as manobras de laringoscopia e entubação tra-queal reverteram a diminuição da frequência cardíaca. Três pacientes (4%) no grupo SD e oito pacientes (9%) no grupo controle foram tra-tados com o uso de atropina, glico-pirrolato e adrenalina. Os autores concluem que o uso profilático de anticolinérgicos na medicação pré--anestésica ou na indução da anes-tesia com sevoflurano em pacientes com SD necessita de mais investi-gação. Entretanto, é prudente ter em mãos uma droga anticolinérgi-ca na indução da anestesia com se-voflurano em pacientes com SD26.

Outro estudo retrospectivo, com 209 pacientes portadores de SD,

no qual a indução da anestesia foi realizada com sevoflurano, mostrou uma incidência de bradicardia e hi-potensão significativamente maior no grupo SD quando comparado com o grupo controle (57% X 12%). O emprego de drogas anticolinér-gicas foi mais frequente no grupo SD que no grupo controle (24% X 0%). Nenhum paciente necessitou de drogas adrenérgicas. Um aspecto importante nesse estudo é que a bra-dicardia e a hipotensão ocorreram independentemente da presença de cardiopatia congênita27.

Nogami et al. relataram parada cardíaca após indução da anestesia com o uso de sevoflurano em um paciente portador de SD subme-tido a tratamento odontológico. Poucos minutos após a indução da anestesia, o paciente apresen-tou bradicardia (FC < 30 bpm), prolongamento do intervalo R-R seguido de assistolia. Depois de poucos minutos de reanimação cardiopulmonar, a frequência car-díaca voltou aos valores normais28.

Os pacientes portadores de SD apre-sentam, frequentemente, disfunção na regulação cardíaca autonômica com resposta vagal exacerbada (re-flexo vasovagal) e inibição da ati-vação simpática, o que justificaria aumento na incidência de bradicar-dia durante a indução da anestesia com anestésicos halogenados, espe-cialmente o sevoflurano2,28.

É importante enfatizar a necessi-dade de disponibilizar, na sala de cirurgia, para pacientes submeti-dos à cirurgia cardíaca e não car-díaca e portadores de hipertensão arterial pulmonar, drogas vaso-dilatadoras da artéria pulmonar, como inibidores da fosfodiestera-se (milrinona), e, se possível, óxido nítrico, para o tratamento da crise de hipertensão pulmonar.

Como vimos anteriormente, as crianças com SD apresentam la-ringe com menor diâmetro, além de maior incidência de estenose subglótica congênita1,5-7,11, por isso, deve-se ter em mãos, quando da entubação traqueal, tubos de dife-rentes calibres para evitar trauma da laringe com graves repercussões1. Geralmente o calibre dos tubos tra-queais no portador de SD é um ou dois números menores do que o pre-visto para a idade7,10. Em virtude da possibilidade de instabilidade da ar-ticulação atlantoaxial, a entubação traqueal deve ser realizada o mais suavemente possível para prevenir isquemia medular. O uso da másca-ra laríngea deve ser considerado nos procedimentos de curta duração. As más-formações dentárias tornam essas crianças mais suscetíveis a traumas dentários durante a larin-goscopia. A macroglossia, o pesco-ço curto, a cavidade oral reduzida e a hipertrofia das amídalas podem dificultar a entubação traqueal,

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sA macroglossia, o pescoço curto, a cavidade oral reduzida e a hipertrofia das amídalas podem dificultar a entubação traqueal, ...‘

principalmente em crianças com idade inferior a 1 ano, embora a maioria dos portadores de SD seja entubada sem dificuldades1-2,4-6,8,29.

A anestesia regional apresenta ótima indicação para os pacientes com SD. Os bloqueios de nervos periféricos, plexo braquial, epidural lombar e sacral, além da raquia-nestesia, podem ser realizados sem dificuldades na maioria dos pa-cientes com sedação e nas crianças, combinados com a anestesia geral. Naqueles pacientes com escoliose importante, pode haver dificuldades na punção subaracnóidea e epidural. A sedação transoperatória pode ser realizada com benzodiazepínicos ou propofol. As doses de anestésicos locais são similares às da população geral. Além de excelentes condi-ções transoperatórias, outra grande vantagem da anestesia regional é a possibilidade de se obter ótima qua-lidade de analgesia pós-operatória, principalmente com o uso de técni-cas contínuas1,30-31.

Manuseio no pós-operatórioExiste maior incidência de agitação no pós-operatório, o que é mini-mizado pela presença dos genitores durante o despertar. Em um núme-ro pequeno de crianças pode haver necessidade de sedação5.

Pacientes com SD apresentam maior incidência de estridor la-ríngeo pós-extubação traqueal,

principalmente em caso de entu-bação traqueal prolongada. Essa incidência varia de 1,83% a 35%1,3. O uso de tubo traqueal com calibre adequado é a melhor conduta para prevenir essa complicação. A equi-pe da sala de recuperação pós-a-nestésica (SRPA) deve estar atenta para diagnosticar e tratar o estridor laríngeo. Toda criança com SD que tenha sido entubada deverá receber oxigênio umidificado na SRPA. No caso do surgimento de estridor, como vimos anteriormente, está in-dicado o uso de adrenalina por meio de nebulização, corticosteroide ve-noso e, quando necessário, reentu-bação com tubo de menor calibre3,5.

Em virtude da maior possibilidade de complicações respiratórias no pós-operatório dos pacientes com SD (estridor, infecção), mesmo nas cirurgias de grande porte, como a cardíaca, optamos por realizar a ex-tubação traqueal na sala de cirurgia desde que o paciente esteja cons-ciente e estável do ponto de vista hemodinâmico e respiratório, bem como sem sangramento importan-te. Em nossa experiência pessoal, na cirurgia cardíaca, a incidência de reentubação é em torno de 3%. É importante enfatizar que pacientes com SD submetidos à ventilação mecânica em unidades de terapia intensiva apresentam elevada in-cidência de complicações respira-tórias quando comparados com a

população geral32. Pacientes com SD submetidos à cirurgia abdomi-nal ou torácica apresentam risco aumentado de infecção respirató-ria, devendo receber fisioterapia regular no pós-operatório.

Da mesma maneira que, durante o transoperatório, o controle da temperatura com o emprego de mantas térmicas, sempre que pos-sível, é recomendável.

Estudo realizado em crianças com SD portadoras de cardiopatias con-gênitas submetidas à cirurgia cardía-ca mostrou que a morbimortalidade pós-operatória foi baixa, semelhante à da população geral, evidenciando que quando essas crianças são con-duzidas adequadamente, os resulta-dos são extremamente favoráveis33.

Dor pós-operatória é uma das principais causas de agitação pós--operatória em crianças com SD, sendo muito importante analge-sia adequada, com o emprego de anti-inflamatórios não hormonais (cetoprofeno, tenoxican), dipirona e opioides em doses usuais34. O tempo de recuperação na SRPA parece ser maior nesses pacientes7.

Por fim, enfatizamos a necessidade da presença da mãe, quer seja na SRPA, quer seja na UTI. Essa con-duta com certeza permitirá um ma-nuseio pós-operatório muito mais tranquilo, com alta para o setor de origem e do hospital mais precoce.

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ConclusõesA síndrome de Down é a mutação cromossômica mais frequente. Pacientes com SD apresentam al-terações anatômicas e fisiológicas em diferentes sistemas orgânicos que podem aumentar o risco anes-tésico-cirúrgico. O conhecimento, pelo anestesiologista, dessas alte-rações diminuirá marcantemente a morbimortalidade perioperatória, permitindo um satisfatório manu-seio anestésico desses pacientes. ■

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* O autor é professor de farmacologia da Universidade de Pernambuco,

Recife, PE; corresponsável pelo CET do Hospital da Restauração,

Hospital Getúlio Vargas e Hospital Universitário Oswaldo Cruz,

Recife, PE; responsável pelo Serviço de Anestesiologia do Hospital

Universitário Oswaldo Cruz, Recife, PE; anestesiologista do NCT do Real

Hospital Português de Beneficência, Recife, PE.

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sSBA Artigos CientíficosPor Vera Azevedo, César Miranda e Júlio Brandão*

• Mais de 230 milhões de cirur-gias de grande porte são realizadas anualmente em todo o mundo. Para a grande maioria da popula-ção, os procedimentos cirúrgicos eletivos oferecem um risco muito baixo, conforme mostraram estu-dos recentemente feitos no Reino Unido, onde a mortalidade em pro-cedimentos cirúrgicos eletivos não cardíacos foi de 0,44%. Tal resulta-do pode ser interpretado como uma consequência da constante evolu-ção do preparo pré-operatório, das técnicas anestésicas e cirúrgicas e dos cuidados pós-operatórios. Em outras palavras, constatamos a evo-lução da medicina perioperatória. Esses números, entretanto, pioram sensivelmente em outros cenários, como nos procedimentos de urgên-cia e emergência, cuja mortalidade foi de 5,4%. Nesse ponto, é impor-tante ressaltar que tais números referem-se à estatística de um país desenvolvido e que se conside-rássemos os números dos países pobres e em desenvolvimento, os valores seriam muito diferentes.

Esses mesmos estudos constataram ainda outros resultados alarmantes e inesperados em relação à morta-lidade. A primeira surpresa foi que a mortalidade global verificada em

Paciente de alto risco cirúrgico: estamos realmente o identificando?

cirurgias não cardíacas na Europa é muito maior do que se acredi-tava, atingindo cerca de 4% dos pacientes. Índices de mortalidade tão diferentes nos levam à óbvia conclusão de que existem determi-nadas subpopulações com maiores riscos e piores índices do que a po-pulação geral. A segunda surpresa foi a identificação de um grupo de alto risco que correspondeu a cerca de 12,5% dos procedimentos cirúr-gicos e que contribuiu com 83,8% dos óbitos. A estatística torna-se ainda mais sombria quando depa-ramos com a terceira e mais ingrata surpresa: de todos os pacientes de alto risco que foram a óbito, menos de 15% deles foi encaminhado à UTI, o que denota uma sistemática falha na estratégia de tratamento e na utilização de recursos. Portanto, cabe a pertinente pergunta: esta-mos identificando o paciente de alto risco? Os resultados europeus inequivocamente dizem que não.

A não identificação do paciente de alto risco piora sobremaneira os desfechos, aumentando muito a mortalidade e o tempo de interna-ção hospitalar. Conforme nos mos-tra a Figura 1, a mortalidade dos pacientes que são encaminhados para a enfermaria e posteriormente

para a UTI atinge alarmantes índi-ces de 40%.

Figura 1 - Adaptado de Pearse RM, Harrison DA, James P et al. Crit Care, 2006;10:R81.

Outro estudo, também feito por Pearse, mostrou que os países euro-peus com menores índices de mor-talidade eram os que dispunham de mais leitos de UTI, e isso, obvia-mente, não é uma coincidência.

Mas quem é esse paciente de alto risco cirúrgico?Atualmente, existem diversos escores de classificação de risco, como ASA, Goldman, P-POS-SUM, APACHE II, entre tantos outros. Essa variedade de esco-res nos leva a crer que nenhum deles contempla a identificação

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sA não identificação do paciente de alto risco piora sobremaneira os desfechos, aumentando muito a mortalidade e o tempo de internação hospitalar.‘

precisa e adequada desse grupo de pacientes de forma plenamente satisfatória dada a complexidade do assunto e das diversas variáveis envolvidas. Entretanto, esses mes-mos estudos que envolveram gran-des populações apontaram quais são os principais fatores que carac-terizam a população de alto risco cirúrgico, a saber: idade maior do que 65 anos; procedimentos de emergência; antecedentes de doenças crônicas cardiovascula-res, respiratórias ou neurológicas e procedimentos com duração acima de 90 minutos. Para se ter

uma ideia do impacto desses fa-tores no desfecho, o trabalho de Pearse e cols. mostrou números bastante expressivos (Figura 2): numa população de 4.117.727 pa-cientes, 513.924 (12,5%) foram considerados de alto risco, e cerca de 454.924 (88,5%) dos procedi-mentos realizados foram cirurgias de emergência, com 63.340 óbi-tos, que significaram 12,3% da po-pulação de alto risco, mas 83,8% do total de óbitos!

De forma grosseira, os pacientes classificados como ASA 3 têm

mortalidade estimada entre 1%-5%, oferecendo um risco intermediário, ao passo que os pacientes ASA 4 e 5 têm mortalidade superior a 5% (Fi-gura 3) e, portanto, fazem parte do grupo de alto risco cirúrgico, sendo fundamental sempre levar em consi-deração o porte cirúrgico do proce-dimento a ser realizado.A questão da identificação do pa-ciente de alto risco cirúrgico é fundamental não só para se esta-belecer o cuidado pós-operatório, mas, principalmente, para definir quais pacientes necessitam de mo-nitorização hemodinâmica mais invasiva e quais se beneficiam com determinadas terapêuticas, pois é no intraoperatório que o desfecho começa a ser definido.

Mas isso é outra história... ■

Referências1. Pearse R M, Moreno RP, Bauer P et al.

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2. Pearse R M, Harrison DA, James P et al. Identification and characterization of the high-risk surgical population in the United Kingdom. Critical Care, 2006; 10:R81.

* Os autores são membros do Comitê de Medicina Perioperatória SBA.

Figura 2 - Adaptado de Pearse RM, Harrison DA, James P et al. Crit Care, 2006;10:R81.

Figura 3 - GDT = terapia guiada por metas.

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sSBA Artigos CientíficosPor Roberto A. Lourenço *

• Não há magia que livre o pro-fissional médico do destino dos demais cidadãos. As sociedades mo-dernas foram talhadas pelo controle do ambiente, incluídas aí ameaças à saúde e à vida. A ausência de pre-dadores; os sistemas de produção e armazenamento de alimentos; a construção de habitações seguras; os sistemas de fornecimento de água e isolamento de esgotos; o conheci-mento científico dos determinantes de doenças e de seu tratamento, tudo isso tornou as sociedades urba-nas modernas e o local ideal para a espécie humana – o animal homem – “crescer e multiplicar” e, principal-mente, envelhecer.

