anais gt 2014 20março
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Anais do III Simpsio do GT Histria das Religies e das Religiosidades da Associao Nacional de Histria (GTHRR-ANPUH) Vida e Morte nas Religies e nas Religiosidades. Revista
Brasileira de Histria das Religies. Maring (PR) . V, n.18, jan/2014. ISSN 1983-2850.
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ANAIS DO III SIMPSIO DO GT HISTRIA DAS RELIGIES E DAS RELIGIOSIDADES DA ASSOCIAO NACIONAL DE HISTRIA
(ANPUH) GTHRR REGIONAL SUL
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Anais do III Simpsio do GT Histria das Religies e das Religiosidades da Associao Nacional de Histria (GTHRR-ANPUH) Vida e Morte nas Religies e nas Religiosidades. Revista
Brasileira de Histria das Religies. Maring (PR) . V, n.18, jan/2014. ISSN 1983-2850.
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PROMOO:
ASSOCIAO NACIONAL DE HISTRIA SEO DO PARAN
GT DE HISTRIA DAS RELIGIES E DAS RELIGIOSIDADES ANPUH/PR
GT DE HISTRIA DAS RELIGIES E DAS RELIGIOSIDADES ANPUH/SC
GT DE HISTRIA DAS RELIGIES E DAS RELIGIOSIDADES ANPUH/PR
DEPARTAMENTO DE HISTRIA DHI/UEM
LABORATRIO DE ESTUDOS EM RELIGIES E RELIGIOSIDADES LERR/UEM
APOIO:
DIRETORIA DA ANPUH/PR Angelo Priori Presidente Frank Antnio Mezzomo Vice-presidente Mrcia Elisa Tet Ramos Secretria geral Edson Armando da Silva Tesoureiro GT HISTRIA DAS RELIGIES E DAS RELIGIOSIDADES ANPUH Solange Ramos de Andrade Coordenadora Nacional Vanda Fortuna Serafim Coordenadora Seo Paran Artur Csar Isaia Coordenador Seo Santa Catarina Gerson Machado Vice-coordenador Seo Santa Catarina Gizele Zanotto Coordenadora Seo Rio Grande do Sul Marta Rosa Borin Vice-coordenadora Seo Rio Grande do Sul
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Anais do III Simpsio do GT Histria das Religies e das Religiosidades da Associao Nacional de Histria (GTHRR-ANPUH) Vida e Morte nas Religies e nas Religiosidades. Revista
Brasileira de Histria das Religies. Maring (PR) . V, n.18, jan/2014. ISSN 1983-2850.
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COMISSO ORGANIZADORA DO EVENTO Vanda Fortuna Serafim UEM Solange Ramos de Andrade UEM Natally Vieira Dias UEM Jos Henrique Rollo Gonalves UEM Artur Csar Isaia UFSC Marta Rosa Borin UFSM
COMISSO TCNICO-CIENTFICA
Angelo A. Priori UEM Artur Cesar Isaia- UFSC Cludia Touris Universidad de Buenos Aires Eliane Cristina Deckmann Fleck- UNISINOS Gerson Machado - FCJ/MASJ Gizele Zanotto - UPF Jos Carlos Gimenez - UEM Marta Rosa Borin - UFSM Patrcia Fogelman - Universidad de Buenos AiresRichard Gonalves Andr - UEL Terezinha Oliveira UEM Solange Ramos de Andrade - UEM COMISSO DISCENTE Agamedes Leite FonsecaDaniel Lula Costa
Flvio Guadagnucci Palamin Giovane Marrafon Gonzaga Helisson de Oliveira Soares Las Pinheiro de Souza Guelis Leide Barbosa Rocha Schuelter Maria Helena Azevedo Ferreira
Mariana Rodrigues da Silva Michel Bossone Murilo Toffanelli Rafaela Arienti Barbieri Tereza de Fatima Mascarin Thauan Berto dos Santos
Tnia Kio Fuzihara Piccoli
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Anais do III Simpsio do GT Histria das Religies e das Religiosidades da Associao Nacional de Histria (GTHRR-ANPUH) Vida e Morte nas Religies e nas Religiosidades. Revista
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APRESENTAO
O III Simpsio do GT Histria das Religies e das Religiosidades da Associao Nacional de
Histria (GTHRR-ANPUH), foi realizado na Universidade Estadual de Maring (UEM), de 5
a 7 de novembro de 2013. A Regional Sul do GTHRR-ANPUH corresponde aos Estados do
Paran, do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina.
Vida e Morte nas Religies e nas Religiosidades foi o tema desta edio do encontro, que
oportunizou produtivas discusses, agregando significativas contribuies s nossas pesquisas
e nossa atuao docente.
O evento contou com duas conferncias proferidas pelas prefessoras Dra. Solange Ramos de
Andrade (UEM) e Dra. Edilece Souza Couto (UFBA).
As mesas-redondas versaram sobre variadas manifestaes religiosas, contando com a
presena dos seguintes profissionais:
Prof. Dr. Artur Cesar Isaia (UFSC), Prof Dra. Marta Rosa Borin (UPF), Prof Dra. Virgnia
Albuquerque de Castro Buarque (UFOP), Prof. Dr. Gilberto Martins (UNESP-Assis), Prof
Dra. Vanda Serafim (UEM), Prof. Dr. Gerson Machado (UFSC),Prof Dra Karin Volobuef
(UNESP-Araraquara), Prof Dra Aline Dias da Silveira (UFSC), Prof. Dra. Salma Ferraz
(UFSC), Prof. Dr. Sylvio Fausto Gil Filho (UFPR), Profa. Dra. Eliane Cristina D. Fleck
(UNISINOS), Prof. Dr. Jos Henrique Rollo Gonalves (UEM).
Houve, ainda, os Simpsios Temticos que trataram das questes referentes A morte e o bem
morrer na transio para a modernidade, Encruzilhadas historiogrficas:crenas medinicas
e afro-brasileiras, Religiosidades e culturas na Amrica Latina, Religies e religiosidades
e suas representaes no cinema e na literatura, Religio, instituies e pluralismo
religioso, Religies e religiosidades orientais:confluncias e conflitos e Literatura
religiosa e os discursos sobre a morte e o morrer.
Os textos que seguem so resultados das discusses e apresentaes de trabalhos nas trs
tardes do evento por meio dos Simpsios Temticos.
Agradecemos a participao e empenho de todos que contribuiram para a realizao deste
evento.
E desejamos a todos uma boa leitura!
Vanda Fortuna Serafim
Solange Ramos de Andrade
(Coordenadoras do evento)
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Anais do III Simpsio do GT Histria das Religies e das Religiosidades da Associao Nacional de Histria (GTHRR-ANPUH) Vida e Morte nas Religies e nas Religiosidades. Revista
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SumrioPgina TTULO - Autor
001 -A BOA MORTE EM COMBATE: O MANUAL DE ORAES DO SOLDADO BRASILEIRO DA
FORA EXPEDICIONRIA BRASILEIRA NA
SEGUNDA GUERRA MUNDIAL Adriane Piovezan
021 - A ROMANIZAO NA AMAZNIA: UM BISPO ULTRAMONTANO NO PAR
OITOCENTISTA ENTRE A IGREJA E O ESTADO
Allan Azevedo Andrade
033 - A MEDICINA NATURAL EM JARDIM ALEGRE- PR (SCULO XXI) Ana Paula Mariano Dos
Santos (LERC UEM) Eloize Fabola Nascimento
Schimmelfenig (LERC UEM) Dra. Vanda Fortuna
Serafim (Orientadora-UEM)
040 - UMA ANLISE DO AFRESCO CRUCIFICAO, DE GIOTTO NA BASLICA DE
SO FRANCISO, ASSIS. Andr Luiz Marcondes
Pelegrinelli .Orientadora: Profa. Dra. Angelita Marques
Visalli . Universidade Estadual de Londrina
049-O ANTICLERICALISMO TTICO DE A
LANTERNA: APROPRIAES DO CRISTIANISMO
E IDEAL DE SOCIEDADE LAICA ENTRE TEXTOS E
IMAGENS (1901-1904) Andr Rodrigues Graduando
UEM CRV
058 - AS IMAGENS NOS LIVROS DIDTICOS DE
HISTRIA: AFIRMAO OU DESCONSTRUO
DE ESTERETIPOS E DE IDEIAS RACISTAS?
Anglica Ramos Alvares (UEM) Rodrigo Pereira da
Silva (UEM) ngelo Aparecido Priori (UEM)
069 - FORA DA CARIDADE NO H
SALVAO: REPRESENTAES SOBRE VIDA E
MORTE NO ESPIRITISMO Bruno Corts Scherer
(UFSM) Beatriz Teixeira Weber (UFSM)
083 - O HISTORIADOR E SUAS FONTES: O CASO
DA CARTA DE PAULO AOS CORNTIOS. Camila
Karina Marcelo da Cruz PPGHS Universidade Estadual
de Londrina Mestrado em Histria Social
097 - O TEMA DA ORAO PELOS MORTOS NA
CONFISSO DE F DE WESTMINSTER (1647).
Czar de Alencar Arnaut de Toledo. Universidade
Estadual de Maring. Rodrigo Pinto de Andrade.
Universidade Estadual de Maring.
112 - A ORAO PELOS MORTOS NO CATECISMO ROMANO, DE 1566. Czar de Alencar
Arnaut de Toledo. Universidade Estadual de Maring.
Rodrigo Pinto de Andrade. Universidade Estadual de
Maring.
127 - SEU JSU E A MEDICINA NATURAL EM JARDIM ALEGRE - PR. Cezar Felipe Cardozo Farias
(LERC UEM) Ana Paula Mariano Dos Santos (LERC
UEM) Eloize Fabola Nascimento Schimmelfenig (LERC
UEM) Vanda Fortuna Serafim (Orientadora UEM)
135 - A BENZEO EM SANTA MARIA. A
PERMANNCIA DE TRADIES DE CURA NO
CONTEXTO DA CONTEMPORANEIDADE Dalvan
Alberto Sabbi Lins Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM)
148 - LITERATURA E HISTRIA: A DIVINA
COMDIA E SUA REPRESENTAO DOS
AMBIENTES DO PS-MORTE Daniel Lula Costa
FECILCAM/UNESPAR
158 RELIGIO E LOUCURA: A VIOLNCIA
MDICA CONTRA AS RELIGIES DE TRANSE
MEDINICO NO RIO DE JANEIRO DA PRIMEIRA
REPBLICA Edvaldo Sapia Gonalves USP
(DIVERSITAS) e UEM
174 - A ORDEM DOS ANTEPASSADOS: O
SAGRADO COMO MECANISMO DE
COMPORTAMENTO DA IGREJA MESSINICA
MUNDIAL DO BRASIL Elisangela Marina de Freitas e
Silva Mestranda de Histria da Universidade Federal de
Santa Catarina
182 - MITOS, CRENAS E PRTICAS DE CURA.
