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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA
PAULO SÉRGIO NOWACKI
CONSEQUÊNCIAS DA INDEVIDA PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES DE DADOS CADASTRAL E FINANCEIRO PELA EMPRESA À PREVIDÊNCIA SOCIAL
BRASILEIRA: DIREITOS FUNDAMENTAIS PREVIDENCIÁRIOS E O DANO SOCIAL
CURITIBA 2014
PAULO SÉRGIO NOWACKI
CONSEQUÊNCIAS DA INDEVIDA PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES DE DADOS CADASTRAL E FINANCEIRO PELA EMPRESA À PREVIDÊNCIA SOCIAL
BRASILEIRA: DIREITOS FUNDAMENTAIS PREVIDENCIÁRIOS E O DANO SOCIAL
Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Mestre no Programa de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba. Orientador: Prof. Dr. Mateus Eduardo Siqueira Nunes Bertoncini
CURITIBA 2014
PAULO SÉRGIO NOWACKI
CONSEQUÊNCIAS DA INDEVIDA PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES DE DADOS CADASTRAL E FINANCEIRO PELA EMPRESA À PREVIDÊNCIA SOCIAL
BRASILEIRA: DIREITOS FUNDAMENTAIS PREVIDENCIÁRIOS E O DANO SOCIAL
Dissertação aprovada como requisito parcial à obtenção do título de Mestre no Programa de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro
Universitário Curitiba, pela Banca Examinadora formada pelos professores:
Orientador: ______________________________________________ Prof. Dr. Mateus Eduardo Siqueira Nunes Bertoncini ______________________________________________ Prof. Dr. Eduardo Milléo Baracat ______________________________________________ Prof. Dr. Marco Antônio César Villatore
Curitiba, 13 de junho de 2014.
A meus pais:
PAULO pela sabedoria e modo de vida;
IRENE minha maior fonte de amor, inspiração e ternura.
À LUCIANE, NÁDIA e aos AMIGOS pelo apoio e compreensão.
AGRADECIMENTOS
Terminar de escrever a dissertação de mestrado, após dois anos de estudos
e pesquisas, dá uma sensação de alívio, satisfação e alegria. Um dos maiores
ganhos, contudo, não é a conclusão do curso, e sim o percurso. Neste percurso
muitas pessoas especiais me acompanharam e outras surgiram como os mestres,
com seus ensinamentos, e os novos colegas companheiros de curso.
Meu agradecimento especial ao orientador, professor Mateus Eduardo
Siqueira Nunes Bertoncini, a quem devo a instigação para iniciar o curso de
mestrado e pelo estímulo para prosseguir, pois a sua dedicação à academia, à
docência e aos alunos é exemplo daquele que busca o conhecimento e sabe
repassá-lo aos que o procura.
Agradeço aos professores, alunos e colegas do UNICURITIBA pelo ambiente
de formação acadêmica, onde por treze anos sempre obtive incentivos e
oportunidades de aprendizado, pesquisa e docência.
Agradecimento muito especial a Nádia Regina de Carvalho Mikos o melhor
exemplo de ensino, de pessoa, de profissional e, principalmente, de amiga
incentivadora ao oferecer oportunidades de crescimento, pessoal e profissional,
possibilitando sonhos se tornar realidade.
Aos professores Eduardo Milléo Baracat e Marco Antônio César Villatore, que
fizeram parte da banca de qualificação desta dissertação, agradeço pela leitura,
questionamentos e sugestões apresentadas ao trabalho, quando ele ainda estava se
formando, se moldando e que me levaram a repensar e aprofundar nos estudos
contribuindo para o aprimoramento deste trabalho.
Aos meus professores no mestrado: Daniel Ferreira, Demétrio Nichele Macei,
Fernando Gustavo Knoerr, Francisco Cardozo Oliveira, José Edmilson de Souza-
Lima, Marcos Alves da Silva, Paulo Ricardo Opuszka e Viviane Coêlho de Séllos
Knoerr que durante dois anos de ensinamentos me apresentaram um novo mundo
de conhecimento, demonstrando que ser ‘mestre’ é realmente somente para aqueles
que dividem as suas descobertas com seus alunos de forma tão pessoal e
incondicional.
À minha amiga, sócia e colega de mestrado Luciane Maria Trippia, o meu
especial agradecimento por tudo que tem feito nesses anos de amizade, carinho,
apoio e compreensão.
Por fim, mas não menos importante agradeço aos meus amigos Clovis, Eri,
Maurílio e Roberto que nos momentos de dificuldades sempre estiveram prontos
para me ajudar no que fosse necessário.
A DEUS PAI que me acompanha e ilumina os passos da minha caminhada,
proporcionando-me sempre as bênçãos e proteções necessárias.
RESUMO
As empresas que possuem empregados são obrigadas, por força legal, a procederem apresentação da Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e Informações à Previdência Social acerca do recolhimento das contribuições e informações à Previdência Social, devendo ser informados os dados da empresa e dos trabalhadores, os fatos geradores de contribuições previdenciárias e valores devidos ao Instituto Nacional de Seguro Social, bem como as remunerações dos trabalhadores. Esses dados alimentam o Cadastro Nacional de Informações Sociais e são utilizados para o cálculo do benefício previdenciário concedido ao segurado. O ato de entregar a Guia de Recolhimento em atraso, com incorreções ou omissões, ou a não entrega constitui violação à obrigação prevista em lei e sujeita o infrator à multa e outras penalidades administrativas. Se deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional, bem como se suprimir ou reduzir contribuição social previdenciária e qualquer acessório, ao responsável poderá configurar as condutas tipificadas no Código Penal como crimes de apropriação indébita previdenciária ou sonegação de contribuição previdenciária. Nesse contexto, o presente trabalho objetiva constatar as penalidades aplicadas nas searas administrativa, penal e civil. Após a constatação das penalidades será analisado a real efetividade nos dias atuais. Diante das analises obtidas, será verificado a ocorrência ou não de Dano Social. Palavras-chave: direitos fundamentais previdenciários; previdência social;
prestação de informação; penalidades; dano social.
RESUMEN
Las empresas que tienen empleados están obligados por la fuerza legal, para llevar
a la presentación Encuentro Fondo de Garantía por Tiempo de Guía de servicio y de
la Seguridad Social Información sobre la recogida de información y de las
contribuciones a la Seguridad Social, los datos de la empresa deben ser informados
y los trabajadores, los hechos operativos de las contribuciones a la seguridad social
y las cantidades adeudadas al Instituto Nacional de la Seguridad Social, así como la
remuneración de los asalariados. Estos datos se integran en la Información Social
de la Nación y se utilizan para el cálculo de las prestaciones de jubilación previstas
para el asegurado. El acto de entrega de los atrasos Guía de Encuentro, con errores
o omisiones o falta de entrega constituye un incumplimiento de la obligación
establecida por la ley y someter al infractor a las multas y otras sanciones
administrativas. Si usted no puede pasar las cotizaciones sociales recogidos de los
contribuyentes dentro y accesorias legales o convencionales, así como la
eliminación o reducción de las contribuciones de asistencia social y los hay, se
puede configurar el comportamiento responsable tipificado en el Código Penal como
delitos de malversación de fondos de pensiones o la evasión de las contribuciones
de seguridad social. En este contexto, el presente trabajo tiene como objetivo
realizar las penas impuestas en la cosecha administrativa, penal y civil. Después de
encontrar las sanciones se evaluarán la eficacia real en la actualidad. Teniendo en
cuenta el análisis obtenido se verificó la ocurrencia o no de daños Social.
Palabras clave: derechos fundamentales de pensiones; la seguridad social; las la
provisión de información; sanciones; el daño social.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ART. Artigo
CAIXA Caixa Econômica Federal
CC Código Civil
CEI Cadastro Específico do INSS
CLT Consolidação das Leis do Trabalho
CNAE Classificação Nacional de Atividades Econômicas
CNIS Cadastro Nacional de Informações Sociais
CNPJ Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica
CP Código Penal
CRFB/1988 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
CTN Código Tributário Nacional
CTPS Carteira de Trabalho e Previdência Social
DATAPREV Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social
FAP Fator Acidentário de Prevenção
FENACON Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas
FGTS Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
FPAS Fundo de Previdência e Assistência Social
GFIP Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e Informações à Previdência
Social
I.E. Isto é
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IBPT Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário
INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INSS Instituto Nacional de Seguro Social
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
NIS Número de Identificação Social
RAT Risco Acidente do Trabalho
REFIS Programa de Recuperação Fiscal
RFB Receita Federal do Brasil
RGPS Regime Geral de Previdência Social
RPS Regulamento da Previdência Social
SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
SEFIP Sistema Empresa de Recolhimento do FGTS e Informações à
Previdência Social
SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SENAR Serviço Nacional de Aprendizagem Rural
SESC Serviço Social do Comércio
SESI Serviço Social da Indústria
SEST Serviço Social do Transporte
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justiça
TRF Tribunal Regional Federal
SUMÁRIO
RESUMO................................................................................................................... 06 RESUMEN ................................................................................................................ 07 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ................................................................... 08 INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11 1 DIREITOS FUNDAMENTAIS ................................................................................. 16 1.1 DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ............................................... 20 1.1.1 Direito de Primeira Dimensão ........................................................................... 22 1.1.2 Direito de Segunda Dimensão .......................................................................... 24 1.1.3 Direito de Terceira Dimensão ........................................................................... 28 1.1.4 Direito de Quarta Dimensão ............................................................................. 30 1.2 DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS NA CRFB/1988. .................................... 32 1.3 PREVIDÊNCIA SOCIAL COMO DIREITO FUNDAMENTAL ............................... 35 2 IMPORTÂNCIA DAS INFORMAÇÕES CADASTRAL E FINANCEIRA NA PRESTAÇÃO DOS DIREITOS PREVIDENCIÁRIOS ........................................... 39 2.1 GUIA DE INFORMAÇÕES À PREVIDÊNCIA SOCIAL (GFIP) ............................ 40 2.1.1 Informações Cadastrais.................................................................................... 43 2.1.2 Informações Financeiras .................................................................................. 46 2.1.3 Retificação de Informações .............................................................................. 47 2.2 BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS ..................................................................... 49 2.2.1 Financiamento da Previdência Social .............................................................. 49 2.2.2 Prestações Previdenciárias .............................................................................. 55 2.3 IMPORTÂNCIA DAS INFORMAÇÕES PARA O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO ............................................................................................. 57 3 CONSEQUÊNCIAS DA INDEVIDA DECLARAÇÃO DE INFORMAÇÕES À PREVIDÊNCIA SOCIAL ....................................................................................... 60 3.1 SANÇÕES EM RAZÃO DA INDEVIDA DECLARAÇÃO DE INFORMAÇÕES À PREVIDÊNCIA SOCIAL ............................................................................................ 60 3.1.1 Infração à Legislação Previdenciária ................................................................ 62 3.1.2 Tutela Penal no Âmbito da Seguridade Social ................................................. 67 3.1.3 Responsabilidade Civil do Empregador............................................................ 75 3.2 REFLEXÕES SOBRE AS PENALIDADES.......................................................... 82 3.2.1 Modelo de Sanções Administrativas ................................................................ 83 3.2.2 Modelo Penal ................................................................................................... 88 3.2.3 Modelo de Responsabilidade Civil ................................................................... 97 4 FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA E O DANO SOCIAL ..................................... 102 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 110 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 112
11
INTRODUÇÃO
Os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são
prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente,
enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida
aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais
desiguais. O Estado Contemporâneo possui, entre suas funções, a proteção social
dos indivíduos em relação a eventos que lhes possam causar a dificuldade ou até
mesmo a impossibilidade de subsistência por conta própria, pela atividade
laborativa.