O envelhecimento das populações humanas é um fenômeno universal presente em maior ou menor in-tensidade em todos os continentes. Não é diferente no Brasil, muito pelo contrário, local em que esse processo assumiu formato expo-nencial. Os idosos brasileiros apa-receram de maneira muito rápida ao longo da segunda metade do século 20, modificando a realidade demográfica e epidemiológica bra-sileira com uma velocidade eston-teante, tanto quando consideramos os padrões vistos nos países afluen-tes, de alta renda, quanto quando o que analisamos é o lento padrão

Envelhecimento, trabalho médico e anestesiologiade adaptação do sistema de saúde às necessidades trazidas por esses novos atores sociais.

Do ponto de vista demográfico, o que vimos foi a modificação subs-tancial da distribuição em forma de pirâmide, com a base bastante alargada pela presença de jovens em grande quantidade, para um padrão abalonado, tendendo a, em umas poucas décadas, assumir o padrão em barril, característico de países da Europa, dos Estados Unidos, do Japão e de outros nos quais o processo de envelhecimen-to populacional começou há mais de um século. Formatos à parte, o que teremos, em breve, é um per-fil populacional com uma grande quantidade de idosos e muito ido-sos, com tudo o que isso implica em termos de nosologias característi-cas e aumento do uso de serviços de saúde.

Caberá ao anestesiologista adap-tar-se a uma demanda crescente por serviços destinados a uma população de maior risco anes-tésico, uma vez que, com o en-velhecimento, vêm as doenças crônico-degenerativas; as insufi-ciências orgânicas; a sarcopenia; a fragilidade e outras vulnerabilida-des; a perda de autonomia por dis-túrbios cognitivos e a dependência

funcional associada a patologias orgânicas variadas. No entanto, ao anestesiologista não caberá apenas o papel de ator nesse processo. Ele também sofrerá as consequências do envelhecimento populacional e, como decorrência, o que veremos nos próximos anos será o aumento da faixa etária dos jovens profissio-nais que, nas últimas décadas, têm optado pela especialidade, fazendo com que cresça substancialmente a média de idade dos anestesiolo-gistas que atuam no Brasil, que em 2015 era de 48,8 anos.*

O número de médicos registrados no Brasil cresceu de 13.270, em 1910, para 432.870, em 2015. Ao longo das últimas quatro décadas, o número de médicos por 1.000 habitantes cresceu de forma linear e constante, passando de 1,15 mé-dico por 1.000 habitantes em 1980 para 2,11 em 2015.

Algumas características desse crescimento são a feminização – em 2014, os homens ainda eram a maioria (57,5%), porém, as mu-lheres já constituíam 42,5%, ten-dência que vai aumentando com a diminuição da faixa etária – e o ju-venescimento – a idade média dos médicos em atividade em 2015 era de 45,7 anos, média que vem cain-do ao longo do tempo, resultado da

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sPlanejar uma rotina de vida que inclua alimentação saudável, exercícios físicos, redução da jornada de trabalho, inclusão de períodos regulares de lazer, leitura e vida familiar é uma decisão imprescindível ...‘

entrada de médicos com baixa faixa etária no mercado de trabalho.A medicina é uma profissão de alta adesão – quase 84% dos médicos se dedicam exclusivamente a alguma forma de atividade relacionada à profissão, seja na assistência, ges-tão, administração de serviços, seja na docência, pesquisa ou outra. Além do mais, quase 50% dos pro-fissionais têm três ou mais víncu-los de trabalho, fazendo com que 32,4% e 75,5% afirmem trabalhar mais de 60 horas e mais de 40 horas por semana, respectivamente.A realidade anteriormente aponta-da de envelhecimento populacio-nal e características da profissão médica, naturalmente, sugerem questões futuras importantes para os médicos em geral e os anestesio-logistas em particular.Porque a anestesiologia é uma entre as seis especialidades com o maior registro de títulos (20.898 especialistas em 2015), será ine-vitável que essas características gerais sejam determinantes impor-tantes de envelhecimento e saúde para o anestesiologista.Se, por um lado, o número de médi-cos deverá continuar aumentando nas próximas décadas, tornando o mercado de trabalho ainda mais competitivo, por outro, o grande número de jovens anestesiologistas

que se especializou nas últimas duas décadas deve atingir faixas etárias avançadas, em que vários vínculos de trabalho e carga horá-ria pesada já não podem ser enfren-tados com a mesma pujança das primeiras cinco décadas de vida.

Ainda, a feminização da profissão e, talvez, da especialidade tenha consequências especiais, uma vez que a população feminina, embora vivendo mais tempo que a mascu-lina, sobrevive com mais doenças, mais perda de autonomia e mais distúrbios funcionais, comprome-tendo, portanto, sua capacidade para o trabalho.

Não creio, no entanto, que essas conclusões carreguem exclusiva-mente mensagens negativas. Elas são apenas questões epidemioló-gicas associadas à profissão, cuja mensagem central gira em torno de aspectos preventivos de saúde que todo indivíduo, anestesiologis-tas incluídos, deve adotar para que possa atingir faixas etárias avança-das com qualidade de vida. Plane-jar uma rotina de vida que inclua alimentação saudável, exercícios físicos, redução da jornada de tra-balho, inclusão de períodos regula-res de lazer, leitura e vida familiar é uma decisão imprescindível se a intenção for de não se entregar ao determinante epidemiológico.

Enfim, se como afirmei na primei-ra frase desse texto não há magia que livre o profissional médico do destino dos demais cidadãos, no entanto, existem caminhos alter-nativos para se enfrentar a vida pessoal e profissional, e esses ca-minhos são em grande parte fruto de decisões pessoais. A Anestesia em Revista abordará essas questões futuramente. Saúde a todos! ■ReferênciasTodos os valores estatísticos cita-dos neste artigo foram retirados da seguinte referência bibliográfica: Scheffer, M et al. Demografia Mé-dica no Brasil 2015. Departamento de Medicina Preventiva, Faculdade de Medicina da USP. Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Conselho Federal de Medicina. São Paulo: 2015, 284 pá-ginas. ISBN: 978-85-89656-22-1.

* O autor é MD, MPH, PhD – professor titular de geriatria do Departamento de Medicina da

Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro; professor associado

de geriatria do Departamento de Medicina Interna da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade

do Estado do Rio de Janeiro.

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SBA ArtigosPor Maria dos Prazeres Barbalho Simonetti *

• “A arte existe porque a vida não basta.”

Ferreira Gullar

A criação de anestésicos locais (AL) parou na molécula desenha-da por Ekenstram e col. – a matriz pipecolilxilidida – e nos produtos dela obtidos com os arranjos quí-micos de grupos de átomos que lhe foram apensos. Em ordem cronoló-gica, os grupos metil, butil e propil formaram os agentes mepivacaína, bupivacaína e propivacaína1.

Figura 1 – Os ALs inspirados no modelo natural: 1855 (cocaína) a 2007 (mixicaína). Frequência na utilização.

Figura 2 – A matriz pipecolilxilidida e os compostos oriundos: mepivacaína, bupivacaína e (p)ropivacaína.

Da cocaína à nanocaína. Perspectivas da era atômica na anestesia regional

O esqueleto pipecolilxilidida permi-te uma inferência imaginativa: teria acontecido o encontro da matriz na-tural (cocaína) com a lidocaína, pois que o esqueleto é formado pela cabe-ça xilidida da lidocaína ligada com o terminal (os membros inferiores) dos radicais piperidínicos e pirroli-dínicos da cocaína... Por assim dizer, haveria o encontro de dois produtos naturais: a porção terminal da cocaí-na (originária das folhas do arbusto Erythroxylum coca) e o produto origi-nário de uma gramínea (que inspirou a criação da lidocaína) formando o esqueleto enquanto o tronco perma-nece comum a ambos.

Figura 3 – Radical pipecolilxilidida. Agrupamento anestofórico que “parece” representar o encontro da lidocaína com a cocaína.

Seria possível dizer que essa coinci-dência teria favorecido o fechamen-to do ciclo evolutivo dos ALs que compõem a era dos descendentes

da cocaína. E quiçá a inércia dos pesquisadores para a criação de um novo AL!!! Infeliz coincidência...

Os compostos assim obtidos – com a cabeça formada pelo radical xili-dida da gramínea e com o terminal (membros inferiores) da cocaína – particularizavam-se pela maior eficácia em comparação com seus antecessores (procaína e lidocaí-na), vindo a se constituir nos mais utilizados na atualidade. Os grupos metil, butil e propil, ao se ligarem ao esqueleto pipecolilxilidida, pro-piciam a maior eficácia bloqueado-ra e o prolongamento da duração de ação do bloqueio nervoso. Em contrapartida, mostraram-se mais tóxicos ao atingirem o coração e o cérebro. O produto resultante da ligação com o agrupamento atô-mico propil deu origem ao AL (p)ropivacaína (ropivacaína), que foi o último composto a manifestar ati-vidade anestésica e é ainda muito utilizado na clínica. Entretanto, dos arranjos químicos que resul-taram nos produtos utilizados na anestesia regional, o agrupamento etil foi o único descartado por não apresentar os predicados exigi-dos. O esqueleto pipecolilxilidida herdou o carbono assimétrico de

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Em se tratando de nuances no mecanismo de ação, destaca-se uma ação menos intensa do isômero esquerdo ...‘

Pasteur ou carbono da quiralida-de do modelo natural da cocaína, o que permitiu a existência de duas moléculas – os “irmãos gê-meos” enantiômeros ou isômeros esquerdo e direito (na nomencla-tura moderna são representados pelas letras S e R). São moléculas individualizadas (os enantiôme-ros ou isômeros contrários) com efeitos farmacológicos diferentes. Em se tratando de nuances no mecanismo de ação, destaca-se uma ação menos intensa do isô-mero esquerdo (sinistro ou S) sobre os canais iônicos das célu-las excitáveis; o inverso acontece com o antípode (o direito ou R). Essa diferença demonstra este-reosseletividade, que se deve à estereoisomeria em termos de ca-pacidade de ligação droga/recep-tor (que difere se a molécula tem natureza direita ou esquerda) na membrana celular. Daí a indús-tria farmacêutica comercializar compostos homoquirais, isto é, com um só isômero, e sempre se valendo do esquerdo ou S, por ser menos tóxico, de maneira a pro-teger outros órgãos na eventua-lidade de efeitos depressores por causa da superdosagem por inje-ção acidental no vaso sanguíneo. Os exemplos mais emblemáticos de ALs homoquirais são a (p)ro-pivacaína (ropivacaína) e a levo-bupivacaína (chirocaína), ambas obtidas apenas com um isômero.

Figura 4 – Representação da ligação dos átomos no receptor: os AL com disposição R (“estereoisomericamente” posicionado à direita) ligam-se com maior intensidade do que os com disposição espacial à esquerda.

Esse engenho químico – a síntese do esqueleto pipecolilxilidida –, que introduziu a quiralidade na farma-cologia dos AL, propiciou também o efeito multiplicador, pois cada pro-duto (mepivacaína, bupivacaína e propivacaína) com duas moléculas é passível de existir na forma racêmica e/ou na forma separada (“resolvida”), resultando em agentes homoquirais, puros como a ropivacaína a qual foi seguida pela levobupivacaína. O mesmo não vale para a mepivacaína, que permaneceu na forma racêmica porque a técnica de separação ou re-solução isomérica era incipiente, não

viável comercialmente. Esse AL teve sucesso, porém passageiro.

Formulações de ALs com liberação controlada. Simocaína e mixicaína. Na ausência de um produto novo foram desenvolvidas formulações com liberação controlada do AL, principalmente visando à duração de ação prolongada. Para esse desi-derato, vem sendo utilizado encap-sulamento dos ALs em lipossomas, microesferas e outros artifícios2,3, facilitando o aumento na duração do efeito, sem aumento da oxici-dade. Para tal artifício, tem sido proposta a veiculação do AL desen-volvida pela nanotecnologia.

Simocaína: focando o binômio efi-cácia/segurança, houve a manipu-lação do produto em que ocorreu a quebra da equimolaridade, quanto à relação 1:1 entre os irmãos gê-meos da bupivacaína. Para esse objetivo, contribuiu sobremaneira a tragédia com a bupivacaína racê-mica no final de 1979 (mortes em pacientes grávidas etc.). Por isso, surgiu a simocaína, baseada em evidências quanto ao poder blo-queador intenso dos isômeros e sua toxicidade correspondente. Toda-via, a condição racêmica da bupiva-caína com a existência de isômeros gêmeos nos alertou para a maior afinidade de um dos isômeros para os canais iônicos. Dessa inferência

Figura 5 – Evolução dos ALs: transição da cocaína para a simocaína.

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(demonstrada em muitas pesquisas básicas) fomos induzidos a modifi-car a proporção equimolar entre os isômeros e criamos a combinação 75S para 25R. Comercialmente, o novo produto recebeu o nome fan-tasia Novabupi e vem ganhando a preferência dos anestesiologistas brasileiros, quiçá dos estrangeiros.

Figura 6 – Manipulação da relação enantiomérica da bupivacaína: a combinação 75S:25R mostrou ser mais eficaz.

Mixicaína: AL inteligente à procura de um pesquisador. Nanocaína: o anestésico do futuro. Outro artifício engenhoso aconte-ceu com o manuseio entre irmãos da mesma raiz familiar, numa rela-ção incestuosa, porém permissível, posto que de uma racionalidade a toda prova, que nos levou à criação da mixicaína. Conquanto não este-ja em uso, pois não foi comerciali-zada, constitui-se na mais racional combinação interisômeros de uma mesma família capaz de bloquear o nervo com valores agregados como: aumento da potência bloqueadora

da ropivacaína e diminuição de sua atividade vasoconstritora conferi-da pelo isômero R da bupivacaína.

Figuras 7 – Mixicaína: combinação dos isômeros S (-)ropivacaina/R(+)bupivacaína.