Eloize Fabiola do Nascimento Schimmelfenig (LERC-
UEM) Ana Paula Mariano Dos Santos (LERC UEM)
Dra. Vanda Fortuna Serafim (Orientadora)
189 - O USO DA AYAHUASCA NO CONTEXTO
URBANO: UM LUGAR ENTRE O TRADICIONAL E
O MODERNO Fbio Eduardo Celant
205 - O SENTIDO DA MORTE ENTRE OS IORUBS
E NO CANDOMBL NAGFbio Ferreira dos Santos
da Silva Universidade Federal da Paraba
219 - AS DIFERENTES FORMAS DE SE EXPLICAR
A ORIGEM DA DOENA PELA RELIGIO Fbio
Leandro Stern Pontifcia Universidade Catlica de So
Paulo
232 - ULTRAPASSANDO OS MURROS DO
CONVENTO: AS IRMS FRANCISCANAS E O
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OFCIO DE INFORMAR A COMUNIDADE
RELIGIOSA PROVINCIALFranciele Roveda Maffi
248 - PIENSA QU ESTAR TU CUERPO DEBAJO
DE LA TIERRA: A MORTE E O LUTO EM JOO DE
VILAGabrieu de Queiros Souza Universidade Estadual
de Maring (UEM)
258 - A HISTRIA NA ENCRUZILHADA: O
CANDOMBL, O HISTORIADOR E SUAS
FERRAMENTAS Gerson Machado Fundao Cultural
de Joinville/ Museu Arqueolgico de Sambaqui de
Joinville
273 - ESPIRITUALIDADE E NATUREZA NO
COTIDIANO URBANO Giovane Marrafon Gonzaga
LERR UEMProf Dra. Vanda Serafim (Orientadora)
282 - MANDINGA: A TTICA DO ESCRAVO
Giovane Marrafon GonzagaLERR UEM Prof Dra.
Vanda Serafim (Orientadora)
294 - O DEMNIO E OS MDIUNS: BOAVENTURA
KLOPPENBURG E O DISCURSO CATLICO SOBRE
A AO DEMNACA NO ESPIRITISMO (MEADOS
DO SCULO XX). Isonete Vilvert Universidade Federal
de Santa Catarina UFSC
301 - LITURGIAS DA BOA MORTE E DO BEM
MORRER: PRTICAS E REPRESENTAES
FNEBRES NA CAMPINAS OITOCENTISTA (1830-
1880) Joo Paulo Berto IFCH-UNICAMP
318 - DA TOLERNCIA CARIDADE: UM
DILOGO COM GIANNI VATTIMO LUZ DA
RELAO ENTRE RELIGIO E LAICIDADE NA
PS-MODERNIDADE Jonathan Menezes Faculdade
Teolgica Sul Americana
342 - OS SERMES DAS EXQUIAS DE FELIPE II,
REI DE ESPANHA E PORTUGAL. Jos Carlos
Gimenez
356 - ALGUMAS CONSIDERAES SOBRE A
QUEIMA DE BBLIAS EM ASTORGA PR (1953)
Las Pinheiro de Souza Guelis Universidade Estadual de
Maring Orientadoras: Prof. Dr Vanda Fortuna Serafim
(UEM)
370 - PROJETO MISSIONRIO: A CIDADE DE
PARANAVA. Leide Barbosa Rocha
SchuelterUniversidade Estadual de Maring.
383 - CIDADANIA GRECO ROMANA ANTIGA
Lorena Amona Jinl Mascarin Toms Faculdade
Alvorada de tecnologia e Educao de Maring
389 -O CONCEITO DE MILAGRE EM LUCIEN
FEBVRE E MARC BLOCH Lucineide Demori Santos
DHI/LERR/ PIBIC-FA-UEM Solange Ramos de
Andrade (Orientadora) DHI/PPH/LERR-UEM
405 -A SALVAO E A MORTE NO CINEMA:
REPRESENTAES E INTERPRETAES NO
FILME O POO E O PNDULO. Luis de Castro
campos Jr. CCHE UENP CAMPUS JACAREZINHO
- PR
416 - OS CONFLITOS RELIGIOSOS NAS NDIAS
ORIENTAIS LUSO-HOLANDESAS E A TRADUO
BBLICA DE JOO FERREIRA DE ALMEIDA (1642-
1694) Luis Henrique Menezes Fernandes Doutorando em
Histria Social (USP) Pesquisa financiada pela FAPESP
429 - RELIGIO, MORTE E TERROR NA AO
MILITAR ASSRIALuiz Alexandre Solano Rossi
Pontifcia Universidade Catlica do Paran
440 - SEXO SAGRADO: APROPRIAES DO
TANTRISMO HINDU NO GNOSTICISMO
SAMAELIANO. Marcelo Leandro de Campos Pontifcia
Universidade Catlica de Campinas
450 - RICHARD DAWKINS E A HISTRIA DAS
IDEIAS A PARTIR DA TEORIA DA
COMPLEXIDADE Maria Helena Azevedo Ferreira
Orientadora: Vanda Fortuna Serafim
460 - MORTE E IMORTALIDADE EM DEUS UM
DELRIO: UM OLHAR SOBRE A OBRA DE
RICHARD DAWKINS. Maria Helena Azevedo Ferreira
(LERR-UEM) Orientadora: Vanda Fortuna Serafim
469 - O JEJUM DE DANIEL: A ABSTINNCIA
AUDIOVISUAL DA IGREJA UNIVERSAL DO REINO
DE DEUS Marina Fazani Manduchi Universidade
Estadual de Londrina
481 - DR. OLAVO CAVALCANTE CARDOSO:DE
MDICO HUMANITRIO SANTO POPULAR NA
CIDADE DE CRATES, CEAR Michelle Ferreira
Maia
494 - O CANIBALISMO NAS HISTRIAS
VAMPIRESCAS: ALGUMAS REFLEXES Murilo
Toffanelli DHI/LERR/ PIC-UEMSolange Ramos de
Andrade (Orientadora) DHI/PPH/LERR-UEM
502 - PURGATRIO: DOGMA OU HERESIA?
BREVE DISCUSSO SOBRE AS CONCEPES DE
PURGATRIO ENTRE CATLICOS E
PROTESTANTES NA BAIXA IDADE MDIA E
INCIO DA MODERNIDADE. Odailson Volpe de
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Abreu Universidade Estadual de Maring Cludio Ferraz
Zioli Universidade Estadual de Maring
510 - ENCONTROS E DESENCONTROS NA
PRODUO CATEQUTICA JESUTICA NO JAPO
Paula Moreira Saito Universidade de So Paulo
521 - ESTUDOS INICIAIS SOBRE AS
ASSEMBLEIAS DE DEUS: A MAIOR
DENOMINAO EVANGLICA NO BRASIL Paulo
Henrique Silva Vianna
534 -ESPIRITISMO E O PROGRESSO ALM DA
MORTE Pedro Paulo Amorim Doutorando em Histria
pela UFSC
545 -UMA ABORDAGEM SOBRE HISTRIA DO
MEDO NO CINEMA DE TERROR Autora: Rafaela
Arienti Barbieri DHI/LERR/UEM/PIBIC-CNPq
Orientadora: Solange Ramos de Andrade
DHI/PPH/LERR-UEM
556 - REPRESENTAO E SIMBOLOGIA NO
FILME O BEB DE ROSEMARY Autora: Rafaela
Arienti Barbieri DHI/LERR/ PIBIC-CNPq-UEM
Orientadora: Solange Ramos de Andrade
DHI/PPH/LERR-UEM
569 - MEMRIA, SENSIBILIDADES E
RESSIGNIFICAES DA COMPANHIA DE REIS
FLOR DO VALE (DCADAS DE 1990 E 2000) Rafaela
Sales GoulartFCL Unesp/Assis
580 - O ESPIRITISMO E SEUS PROPAGANDISTAS:
CONFLITOS E CONCORRNCIAS NO CAMPO
RELIGIOSO DE SANTA MARIA Renan Santos Mattos
Universidade Federal de Santa Maria
595 - LUGARES E DIMENSES DO SAGRADO:
RELIGIOSIDADE, CULTO AOS ANCESTRAIS E
CULTURA MATERIAL ENTRE NIKKEIS EM
LONDRINA (1929 2013) Richard Gonalves Andr
608 - NARRATIVA E SENTIDO HISTRICO: A
EPSTOLA A FILMON. GARUTTI, Selson. SEED-
PR.
620 - VIAGENS PITORESCAS AO BRASIL: ENTRE
PRTICAS E REPRESENTAES. GARUTTI, Selson.
SEED-PR.
639 - BICICLETAS DE NHANDER: ANLISE
SOBRE O SAGRADO E O PROFANO NA CULTURA
INDGENA CONTEMPORNEA Letcia Zamprnio
Salum Simone Maria Boeira Universidade Estadual de
Londrina
647 - CINCIA E RELIGIO: interveno e intercesso
na busca de cura das doenas. Suelene Leite Pavo
Universidade Federal do Par- UFPA.
