anais gt 2014 20março

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Anais do III Simpósio do GT História das Religiões e das Religiosidades da Associação Nacional de História (GTHRR-ANPUH) – Vida e Morte nas Religiões e nas Religiosidades. Revista Brasileira de História das Religiões. Maringá (PR) . V, n.18, jan/2014. ISSN 1983-2850. 1 ANAIS DO III SIMPÓSIO DO GT HISTÓRIA DAS RELIGIÕES E DAS RELIGIOSIDADES DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE HISTÓRIA (ANPUH) GTHRR – REGIONAL SUL

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  • Anais do III Simpsio do GT Histria das Religies e das Religiosidades da Associao Nacional de Histria (GTHRR-ANPUH) Vida e Morte nas Religies e nas Religiosidades. Revista

    Brasileira de Histria das Religies. Maring (PR) . V, n.18, jan/2014. ISSN 1983-2850.

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    ANAIS DO III SIMPSIO DO GT HISTRIA DAS RELIGIES E DAS RELIGIOSIDADES DA ASSOCIAO NACIONAL DE HISTRIA

    (ANPUH) GTHRR REGIONAL SUL

  • Anais do III Simpsio do GT Histria das Religies e das Religiosidades da Associao Nacional de Histria (GTHRR-ANPUH) Vida e Morte nas Religies e nas Religiosidades. Revista

    Brasileira de Histria das Religies. Maring (PR) . V, n.18, jan/2014. ISSN 1983-2850.

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    PROMOO:

    ASSOCIAO NACIONAL DE HISTRIA SEO DO PARAN

    GT DE HISTRIA DAS RELIGIES E DAS RELIGIOSIDADES ANPUH/PR

    GT DE HISTRIA DAS RELIGIES E DAS RELIGIOSIDADES ANPUH/SC

    GT DE HISTRIA DAS RELIGIES E DAS RELIGIOSIDADES ANPUH/PR

    DEPARTAMENTO DE HISTRIA DHI/UEM

    LABORATRIO DE ESTUDOS EM RELIGIES E RELIGIOSIDADES LERR/UEM

    APOIO:

    DIRETORIA DA ANPUH/PR Angelo Priori Presidente Frank Antnio Mezzomo Vice-presidente Mrcia Elisa Tet Ramos Secretria geral Edson Armando da Silva Tesoureiro GT HISTRIA DAS RELIGIES E DAS RELIGIOSIDADES ANPUH Solange Ramos de Andrade Coordenadora Nacional Vanda Fortuna Serafim Coordenadora Seo Paran Artur Csar Isaia Coordenador Seo Santa Catarina Gerson Machado Vice-coordenador Seo Santa Catarina Gizele Zanotto Coordenadora Seo Rio Grande do Sul Marta Rosa Borin Vice-coordenadora Seo Rio Grande do Sul

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    Brasileira de Histria das Religies. Maring (PR) . V, n.18, jan/2014. ISSN 1983-2850.

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    COMISSO ORGANIZADORA DO EVENTO Vanda Fortuna Serafim UEM Solange Ramos de Andrade UEM Natally Vieira Dias UEM Jos Henrique Rollo Gonalves UEM Artur Csar Isaia UFSC Marta Rosa Borin UFSM

    COMISSO TCNICO-CIENTFICA

    Angelo A. Priori UEM Artur Cesar Isaia- UFSC Cludia Touris Universidad de Buenos Aires Eliane Cristina Deckmann Fleck- UNISINOS Gerson Machado - FCJ/MASJ Gizele Zanotto - UPF Jos Carlos Gimenez - UEM Marta Rosa Borin - UFSM Patrcia Fogelman - Universidad de Buenos AiresRichard Gonalves Andr - UEL Terezinha Oliveira UEM Solange Ramos de Andrade - UEM COMISSO DISCENTE Agamedes Leite FonsecaDaniel Lula Costa

    Flvio Guadagnucci Palamin Giovane Marrafon Gonzaga Helisson de Oliveira Soares Las Pinheiro de Souza Guelis Leide Barbosa Rocha Schuelter Maria Helena Azevedo Ferreira

    Mariana Rodrigues da Silva Michel Bossone Murilo Toffanelli Rafaela Arienti Barbieri Tereza de Fatima Mascarin Thauan Berto dos Santos

    Tnia Kio Fuzihara Piccoli

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    APRESENTAO

    O III Simpsio do GT Histria das Religies e das Religiosidades da Associao Nacional de

    Histria (GTHRR-ANPUH), foi realizado na Universidade Estadual de Maring (UEM), de 5

    a 7 de novembro de 2013. A Regional Sul do GTHRR-ANPUH corresponde aos Estados do

    Paran, do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina.

    Vida e Morte nas Religies e nas Religiosidades foi o tema desta edio do encontro, que

    oportunizou produtivas discusses, agregando significativas contribuies s nossas pesquisas

    e nossa atuao docente.

    O evento contou com duas conferncias proferidas pelas prefessoras Dra. Solange Ramos de

    Andrade (UEM) e Dra. Edilece Souza Couto (UFBA).

    As mesas-redondas versaram sobre variadas manifestaes religiosas, contando com a

    presena dos seguintes profissionais:

    Prof. Dr. Artur Cesar Isaia (UFSC), Prof Dra. Marta Rosa Borin (UPF), Prof Dra. Virgnia

    Albuquerque de Castro Buarque (UFOP), Prof. Dr. Gilberto Martins (UNESP-Assis), Prof

    Dra. Vanda Serafim (UEM), Prof. Dr. Gerson Machado (UFSC),Prof Dra Karin Volobuef

    (UNESP-Araraquara), Prof Dra Aline Dias da Silveira (UFSC), Prof. Dra. Salma Ferraz

    (UFSC), Prof. Dr. Sylvio Fausto Gil Filho (UFPR), Profa. Dra. Eliane Cristina D. Fleck

    (UNISINOS), Prof. Dr. Jos Henrique Rollo Gonalves (UEM).

    Houve, ainda, os Simpsios Temticos que trataram das questes referentes A morte e o bem

    morrer na transio para a modernidade, Encruzilhadas historiogrficas:crenas medinicas

    e afro-brasileiras, Religiosidades e culturas na Amrica Latina, Religies e religiosidades

    e suas representaes no cinema e na literatura, Religio, instituies e pluralismo

    religioso, Religies e religiosidades orientais:confluncias e conflitos e Literatura

    religiosa e os discursos sobre a morte e o morrer.

    Os textos que seguem so resultados das discusses e apresentaes de trabalhos nas trs

    tardes do evento por meio dos Simpsios Temticos.

    Agradecemos a participao e empenho de todos que contribuiram para a realizao deste

    evento.

    E desejamos a todos uma boa leitura!

    Vanda Fortuna Serafim

    Solange Ramos de Andrade

    (Coordenadoras do evento)

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    SumrioPgina TTULO - Autor

    001 -A BOA MORTE EM COMBATE: O MANUAL DE ORAES DO SOLDADO BRASILEIRO DA

    FORA EXPEDICIONRIA BRASILEIRA NA

    SEGUNDA GUERRA MUNDIAL Adriane Piovezan

    021 - A ROMANIZAO NA AMAZNIA: UM BISPO ULTRAMONTANO NO PAR

    OITOCENTISTA ENTRE A IGREJA E O ESTADO

    Allan Azevedo Andrade

    033 - A MEDICINA NATURAL EM JARDIM ALEGRE- PR (SCULO XXI) Ana Paula Mariano Dos

    Santos (LERC UEM) Eloize Fabola Nascimento

    Schimmelfenig (LERC UEM) Dra. Vanda Fortuna

    Serafim (Orientadora-UEM)

    040 - UMA ANLISE DO AFRESCO CRUCIFICAO, DE GIOTTO NA BASLICA DE

    SO FRANCISO, ASSIS. Andr Luiz Marcondes

    Pelegrinelli .Orientadora: Profa. Dra. Angelita Marques

    Visalli . Universidade Estadual de Londrina

    049-O ANTICLERICALISMO TTICO DE A

    LANTERNA: APROPRIAES DO CRISTIANISMO

    E IDEAL DE SOCIEDADE LAICA ENTRE TEXTOS E

    IMAGENS (1901-1904) Andr Rodrigues Graduando

    UEM CRV

    058 - AS IMAGENS NOS LIVROS DIDTICOS DE

    HISTRIA: AFIRMAO OU DESCONSTRUO

    DE ESTERETIPOS E DE IDEIAS RACISTAS?

    Anglica Ramos Alvares (UEM) Rodrigo Pereira da

    Silva (UEM) ngelo Aparecido Priori (UEM)

    069 - FORA DA CARIDADE NO H

    SALVAO: REPRESENTAES SOBRE VIDA E

    MORTE NO ESPIRITISMO Bruno Corts Scherer

    (UFSM) Beatriz Teixeira Weber (UFSM)

    083 - O HISTORIADOR E SUAS FONTES: O CASO

    DA CARTA DE PAULO AOS CORNTIOS. Camila

    Karina Marcelo da Cruz PPGHS Universidade Estadual

    de Londrina Mestrado em Histria Social

    097 - O TEMA DA ORAO PELOS MORTOS NA

    CONFISSO DE F DE WESTMINSTER (1647).

    Czar de Alencar Arnaut de Toledo. Universidade

    Estadual de Maring. Rodrigo Pinto de Andrade.

    Universidade Estadual de Maring.

    112 - A ORAO PELOS MORTOS NO CATECISMO ROMANO, DE 1566. Czar de Alencar

    Arnaut de Toledo. Universidade Estadual de Maring.

    Rodrigo Pinto de Andrade. Universidade Estadual de

    Maring.

    127 - SEU JSU E A MEDICINA NATURAL EM JARDIM ALEGRE - PR. Cezar Felipe Cardozo Farias

    (LERC UEM) Ana Paula Mariano Dos Santos (LERC

    UEM) Eloize Fabola Nascimento Schimmelfenig (LERC

    UEM) Vanda Fortuna Serafim (Orientadora UEM)

    135 - A BENZEO EM SANTA MARIA. A

    PERMANNCIA DE TRADIES DE CURA NO

    CONTEXTO DA CONTEMPORANEIDADE Dalvan

    Alberto Sabbi Lins Universidade Federal de Santa Maria

    (UFSM)

    148 - LITERATURA E HISTRIA: A DIVINA

    COMDIA E SUA REPRESENTAO DOS

    AMBIENTES DO PS-MORTE Daniel Lula Costa

    FECILCAM/UNESPAR

    158 RELIGIO E LOUCURA: A VIOLNCIA

    MDICA CONTRA AS RELIGIES DE TRANSE

    MEDINICO NO RIO DE JANEIRO DA PRIMEIRA

    REPBLICA Edvaldo Sapia Gonalves USP

    (DIVERSITAS) e UEM

    174 - A ORDEM DOS ANTEPASSADOS: O

    SAGRADO COMO MECANISMO DE

    COMPORTAMENTO DA IGREJA MESSINICA

    MUNDIAL DO BRASIL Elisangela Marina de Freitas e

    Silva Mestranda de Histria da Universidade Federal de

    Santa Catarina

    182 - MITOS, CRENAS E PRTICAS DE CURA.