Ambos os ALs (simocaína e mixi-caína) foram concebidos nas banca-das do Laboratório de Anestésicos Locais do Departamento de Far-macologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo. O composto simocaína (levo-bupivacaína em excesso enantiomé-rico etc.) foi cedido ao Laboratório Cristália com a contrapartida de pa-gamento de royalties, tendo recebido o nome fantasia Novabupi, conforme referido. Já a mixicaína busca o inte-resse de um laboratório farmacêutico para triunfar enquanto “o senhor lobo não vem”: a nanocaína – o AL do futuro, definitivamente!

Compostos “me too” (eu também) versus inovações incrementais.A simocaína ocupa uma posição no pódio dos AL por ser o composto anestésico local com lugar assegu-rado na história do ciclo evolutivo desses agentes, posto que seu uso

está sacramentado no meio médico graças à garantia do binômio eficácia e segurança. Diferente dos produtos “me too” (fármacos com a estrutura muito semelhante à de outros co-nhecidos e que se diferencia por va-riações farmacológicas menores), a simocaína e a mixicaína (esse último que seguramente subirá também ao pódio, no futuro) estão na categoria da inovação incremental, que é a reformulação do medicamento já existente, com ganho de qualidade quanto à eficácia e à segurança. A inovação incremental é uma melho-ria em cima de outra inovação – um empreendedorismo que ganha terre-no no mundo empresarial de hoje.

A nanotecnologia e os anestésicos locais. O ciclo evolutivo desses fármacos parou em 1986, com a introdução da (p)ropivacaína, pois nenhum outro produto foi criado. Passaram-se 33 anos e só então houve a introdução da simocaína, que só teve sua carta patente concedida em 2013, embo-ra estivesse sendo comercializada desde o ano 2000. Isso se explica por estarmos no “Brasil brasileiro”! Enquanto isso, não houve, há quase meio século (39 anos), nenhuma inovação radical traduzida pela criação de novas moléculas. Nenhu-ma molécula nova foi desenhada durante tantos anos, sendo a propri-vacaína a caçula dos ALs na era dos descendentes da cocaína.

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O progresso, contudo, da nanociên-cia e sua abrangência ao redor do mundo tem atingido as mais dife-rentes atividades tecnológicas com a nanotecnologia e as maravilhas de que ela é capaz de realizar. O prin-cípio básico da nanotecnologia é a construção de novas estruturas e novos materiais a partir dos átomos – que é a unidade da matéria. Basea-do nessa evidência, seria possível de-senhar compostos medicamentosos para tratamento e diagnóstico de doenças e agentes anestésicos etc., pois hoje já se consegue manusear o átomo “um a um”...

Microscópios de varredura de tunelamento e a física quântica. Energia atômica.Desde que a nanotecnologia con-siste em lidar com os átomos sem que se chegue até eles, pois não é possível “palpá-los”, o manuseio atômico requer uma aparelhagem sofisticada. O microscópio de var-redura, com sua agulha finíssima, permite o manuseio dos átomos sob as ordens da mecânica quânti-ca. Diferente da física newtoniana, que nos rege, os átomos obedecem à física quântica e, graças a essa pro-priedade, novos produtos “inconce-bivelmente pequenos” estão sendo criados numa velocidade tamanha, a tal ponto de serem encontrados intensamente em nosso cotidia-no, pois que existem em todos os setores da atividade humana. Há

produtos que são encontrados na cosmetologia (agentes antienvelhe-cimento, protetores solares etc.); na construção de nanochips, que permitem a minimização de produ-tos eletrônicos como computado-res; nos celulares, por exemplo; na fabricação de medicamentos – há mais de 130 pesquisas cujos pro-dutos medicamentosos estão sob avaliação em todo o mundo.

Ainda com benefício à nanome-dicina, está em curso a criação de agentes capazes de destruir células cancerosas ou infectadas por vírus; buscam-se os nanomedicamentos visando à regeneração de tecidos e outros benefícios que os medica-mentos convencionais (baseados em química) não conseguem al-cançar ou demoram para conseguir e que têm sido muito estudados.

Mais importante, contudo, é a idea-ção de robôs de interesse para a cura de doenças e como condição sine qua non para a viagem com duração de três anos para atingir o planeta Marte! Na impossibilidade de voltar à Terra (se o astronauta for acometi-do por alguma doença), essa precau-ção fez a Nasa avançar intensamente no desenvolvimento da terapêutica aeroespacial que, por sua vez, tem favorecido muito a nanomedicina. Cápsulas que viajam pelo nosso corpo, vasculhando-o para atingir o alvo doente, estão sendo fabricadas. Isso representa uma valiosíssima,

senão a mais importante, colabora-ção à medicina.

O mecanismo de ação dos AL e a nanociência.A utilização da nanotecnologia surge como estratégia para poten-cializar a permeação de princípios ativos, quer através da pele, quer na travessia da barreira hematoencefá-lica, de outros tecidos etc. Por isso, tem grande interesse o tamanho das partículas (que é de uma pe-quenez inconcebível...). Há a con-firmação da grande utilidade dessas nos vários setores da medicina. As evidências mais robustas encon-tram-se na cosmetologia, na qual os medicamentos são nanoveiculados, facilitando a penetração através das camadas mais profundas da pele. Daí pressupõe-se que os anestésicos nanoestruturados podem agir sobre o nervo e, com artifícios tecnológi-cos, possa ser criada uma molécula capaz de bloquear o “ir e vir” dos elementos (Na e K). Dessa ma-neira, vislumbra-se a aproximação da nanotecnologia à farmacologia molecular, tendo como foco o me-canismo da transmissão do impulso nervoso. Esse impulso caminha mo-vido pela energia criada com a pas-sagem dos íons Na e K pelos canais (poros) existentes na membrana da célula nervosa, e um campo magné-tico é criado. Os ALs convencionais atuam interferindo nesse “passeio atômico”, destarte, dificultando a

O princípio básico da nanotecnologia é a construção de novas estruturas e novos materiais a partir dos átomos – que é a unidade da matéria.‘

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travessia desses elementos e, assim, promovendo o estado de insensibi-lidade necessário para prevenir e/ou eliminar a dor em razão da interrup-ção do impulso nervoso.

Figura 8 – Representação imaginária da nanocaína – o AL do futuro a ser construído com átomos pela nanotecnologia.

O nanoanestésico local e a interrupção da passagem do impulso nervoso.Sabe-se que pela sua “pequenez inconcebível”, as nanopartículas atravessam os poros das membranas das células folgadamente, pois são menores que eles.

Partindo do conhecimento da na-tureza da transmissão nervosa e do papel exercido pelos elementos Na+ e K- e seu itinerário na membrana celular, com o conhecimento do me-canismo de ação dos ALs ao se con-traporem à clássica comparação do “rastilho de pólvora” na transmissão do impulso, seria possível conceber uma nanomolécula que agisse à se-melhança dos ALs. Todos os ALs são arranjos atômicos, dispostos de tal ordem que simulam uma figura

humana com cabeça, tronco e mem-bros, como já comentamos.

O modelo natural das folhas da Erythroxylum coca e a arte na nanotecnologia. Somando-se as evidências da far-macologia molecular com a Teoria Quântica, poderia construir um robô – uma molécula com a “ima-gem e semelhança” da molécula dos ALs, inspirada na cocaína. O cami-nho já está sendo explorado com máquinas e cápsulas que alvejam as células doentes, como as cance-rosas, vasculham o organismo hu-mano e são capazes de bombardear as células indesejáveis, doentes.

A natureza já nos brindou com a planta Erythroxylum coca – o modelo natural, a cocaína, que inspirou os químicos no desenvolvimento da ca-deia de ALs usado até hoje na técnica regional4. Dessa maneira, essa matriz que existe nas folhas do arbusto po-deria vir a ser o modelo para o AL nanoestruturado – a nanocaína.

Figura 9 – O encontro da cocaína com o infinitamente pequeno. A inspiração para a nanocaína.

Então, a agulha milagrosa dos mi-croscópios de tunelamento (com a qual os pesquisadores imorta-lizaram o nome IBM, que repre-senta o pioneirismo do domínio da nanotecnologia) distribuiria os átomos de tal ordem que, à guisa de um robô, o fármaco seria criado e, assim, seria dirigido apenas para os nervos a serem bloqueados1. Ter-se-ia, com essa inovação, iniciado a era atômica da anestesia regional.

Nesse sentido, o mecanismo de ação dos ALs serviria de orienta-ção para a criação da nanomolé-cula e sua relação com o campo elétrico da membrana celular através de elétrons e prótons – “a poeira dos átomos”. Esses medica-mentos na sua construção minia-turizada agiriam interrompendo a passagem do impulso nervoso (o clássico “rastilho de pólvora”), causando a insensibilidade da região focada. Assim, teríamos fármacos sem o perigo de atin-gir outras estruturas dotados de canais iônicos (pois os ALs não descriminam tais canais), destarte nos livrando da cárdio e/ou neu-rotoxicidade (que nada mais é do que a “anestesia” que se instala no coração e no cérebro causada pela afinidade dos ALs pelos canais de Na e K e que se constitui o pavor que ronda os centros cirúrgicos ainda hoje).

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Figura 10 – Erythroxylum coca, o alcaloide purificado (a cocaína) e o AL do futuro: a nanocaína.

O Brasil e a nanotecnologia. O Brasil está caminhando pari passo com as nações mais desenvolvidas na exploração da nanociência ao redor do mundo. E assim sendo, que seja o Brasil o pioneiro nessa investi-da (a criação de uma nanomolécula capaz de impedir a transmissão do impulso do nervo), pois a indústria brasileira está se encaminhando para a inovação radical que se re-laciona com o desenvolvimento de novas moléculas. Enquanto isso, a nanociência brasileira é uma reali-dade, e nossa nanotecnologia vem se aperfeiçoando com a inovação incre-mental com fármacos nanomodifi-cados voltados para a anestesiologia. Agentes nanoveiculados, como a mistura eutéctica de lidocaína/prilo-caína (EMLA) e o propofol (ambos englobados em partículas de dimen-sões manométricas), estão surgindo enquanto aguardamos a inovação radical pelo desenho de uma nano-molécula que venha a oferecer mais segurança e praticidade à anestesia egional1. Então, alea jacta est.

E a sorte foi lançada! Frase atribuída ao imperador César ao atravessar o Rubicão, mesmo contrariando as or-dens do Senado romano. Ave, César...

Figura 11 – A travessia do Rubicão.

Nanotecnologia: bênção ou maldição?Existe uma preocupação de ordem ambiental com o desenvolvimento da nanociência, a ponto de lhe ser atribuído o perigo de que, ao criar materiais que não existem no pla-neta, esses causariam o Apocalipse – a destruição da Terra. Deve-se essa inferência ao fato de a natureza não conter produtos na escala nano, de maneira que os seres vivos não teriam uma forma de defesa. A indústria ci-nematográfica tem se valido sub-rep-ticiamente do tema “nanociência” ao relacionar o progresso da nanotecno-logia a catástrofes terrestres. Apavora alguns a replicação que possa existir em partículas nanodesenvolvidas, que poderiam se imiscuir no planeta, causando sua destruição. Também por causa da construção das partícu-las “as mais pequenas” (que se possa imaginar), tem-se atribuído a elas o

aparecimento de moléstias cancerí-genas e outras mazelas mais... Custa acreditar, conquanto.

Nanotecnologia: ciência e arte.Que Deus não castigue a inteligên-cia e o talento com os quais dotou Sua Criatura, fazendo-a capaz de ter a inspiração artística para alcançar o infinitamente pequeno. E que esse alcance beneficie a humanidade, salvando-a dos males que possam advir (diferente do que aconteceu com a maldição da cocaína na figura da degradação pelo crack!!!). ■

Figura 12 – Apocalipse: destruição do planeta.

Referências 1. Simonetti MPB. A nanociência e sua importân-

cia na continuidade do ciclo evolutivo dos anes-tésicos locais. Anest Rev, 2017; 67(1):25-30.

2. Ilfeld BM, Malhotra N, Furnish TJ et al. Liposo-mal bupivacaine as a single-injection peripheral nerve block: a dose-response study. Anesth Analg, 2013; 117 (5):1248-56.

3. De Nucci G. Pre-clinical and clinical develop-ment of two novel pharmaceutical products: Zilt and Nanorap: Workshop. CPSA Brasil, 2016.

4. Simonetti MPB. A epopeia do desenvolvimento dos anestésicos locais. In: Bagatini A, Carrareto AR, Viana PT (Ed.). Curso de Educação a Dis-tância em Anestesiologia. São Paulo: Segmento Farma, 2007. p. :161-78.

* A autora é professora aposentada de Farmacologia do Instituto de

Ciências Biomédicas da USP.

Existe uma preocupação de ordem ambiental com o desenvolvimento da nanociência, ...‘

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com as mais conceituadas entida-des de anestesiologia do mundo, durante o Euroanaesthesia, que ocorreu em Genebra, assinou um acordo de cooperação que prevê a realização da parte dois do con-curso para a obtenção do diploma europeu no Brasil (EDAIC II) em 2018, com escolha do local a ser definido sob responsabilidade da SBA. A concretização do EDAIC II somente foi possível pelo com-promisso da SBA na realização do OLA e do EDAIC I, ocorridos em 2016. O EDAIC I obteve elevado percentual de aprovação (57%), o que resultou em uma surpresa po-sitiva para a Diretoria da ESA.

Em 2017, teremos o EDAIC I em quatro capitais (Fortaleza, Florianó-polis, São Paulo e Rio de Janeiro), no dia 16 de setembro. Caso o per-centual de aprovação seja mantido, teremos quase cem candidatos aptos para a segunda fase (EDAIC II).

• Há alguns anos, a Sociedade Bra-sileira de Anestesiologia (SBA) vem implementando uma política inter-nacional que busca maior integra-ção científica e cultural com a ESA, ASA, WFSA e CLASA.