662 - COMIDA DE ORIX: UM RITUAL DE CORTE
PARA EXU Tereza de Fatima Mascarin Universidade
Estadual de Maring - UEM
670 - ENTRE DEUSES E ARQUIBANCADAS: A
RELIGIO NOS JOGOS ROMANOS Thais Ap. Bassi
Soares Renata Lopes Biazotto Venturini
679 - A REPRESENTAO DE EXU EM JOO DO
RIO E NINA RODRIGUES: ALGUMAS
CONSIDERAES ThauanBerto dos Santos DHI
LERR PIBIC/CNPq-FA-UEM Vanda Fortuna Serafim
(orientadora)
693 - A CERIMNIA DOS EGUNS E A EVIDNCIA
DO TRANSHISTRICO NA OBRA DE JOO DO
RIO ThauanBerto dos Santos DHI LERR
PIBIC/CNPq-FA-UEM Vanda Fortuna Serafim
(orientadora)
703 - A FUGA DA AFRICANIDADE NO RITUAL DE
ALMAS E ANGOLA: AS OBRAS DE GIOVANI
MARTINS E A TENDA ESPRITA CABOCLO
COBRA VERDE (2006/2012) Thiago Linhares Weber
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
717 - NARRATIVAS DA MORTE E DO PECADO:
UMA REFLEXO ACERCA DOS PECADOS
CAPITAIS NA OBRA DE HIERONYMUS
BOSCHTiago Varges da Silva Universidade Federal de
Gois
725 - MARIA BUENO: A SANTA DO CEMITRIO
QUE DESCE NO TERREIRO Tnia Kio Fuzihara
Piccoli (LERR UEM) Dr Vanda Fortuna Serafim
(Orientadora)
736 - MARIA BUENO: UM ESTUDO DE
RELIGIOSIDADE NO PARAN Tnia Kio Fuzihara
Piccoli (LERR UEM) Dr Vanda Fortuna Serafim
(Orientadora)
749 -A RELIGIO E A EDUCAO BSICA
PBLICA: DAS POSSIBILIDADES DA PROMOO
DO PATRIMNIO CULTURAL RELIGIOSO E
TAMBM DAS AES ESCOLARES DE
NATUREZA PROSELITISTA Veroni Friedrich
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A BOA MORTE EM COMBATE: O MANUAL DE ORAES DO SOLDADO
BRASILEIRO DA FORA EXPEDICIONRIA BRASILEIRA NA SEGUNDA
GUERRA MUNDIAL
Adriane Piovezan
UFPR
Como parte do esforo catlico em direcionar o cristo a ter uma boa morte os
manuais de devoo/orao eram comuns nos sculos XVII e XVIII. A partir do sculo XIX
este tipo de literatura catlica ainda era usado de forma didtica para instruir comportamentos
piedosos e que garantiriam a salvao da alma daqueles que seguiam suas recomendaes.
Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a iminncia de uma morte repentina
e violenta inspirou a confeco de um manual especfico para esta ocasio. Neste sentido, o
presente trabalho analisa como o Manual de Oraes do Soldado Brasileiro, uma publicao
de 1944 e distribuda pela Capelania militar aos soldados da FEB (Fora Expedicionria
Brasileira) apresentava diretrizes a serem seguidas aos catlicos para obteno de uma boa
morte em combate.
Carregar objetos religiosos para o front era tambm uma escolha do ponto de vista
operacional para o indivduo. O combatente ou o militar em servio j , naturalmente,
sobrecarregado com o peso de armas, munies, ferramentas e equipamentos. No caso do
infante da Segunda Guerra Mundial, essa carga pode chegar a 30 Kg. natural que apenas o
essencial ao conforto material e espiritual e identificao seja carregado pelo combatente
nessas circunstncias.
O nmero de corpos que portavam objetos de uso religioso era de 32,17%. Em
praticamente um tero dos cadveres foram encontrados artefatos ou impressos relacionados a
diferentes devoes, praticamente todos de origem crist.
Neste sentido, percebe-se que o Manual de Oraes do Soldado era bem sucinto
comparado com outros Manuais de Orao do mesmo perodo. Possua 78 pginas, o Orae,
um manual completo de oraes e instrues religiosas do mesmo ano tinha 432 pginas.
Mas como o Manual de Orao do Soldado foi parar nas mos dos combatentes
brasileiros na Itlia? Para responder esta pergunta nos reportamos at a recriao do servio
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de Capelania Militar do Exrcito Brasileiro, que enviou 25 capeles catlicos para a Guerra e
2 protestantes.
A ao dos padres no front enfatizou a necessidade de consolidar aspectos da
religiosidade catlica, com missas, sermes, benos, comunhes, crismas junto aos soldados,
alm de funes e rituais religiosos de assistncia aos moribundos.
Historicamente os manuais de devoo possuem a funo de ensinarem os
indivduos a viverem e morrerem de acordo com os preceitos catlicos, com o objetivo de
salvarem assim a alma.
Desde a Idade Mdia onde as oraes ainda eram manuscritas, era popular a ideia de
que a leitura do Ofcio para os mortos presente no Livro de Horas pudesse auxiliar o
moribundo a alcanar a salvao de sua alma. At o sculo XV, a leitura deste manuscrito era
enfatizada tanto para o indivduo conhecer antecipadamente as oraes e procedimentos
diante da morte, como para que os outros cristos o lessem e auxiliassem a alma do
moribundo na sua chegada ao alm. Segundo WIECK (WIECK (WIECK, 2001, p. 124) no
Ofcio dos Mortos o tema retratado o funeral religioso, no qual ocorria a leitura do Ofcio,
mas outros elementos dos rituais de passagem do indivduo tambm eram mencionados como
seus ltimos momentos no leito de morte, a preparao do corpo e o sepultamento. Como
nossa pesquisa se interessa pelas atitudes diante da morte e encontramos na documentao do
Peloto de Sepultamento diversos indivduos que carregavam o Manual de Oraes,
destacamos as menes as prticas relativas a morte presentes neste material religioso.
Os manuais de orao serviam para relembrar aspectos da catequese, e mesmo ser a
nica catequese na experincia de muitos soldados, principalmente os que viviam em regies
mais desassistidas pela instituio catlica naquele perodo.
Publicado pela Editora Vozes, o Manual do Soldado Brasileiro foi organizado pelo
Major Cludio de Paulo Duarte da Unio Catlica dos Militares em junho de 1944. J na capa
da publicao, ao invs do smbolo do Sagrado Corao de Jesus, da Virgem Maria ou de
qualquer outro elemento religioso como os demais manuais de orao, neste encontramos o
braso da Repblica do Brasil e a inscrio do Ministrio da Guerra. Tais aspectos destacam o
momento de exceo que se encontrava o usurio do manual, uma guerra mundial e a
presena da ptria e de sua instituio o Exrcito mesmo se tratando de um objeto para fins
religiosos.
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Na quarta pgina que aparece a primeira ilustrao religiosa do manual do sacrficio
de Jesus crucificado, com a inscrio em latim PontifexAmorisVictima.
A primeira orao que aparece tem o ttulo de Oraes Dirias e uma iluminura no
incio da pgina com um Arcanjo. J na primeira frase menes a posio de quem l o
manual, o soldado, a sua misso no caso salvar a Ptria, e a situao em que se encontra, a
ameaa de morte. Neste sentido, a orao inicia com pedidos e no final destaca a posio de
soldado e militar, justificando por isso o tom sucinto das oraes, j que no possuem tempo
para longas leituras por conta de sua misso.
Antes da ilustrao com o Sagrado Corao de Jesus, existe ainda um pargrafo para
reafirmar que havendo tempo, repouso e calma entre as lutas, ai sim o soldado deve recitar as
oraes que se seguem.
O Manual apresenta adequao as circunstncias, pois sabe que intil seria orientar o
soldado a realizar todas as indicaes ali contidas numa situao sem rotina previsvel. Em
uma biografia sobre o Capelo Frei Orlando, e em outras memrias de ex-combatentes, os
servios e atividades religiosas so lembradas pela adaptao aos momentos em que era
permitido realizar uma atividade com este intuito. Mesmo aspectos da liturgia e sacramentos
religiosos no seguiam rigorosamente os trmites normais. O front no tinha igreja, o altar era
improvisado, mesmo batismos e outras funes religiosas eram condensados ao mximo
porque a misso ali era de lutar e estar atento ao ataque do inimigo.
Na orao da manh, aparece a Orao do Soldado, em que se invoca a Virgem
Conceio Imaculada. em 1928 que Aparecida coroada a padroeira do Brasil, portanto a
devoo a Aparecida notria neste perodo. Hoje a relao entre Nossa Senhora Aparecida e
as Foras Armadas to mais prxima que o prprio Manual de Oraes do Soldado foi
substitudo pelo Ofcio da Imaculada. Totalmente dedicado ao culto de Maria.
Seguindo a Orao da Manh encontramos a Orao da noite, ambas fecham com
oraes do Pai Nosso e da Ave Maria e o Glria Ainda encontramos o Ato de Contrio, o
Salve Rainha, a Confisso e novamente o Ato de Contrio.
Na pgina 16 do Manual de Oraes existe o subttulo Verdades principais a crer.
Neste trecho, o manual torna-se uma sntese de livros de catequese, onde a onipotncia de
Deus enfatizada, a Santssima Trindade, etc. Logo aps aparecem os Mandamentos, ou seja,
uma consolidao dos ensinamentos catlicos pela repetio do catecismo ou como vrias
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memrias de capeles insistem em afirmar, a apresentao dos preceitos catlicos para os
soldados que jamais fizeram a catequese.
Como nosso interesse neste artigo se refere a questo da morte, destacamos aps a
apresentao dos Mandamentos o tem Novssimos do homem em que o primeiro deles diz
respeito a morte na seguinte frase: Morte Todos ns um dia havemos de morrer. Em
seguida, existe o segundo, terceiro e quarto em que aparecem em ordem, o Juzo, o Inferno e o
Paraso. Nesta passagem, percebe-se o destaque para a ideia de bem morrer e para os castigos
ou recompensas relacionados com a boa morte, tanto do indivduo ou como perpetrada por ele
num conflito.
Novamente o tom de catecismo retorna ao Manual, em que duas pginas so
destinadas aos Sacramentos, terminando com uma orao do Creio. Ainda encontramos outros
Atos tpicos do catecismo descritos no Manual como o Ato de f, Ato de Esperana e o Ato de
Caridade.
O tom didtico da publicao traz o sub tem Algumas Outras verdades, em que a ideia
de virtude desenvolvida a partir dos preceitos cristos. Alm da virtude, outros
comportamentos tambm so analisados pela tica do catolicismo como o vcio, o pecado,
inveja, preguia, etc. No final deste captulo, Regra do bem viver inicia com todas as
exortases comuns aos catlicos, obedecer os mandamentos, sacramentos, etc. No ltimo
pargrafo, novamente a Ptria aparece, no trecho: Pede a Deus pelo Brasil, pela esposa, pais,
filhos, pela vitria, pela paz com justia e pela Igreja. Aqui percebemos que a misso do
soldado constantemente lembrada para o cristo que l Manual de Oraes e seus atos na
guerra so tambm lembrados nesta passagem: Tiveste a desgraa de pecar gravemente,
afinal que soldado no matou outro numa guerra? Mas o texto continua Faze logo o ato de
contrio, pede perdo e logo que possas, corre a um Padre e confessa-te. Louvado seja
Deus. Percebemos que a presena da assistncia dos religiosos enfatizada no Manual,
como auxiliar para que tais preceitos do catolicismo sejam devidamente cumpridos num
contexto de guerra.