A Constituição de 1988 possui um capítulo próprio sobre a Seguridade Social,
que compreende ações e benefícios nas áreas de Assistência Social, Saúde e
Previdência Social, instituindo assim a autonomia do Direito Previdenciário.
No âmbito da Previdência Social, destacam-se o princípio da solidariedade,
que lhe é inerente, até porque ela é financiada por toda a sociedade, mediante
recursos públicos e privados, e o princípio da responsabilidade, ao impor a todos
quantos têm algo a ver com essa rede de proteção social — governo, empresários,
sindicatos, segurados e beneficiários, entre outros — a obrigação moral de cuidar do
dia de hoje, mas com os olhos postos no amanhã, porque a felicidade das gerações
presentes não pode ser obtida com a infelicidade das gerações futuras.
A Previdência Social tem a obrigação de garantir aos segurados a renda que
permita a sua manutenção e a de sua família caso perca a sua capacidade de
trabalho, seja por doença, invalidez, acidente, morte e idade avançada, entre outros.
Para que esse mister seja cumprido é fundamental que estejam disponíveis
informações sobre os seus segurados e sobre suas contribuições, entre outras.
As empresas que possuem empregados são obrigadas, por força legal, a
procederem apresentação da Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço e Informações à Previdência Social (GFIP) acerca do
recolhimento das contribuições e informações à Previdência Social, devendo ser
informados os dados da empresa e dos trabalhadores, os fatos geradores de
contribuições previdenciárias e valores devidos ao Instituto Nacional de Seguro
Social (INSS), bem como as remunerações dos trabalhadores. Esses dados
12
alimentam o Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS)1 e são utilizados para
o cálculo do benefício previdenciário concedido ao segurado. Os dados constantes
do CNIS relativos a vínculos, remunerações e contribuições valem como prova de
filiação à previdência social, tempo de contribuição e salários-de-contribuição2.
O ato de entregar a GPIF em atraso, com incorreções ou omissões, ou a não
entrega constitui violação à obrigação acessória prevista no artigo 32, inciso IV, da
Lei no 8.213/1991 e sujeita o infrator à multa e outras penalidades administrativas.
Se deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos
contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional, bem como se suprimir ou
reduzir contribuição social previdenciária e qualquer acessório, ao responsável
poderá configurar as condutas tipificadas no Código Penal (CP) como crimes
previsto nos artigos 168-A (apropriação indébita previdenciária) e 337-A (sonegação
de contribuição previdenciária).
Além das sanções administrativa e penal, o responsável poderá incorrer,
ainda, em responsabilidade civil, patrimonial ou extrapatrimonial, se restar
caracterizado o dano e o nexo causal. A responsabilidade civil no direito moderno é
relevante e atual, para tanto basta lançar uma vista de olhos pelos repertórios de
jurisprudência, para que se lhe projete e se lhe realce a significação no panorama do
direito contemporâneo3.
A despeito de todos os inegáveis avanços que o direito previdenciário,
administrativo, penal e civil tem desenvolvido a sociedade ainda esta sofrendo com o
rebaixamento de nível no que tange aos benefícios não concedidos ou concedidos
com erros, no Regime Geral de Previdência Social, em decorrência da indevida
prestação de informações dos empregados, pelo empregador, à Previdência Social.
É inegável ser mais vantajoso e eficiente prevenir a ocorrência de danos do que ter
de atuar posteriormente na busca da restauração da situação lesiva.
Assim, como todo estudioso que se propõe a realizar um trabalho de pesquisa
de certa envergadura encontra-se, inevitavelmente, num estado de perplexidade
decorrente de inúmeras e infinitas variáveis que se apresentam à sua curiosidade e
1 Por força do art. 288, inciso I, da Instrução Normativa RFB n
o 971, de 13 de novembro de 2009.
2 Por disposição do art. 19, do Decreto nº 6.722, de 30 de dezembro de 2008.
3 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil – Direito das obrigações. 2 parte. São
Paulo: Saraiva, 1990-1995. p. 391.
13
observação de pesquisador4, o presente trabalho tem como campo de observação a
apresentação da declaração de informações cadastral e financeira pelo empregador,
que é realizada por meio da Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo
de Serviço e Informações à Previdência Social (GFIP), à Previdência Social,
contendo informações do empregado, bem como as consequências da sua indevida
apresentação5. Neste campo de estudo serão averiguadas as penalidades aplicadas
na seara administrativa, penal e civil. Após a constatação das penalidades será
analisado a real efetividade nos dias atuais. Diante das analises obtidas, será
verificada a ocorrência ou não de Dano Social.
O tema se relaciona com a linha de pesquisa “Atividade Empresarial e
Constituição: Inclusão e Sustentabilidade” desenvolvida no programa de Mestrado
pela adequação do estudo atinente à dignidade da pessoa humana e relações da
empresa com o ambiente externo, bem como com a liberdade de iniciativa
empresarial.
A linha de pesquisa do Mestrado ao evocar “inclusão”, como atributo da linha
II, em ampla semântica, visou estabelecer que tal conceito está para o Direito
Empresarial como a afirmação da dignidade humana, lato sensu, está para os
direitos fundamentais, para os direitos da personalidade e para a ordem social.
Trata-se, portanto, no campo da Inclusão, do tema da proteção dos interesses dos
sujeitos de direito que dependem, para sobreviver dignamente, da justa
movimentação do modo de produção.
4 LEITE, Eduardo de Oliveira. A monografia jurídica. 6. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2003. p. 25. 5 O termo “empregador” a ser utilizado no desenvolver do trabalho possui o conceito contido no art.
2º, da Lei no 5.452, de 1º de maio de 1943 (CLT), que considera empregador a empresa, individual ou
coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. Ao passo que o termo “empregado” será o contido no art. 3º, da mesma lei, qual seja, considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. Segundo Amauri Mascaro NACIMENTO observa-se que empregador e empresa são conceitos que guardam entre si uma relação de gênero e espécie, uma vez que empregador é uma qualificação jurídica ampla, e empresa é uma das formas, a principal, dessa qualificação, ao lado de outras, que abrangem instituições sem fins lucrativos — evidentemente não empresariais —, mas que são, por equiparação, niveladas, pela lei, à empresa para os fins da relação de emprego (CLT, art. 2º, § 2º), o que mostra a elasticidade do conceito de empregador, tão amplo, como foi mostrado com a sua configuração nas relações de emprego mantidas, como no exemplo já citado, com o condomínio (NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 669).
14
O benefício previdenciário concedido pelo Regime Geral de Previdência
Social ao segurado se relaciona com a dignidade da pessoa humana, com o bem
estar social, com a justiça social, com a segurança social e com a ordem pública.
A indevida prestação das informações de dados cadastral e financeiro pela
empresa empregadora à Previdência Social viola os direitos fundamentais e a
dignidade humana? Quais são as sanções e penalidades aplicadas ao responsável
por deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos
contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional, bem como deixar de recolher,
no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que
tenha sido descontada de pagamento efetuado ao empregado, previstas na Lei no
8.212/1991, no Código Penal e no Código Civil? Por que a prática desse ilícito pode
ser considerado um dano social?
A investigação que se propõe, contém além dos objetivos gerais contidos nos
referidos questionamentos, objetivos específicos, dentre os quais poder-se-ia arrolar
os que seguem: analisar os direitos fundamentais de acordo com sua dimensão;
apresentar os direitos fundamentais sociais previstos na CRFB de 1988; classificar a
Previdências Social de acordo com a dimensão do direito fundamental; revelar a
importância das informações cadastral e financeira na prestação dos direitos
previdenciários; descrever a sistemática da prestação da informações de dados
cadastrais e financeiro das empresas para a Previdência Social; verificar os
benefícios previdenciários como direito social; expor a utilização das informações
dos dados cadastral e financeiro no cálculo do benefício previdenciário; demonstrar
que a correta prestação da informação de dados cadastrais e financeiro para a
Previdência Social determinará e influenciará no devido valor do benefício
previdenciário; e, apresentar as sanções e penalidades administrativa, penal e civil
da empresa ao deixar de transmitir ou informar dados não correspondentes aos
fatos geradores ou, ainda, não repassar os valores descontados do empregado à
previdência social.
No que tange à metodologia, a pesquisa é, fundamentalmente, bibliográfica e
documental, tendo sido privilegiados autores clássicos e contemporâneos de acordo
com o assunto de cada capítulo, assim como foi realizada pesquisa jurisprudencial
envolvendo o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça e os
15
Tribunais Regionais Federais. Sem prejuízo do método dedutivo, a análise também
será crítica, haja vista a necessidade de se dar conta de uma problematização que
ultrapassa uma avaliação meramente panorâmica.
Vivemos inseridos no mundo e, por isso, sujeitos às influências do que, de
relevante, nele ocorre. Os estudos relativos ao Direito Empresarial e aos Direitos
Fundamentais são essenciais para a Sociedade Contemporânea, principalmente
para as discussões sobre ética, responsabilidade social, inclusão social e cidadania.
A natureza do Estado de Bem-Estar consiste em oferecer algum tipo de
amparo às pessoas que, sem ajuda do Estado, podem não ser capazes de ter uma
vida minimamente aceitável, de acordo com os critérios da sociedade moderna.
Assim, o Estado dentro de uma política econômica e social renovada, e respeitando
a igualdade de todos, deve tomar pra si a responsabilidade de atender aos anseios
de seus nacionais, dando-lhes maiores garantias de proteção social. Dessa maneira,
a intervenção estatal na área social passa a ser uma obrigação como condição de
existência de um Estado moderno, o que, no Brasil, se tornou fundamento
Constitucional.
Neste contexto, para analisar as sanções e penalidades aplicadas ao
responsável por deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas
dos empregados, bem como deixar de recolher a contribuição ou outra importância
destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado
ao empregado utilizaremos como fundamentação teórica os ensinamentos de José
Afonso da SILVA, Fábio Zambitte IBRAHIM, Carlos Alberto Pereira de CASTRO e
Antônio Junqueira de AZEVEDO. A compreensão do tema perpassa pela análise
dos direitos fundamentais.
16
1 DIREITOS FUNDAMENTAIS
A ampliação e transformação dos direitos fundamentais do homem no
evolver histórico lhes dificulta definir um conceito sintético e preciso6. Um dos
problemas na definição do que é Direito Fundamental é o fato de que esta definição
varia de acordo com o tempo e com as várias culturas humanas. Outro problema é a
utilização pela doutrina e pelo Direito positivo ao empregarem múltiplas expressões
para designar direitos fundamentais, tais como: direitos do homem, direitos naturais,
direitos humanos, direitos subjetivos públicos, direitos individuais, liberdades
públicas, liberdades fundamentais, direitos fundamentais do homem, entre outros.