Em nosso Planejamento Estratégi-co, temos trabalhado firmemente o fortalecimento das relações interna-cionais da SBA, de olho, sobretudo, no aprimoramento técnico-cientí-fico da anestesiologia brasileira e ainda na maior visibilidade de nosso capital intelectual.

No 64º CBA – 2017 haverá a parti-cipação dessas valorosas entidades e serão realizados o ASA Meeting, ESA Meeting, Painel Luso-brasilei-ro e CLASA Panel.

Durante o Euroanaesthesia 2017, que ocorreu no período de 3 a 5 de junho de 2017, em Genebra, Suíça, realizamos simpósios científicos e administrativos, bem como ativi-dades no estande, que foi idealiza-do para reunir brasileiros e todos os interessados em nosso país e no trabalho que desenvolvemos.

Das atividades administrativas rea-lizadas, destaca-se a assinatura do importante acordo de cooperação firmado entre a ESA e a SBA.

A SBA no desenvolvimento desta importante política de cooperação

Relações InternacionaisAlém disso, o acordo prevê oficialmente:

◆ A realização do Brazilian Meeting (durante o Euroanaesthesia).

◆ A realização do ESA Meeting durante o CBA.

◆ O compartilhamento e a tradução de publicações importantes, editadas pelas duas entidades, por meio de seus respectivos órgãos oficiais.

Registro do II Brazilian Meeting – SBA-ESA

June 4th, 2017 – Time: 14h – 15h30min (Room R)Organized by the Brazilian Society of Anesthesiology – SBAChair: Ricardo Azevedo – Bahia, Brazil

Program:Strategic planning for 2017Ricardo Almeida de Azevedo – Salvador, Brazil, President of SBA

ESA-SBA.Zeev Goldik-IL, President of ESA

Does monitoring of neuromuscular blockade reduce morbidity and mortality?Nádia Maria da Conceição Duarte – Recife, Brazil, Former President of SBA

SAVA Brazil – Advanced Life Support in Anesthesiology.Ana Paula Rocha Cronemberger – Brasília, Brazil, Instructor of SAVA-SBA

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Enfim, pudemos contar com uma delegação brasileira que trabalhou unida, com foco nos objetivos cien-tíficos, levando não só a bandeira do nosso país como da nossa SBA. Agradecemos, especialmente, o trabalho dessa delegação SBA: Dr. Ricardo Almeida de Azevedo – pre-sidente; Dr. Sérgio Luiz do Logar Mattos – vice-presidente; Dr. Au-gusto Key Karazawa Takaschima – tesoureiro; Dr. Rogean Rodrigues Nunes – diretor do Departamento Científico; Dr. Erick Freitas Curi – diretor do Departamento Admi-nistrativo; Dr. Enis Donizetti Silva – diretor do Departamento de Defe-sa Profissional; e Dra. Ana Cristina Pinho Mendes Pereira – indicada pela Diretoria da SBA como asses-sora para assuntos internacionais na Europa.

Essas conquistas são fruto de muito trabalho associativo, doado por co-legas que desejam o aprimoramen-to da anestesiologia, que dedicam, gratuitamente, parte de seu tempo para o compartilhamento de seus conhecimentos e para a busca de contatos e parcerias que possam representar a abertura das fron-teiras do conhecimento científico. Parabéns à anestesiologia pelas conquistas alcançadas.

Temos muito orgulho de ser a Família SBA! ■

Diretoria SBA

Essas conquistas são fruto de muito trabalho associativo, doado por colegas que desejam o aprimoramento da anestesiologia, ...‘

Prevention of postoperative delirium – is there any strategy?Roberto Henrique Benedetti – Florianópolis, Brazil, Member of Committee on Teaching and Training – SBA

Intravenous lidocaine for postoperative analgesiaMauro Pereira de Azevedo – Rio de Janeiro, Brazil, Member of Committee on Pain – SBA

Intraoperative awakening and intravenous anesthesiaMarcos Antônio Costa de Albuquerque – Aracaju, Brazil, President of Committee on Teaching and Training – SBA

Antiplatelet therapy in patients with coronary stents for noncardiac surgeryRicardo Lopes da Silva – Curitiba, Brazil, President of the Paraná Society of Anesthesiology

Evaluation of the airways and pitfallsCláudia Marquez Simões – São Paulo, Brazil, Coordinator of Course on Control of Airways – SBA

Malignant hyperthermia: What is the best management?Michelle Nacur Lorentz – Belo Horizonte, Brazil, President of the Minas Gerais Society of Anesthesiology

Symposium, Room XJune 5th, 2017 - Time: 10h30min - 12hGuest12 – Monitoring and outcome in anaesthesia

Symposium organized by the Brazilian Society of Anesthesiology (SBA)Chair: Enis Donizetti Silva, São Paulo, Brazil

Presentation:Does EEG monitoring reduce morbidity and mortality?Rogean Rodrigues Nunes – Fortaleza, Brazil

Hemodynamic monitoring in high-risk patientsEnis Donizetti Silva – São Paulo, Brazil

How beneficial is intraoperative temperature control?Eduardo Giroud Joaquim – São Paulo, Brazil

Já formatamos a grade científica do Euroanesthesia – 2018 (ESA) – Copenhagen, Dinamarca, de 2 a 4 de junho de 2018 –, no qual será abordado o tema Ecocardiografia Perioperatória. No ASA Annual Meeting (ASA) – San Francisco, CA, Estados Unidos, de 13 a 17 de outubro de 2018 – temos a progra-mação de um painel composto por cinco brasileiros.

Considerando os países não euro-peus, a representação brasileira no Euroanesthesia 2017 foi a maior de todas e ainda contagiamos o evento com nossa alegria latina. Atestamos a importância da participação maciça de brasileiros nesses eventos interna-cionais, pois, além das novas tendên-cias e técnicas mundiais absorvidas como aprendizado, podemos de-monstrar que a SBA, que é a segunda maior sociedade mundial de aneste-siologia, se mantém forte e atuante.

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SBA NotíciasPor Antônio Fernando Carneiro *

• A Diretoria da Sociedade Brasileira de Anestesiolo-gia esteve representada pelo presidente do Conselho Superior da SBA, Dr. Antônio Fernando Carneiro, em reunião realizada no dia 16 de maio de 2017, na Co-missão de Seguridade Social e Família, na Câmara dos Deputados Federais, em Brasília/DF. Várias outras en-tidades médicas estiveram representadas.

O deputado federal Mandetta (DEM) coordenou a reunião, cujo tema foi a apresentação e discussão da minuta do Estatuto da Frente Parlamentar. O deputa-do Mandetta agradeceu a presença de todos e explicou sobre a elaboração do Regimento da Frente Parlamen-tar. Informou ainda que um advogado com experiência no assunto o está auxiliando na elaboração do referi-do regimento e que, após sua conclusão, o modelo do

Frente Parlamentar da Medicinadocumento será enviado para os três representantes designados, com prazo para avaliação e finalização do mesmo. A partir dessa formatação, será convocada nova reunião, com todas as especialidades médicas, para apresentar o documento em assembleia geral, para a criação da Frente Parlamentar.

Todos os participantes abordaram a importância do fortalecimento da Frente Parlamentar perante o Con-gresso Nacional, para a aprovação de projetos pertinen-tes aos médicos e a necessidade de maior representação parlamentar em prol da medicina brasileira. ■

* O autor é presidente do Conselho Superior da SBA e foi presidente SBA - gestão 2016.

Em 2017, a Comissão de Ensino e Treinamento, em parceria com a Diretoria da SBA, o Departamento Científico e a equipe de TI, vem implementando di-versas ações voltadas para a melhoria da captação de informações sobre a especialização em anestesiologia. À medida que as informações se tornarem mais céle-res e fidedignas, o ensino de nossa especialidade e as condições de trabalho tendem a ser melhores para os anestesiologistas formados, aqueles em formação, os gestores, os hospitais e, principalmente, para a popu-lação em geral que precisa de nossos cuidados.

O Logbook foi lançado em 2012 no site da SBA. Pouco tempo depois, seu preenchimento se tornou obrigatório pelos médicos em especialização (MEs) e conta ponto, inclusive, no relatório dos Centros de Ensino e Treinamento (CETs).

Com a evolução tecnológica no mundo, o anseio por um aplicativo para celulares e tablets era gritan-te. Em abril deste ano, a SBA, reunindo esforços conjuntos, aplacou esse “clamor”, criando o app SBA Logbook, disponível para IOS e Windows, que possibilita o preenchimento do Logbook off-line (https://www.sbahq.org/applogbook/). Cremos que as informações lançadas por nossos MEs serão mais autênticas com a documentação da qualidade de suas atividades, permitindo um mapeamento mais preciso dos atos anestésicos realizados em nossos CETs e a implantação de ações individualizadas para cada CET, no sentido de aprimorar o ensino da anestesiologia. Também evidenciamos a importância do preenchimento do Logbook por causa da neces-sidade de acertar vários pontos entre os programas SBA e MEC, estabelecendo um alinhamento entre eles. Ademais, uma base de dados infinita ficará à disposição da SBA, o que vai garantir a realização de estudos científicos futuros, o mapeamento das carac-terísticas da anestesiologia no Brasil e a promoção de maior qualidade no atendimento à população.

Na linha do avanço tecnológico e da praticidade, brevemente, o envio de currículos para análise/concessão de credencial de instrutores pelos res-ponsáveis dos CETs será feito integralmente pelo site da SBA, em campo próprio, inclusive o upload dos certificados comprobatórios da pontuação. Em seguida, a CET fará as recomendações à Diretoria da SBA para as devidas concessões e o envio das credenciais aos responsáveis dos CETs.

Sobre o relatório dos CETs, diversas modificações e adequações estão sendo implantadas, desde o ano passado, no que se refere à pontuação designada às várias atividades realizadas, trabalhando junto com os responsáveis em busca de uma forma mais equânime de classificação. Há um entendimento, por parte da CET e da Diretoria da SBA, que, em razão da pluralidade e das condições locais, a con-fecção de um relatório que atenda integralmente a todos é muito difícil. Sendo assim, disponibilizamos as propostas de alteração do relatório anual aos responsáveis pelos CETs para debate durante as jor-nadas regionais e posterior deliberação, no sentido de melhor atender todos os CETs ou, pelo menos, a maioria deles.

Outra ação que consideramos de altíssima rele-vância para o futuro da anestesiologia no Brasil é entender o atual perfil dos médicos em especializa-ção e as tendências de alteração dessa população. Atualmente, a maioria dos nossos MEs pertence à geração Y ou Millenium, que valoriza a interação com os níveis elevados de hierarquia; o equilíbrio entre trabalho e qualidade de vida; possui escla-recimento tecnológico avançado e é multitarefas. Entretanto, os processos administrativos e de ensino não acompanharam as mudanças em tempo real, o que tende a gerar alguns conflitos. Na tentativa de diminuí-los, encontra-se em curso, pesquisa sobre o perfil atual dos instrutores e MEs. Mediante os re-sultados obtidos, teremos a oportunidade de propor e implantar ações que aproximem o ensino da nossa especialidade às necessidades dessa geração, no in-tuito de formar profissionais altamente qualificados para o mercado de trabalho atual, centrados na se-gurança do paciente.

Por fim, para que tenhamos êxito nessas ações, que visam ao aperfeiçoamento do ensino da anestesio-logia e das condições de trabalho, conclamamos a todos que participem das pesquisas ativamente e incentivem seus pares a participar também. Após finalização da pesquisa, disponibilizaremos os re-sultados com as devidas análises e conclusões para conhecimento e possíveis adaptações em cada CET e/ou serviço de anestesia Brasil afora.

Comissão de Ensino e Treinamento

CETs a caminho da evolução

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no reconhecimento da qualidade da prestação de servi-ços desenvolvida por todos os seus colaboradores.

Congratulamos nossos assessores jurídicos e amigos pelo brilhante trabalho que vêm realizando para a anestesiologia brasileira ao longo dessas duas déca-das de parceria. ■

SBA Notícias

• A Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA), representada pelo Dr. Ricardo Almeida de Azevedo (presidente da SBA – gestão 2017) e pelo Dr. Augusto Key Karazawa Takaschima (diretor-tesoureiro – ges-tão 2017), prestigiou o evento do escritório Montanha Alcântara & Advogados Associados, realizado no dia 19/4/2017, que comemorou a honraria de compor o ran-king dos 500 escritórios mais admirados do Brasil por mais um ano consecutivo.

Também prestigiaram o evento os ilustres associados Dr. Roberto Bastos da Serra Freire (presidente da SBA – gestão 2005) e o Dr. Antônio Leite Oliva Filho (presi-dente da SBA – gestão 1996).

A celebração igualmente homenageou as sócias Cláu-dia Barroso de Pinho Tavares Montanha Teixeira e Adriana de Alcântara Luchtenberg, por integrarem o inovador ranking dos 500 advogados mais admirados do Brasil no ano de 2016.

A banca de advocacia presta assessoria jurídica para a SBA desde 1996, sendo que esses prêmios vieram para laurear o trabalho das últimas duas décadas, consistindo

Excelência e Qualidade!

Informações associativasINFORMAÇÕES ASSOCIATIVAS

EM DESTAQUE

•CENTROS DE ENSINO E TREINAMENTO

• Responsáveis• 30/06/2017 - data limite para os Responsáveis por CETs finalizarem o

preenchimento do relatório anual. Após esta data será finalizado.

• Médicos em especialização• Preenchimento mínimo do logbook - 440 atos e 900 horas, por ano.

ME1 e ME2 - prazo de preenchimento até o último dia do mês seguinte ao ato anestésico realizado.ME3 - Nos últimos dois meses da especialização, o preenchimento dos atos anestésicos, só poderá ser realizado até a data do término da espe-cialização, registrada na proposta de admissão na SBA.O não cumprimento do preenchimento mínimo do logbook, no perío-do de ME3, implicará na impossibilidade de emissão da declaração de conclusão da especialização em CET/SBA e, consequentemente, a não emissão automática do TEA. Os MEs que não cumprirem a exigência de preenchimento do logbook, para que possam obter o TEA, deverão prestar concurso específico.