    Eloize Fabiola do Nascimento Schimmelfenig (LERC-

    UEM) Ana Paula Mariano Dos Santos (LERC UEM)

    Dra. Vanda Fortuna Serafim (Orientadora)

    189 - O USO DA AYAHUASCA NO CONTEXTO

    URBANO: UM LUGAR ENTRE O TRADICIONAL E

    O MODERNO Fbio Eduardo Celant

    205 - O SENTIDO DA MORTE ENTRE OS IORUBS

    E NO CANDOMBL NAGFbio Ferreira dos Santos

    da Silva Universidade Federal da Paraba

    219 - AS DIFERENTES FORMAS DE SE EXPLICAR

    A ORIGEM DA DOENA PELA RELIGIO Fbio

    Leandro Stern Pontifcia Universidade Catlica de So

    Paulo

    232 - ULTRAPASSANDO OS MURROS DO

    CONVENTO: AS IRMS FRANCISCANAS E O

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    OFCIO DE INFORMAR A COMUNIDADE

    RELIGIOSA PROVINCIALFranciele Roveda Maffi

    248 - PIENSA QU ESTAR TU CUERPO DEBAJO

    DE LA TIERRA: A MORTE E O LUTO EM JOO DE

    VILAGabrieu de Queiros Souza Universidade Estadual

    de Maring (UEM)

    258 - A HISTRIA NA ENCRUZILHADA: O

    CANDOMBL, O HISTORIADOR E SUAS

    FERRAMENTAS Gerson Machado Fundao Cultural

    de Joinville/ Museu Arqueolgico de Sambaqui de

    Joinville

    273 - ESPIRITUALIDADE E NATUREZA NO

    COTIDIANO URBANO Giovane Marrafon Gonzaga

    LERR UEMProf Dra. Vanda Serafim (Orientadora)

    282 - MANDINGA: A TTICA DO ESCRAVO

    Giovane Marrafon GonzagaLERR UEM Prof Dra.

    Vanda Serafim (Orientadora)

    294 - O DEMNIO E OS MDIUNS: BOAVENTURA

    KLOPPENBURG E O DISCURSO CATLICO SOBRE

    A AO DEMNACA NO ESPIRITISMO (MEADOS

    DO SCULO XX). Isonete Vilvert Universidade Federal

    de Santa Catarina UFSC

    301 - LITURGIAS DA BOA MORTE E DO BEM

    MORRER: PRTICAS E REPRESENTAES

    FNEBRES NA CAMPINAS OITOCENTISTA (1830-

    1880) Joo Paulo Berto IFCH-UNICAMP

    318 - DA TOLERNCIA CARIDADE: UM

    DILOGO COM GIANNI VATTIMO LUZ DA

    RELAO ENTRE RELIGIO E LAICIDADE NA

    PS-MODERNIDADE Jonathan Menezes Faculdade

    Teolgica Sul Americana

    342 - OS SERMES DAS EXQUIAS DE FELIPE II,

    REI DE ESPANHA E PORTUGAL. Jos Carlos

    Gimenez

    356 - ALGUMAS CONSIDERAES SOBRE A

    QUEIMA DE BBLIAS EM ASTORGA PR (1953)

    Las Pinheiro de Souza Guelis Universidade Estadual de

    Maring Orientadoras: Prof. Dr Vanda Fortuna Serafim

    (UEM)

    370 - PROJETO MISSIONRIO: A CIDADE DE

    PARANAVA. Leide Barbosa Rocha

    SchuelterUniversidade Estadual de Maring.

    383 - CIDADANIA GRECO ROMANA ANTIGA

    Lorena Amona Jinl Mascarin Toms Faculdade

    Alvorada de tecnologia e Educao de Maring

    389 -O CONCEITO DE MILAGRE EM LUCIEN

    FEBVRE E MARC BLOCH Lucineide Demori Santos

    DHI/LERR/ PIBIC-FA-UEM Solange Ramos de

    Andrade (Orientadora) DHI/PPH/LERR-UEM

    405 -A SALVAO E A MORTE NO CINEMA:

    REPRESENTAES E INTERPRETAES NO

    FILME O POO E O PNDULO. Luis de Castro

    campos Jr. CCHE UENP CAMPUS JACAREZINHO

    - PR

    416 - OS CONFLITOS RELIGIOSOS NAS NDIAS

    ORIENTAIS LUSO-HOLANDESAS E A TRADUO

    BBLICA DE JOO FERREIRA DE ALMEIDA (1642-

    1694) Luis Henrique Menezes Fernandes Doutorando em

    Histria Social (USP) Pesquisa financiada pela FAPESP

    429 - RELIGIO, MORTE E TERROR NA AO

    MILITAR ASSRIALuiz Alexandre Solano Rossi

    Pontifcia Universidade Catlica do Paran

    440 - SEXO SAGRADO: APROPRIAES DO

    TANTRISMO HINDU NO GNOSTICISMO

    SAMAELIANO. Marcelo Leandro de Campos Pontifcia

    Universidade Catlica de Campinas

    450 - RICHARD DAWKINS E A HISTRIA DAS

    IDEIAS A PARTIR DA TEORIA DA

    COMPLEXIDADE Maria Helena Azevedo Ferreira

    Orientadora: Vanda Fortuna Serafim

    460 - MORTE E IMORTALIDADE EM DEUS UM

    DELRIO: UM OLHAR SOBRE A OBRA DE

    RICHARD DAWKINS. Maria Helena Azevedo Ferreira

    (LERR-UEM) Orientadora: Vanda Fortuna Serafim

    469 - O JEJUM DE DANIEL: A ABSTINNCIA

    AUDIOVISUAL DA IGREJA UNIVERSAL DO REINO

    DE DEUS Marina Fazani Manduchi Universidade

    Estadual de Londrina

    481 - DR. OLAVO CAVALCANTE CARDOSO:DE

    MDICO HUMANITRIO SANTO POPULAR NA

    CIDADE DE CRATES, CEAR Michelle Ferreira

    Maia

    494 - O CANIBALISMO NAS HISTRIAS

    VAMPIRESCAS: ALGUMAS REFLEXES Murilo

    Toffanelli DHI/LERR/ PIC-UEMSolange Ramos de

    Andrade (Orientadora) DHI/PPH/LERR-UEM

    502 - PURGATRIO: DOGMA OU HERESIA?

    BREVE DISCUSSO SOBRE AS CONCEPES DE

    PURGATRIO ENTRE CATLICOS E

    PROTESTANTES NA BAIXA IDADE MDIA E

    INCIO DA MODERNIDADE. Odailson Volpe de

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    Abreu Universidade Estadual de Maring Cludio Ferraz

    Zioli Universidade Estadual de Maring

    510 - ENCONTROS E DESENCONTROS NA

    PRODUO CATEQUTICA JESUTICA NO JAPO

    Paula Moreira Saito Universidade de So Paulo

    521 - ESTUDOS INICIAIS SOBRE AS

    ASSEMBLEIAS DE DEUS: A MAIOR

    DENOMINAO EVANGLICA NO BRASIL Paulo

    Henrique Silva Vianna

    534 -ESPIRITISMO E O PROGRESSO ALM DA

    MORTE Pedro Paulo Amorim Doutorando em Histria

    pela UFSC

    545 -UMA ABORDAGEM SOBRE HISTRIA DO

    MEDO NO CINEMA DE TERROR Autora: Rafaela

    Arienti Barbieri DHI/LERR/UEM/PIBIC-CNPq

    Orientadora: Solange Ramos de Andrade

    DHI/PPH/LERR-UEM

    556 - REPRESENTAO E SIMBOLOGIA NO

    FILME O BEB DE ROSEMARY Autora: Rafaela

    Arienti Barbieri DHI/LERR/ PIBIC-CNPq-UEM

    Orientadora: Solange Ramos de Andrade

    DHI/PPH/LERR-UEM

    569 - MEMRIA, SENSIBILIDADES E

    RESSIGNIFICAES DA COMPANHIA DE REIS

    FLOR DO VALE (DCADAS DE 1990 E 2000) Rafaela

    Sales GoulartFCL Unesp/Assis

    580 - O ESPIRITISMO E SEUS PROPAGANDISTAS:

    CONFLITOS E CONCORRNCIAS NO CAMPO

    RELIGIOSO DE SANTA MARIA Renan Santos Mattos

    Universidade Federal de Santa Maria

    595 - LUGARES E DIMENSES DO SAGRADO:

    RELIGIOSIDADE, CULTO AOS ANCESTRAIS E

    CULTURA MATERIAL ENTRE NIKKEIS EM

    LONDRINA (1929 2013) Richard Gonalves Andr

    608 - NARRATIVA E SENTIDO HISTRICO: A

    EPSTOLA A FILMON. GARUTTI, Selson. SEED-

    PR.

    620 - VIAGENS PITORESCAS AO BRASIL: ENTRE

    PRTICAS E REPRESENTAES. GARUTTI, Selson.

    SEED-PR.

    639 - BICICLETAS DE NHANDER: ANLISE

    SOBRE O SAGRADO E O PROFANO NA CULTURA

    INDGENA CONTEMPORNEA Letcia Zamprnio

    Salum Simone Maria Boeira Universidade Estadual de

    Londrina

    647 - CINCIA E RELIGIO: interveno e intercesso

    na busca de cura das doenas. Suelene Leite Pavo

    Universidade Federal do Par- UFPA.