Entre as atividades que os capeles exerciam no front italiano, sem dvida ouvir as
confisses estava entre as mais buscadas pelos devotos. Embora sem uso de confessionrio e
em situaes diversas, encontramos depoimentos de busca deste sacramento pelos soldados
no front. Um captulo inteiro do Manual de Oraes dedicado a comentar a Confisso e
orientar o indivduo a realizar uma boa confisso catlica. Trata-se de um esquema de
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possveis perguntas referentes ao comportamento do cristo, para que ele faa as indagaes e
confesse a partir deste esquema seus possveis pecados. Nas palavras do Manual, um exame
de conscincia que o soldado deveria realizar, seguindo da orao do ato de contrio, tantas
vezes repetido no Manual, para a absolvio dos pecados. A urgncia em cumprir a penitncia
instruda pelo sacerdote destacada no texto, ainda que em um ambiente no ideal para tais
prticas, este aspecto no levado em conta e sim a ideia de confisso, absolvio e perdo
total das faltas.
Aspecto relevante e de destaque em outros manuais de orao, como o Oraem numa
edio de 1939, o Sacrifcio da missa e da Comunho recebeu ao todo 8 pginas dedicadas ao
assunto na publicao especial para o soldado em guerra. A Comunho, outro sacramento
catlico bastante enfatizado, neste momento tambm descrito com detalhes.
Encontramos, porm, um adendo especfico para a situao na qual se encontravam os
leitores deste Manual. Trata-se do tem Para receber a sagrada comunho fora da Santa
Missa. Tais prticas ocorreram em diversos momentos durante a Campanha Brasileira na
Itlia e alguns ex-combatentes relataram esta prtica em suas memrias.
na pgina 40 do Manual que encontramos mais um aspecto relevante para nosso
enfoque sobre os comportamentos diante da Morte neste contexto de Guerra. Refere-se ao
tem Ato de Aceitao da Morte.
O carter de sistematizar as oraes e destacar apenas o essencial evidenciado neste
momento do Manual de Oraes. Se compararmos com outros Manuais de Orao do perodo,
percebemos que h uma reduo drstica nesta passagem. Enquanto num manual como o
Orae o Ato de Aceitao da Morte tem oito itens divididos em seis pginas, no Manual de
Orao do Soldado so apenas duas pginas. Na terceira existe o subttulo Assistncia aos
Moribundos.
Vale ressaltar que a passagem colocada no espao destinado ao ato de aceitao da
morte no Manual de Orao do Soldado o Ato de Conformidade dos demais Manuais de
Orao. Estes, mais completos, dividem o Ato de Aceitao da Morte em Ato de f, Ato de
Esperana, Ato de caridade e arrependimento, Ato de conformidade, Splica a Maria, Splica
aos Santos, Splica a Jesus, Splica a Maria me dos agonizantes.
Mesmo no trecho que semelhante, ou seja, o ato de conformidade da morte, no
Manual do Soldado a splica mais sinttica. Apenas se diz que aceito desde jpa de vossa
mo, com todos os sofrimentos, penas e dores, o gnero de morte que vos aprouver me
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reservar. Enquanto no Orae os termos sacrifcio e resignao so repetidos, no texto escrito
para a Guerra estes termos no aparecem neste momento. Em outros momentos a ideia de
sacrificio aparece ligado a ideia de Ptria.
Neste ponto, notamos que o uso de determinados termos so comuns no Ocidente em
referncia aos mortos em Guerra. Segundo a Enciclopdia da Morte e da Arte de Morrer, nos
monumentos fnebres certos termos so usados para se referir aos que morreram em guerra.
Destes, a maioria fala em soldados que tombaram e no morreram. J o vocbulo
sacrifcio, aparece sempre no contexto em que os homens foram enviados para se
sacrificarem e no matarem outros homens. Esta passagem do matar em guerra no
mencionado no Manual de Oraes, sutilmente a ideia de que isso pode ocorrer aparece em
alguns trechos, mas sempre envolto na questo do sacrifcio que para o cristo tirar a vida de
outro ser humano.
Embora sucinta esta parte da orao do Ato de Aceitao da Morte, era repassado na
catequese catlica do perodo como de importncia vital para a salvao do cristo. Segundo
nota encontrada no Orae, foi o papa Pio X que indicou tal orao que lida uma vez na vida
poderia substituir o sacramento da Extrema-Uno na hora da morte do indivduo, seria uma
indulgncia dada ao papa ao cristo que fez este ato de contrio em algum momento de sua
existncia. Em uma situao de guerra, por mais que existam sacerdotes, a morte poderia
chegar num momento em que tal assistncia no existiria, por isso a importncia desta
indicao por parte dos capeles e a distribuio de tal material religioso.
Ainda identificando as especificidades do Manual de Oraes do Soldado em relao
com outros manuais de orao catlicos do perodo, destaca-se a passagem referida como
Assistncia aos Moribundos. O carter de ensinar o soldado a se comportar com um bom
catlico num ambiente hostil como o de uma guerra, se faz presente neste trecho deste
material religioso.
Nota-se neste trecho da publicao a maior referncia ao inimigo na guerra em que
em primeiro lugar cumpre com o dever de soldado, vence o inimigo. Aps o combate, num
momento de calmaria segundo o Manual, a sim entra em cena a figura do cristo: junto ao
ferido, procura alivi-lo dos males, consola-o e conforta-o. O respeito as diferenas de
religio do inimigo so colocadas neste momento. O manual se refere a duas condies: se for
catlico falar ao inimigo ferido de Maria, se no for falar de Jesus. Mas sempre naquela
inteno de conseguir novos fiis, mesmo na hora da morte, o manual tambm fala que sendo
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protestante alm de falar em Jesus, na Paixo e na Redeno, caso o moribundo queira se
tornar catlico na hora da morte possvel que seja batizado enquanto tal. Para isso, o soldado
deveria voltar at a pgina 26 para realizar um batismo em condies de combate.
Outro ponto de destaque nesta passagem a utilizao de outros objetos do sagrado
para que o outro possa morrer uma boa morte. O objeto em questo o tero. Segundo a
pesquisa da antroploga Paola Lins Oliveira o tero tambm percebido como objeto do
qual emana certo tipo de fora, um poder especial que ultrapassa sua dimenso utilitria
(OLIVEIRA, 2009) Este elemento aparece no Manual de Orao, o poder do tero no
momento da morte que deve ser puxado do bolso, considerando que o bom cristo leva o
tero no bolso. Depois deve ser mostrado o crucifixo presente no tero para o moribundo
beijar, colocar o tero nas mos ou no peito do indivduo. Estas instrues eram comuns entre
os soldados catlicos, mesmo o mais famoso e clebre capelo catlico em guerra, o Frei
Orlando, quando percebeu que iria morrer, retirou o tero do bolso e colocou em suas mos.
Outros elementos como a medalha de Nossa Senhora tambm so elencados como
objetos singulares com valor sagrado na hora da morte. Mesmo sem nada disso, ainda segudo
o Manual, basta falar o nome de Jesus que dito com amor e contrio, salvar qualquer
pecador arrependido e contrito. Depois disso, existe uma sequncia de procedimentos a
serem realizados, de rezar o rosrio, dando o mesmo para o moribundo beijar. Aps o tero,
existe uma Ladainha de Nossa Senhora, terminando com um Oremos em que se pede
novamente a salvao da alma do indivduo.
Ainda existe no Manual de Oraes, no que diz respeito a morte em campanha, a
Orao pela morte gloriosa. Esta orao est na sesso de oraes diversas do Manual. O
tomo desta orao, como sempre, de colocar o soldado acima da posio de cristo. O
soldado, mais do que qualquer outro cristo teria que estar preparado para a morte. A orao
para para a morte gloriosa, reafirma a necessidade de estar com o tero na mo e beijar o
crucifixo presente no tero.
Nesta Orao ao Jesus Crucificado, os pedidos so para uma boa morte do soldado, em
campo de batalha ou ferido. Nesta passagem encontramos meno a Ptria. Novamente o
termo sacrifcio aparece e o nome do pas, Brasil, tambm enfatizada a presena dos objetos
sacralizados nesta hora derradeira. O crucifixo aparece novamente, mesmo que o soldado no
enxergue mais o objeto, ou no consiga alcanc-lo, em sua mente e na orao isto que sabe
que deveria fazer para alcanar uma boa morte.
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Aps esta orao, existe um aconselhamento de como a preparao do soldado,
enquanto um catlico conhecedor de sua doutrina, diante de um combate. Esta preparao
consiste de trs etapas: a comunho espiritual, fazendo o sacrifcio e por ltimo aceitando a
morte e preparando-se para ela bravamente pelo Brasil.
A questo da ptria destacada quando se fala em morte no Manual de Oraes do
Soldado. O texto sugere que a morte crist uma boa morte se o objetivo for a ptria. Nota-se
que o nome da Ptria, no caso, Brasil, aparece trs vezes no Manual. O exrcito, enquanto
instituio que representa o Brasil no aparece nos termos utilizados nas oraes desta parte
do Manual. J a ltima parte do Manual dedicada ao culto do Marechal Caxias.
Neste aspecto, percebe-se que o autor do Manual, o major Claudio de Paula Duarte, da
Unio Catlica dos Militares, buscou relacionar o exrcito formado para a FEB com o
exrcito nacional regular e seus mitos e heris.
A orao ao Duque de Caxias aparece no Manual na pgina 76, quase no final do
manual. Com o ttulo de Ordem do Dia do Marechal Conde de Caxias de 4 de setembro de
1851 o texto se refere ao contexto da Guerra do Paraguai. Nele so citados o governo
Imperial, a Banda Oriental, o General Uribe, etc. Tais elementos se referem realidade
daquele conflito e no possuem nenhuma relao com o contexto da Segunda Guerra
Mundial, em que o inimigo era o alemo, os soldados brasileiros estavam na Europa,
vivamos numa Repblica, etc.
O texto escrito pelo Duque de Caxias reintera que os inimigos dos soldados naquele
momento eram to somente, os soldados de Uribe. Demonstra nesse ponto os conflitos de
um exrcito recrutado fora, com escravos e condenados pela justia, numa tentativa de
forar a unio desses homens.