José Joaquim Gomes Canotilho7 afirma que as expressões ‘direitos do
homem’ e ‘direitos fundamentais’ são frequentemente utilizadas como sinônimas e
segundo a sua origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira:
direito do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos
(dimensão jusnaturalista-universalista); direitos fundamentais são os direitos do
homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espaço-temporalmente. Os
direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu carácter
inviolável, atemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos
objetivamente vigente numa ordem jurídica concreta.
É necessário distinguir direitos humanos e direitos fundamentais, para evitar
qualquer confusão de significados no presente estudo, tendo em vista ser comum a
utilização de ambos os termos como se tivessem o mesmo sentido8. Fabio Konder
Comparato nos lembra que a doutrina jurídica contemporânea, distingue os direitos
humanos dos direitos fundamentais, na medida em que estes últimos são
6 SILVA. José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 28. ed. Malheiros Editores. 2007.
p. 175. 7 CANOTILHO, J. J. Gomes, 1941. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 12 reimp.
Coimbra: Almedina. 2011. p. 393. 8 Para NASCIMENTO as expressões direitos fundamentais e direitos humanos também não se
confundem na medida em que “uma das concepções de direito do trabalho que procura reagir contra a tendência flexibilizadora da época recente é a do direito do trabalho como um direito de primeiro grau compreendido como um conjunto de direitos fundamentais ou uma parte dos direitos humanos, expressões que não têm o mesmo significado (NASCIMENTO, 2011. p. 279).
17
justamente os direitos humanos consagrados pelo Estado como regras
constitucionais escritas9.
Segundo Ingo Wolfgang Sarlet10 os direitos fundamentais surgiram
historicamente como direitos de defesa, oponíveis ao Estado, onde se verificou uma
transformação no âmbito do significado e das funções dos direitos fundamentais,
especialmente em virtude das ameaças oriundas dos poderes sociais, além de se
estar levando a sério o princípio da máxima efetividade das normas de direitos
fundamentais. Assim, podem ser designados por direitos fundamentais todos os
direitos ou garantias nomeados e especificados no instrumento constitucional.
Assim, podemos entender que os Direitos Fundamentais são originados da
constitucionalização. Contudo, basta uma superficial leitura na histórica da evolução
do pensamento humano para facilmente verificarmos que a origem de tais direitos
encontra-se muito antes, e que atualmente consagrados nas Constituições poderiam
ser vistos como produtos de transformações ocorridos no evoluir dos tempos. Para
tanto, basta lembrarmo-nos das proteções individuais contidas no Código de
Hamurabi11 que data aproximadamente de 1700 a.C.
Na obra intitulada “A afirmação histórica dos direitos humanos”, Comparato12
resume esse ponto afirmando que foi a partir do período axial13 que, pela primeira
vez na História, o ser humano passa a ser considerado, em sua igualdade essencial,
9 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 3. ed. São Paulo:
Saraiva, 2003. p. 224. 10
SARLET, Ingo Wolfgang [et al]. A constituição concretizada: construindo pontes com o público e o privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 122. 11
Trechos selecionados: 1. Se alguém enganar a outrem, difamando esta pessoa, e este outrem não puder provar, então que aquele que enganou deve ser condenado à morte. 2. Se alguém trouxer uma acusação de um crime frente aos anciões, e este alguém não trouxer provas, se for pena capital, este alguém deverá ser condenado à morte. [...] 3. Um juiz deve julgar um caso, alcançar um veredicto e apresentá-lo por escrito. Se erro posterior aparecer na decisão do juiz, e tal juiz for culpado, então ele deverá pagar doze vezes a pena que ele mesmo instituiu para o caso, sendo publicamente destituído de sua posição de juiz, e jamais sentar-se novamente para efetuar julgamentos. 4. Se alguém roubar a propriedade de um templo ou corte, ele deve ser condenado à morte, e também aquele que receber o produto do roubo do ladrão deve ser igualmente condenado à morte. 5.Se alguém roubar gado ou ovelhas, ou uma cabra, ou asno, ou porco, se este animal pertencer a um deus ou à corte, o ladrão deverá pagar trinta vezes o valor do furto; se tais bens pertencerem a um homem libertado que serve ao rei, este alguém deverá pagar 10 vezes o valor do furto, e se o ladrão não tiver com o que pagar seu furto, então ele deverá ser condenado à morte. USP – Universidade de São Paulo – Biblioteca Virtual de Direitos Humanos. Disponível em < http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/ Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-a%C3%A7%C3%B5es-at% C3%A9-1919/codigo-de-hamurabi.html>. Acesso em 21/01/2014. 12
COMPARATO, 2003. p. 11. 13
Cf. autor – Numa interpretação que Toynbee considerou iluminante, Karl Jaspers sustentou que o curso inteiro da História poderia ser dividido em duas etapas, em função de uma determinada época, entre os séculos CII e II a.C a qual formaria, por assim dizer, o eixo histórico da Humanidade. Daí a sua designação, para essa época, de período axial (Achsenzeit).
18
como ser dotado de liberdade e razão, não obstante as múltiplas diferenças de sexo,
raça, religião ou costumes sociais. Lançavam-se, assim, os fundamentos intelectuais
para a compreensão da pessoa humana e para a afirmação da existência de direitos
universais, porque a ela inerentes.
Nota-se que os Direitos Fundamentais num ponto de vista clássico da
evolução histórica são os meios pelos quais os indivíduos conseguiram estabelecer
uma proteção ao poder do Estado. A esse respeito preleciona Bobbio14 que
do ponto de vista teórico, sempre defendi — e continuo a defender,
fortalecido por novos argumentos — que os direitos do homem, por
mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja,
nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em
defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de
modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.
Conforme enuncia Gilmar Mendes15 pretendia-se, sobretudo, fixar uma
esfera de autonomia pessoal refratária às expansões do Poder. Daí esses direitos
traduzirem-se em postulados de abstenção dos governantes, criando obrigações de
não fazer, de não intervir sobre aspectos da vida pessoal de cada indivíduo.
Hodiernamente, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
apresenta um rol de direitos e deveres individuais e coletivos em seu artigo 5º.
Leciona José Afonso da Silva16 que o art. 5º da Constituição de 1988 arrola o que
ela denomina de direitos e deveres individuais e coletivos, contudo não menciona aí
as garantias dos direitos individuais, mas estão também lá. O rol contido no citado
artigo não é, de forma alguma, os únicos direitos fundamentais existentes, pois é
certo que outros podem ser indicados por outras leis, declarações universais,
convenções nacionais, etc.
Noberto Bobbio17 entende que não é difícil prever que, no futuro, poderão
emergir novas pretensões que no momento nem sequer podemos imaginar, como o
direito a não portar armas contra a própria vontade, ou o direito de respeitar a vida
também dos animais e não só dos homens. O que prova que não existem direitos
14
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução: Carlos Nelson Coutinho; apresentação de Celso Lafer. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 9. 15
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 4. ed. rev. e atual. - São Paulo: Saraiva, 2009. p. 9. 16
SILVA, 2007. p. 190. 17
BOBBIO, op. cit. 2004. p. 13.
19
fundamentais por natureza. O que parece fundamental numa época histórica e numa
determinada civilização não é fundamental em outras épocas e em outras culturas.
Estabelecer o que é o Direito Fundamental torna-se uma tarefa árdua à
medida em que um determinado direito é colocado numa determinada época e local
distintos por poder apresentar um conteúdo diverso. Salienta Bobbio18 que o
problema fundamental em relação aos direitos do homem, atualmente, não é tanto o
de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas
político.
Paulo Bonavides19 analisando a Constituição de 1988 afirma que:
Com efeito, não é possível compreender o constitucionalismo do
Estado social brasileiro contido na Carta de 1988 se fecharmos os
olhos à teoria dos direitos sociais fundamentais, ao princípio da
igualdade, aos institutos processuais que garantem aqueles direitos e
aquela liberdade e ao papel que doravante assume na guarda da
Constituição o Supremo Tribunal Federal.
Assevera Daniel Sarmento20 que
[...] poucos temas no Direito Constitucional brasileiro têm sido tão debatidos nos últimos anos como a eficácia dos direitos sociais de caráter prestacional. A jurisprudência nacional é extremamente rica nesta questão, e o Brasil é hoje certamente um dos países com o Judiciário mais ativista na proteção de tais direitos.
A compreensão da evolução histórica dos direitos fundamentais é fator
primordial não apenas como uma perspectiva de interpretação, mas também em
razão da evolução do moderno Estado Constitucional, que hodiernamente possui a
finalidade de reconhecer e garantir os direitos fundamentais.
FACHIN21 destaca que cabe enfatizar, todavia, a necessidade de
interpretação dos próprios direitos fundamentais de modo que não se corra o risco
de transformá-los em modelos abstratos.
18
BOBBIO, Norberto. 2004. p. 16. 19
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15. ed. Editora Malheiros: São Paulo, 2004. p. 373. 20
SARMENTO. Daniel. A Proteção Judicial dos Direitos Sociais: Alguns Parâmetros Ético-Jurídicos. Direitos Sociais: fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Coordenadores: Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento. Editora Lunmem Juris. Rio de Janeiro, 2010. p. 553. 21
FACHIN, Luiz Edson; RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Direitos fundamentais, dignidade da pessoa humana e o novo Código Civil: uma análise crítica. In Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Org. Ingo Wolfgang Sarlet. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 107.
20
1.1 DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Trata-se de uma classificação que leva em conta a cronologia em que os
direitos foram paulatinamente conquistados pela humanidade e a natureza de que
se revestem. A princípio devemos distinguir o termo ‘gerações’ de ‘dimensões’, pois
é importante ressaltar que uma geração não substitui a outra, antes se acrescenta a
ela, por isso a doutrina prefere a denominação “dimensões”22. Cabe destacar que a
ideia de “geração” está unida à de sucessão, substituição, mudança, ao passo que
nos direitos fundamentais, como visto acima, uma geração não exclui a anterior, ou
seja, os direitos fundamentais não são superados uns pelos outros.
Essa distinção entre gerações dos direitos fundamentais é estabelecida
apenas com o propósito de situar os diferentes momentos em que esses grupos de
direitos surgem como reivindicações acolhidas pela ordem jurídica. Deve-se ter
presente, entretanto, que falar em sucessão de gerações não significa afirmar que
os direitos previstos num momento tenham sido suplantados por aqueles surgidos
em instante seguinte23.
Tem-se que o termo gerações é empregado para situar os diferentes
momentos desses grupos de direitos tendo em vista que os direitos fundamentais
não surgiram ao mesmo tempo, mas em diversos períodos de acordo com as
necessidades de cada época. Logo, o surgimento de uma nova geração não
resultou na extinção da geração anterior, muitos doutrinadores empregam o termo
“dimensão” por não ter ocorrido uma sucessão desses direitos posto que todos eles
convivem numa mesma época.
SARLET24 apresenta uma defesa a respeito do termo dimensões, explicando
a causa de sua opção por tal termo:
22
CAVALCANTE FILHO, João Trindade. Teoria geral dos direitos fundamentais. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/repositorio/cms/portalTvJustica/portalTvJusticaNoticia/anexo/Joao_Trindadade_Teoria_Geral_dos_direitos_fundamentais.pdf>. Acesso em 12.11.2012. p. 12. 23
MENDES, COELHO e BRANCO, 2009. p. 268. 24
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 8. ed., Porto Alegre : Livraria do Advogado Ed., 2007. p. 55.