    662 - COMIDA DE ORIX: UM RITUAL DE CORTE

    PARA EXU Tereza de Fatima Mascarin Universidade

    Estadual de Maring - UEM

    670 - ENTRE DEUSES E ARQUIBANCADAS: A

    RELIGIO NOS JOGOS ROMANOS Thais Ap. Bassi

    Soares Renata Lopes Biazotto Venturini

    679 - A REPRESENTAO DE EXU EM JOO DO

    RIO E NINA RODRIGUES: ALGUMAS

    CONSIDERAES ThauanBerto dos Santos DHI

    LERR PIBIC/CNPq-FA-UEM Vanda Fortuna Serafim

    (orientadora)

    693 - A CERIMNIA DOS EGUNS E A EVIDNCIA

    DO TRANSHISTRICO NA OBRA DE JOO DO

    RIO ThauanBerto dos Santos DHI LERR

    PIBIC/CNPq-FA-UEM Vanda Fortuna Serafim

    (orientadora)

    703 - A FUGA DA AFRICANIDADE NO RITUAL DE

    ALMAS E ANGOLA: AS OBRAS DE GIOVANI

    MARTINS E A TENDA ESPRITA CABOCLO

    COBRA VERDE (2006/2012) Thiago Linhares Weber

    Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

    717 - NARRATIVAS DA MORTE E DO PECADO:

    UMA REFLEXO ACERCA DOS PECADOS

    CAPITAIS NA OBRA DE HIERONYMUS

    BOSCHTiago Varges da Silva Universidade Federal de

    Gois

    725 - MARIA BUENO: A SANTA DO CEMITRIO

    QUE DESCE NO TERREIRO Tnia Kio Fuzihara

    Piccoli (LERR UEM) Dr Vanda Fortuna Serafim

    (Orientadora)

    736 - MARIA BUENO: UM ESTUDO DE

    RELIGIOSIDADE NO PARAN Tnia Kio Fuzihara

    Piccoli (LERR UEM) Dr Vanda Fortuna Serafim

    (Orientadora)

    749 -A RELIGIO E A EDUCAO BSICA

    PBLICA: DAS POSSIBILIDADES DA PROMOO

    DO PATRIMNIO CULTURAL RELIGIOSO E

    TAMBM DAS AES ESCOLARES DE

    NATUREZA PROSELITISTA Veroni Friedrich

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    A BOA MORTE EM COMBATE: O MANUAL DE ORAES DO SOLDADO

    BRASILEIRO DA FORA EXPEDICIONRIA BRASILEIRA NA SEGUNDA

    GUERRA MUNDIAL

    Adriane Piovezan

    UFPR

    Como parte do esforo catlico em direcionar o cristo a ter uma boa morte os

    manuais de devoo/orao eram comuns nos sculos XVII e XVIII. A partir do sculo XIX

    este tipo de literatura catlica ainda era usado de forma didtica para instruir comportamentos

    piedosos e que garantiriam a salvao da alma daqueles que seguiam suas recomendaes.

    Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a iminncia de uma morte repentina

    e violenta inspirou a confeco de um manual especfico para esta ocasio. Neste sentido, o

    presente trabalho analisa como o Manual de Oraes do Soldado Brasileiro, uma publicao

    de 1944 e distribuda pela Capelania militar aos soldados da FEB (Fora Expedicionria

    Brasileira) apresentava diretrizes a serem seguidas aos catlicos para obteno de uma boa

    morte em combate.

    Carregar objetos religiosos para o front era tambm uma escolha do ponto de vista

    operacional para o indivduo. O combatente ou o militar em servio j , naturalmente,

    sobrecarregado com o peso de armas, munies, ferramentas e equipamentos. No caso do

    infante da Segunda Guerra Mundial, essa carga pode chegar a 30 Kg. natural que apenas o

    essencial ao conforto material e espiritual e identificao seja carregado pelo combatente

    nessas circunstncias.

    O nmero de corpos que portavam objetos de uso religioso era de 32,17%. Em

    praticamente um tero dos cadveres foram encontrados artefatos ou impressos relacionados a

    diferentes devoes, praticamente todos de origem crist.

    Neste sentido, percebe-se que o Manual de Oraes do Soldado era bem sucinto

    comparado com outros Manuais de Orao do mesmo perodo. Possua 78 pginas, o Orae,

    um manual completo de oraes e instrues religiosas do mesmo ano tinha 432 pginas.

    Mas como o Manual de Orao do Soldado foi parar nas mos dos combatentes

    brasileiros na Itlia? Para responder esta pergunta nos reportamos at a recriao do servio

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    de Capelania Militar do Exrcito Brasileiro, que enviou 25 capeles catlicos para a Guerra e

    2 protestantes.

    A ao dos padres no front enfatizou a necessidade de consolidar aspectos da

    religiosidade catlica, com missas, sermes, benos, comunhes, crismas junto aos soldados,

    alm de funes e rituais religiosos de assistncia aos moribundos.

    Historicamente os manuais de devoo possuem a funo de ensinarem os

    indivduos a viverem e morrerem de acordo com os preceitos catlicos, com o objetivo de

    salvarem assim a alma.

    Desde a Idade Mdia onde as oraes ainda eram manuscritas, era popular a ideia de

    que a leitura do Ofcio para os mortos presente no Livro de Horas pudesse auxiliar o

    moribundo a alcanar a salvao de sua alma. At o sculo XV, a leitura deste manuscrito era

    enfatizada tanto para o indivduo conhecer antecipadamente as oraes e procedimentos

    diante da morte, como para que os outros cristos o lessem e auxiliassem a alma do

    moribundo na sua chegada ao alm. Segundo WIECK (WIECK (WIECK, 2001, p. 124) no

    Ofcio dos Mortos o tema retratado o funeral religioso, no qual ocorria a leitura do Ofcio,

    mas outros elementos dos rituais de passagem do indivduo tambm eram mencionados como

    seus ltimos momentos no leito de morte, a preparao do corpo e o sepultamento. Como

    nossa pesquisa se interessa pelas atitudes diante da morte e encontramos na documentao do

    Peloto de Sepultamento diversos indivduos que carregavam o Manual de Oraes,

    destacamos as menes as prticas relativas a morte presentes neste material religioso.

    Os manuais de orao serviam para relembrar aspectos da catequese, e mesmo ser a

    nica catequese na experincia de muitos soldados, principalmente os que viviam em regies

    mais desassistidas pela instituio catlica naquele perodo.

    Publicado pela Editora Vozes, o Manual do Soldado Brasileiro foi organizado pelo

    Major Cludio de Paulo Duarte da Unio Catlica dos Militares em junho de 1944. J na capa

    da publicao, ao invs do smbolo do Sagrado Corao de Jesus, da Virgem Maria ou de

    qualquer outro elemento religioso como os demais manuais de orao, neste encontramos o

    braso da Repblica do Brasil e a inscrio do Ministrio da Guerra. Tais aspectos destacam o

    momento de exceo que se encontrava o usurio do manual, uma guerra mundial e a

    presena da ptria e de sua instituio o Exrcito mesmo se tratando de um objeto para fins

    religiosos.

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    Na quarta pgina que aparece a primeira ilustrao religiosa do manual do sacrficio

    de Jesus crucificado, com a inscrio em latim PontifexAmorisVictima.

    A primeira orao que aparece tem o ttulo de Oraes Dirias e uma iluminura no

    incio da pgina com um Arcanjo. J na primeira frase menes a posio de quem l o

    manual, o soldado, a sua misso no caso salvar a Ptria, e a situao em que se encontra, a

    ameaa de morte. Neste sentido, a orao inicia com pedidos e no final destaca a posio de

    soldado e militar, justificando por isso o tom sucinto das oraes, j que no possuem tempo

    para longas leituras por conta de sua misso.

    Antes da ilustrao com o Sagrado Corao de Jesus, existe ainda um pargrafo para

    reafirmar que havendo tempo, repouso e calma entre as lutas, ai sim o soldado deve recitar as

    oraes que se seguem.

    O Manual apresenta adequao as circunstncias, pois sabe que intil seria orientar o

    soldado a realizar todas as indicaes ali contidas numa situao sem rotina previsvel. Em

    uma biografia sobre o Capelo Frei Orlando, e em outras memrias de ex-combatentes, os

    servios e atividades religiosas so lembradas pela adaptao aos momentos em que era

    permitido realizar uma atividade com este intuito. Mesmo aspectos da liturgia e sacramentos

    religiosos no seguiam rigorosamente os trmites normais. O front no tinha igreja, o altar era

    improvisado, mesmo batismos e outras funes religiosas eram condensados ao mximo

    porque a misso ali era de lutar e estar atento ao ataque do inimigo.

    Na orao da manh, aparece a Orao do Soldado, em que se invoca a Virgem

    Conceio Imaculada. em 1928 que Aparecida coroada a padroeira do Brasil, portanto a

    devoo a Aparecida notria neste perodo. Hoje a relao entre Nossa Senhora Aparecida e

    as Foras Armadas to mais prxima que o prprio Manual de Oraes do Soldado foi

    substitudo pelo Ofcio da Imaculada. Totalmente dedicado ao culto de Maria.

    Seguindo a Orao da Manh encontramos a Orao da noite, ambas fecham com

    oraes do Pai Nosso e da Ave Maria e o Glria Ainda encontramos o Ato de Contrio, o

    Salve Rainha, a Confisso e novamente o Ato de Contrio.

    Na pgina 16 do Manual de Oraes existe o subttulo Verdades principais a crer.

    Neste trecho, o manual torna-se uma sntese de livros de catequese, onde a onipotncia de

    Deus enfatizada, a Santssima Trindade, etc. Logo aps aparecem os Mandamentos, ou seja,

    uma consolidao dos ensinamentos catlicos pela repetio do catecismo ou como vrias

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    memrias de capeles insistem em afirmar, a apresentao dos preceitos catlicos para os

    soldados que jamais fizeram a catequese.

    Como nosso interesse neste artigo se refere a questo da morte, destacamos aps a

    apresentao dos Mandamentos o tem Novssimos do homem em que o primeiro deles diz

    respeito a morte na seguinte frase: Morte Todos ns um dia havemos de morrer. Em

    seguida, existe o segundo, terceiro e quarto em que aparecem em ordem, o Juzo, o Inferno e o

    Paraso. Nesta passagem, percebe-se o destaque para a ideia de bem morrer e para os castigos

    ou recompensas relacionados com a boa morte, tanto do indivduo ou como perpetrada por ele

    num conflito.

    Novamente o tom de catecismo retorna ao Manual, em que duas pginas so

    destinadas aos Sacramentos, terminando com uma orao do Creio. Ainda encontramos outros

    Atos tpicos do catecismo descritos no Manual como o Ato de f, Ato de Esperana e o Ato de

    Caridade.

    O tom didtico da publicao traz o sub tem Algumas Outras verdades, em que a ideia

    de virtude desenvolvida a partir dos preceitos cristos. Alm da virtude, outros

    comportamentos tambm so analisados pela tica do catolicismo como o vcio, o pecado,

    inveja, preguia, etc. No final deste captulo, Regra do bem viver inicia com todas as

    exortases comuns aos catlicos, obedecer os mandamentos, sacramentos, etc. No ltimo

    pargrafo, novamente a Ptria aparece, no trecho: Pede a Deus pelo Brasil, pela esposa, pais,

    filhos, pela vitria, pela paz com justia e pela Igreja. Aqui percebemos que a misso do

    soldado constantemente lembrada para o cristo que l Manual de Oraes e seus atos na

    guerra so tambm lembrados nesta passagem: Tiveste a desgraa de pecar gravemente,

    afinal que soldado no matou outro numa guerra? Mas o texto continua Faze logo o ato de

    contrio, pede perdo e logo que possas, corre a um Padre e confessa-te. Louvado seja

    Deus. Percebemos que a presena da assistncia dos religiosos enfatizada no Manual,

    como auxiliar para que tais preceitos do catolicismo sejam devidamente cumpridos num

    contexto de guerra.