A presena da figura do Duque neste manual pode ser entendida como um reforo
tentativa do Exrcito em mitificar o personagem, presente naquele momento. Tais intuitos no
tiveram ressonncia na FEB.
Nossa logstica na guerra era mantida por meio do V Exrcito americano, que fornecia
armamento, alimentao, uniformes, etc. A experincia de conviver com o exrcito americano
em que todos os soldados e oficiais eram tratados com respeito e igualdade, serviu de
exemplo como um modelo de exrcito, em que a presena do oficial/heri era desmerecida em
prol da ao coletiva dos soldados.Presenciar numa mesma fila de refeitrio oficiais e praas
esperando para almoar, sem nenhuma distino por conta de patente, fez com que os
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soldados da FEB valorizassem o papel do coletivo numa guerra, em que todos os indivduos
so heris.
Percebe-se que o Manual de Oraes do Soldado Brasileiro compe uma fonte repleta
de informaes que permitem refletir sobre a dimenso da religiosidade dos combatentes e da
instituio religiosa no perodo.
Desta forma, possvel questionar como este objeto singular, preparado justamente
para este evento de carter mundial e indito para o pas, tem seu valor enquanto objeto
sacralizado. A sacralizao do Manual de Oraes se d pelo valor de descrio e instruo
em detalhes do comportamento do soldado catlico no front de batalha e para que o mesmo,
diante da morte, soubesse se comportar e alcanar a salvao de sua alma.
O Manual possui tambm a possibilidade de perceber o carter particular do
catolicismo no Brasil neste perodo. Segundo o censo demogrfico de 1940, cerca de 95% da
populao brasileira era catlica. Elementos tpicos deste catolicismo brasileiro aparecem no
texto, como a referncia ao tero ao invs da utilizao do termo rosrio, da questo das
medalhas de santo, mas tambm da meno a existncia de soldados de outras religies, como
os protestantes e de como se comportar com a morte destes indivduos de maneira que todos
pudessem salvar suas almas de acordo com seus ritos corretos de passagem.
A partir dos relatrios individuais gerados pelo Peloto de Sepultamento da FEB,
percebemos a presena nos cadveres encontrados dos soldados mortos em ao desses
objetos de valor religioso, como o Manual de Oraes do Soldado Brasileiro, em que tais
preocupaes com a morte evidenciam as atitudes diante desta possibilidade num confronto
armado. Neste contexto, possuir um roteiro que servisse como preparao para a boa morte
era crucial para o soldado catlico.
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EXU: UMBANDA E CYBERESPAO
Alexandre Fiori de Almeida Martins Costa
1. Introduo
O presente trabalho o incio de uma pesquisa iniciada por mim, graduando de
histria da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em decorrncia da bolsa de
iniciao cientfica do CNPq, sob a orientao do professor Artur Cesar Isaia, coordenador do
Laboratrio de Religiosidade e Cultura (LARC). O trabalho est apenas no incio, tendo em
vista que a pesquisa comeou em agosto deste ano, e tem como perspectiva uma longa
continuidade.
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2. Umbanda e Cyberespao
Ao fazer um longo trabalho sobre a religio umbandista, Renato Ortiz demonstra
como esta surge, se integra e paulatinamente busca se legitimar na sociedade brasileira. Para
tanto, Ortiz afirma ser a umbanda consequente de um processo de urbanizao e
industrializao do Brasil, na qual os negros, ainda h pouco libertos da condio de escravos,
vo para a cidade carregando consigo sua bagagem cultural trazida da frica. Neste
complicado processo, outro elemento importante passa a integrar o quadro social dos centros
urbanos do pas: o imigrante. A transio de um Brasil que pouco a pouco v a importncia do
campo diminuir perante cidade, consolidando uma sociedade classista, faz com que a
disputa pelo mercado de trabalho seja uma condio para a sobrevivncia de muitos cidados.
Nessa disputa, o imaginrio e a bagagem simblica dos indivduos se torna um atributo
indispensvel para a obteno do sucesso, e Ortiz demonstra como a cultura afro-brasileira
possua pouca legitimao por parte dos setores mais elitizados da populao, tendo como
consequncia a dominao do trabalho por parte do imigrante, que estava indiscutivelmente
mais habituado ao mercado concorrencial e ao modo de produo capitalista que o negro.
Tendo em vista tal situao, Ortiz explica um fenmeno crucial para o entendimento
da formao da umbanda, que inclusive resume o ttulo da sua tese: a morte branca do
feiticeiro negro simboliza o processo em que o negro, cada vez mais marginalizado nos
centros urbanos como Porto Alegre, Rio de Janeiro e So Paulo, percebe que para ascender
socialmente, possui apenas dois caminhos essencialmente distintos a seguir: em primeiro
lugar, preservar sua tradio cultural e suas prticas religiosas, que representaria uma afronta
sociedade que, se ainda hoje possui resqucios de preconceito e desapreo pela cultura afro-
brasileira, em meados das dcadas de 40 e 50 possua ainda muito recente em seu ethos a
memria do sistema escravista. Caso o negro no optasse por esta posio, restava deixar a
afronta de lado e progressivamente incorporar valores mais consentidos e dotados de valor
simblico mais prestigiado pela sociedade, ou nas palavras de Ortiz, embranquecer a alma,
reinterpretando a sua cultura de origem no sentido de realizar uma metamorfose da memria
coletiva africana - ou como formulou Roger Bastide, uma proletarizao da cultura negra -
para atingir seu objetivo ltimo, ou seja, a aceitao social.
A umbanda, portanto, opta pelo segundo caminho, e inicia um processo de
racionalizao douniverso religioso, incorporando elementos como a moral crist no centro de
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sua doutrina, e diferenciando-se das prticas afro-brasileiras que possuam uma postura mais
tradicional. Sendo assim, Ortiz mostra que a umbanda pode ser compreendida dentro de um
continuum religioso, no qual a mesma oscila entre valores que, simbolicamente falando, so
mais ou menos apreciados e legitimados pela sociedade global. Desta forma, Ortiz conclui
que o feiticeiro negro, ou seja, o africano praticante da magia, morto em prol da cultura
branca, dando origem a religio umbandista. Por cultura branca, entende-se no s o
catolicismo, mas tambm o espiritismo kardecista, que, como analisou Ortiz, pelo carter
religioso que este assumiu no Brasil diferentemente da proposta filosfica e cientfica de
Allan Kardec na Frana do sculo XIX pde ser mais facilmente incorporado pelos
umbandistas.
A magia, no entanto, ser relativizada pelos intelectuais umbandistas, pois por mais
que aquela fosse vista com maus olhos pela classe dominante, estes no viam possibilidade
alguma em abolir o elemento mgico do universo umbandista. Consequentemente, como
estudou Artur Isaia, a umbanda far uma exegese da magia, ou seja, ir interpret-la de forma
que esta abstraia do polo menos aceito pela sociedade, passando a incorporar determinadas
caractersticas, tais como o uso da escrita e a correlao entre magia e tica (ISAIA, 2012,
p.73). Para realizar este feito, todavia, os intelectuais umbandistas iro relativizar a noo de
magia, atribuindo para a umbanda o que eles entendem por magia branca, ou seja, a prtica
mgica que possui em seu bojo uma orientao tica e moral oriundas da tradio judaico-
crist, adquirindo status e aceitao, opondo-se, portanto, da magia negra, eminentemente
atica.
Allan Kardec racionalizou o mundo dos espritos numa repartio trplice, onde se
dividem espritospelas caractersticas. Sendo assim, temos os espritos puros representados
pela perfeio espiritual os espritos de segunda ordem que ainda necessitam de alguns
testes para ascender e os espritos imperfeitos, dotados de carter arrogante, orgulhoso e
egosta. No caso da Umbanda, que se caracteriza fortemente pelo dualismo, esta
racionalizao obteve simplicidade: dividem-se os espritos em missionrios do bem e
missionrios do mal. Desta forma, separa-se o reino das trevas do reino das luzes numa
relao de oposio que acarreta consigo ainda outra significao para o universo sagrado
umbandista, ou seja, a separao entre Umbanda e Quimbanda, ou em outras palavras, prtica
do bem e prtica do mal. Esta face maldosa da religio, em tese, trabalha apenas com os
espritos imperfeitos, que por sua vez no devem ser menosprezados justamente por ser o mal
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um fato, uma realidade. Logo, o pensamento umbandista vai interpret-lo de forma a
compreender que, nas palavras dos tericos, a grandiosidade do bem s perceptvel em
funo do conhecimento dos efeitos perniciosos do mal, ou ento que o mal existe como o
propsito de punir aqueles indivduos que por ventura causaram prejuzos e danos terceiros.
Assim se considera o mal um mal necessrio, e admite-se a postura imperfeita dos
indivduos, que so seduzidos pelo mal, praticam o mal, e por fim tm de pagar por seus atos.
(p. 86-87)
Ortiz estabelece, portanto, que Quimbanda representa o inverso de Umbanda, a
dimenso contrria desta, e coloca estas duas facetas do cosmo religioso numa relao de
equivalncia, afirmando que para um acontecimento no reino das luzes, corresponde a um
outro, embora negativo, no reino das trevas. Logo, s sete linhas da Umbanda, surgem sete
linhas espirituais da Quimbanda, nas quais o comando converge na figura dos Exus. (p. 88)
O autor explica e exemplifica atravs do Exu a questo de ser a Umbanda uma
religio constituda a partir de um processo de reinterpretaes, onde antigos significados de
adscrevem a novos elementos simblicos e valores novos mudam a significao cultural das
velhas formas (ORTIZ, 1999, 125, apud HERSKOVITS). Consequentemente, compreende-
se que a Umbanda reinterpreta valores e preceitos tradicionais afro-brasileiros de forma a
assimil-los e adapt-los moral e aos valores vigentes numa nova estrutura social. No caso
do deus iorub Exu (chamado de Legba pelo povo africano Ew), Geoffrey Parrinder e
Herskovits constataram o fato de esta entidade no gozar de uma posio prestigiada em
relao aos outros deuses africanos, alm de apontar o seu diferencial: o ofcio de
intermedirio entre os homens e as divindades. Esta caracterstica de mensageiro divido
agregada ao Exu foi muito estudada por Herskovits, relacionando o mesmo com o culto de
Ifa, que por sua vez representa o destino e a vontade dos deuses. Desta forma, Legba (Exu)
enquanto intrprete da palavra divina, transmite s vrias divindades as recompensas ou
punies ordenadas pelo Destino(ORTIZ, 1999, p.127, apud HERSKOVITS). No entanto,
sendo um intrprete da palavra direta de Ifa, Exu adquire o poder de avaliao, podendo
conseguintemente alterar o destino dos homens. Roger Bastide relata acerca desta mediao
intencional do Exu, que ao invs de caminhar para a sua finalidade essencial (a de fazer
prevalecer a ordem), Exu entrega ao mundo dos homens a desordem, o desequilbrio. (pg.