21
Em que pese o dissídio na esfera terminológica, verifica-se crescente
convergência de opiniões no que concerne à idéia que norteia a
concepção das três (ou quatro, se assim preferirmos) dimensões dos
direitos fundamentais, no sentido de que estes, tendo tido sua
trajetória existencial inaugurada com o reconhecimento formal nas
primeiras Constituições escritas dos clássicos direitos de matriz
liberal-burguesa, se encontram em constante processo de
transformação, culminando com a recepção, nos catálogos
constitucionais e na seara do Direito Internacional, de múltiplas e
diferenciadas posições jurídicas, cujo conteúdo é tão variável quanto
as transformações ocorridas na realidade social, política, cultural e
econômica ao longo dos tempos. Assim sendo, a teoria dimensional
dos direitos fundamentais não aponta, tão-somente, para o caráter
cumulativo do processo evolutivo e para a natureza complementar de
todos os direitos fundamentais, mas afirma, para além disso, sua
unidade e indivisibilidade no contexto do direito constitucional interno
e, de modo especial, na esfera do moderno ‘Direito Internacional dos
Direitos Humanos.
Em nossos estudos, não se faz relevante a distinção do termo, pois os
doutrinadores ora empregam gerações, ora dimensões. O que nos importa, nesse
momento, é demonstrar o continuado progresso dos direitos fundamentais, a sua
unidade e indivisibilidade no contexto do direito constitucional interno. Neste ponto,
SARLET25 argumenta que a teoria dimensional dos direitos fundamentais não
aponta, tão-somente, para o caráter cumulativo do processo evolutivo e para a
natureza complementar de todos os direitos fundamentais, mas afirma, para, além
disso, sua unidade e indivisibilidade no contexto do direito constitucional interno.
Paulo Bonavides26 assevera que:
“os direitos fundamentais passaram na ordem institucional a
manifestar-se em três gerações sucessivas, que traduzem sem
dúvida um processo cumulativo e qualitativo, o qual, segundo tudo
faz prever, tem por bússola uma nova universalidade: a
universalidade material e concreta, em substituição da universalidade
abstrata e, de certo modo, metafísica daqueles direitos, contida no
jusnaturalismo do século XVIII.”
Aqui vale citar a lição de Bobbio27 que ao abordar o tema entende que:
25
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 49-50. 26
BONAVIDES, 2004. p. 562. 27
BOBBIO, 2004. p. 96.
22
Os direitos da nova geração, como foram chamados, que vieram
depois daqueles em que se encontraram as três correntes de idéias
do nosso tempo, nascem todos dos perigos à vida, à liberdade e à
segurança, provenientes do aumento do progresso tecnológico.
Bastam estes três exemplos centrais do debate atual: o direito de
viver em um ambiente não poluído, do qual surgiram os movimentos
ecológicos que abalaram a vida política tanto dentro dos próprios
Estados quanto no sistema internacional; o direito à privacidade, que
é colocado em sério risco pela possibilidade que os poderes públicos
têm de memorizar todos os dados relativos à vida de uma pessoa e,
com isso, controlar os seus comportamentos sem que ela perceba; o
direito, o último da série, que está levantando debates nas
organizações internacionais, e a respeito do qual provavelmente
acontecerão os conflitos mais ferrenhos entre duas visões opostas
da natureza do homem: o direito à integridade do próprio patrimônio
genético, que vai bem mais além do que o direito à integridade física,
já afirmado nos artigos 2 e 3 da Convenção Européia dos Direitos do
Homem.
Para Bobbio28 as primeiras “dimensões”, “correspondem os direitos de
liberdade, ou um não-agir do Estado; aos segundos, os direitos sociais, ou uma ação
positiva do Estado. Embora as exigências de direitos possam estar dispostas
cronologicamente em diversas fases ou gerações, suas espécies são sempre —
com relação aos poderes constituídos, apenas duas: ou impedir os malefícios de tais
poderes ou obter seus benefícios. Nos direitos de terceira e de quarta gerações,
podem existir direitos tanto de uma quanto de outra espécie”.
Paulo Bonavides29 salienta que em rigor, o lema revolucionário do século
XVIII, esculpido pelo gênio político francês, exprimiu em três princípios cardeais todo
o conteúdo possível dos direitos fundamentais, profetizando até mesmo a sequencia
histórica de sua gradativa institucionalização: liberdade, igualdade e fraternidade.
Assim, passaremos agora a abordar de forma dividida as dimensões dos direitos
fundamentais.
1.1.1 Direito de Primeira Dimensão
28
BOBBIO, 2004. p. 9. 29
BONAVIDES, 2004. p. 562.
23
Segundo Canotillho30 a primeira função dos direitos fundamentais –
sobretudo dos direitos, liberdades e garantias – é a defesa da pessoa humana e da
sua dignidade perante os poderes do Estado (e de outros esquemas políticos
coactivos).
Toda a ‘primeira geração’ de direitos humanos, nos documentos normativos
produzidos pelos Estados Unidos recém-independentes, ou pela Revolução
Francesa, foi composta de direitos que protegiam as liberdades civis e políticas dos
cidadãos contra a prepotência dos órgãos estatais.31
Os direitos da primeira geração ou direitos da liberdade têm por titular o
indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da
pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são
direitos de resistência ou de oposição perante o Estado.32
A legitimação de direitos nas primeiras constituições escritas foi
consequência do ideal iluminista presente no pensamento liberal-burguês do século
XVIII. Segundo Sarlet33:
Os direitos fundamentais, ao menos no âmbito de seu
reconhecimento nas primeiras Constituições escritas, são o produto
peculiar, do pensamento liberal-burguês do século XVIII de marcado
cunho individualista, surgindo e afirmando-se como direitos do
indivíduo frente ao Estado, mais especificamente como direitos de
defesa, demarcando uma zona de não-intervenção do Estado e uma
esfera de autonomia individual em face de seu poder. São, por este
motivo, apresentados como direitos de cunho “negativo”, uma vez
que dirigidos a uma abstenção, e não a uma conduta positiva por
parte dos poderes públicos, sendo, neste sentido, direitos de
resistência ou de oposição perante o Estado.
Contudo, a autonomia privada como conhecida na contemporaneidade já
começou a ser desenvolvida desde o século XVI, conforme estudos de Emerson
Gabardo34:
A autonomia privada como conhecida na contemporaneidade
somente começa a se desenvolver no século XVI, quando surge na
30
CANOTILHO, 2011. p. 407. 31
COMPARATO, 2003. p. 58. 32
BONAVIDES, 2004. p. 563-564. 33
SARLET, 2007. p. 54. 34
GABARDO, Emerson. O jardim e a praça para além do bem e do mal – uma antítese ao critério de subsidiariedade como determinante dos fins do Estado Social. 365 f. Tese de Doutorado em Direito do Estado – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009. p. 48.
24
Europa o termo privat (alemão), private (inglês) e prive (francês),
emprestado do latim privatus e correspondente àquele que é
excluído do aparelho do Estado Absolutista (o que não possui uma
posição oficial de prestígio). É a burguesia quem irá preencher de
forma mais intensa este setor que cada vez mais se configura como
uma “sociedade civil” e que “há de se contrapor ao Estado como
genuíno setor da autonomia privada”. Oposição que culmina no
ideário liberal das revoluções gloriosas, americana e francesa, a
partir de uma consolidação da separação entre Estado e sociedade
civil (cuja noção já capitalista reconhece um sentido eminentemente
individualista ao termo) e da afirmação de direitos naturais e
subjetivos de contraposição à ordem política estabelecida.
Em linhas gerais, podemos citar como exemplos de Direitos Fundamentais
de primeira geração aqueles contidos no caput do artigo 5º. da Constituição de 1988,
quais sejam, os direitos à vida, à liberdade e à igualdade. Podemos ainda indicar o
direito à liberdade de manifestação (art. 5º., IV, CRFB/1988), de associação (art. 5º.,
XVII, CRFB/1988) e o direito de voto (art. 14, caput, CRFB/1988). Percebe-se que se
trata de direitos de liberdade, de cunho negativo (obrigação de não fazer), dirigidos à
não intervenção, à abstenção do Estado em relação a pessoa humana. Sarlet35
aponta outros exemplos de direito de primeira dimensão, vejamos:
São, posteriormente, complementados por um leque de liberdades,
incluindo as assim denominadas de expressão coletiva (liberdade de
expressão, imprensa, manifestação, reunião, associação, etc.) e
pelos direitos de participação política, tais como o direito de voto e a
capacidade eleitoral passiva, revelando, de tal sorte, a íntima
correlação entre os direitos fundamentais e a democracia. Também o
direito de igualdade, entendido como igualdade formal (perante a lei)
e algumas garantias processuais (devido processo legal, habeas
corpus, direito de petição) se enquadram nesta categoria.
Em virtude dessas considerações, entendemos que os direitos fundamentais
de primeira dimensão são aqueles que resultam numa obrigação negativa ao Estado
em relação à pessoa humana ao impor à aquele um limite, um impedimento, uma
proibição, um bloqueio ao seu poder, com o fim de obstaculizar os abusos, as
investidas, as ofensas que o Estado pode promover contra ser humano.
35
SARLET, 2007. p. 54.
25
1.1.2 Direito de Segunda Dimensão
A ideia de que o dinamismo da sociedade industrial acaba com suas
próprias fundações recorda a mensagem de Karl Marx de que o capitalismo é seu
próprio coveiro36. A Revolução Industrial, iniciada em meados do séc. XVII, produziu
enorme crescimento econômico mundial no decorrer do tempo. Durkheim acreditava
que a expansão ulterior do industrialismo estabelecia uma vida social harmoniosa e
gratificante, integrada através de uma combinação da divisão do trabalho e do
individualismo moral37.
Contudo, o desenvolvimento ocorreu por meio da exploração da classe
trabalhadora e segundo Paulo Bonavides sobreveio somente uma igualdade formal
na medida em que a classe trabalhadora só tinha a liberdade para morrer de fome:
como a igualdade a que se arrimam o liberalismo é apenas formal, e
encobre na realidade, sob seu manto de abstração, um mundo de
desigualdades de fato – econômicas, sociais, políticas e pessoais –
termina ‘a apregoada liberdade, como Bismark já o notara, numa real
liberdade de oprimir os fracos, restando a estes, afinal de contas, tão
somente a liberdade de morrer de fome’38
Com a Revolução Industrial inglesa, o trabalho humano acaba sendo
equiparado a uma mercadoria e passa a ser objeto de locação39 acarretando
mudanças no setor produtivo e dando origem à classe operária, transformando as
relações sociais40. Não se pode olvidar que foi na época da Revolução Industrial
(iniciada na Inglaterra, em meados do século XVIII) que o ideal de proteção social
ganhou força e reconhecimento pelo Estado, uma vez que os trabalhadores,
incluindo-se mulheres e até crianças de tenra idade, eram por demais dizimadas
pelos inúmeros acidentes de trabalho, gerando sequelas e até mortes que não eram
reparadas por nenhum seguro social naquela época. Registre-se, ainda, que a
36
MARX, Karl, apud BECK, Ulrich. Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. Ulrich Beck, Anthony Giddens, Scott Lash; tradução de Magda Lopes. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1997. p. 12-13. 37
GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade; tradução de Raul Fiker. – São Paulo: Editora UNESP, 1991. p. 11. 38
BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 61. 39
TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito previdenciário: regime geral de previdência social e regras
constitucionais dos regimes próprios de previdência social. 13. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Impetus, 2011. p. 51. 40
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 51.