    Entre as atividades que os capeles exerciam no front italiano, sem dvida ouvir as

    confisses estava entre as mais buscadas pelos devotos. Embora sem uso de confessionrio e

    em situaes diversas, encontramos depoimentos de busca deste sacramento pelos soldados

    no front. Um captulo inteiro do Manual de Oraes dedicado a comentar a Confisso e

    orientar o indivduo a realizar uma boa confisso catlica. Trata-se de um esquema de

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    possveis perguntas referentes ao comportamento do cristo, para que ele faa as indagaes e

    confesse a partir deste esquema seus possveis pecados. Nas palavras do Manual, um exame

    de conscincia que o soldado deveria realizar, seguindo da orao do ato de contrio, tantas

    vezes repetido no Manual, para a absolvio dos pecados. A urgncia em cumprir a penitncia

    instruda pelo sacerdote destacada no texto, ainda que em um ambiente no ideal para tais

    prticas, este aspecto no levado em conta e sim a ideia de confisso, absolvio e perdo

    total das faltas.

    Aspecto relevante e de destaque em outros manuais de orao, como o Oraem numa

    edio de 1939, o Sacrifcio da missa e da Comunho recebeu ao todo 8 pginas dedicadas ao

    assunto na publicao especial para o soldado em guerra. A Comunho, outro sacramento

    catlico bastante enfatizado, neste momento tambm descrito com detalhes.

    Encontramos, porm, um adendo especfico para a situao na qual se encontravam os

    leitores deste Manual. Trata-se do tem Para receber a sagrada comunho fora da Santa

    Missa. Tais prticas ocorreram em diversos momentos durante a Campanha Brasileira na

    Itlia e alguns ex-combatentes relataram esta prtica em suas memrias.

    na pgina 40 do Manual que encontramos mais um aspecto relevante para nosso

    enfoque sobre os comportamentos diante da Morte neste contexto de Guerra. Refere-se ao

    tem Ato de Aceitao da Morte.

    O carter de sistematizar as oraes e destacar apenas o essencial evidenciado neste

    momento do Manual de Oraes. Se compararmos com outros Manuais de Orao do perodo,

    percebemos que h uma reduo drstica nesta passagem. Enquanto num manual como o

    Orae o Ato de Aceitao da Morte tem oito itens divididos em seis pginas, no Manual de

    Orao do Soldado so apenas duas pginas. Na terceira existe o subttulo Assistncia aos

    Moribundos.

    Vale ressaltar que a passagem colocada no espao destinado ao ato de aceitao da

    morte no Manual de Orao do Soldado o Ato de Conformidade dos demais Manuais de

    Orao. Estes, mais completos, dividem o Ato de Aceitao da Morte em Ato de f, Ato de

    Esperana, Ato de caridade e arrependimento, Ato de conformidade, Splica a Maria, Splica

    aos Santos, Splica a Jesus, Splica a Maria me dos agonizantes.

    Mesmo no trecho que semelhante, ou seja, o ato de conformidade da morte, no

    Manual do Soldado a splica mais sinttica. Apenas se diz que aceito desde jpa de vossa

    mo, com todos os sofrimentos, penas e dores, o gnero de morte que vos aprouver me

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    reservar. Enquanto no Orae os termos sacrifcio e resignao so repetidos, no texto escrito

    para a Guerra estes termos no aparecem neste momento. Em outros momentos a ideia de

    sacrificio aparece ligado a ideia de Ptria.

    Neste ponto, notamos que o uso de determinados termos so comuns no Ocidente em

    referncia aos mortos em Guerra. Segundo a Enciclopdia da Morte e da Arte de Morrer, nos

    monumentos fnebres certos termos so usados para se referir aos que morreram em guerra.

    Destes, a maioria fala em soldados que tombaram e no morreram. J o vocbulo

    sacrifcio, aparece sempre no contexto em que os homens foram enviados para se

    sacrificarem e no matarem outros homens. Esta passagem do matar em guerra no

    mencionado no Manual de Oraes, sutilmente a ideia de que isso pode ocorrer aparece em

    alguns trechos, mas sempre envolto na questo do sacrifcio que para o cristo tirar a vida de

    outro ser humano.

    Embora sucinta esta parte da orao do Ato de Aceitao da Morte, era repassado na

    catequese catlica do perodo como de importncia vital para a salvao do cristo. Segundo

    nota encontrada no Orae, foi o papa Pio X que indicou tal orao que lida uma vez na vida

    poderia substituir o sacramento da Extrema-Uno na hora da morte do indivduo, seria uma

    indulgncia dada ao papa ao cristo que fez este ato de contrio em algum momento de sua

    existncia. Em uma situao de guerra, por mais que existam sacerdotes, a morte poderia

    chegar num momento em que tal assistncia no existiria, por isso a importncia desta

    indicao por parte dos capeles e a distribuio de tal material religioso.

    Ainda identificando as especificidades do Manual de Oraes do Soldado em relao

    com outros manuais de orao catlicos do perodo, destaca-se a passagem referida como

    Assistncia aos Moribundos. O carter de ensinar o soldado a se comportar com um bom

    catlico num ambiente hostil como o de uma guerra, se faz presente neste trecho deste

    material religioso.

    Nota-se neste trecho da publicao a maior referncia ao inimigo na guerra em que

    em primeiro lugar cumpre com o dever de soldado, vence o inimigo. Aps o combate, num

    momento de calmaria segundo o Manual, a sim entra em cena a figura do cristo: junto ao

    ferido, procura alivi-lo dos males, consola-o e conforta-o. O respeito as diferenas de

    religio do inimigo so colocadas neste momento. O manual se refere a duas condies: se for

    catlico falar ao inimigo ferido de Maria, se no for falar de Jesus. Mas sempre naquela

    inteno de conseguir novos fiis, mesmo na hora da morte, o manual tambm fala que sendo

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    protestante alm de falar em Jesus, na Paixo e na Redeno, caso o moribundo queira se

    tornar catlico na hora da morte possvel que seja batizado enquanto tal. Para isso, o soldado

    deveria voltar at a pgina 26 para realizar um batismo em condies de combate.

    Outro ponto de destaque nesta passagem a utilizao de outros objetos do sagrado

    para que o outro possa morrer uma boa morte. O objeto em questo o tero. Segundo a

    pesquisa da antroploga Paola Lins Oliveira o tero tambm percebido como objeto do

    qual emana certo tipo de fora, um poder especial que ultrapassa sua dimenso utilitria

    (OLIVEIRA, 2009) Este elemento aparece no Manual de Orao, o poder do tero no

    momento da morte que deve ser puxado do bolso, considerando que o bom cristo leva o

    tero no bolso. Depois deve ser mostrado o crucifixo presente no tero para o moribundo

    beijar, colocar o tero nas mos ou no peito do indivduo. Estas instrues eram comuns entre

    os soldados catlicos, mesmo o mais famoso e clebre capelo catlico em guerra, o Frei

    Orlando, quando percebeu que iria morrer, retirou o tero do bolso e colocou em suas mos.

    Outros elementos como a medalha de Nossa Senhora tambm so elencados como

    objetos singulares com valor sagrado na hora da morte. Mesmo sem nada disso, ainda segudo

    o Manual, basta falar o nome de Jesus que dito com amor e contrio, salvar qualquer

    pecador arrependido e contrito. Depois disso, existe uma sequncia de procedimentos a

    serem realizados, de rezar o rosrio, dando o mesmo para o moribundo beijar. Aps o tero,

    existe uma Ladainha de Nossa Senhora, terminando com um Oremos em que se pede

    novamente a salvao da alma do indivduo.

    Ainda existe no Manual de Oraes, no que diz respeito a morte em campanha, a

    Orao pela morte gloriosa. Esta orao est na sesso de oraes diversas do Manual. O

    tomo desta orao, como sempre, de colocar o soldado acima da posio de cristo. O

    soldado, mais do que qualquer outro cristo teria que estar preparado para a morte. A orao

    para para a morte gloriosa, reafirma a necessidade de estar com o tero na mo e beijar o

    crucifixo presente no tero.

    Nesta Orao ao Jesus Crucificado, os pedidos so para uma boa morte do soldado, em

    campo de batalha ou ferido. Nesta passagem encontramos meno a Ptria. Novamente o

    termo sacrifcio aparece e o nome do pas, Brasil, tambm enfatizada a presena dos objetos

    sacralizados nesta hora derradeira. O crucifixo aparece novamente, mesmo que o soldado no

    enxergue mais o objeto, ou no consiga alcanc-lo, em sua mente e na orao isto que sabe

    que deveria fazer para alcanar uma boa morte.

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    Aps esta orao, existe um aconselhamento de como a preparao do soldado,

    enquanto um catlico conhecedor de sua doutrina, diante de um combate. Esta preparao

    consiste de trs etapas: a comunho espiritual, fazendo o sacrifcio e por ltimo aceitando a

    morte e preparando-se para ela bravamente pelo Brasil.

    A questo da ptria destacada quando se fala em morte no Manual de Oraes do

    Soldado. O texto sugere que a morte crist uma boa morte se o objetivo for a ptria. Nota-se

    que o nome da Ptria, no caso, Brasil, aparece trs vezes no Manual. O exrcito, enquanto

    instituio que representa o Brasil no aparece nos termos utilizados nas oraes desta parte

    do Manual. J a ltima parte do Manual dedicada ao culto do Marechal Caxias.

    Neste aspecto, percebe-se que o autor do Manual, o major Claudio de Paula Duarte, da

    Unio Catlica dos Militares, buscou relacionar o exrcito formado para a FEB com o

    exrcito nacional regular e seus mitos e heris.

    A orao ao Duque de Caxias aparece no Manual na pgina 76, quase no final do

    manual. Com o ttulo de Ordem do Dia do Marechal Conde de Caxias de 4 de setembro de

    1851 o texto se refere ao contexto da Guerra do Paraguai. Nele so citados o governo

    Imperial, a Banda Oriental, o General Uribe, etc. Tais elementos se referem realidade

    daquele conflito e no possuem nenhuma relao com o contexto da Segunda Guerra

    Mundial, em que o inimigo era o alemo, os soldados brasileiros estavam na Europa,

    vivamos numa Repblica, etc.

    O texto escrito pelo Duque de Caxias reintera que os inimigos dos soldados naquele

    momento eram to somente, os soldados de Uribe. Demonstra nesse ponto os conflitos de

    um exrcito recrutado fora, com escravos e condenados pela justia, numa tentativa de

    forar a unio desses homens.

    A presena da figura do Duque neste manual pode ser entendida como um reforo

    tentativa do Exrcito em mitificar o personagem, presente naquele momento. Tais intuitos no

    tiveram ressonncia na FEB.