125-127)
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Esta caracterstica de trickster (ORTIZ, 1999, p. 127) - ou seja, de divindade
desobediente regra acerca do Exu africano (Legba) fez com que muitos pesquisadores o
confundissem com o demnio catlico. Contudo, sabe-se que o pensamento religioso africano
no dispe do dualismo entre bem e mal presente no catolicismo, tendo em vista que um deus
iorub pode no s recompensar os homens, mas puni-los se necessrio. Este equvoco de
minimizar e, posteriormente, descartar o carter benfico em relao ao malfico das
divindades se torna uma das caractersticas mais marcantes na apropriao da figura de Legba
por parte dos afro-brasileiros. (p. 127)
Outro aspecto do Exu africano a se ressaltar o carter flico, representado por
esculturas do phallus, amuletos, colares e danas marcadamente erticas. A despeito do que
pensava Roger Bastide, o puritanismo brasileiro no fez com que esta dimenso do deus fosse
de todo apagada, tornando possvel que em terreiros brasileiros, como cita Renato Ortiz, se
encontre esttuas de Exu com um falo duplo (ORTIZ, 1999, p. 129). (p. 128-129)
Chegando ao Brasil do candombl, Legba torna-se Exu, e a nova nominao
acompanha uma srie de novas significaes ao deus. Em primeiro lugar, este perde sua
ligao com Ifa (Destino), tornando-se uma divindade independente. Alm desta nova
posio, Exu acaba por adquirir uma relao direta com o Diabo, tendo em vista o carter
dualista de uma sociedade que, quase em sua totalidade, catlica. Evidentemente, existem
excees, e Ortiz mostra que na cidade de Porto Alegre Exu sincretizado com So Pedro
(um santo porteiro, guardio de casas) e Santo Antnio, que acometido por inmeras
tentaes provindas do inferno. Ortiz mostra que, segundo Nina Rodrigues, h uma tendncia
do negro em associar Exu ao demnio, valorizando primordialmente seu carter malfico.
Uma importante observao de Ortiz, em relao ao culto a Exu diz respeito ao sacrifcio e a
passagem do eb1 religioso ao eb mgico. Para Ortiz, o sacrifcio animal a Exu, cujo preceito
religioso, passa, com a demonizao, no Brasil, a ter um sentido mgico:
A demonificao acentua-se porm no que diz respeito ao lado mgico da divindade, transformando-se o pad no eb: 'como o resto do pad deve ser jogado fora, na rua, um pouco de fora mstica continua a palpitar no galo sacrificado; as pessoam que encontram o eb na rua tm medo, pois se eles tocam com os ps, caem doentes e se imaginam punidos pelos deuses. Passa-se assim, insensivelmente, do eb religioso, ao eb mgico. Doravante faz-se passar ritualmente as foras malficas de Exu no animal e coloca-se este animal morto no caminho daquele que se quer destruir. Isto trar infelicidade
1Termo africano provindo do iorub, que designa uma oferenda algum orix.
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ao indivduo visado quando este encontrar ou tocar o eb. (ORTIZ, 1999, p.130)
A prtica do sacrifcio, seja qual for, no mais ser vista como uma oferenda entregue
ao deus que faz a mediao entre o mundo sagrado e o mundo profano, e sim por ser ele um
deus cruele ciumento. De acordo com Edson Carneiro, o Exu, visto como uma entidade do
mal, no possudo no momento do transe, mas carregado (ORTIZ, 1999, p. 130, apud
CARNEIRO).(p. 129-130)
Com o advento da Umbanda, o Exu do candombl marcado por uma recorrncia
tradio afro-brasileira recebe novas atribuies. A Umbanda trata seu universo religioso de
forma bastante dualista, separando nitidamente o bem do mal e fazendo com que divindades
provindas da linha de um deus bom jamais possa cometer o mal. Ope-se, portanto, Umbanda
e Quimbanda.
O autor ressalta que, apesar de ser Exu um integrante da Quimbanda, se deve levar em
considerao a variedade de Exus disposta no cosmos religioso, fazendo com que haja severas
diferenas em relao viso que se tem deste deus, por exemplo, considerando malfico o
Exu situado nas entradas dos terreiros, mas solicitando favores em troca de oferendas para o
Exu abrigado pelo altar. Esta pluralidade nos leva a entender a concepo de Exu-Pago e
Exu-Batizado, onde o primeiro trabalha na magia do mal e para o mal podendo, no
obstante, redimir-se e evoluir enquanto o segundo, definido como uma alma humana e
suscetvel a bondade, trabalha para o bem dentro do reino de Quimbanda, como um policial
que adentra no mbito marginal da sociedade. (ORTIZ, 1999, p. 137, apud BANDEIRA) (p.
137-138)
Renato Ortiz, ao abordar a forma como se manifesta o Exu nos rituais da macumba,
aponta de imediato a principal diferena desta com a Umbanda: o Exu-Macumbeiro no
trabalha sob custdia de caboclos e/ou pretos-velhos, mas exclusivamente por conta prpria,
eliminando, por conseguinte, quaisquer marcas da sua ambivalncia, fazendo prevalecer sua
face pag, deixando para trs o reino das luzes. Sendo assim, o autor liga macumba com
Quimbanda, afirmando que a ltima nada mais do que a macumba vista atravs do olho
moralizador dos umbandistas (ORTIZ, 1999, p. 146). (p. 144-146)
Renato Ortiz insere a religio Umbanda na noo de continuum religioso, ou seja, um
gradiente que distingue dois plos: de um lado, a prtica umbandista mais prxima da cultura
afro-brasileira, e portanto menos aceita pela sociedade, vista com olhares preconceituosos; do
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outro, a Umbanda tendente ao catolicismo, na qual o autor afirma serem os praticantes
predominantemente pertencentes classe mdia, sendo esta varivel mais aceita pela
sociedade por motivos bvios. Esta noo de continuidade da prtica religiosa pode tambm
ser vista na obra Kardecismo e Umbanda, de Cndido Procpio Ferreira de Camargo,
contudo, neste caso os plos do gradiente so outros: de um lado o espiritismo kardecista; do
outro, o espiritismo de umbanda.
A magia, tambm, constituda de crenas e de ritos. Tem, como a religio, seus mitos e dogmas, que so, apenas, mais rudimentares, porque, perseguindo fins tcnicos e utilitrios esta no perde seu tempo com especulaes. (DURKHEIM, 2008, p. 74)
A magia utilitria, caracterstica dos quimbandeiros, bem como a ausncia de terreiros
que se denominem de quimbanda ou de macumba, contrasta com a moralidade e a tica
religiosa da umbanda, lembrando a distino que Durkheim faz entre religio e magia. De
acordo com o clssico socilogo, no h religio que no rena todos os que a ela aderem na
chamada comunidade moral, ou Igreja (DURKHEIM, 2008, p. 79). De fato, a ausncia da
uma igreja para macumbeiros e quimbandeiros um indicativo da postura destas prticas
religiosas, que abstraem qualquer presso moral e tica no que diz respeito s expiaes,
dando liberdade completa ao exu encarnado pelo mdium. Sendo assim, dificilmente uma
comunidade que assumisse claramente estes preceitos seria aceita pela sociedade.
O conceito de representaes, para Bronislaw Baczko, diz respeito forma com que se
constri e se faz permanecer na sociedade um conjunto de smbolos e signos, ou seja, uma
imaginao, que se referem a algo, seja uma instituio, um acontecimento do passado, uma
concepo da sociedade e suas caractersticas, uma ideologia poltica, etc. Esta imaginao,
por sua vez, est intimamente ligada ao exerccio do poder, pois garante ao manipulador
desta denunciar na sua oposio elementos depreciativos, enquanto produz constantemente a
sua prpria exaltao. A mdia possui, portanto, papel significativo no momento em que
desempenha a funo de, quando est a servio do poder em vigncia, difundir na sociedade
as representaes que so construdas acerca do outro ao mesmo tempo em que propaga a
imaginao que o poder vigente d de si mesmo, coberta de apropriaes simblicas que, no
imaginrio construdo, so naturalizadas e legitimadas. Sendo assim, Baczko afirma que as
relaes sociais e a instituies polticas so incapazes de permanecer na sociedade sem que
as suas existncias sejam prolongadas pela imagem que tm de si mesmas e de outrem
(BACZKO, 1985, p. 301).
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Percebe-se na construo de uma imaginao social a possibilidade de, com grande
xito, legitimar a sociedade, sua organizao poltica, seus sistemas de produo, a relao
entre os seus integrantes, etc. E mais, a imaginao se caracteriza como um hbil instrumento
coercitivo, ou seja, agregador da sociedade. Baczko relata a questo da coeso social ligada ao
imaginrio quando usa o exemplo de Plato: este filsofo, por sua vez, constatou a eficcia do
imaginrio social neste caso, o mito em unir a sociedade no momento que este naturaliza
as hierarquias rigorosamente definidas da sociedade; o mito veicula a imaginao entre os
cidados e garante, constantemente, a legitimao do sistema (BACZKO, 1985, p. 300)
Tal importncia da imagem foi tambm afirmada em As Formas Elementares de Vida
Religiosa, onde o socilogo Durkheim relata, acerca do sistema religioso totmico
australiano, que as representaes do totem ser sagrado que representa o cl e o diferencia
dos demais possuem eficcia mais ativa do que o prprio totem, chegando ao notvel
resultado de que as imagens do ser totmico so mais sagradas que o prprio ser totmico
(DURKHEIM, 2008, p. 176). Esta noo proposta por Durkheim faz lembrar perfeitamente a
discusso que Baczko levanta sobre Maio de 68: de acordo com o filsofo polons, este
evento lembrado, na sua mitologia, como um momento de pura efervescncia de
imaginrios, uma poca explosiva. Ora, afirma, Baczko, pouco importava saber se, de fato,
Maio de 68 foi tal qual lembrado, pois j suficientemente significativa e eficaz a sua
lembrana, ou seja, a imagem que se tem dele.