• Preparo e apresentação do TCC - o trabalho deve ser de revisão ou de pesquisa (clínica ou experimental) durante o terceiro ano da espe-cialização. Lembramos que o terceiro ano termina na data do término do período da especialização, assim sendo, o trabalho deve ser apre-sentado ao corpo de instrutores antes desta data. Após a conclusão do período de treinamento, o Responsável deverá encaminhar o TCC para análise da CET.

•DATAS ASSOCIATIVAS IMPORTANTES

• Eleições Diretoria e Conselho Fiscal - SBA• 11/08/2017 à 11/09/2017 - inscrição de chapas para eleições da Dire-

toria e Conselho Fiscal.• 11/08/2017 - convocação associados aptos a participarem das eleições.

• Assembleia Geral (AG)• 11/08/2017 - convocação Assembleia Geral.• 11/11/2017 - sábado - 11:30h - Assembleia Geral, eleição da Diretoria,

Conselho Fiscal e alterações Estatutárias.• 11/11/2017 - data limite para a regularização com SBA e regional, dos

membros Ativos e Remidos (categoria anterior Ativo) que queiram par-ticipar da Assembleia Geral.

• Assembleia de Representantes (AR)• 11/08/2017 - data limite para entrega de listagem de membros Ativos

quites com a regional, contendo ano de quitação e matrícula do associa-do, para cálculo do número de representantes da AR.

• 11/09/2017 - convocação para a Assembleia de Representantes.• 11/09/2017 - data limite para regularização associativa dos membros

Ativos para indicação como representantes e/ou suplentes de regionais para AR.

• 11/09/2017 - data limite para envio dos relatórios para composição do Boletim Agenda (diretoria, comissões, comitês, conselhos e RBA).

• 11/09/2017 - divulgação do número de representantes de cada regio-nal para a Assembleia de Representantes.

• 10/11/2017 - até 12h - entrega pelos presidentes das regionais à se-cretaria da SBA, durante o CBA, lista de representantes e suplentes de cada regional.

• 11/11/2017 - até 11h - disponibilização pela secretaria da SBA aos pre-sidentes de regionais, das credenciais dos representantes e suplentes para distribuição aos mesmos.

• 11/11/2017 - 13h - sessão de instalação da AR.• 11/11/2017 - 12:30 às 13h - devolução das listagens de representantes e

suplentes assinadas por aqueles que receberam suas credenciais de Re-presentantes, diretamente à mesa da AR, para a desbloqueio da bancada das regionais.

• 12/11/2017 - até 17h - disponibilização pela secretaria da SBA aos presidentes de regionais, no local do CBA, material oriundo dos GTs da AR.

• 13/11/2017 - 13h - sessão de Ordem do Dia da AR.

• Reuniões Diretoria com Presidentes das Regionais• JASB - 01/07/2017, sábado, 08h - Rio de Janeiro/RJ.• JABC - 26/08/2017, sábado, 09h - Brasília/DF.• CBA - 10/11/2017, sexta-feira , 10h - Curitiba/PR.

• Reunião Ordinária do Conselho de Defesa Profissional• CBA - 10/11/2017, sexta-feira, 07 h - 1ª convocação e 08 h - 2ª convoca-

ção - Curitiba/PR.

• Reunião Ordinária do Conselho Superior• CBA - 10/11/2017, sexta-feira, 14 h - Curitiba/PR.

• Reunião Corpo Editorial da RBA - Rev. Bras. Anestesiologia• CBA - 10/11/2017, sexta-feira , 14 h - Curitiba/PR.

• Reuniões da CET com os Responsáveis por CET e ME• Com Responsáveis por CETs: 08 às 10 h

• Com Médicos em especialização (ME): 10 às 12 h, exceto no CBA

• JASB - 01/07/2017, sábado - Rio de Janeiro/RJ.• JABC - 26/08/2017, sábado - Brasília/DF.• CBA - 10/11/2017, sexta-feira - Curitiba/PR.

Informações associativas

Prova Nacional para Médicos em Especialização em Centros de Ensino e Treinamento10 de dezembro de 2017, domingo

– Horário: 9h às 13h - horário único em todo território nacional (base horário vigente em Brasília/DF) – Realização obrigatória para todos os membros Aspirantes, regularmente inscritos na SBA e Regional. – Os membros Aspirantes em situação irregular, não poderão realizar a prova nacional. – O ME que não realizar a prova nacional da SBA, elaborada pela Comissão de Ensino e Treinamento, sem justificativa aceita pela CET, será considerado REPROVADO.

– O ME que faltar à prova anual, por motivo de força maior, poderá através do Responsável, até 20/12/2017, solicitar a realização de prova substitutiva, desde que seja apresentada documentação original que justifique sua ausência.

– Se autorizada, a prova substitutiva será aplicada no dia 14/01/2018, no Rio de Janeiro/ RJ, em local a ser confirmado posteriormente pela SBA.

– Solicitações de realização de prova fora da Regional onde o ME encontra-se cadastrado, deverão ser encaminhadas para a secretaria da SBA, por escrito, pelo(a) Responsável pelo CET até 01/11/2017.

– Não poderão ser utilizados equipamentos eletrônicos de nenhum tipo, assim sendo, leve ao local da prova apenas o essencial para sua identificação e realização da prova (caneta azul ou preta e identidade com foto atualizada).

ANUIDADES 2017

• Aspirantes (Médico em Especialização = ME)ME1 (admissão somente até 01/10/2017)

– R$ 283,00 (duzentos e oitenta e três reais) - juntamen-te com documentação para admissão da categoria de membro Aspirante – pagamento não poderá ser par-celado. Após esta data o médico em especialização de primeiro ano não poderá mais ser proposto como ME1 no ano em curso.

ASPIR ANTE - ME2 E ME3 – Após o vencimento da anuidade - 30/04/2017, o valor co-brado é integral, ou seja, perde direito aos 50% de descon-to, sendo possível pagar de 01/05/2017 até 01/10/2017 = R$ 566,00 (quinhentos e sessenta e seis reais).

– O membro Aspirante, que não quitar sua anuidade até a data do vencimento estatutário - 30/04/2017, com desconto e também não efetuar o pagamento até 01/10/2017, não poderá mais quitar a anuidade, fi-cando desligado do CET e não autorizado a realizar a prova nacional, o que automaticamente representa uma reprovação, considerando-se a impossibilidade de obtenção da médica mínima para aprovação.

• Aspirante-adjunto – Ingresso e/ou renovação anual de filiação - R$ 283,00 (duzentos e oitenta e três reais).

– Renovação de situação associativa nesta categoria, so-mente mediante cumprimento do Art. 6º inciso V do Regulamento da Admissão de Sócios.

• Estrangeiro – US$ 240,00 (duzentos e quarenta dólares america-nos).

• Taxa de Readmissão de Associados

ATIVOS/ADJUNTOS – R$ 20,00 (vinte reais) acrescidos ao valor da anuidade do exercício.

– Para regularização de associados com pagamento atrasado do exercício vigente (após 30/04/2017) ou exercícios anteriores: pagamento da anuidade do exercício, acrescida da taxa de readmissão, ou seja, R$ 566,00 (quinhentos e sessenta e seis reais) + taxa de readmissão vigente R$ 20,00 (vinte reais) = totalizan-do o valor de R$ 586,00 (quinhentos e oitenta e seis reais) - pagamento à vista, após 01/05/2017.

• Assinatura da Revista Brasileira de Anestesiologia – Nacional: R$ 566,00 (quinhentos e sessenta e seis reais)

– Internacional: US$ 240,00 (duzentos e quarenta dó-lares americanos)

“ Lembramos que o valor cobrado pela anuidade, reembolsa apenas parte do valor gasto pela SBA para oferecer a cada ano a melhor qualidade de

serviços aos seus associados. ”

FAMÍLIA SBA SOMOS TODOS NÓS.

INFORMAÇÕES ASSOCIATIVASEM DESTAQUE

• Centros de Ensino e Treinamento

RESPONSÁVEIS – Obrigatoriedade do acompanhamento do preenchi-mento adequado do logbook, pelos médicos em espe-cialização (MEs).

– No prazo máximo de 30 dias após o término do pe-ríodo de especialização de cada ME, o Responsável deverá encaminhar à secretaria da SBA o formulá-rio de confirmação de aprovação, contendo o título do TCC apresentado, com endosso de dois Instru-tores como testemunhas.

MÉDICOS EM ESPECIALIZAÇÃO

– ATENÇÃO PARA MUDANÇA!!!!!!! Agora é E e não mais OU

440 atos E 900 horas

– Preenchimento mínimo do logbook por cada ME, obrigatoriamente é 440 atos E 900 horas, anuais de treinamento prático. Deve ser considerado do primeiro ao último dia do início do período - ME1, ME2 e ME3.

– ME1 e ME2 - prazo de preenchimento até o último dia do mês seguinte ao ato anestésico realizado.

– ME3 - os 10 primeiros meses deverão ser registrados da mesma forma como ME1 e ME2. Nos últimos dois meses da especialização, o preenchimento dos atos anestésicos, só poderão ser realizados até a data do término da espe-cialização, registrada na proposta de admissão na SBA.

– O não cumprimento do preenchimento mínimo do logbook no período de ME3, implicará na impossibili-dade de emissão da declaração de conclusão da espe-cialização em CET/SBA e, consequentemente, a não emissão automática do TEA.

– Os MEs que não cumprirem a exigência de preenchi-mento do logbook, para que possam obter o TEA, de-verão prestar concurso específico para este fim.

– Preparo e apresentação do TCC - o trabalho deve ser de revisão ou de pesquisa (clínica ou experimen-tal) durante o terceiro ano da especialização, assim sendo, deverá ser entregue e apresentado antes do dia da conclusão do período de especialização.

CONCURSOSSBA

• Concurso para Obtenção do TSA - Título Superior em Anestesiologia

SEGUNDO SEMESTRE

Data limite para inscrição nas provas escrita e oral do concurso TSA - 2º semestre: 11/08/2017

Datas de realização das provas: – Escrita: 10/11/2017 - sexta-feira - 08 às 12h - Curitiba/PR. – Oral: estima-se o período de 07 a 09/11/2017 - Curiti-ba/PR - conforme confirmação a ser encaminhada pela SBA aos inscritos, individualmente. Caso não receba nenhuma confirmação, favor contatar a SBA para con-firmação de sua inscrição.

• Concurso para Obtenção do TEA - Título de Especialista em Anestesiologia

As inscrições aprovadas já foram confirmadas pelo site de inscrição

Datas de realização das provas: – Escrita: 06/agosto/2017 - domingo, nas Regionais do Estado de origem de cada candidato.

– Oral: estima-se período de 07 a 09/11/2017 - conforme comunicação individual da SBA infor-mando dia, hora e local, endereçada aos inscritos aprovados na primeira etapa (escrita), a ser realiza-da em 06/agosto/2017.

Observações importantes:

– No dia da prova oral será exigida como identificação do candidato, a carta de confirmação da inscrição com aprovação na primeira etapa (prova escrita) e documento de identidade com foto atualizada.

– Cada candidato só poderá realizar a prova no dia e período determinado pela SBA. O não compareci-mento implicará automaticamente na eliminação do candidato do concurso 2017, devendo repetir todo o processo em outro ano.

Informações associativas

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SBA Opinião

• “O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem.Por isso existem momentos ines-quecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.”

Fernando Pessoa

Alexandre CanaliniSócio-fundador da SBA em 1948Nascido em 1926Falecido em 2016

Dr. Alfredo Félix Canalini *

Passei dias tentando organizar minhas ideias para escrever um texto sobre Alexandre Canalini. A maior dificuldade é descobrir sobre qual deles deveria escrever. Há o filho, o irmão, o marido, o pai, o tio, o padrinho, o avô, o bisavô, o médico, o historiador, o pensador, o cristão... São muitos, é a sina dos grandes homens... Eles se multiplicam em um só e se tornam vários ao mesmo tempo, sempre nos surpreendendo e nos ensinando. Poderia falar sobre o anestesiologista, o pioneiro, o úl-timo dos fundadores da SBA nesta vida. Mas prefiro falar de meu tio Xandinho. Sempre teve um jeito e uma voz tranquila, mas firme.

Aos mestres, com carinho e saudades!

Tinha suas convicções profissio-nais e lutou por elas. Foi chefe dos serviços de anestesiologia do Hospital Miguel Couto e do Hospital Barata Ribeiro. Deve ter feito grandes anestesias, ajudado a salvar muitas vidas num período em que os monitores mais avança-dos que existiam eram a ponta dos dedos que verificavam o pulso e o esfigmomanômetro e o estetoscó-pio para aferir a pressão arterial.

Em uma de suas últimas visitas à sede da SBA, foi capaz de identificar alguns dos instrumentos expostos no Museu da Anestesia, que ajuda a preservar a memória de sua espe-cialidade. Empolgado com o Brasil e seus grandes homens, meu tio Xandinho pesquisou e publicou a biografia de Vital Brazil Mineiro da Campanha. Eu, ainda estudante de medicina, o acompanhei em uma das muitas palestras que deu sobre esse tema. Foi no Hospital Salgado Filho. Na ocasião, fiquei impressio-nado pela maneira como meu tio foi acolhido e me dei conta da responsa-bilidade de me tornar médico tendo o mesmo sobrenome. Espero, meu tio, que eu não o tenha desapontado.

Mas ele nunca se ufanou de seus fei-tos anestésicos comigo, muito pelo contrário, sempre me contou com

alegria a ajuda que tinha dado a seus pacientes, principalmente os mais carentes e humildes. Exerceu a me-dicina – em especial a anestesiologia – com técnica e com humanidade. Sua conduta na vida sempre foi pau-tada pela honestidade, pela coerên-cia, pela generosidade, pela reflexão e pela religiosidade que se manifes-tava no amor ao próximo. Em tudo isso ele imprimiu sua marca em mim. Quando seu filho, meu primo Augusto, completou 21 anos, ele lhe ofertou a primeira edição de seu livro de poesias e pensamentos, e durante os meses que antecederam esta publicação teve a simplicidade de querer ouvir minha opinião – à época um acadêmico com pouco mais de 18 anos – sobre seus escri-tos que, naquela ocasião, ainda eram uma coleção de folhas soltas guarda-das em uma pasta. Ouviu também a opinião do Augusto, mas o que ele queria mesmo era nos mostrar como podemos melhorar através da refle-xão sobre o cotidiano. Percebi que a diferença entre as pessoas não está em errar ou não errar, mas na ca-pacidade de reconhecer e aprender com os próprios erros.