    Nossa logstica na guerra era mantida por meio do V Exrcito americano, que fornecia

    armamento, alimentao, uniformes, etc. A experincia de conviver com o exrcito americano

    em que todos os soldados e oficiais eram tratados com respeito e igualdade, serviu de

    exemplo como um modelo de exrcito, em que a presena do oficial/heri era desmerecida em

    prol da ao coletiva dos soldados.Presenciar numa mesma fila de refeitrio oficiais e praas

    esperando para almoar, sem nenhuma distino por conta de patente, fez com que os

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    soldados da FEB valorizassem o papel do coletivo numa guerra, em que todos os indivduos

    so heris.

    Percebe-se que o Manual de Oraes do Soldado Brasileiro compe uma fonte repleta

    de informaes que permitem refletir sobre a dimenso da religiosidade dos combatentes e da

    instituio religiosa no perodo.

    Desta forma, possvel questionar como este objeto singular, preparado justamente

    para este evento de carter mundial e indito para o pas, tem seu valor enquanto objeto

    sacralizado. A sacralizao do Manual de Oraes se d pelo valor de descrio e instruo

    em detalhes do comportamento do soldado catlico no front de batalha e para que o mesmo,

    diante da morte, soubesse se comportar e alcanar a salvao de sua alma.

    O Manual possui tambm a possibilidade de perceber o carter particular do

    catolicismo no Brasil neste perodo. Segundo o censo demogrfico de 1940, cerca de 95% da

    populao brasileira era catlica. Elementos tpicos deste catolicismo brasileiro aparecem no

    texto, como a referncia ao tero ao invs da utilizao do termo rosrio, da questo das

    medalhas de santo, mas tambm da meno a existncia de soldados de outras religies, como

    os protestantes e de como se comportar com a morte destes indivduos de maneira que todos

    pudessem salvar suas almas de acordo com seus ritos corretos de passagem.

    A partir dos relatrios individuais gerados pelo Peloto de Sepultamento da FEB,

    percebemos a presena nos cadveres encontrados dos soldados mortos em ao desses

    objetos de valor religioso, como o Manual de Oraes do Soldado Brasileiro, em que tais

    preocupaes com a morte evidenciam as atitudes diante desta possibilidade num confronto

    armado. Neste contexto, possuir um roteiro que servisse como preparao para a boa morte

    era crucial para o soldado catlico.

    Referncias Bibliogrficas

    FERRAZ, F. & PIOVEZAN, A. Imagens da Morte nos Documentrios Brasileiros Sobre a

    Segunda Guerra Mundial. In: OLIVEIRA, D. Histria e Audiovisual no Sculo XX,

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    Quimera Editores, 2001.

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    Manual de Oraes do Soldado, Rio de Janeiro, Editora Vozes, 1944.

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    RODRIGUES, C. & DILLMANN, M. Desejandopr a minhaalma no caminho da salvao:

    modeloscatlicos de testamentos no sculo XVIII, Revista de HistriaUnisinos, Vol. 17 N 1

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    ______. Time Sanctified : The Book of Hours in Medieval Art and Life. 2. ed. New York:

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    WINTER, Jay. Sites of Memory, Sites of Mourning: The Great War in European

    Cultural History.Cambridge University Press, 1995.

    EXU: UMBANDA E CYBERESPAO

    Alexandre Fiori de Almeida Martins Costa

    1. Introduo

    O presente trabalho o incio de uma pesquisa iniciada por mim, graduando de

    histria da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em decorrncia da bolsa de

    iniciao cientfica do CNPq, sob a orientao do professor Artur Cesar Isaia, coordenador do

    Laboratrio de Religiosidade e Cultura (LARC). O trabalho est apenas no incio, tendo em

    vista que a pesquisa comeou em agosto deste ano, e tem como perspectiva uma longa

    continuidade.

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    2. Umbanda e Cyberespao

    Ao fazer um longo trabalho sobre a religio umbandista, Renato Ortiz demonstra

    como esta surge, se integra e paulatinamente busca se legitimar na sociedade brasileira. Para

    tanto, Ortiz afirma ser a umbanda consequente de um processo de urbanizao e

    industrializao do Brasil, na qual os negros, ainda h pouco libertos da condio de escravos,

    vo para a cidade carregando consigo sua bagagem cultural trazida da frica. Neste

    complicado processo, outro elemento importante passa a integrar o quadro social dos centros

    urbanos do pas: o imigrante. A transio de um Brasil que pouco a pouco v a importncia do

    campo diminuir perante cidade, consolidando uma sociedade classista, faz com que a

    disputa pelo mercado de trabalho seja uma condio para a sobrevivncia de muitos cidados.

    Nessa disputa, o imaginrio e a bagagem simblica dos indivduos se torna um atributo

    indispensvel para a obteno do sucesso, e Ortiz demonstra como a cultura afro-brasileira

    possua pouca legitimao por parte dos setores mais elitizados da populao, tendo como

    consequncia a dominao do trabalho por parte do imigrante, que estava indiscutivelmente

    mais habituado ao mercado concorrencial e ao modo de produo capitalista que o negro.

    Tendo em vista tal situao, Ortiz explica um fenmeno crucial para o entendimento

    da formao da umbanda, que inclusive resume o ttulo da sua tese: a morte branca do

    feiticeiro negro simboliza o processo em que o negro, cada vez mais marginalizado nos

    centros urbanos como Porto Alegre, Rio de Janeiro e So Paulo, percebe que para ascender

    socialmente, possui apenas dois caminhos essencialmente distintos a seguir: em primeiro

    lugar, preservar sua tradio cultural e suas prticas religiosas, que representaria uma afronta

    sociedade que, se ainda hoje possui resqucios de preconceito e desapreo pela cultura afro-

    brasileira, em meados das dcadas de 40 e 50 possua ainda muito recente em seu ethos a

    memria do sistema escravista. Caso o negro no optasse por esta posio, restava deixar a

    afronta de lado e progressivamente incorporar valores mais consentidos e dotados de valor

    simblico mais prestigiado pela sociedade, ou nas palavras de Ortiz, embranquecer a alma,

    reinterpretando a sua cultura de origem no sentido de realizar uma metamorfose da memria

    coletiva africana - ou como formulou Roger Bastide, uma proletarizao da cultura negra -

    para atingir seu objetivo ltimo, ou seja, a aceitao social.

    A umbanda, portanto, opta pelo segundo caminho, e inicia um processo de

    racionalizao douniverso religioso, incorporando elementos como a moral crist no centro de

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    sua doutrina, e diferenciando-se das prticas afro-brasileiras que possuam uma postura mais

    tradicional. Sendo assim, Ortiz mostra que a umbanda pode ser compreendida dentro de um

    continuum religioso, no qual a mesma oscila entre valores que, simbolicamente falando, so

    mais ou menos apreciados e legitimados pela sociedade global. Desta forma, Ortiz conclui

    que o feiticeiro negro, ou seja, o africano praticante da magia, morto em prol da cultura

    branca, dando origem a religio umbandista. Por cultura branca, entende-se no s o

    catolicismo, mas tambm o espiritismo kardecista, que, como analisou Ortiz, pelo carter

    religioso que este assumiu no Brasil diferentemente da proposta filosfica e cientfica de

    Allan Kardec na Frana do sculo XIX pde ser mais facilmente incorporado pelos

    umbandistas.

    A magia, no entanto, ser relativizada pelos intelectuais umbandistas, pois por mais

    que aquela fosse vista com maus olhos pela classe dominante, estes no viam possibilidade

    alguma em abolir o elemento mgico do universo umbandista. Consequentemente, como

    estudou Artur Isaia, a umbanda far uma exegese da magia, ou seja, ir interpret-la de forma

    que esta abstraia do polo menos aceito pela sociedade, passando a incorporar determinadas

    caractersticas, tais como o uso da escrita e a correlao entre magia e tica (ISAIA, 2012,

    p.73). Para realizar este feito, todavia, os intelectuais umbandistas iro relativizar a noo de

    magia, atribuindo para a umbanda o que eles entendem por magia branca, ou seja, a prtica

    mgica que possui em seu bojo uma orientao tica e moral oriundas da tradio judaico-

    crist, adquirindo status e aceitao, opondo-se, portanto, da magia negra, eminentemente

    atica.

    Allan Kardec racionalizou o mundo dos espritos numa repartio trplice, onde se

    dividem espritospelas caractersticas. Sendo assim, temos os espritos puros representados

    pela perfeio espiritual os espritos de segunda ordem que ainda necessitam de alguns

    testes para ascender e os espritos imperfeitos, dotados de carter arrogante, orgulhoso e

    egosta. No caso da Umbanda, que se caracteriza fortemente pelo dualismo, esta

    racionalizao obteve simplicidade: dividem-se os espritos em missionrios do bem e

    missionrios do mal. Desta forma, separa-se o reino das trevas do reino das luzes numa

    relao de oposio que acarreta consigo ainda outra significao para o universo sagrado

    umbandista, ou seja, a separao entre Umbanda e Quimbanda, ou em outras palavras, prtica

    do bem e prtica do mal. Esta face maldosa da religio, em tese, trabalha apenas com os

    espritos imperfeitos, que por sua vez no devem ser menosprezados justamente por ser o mal

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    um fato, uma realidade. Logo, o pensamento umbandista vai interpret-lo de forma a

    compreender que, nas palavras dos tericos, a grandiosidade do bem s perceptvel em

    funo do conhecimento dos efeitos perniciosos do mal, ou ento que o mal existe como o

    propsito de punir aqueles indivduos que por ventura causaram prejuzos e danos terceiros.

    Assim se considera o mal um mal necessrio, e admite-se a postura imperfeita dos

    indivduos, que so seduzidos pelo mal, praticam o mal, e por fim tm de pagar por seus atos.