Baczko, para aprofundar o entendimento dos imaginrios sociais, se apoia nos trs
clssicos pensadores que constituem hoje a base da sociologia moderna. Comeando com
Marx, o autor explica como as representaes, chamadas tambm, neste caso, de ideologias,
constituem uma parte integrante da vida em sociedade, contudo, estas representaes que
cada grupo social faz de si prprio Marx atribui o carter de irrealidade, ou em outras
palavras, algo feito exclusivamente para mascarar a instncia ltima da realidade: as relaes
socioeconmicas. Quanto a Durkheim, explica que a sociedade est correlacionada com
sistemas de representaes coletivas (a religio, por exemplo) que, por sua vez, possuem a
funo de garantir que a sociedade permanea coesa. No caso de Max Weber, Baczko afirma
possuir o imaginrio social um importante papel: dar sentido ao comportamento especfico de
determinados atores sociais. (BACZKO, 1985, p. 305-307)
Quando um grupo social, seja qual for, compartilha dos mesmos smbolos e atribui s
coisas da sociedade as mesmas significaes, orientando suas vidas a partir delas, este grupo
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se caracteriza como uma comunidade de imaginao, ou comunidade de sentido (BACZKO,
1985, p. 321). Esta comunho de significados trs consigo a coero da qual o grupo social
necessita para se identificar e diferenciar dos demais grupos. Percebe-se claramente como este
conceito se encaixa s religies: para que esta exista, ela deve criar significados especficos
em relao ao mundo a sua volta, tom-los como verdadeiros e legtimos. Quando h
divergncias substanciais em relao ao entendimento destes significados dentro do grupo
religioso, este conseguintemente se divide, criando uma nova partio, uma outra
comunidade. A Umbanda, portanto, uma comunidade de sentido, bem como a Quimbanda.
As significaes atribudas aos deuses, a tica e a moral religiosa, a conduta de vida, enfim, a
prtica religiosa umbandista carregam bens simblicos que so comuns aos seus integrantes.
A comunidade de sentido referente ao Exu umbandista encontrada, portanto, em Ortiz,
nos mostra uma srie de caractersticas, dentre as quais: a ambivalncia, o carter trickster, o
falismo, aproximao com a morte e a demonizao. Perceberemos, ao analisar as
representaes imagticas dos sites umbandistas, a recorrncia desta ltima caracterstica, que
apesar de no excluir as outras, se mostra como predominante.
O terreiro 7 lineas, de umbanda e quimbanda, nos fornece um imagem proveitosa
para que seja iniciada a anlise. Neste site, o Exu representado de uma maneira muito
corriqueira entre os sites umbandistas: sem camisa e com uma capa preta que sobre suas
costas, o Exu Mar possui dois chifres pequenos, carregando em uma das mos um tridente,
e na outra uma caveira humana. Ora, percebemos de imediato duas caractersticas das mais
recorrentes em relao ao Exu umbandista, ou seja, a identificao com o demnio catlico e
a familiaridade com a morte. Esta representao demonstra claramente o lado malfico do
deus, pois a assimilao com o diabo exclui a ambivalncia no momento em que no
possvel a este ltimo praticar o bem.
Nesta linha imagtica, encontraremos uma srie de representaes semelhantes em
outros terreiros virtuais. o caso, por exemplo, da Tenda de Umbanda Pai Joaquim
D'Angola e Ex Tiriri, que tambm veicula a imagem do exu-diabo: a estatueta do deus
possui uma longa capa vermelha que se estende at o cho, ao mesmo tempo que nas mos
carregado um tridente, e em cada lado do Exu, posta uma caveira. Neste mesmo site, so
encontradas imagens de divulgao dos encontros e cultos a Exu, especialmente a Exu-mirim,
que em todas as imagens representado como o diabo criana, ou seja, um menino de pele
vermelha, com dois chifres e fazendo caretas.
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Uma interessante imagem foi a do Ncleo Umbandista So Sebastio, nitidamente
um terreiro da umbanda branca, menos africanizada e fortemente catlica. Neste site, a
primeira sentena dirigida em relao ao Exu diz o seguinte: Os exus no trabalham no
desenvolvimento dos rituais de Umbanda!. Na sequncia, os escritores do site alertam para o
perigo de se envolver com os exus, afirmando que, se estes podem por ventura trabalhar para
o bem, tal prtica rarssima e o que de fato acontece nos terreiros que aceitam o exu nas
sesses abertas a realizao de malefcios. Este ncleo umbandista afirma tambm a
incoerncia de se relacionar o exu com o demnio catlico, afirmando que esta uma
representao que apenas serve para manipular o indivduo que se interessa pela religio
umbandista, fazendo-o se afastar. Enfim, a imagem aqui veiculada nos diz respeito ao carter
trickster levantado por Ortiz, em referncia a Bastide. O Exu-Quiumba representado da
seguinte forma: um lobo feroz, vestindo uma fantasia de ovelha que aos poucos se solta,
mostrando suas patas e suas garras. Ao mesmo tempo, este lobo disfarado agarra por trs
uma ovelha real. Abaixo da imagem, est escrito que os exus praticam a magia negativa, e que
a prtica do bem, mesmo podendo acontecer, no do seu feitio. Termina-se a descrio da
imagem com um alerta para o cuidado que se deve ter ao se relacionar com este deus: So
enganadores por excelncia.
No site do Terreiro de Yemanj, o exu representado de forma bastante
interessante: ainda com um tridente na mo, esta representao se mostra muito africanizada,
no s pela cor preta da entidade, mas pelas suas poucas vestimentas tribais e, principalmente,
por um grande falo carregado na outra mo, caracterstica tipicamente africana que confirma a
sexualidade e a fecundidade deste orix. Nos ps do exu, encontra-se uma labareda de fogo,
reforando novamente o carter africano.
Na Tenda de umbanda filhos da vov Rita, o exu representadotambm sob uma
aparncia mesclada entre o africanismo e os valores da sociedade brasileira. Com a pele negra
e usando vestes tpicas das tribos africanas, o exu carrega o tridente, desconhecido para os
africanos porm dotado de um forte simbolismo pela moral crist.
3. Concluso
Tendo em vista o contedo dos sites umbandistas at ento encontrados, ou seja,
fazendo um balano geral acerca do carter das representaes do exu encontradas e
relembrando o fato de este trabalho estar ainda em pesquisa constata-se que o tema central
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da tese de Ortiz, a de apropriao simblica dos bens socialmente consentidos pela classe
dominante brasileira por parte da umbanda, verificvel empiricamente dentro do recorte que
fizemos (a figura do exu e o meio ciberntico) e, portanto, verdica at o momento. No
prefcio redigido nova edio de 1991, Ortiz atenta para o fato de que, ao invs de
reformular sua tese para republic-la, o que implicaria em mudanas substanciais na mesma,
optou naturalmente por tom-la como um trabalho datado, tendo em vista o desconhecimento
que possua em 1978 data da primeira edio acerca dos crescentes estudos sobre a
escravido que se esboavam na historiografia brasileira. Quanto aos movimentos de
reafricanizao na cultura, em especial no candombl, Ortiz reafirma sua tese deixando
claro que esta reinterpretao da tradio africana de cunho contestador frente ao preconceito
racial, entre outros motivos, no se estendeu umbanda. Cabe a esta pesquisa,
conseguintemente, verificar se na internet este fenmeno de fato alheio umbanda ou se
uma nova valorizao da cultura negra entre os umbandistas cibernticos comea a se
delinear.
Referncias Bibliogrficas:
BACZKO, Bronislaw. A imaginao social In: Leach, Edmund et Alii. Anthropos-Homem.
Lisboa,
Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1985.
DURKHEIM, mile. As Formas Elementares de Vida Religiosa. So Paulo: Paulus, 3
edio, 2008.
ISAIA, Artur. Umbanda: a exegese da magia. In: Revista Brasileira de Histria das Religies.
ANPUH, Ano V, n. 14, Setembro 2012.
ORTIZ, Renato. A morte branca do feiticeiro negro: umbanda e sociedade brasileira. So
Paulo: Brasiliense, 1999.
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A ROMANIZAO NA AMAZNIA: UM BISPO ULTRAMONTANO NO
PAR OITOCENTISTA ENTRE A IGREJA E O ESTADO.
Allan Azevedo Andrade2 Universidade Federal do Par
Introduo
Este trabalho visa analisar a Igreja Catlica em meados do sculo XIX, procurando
examinar como se processava a relao entre essa instituio religiosa, o Estado e a
populao, no intuito de entender a complexa ligao entre o campo religioso e poltico, na
figura do 9 bispo do Par, Jos Afonso de Moraes Torres, tendo como apoio a
documentao3, e percebendo de que forma o mbito da poca propiciou as transformaes
verificadas no poder espiritual e temporal. No sem razo, levado em considerao o
contexto nacional e internacional, sendo imprescindvel a dissecao do momento
efervescente que o mundo catlico vivia para entender os reflexos disso no Par.
O prelado diocesano mostrava sua inclinao ultramontana na medida em que
expressava o conservadorismo tpico da Romanizao4, se apresentando muito mais adepto
infalibilidade papal apesar desse dogma s ter sido oficializado anos depois no Concilio do
Vaticano I do que da condio de submisso assumida pela Igreja durante a aliana entre
trono/altar, ao tentar colocar em prtica os preceitos ultramontanos oriundos de Pio IX, o
ento Pontfice Romano da poca.
Contudo, imprescidvel entender herana carregada pela sociedade brasileira
procedente dos sculos passados. Para Riolando Azzi (1983)5 a autoridade do Papa na poca
do Brasil colonial pequena devido ao estado de submisso que se apresentava a Igreja 2 Vinculado ao projeto de pesquisa Dom JOS AFONSO DE MORAES TORRES: o debate da cultura liberal
com a cultura catlica, financiado pela Universidade Federal do Par. Tendo como orientador o Prof. Dr.