Perdoem-me aqueles que espe-ravam ler aqui dados da vida do Dr. Alexandre Canalini relatados

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Só temos que agradecer a Deus a oportunidade que nos foi dada de conviver a aprender com ele.‘

numa fria lista cronológica. Mas como disse no início, estou escre-vendo sobre meu tio e sobre um Homem que cumpriu sua existên-cia e chegou, aos 99 anos, ao fim comum e inexorável de todos nós, deixando um legado, sobretudo, afetivo. Recebemos a melhor he-rança que há: seu exemplo de vida.

Só temos que agradecer a Deus a oportunidade que nos foi dada de conviver a aprender com ele.

Até breve, meu tio.

* O autor é médico urologista.

Itagyba Martins Miranda Chaves

Prof. Dr. Oscar César Pires*

Algumas pessoas entram sorratei-ramente em nossas vidas, ocupam um espaço que de alguma forma já era delas, perpetuam sua memória e deixam enorme saudade.

O Dr. Itagyba entrou em cena na vida em 26/12/1942, graduou-se em medicina pela Universidade Federal de Juiz de Fora em 1966, filiou-se à Sociedade Brasilei-ra de Anestesiologia em 1968 e obteve o Título Superior em Anestesiologia em 1970. Como resultado de uma vida de dedica-ção e estudo, deixou um enorme legado e ensinamentos na prática

da anestesiologia, partindo para novos desafios em 26/09/2016.

Conheci o querido amigo e mes-tre Itagyba Chaves - assim ele me permitia tratá-lo - durante minha graduação na Universidade Fede-ral de Juiz de Fora como aluno e, posteriormente, como residente de anestesiologia, onde permaneci por pouco tempo.

O professor Itagyba era apaixona-do pela anestesiologia e constan-temente carregava sob a axila um exemplar da Revista Brasileira de Anestesiologia, que era alternado por outro - Anesthesiology, sempre nos repassando as novidades da anestesiologia mundo afora e ten-tando desenvolver em seus alunos o gosto pelo conhecimento. Aquele entusiasmo que dele emanava fez de mim seu fã e simpatizante da anestesiologia, assim como muitos outros de seus alunos.

Sempre prezava pelo melhor para seus alunos, e mesmo eu tendo de-sistido de dois grandes programas de especialização em anestesiologia para continuar a ser seu discípulo, quando teve conhecimento desse fato, me fez partir para outro grande serviço, na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, dizendo que eu deve-ria conhecer outras escolas.

O Dr. Itagyba partilhava um amor verdadeiro pela anestesiologia, ao

ponto de exercitar calorosas dis-cussões durante nossos encontros em congressos e jornadas, sempre se mantendo aliado ao rigor acadê-mico, numa postura de generosida-de para com o saber.

Perante tudo isso, não há palavras que contemplem a intensidade de uma vida, nem memória capaz de expressar o real sentimento de sua perda, que nos deixa lembranças que reunimos na esperança de obter algum sentido para esta ca-minhada, destacando a figura hu-mana pela qual desenvolvi especial gratidão por poder compartilhar sua presença em saudosos momen-tos de minha vida.

O professor Itagyba foi, antes de tudo, um homem de princípios, como professor, amigo, compa-nheiro e pai, para o qual a vida reservou, além de um lugar na eter-nidade, outro na memória daqueles que tiveram o privilégio de conhe-cê-lo mais de perto, reconhecendo seu inestimável valor.

Saudades, meu mestre, meu amigo!

* O autor foi presidente da SBA - gestão 2015; é doutor em

ciências e mestre em farmacolo-gia e professor da Universidade

de Taubaté.

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Ruy Vaz Gomide do AmaralProf. Dr. José Otávio Costa Auler Jr.*

Foi com enorme pesar que a Fa-culdade de Medicina da Univer-sidade de São Paulo enfrentou a partida do Professor Emérito Ruy Vaz Gomide do Amaral.

O professor Ruy nasceu em São Paulo, Capital, no dia 25 de julho de 1926, e faleceu no dia 1º de agosto de 2016, aos 90 anos. Gra-duou-se pela Faculdade de Medi-cina da Universidade de São Paulo em 1951 e, desde o início da car-reira, teve um papel fundamental em alavancar e instituir os princí-pios e o desenvolvimento da anes-tesia para cirurgia cardíaca com circulação extracorpórea que se iniciava no Hospital das Clínicas da FMUSP.

Para tanto, especializou-se, du-rante o ano de 1957, no Saint Vin-cent s Hospital, em New York, e em hospitais afiliados à Harvard University, Boston (EUA), em 1958. Ao retornar ao Brasil, já em 1959, ingressou no ainda re-cente Serviço de Anestesiologia do Hospital das Clínicas. Parti-cipou ativamente do projeto de

construção do Instituto do Co-ração (InCor) do HCFMUSP na década de 1970 e dirigiu o Servi-ço de Anestesiologia do InCor de 1977 a 1982.

No âmbito acadêmico, defendeu tese de doutorado e livre-docência na FMUSP, sendo indicado pelo Conselho do Departamento de Cirurgia da instituição ao cargo de chefe da recém-criada discipli-na de anestesiologia, posição que ocupou de 1982 a 1986, quando, após concurso público, tornou-se o primeiro professor a ocupar essa cadeira, entre 1986 e 1996. Quan-do se aposentou da Universidade de São Paulo, recebeu o título de Professor Emérito pela Congre-gação da FMUSP. Mesmo assim, continuou suas atividades profis-sionais como anestesiologista por anos a fio.

O professor Ruy foi uma lideran-ça inconteste na anestesiologia brasileira e, de fato, o pioneiro em anestesia para cirurgia cardíaca, difundindo o conhecimento da especialidade em palestras, pu-blicações e formação de inúme-ros discípulos. Tive a honra e o privilégio de ter sido um de seus

assistentes e gozar de sua amizade e confiança. Após sua aposenta-doria, ocupei sua cadeira, fato que muito me orgulha.

O professor Ruy não viveu sim-plesmente, deixou um legado valioso, uma vida dedicada ao crescimento da especialidade, formando discípulos, exercendo com maestria sua função de gestor e professor, dedicando-se aos pa-cientes sob sua responsabilidade com enorme zelo e atenção. No dia 1º de agosto de 2016, despediu-se suavemente desta vida, mas nós, da comunidade de anestesiologis-tas do HCFMUSP, mantemos a chama acesa de sua memória e de seus ensinamentos.

* O autor é professor titular da disciplina de anestesiologia da

FMUSP e diretor da Faculdade de Medicina da Universidade

de São Paulo.

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SBA Responsabilidade SocialPor Marcius Vinícius M. Maranhão - TSA *

• Foi com um misto de alegria e preocupação que recebi o convi-te para escrever este artigo, que tem como principal objetivo dar informações que possam ajudar pais, familiares, cuidadores e ami-gos de portadores de síndrome de Down (SD) a enfrentarem os de-safios decorrentes do nascimento de uma criança com necessidades especiais. Alegria porque poderei ajudar essas famílias nos cuida-dos básicos de um portador de SD com a experiência de quem tem uma filha com SD, minha Isabe-la de Fátima (Bela), protagonista maior de minha vida. E preocupa-ção porque tentarei ser o mais fiel possível, sem esconder as dificul-dades que enfrentei e valorizan-do as pequenas vitórias do dia a dia. Minha primeira mensagem é que, apesar das dificuldades, essa criança dará muitas alegrias não só a seus pais e familiares, mas a amigos e a todo o meio social em que vivemos.

A notíciaReceber a notícia de que seu filho tem SD ou qualquer outra situação que o transforme em portador de necessidade especial é, a princípio, muito doloroso.

Meu bebê nasceu com síndrome de Down. E aí? Detalhes de uma vida

Em meu caso, tudo começou em 23/12/1986. Minha esposa tinha perdido nosso primeiro filho, cerca de um ano antes, por causa de doença hipertensiva da gravi-dez associada, em minha opinião, a uma gestação malconduzida. A notícia de uma nova gravidez nos encheu de alegria. Mas a doença hi-pertensiva voltou. Gestação difícil, que terminou com indicação de ce-sariana de urgência no sétimo mês, após a realização de uma ultrasso-nografia, por causa de sofrimento fetal. Bela nasceu linda. Chorou forte ao nascer. Embora prematura, evoluiu sem problemas. Passamos a véspera de Natal na maternidade com a família reunida comemoran-do a chegada daquela menininha quietinha de nariz pequeno e que, de vez em quando, colocava a lín-gua para fora.

No dia de Natal fui em casa apa-nhar algumas roupas e, ao voltar para maternidade, encontrei o pediatra conversando com Maria Helena, que tinha uma expressão extremamente triste, com Bela a seu lado. “Algum problema?”, per-guntei. “Vinícius”, disse o pedia-tra, “ao exame físico, encontrei em Isabela traços compatíveis com o diagnóstico de síndrome de Down.

Mas, para termos certeza, devemos consultar um geneticista e fazer seu cariótipo, o de Maria Helena e o de Isabela”. Sou muito emotivo, mas, nesse momento, não chorei. Preci-sava ser forte para enfrentar aquela situação inesperada.

Hoje costumo dizer que, ao saber que seu filho tem uma alteração genética, você enfrenta uma luta de três rounds. O primeiro round eu es-tava enfrentando naquele momento, ao receber a notícia do pediatra. Era como se tivesse levado um soco cru-zado no rosto. Caí, mas consegui me levantar rapidamente. Eu não pode-ria perder essa luta. Tinha ainda dois rounds pela frente. Não podia permi-tir que o destino me derrotasse tão rapidamente. O segundo round eu enfrentaria uma semana depois, na consulta com o geneticista. Entra-mos no consultório. Ele pegou Bela nos braços, colocou-a na maca e a examinou atentamente. Olhou para mim e para Maria Helena e disse o que temíamos: “Eu não tenho a menor dúvida. Ela tem síndrome de Down.”. Lá estava eu de joelhos, mais uma vez, após levar outro cru-zado. Como da primeira vez, levan-tei-me rapidamente. Ainda teríamos o último round. O exame definitivo: o cariótipo. Lá estávamos eu, Bela e

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Receber a notícia de que seu filho tem SD ou qualquer outra situação que o transforme em portador de necessidade especial é, a princípio, muito doloroso.‘

Maria Helena colhendo sangue para fazer o exame. O resultado chegou alguns dias depois: trissomia livre do cromossomo 21. Antes que o destino me derrubasse mais uma vez, eu contra-ataquei e, apesar da força do destino, consegui vencer a primeira de muitas lutas para ofe-recer o que existe de melhor para a filha querida.

Os pais de uma criança portadora de SD, do ponto de vista psicoló-gico, passam, em geral, por cinco diferentes etapas:

◆ negação: “Isto não pode estar acontecendo!”;

◆ raiva: “Por que eu? Não é justo!”; ◆ combinação: geralmente negociamos com Deus, prometendo nos transformarmos em uma pessoa melhor se sairmos daquela situação (súplica). “Vou ser uma pessoa melhor, serei mais gentil...”

◆ depressão: “Estou tão triste... Por que me preocupar com qualquer coisa?”;

◆ aceitação: “Tudo vai acabar bem!”.

Algumas dessas etapas podem ser suprimidas na dependência de ou-tras situações concomitantes.

Em meu caso, a fase de negação foi muito evidente. Em uma época em que não existia internet, a procura em livros de pediatria e genética

por informações que nos propor-cionassem pelo menos a dúvida no diagnóstico foi intensa. Mas uma situação nova me faria passar da fase de negação para a fase de acei-tação, como veremos adiante.

No exame clínico inicial foi aus-cultado um sopro cardíaco, que foi confirmado pela cardiologista pediátrica. Em razão disso, foi solicitado um ecocardiograma, que mostrou doença do septo atrioventricular de forma parcial. Nesse momento, a dor de perdê-la foi muito maior do que a dor da notícia de que ela era portadora de SD. Nessa hora, todas aquelas etapas de alterações psicológicas, além da negação inicial, desapa-receram. Eu queria minha filha a meu lado de qualquer maneira. Ti-vesse ou não SD. Nesse momento, eu chorei.

A estimulação precoceO principal objetivo dos pais com relação ao filho é tornar o portador de SD o mais independente pos-sível, preparando a criança para a vida futura.

Esse preparo começa com a estimu-lação precoce realizada pelos pais e familiares, auxiliados por fisiotera-peutas, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais, sob a coordenação do médico assistente. Se não houver contraindicação (cardiopatias), essa estimulação deverá começar nos

primeiros dias de vida. É a chave ini-cial do sucesso.

As comorbidades É importante enfatizar que, da mesma maneira que as crianças, os adolescentes, os adultos e os idosos da população em geral, os portado-res de SD necessitam de consultas periódicas a pediatras, clínicos e especialistas de diferentes especiali-dades, em virtude de algumas doen-ças serem mais prevalentes nessa população, como veremos adiante. Visitas ao odontólogo é obrigatória.

Vamos procurar falar das comor-bidades mais frequentes na SD, es-pecialmente aquelas com as quais tive oportunidade de conviver com Isabela.

Cardiopatias congênitasAs cardiopatias congênitas estão presentes em 50% dos bebês com síndrome de Down. As mais fre-quentes são o defeito do septo atrioventricular de forma total (DSAVFT), comunicação inter-ventricular (CIV) e persistência do canal arterial (PCA), entre as car-diopatias que não apresentam cia-nose; e a tetralogia de Fallot, entre as cianóticas.