    (p. 86-87)

    Ortiz estabelece, portanto, que Quimbanda representa o inverso de Umbanda, a

    dimenso contrria desta, e coloca estas duas facetas do cosmo religioso numa relao de

    equivalncia, afirmando que para um acontecimento no reino das luzes, corresponde a um

    outro, embora negativo, no reino das trevas. Logo, s sete linhas da Umbanda, surgem sete

    linhas espirituais da Quimbanda, nas quais o comando converge na figura dos Exus. (p. 88)

    O autor explica e exemplifica atravs do Exu a questo de ser a Umbanda uma

    religio constituda a partir de um processo de reinterpretaes, onde antigos significados de

    adscrevem a novos elementos simblicos e valores novos mudam a significao cultural das

    velhas formas (ORTIZ, 1999, 125, apud HERSKOVITS). Consequentemente, compreende-

    se que a Umbanda reinterpreta valores e preceitos tradicionais afro-brasileiros de forma a

    assimil-los e adapt-los moral e aos valores vigentes numa nova estrutura social. No caso

    do deus iorub Exu (chamado de Legba pelo povo africano Ew), Geoffrey Parrinder e

    Herskovits constataram o fato de esta entidade no gozar de uma posio prestigiada em

    relao aos outros deuses africanos, alm de apontar o seu diferencial: o ofcio de

    intermedirio entre os homens e as divindades. Esta caracterstica de mensageiro divido

    agregada ao Exu foi muito estudada por Herskovits, relacionando o mesmo com o culto de

    Ifa, que por sua vez representa o destino e a vontade dos deuses. Desta forma, Legba (Exu)

    enquanto intrprete da palavra divina, transmite s vrias divindades as recompensas ou

    punies ordenadas pelo Destino(ORTIZ, 1999, p.127, apud HERSKOVITS). No entanto,

    sendo um intrprete da palavra direta de Ifa, Exu adquire o poder de avaliao, podendo

    conseguintemente alterar o destino dos homens. Roger Bastide relata acerca desta mediao

    intencional do Exu, que ao invs de caminhar para a sua finalidade essencial (a de fazer

    prevalecer a ordem), Exu entrega ao mundo dos homens a desordem, o desequilbrio. (pg.

    125-127)

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    Esta caracterstica de trickster (ORTIZ, 1999, p. 127) - ou seja, de divindade

    desobediente regra acerca do Exu africano (Legba) fez com que muitos pesquisadores o

    confundissem com o demnio catlico. Contudo, sabe-se que o pensamento religioso africano

    no dispe do dualismo entre bem e mal presente no catolicismo, tendo em vista que um deus

    iorub pode no s recompensar os homens, mas puni-los se necessrio. Este equvoco de

    minimizar e, posteriormente, descartar o carter benfico em relao ao malfico das

    divindades se torna uma das caractersticas mais marcantes na apropriao da figura de Legba

    por parte dos afro-brasileiros. (p. 127)

    Outro aspecto do Exu africano a se ressaltar o carter flico, representado por

    esculturas do phallus, amuletos, colares e danas marcadamente erticas. A despeito do que

    pensava Roger Bastide, o puritanismo brasileiro no fez com que esta dimenso do deus fosse

    de todo apagada, tornando possvel que em terreiros brasileiros, como cita Renato Ortiz, se

    encontre esttuas de Exu com um falo duplo (ORTIZ, 1999, p. 129). (p. 128-129)

    Chegando ao Brasil do candombl, Legba torna-se Exu, e a nova nominao

    acompanha uma srie de novas significaes ao deus. Em primeiro lugar, este perde sua

    ligao com Ifa (Destino), tornando-se uma divindade independente. Alm desta nova

    posio, Exu acaba por adquirir uma relao direta com o Diabo, tendo em vista o carter

    dualista de uma sociedade que, quase em sua totalidade, catlica. Evidentemente, existem

    excees, e Ortiz mostra que na cidade de Porto Alegre Exu sincretizado com So Pedro

    (um santo porteiro, guardio de casas) e Santo Antnio, que acometido por inmeras

    tentaes provindas do inferno. Ortiz mostra que, segundo Nina Rodrigues, h uma tendncia

    do negro em associar Exu ao demnio, valorizando primordialmente seu carter malfico.

    Uma importante observao de Ortiz, em relao ao culto a Exu diz respeito ao sacrifcio e a

    passagem do eb1 religioso ao eb mgico. Para Ortiz, o sacrifcio animal a Exu, cujo preceito

    religioso, passa, com a demonizao, no Brasil, a ter um sentido mgico:

    A demonificao acentua-se porm no que diz respeito ao lado mgico da divindade, transformando-se o pad no eb: 'como o resto do pad deve ser jogado fora, na rua, um pouco de fora mstica continua a palpitar no galo sacrificado; as pessoam que encontram o eb na rua tm medo, pois se eles tocam com os ps, caem doentes e se imaginam punidos pelos deuses. Passa-se assim, insensivelmente, do eb religioso, ao eb mgico. Doravante faz-se passar ritualmente as foras malficas de Exu no animal e coloca-se este animal morto no caminho daquele que se quer destruir. Isto trar infelicidade

    1Termo africano provindo do iorub, que designa uma oferenda algum orix.

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    ao indivduo visado quando este encontrar ou tocar o eb. (ORTIZ, 1999, p.130)

    A prtica do sacrifcio, seja qual for, no mais ser vista como uma oferenda entregue

    ao deus que faz a mediao entre o mundo sagrado e o mundo profano, e sim por ser ele um

    deus cruele ciumento. De acordo com Edson Carneiro, o Exu, visto como uma entidade do

    mal, no possudo no momento do transe, mas carregado (ORTIZ, 1999, p. 130, apud

    CARNEIRO).(p. 129-130)

    Com o advento da Umbanda, o Exu do candombl marcado por uma recorrncia

    tradio afro-brasileira recebe novas atribuies. A Umbanda trata seu universo religioso de

    forma bastante dualista, separando nitidamente o bem do mal e fazendo com que divindades

    provindas da linha de um deus bom jamais possa cometer o mal. Ope-se, portanto, Umbanda

    e Quimbanda.

    O autor ressalta que, apesar de ser Exu um integrante da Quimbanda, se deve levar em

    considerao a variedade de Exus disposta no cosmos religioso, fazendo com que haja severas

    diferenas em relao viso que se tem deste deus, por exemplo, considerando malfico o

    Exu situado nas entradas dos terreiros, mas solicitando favores em troca de oferendas para o

    Exu abrigado pelo altar. Esta pluralidade nos leva a entender a concepo de Exu-Pago e

    Exu-Batizado, onde o primeiro trabalha na magia do mal e para o mal podendo, no

    obstante, redimir-se e evoluir enquanto o segundo, definido como uma alma humana e

    suscetvel a bondade, trabalha para o bem dentro do reino de Quimbanda, como um policial

    que adentra no mbito marginal da sociedade. (ORTIZ, 1999, p. 137, apud BANDEIRA) (p.

    137-138)

    Renato Ortiz, ao abordar a forma como se manifesta o Exu nos rituais da macumba,

    aponta de imediato a principal diferena desta com a Umbanda: o Exu-Macumbeiro no

    trabalha sob custdia de caboclos e/ou pretos-velhos, mas exclusivamente por conta prpria,

    eliminando, por conseguinte, quaisquer marcas da sua ambivalncia, fazendo prevalecer sua

    face pag, deixando para trs o reino das luzes. Sendo assim, o autor liga macumba com

    Quimbanda, afirmando que a ltima nada mais do que a macumba vista atravs do olho

    moralizador dos umbandistas (ORTIZ, 1999, p. 146). (p. 144-146)

    Renato Ortiz insere a religio Umbanda na noo de continuum religioso, ou seja, um

    gradiente que distingue dois plos: de um lado, a prtica umbandista mais prxima da cultura

    afro-brasileira, e portanto menos aceita pela sociedade, vista com olhares preconceituosos; do

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    outro, a Umbanda tendente ao catolicismo, na qual o autor afirma serem os praticantes

    predominantemente pertencentes classe mdia, sendo esta varivel mais aceita pela

    sociedade por motivos bvios. Esta noo de continuidade da prtica religiosa pode tambm

    ser vista na obra Kardecismo e Umbanda, de Cndido Procpio Ferreira de Camargo,

    contudo, neste caso os plos do gradiente so outros: de um lado o espiritismo kardecista; do

    outro, o espiritismo de umbanda.

    A magia, tambm, constituda de crenas e de ritos. Tem, como a religio, seus mitos e dogmas, que so, apenas, mais rudimentares, porque, perseguindo fins tcnicos e utilitrios esta no perde seu tempo com especulaes. (DURKHEIM, 2008, p. 74)

    A magia utilitria, caracterstica dos quimbandeiros, bem como a ausncia de terreiros

    que se denominem de quimbanda ou de macumba, contrasta com a moralidade e a tica

    religiosa da umbanda, lembrando a distino que Durkheim faz entre religio e magia. De

    acordo com o clssico socilogo, no h religio que no rena todos os que a ela aderem na

    chamada comunidade moral, ou Igreja (DURKHEIM, 2008, p. 79). De fato, a ausncia da

    uma igreja para macumbeiros e quimbandeiros um indicativo da postura destas prticas

    religiosas, que abstraem qualquer presso moral e tica no que diz respeito s expiaes,

    dando liberdade completa ao exu encarnado pelo mdium. Sendo assim, dificilmente uma

    comunidade que assumisse claramente estes preceitos seria aceita pela sociedade.

    O conceito de representaes, para Bronislaw Baczko, diz respeito forma com que se

    constri e se faz permanecer na sociedade um conjunto de smbolos e signos, ou seja, uma

    imaginao, que se referem a algo, seja uma instituio, um acontecimento do passado, uma

    concepo da sociedade e suas caractersticas, uma ideologia poltica, etc. Esta imaginao,

    por sua vez, est intimamente ligada ao exerccio do poder, pois garante ao manipulador

    desta denunciar na sua oposio elementos depreciativos, enquanto produz constantemente a

    sua prpria exaltao. A mdia possui, portanto, papel significativo no momento em que

    desempenha a funo de, quando est a servio do poder em vigncia, difundir na sociedade

    as representaes que so construdas acerca do outro ao mesmo tempo em que propaga a

    imaginao que o poder vigente d de si mesmo, coberta de apropriaes simblicas que, no

    imaginrio construdo, so naturalizadas e legitimadas. Sendo assim, Baczko afirma que as

    relaes sociais e a instituies polticas so incapazes de permanecer na sociedade sem que

    as suas existncias sejam prolongadas pela imagem que tm de si mesmas e de outrem

    (BACZKO, 1985, p. 301).

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    Percebe-se na construo de uma imaginao social a possibilidade de, com grande

    xito, legitimar a sociedade, sua organizao poltica, seus sistemas de produo, a relao

    entre os seus integrantes, etc. E mais, a imaginao se caracteriza como um hbil instrumento

    coercitivo, ou seja, agregador da sociedade. Baczko relata a questo da coeso social ligada ao

    imaginrio quando usa o exemplo de Plato: este filsofo, por sua vez, constatou a eficcia do

    imaginrio social neste caso, o mito em unir a sociedade no momento que este naturaliza

    as hierarquias rigorosamente definidas da sociedade; o mito veicula a imaginao entre os

    cidados e garante, constantemente, a legitimao do sistema (BACZKO, 1985, p. 300)

    Tal importncia da imagem foi tambm afirmada em As Formas Elementares de Vida

    Religiosa, onde o socilogo Durkheim relata, acerca do sistema religioso totmico

    australiano, que as representaes do totem ser sagrado que representa o cl e o diferencia

    dos demais possuem eficcia mais ativa do que o prprio totem, chegando ao notvel

    resultado de que as imagens do ser totmico so mais sagradas que o prprio ser totmico

    (DURKHEIM, 2008, p. 176). Esta noo proposta por Durkheim faz lembrar perfeitamente a

    discusso que Baczko levanta sobre Maio de 68: de acordo com o filsofo polons, este

    evento lembrado, na sua mitologia, como um momento de pura efervescncia de

    imaginrios, uma poca explosiva. Ora, afirma, Baczko, pouco importava saber se, de fato,

    Maio de 68 foi tal qual lembrado, pois j suficientemente significativa e eficaz a sua

    lembrana, ou seja, a imagem que se tem dele.