26
situação foi agravada pelo fato de muitas pessoas da área rural se deslocaram para
as cidades, tornando a lei da oferta e da procura numa crueldade sem tamanho,
transformando a mão de obra muito barata e forçando o trabalhador a cumprir
jornadas de trabalho de mais de dezesseis horas, já que não havia outra alternativa.
LAVALLE e VILLATORE41 apontam que
A exploração do trabalho, notadamente de mulheres e crianças já a
partir dos cinco anos de idade, com jornadas diárias superiores a 16
horas, culminou numa situação geral de vida deplorável dos
trabalhadores e em inúmeros e alarmantes acidentes de trabalho.
A respeito das condições precárias em que viviam os trabalhadores
da época, acentua ROCHA: “o trabalho na indústria têxtil era
considerado algo somente um pouco melhor do que o trabalho
escravo, envolto em uma disciplina draconiana, inclusive com
emprego de crianças e mulheres”.
O descaso para com os problemas sociais, que veio a caracterizar o Êtat
Gendarme, associado às pressões decorrentes da industrialização em marcha, o
impacto do crescimento demográfico e o agravamento das disparidades no interior
da sociedade, tudo isso gerou novas reivindicações, impondo ao Estado um papel
ativo na realização da justiça social42. Analisando o tema, Gilmar Mendes43 leciona
que
O ideal absenteísta do Estado liberal não respondia,
satisfatoriamente, às exigências do momento. Uma nova
compreensão do relacionamento Estado/sociedade levou os Poderes
Públicos a assumir o dever de operar para que a sociedade lograsse
superar as suas angústias estruturais. Daí o progressivo
estabelecimento pelos Estados de seguros sociais variados,
importando intervenção intensa na vida econômica e a orientação
das ações estatais por objetivos de justiça social.
41
LAVALLE, Ana Cristina Ravaglio; VILLATORE, Marco Antônio César. Novas tendências da sociedade de risco globalizado e a responsabilidade civil do empregador. Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010. p. 6452. A citação utilizada de ROCHA, J.C. de S. Direito Ambiental do Trabalho. São Paulo: LTr, 2002. p. 141. LAVALLE, Ana Cristina Ravaglio; VILLATORE, Marco Antônio César Villatore. Novas tendências da sociedade de risco globalizado e a responsabilidade civil do empregador. 42
MENDES, COELHO e BRANCO, 2009. p. 267. 43
MENDES, COELHO e BRANCO, loc. cit.
27
O Estado se portava como simples observador dos acontecimentos e, por
isso, transformou-se em um instrumento de opressão contra os menos favorecidos,
colaborando para a dissociação entre capital e trabalho44. Diante das opressões
sofridas, bem como pela exploração da mão-de-obra dos trabalhadores, resultou no
surgimento das criticas ao Estado Liberal, surgindo assim, a necessidade de
proteção dos direitos sociais pelo Estado. GIDDENS aponta que “a posse de capital
está diretamente ligada ao fenômeno da “despossessão de propriedade” — a
transformação do trabalho assalariado em mercadoria — no sistema de classes45.
Diante desses fatos da época, aclamava-se uma atuação do Estado na busca pela
proteção dos direitos sociais, nasce assim o Estado do bem-estar. Sandoval Silva46
relata que ‘por consequência, temos o surgimento do welfare state, exige-se do
estado não só o dever de abstenção de intervenção na liberdade, ou seja, no status
positivis socialis. Daí a necessidade de proteção dos direitos sociais por meio das
prestações fornecidas pelo Estado – os chamados direitos fundamentais de segunda
dimensão’.
São os direitos de segunda geração, por meio dos quais se intenta
estabelecer uma liberdade real e igual para todos, mediante a ação corretiva dos
Poderes Públicos. Dizem respeito a assistência social, saúde, educação, trabalho,
lazer etc.47 Assim, tratam-se de direitos sociais, econômicos e culturais combinados
ao valor da igualdade.
O princípio da igualdade de fato ganha realce nessa segunda geração dos
direitos fundamentais, a ser atendido por direitos a prestação e pelo reconhecimento
de liberdades sociais — como a de sindicalização e o direito de greve. Os direitos de
segunda geração são chamados de direitos sociais, não porque sejam direitos de
coletividades, mas por se ligarem a reivindicações de justiça social — na maior parte
dos casos, esses direitos têm por titulares indivíduos singularizados.48
Para a garantia desses direitos torna-se necessária um comportamento ativo
por parte do Estado visando a busca da justiça social.
44
BARROS, 2011. p. 52. 45
GIDDENS, 1991. p. 54. 46
SILVA, Sandoval Alves da. Direitos sociais: leis orçamentárias como instrumento de implementação. Curitiba: Juruá, 2010. p. 23-24. 47
MENDES, COELHO e BRANCO, 2009. p. 267-268. 48
Ibid., p. 268.
28
Para que se realize esta condição é necessário que aos chamados a decidir
sejam garantidos os assim denominados direitos de liberdade, de opinião, de
expressão das próprias opiniões, de reunião, de associação, etc49.
Segundo MENDES50 ‘os direitos ditos sociais são concebidos como
instrumentos destinados à efetiva redução e/ou supressão de desigualdades,
segundo a regra de que se deve tratar igualmente os iguais e desigualmente os
desiguais, na medida da sua desigualdade’.
Na Constituição brasileira de 1988, os direitos de segunda dimensão estão
relacionados no capítulo denominado "dos diretos sociais", dentre os quais os direito
a educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança e previdência social (art. 6º,
caput).
1.1.3 Direito de Terceira Dimensão
Leciona CANOTILHO que a partir da década de 60, começou a se desenhar
uma nova categoria de direitos humanos vulgarmente chamados ‘direitos da terceira
geração’. Nesta perspectiva, os direitos do homem reconduzir-se-iam a três
categorias fundamentais: os direitos de liberdade, os direitos de prestação
(igualdade) e os direitos de solidariedade.51
Os direitos chamados de terceira geração se peculiarizam pela titularidade
difusa ou coletiva, uma vez que são concebidos para a proteção não do homem
isoladamente, mas de coletividades, de grupos. Tem-se, aqui, o direito à paz, ao
desenvolvimento, à qualidade do meio ambiente, à conservação do patrimônio
histórico e cultural.52 De uma visão individual, agora o homem passa a ser concebido
como integrado ao grupo.
49
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo; tradução de Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. p. 20. 50
MENDES, COELHO e BRANCO, 2009. p. 759. 51
CANOTILHO, 2011. p. 386. 52
Cf. Mendes, a denominação direitos de terceira geração já foi adotada no STF, assim se classificando o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. RE 134.297, Rel. Celso de Mello, DJ de 22-9-1995, e MS 22.164-0/SP, Rel. Celso de Mello, D] de 17-11-1995 (MENDES, COELHO e BRANCO, op. cit. p. 268).
29
Segundo SARLET53, os direitos fundamentais de terceira dimensão, também
denominados de direitos de fraternidade ou de solidariedade, trazem como nota
distintiva o fato de se desprenderem, em princípio, da figura do homem - individuo
como seu titular, destinando-se à proteção de grupos humanos (família, povo,
nação), e se caracterizando, consequentemente, como direitos de titularidade
coletiva ou difusa.
As áreas mais perceptíveis dos direitos de terceira dimensão estão
aproximadas ao Direito do Consumidor, ao Direto Ambiental, aos Direitos ou
interesses difusos e aos coletivos em sentido estrito.
A fraternidade e a solidariedade mútuas na espécie humana, particularmente
no período pós-Segunda Guerra Mundial, determinam a emersão dos direitos de
terceira geração, denominados por alguns autores direitos coletivos ou
metaindividuais54. Não se trata de direitos individuais ou de alguma categoria em
particular, pois são direitos de toda a sociedade. Esses direitos constituem uma
oposição natural à Segunda Guerra Mundial a fim de garantir a dignidade humana
por meio da efetivação dos direitos difusos de toda a humanidade.
Depreende-se que os direitos fundamentais de terceira geração estão
relacionados ao valor fraternidade, solidariedade, à paz, ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, à autodeterminação dos povos, bem como ao direito de
propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e ao direito de comunicação.
A “Declaração Universal dos Direitos do Homem”, proclamada pela
Assembléia Geral das Nações Unidas, estabeleceu em seu artigo primeiro que todos
os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos e que são dotados de
razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de
fraternidade. Os direitos de terceira geração estão albergados em vários tratados
internacionais, tais como Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966)55,
53
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 48. 54
RICCITELLI, Antonio. Direito constitucional: teoria do Estado e da Constituição. 4. ed. Barueri/SP: Manole, 2007. p. 110. 55
Disponível em <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/direitos. htm>. Acesso em 20.10.2013.
30
na Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos (1981)56, na Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (1969)57, entre outras.
Abordando o assunto, Sarlet ressalta que se cuida, na verdade, do resultado
de novas reivindicações fundamentais do ser humano, geradas, dentre outros
fatores, pelo impacto tecnológico, pelo estado crônico de beligerância, bem como
pelo processo de descolonização do segundo pós-guerra e suas contundentes
conseqüências, acarretando profundos reflexos na esfera dos direitos
fundamentais58.
A nota distintiva destes direitos da terceira dimensão reside basicamente na
sua titularidade coletiva, muitas vezes indefinida e indeterminável, o que se revela, a
título de exemplo, especialmente no direito ao meio ambiente e qualidade de vida, o
qual em que pese ficar preservada sua dimensão individual, reclama novas técnicas
de garantia e proteção59.
1.1.4 Direito de Quarta Dimensão
A maioria dos doutrinadores não reconhecem haver uma quarta dimensão
dos direitos fundamentais. Porém, outros a aceitam como assenta Paulo
Bonavides60. É o caso de BOBBIO61 ao afirmar que já se apresentam novas
exigências que só poderiam chamar-se de direitos de quarta geração, referentes aos
efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica, que permitirá
manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo. Mas para BONAVIDES62 os
direitos de quarta dimensão seriam mais amplos ao indicar que
É direito de quarta geração o direito à democracia, o direito à
informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização
56
Disponível em <http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhregionais/carta-africa.html>. Acesso em 20.10.2013. 57
Disponível em <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose. htm>. Acesso em 20.10.2013. 58
SARLET, 2007. p. 58. 59
SARLET, 2010. p. 48. 60
BONAVIDES, 2002. p. 524. 61
BOBBIO, 2004. p. 9. 62
BONAVIDES, 2006. p. 571.
31
da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima
universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de
todas as relações de convivência.
FIGUEIREDO63 também reconhece a existência da quarta geração e narra
ser os direitos de preservação do ser humano limitando a engenharia genética
(clonagem, sucessão de filhos gerados por inseminação artificial, etc.); proteção
contra a globalização desenfreada, direito à democracia, direito à eutanásia, à
biociência e à informática.