Em Bela, logo nos primeiros dias de vida, foi identificado um sopro cardíaco. Feito um ecocar-diograma, foi diagnosticado um defeito de septo atrioventricular

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de forma parcial, com indicação de correção cirúrgica no primei-ro ano de vida. Os cuidados até a realização da cirurgia foram exaustivos para que ela chegasse à sala de cirurgia na melhor con-dição possível. O cuidado com a medicação, com a umidade, com a temperatura do quarto, tudo era muito minucioso. Bela conseguiu ganhar peso. Não apresentou ne-nhuma intercorrência médica até o dia da cirurgia. E aos 8 meses de vida estava nossa pequena guer-reira pronta, em São Paulo, para enfrentar sua primeira grande ba-talha. A 30 anos atrás fazer uma cirurgia cardíaca nos deixava apavorados. Sucesso total. Volta-mos para Recife com nossa filha curada. Esse fato foi tão marcante em minha vida que, alguns anos após a cirurgia de Bela e até hoje, a maior parte de minha atividade como anestesiologista é dedica-da a cirurgia cardíaca pediátrica, quando tenho a oportunidade de, frequentemente, realizar aneste-sia em crianças portadoras de SD. Quando vejo aqueles pais assus-tados, muitos levando nos braços seu primeiro filho, temendo por sua vida, lembro que passei por isso. Nesse momento, extrapolo minha função de anestesiologis-ta e passo para eles orientações gerais de como melhorar o desen-volvimento de seus filhos. E isso é muito gratificante.

HipotireoidismoA incidência de hipotireoidismo é aumentada na SD. Pode ser congê-nito, mas, na maioria das vezes, é decorrente de doença autoimune, como a tireoidite de Hashimoto. Bela apresentou hipotireoidismo na adolescência. A utilização de hormônio tireoidiano é imprescin-dível. Dosagens de TSH e T4 livre a cada seis meses são obrigatórias. A necessidade do ajuste da dose do hormônio tiroidiano não é rara.

EpilepsiaEntre as comorbidades que Bela apresentou, a que mais nos assus-tou foi a ocorrência de convulsões (frequentes na SD) noturnas, na vida adulta, que tive oportunida-de de presenciar. Ainda hoje, me lembro daquelas noites. Era como se minha filha me pedisse ajuda, e eu, médico, não pudesse ajudar. Demorei muito a descobrir que eu não era o médico, e sim o pai de Bela. Foram três convulsões em um espaço de dez dias. Todos os exames - ressonância, tomografia, polissonografia e EEG - estavam normais. Era o que os neurologis-tas chamam de convulsão idiopá-tica (sem causa definida). Com o uso de medicação, não houve mais nenhuma crise. Mas a escolha do anticonvulsivante não foi fácil pela frequência dos efeitos adversos. Quando as convulsões surgem na

fase adulta, os anticonvulsivantes são geralmente utilizados por toda a vida por causa do risco de nova crise convulsiva. Mas ainda hoje não a deixamos dormir sozinha. Fazemos um rodízio a cada noite. Pode ser bobagem, mas para nossa família é amor.

Alterações ortodônticasBela, nos últimos dois anos, vem apresentando dor facial atípica bi-lateral, de difícil tratamento, pro-vavelmente em razão de problemas ortodônticos (bruxismo, mordida cruzada). Lembro-me da fonoau-dióloga falando: “Dr. Vinícius, se não cuidar do bruxismo e da mor-dida cruzada da Bela, ela vai ter problemas de dor facial no futuro.”. Tentamos, inúmeras vezes, reali-zar o tratamento ortodôntico, mas Bela não colaborou. Hoje me arre-pendo de não ter sido mais enérgi-co. Apesar da consulta a diversos especialistas e várias terapêuticas, a melhora da dor é pequena. Con-tinuamos na luta.

Refluxo gastroesofagianoHá dois anos, Bela apresentou tosse seca persistente. Consulta a pneumologista, raios X de tórax e tomografia computadorizada foram realizados. Tudo normal. O dia todo tossindo, só tinha paz quan-do dormia. E nós sofrendo junto com ela... Após seis meses, aven-tou-se a possibilidade de refluxo

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gastroesofagiano. Uma cintilografia para refluxo confirmou o diagnósti-co. Tratamento difícil e prolongado, mas, graças a Deus, teve sucesso. Ainda hoje, quando ela vai fazer as refeições, pergunta se vai tossir.

ObesidadeA obesidade nessa população é frequente. A participação de um nutricionista é importante na ela-boração da dieta do portador de síndrome de Down, que apresenta necessidades específicas. O grande problema é que a maioria dos nutri-cionistas não tem experiência com pacientes portadores de SD. Esse grupo de pacientes tem geralmente uma dieta muito limitada. Só se ali-menta do que gosta. É muito difícil introduzir algum alimento diferen-te. A nutricionista, então, elabora uma dieta igual à de um paciente sem deficiência intelectual, e aí ele não aceita. Já levei Bela a diversos nutricionistas, sem resultado. En-quanto esses profissionais não rea-lizarem uma dieta que se baseie no que o paciente goste de comer, os resultados no que se refere à obesi-dade serão muito pobres.

Alterações do sonoÉ muito comum na SD. Desde quando Bela era lactente, acordava frequentemente durante a noite. Há quase 30 anos não se fazia po-lissonografia em Recife. Tivemos que ir para São Paulo. O resultado

evidenciou um sono REM exa-cerbado. Não tínhamos coragem de deixá-la dormir sozinha, com medo de que acontecesse alguma coisa. Fazíamos um revezamento: eu, minha esposa e alguns familia-res, cada noite um de nós dormia com ela. Lembro que, nessa época, eu estava estudando para o TSA. Quando eu ia dormir com Bela, levava o livro do Miller (naquela época, eram três volumes traduzi-dos para o português) para o quar-to. Quando ela acordava, ia com ela para a cadeira de balanço. Segurava Bela com um braço e com o outro, o livro do Miller, aproveitando uma luz fraquinha de abajur.

Alopecia areataBela, desde a infância, apresenta queda de cabelo, formando ilhas, com períodos de exacerbação e re-missão. É uma doença imunológica conhecida como alopecia areata. Lembro-me da primeira vez em que fomos ao dermatologista. Ele falou que a alopecia poderia ser de graus variados, ou seja, poderia atingir certas áreas ou ser ou total, como o Esperidião Amim (uma analogia a um político conhecido de Santa Catarina). Saímos do consultório arrasados. Seria mais um motivo para aumentar o preconceito com nossa filha.

Graças a Deus, no caso de Bela, foi uma alopecia parcial. Não existe

tratamento para a alopecia areata. Uma minoria responde ao uso de uma solução capilar de minoxidil a 5%.

Doença periodontalEm que pese a frequência de cáries ser menor nos portadores de SD quando comparados com a po-pulação em geral, a incidência de doença periodontal é elevada por causa da higienização deficiente da cavidade oral. Embora a criança maior possa, ela própria, escovar os dentes, essa higienização deverá ser supervisionada pelos pais. Visitas ao odontólogo a cada seis meses é obrigatória para uma higieniza-ção mais rigorosa. É importante enfatizar que é possível realizar, em crianças com SD, tratamentos odontológicos sem a necessida-de de sedação ou anestesia geral, sendo fundamental a experiência do odontólogo com pacientes com necessidades especiais.

Relacionamento com os paisTal relacionamento é caracterizado pelo amor imenso bilateral. Quando minha filha me beija e abraça, deixa transparecer um sentimento tão profundo que me emociona. Frases como “Eu te amo”, “Você é a luz do meu viver”, “Eu não sei viver sem você”, “Painho, você está doente. Eu não vou para a aula. Vou cuidar de você” são ditas com tanta sincerida-de que me enchem de felicidade.

Esse grupo de pacientes tem geralmente uma dieta muito limitada. Só se alimenta do que gosta.‘

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Em meu aniversário, ela acorda às 4h da manhã e fica cantando “Pa-rabéns pra você” esperando que eu acorde. Às 5h, ela não consegue aguentar a ansiedade e entra no meu quarto: “Painho, feliz aniver-sário. Eu te amo!”.

Lembro-me de Bela já adulta nas festas do Dia dos Pais no colégio. Eu, o pai mais velho. Os outros pais com idade para serem meus filhos. E eu lá sentado no chão ouvindo minha filha cantar para mim ou participando de atividades espor-tivas (sem nenhuma aptidão) e ela torcendo por mim como se eu fosse o maior atleta do mundo. Naquele momento o mundo somos eu e ela.

Às vezes brigamos. Geralmente por teimosia, birra de Bela. Nossas bri-gas não duram mais de 30 minutos. “Painho, desculpe, juro que não faço mais isso. Você não sabe que eu amo você?”. Daqui a pouco esta-mos entre beijos e abraços. Felizes outra vez. Assim é nossa vida.

Relacionamento entre os pais e os familiaresO relacionamento entre o pai e a mãe de um portador de SD é com-plexo. Primeiro, porque não é fácil ser pai ou mãe de um filho com ne-cessidades especiais. As incertezas do presente e do futuro; a presença de comorbidades; a necessidade de um suporte financeiro para dar a seu filho o que existe de melhor e

a estimulação precoce são motivos de um elevado grau de estresse. Existe uma cobrança muito gran-de. Um achando que está sendo “explorado” pelo outro. O apoio da família é fundamental, no sentido de apaziguar os ânimos e restaurar a harmonia familiar. Apesar desses conflitos, a incidência de divórcio entre casais com filho com SD é se-melhante à da população em geral, cerca de 10%, e muitos destes já não tinham bom relacionamento antes do nascimento de seu filho com ne-cessidades especiais. Parece que as crianças com SD têm a capacidade de unir seus pais para que, juntos, possam realizar sua caminhada.

Inclusão na escolaA inclusão pedagógica do portador de SD é extremamente difícil, prin-cipalmente nas regiões menos favo-recidas do Brasil. É uma tarefa árdua para os pais. A maioria das escolas públicas não oferece a inclusão. As que oferecem estão longe de propor-cionar educação de qualidade. As crianças ficam nas classes regulares sem nenhuma atenção especial. As escolas privadas também têm gran-de dificuldade em oferecer inclusão educacional adequada. Normal-mente, essas crianças são colocadas em classes especiais juntas com ou-tros deficientes (visuais, auditivos), muitas vezes sem nenhum programa pedagógico individualizado. Depois são colocadas em classes regulares,

com auxílio de professores (esta-giários) itinerantes. Na maioria das vezes, esses alunos voltam para as classes especiais com inúmeras tentativas de inclusão posteriores. Mesmo com essas dificuldades, os pais não devem desanimar, muito pelo contrário, precisam exigir uma educação inclusiva de qualidade para seus filhos.

Lembro que nas reuniões com os professores, quando Bela enfren-tava qualquer dificuldade, a culpa do insucesso era sempre nossa, dos pais. Isso era muito doloroso e, acima de tudo, mentiroso. A escola tinha sua parcela de responsabili-dade e tentava esconder sua incom-petência responsabilizando os pais.

É importante que os pais não criem expectativas com relação à evolução pedagógica de seus filhos. Isso pode levar a sofrimento e frustração. Não que fiquemos acomodados. Isso nunca. Devemos sempre procurar o melhor, dentro do possível, para nossos filhos. Todos os portadores de síndrome de Down apresentam graus diferentes de deficiência in-telectual. Alguns conseguirão con-cluir um curso superior, outros, o ensino médio, outros serão alfabe-tizados. Mesmo os que apresentam maiores dificuldades poderão, com o esforço conjunto da família e da escola, conseguir algum progresso, que deverá ser valorizado como se fosse uma grande vitória.

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Inclusão no mercado de trabalhoHistoricamente, as pessoas com deficiência foram segregadas e mantidas à margem do mercado de trabalho. Hoje, evidencia-se a rele-vância desse tema, pois a inclusão de pessoas com deficiência, na so-ciedade em geral e, principalmente, no mercado de trabalho é um fato que alcançou gradativo destaque no contexto brasileiro após a criação da Lei 8.213/1991, a Lei de Cotas, que estabelece a obrigatoriedade para as empresas do cumprimento da porcentagem ou cota determinada de pessoas com deficiência em re-lação ao total de empregados. Mas problemas existem. As deficiências podem ser físicas, sensoriais (visão e audição) e intelectuais, nas quais está incluída a síndrome de Down. A maioria das empresas dá preferência a pessoas com deficiência física ou sensorial, quando comparadas com aquelas com deficiência intelectual e que não são alfabetizadas. Mesmo os portadores de SD com nível superior e ensino fundamental e médio com-pletos apresentam maior dificuldade para entrar no mercado de trabalho quando comparados com os porta-dores de deficiências físicas e senso-riais com escolaridade semelhante. Estima-se que apenas 3% dos porta-dores de SD conseguem emprego.

As pessoas que não estão emprega-das tendem a ter mais depressão e menos autoestima. Isso acontece

porque o ambiente de trabalho ajuda os indivíduos a ganharem responsabilidade e desenvolve-rem relacionamentos com grupos diversos. Além disso, favorece o desenvolvimento de habilidades cognitivas, mecânicas e de adapta-ção a diferentes situações, inclusive na vida pessoal.

A entrada no mercado de trabalho é um passo importante para que os jovens possam fazer a transi-ção entre o mundo da infância e o mundo adulto. O excesso de preo-cupação por parte de familiares e amigos muitas vezes torna essa passagem difícil para as pessoas com síndrome de Down, principal-mente pela forma com que elas são tratadas e pelas baixas expectativas em relação à sua função na socie-dade. Entre as empresas que mais empregam deficientes intelectuais no Brasil estão a Raia Drogasil, o McDonald’s, o Carrefour e o Pão de Açúcar.

Sexualidade na síndrome de Down“Portadores de síndrome de Down têm sexualidade exacerbada?” Isso é um mito. A sexualidade é expos-ta, não exacerbada.

As pessoas com Down não têm inibição social para traduzir o que pensam ou sentem. Eles podem na-morar e casar normalmente, desde que seja dada oportunidade.