    Baczko, para aprofundar o entendimento dos imaginrios sociais, se apoia nos trs

    clssicos pensadores que constituem hoje a base da sociologia moderna. Comeando com

    Marx, o autor explica como as representaes, chamadas tambm, neste caso, de ideologias,

    constituem uma parte integrante da vida em sociedade, contudo, estas representaes que

    cada grupo social faz de si prprio Marx atribui o carter de irrealidade, ou em outras

    palavras, algo feito exclusivamente para mascarar a instncia ltima da realidade: as relaes

    socioeconmicas. Quanto a Durkheim, explica que a sociedade est correlacionada com

    sistemas de representaes coletivas (a religio, por exemplo) que, por sua vez, possuem a

    funo de garantir que a sociedade permanea coesa. No caso de Max Weber, Baczko afirma

    possuir o imaginrio social um importante papel: dar sentido ao comportamento especfico de

    determinados atores sociais. (BACZKO, 1985, p. 305-307)

    Quando um grupo social, seja qual for, compartilha dos mesmos smbolos e atribui s

    coisas da sociedade as mesmas significaes, orientando suas vidas a partir delas, este grupo

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    se caracteriza como uma comunidade de imaginao, ou comunidade de sentido (BACZKO,

    1985, p. 321). Esta comunho de significados trs consigo a coero da qual o grupo social

    necessita para se identificar e diferenciar dos demais grupos. Percebe-se claramente como este

    conceito se encaixa s religies: para que esta exista, ela deve criar significados especficos

    em relao ao mundo a sua volta, tom-los como verdadeiros e legtimos. Quando h

    divergncias substanciais em relao ao entendimento destes significados dentro do grupo

    religioso, este conseguintemente se divide, criando uma nova partio, uma outra

    comunidade. A Umbanda, portanto, uma comunidade de sentido, bem como a Quimbanda.

    As significaes atribudas aos deuses, a tica e a moral religiosa, a conduta de vida, enfim, a

    prtica religiosa umbandista carregam bens simblicos que so comuns aos seus integrantes.

    A comunidade de sentido referente ao Exu umbandista encontrada, portanto, em Ortiz,

    nos mostra uma srie de caractersticas, dentre as quais: a ambivalncia, o carter trickster, o

    falismo, aproximao com a morte e a demonizao. Perceberemos, ao analisar as

    representaes imagticas dos sites umbandistas, a recorrncia desta ltima caracterstica, que

    apesar de no excluir as outras, se mostra como predominante.

    O terreiro 7 lineas, de umbanda e quimbanda, nos fornece um imagem proveitosa

    para que seja iniciada a anlise. Neste site, o Exu representado de uma maneira muito

    corriqueira entre os sites umbandistas: sem camisa e com uma capa preta que sobre suas

    costas, o Exu Mar possui dois chifres pequenos, carregando em uma das mos um tridente,

    e na outra uma caveira humana. Ora, percebemos de imediato duas caractersticas das mais

    recorrentes em relao ao Exu umbandista, ou seja, a identificao com o demnio catlico e

    a familiaridade com a morte. Esta representao demonstra claramente o lado malfico do

    deus, pois a assimilao com o diabo exclui a ambivalncia no momento em que no

    possvel a este ltimo praticar o bem.

    Nesta linha imagtica, encontraremos uma srie de representaes semelhantes em

    outros terreiros virtuais. o caso, por exemplo, da Tenda de Umbanda Pai Joaquim

    D'Angola e Ex Tiriri, que tambm veicula a imagem do exu-diabo: a estatueta do deus

    possui uma longa capa vermelha que se estende at o cho, ao mesmo tempo que nas mos

    carregado um tridente, e em cada lado do Exu, posta uma caveira. Neste mesmo site, so

    encontradas imagens de divulgao dos encontros e cultos a Exu, especialmente a Exu-mirim,

    que em todas as imagens representado como o diabo criana, ou seja, um menino de pele

    vermelha, com dois chifres e fazendo caretas.

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    Uma interessante imagem foi a do Ncleo Umbandista So Sebastio, nitidamente

    um terreiro da umbanda branca, menos africanizada e fortemente catlica. Neste site, a

    primeira sentena dirigida em relao ao Exu diz o seguinte: Os exus no trabalham no

    desenvolvimento dos rituais de Umbanda!. Na sequncia, os escritores do site alertam para o

    perigo de se envolver com os exus, afirmando que, se estes podem por ventura trabalhar para

    o bem, tal prtica rarssima e o que de fato acontece nos terreiros que aceitam o exu nas

    sesses abertas a realizao de malefcios. Este ncleo umbandista afirma tambm a

    incoerncia de se relacionar o exu com o demnio catlico, afirmando que esta uma

    representao que apenas serve para manipular o indivduo que se interessa pela religio

    umbandista, fazendo-o se afastar. Enfim, a imagem aqui veiculada nos diz respeito ao carter

    trickster levantado por Ortiz, em referncia a Bastide. O Exu-Quiumba representado da

    seguinte forma: um lobo feroz, vestindo uma fantasia de ovelha que aos poucos se solta,

    mostrando suas patas e suas garras. Ao mesmo tempo, este lobo disfarado agarra por trs

    uma ovelha real. Abaixo da imagem, est escrito que os exus praticam a magia negativa, e que

    a prtica do bem, mesmo podendo acontecer, no do seu feitio. Termina-se a descrio da

    imagem com um alerta para o cuidado que se deve ter ao se relacionar com este deus: So

    enganadores por excelncia.

    No site do Terreiro de Yemanj, o exu representado de forma bastante

    interessante: ainda com um tridente na mo, esta representao se mostra muito africanizada,

    no s pela cor preta da entidade, mas pelas suas poucas vestimentas tribais e, principalmente,

    por um grande falo carregado na outra mo, caracterstica tipicamente africana que confirma a

    sexualidade e a fecundidade deste orix. Nos ps do exu, encontra-se uma labareda de fogo,

    reforando novamente o carter africano.

    Na Tenda de umbanda filhos da vov Rita, o exu representadotambm sob uma

    aparncia mesclada entre o africanismo e os valores da sociedade brasileira. Com a pele negra

    e usando vestes tpicas das tribos africanas, o exu carrega o tridente, desconhecido para os

    africanos porm dotado de um forte simbolismo pela moral crist.

    3. Concluso

    Tendo em vista o contedo dos sites umbandistas at ento encontrados, ou seja,

    fazendo um balano geral acerca do carter das representaes do exu encontradas e

    relembrando o fato de este trabalho estar ainda em pesquisa constata-se que o tema central

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    da tese de Ortiz, a de apropriao simblica dos bens socialmente consentidos pela classe

    dominante brasileira por parte da umbanda, verificvel empiricamente dentro do recorte que

    fizemos (a figura do exu e o meio ciberntico) e, portanto, verdica at o momento. No

    prefcio redigido nova edio de 1991, Ortiz atenta para o fato de que, ao invs de

    reformular sua tese para republic-la, o que implicaria em mudanas substanciais na mesma,

    optou naturalmente por tom-la como um trabalho datado, tendo em vista o desconhecimento

    que possua em 1978 data da primeira edio acerca dos crescentes estudos sobre a

    escravido que se esboavam na historiografia brasileira. Quanto aos movimentos de

    reafricanizao na cultura, em especial no candombl, Ortiz reafirma sua tese deixando

    claro que esta reinterpretao da tradio africana de cunho contestador frente ao preconceito

    racial, entre outros motivos, no se estendeu umbanda. Cabe a esta pesquisa,

    conseguintemente, verificar se na internet este fenmeno de fato alheio umbanda ou se

    uma nova valorizao da cultura negra entre os umbandistas cibernticos comea a se

    delinear.

    Referncias Bibliogrficas:

    BACZKO, Bronislaw. A imaginao social In: Leach, Edmund et Alii. Anthropos-Homem.

    Lisboa,

    Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1985.

    DURKHEIM, mile. As Formas Elementares de Vida Religiosa. So Paulo: Paulus, 3

    edio, 2008.

    ISAIA, Artur. Umbanda: a exegese da magia. In: Revista Brasileira de Histria das Religies.

    ANPUH, Ano V, n. 14, Setembro 2012.

    ORTIZ, Renato. A morte branca do feiticeiro negro: umbanda e sociedade brasileira. So

    Paulo: Brasiliense, 1999.

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    A ROMANIZAO NA AMAZNIA: UM BISPO ULTRAMONTANO NO

    PAR OITOCENTISTA ENTRE A IGREJA E O ESTADO.

    Allan Azevedo Andrade2 Universidade Federal do Par

    Introduo

    Este trabalho visa analisar a Igreja Catlica em meados do sculo XIX, procurando

    examinar como se processava a relao entre essa instituio religiosa, o Estado e a

    populao, no intuito de entender a complexa ligao entre o campo religioso e poltico, na

    figura do 9 bispo do Par, Jos Afonso de Moraes Torres, tendo como apoio a

    documentao3, e percebendo de que forma o mbito da poca propiciou as transformaes

    verificadas no poder espiritual e temporal. No sem razo, levado em considerao o

    contexto nacional e internacional, sendo imprescindvel a dissecao do momento

    efervescente que o mundo catlico vivia para entender os reflexos disso no Par.

    O prelado diocesano mostrava sua inclinao ultramontana na medida em que

    expressava o conservadorismo tpico da Romanizao4, se apresentando muito mais adepto

    infalibilidade papal apesar desse dogma s ter sido oficializado anos depois no Concilio do

    Vaticano I do que da condio de submisso assumida pela Igreja durante a aliana entre

    trono/altar, ao tentar colocar em prtica os preceitos ultramontanos oriundos de Pio IX, o

    ento Pontfice Romano da poca.

    Contudo, imprescidvel entender herana carregada pela sociedade brasileira

    procedente dos sculos passados. Para Riolando Azzi (1983)5 a autoridade do Papa na poca

    do Brasil colonial pequena devido ao estado de submisso que se apresentava a Igreja 2 Vinculado ao projeto de pesquisa Dom JOS AFONSO DE MORAES TORRES: o debate da cultura liberal

    com a cultura catlica, financiado pela Universidade Federal do Par. Tendo como orientador o Prof. Dr.