Constata-se que essa dimensão se atenta para os avanços no campo
científico e tecnológico. HERINGER e COITINHO64 abordando o tema ‘A liberdade
científica a partir das pesquisas com embriões humanos excedentes versus o
respeito à dignidade da pessoa humana’ narram que:
quando se analisa a questão da possibilidade de manipulação de
genes, observa-se que as vertentes criadas a partir de tal ato são
várias. Deve-se analisar de que forma o Direito protege a vida
humana no marco da evolução dos denominados direitos
fundamentais. Pois, a "quarta dimensão" dos direitos fundamentais
tem como núcleo os avanços da ciência genética, isto é, tratam das
questões ético-juridicas relativas ao início, o desenvolvimento, à
conservação e o fim da vida humana.
Finalizando esse item, vale a citação de MENDES65 ao concluir que a visão
dos direitos fundamentais em termos de gerações indica o caráter cumulativo da
evolução desses direitos no tempo. Não se deve deixar de situar todos os direitos
num contexto de unidade e indivisibilidade. Cada direito de cada geração interage
com os das outras e, nesse processo, dá-se à compreensão. Nesse mesmo sentido
BOBBIO66 conclui que:
O elenco dos direitos do homem se modificou, e continua a se
modificar, com a mudança das condições históricas, ou seja, dos
carecimentos e dos interesses, das classes no poder, dos meios
63
FIGUEIREDO, Simone Diogo Carvalho (coord.). Teoria Unificada – Direitos Humanos. Coleção OAB Nacional. 3. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. p. 609. 64
HERINGER, Astrid; COITINHO, Viviane Teixeira Dotto. A liberdade científica a partir das pesquisas com embriões humanos excedentes versus o respeito à dignidade da pessoa humana. Trabalho publicado nos Anais do XX Congresso Nacional do CONPEDI realizado em Vitória - ES nos dias 16, 17, 18 e 19 de Novembro de 2011. p. 471. 65
MENDES, COELHO e BRANCO, 2009. p. 268. 66
BOBBIO, 2004. p. 13.
32
disponíveis para a realização dos mesmos, das transformações
técnicas, etc. Direitos que foram declarados absolutos no final do
século XVIII, como a propriedade sacre et inviolable, foram
submetidos a radicais limitações nas declarações contemporâneas;
direitos que as declarações do século XVIII nem sequer
mencionavam, como os direitos sociais, são agora proclamados com
grande ostentação nas recentes declarações. Não é difícil prever
que, no futuro, poderão emergir novas pretensões que no momento
nem sequer podemos imaginar, como o direito a não portar armas
contra a própria vontade, ou o direito de respeitar a vida também dos
animais e não só dos homens. O que prova que não existem direitos
fundamentais por natureza. O que parece fundamental numa época
histórica e numa determinada civilização não é fundamental em
outras épocas e em outras culturas.
Assim, percebemos que em tempos vindouros surgirão novos direitos ainda
desconhecidos.
1.2 DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS NA CRFB/1988
Vimos acima, em apertada síntese, os direitos fundamentais foram evoluindo
com o decorrer do tempo e a primeira dimensão dos direitos fundamentais tratou dos
limites do poder do Estado, estabelecendo um dever de abstenção dos agentes do
Estado. Na segunda dimensão dos limites do poder do Estado, trata-se dos direitos
à assistência social, saúde, educação, trabalho, lazer, exigindo-se um
comportamento ativo por parte do Estado na busca da justiça social. Por sua vez, os
direitos de terceira dimensão estão relacionados aos denominados de direitos de
fraternidade ou de solidariedade. Com relação à quarta dimensão tem-se o direito à
democracia, o direito à informação, direito ao pluralismo, aos avanços da genética e
da informática.
Neste ponto apresentaremos os direitos fundamentais sociais contidos na
Constituição, bem como sua classificação para ao final desse capítulo
demonstrarmos que os benefícios previdenciários devem ser considerados como
direitos sociais, reconhecidos como direitos fundamentais na Constituição.
33
Inicialmente, temos que levar em conta a advertência realizada por
SALERT67
Embora aparentemente estejamos diante de uma obviedade, o fato
de existirem segmentos da doutrina, ainda que bem intencionados e
mesmo amparados em argumentos de relevo, que estejam negando
a condição de autênticos direitos fundamentais dos direitos sociais
(existe até quem negue a própria existência de direitos sociais68!)
A discussão em torno da questão da existência ou não de direitos
fundamentais geralmente esta vinculada a sua eficácia, principalmente para a
legalidade e legitimidade na implantação de políticas públicas. Em nossos estudos
partimos do ponto de vista clássico da evolução histórica até a positivação dos
direitos fundamentais em nossa atual Constituição. A sustentação da
fundamentalidade dos direitos contidos no texto constitucional (i.e., Título II e,
portanto, os direitos sociais do artigo 6° e os direitos dos trabalhadores), indica pelo
menos a presunção em favor da fundamentalidade material e formal desses direitos
e garantias fundamentais.
Tratando deste ponto, SARLET preleciona que uma primeira constatação
que se impõe e que resulta já de um superficial exame do texto constitucional, é a de
que o Constituinte acabou por reconhecer um conjunto heterogêneo e abrangente
de direitos (fundamentais) sociais, o que, sem que se deixe de admitir a existência
de diversos problemas ligados a uma precária técnica legislativa e sofrível
sistematização (que, de reto, não constituem uma particularidade do texto
67
SARLET, Ingo Wolfgang. Os Direitos Sociais como Direitos Fundamentais: contributo para um balanço aos vinte anos da Constituição Federal de 1988. Cf. o próprio Sarlet indica, trata-se de texto que constitui “versão revista, atualizada e parcialmente reformulada de trabalho redigido anteriormente sobre o tema, que, todavia, enfatizava, de um modo geral, o problema das resistências aos direitos sociais, e que, além de remetido para publicação em coletâneas (Editoras Forense e Saraiva) versando sobre os 20 anos da Constituição Federal de 1988, foi objeto de veiculação na Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica. 20 Anos de Constitucionalismo Democrático – E Agora? Porto Alegre-Belo Horizonte, 2008, p. 163-206.” Disponível em <http://www.stf.jus.br/ arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/artigo_Ingo_DF_sociais_PETROPOLIS_final_01_09_08.pdf>. Acesso em 16.11.2013. 68
Cf SARLET, ibid, - por exemplo, Fernando Atria, “Existem Direitos Sociais?” in: Cláudio Ari Mello (Coord.), Os Desafios dos Direitos Sociais, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 09-46, destacando-se que não temos como empreender aqui o debate com as teses esgrimidas pelo autor. Para uma crítica às objeções de Atria, v., especialmente, Carlos Bernal Pulido, “Fundamento, Conceito e Estrutura dos Direitos Sociais: uma crítica a “Existem direitos sociais?” de Fernando Atria”, in: Direitos Sociais, p. 137 e ss.
34
constitucional) acaba por gerar consequências relevantes para a compreensão do
que são, afinal de contas, os direitos sociais como direitos fundamentais.69
Não podemos deixar de lembrar que a Constituição de 1988 adotou os
direitos sociais como um dos pilares de sustentação do Estado Democrático de
Direito ao expressar em seu preâmbulo que:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional
Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-
estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de
uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na
harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a
solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus,
a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
(grifamos)
O constituinte entendeu que a existência do Estado Democrático de Direito
ocorreria por meio dos direitos fundamentais, tais como os direitos sociais e
individuais, a liberdade, a igualdade e a justiça.
José Afonso da Silva70 conceitua os direitos sociais como
[...] dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade.
Nesse mesmo sentido MENDES71 atesta que ‘os direitos ditos sociais são
concebidos como instrumentos destinados à efetiva redução e/ou supressão de
desigualdades, segundo a regra de que se deve tratar igualmente os iguais e
desigualmente os desiguais, na medida da sua desigualdade’.
A Constituição de 1988, por meio do seu art. 6o, contido no Capítulo II, do
Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais -, indica expressamente os direitos
sociais, quais sejam, a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o
69
SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais sociais, mínimo existencial e direito privado: breves notas sobre alguns aspectos da possível eficácia dos direitos sociais nas relações entre particulares. In: Direitos Fundamentais: Estudos em homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres. Daniel Sarmento, Flávio Galdino (orgs.). Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 555. 70
SILVA, 2007. p. 286. 71
MENDES, COELHO e BRANCO, 2009. p. 759.
35
lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados. Na parte final do citado artigo há a expressão “na
forma desta Constituição” e que segundo MENDES72 o que significa dizer em
conformidade com o disposto no Título VIII — Da Ordem Social, no qual esses
distintos direitos encontram seu desenvolvimento, os mecanismos de sua eficácia ou
de seu sentido teleológico e a previsão de ações afirmativas para a sua realização
prática, embora ainda longe de serem satisfatórias.
Constata-se que a Constituição inovou ao reunir em seu Título II os direitos
sociais tendo em vista que nas constituições anteriores os direitos estavam
espalhados pelo texto. O agrupamento dos direitos realizado no Título II demonstra
a preocupação do constituinte em evidenciar os direitos fundamentais do ser
humano. É certo que os direitos sociais não estão tão-somente ali contidos.
A esse respeito, José Afonso Silva73 apresenta, sem preocupação com uma
classificação rígida, e com base nos arts. 6º. a 11, chega a apresentar uma
classificação para os direitos sociais: (a) direitos sociais relativos ao trabalhador; (b)
direitos sociais relativos à seguridade – compreendendo os direitos à saúde, à
previdência e assistência social; (c) direitos sociais relativos à educação e à cultura;
(d) direitos sociais relativos à moradia; (e) direitos sociais relativos à família, criança,
adolescente e idoso; (f) direitos sociais relativos ao meio ambiente.
O próprio constituinte dispôs no § 2º. do art. 5º. que ‘direitos e garantias
expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos
princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte’. Isso vem a corroborar a possibilidade de outros
direitos e garantias fundamentais estarem dispostas noutras partes da Constituição,
bem como em textos diversos.
1.3 PREVIDÊNCIA SOCIAL COMO DIREITO FUNDAMENTAL
Como analisado anteriormente, os direitos fundamentais acham-se
historicamente incorporados ao patrimônio da humanidade e que os direitos
72
MENDES, COELHO e BRANCO, 2009. p. 762. 73
SILVA, 2007. p. 287.
36
fundamentais da segunda geração são os direitos sociais, econômicos e culturais
onde o objetivo é reduzir as desigualdades sociais na busca da proteção aos mais
fracos.
Ainda em momentos anteriores, abordamos os direitos fundamentais sociais
contidos na Constituição e demonstramos que os direitos fundamentais sociais
podem advir de outras fontes. Assim, agora podemos apontar outras fontes dos
direito fundamentais sociais, por exemplo o artigo XXV da Declaração Universal dos
Direitos do Homem,74 ao dispor que:
1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar
a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação,
vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais
indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego,
doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos
meios de subsistência fora de seu controle.
2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência
especiais. Todas as crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio,
gozarão da mesma proteção social75.