Penso que a concepção na popula-ção Down não é desejável. Quando o pai e a mãe são portadores de trissomia do 21, o risco de gerar um filho com SD é de 80%. Quando apenas um deles tem SD, o risco cai para 50%. A maioria dos rapazes com SD é estéril. Normalmente, os avós é que se responsabilizam pelos cuidados dessas crianças cujos ge-nitores apresentam SD.

Para aqueles que têm vida sexual ativa, o uso de preservativos é o método anticoncepcional mais re-comendável. Se essa população for orientada, a maioria dos portadores de SD saberá utilizar o preservati-vo de maneira adequada, porque além de evitar doenças sexualmen-te transmissíveis, o uso do preser-vativo poupa o portador de SD da utilização de hormônios (anticon-cepcionais) por via oral, intramus-cular ou até por depósito cutâneo, que podem apresentar diversos efeitos adversos e risco na utiliza-ção de dispositivos intrauterinos.

Atividades esportivasA prática de esportes é uma valio-sa ferramenta no desenvolvimento físico e emocional de portadores de SD. Natação e judô, entre ou-tras modalidades esportivas, são recomendados. A consulta ao mé-dico assistente é desejável porque, dependendo da presença de co-morbidades, algumas modalidades

A inclusão pedagógica do portador de SD é extremamente difícil, principalmente nas regiões menos favorecidas do Brasil.‘

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esportivas deverão ser evitadas. Por exemplo, portadores de insta-bilidade da articulação atlantoaxial (C1-C2) não deverão praticar es-portes que tenham impacto sobre a região cervical por causa do risco de isquemia medular.

Relacionamento da família com os cuidadores (babás)A maioria dos portadores de SD, principalmente quando crianças, necessitará da presença de cuida-dores. A escolha criteriosa desses profissionais, com recomendação de pessoas idôneas e, principal-mente, vigilância por parte de pais e familiares, evitará surpresas desa-gradáveis futuras (maus-tratos).

Quando eu não existir mais, como ficará meu filho?Esse é um tema que causa muita preocupação aos pais de um porta-dor de síndrome de Down. Quanto eu não existir mais, como ficará meu filho? A ordem natural da vida é que os pais partam antes dos filhos. E isso não é diferente para os por-tadores de SD. Hoje a expectativa de vida de um portador de SD é de 70 anos. A partida dos pais causa grande sofrimento aos filhos. Na população Down, esse sofrimento é aumentado. O vinculo afetivo é muito grande, portanto, a dor pela perda é elevada. Como podemos minimizar essa perda? Acho que o primeiro passo é tornar seu filho o

mais independente possível. Que ele tenha autonomia, ou seja, que ele possa de conviver com uma socieda-de que compartilha e auxilia. De que maneira poderemos fazer isso? Que os pais evitem a superproteção. Que seu filho tenha amigos. Que tenha uma vida social. Que trabalhe. Que namore. Que se case, se as condi-ções familiares forem favoráveis. Que a família participe de todas as etapas da vida dessa criança especial desde o nascimento até a vida adul-ta. Agindo assim, conseguiremos que nossos filhos possam viver, da melhor maneira possível, sem nossa presença. É logico que o portador de SD necessitará de um apoio para resolver as questões financeiras e ju-diciais para evitar abusos de pessoas mal-intencionadas. O portador de Down, durante a vida toda, distri-buiu amor para os que estão a sua

volta. Tenho certeza de que a famí-lia e os amigos vão ajudá-lo nos mo-mentos difíceis, quando nós, pais, não mais estaremos presentes.

Hoje, ao sair de casa para trabalhar, escuto: “Painho, bom trabalho. Você vem almoçar? Dê notícias. Eu te amo!”. Nesse momento, mais uma vez, eu agradeço a Deus Bela existir em minha vida e tenho a certeza de que tudo, absolutamente tudo, valeu a pena. ■* O autor é pai de Isabela de Fátima

Maranhão, portadora de síndrome de Down - capa desta revista.

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SBA Prata da CasaPor Mercedes Azevedo *

• Nome: Emmanuel Isaías de Souza Correia.

Profissão: médico formado pela Universidade Federal da Bahia, em 1998.Especialidade: anestesiologista - especialização realizada no Centro de Ensino e Treinamento do Hos-pital São Rafael - Salvador/BA, no período de 1/2/1999 a 31/1/2001.Idade: 43 anos.

Anestesia em revista: Como e quando começou seu interesse pela fotografia?

Emmanuel Isaías de Souza Cor-reia: Sempre gostei muito de viajar e de registrar os momentos mais marcantes dessas viagens. Para isso, adquiri meu primeiro equipamen-to, que era uma câmera automática, mas que também permitia pro-gramação manual. Porém, podia observar que existiam diversas li-mitações inerentes ao equipamento que eu possuía e também a meu co-nhecimento da técnica fotográfica propriamente dita. Foi quando, em 2010, eu e minha esposa havíamos programado uma viagem ao Egito. Resolvi me matricular num curso básico de fotografia. A partir daí, o interesse por essa arte foi ficando cada vez maior.

Médico e fotógrafo por devoção!

AR: Teve algum tipo de formação para o desenvolvimento de suas habilidades ou aprendeu sozinho, praticando?

EC: Fazer um bom curso de fotogra-fia é determinante! Às vezes, as pes-soas admiram uma foto e a primeira pergunta é procurar saber qual foi o equipamento utilizado. Mas de que adianta saber qual foi a câme-ra e qual foi a lente se a pessoa não sabe como programar para obter o resultado esperado? O equipamento é fundamental, claro, sem ele não há foto! Numa produção fotográfi-ca, 30% depende do equipamento e 70% do profissional. Os cursos e workshops não apenas dão dicas sobre o funcionamento do equipa-mento, como também mostram téc-nicas fotográficas para desenvolver o olhar, refinar o senso crítico dentro de um conhecimento estético e pro-duzir um bom portfólio.

AR: Sua relação com a fotografia é apenas um “hobby” ou é também profissional?

EC: A fotografia ainda é um hobby para mim; mas procuro levar essa atividade com seriedade, investin-do em cursos e workshops para meu aprimoramento técnico, bem como em material e equipamento. Dessa

forma, pouco a pouco, venho ga-nhando espaço nesse mercado.

AR: Como descreve seu estilo fotográfico?

EC: Existem áreas dentro da foto-grafia que despertam maior interes-se, como a fotografia de paisagem, a street photography, que é a fotografia de rua (infelizmente, difícil de ser realizada no Brasil, por questões de segurança), e a fotografia noturna.

AR: Sendo um profissional médico, com que frequência você se dedica à fotografia?

EC: Busco conciliar a prática desse hobby quando estou com a família ou nas viagens (que é o momento de renovar o estoque de fotos do port-fólio). Todo o tempo restante ainda é dedicado à anestesiologia, que é minha realização como médico.

Em uma conversa com um amigo, ele fez uma observação muito in-teressante: na anestesiologia, meu principal objetivo é reduzir (ou bloquear) as sensações do paciente. Na fotografia ocorre exatamente o oposto: faz-se necessário que a obra cause alguma impressão ou desperte algum sentimento no observador; e é a busca dessa impressão que torna a fotografia um mundo fascinante!

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AR: Qual seu principal objetivo ou projeto com a atividade fotográfica?

EC: Estou avaliando o melhor mo-mento para investir numa exposi-ção particular - venho aumentando meu portfólio de fotos para esse fim. Vivemos uma época de valoriza-ção crescente do mercado de arte. Assim, a fotografia firmou-se como arte visual, com o aumento de sua participação em decoração de am-bientes. Aliado a isso, o crescimen-to das redes sociais mais voltadas para a fotografia (como Facebook, Instagram e Pinterest) facilita o re-conhecimento das fotos por arquite-tos, decoradores e pelo consumidor final. Uma grande alegria para quem fotografa é saber que outras pessoas estão abrindo o ambiente de suas casas ou escritórios para uma obra que você elaborou.

AR: Já realizou alguma exposição?

EC: Em junho de 2016, participei de uma exposição de fotografia em São Paulo e, em novembro de 2016, fui premiado, na categoria bronze, no Festival Internacional de Foto-grafia do Brasília Photo Show, DF.

AR: O que é fotografia “fine art”?

EC: Tecnicamente falando, o termo “fine art” inclui a fotografia no ramo das artes visuais, desde que ela seja autoral e esteja impregnada de signi-ficados. A fotografia fine art abrange

todo o processo da fotografia, que vai desde a composição/enquadra-mento até a captura de imagem. É desejável que ela esteja associada a técnicas de impressão também fine art, que visam garantir a longevidade e a permanência da obra. Filosofica-mente falando, seria praticamente a impressão do artista (no caso o fotó-grafo, se falarmos de arte fotográfica) e sua forma de enxergar o universo que o cerca e retratá-lo por meio de sua técnica e conhecimento.

AR: Qual sua fotografia preferida e por quê?

EC: Tenho uma relação especial com uma fotografia bem específi-ca, pois foi minha primeira foto que despertou o interesse de arquitetos, a fim de ser utilizada na decoração de ambientes. Foi essa foto que me garantiu uma premiação na catego-ria bronze do Brasília Photo Show - entre mais de 7 mil fotos inscritas a minha ficou em 68º lugar. Ela foi feita de forma despretensiosa, num vilarejo no Recôncavo Baiano cha-mado Santiago do Iguape, no fim de tarde, com os barcos atracados no mangue e um pescador saindo da água.

AR: O que gostaria de deixar registrado sobre essa atividade e o que ela representa em sua vida?

EC: Acho primordial que todos tenham um hobby. A área médica

consome muito de nosso tempo e nossa juventude.

A fotografia despertou em mim um interesse especial em conhecer o ambiente que vou fotografar e me aprofundar nele, me levando a des-cobrir um mundo fora das paredes dos hospitais.

Não apenas em viagens longas, há também uma riqueza cultural bem próxima de nós à qual o dia a dia não nos permite dar atenção.

Ter uma atividade prazerosa fora do ambiente médico amplia nossos horizontes, nossa cultura, nosso círculo de amizades, libera endor-finas e funciona como um antide-pressivo natural! ■

* A autora é gerente administrativa e financeira da SBA e editora da

revista Anestesia em revista

Exposição de fotografia:

... necessário que a obra cause alguma impressão ou desperte algum sentimento no observador; e é a busca dessa impressão que torna a fotografia um mundo fascinante!‘

Emmanuel

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Fotos de uso exclusivo do autor, cedidas à Sociedade Brasileira de Anestesiologia, exclusivamente para publicação na “Anestesia em Revista 02/2017”.

Night Rush

Vintage Bike

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no

Pier

Fonte no Circuito mágico das águas, Lima-Peru

Igreja de Nossa Senhora do Rosario dos Homens Pretos, Pelourinho, Salvador-BA

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Millennium Bridge

Igreja de Nossa Senhora do Rosario dos Homens Pretos, Pelourinho, Salvador-BA

Pescadores da Praça Mauá

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Festa popular do Bembé do Mercado, na cidade de Santo Amaro da Purificação - BA, 2016

Para conhecer melhor o trabalho de Emmanuel:

Instagram: eicorreiaFacebook: Emmanuel Correia email: [email protected]

Foto premiada - Vilarejo no Recôncavo Baiano chamado Santiago do Iguape

Responsabilidade SocialCampanha de prevenção do suicídio

Você conhece alguém que está pensando em tirar a própria vida ou que já cometeu suicídio?

A SBA, preocupada com o aumento dos índices de suicídio registrados na classe médica e pensando especialmente em como ajudar os anestesiologistas que, porventura, precisem de auxílio, há anos vem envidando esforços no aprimoramento das boas práticas, com atividades que levem a maior conscientização sobre a necessidade de cuidarmos da saúde ocupacional de nossos associados. Temos publicado artigos e livro sobre saúde ocupacional e ainda criamos o Simpósio Internacional de Saúde Ocupacional (SISO), que, neste ano, terá sua quinta edição em Goiânia/GO, no dia 22 de setembro.

Ainda faltava mais, como ouvir e conduzir as pessoas que nos procuram, orientar aqueles que nos pedem ajuda sobre o que fazer com pessoas de seu convívio com quadros graves de depressão ou dependência química e como ser realmente útil e eficiente na tentativa de salvar vidas, não pela doença do corpo, mas, sim, pela doença emocional.

Ficar triste é natural, mas ser triste pode ser perigoso, principalmente quando se decide desistir de acreditar na vida. Pessoas que sofrem de depressão precisam perceber que podem ser amparadas em momentos difíceis da vida, para que não cheguem a pontos extremos como o suicídio.

Foi para unir forças que a SBA procurou ajuda de pessoas treinadas nesse tipo de ação preventiva. E dessa ação nasceu uma parceria com o Centro de Valorização da Vida (CVV) e a Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio (Abeps).

• CVV – http://www.cvv.org.br/

• Abeps – http://www.abeps.org.br/prevencao/

Não vamos nunca desistir da vida!

Não vamos nunca desistir de ser e fazer feliz!

CVVCentro de Valorização

da Vida

Disque: 141

A Sociedade Brasileira de Anestesiologia, juntamente com a Sociedade de Anestesiologistas Cardiovasculares (SCA) tem a honra de organizar o 16th International Congress of Cardiovascular Anesthesia (ICCVA).

É um prazer e uma honra convidá-lo a participar.

Mais de 70 especialistas de renome internacional darão palestras sobre o estado da arte e workshops estarão disponíveis para o desenvolvimento de habilidades essenciais.

• Conheça nossos palestrantes: http://iccvario2017.org/br/palestrantes/

A submissão de trabalhos científicos está aberta. Não perca o prazo (31 de Julho de 2017)!

• Envie seu trabalho a tempo: http://iccvario2017.org/br/temas-livres/

Escolhemos um lugar maravilhoso para recebê-lo!

Conheça mais sobre o Rio de Janeiro!

• Cadastre-se no Congresso: http://iccvario2017.org/br/inscricoes/

Nos vemos no Rio de Janeiro!