Fernando Arthur de Freitas Neves. 3 Arquivo Pblico do Estado do Par (APEP). Secretria da Presidncia da Provncia. Srie: 13. Ofcio das
autoridades religiosas. Ano: 1856-1857. Caixa 203; Hemeroteca Digital Brasileira. Disponvel em:
. Jornal Treze de Maio. Ano de 1845, 1855 e 1856. Jornal Estrella do
Amazonas. Ano de 1854 e 1857. Alm dos Relatrios de presidentes da provncia entre 1844 e 1858, disponveis
no site: . 4 Movimento pelo qual a hierarquia eclesistica objetivava afastar a Igreja do poder temporal na figura do
Estado, e aproxim-la das ordens da Santa S. 5AZZI, Riolando. A Instituio Eclesistica durante a Primeira poca Colonial. In: Hoornaert, Eduardo. Histria
da Igreja no Brasil. TOMO II,1. Petrpolis: Vozes, 1983. p. 172.
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perante o poder temporal por fora do Padroado Rgio6. Em meio a isso, John Lynch (2001)7
elucida que, diferente da coroa espanhola que repassou para sua colnia na Amrica um
legado catlico pautado no conhecimento doutrinrio bsico, a tradio catlica portuguesa
transmitiu ao Brasil um catolicismo ortodoxo, porm com pouco conhecimento doutrinrio.
Diante disso, em meados do sculo XIX, ao assumir a diocese, Dom Afonso Torres
demostrar sintonizado aos ventos da Romanizao emanados da Europa mas
especificamente de Roma no intuito de revitalizar a presena do catolicismo na sociedade,
tentando recuperar a ligao com a Santa S que estava enfraquecida durante o regime do
padroado. Por isso, ao perceber a necessidade de reformar o clero e o povo cristo, ele
empregou significativo esforo para imprimir um catolicismo romano sobre o catolicismo
luso-brasileiro herdado desde os tempos coloniais. Portanto, foi relevante a anlise do que
vem a ser o processo de romanizao para ver seus reflexos na vida dos religiosos paraenses
ao promover a primazia da esfera religiosa sobre a esfera civil.
A reforma dos fieis
A Igreja no Brasil seguiu as tendncias transformadoras do mundo catlico do sculo
XIX aventada pelo movimento romanizador em ascesso. Joo Camilo Torres (1969)8 aponta
o Ultramontanismo como um esforo no sentido de afirmar a distino entre a igreja e o
mundo. Essa situao levou a um estremecimento da relao de Padroado Rgio no Brasil,
ocasionando a tomada de conscincia de vrios membros do episcopado no intuito de
conseguir autonomia espiritual da hierarquia catlica frente ao poder temporal, tendo como
alguns dos principais precursores dessa reestruturao eclesiastica nomes como Dom Antnio
Ferreira Vioso e Dom Antonio Joaquim de Melo, segundo Heraldo Maus (1995)9. No Par,
o grande nome da Romanizao foi Dom Antnio de Macedo Costa, no obstante,
6 O monoplio da propagao da f por parte da Igreja no Estado era garantido pelo Padroado Rgio. No Brasil, apesar da constituio de 1824 permitir a existncia de outras religies que no fosse a catlica, acabava limitando ao culto domstico a expresso dessas outras formas religiosas, como se v no Art. 5: A Religio Catlica Apostlica Romana continuar a ser a religio do Imprio. Todas as outras religies sero permitidas com seu culto domstico, ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de templo. 7 LYNCH, John. A Igreja catlica na Amrica Latina, 1830 - 1930. In: Histria da Amrica Latina. Vol. IV. BETHELL, Leslie (org.). So Paulo: Editora da Universidade de So Paulo, 2001. p. 415. 8 TORRES, Joo Camilo de Oliveira. O sacerdcio e o Imprio. In: Histria das idias religiosas no Brasil. So Paulo: Editora Grijalbo, 1969. p. 112. 9 MAUS, Raymundo Heraldo. Igreja e Estado: Unio e Separao, combate e recomposio. In: Padres, Pajs,
Santos e Festas: catolicismo popular e controla eclesistico. 1. Ed. Volume 1. BELM: CEJUP, 1995. p. 47.
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importante levar em considerao as medidas ultramontanas tomadas por Dom Afonso Torres
que ja se mostrava vinculadas linha romanista ao inspirar suas aes nos preceitos
tridentinos buscando a regenarao do clero.
Hugo Fragoso (1992)10, afirma que no momento de apogeu do Imprio no Brasil, o
Estado, na tentativa de reforar a imagem de um governo forte e centralizador, passa a intervir
de forma mais incisiva nos assuntos eclesiais, levando uma reao da Igreja quanto a essa
situao de subordinao. importante ressaltar que o desgaste na relao entre Estado e
Igreja no uma particularidade do Brasil, pois em algumas partes da Europa e Amrica
Latina11 vinha ocorrendo assduos embates entre ambos durante o sculo XIX. Dessa forma, a
Igreja percebeu a necessidade de uma reforma interna vislumbrando a formao de um clero
ajustado com a tese da Santa S, tentando implantar um catolicismo de sacramento em
detrimento do catolicismo popular.
Paralelo a isso, Jos Afonso Torres se torna bispo da diocese do Par em 1844, e ao
assumir o bispado encontra uma diocese devastada em meio ao contexto do ps-Cabanagem,
dificultando sua trajetria como representante maior da Igreja naquela regio. Diante desses
percalos, Dom Afonso procurou colocar em prtica, na medida do possvel, sua proposta
Ultramontana.
Destarte, o prelado diocesano se esfora no intuito de levar o catolicismo sacramental
ao interior da Amaznia. Aps se ver livre da obrigao de ensinar no seminrio episcopal por
uns tempos, o bispo se dedica s visitas pastorais pelo bispado, que ao total foram 8.
(...) agora porem desprendidos por alguns dias daquella obrigao do ensino no Seminario, podemos annunciar-vs que tencionamos no dia 21 do corrente mez sahir a visita das Igrejas da Vigia, Collares, e S. Caetano, e Salinas, e he com prazer que vamos dar comeo a esta correria Apostlica (...)12
10 FRAGOSO, Hugo. A igreja na formao do estado liberal (1840-1875). In: [HOORNAERT, Eduardo (org.)].
Histria da Igreja no Brasil: Ensaio de interpretao a partir de um povo segunda poca. Tomo II/2.
Petrpolis, RJ: Ed. Vozes, 1992. p. 151. 11 Frana e Mxico so exemplos do abalo nas relaes entre poder espiritual e temporal. Ver: NEVES, F. A. F.
Romanizao como catequese: a doutrina pastoral dos bispos. Revista HISTEDBR On-line, v. 12, p. 50-63,
2012. 12 TORRES, Jos Afonso de Morais. PASTORAL. Treze de Maio, Belm, 6 ago. 1845. Disponvel em: Acesso em: 20 de Fevereiro de 2013.
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Alm de adentrar no serto amaznico levando a f catlica aos lugares mais ermos
da diocese, Afonso Torres tambm estende seu plano ultramontano at aos espaos privados
dos fieis. Ele orienta o laicato sobre a utilidade e o local da casa que deve ser colocado os
oratrios domsticos.
2.a Nos ditos Oratorios no se poder cantar Missa, administrar os Sacramentos do matrinonio, baptismo solemne, e a confisso as mulheres smente havendo confessionarios proprios para ellas com grades. 3.a Os Oratorios deveram estar em lugar decente, e inteiramente separado dos lugares destinados aos usos domsticos, como salas de jantar ,&.13
Para o bispo, o oratrio, enquanto local de orao, no poderia ser fixado em
qualquer parte do ambiente domstico justamente por expressar o carter sagrado do
catolicismo. Assim, Jos Afonso procura direcionar a cristandade ao caminho da salvao
mesmo que isso interfira em sua intimidade, no existindo limites difuso da f, mormente
nesse momento onde a tendncia cada vez mais buscar a aproximao com Roma.
Ele se dedica tambm ao cumprimento correto do sacramento do matrimonio na
diocese. A aliana matrimonial sob os olhos da Igreja representa a garantia da ordem e da
estabilidade das famlias, bem como da tranquilidade pblica. No entanto, ao que parece, as
unies conjugais que se davam no bispado do Par no estavam seguindo os preceitos
religiosos emanados de Roma, sobretudo no que diz respeito s unies de casais com grau de
parentesco prximo. D. Afonso orienta os soldados de seu exercito espiritual a lerem os
prelados ilustrados do Rio de Janeiro e do Maranho para que possam direcionar o
sacramento do matrimnio dentro da Amaznia.
Convencidos da necessidade de darmos ao Rd.os Parochos as principaes regras, que devem observar na administrao do Sacramento do Matrimonio, para evitar assim abusos, que posso nascer do esquecimento das mesmas, no podemos cumprir melhor este nosso dever do que mandando que se observem neste Bispado as sabias instruces, que em suas pastoraes dirigiro aos Rd.os Parochos de suas Dioceses os illuestrados Prelados do Rio de Janeiro e Maranho, que com esta mandamos publicar, dando-lhes preceitos e instruces para a celebrao do Matrinonio.14
A preocupao do bispo com os abusos cometidos pelos fieis que contraiam
matrimnio evidente, porm, mais do que isso, ele procura sintonizar os padres da diocese
13 TORRES, Afonso de Moraes. Colleco de Algumas circulares e portarias mais importantes de S. Ex. Reverendissima o Senhr. Bispo do Par. TYP. De SANTOS 7 FILHO. 1856. p. 11. 14
Ibidem.
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de acordo com os ensinamentos dos presbteros de outros bispados, articulando de alguma
forma a maneira de direcionar sua administrao eclesistica a outros governos espirituais do
Imprio. Portanto, a orientao provinda do Prelado diocesano aos sacerdotes da Amaznia
(principalmente ao clero secular) era fundamental para colocar o rebanho cristo no caminho
da doutrina catlica, mesmo essa cultura conservadora se caracterizando pelo distanciamento
da realidade local.
A formao sacerdotal
O plano de reforma da Igreja devia comear pelo clero, pois ali residia a base de toda
a propagao de f para o restante da sociedade, para tanto, era essencial o papel dos
seminrios, em razo da educao no sculo XIX ser um meio pelo qual o catoliscimo
reproduziria os principios de sua religio, segundo Patricia Martins (2006)15. De acordo com
Hugo Fragoso (1992)16, mesmo com a gradual reduo numrica de padres, no Segundo
Reinado a formao intelectual era at boa, entretanto a instruo espiritual e moral do clero
se encontrava em situao precria. Claro que isso no se estendia a todos os pontos do
Imprio, dado que, por exemplo, a diocese de Mariana era considerada refncia quanto