Outra fonte de direitos fundamentais sociais foram aclamadas na IX
Conferência Internacional Americana76 ao considerar que os povos americanos
dignificaram a pessoa humana e que suas Constituições nacionais reconhecem que
as instituições jurídicas e políticas, que regem a vida em sociedade, têm como
finalidade principal a proteção dos direitos essenciais do homem e a criação de
circunstâncias que lhe permitam progredir espiritual e materialmente e alcançar a
felicidade adotaram a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e no
art. XVI proclamaram que:
Toda pessoa tem direito à previdência social, de modo a ficar
protegida contra as conseqüências do desemprego, da velhice e da
incapacidade que, provenientes de qualquer causa alheia à sua
74
Disponível em < http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>. Acesso em 22.11.2013. 75
Cf. COMPARATO ‘a Declaração Universal dos Direitos Humanos, como se percebe da leitura de seu preâmbulo, foi redigida sob o impacto das atrocidades cometidas durante a 2ª. Guerra Mundial, e cuja revelação só começou a ser feita – e de forma muito parcial, ou seja, com omissão de tudo o que se referia à União Soviética e de vários abusos cometidos pelas potências ocidentais – após o encerramento das hostilidades (COMPARATO, 2003. p. 223). 76
Disponível em <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/ americana.htm>. Acesso em 22.11.2013.
37
vontade, a impossibilitem física ou mentalmente de obter meios de
subsistência.
A nível nacional, o Poder Constituinte de 1988 houve por bem em dispor no
art. 194 da nossa Carta Magna que ‘a seguridade social compreende um conjunto
integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a
assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social’. Assim,
por disposição constitucional, a Seguridade Social é dividida em previdência social,
assistência social e saúde.
A seguridade social, no conceito de MARTINS77, é um conjunto de
princípios, de regras e de instituições destinado a estabelecer um sistema de
proteção social aos indivíduos contra contingências que os impeçam de prover as
suas necessidades pessoais básica e de suas famílias, visando assegurar os
direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
A seguridade social constituiu instrumento mais eficiente da liberação das
necessidades sociais, para garantir o bem-estar material, moral e espiritual de todos
os indivíduos da população78, tanto que em seu art. 201 da Constituição de 1988
dispõe que a previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de
caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados os critérios que preservem o
equilíbrio financeiro e atuarial, nos termos da lei, e atenderá a: I - cobertura de
eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; II - proteção à maternidade,
especialmente à gestante; III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego
involuntário; IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos
segurados de baixa renda; V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao
cônjuge ou companheiros e dependentes.
Pelos dispositivos constitucionais verificamos que a seguridade social
consiste numa obrigação positiva para o Estado na proteção e promoção de direitos
sociais. Nesse sentido MARTINS-COSTA79 observa que
[...] é que, conquanto a maior parte dos direitos fundamentais
apareça, numa primeira leitura, como direitos defensivos, protegendo
77
MARTINS, Sergio Pinto. Direito da Seguridade Social. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 44. 78
SILVA, 2007. p. 308. 79
MARTINS-COSTA, Judith. Os direitos fundamentais e a opção culturalista do novo Código Civil. In Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Org. Ingo Wolfgang Sarlet. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 84.
38
os indivíduos contra a ação do Poder Público e impondo, a esse,
deveres de abstenção, isto é, interditos ao exercício das liberdades
públicas, percebe-se que, ao lado dessas garantias, surgem outros
direitos, com outros efeitos – efeitos positivos – impondo ao Poder
Público não só deveres de abstenção, mas também deveres de
proteção, consistentes numa obrigação positiva para o Estado de
adotar medida hábeis a assegurar a proteção ou a promoção do
exercício das liberdades civis e dos demais Direitos Fundamentais.
Desta feita, verificamos que os direitos fundamentais são classificados pela
doutrina em ‘dimensões’. A Previdência Social é usualmente fixada como um direito
humano de 2ª geração80, em razão do amparo assegurado aos beneficiários.
80
IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. 15. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010. p. 83.
39
2 IMPORTÂNCIA DAS INFORMAÇÕES CADASTRAL E FINANCEIRA NA PRESTAÇÃO DOS DIREITOS PREVIDENCIÁRIOS
A Seguridade Social é financiada por toda sociedade, de forma direta e
indireta, nos termos do art. 195 da Constituição de 1988 e da Lei no 8.212, de 24 de
junho de 1991, mediante recursos provenientes da União, dos Estados, do Distrito
Federal, dos Municípios e de contribuições sociais.81
Há a necessidade de um cadastro de segurados que contenha as
informações sobre a vida laboral, sobre os diversos vínculos empregatícios, sobre as
respectivas remunerações, tanto para a concessão do benefício previdenciário com
base nas informações disponíveis, quanto para que se possa eximi-los do ônus da
prova, e, ainda, reforça desse modo o caráter contributivo da Previdência, na medida
em que somente terá direito ao gozo do benefício previdenciário aquele que
participou no custeio do sistema e que esteja devidamente cadastrado.
Por disposição legal82 o empregado é segurado obrigatório da Previdência
Social e a empresa empregadora esta obrigada a arrecadar as contribuições por
meio de desconto na remuneração do empregado, nos termos do art. 30, inciso I, da
Lei no 8.212/1991 e, com o advento da Lei nº 11.941, de 27 de maio de 2009, a
empresa ainda esta obrigada a prestar à Secretaria da Receita Federal do Brasil
todas as informações cadastrais, financeiras e contábeis, bem como os
esclarecimentos necessários à fiscalização.
O Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) utiliza as informações constante
no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) sobre os vínculos e as
remunerações dos segurados (salários de contribuição), para fins de cálculo do
81
Cf. Fábio Zambite IBRAHIM, a previdência social é técnica protetiva mais evoluída que os antigos seguros sociais, devido à maior abrangência de proteção e à flexibilização da correspectividade individual entre contribuição e benéfico. A solidariedade é mais forte nos sistemas atuais. A seguridade social, como última etapa ainda a ser plenamente alcançada, abrangendo a previdência social, busca a proteção máxima, a ser implementada de acordo com as possibilidades orçamentária. (IBRAHIM, Fábio Zambite. Resumo de direito previdenciário. 12. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012. p. 11.) 82
Art. 12, inciso I, da Lei no 8.212, de 24 de junho de 1991.
40
salário de benefício (bem como para comprovação de filiação ao Regime Geral de
Previdência Social, tempo de contribuição e relação de emprego).83
O CNIS é uma base de dados administrativa do governo federal que tem o
objetivo de centralizar as informações referentes aos direitos trabalhistas e
previdenciários dos trabalhadores, facilitando a concessão de benefícios e
aumentando a eficiência da administração pública. Desde 1999, o CNIS é
fundamentalmente abastecido com os dados da Guia de Recolhimento do Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço e Informações à Previdência Social (GFIP) 84 e, com
o Decreto no 6.722, de 30 de dezembro de 2008, os dados constantes no CNIS
valem como prova de filiação à Previdência Social.
Desta feita, para constatar a importância das informações na prestação dos
direitos previdenciários, é necessário ter a exata ciência da forma pela qual as
informações cadastral e financeira são elaboradas e repassadas à Previdência
Social. Para tanto, devemos verificar o modo de inclusão e correção da informação
tendo em vista que, além de ser um dos instrumentos utilizados para o fornecimento
de dados acerca do financiamento da Previdência Social, compõe os bancos de
dados para a concessão dos benefícios previdenciários e, principalmente, são
objetos de análise para a eventual caracterização da infração administrativa (com
aplicação de multas e restrições), penal (tipificação da conduta criminosa) e de
responsabilidade civil (por eventuais danos causados ao empregado).
2.1 GUIA DE INFORMAÇÕES À PREVIDÊNCIA SOCIAL (GFIP)
Desde a Lei nº 9.528, de 10 de dezembro de 1997 e por força do disposto nas
Leis nº 8.212/1991 e 8.213/1991, e legislação posterior, há a obrigatoriedade de
prestar informações relacionadas aos fatos geradores de contribuição previdenciária
83
ALENCAR, Hermes Arrais. Cálculo de benefícios previdenciários: regime geral de previdência social: teses revisionais: da teoria à prática. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 87. 84
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA. Políticas sociais: acompanhamento e análise.
v. 1. Brasília: Ipea, 2011. p. 16.
41
e outros dados de interesse do INSS, por todas as pessoas físicas ou jurídicas que
estão sujeitas ao recolhimento das contribuições e das informações à Previdência
Social. O conjunto de informações são prestados por meio da Guia de Recolhimento
do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e Informações à Previdência Social
(GFIP) 85.
Atualmente, as informações à Previdência devem ser geradas por intermédio
do Sistema Empresa de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social
(SEFIP), disponível nos sites da Caixa Econômica Federal, da Receita Federal do
Brasil, da Previdência Social, e do Ministério do Trabalho e Emprego86.
O SEFIP gera um arquivo eletrônico que contém as informações destinadas
ao FGTS e à Previdência Social. Este arquivo deve ser transmitido pela Internet, via
Conectividade Social, que é um aplicativo também disponível no site da Caixa
Econômica Federal87.
No arquivo eletrônico transmitido para a Previdência Social, a GFIP apresenta
o conjunto de informações cadastrais de fatos geradores e outros dados de
85
A Lei nº 9.528/1997 instituiu a GFIP ao alterar o art. 32, inciso IV, da Lei no 8.212/1991 incluindo a
seguinte redação: “informar mensalmente ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, por intermédio de documento a ser definido em regulamento, dados relacionados aos fatos geradores de contribuição previdenciária e outras informações de interesse do INSS”. A redação atual do citado inciso, dado pela Lei n
o 11.941, de 27 de maio de 2009, determina que seja declarado à Secretaria da
Receita Federal do Brasil e ao Conselho Curador do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, na forma, prazo e condições estabelecidos por esses órgãos, dados relacionados a fatos geradores, base de cálculo e valores devidos da contribuição previdenciária e outras informações de interesse do INSS ou do Conselho Curador do FGTS. A GFIP foi definida pelo Decreto nº 2.803, de 20 de outubro de 1998 e, atualmente, é regulamentada pelo Decreto n
o 3.048, de 06 de maio de 1999
e alterações posteriores. 86
Caixa Econômica Federal – site: <www.caixa.gov.br>; Receita Federal do Brasil - site: <www.receita.fazenda.gov.br>; Previdência Social - site: <www.previdencia.gov.br>; e Ministério do Trabalho e Emprego - site: <http://portal.mte.gov.br>. 87
A Caixa Econômica Federal possui qualidade de Agente Operador do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, nos termos da Lei nº 8.036/1990, de 11.05.1990, e de acordo com o Regulamento Consolidado do FGTS, aprovado pelo Decreto nº 99.684/1990, de 08.11.1990, alterado pelo Decreto nº 1.522/1995, de 13/06/1995, em consonância com a Lei nº 9.012/1995, de 11.03.1995, com o § 7º do art. 26 da Lei Complementar nº 123, de 14.12.2006, na redação dada pela Lei Complementar nº 139, de 10.11.2011, bem como nos arts. 72 e 102 da Resolução do Comitê Gestor do Simples Nacional - CGSN nº 94, de 29.11.2011, baixou a Circular n
o 321, de 25 de maio de 2004, que
estabeleceu a certificação digital emitida no modelo ICP-Brasil como forma exclusiva de acesso ao canal eletrônico de relacionamento Conectividade Social e que atualmente é regulado pela Circular CEF n
o 626/2013.