    Fernando Arthur de Freitas Neves. 3 Arquivo Pblico do Estado do Par (APEP). Secretria da Presidncia da Provncia. Srie: 13. Ofcio das

    autoridades religiosas. Ano: 1856-1857. Caixa 203; Hemeroteca Digital Brasileira. Disponvel em:

    . Jornal Treze de Maio. Ano de 1845, 1855 e 1856. Jornal Estrella do

    Amazonas. Ano de 1854 e 1857. Alm dos Relatrios de presidentes da provncia entre 1844 e 1858, disponveis

    no site: . 4 Movimento pelo qual a hierarquia eclesistica objetivava afastar a Igreja do poder temporal na figura do

    Estado, e aproxim-la das ordens da Santa S. 5AZZI, Riolando. A Instituio Eclesistica durante a Primeira poca Colonial. In: Hoornaert, Eduardo. Histria

    da Igreja no Brasil. TOMO II,1. Petrpolis: Vozes, 1983. p. 172.

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    perante o poder temporal por fora do Padroado Rgio6. Em meio a isso, John Lynch (2001)7

    elucida que, diferente da coroa espanhola que repassou para sua colnia na Amrica um

    legado catlico pautado no conhecimento doutrinrio bsico, a tradio catlica portuguesa

    transmitiu ao Brasil um catolicismo ortodoxo, porm com pouco conhecimento doutrinrio.

    Diante disso, em meados do sculo XIX, ao assumir a diocese, Dom Afonso Torres

    demostrar sintonizado aos ventos da Romanizao emanados da Europa mas

    especificamente de Roma no intuito de revitalizar a presena do catolicismo na sociedade,

    tentando recuperar a ligao com a Santa S que estava enfraquecida durante o regime do

    padroado. Por isso, ao perceber a necessidade de reformar o clero e o povo cristo, ele

    empregou significativo esforo para imprimir um catolicismo romano sobre o catolicismo

    luso-brasileiro herdado desde os tempos coloniais. Portanto, foi relevante a anlise do que

    vem a ser o processo de romanizao para ver seus reflexos na vida dos religiosos paraenses

    ao promover a primazia da esfera religiosa sobre a esfera civil.

    A reforma dos fieis

    A Igreja no Brasil seguiu as tendncias transformadoras do mundo catlico do sculo

    XIX aventada pelo movimento romanizador em ascesso. Joo Camilo Torres (1969)8 aponta

    o Ultramontanismo como um esforo no sentido de afirmar a distino entre a igreja e o

    mundo. Essa situao levou a um estremecimento da relao de Padroado Rgio no Brasil,

    ocasionando a tomada de conscincia de vrios membros do episcopado no intuito de

    conseguir autonomia espiritual da hierarquia catlica frente ao poder temporal, tendo como

    alguns dos principais precursores dessa reestruturao eclesiastica nomes como Dom Antnio

    Ferreira Vioso e Dom Antonio Joaquim de Melo, segundo Heraldo Maus (1995)9. No Par,

    o grande nome da Romanizao foi Dom Antnio de Macedo Costa, no obstante,

    6 O monoplio da propagao da f por parte da Igreja no Estado era garantido pelo Padroado Rgio. No Brasil, apesar da constituio de 1824 permitir a existncia de outras religies que no fosse a catlica, acabava limitando ao culto domstico a expresso dessas outras formas religiosas, como se v no Art. 5: A Religio Catlica Apostlica Romana continuar a ser a religio do Imprio. Todas as outras religies sero permitidas com seu culto domstico, ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de templo. 7 LYNCH, John. A Igreja catlica na Amrica Latina, 1830 - 1930. In: Histria da Amrica Latina. Vol. IV. BETHELL, Leslie (org.). So Paulo: Editora da Universidade de So Paulo, 2001. p. 415. 8 TORRES, Joo Camilo de Oliveira. O sacerdcio e o Imprio. In: Histria das idias religiosas no Brasil. So Paulo: Editora Grijalbo, 1969. p. 112. 9 MAUS, Raymundo Heraldo. Igreja e Estado: Unio e Separao, combate e recomposio. In: Padres, Pajs,

    Santos e Festas: catolicismo popular e controla eclesistico. 1. Ed. Volume 1. BELM: CEJUP, 1995. p. 47.

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    importante levar em considerao as medidas ultramontanas tomadas por Dom Afonso Torres

    que ja se mostrava vinculadas linha romanista ao inspirar suas aes nos preceitos

    tridentinos buscando a regenarao do clero.

    Hugo Fragoso (1992)10, afirma que no momento de apogeu do Imprio no Brasil, o

    Estado, na tentativa de reforar a imagem de um governo forte e centralizador, passa a intervir

    de forma mais incisiva nos assuntos eclesiais, levando uma reao da Igreja quanto a essa

    situao de subordinao. importante ressaltar que o desgaste na relao entre Estado e

    Igreja no uma particularidade do Brasil, pois em algumas partes da Europa e Amrica

    Latina11 vinha ocorrendo assduos embates entre ambos durante o sculo XIX. Dessa forma, a

    Igreja percebeu a necessidade de uma reforma interna vislumbrando a formao de um clero

    ajustado com a tese da Santa S, tentando implantar um catolicismo de sacramento em

    detrimento do catolicismo popular.

    Paralelo a isso, Jos Afonso Torres se torna bispo da diocese do Par em 1844, e ao

    assumir o bispado encontra uma diocese devastada em meio ao contexto do ps-Cabanagem,

    dificultando sua trajetria como representante maior da Igreja naquela regio. Diante desses

    percalos, Dom Afonso procurou colocar em prtica, na medida do possvel, sua proposta

    Ultramontana.

    Destarte, o prelado diocesano se esfora no intuito de levar o catolicismo sacramental

    ao interior da Amaznia. Aps se ver livre da obrigao de ensinar no seminrio episcopal por

    uns tempos, o bispo se dedica s visitas pastorais pelo bispado, que ao total foram 8.

    (...) agora porem desprendidos por alguns dias daquella obrigao do ensino no Seminario, podemos annunciar-vs que tencionamos no dia 21 do corrente mez sahir a visita das Igrejas da Vigia, Collares, e S. Caetano, e Salinas, e he com prazer que vamos dar comeo a esta correria Apostlica (...)12

    10 FRAGOSO, Hugo. A igreja na formao do estado liberal (1840-1875). In: [HOORNAERT, Eduardo (org.)].

    Histria da Igreja no Brasil: Ensaio de interpretao a partir de um povo segunda poca. Tomo II/2.

    Petrpolis, RJ: Ed. Vozes, 1992. p. 151. 11 Frana e Mxico so exemplos do abalo nas relaes entre poder espiritual e temporal. Ver: NEVES, F. A. F.

    Romanizao como catequese: a doutrina pastoral dos bispos. Revista HISTEDBR On-line, v. 12, p. 50-63,

    2012. 12 TORRES, Jos Afonso de Morais. PASTORAL. Treze de Maio, Belm, 6 ago. 1845. Disponvel em: Acesso em: 20 de Fevereiro de 2013.

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    Alm de adentrar no serto amaznico levando a f catlica aos lugares mais ermos

    da diocese, Afonso Torres tambm estende seu plano ultramontano at aos espaos privados

    dos fieis. Ele orienta o laicato sobre a utilidade e o local da casa que deve ser colocado os

    oratrios domsticos.

    2.a Nos ditos Oratorios no se poder cantar Missa, administrar os Sacramentos do matrinonio, baptismo solemne, e a confisso as mulheres smente havendo confessionarios proprios para ellas com grades. 3.a Os Oratorios deveram estar em lugar decente, e inteiramente separado dos lugares destinados aos usos domsticos, como salas de jantar ,&.13

    Para o bispo, o oratrio, enquanto local de orao, no poderia ser fixado em

    qualquer parte do ambiente domstico justamente por expressar o carter sagrado do

    catolicismo. Assim, Jos Afonso procura direcionar a cristandade ao caminho da salvao

    mesmo que isso interfira em sua intimidade, no existindo limites difuso da f, mormente

    nesse momento onde a tendncia cada vez mais buscar a aproximao com Roma.

    Ele se dedica tambm ao cumprimento correto do sacramento do matrimonio na

    diocese. A aliana matrimonial sob os olhos da Igreja representa a garantia da ordem e da

    estabilidade das famlias, bem como da tranquilidade pblica. No entanto, ao que parece, as

    unies conjugais que se davam no bispado do Par no estavam seguindo os preceitos

    religiosos emanados de Roma, sobretudo no que diz respeito s unies de casais com grau de

    parentesco prximo. D. Afonso orienta os soldados de seu exercito espiritual a lerem os

    prelados ilustrados do Rio de Janeiro e do Maranho para que possam direcionar o

    sacramento do matrimnio dentro da Amaznia.

    Convencidos da necessidade de darmos ao Rd.os Parochos as principaes regras, que devem observar na administrao do Sacramento do Matrimonio, para evitar assim abusos, que posso nascer do esquecimento das mesmas, no podemos cumprir melhor este nosso dever do que mandando que se observem neste Bispado as sabias instruces, que em suas pastoraes dirigiro aos Rd.os Parochos de suas Dioceses os illuestrados Prelados do Rio de Janeiro e Maranho, que com esta mandamos publicar, dando-lhes preceitos e instruces para a celebrao do Matrinonio.14

    A preocupao do bispo com os abusos cometidos pelos fieis que contraiam

    matrimnio evidente, porm, mais do que isso, ele procura sintonizar os padres da diocese

    13 TORRES, Afonso de Moraes. Colleco de Algumas circulares e portarias mais importantes de S. Ex. Reverendissima o Senhr. Bispo do Par. TYP. De SANTOS 7 FILHO. 1856. p. 11. 14

    Ibidem.

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    de acordo com os ensinamentos dos presbteros de outros bispados, articulando de alguma

    forma a maneira de direcionar sua administrao eclesistica a outros governos espirituais do

    Imprio. Portanto, a orientao provinda do Prelado diocesano aos sacerdotes da Amaznia

    (principalmente ao clero secular) era fundamental para colocar o rebanho cristo no caminho

    da doutrina catlica, mesmo essa cultura conservadora se caracterizando pelo distanciamento

    da realidade local.

    A formao sacerdotal

    O plano de reforma da Igreja devia comear pelo clero, pois ali residia a base de toda

    a propagao de f para o restante da sociedade, para tanto, era essencial o papel dos

    seminrios, em razo da educao no sculo XIX ser um meio pelo qual o catoliscimo

    reproduziria os principios de sua religio, segundo Patricia Martins (2006)15. De acordo com

    Hugo Fragoso (1992)16, mesmo com a gradual reduo numrica de padres, no Segundo

    Reinado a formao intelectual era at boa, entretanto a instruo espiritual e moral do clero

    se encontrava em situao precria. Claro que isso no se estendia a todos os pontos do

    Imprio, dado que, por exemplo, a diocese de Mariana era considerada refncia quanto