42
interesse da Previdência,88 e de outros documentos que devem ser impressos pela
empresa após o fechamento do movimento no sistema SEFIP89.
Segundo a Lei nº 8.212, de 24 de julho de 199190, a empresa, na qualidade
de empregadora, deve prestar à Secretaria da Receita Federal do Brasil todas as
informações cadastrais, financeiras e contábeis de interesse da Previdência Social e
da própria Receita Federal, bem como os esclarecimentos necessários à
fiscalização. Assim, a prestação das informações é de inteira responsabilidade do
empregador.
Segundo o Manual da GFIP/SEFIP deverá ser informado pelo empregador (a)
os seus dados cadastrais de empregador/contribuinte e dos trabalhadores; (b) as
bases de incidência das contribuições previdenciárias, compreendendo:
remunerações dos trabalhadores; (c) e outras informações como a movimentação de
trabalhador como: afastamentos e retornos; salário-família; salário-maternidade;
88
As empresas que possuem o certificado eletrônico em disquete expedidos pela CAIXA anteriormente à obrigatoriedade da utilização da certificação digital emitida no modelo ICP-Brasil, independentemente do número de empregados, podem utilizar o ambiente "Conexão Segura". Para as novas empresas, exceto as situações previstas no item 2 da Circular CEF n. 626, 26.06.2013, constituídas após a obrigatoriedade da certificação digital emitida no modelo ICP-Brasil, o canal eletrônico de relacionamento Conectividade Social é por acesso exclusivo por meio da certificação digital no padrão ICP. O portal do Conectividade Social que utiliza os certificados digitais em padrão ICP-Brasil é acessível por meio do endereço eletrônico <https://conectividade.caixa.gov.br> ou do sítio da CAIXA, <www.caixa.gov.br>, inclusive para o envio de arquivos SEFIP, rescisórios, de geração de guias para recolhimento, de solicitação de uso do FGTS em moradia própria, bem como informação de afastamento, consulta de dados, manutenção cadastral, dentre outros serviços. Este portal é desenvolvido em plataforma web única e não requer instalação ou atualização de versões, além de apresentar, em melhor grau, garantia de não-repúdio, integridade, autenticidade, validade jurídica e comodidade, além da interoperabilidade dos certificados digitais. A certificação digital no padrão ICP-Brasil, caso o usuário do canal não detenha, é obtida, em qualquer Autoridade Certificadora e suas respectivas Autoridades de Registro, regularmente credenciadas pelo Instituto Nacional de Tecnologia da Informação - ITI. Compete às Autoridades Certificadoras, no âmbito de suas atuações, adotarem providências no sentido de garantir a inclusão do número do NIS (PIS/PASEP/NIT) do titular em todos os Certificados Pessoa Física doravante emitidos, à exceção do usuário Magistrado. O empregador que não está obrigado a se identificar pelo CNPJ utiliza-se de Certificado Digital de Pessoa Física para acesso ao Conectividade Social com os certificados digitais em padrão ICPBrasil, desde que conste necessariamente o seu número de identificação junto ao Cadastro Específico do INSS (CEI). Informações operacionais e complementares, material de apoio para solução de dúvidas e canais de suporte estão disponíveis no sítio da CAIXA na Internet, www.caixa.gov.br, opção "FGTS". (Circular CEF n
o 626, 26.06.2013).
89 Segundo a Instrução Normativa MPS/SRP n
o 19, 26 de dezembro de 2006, revogada pela IN RFB
no 880, de 16 de outubro de 2008, para a Previdência, são documentos que compõem a GFIP/SEFIP:
Protocolo de Envio de Arquivos, emitido pelo Conectividade Social; Comprovante de Declaração à Previdência; Relação dos Trabalhadores Constantes do Arquivo SEFIP – RE; Relação de Estabelecimentos Centralizados – REC; Relação de Tomadores/Obras – RET; Comprovante/Protocolo de Solicitação de Exclusão. 90
Art. 32, incs. III e IV, com redação dada pela Lei no 11.941, de 27 de maio de 2009.
43
compensação; retenção sobre nota fiscal/fatura; exposição a agentes
nocivos/múltiplos vínculos; e, valor da contribuição do segurado91.
Ainda que não haja recolhimento para o FGTS, é necessária a informação de
todos os dados cadastrais e financeiros para a Previdência Social, nos termos do §
9º, do art. 32, da Lei no 8.212/1991. A GFIP/SEFIP deve ser apresentada
mensalmente92, independentemente do efetivo recolhimento das contribuições
previdenciárias, até o dia sete do mês seguinte àquele em que a remuneração foi
paga, creditada ou se tornou devida ao trabalhador e/ou tenha ocorrido outro fato
gerador de contribuição ou informação à Previdência Social93.
As informações prestadas na GFIP, principalmente o valor do salário-de-
benefício, é de suma importância na medida em que o valor do benefício de
prestação continuada, inclusive o regido por norma especial e o decorrente de
acidente do trabalho, exceto o salário-família e o salário-maternidade, será calculado
com base no salário-de-benefício, nos termos do art. 28 da Lei no 8.213/1991, ou
seja, as informações prestadas servirão como base de cálculo na composição da
base de dados para fins da concessão dos benefícios previdenciários, bem como
constituir-se-ão em termo de confissão de dívida, na hipótese do não-recolhimento.
Assim, em decorrência da sua importância, passaremos agora a detalhar os modos
para prestar e retificar as informações.
2.1.1 Informações Cadastrais
A GPFIP deverá conter informações cadastrais do responsável pela
informação, do empregador (empresário) e dos empregados. As informações podem
91
Orientação para prestação das informações contidas no Manual da GFIP/SEFIP para usuários do SEFIP 8.4, disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/previdencia/gfip/gfip3manform.htm>. Acesso em: 01.05.2014. 92
A entrega da Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e Informações à
Previdência Social deverá ser efetuada na rede bancária, conforme estabelecido pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, até o dia sete do mês seguinte àquele a que se referirem as informações (cf. § 2
o, do art. 225, do Decreto n
o 3.048/1999).
93 GFIP e SEFIP - Orientações gerais da Receita Federal do Brasil. Disponível em:
<http://www.receita.fazenda.gov.br/previdencia/gfip/orientacoes.htm>. Acesso em: 01.05.2014.
44
se dar pela importação de dados do arquivo de folha de pagamento ou serem
inseridos por meio de digitação no próprio Sistema Empresa de Recolhimento do
FGTS e Informações à Previdência Social (SEFIP). O responsável pela prestação
das informações pode ser um contador, uma empresa de contabilidade, ou o próprio
empregador/contribuinte.
Conforme o Manual da GFIP, o responsável deverá informar a inscrição
(CNPJ ou CEI), a razão/denominação social ou nome, telefone, e-mail, o logradouro
completo do detentor do certificado, responsável pela transmissão da GFIP/SEFIP
pela Conectividade Social, bem como o nome da pessoa para contato.
Com relação à empresa deverá haver a informação acerca da inscrição
(CNPJ ou CEI), a razão/denominação social ou nome, telefone e o logradouro
completo do empregador/contribuinte. Deve também ser indicado o código de
Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), instituído pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) por meio da Resolução CONCLA no 01,
de 04/09/200694, que correspondente à atividade econômica de cada
estabelecimento da empresa.
O CNAE que se deve informar é o código referente à atividade econômica
preponderante da empresa, estabelecida conforme Instrução Normativa95 que
dispõe sobre normas gerais de tributação previdenciária e de arrecadação das
contribuições sociais administradas pela Secretaria da Receita Federal do Brasil
(RFB).
O código CNAE Preponderante é o que determina o enquadramento no grau
de risco da empresa, previsto no Anexo V do Regulamento da Previdência Social –
94
CONCLA - Classificação Nacional de Classificação - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. IBGE – Rio de Janeiro, 2007, disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/ economia/classificacoes/cnae2.0_subclasses/cnae2.0_subclasses.pdf>. Acesso em: 06.02.2014. A tabela para pesquisa por códigos ou atividades econômicas pode ser acessada em <www.cnae.ibge.gov.br>, onde o usuário pode encontrar, a partir da digitação da descrição de uma dada atividade ou de uma palavra-chave, os códigos das classes CNAE ou subclasses CNAE, que contêm as palavras digitadas, ou a partir da especificação de um código, o conjunto de atividades a ele associadas. 95
Instrução Normativa RFB no
971, de 13 de novembro de 2009, dispõe sobre normas gerais de tributação previdenciária e de arrecadação das contribuições sociais destinadas à Previdência Social e as destinadas a outras entidades ou fundos, administradas pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB).
45
RPS (Decreto no 3.048/1999), dando origem à alíquota Risco Acidente do Trabalho
(RAT)96, que deverá ser utilizada em todos os estabelecimentos.
Cabe, ainda, a empresa a responsabilidade por informar o código referente à
atividade econômica principal que identificará as contribuições ao Fundo de
Previdência e Assistência Social (FPAS), de acordo com as tabelas constantes dos
anexos da Instrução Normativa97 que dispõe sobre normas gerais de tributação
previdenciária e de arrecadação das contribuições sociais administradas pela
Secretaria da Receita Federal do Brasil – RFB.
Com relação aos dados cadastrais do empregado, deve ser informado o
número do Programa de Integração Social (PIS)98, o nome completo do trabalhador,
bem como o seu endereço (logradouro, bairro/distrito, CEP, Município e UF) para
recebimento de correspondências da Previdência Social e da CAIXA. Também deve
ser informado o código de Classificação Brasileira de Ocupação (CBO)99, o número
e a série da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS). Se o trabalhador
possuir o número de matrícula na empresa, este também deve ser informado, bem
como se houver a exposição ou não do trabalhador, de modo permanente, a
agentes nocivos prejudiciais à sua saúde ou à sua integridade física, e que enseje a
concessão de aposentadoria especial. Também deve ser informada a data de
nascimento do trabalhador, a data de admissão.
96
RAT- Representa a contribuição da empresa, prevista no inciso II, do artigo 22, da Lei no
8.212/1991, e consiste em percentual que mede o risco da atividade econômica, com base no qual é cobrada a contribuição para financiar os benefícios previdenciários decorrentes do grau de incidência de incapacidade laborativa. A alíquota de contribuição para o RAT será de 1% se a atividade é de risco mínimo; 2% se de risco médio e de 3% se de risco grave, incidentes sobre o total da remuneração paga, devida ou creditada a qualquer título, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos. Havendo exposição do trabalhador a agentes nocivos que permitam a concessão de aposentadoria especial, há acréscimo das alíquotas na forma da legislação em vigor (IN-RFB 971/2009). 97
Instrução Normativa RFB no 971, de 13 de novembro de 2009.
98 A Lei Complementar n° 07, de 7 de setembro de 1970, instituiu o Programa de Integração Social –
PIS. Tal programa objetivava a integração do empregado do setor privado com o desenvolvimento das empresas (art. 1
o). As contribuições eram recebidas pelo Fundo de Participação PIS/PASEP, que
as distribuía anualmente entre empregados sob a forma de quotas, proporcionais ao salário e ao tempo de serviço. Com a promulgação da Constituição de 1988, foi criado o Abono Salarial nos moldes atuais e o saldo de quotas dos patrimônios do programa PIS. O Abono Salarial é gerido pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e o PIS é de gestão do Ministério da Fazenda, sendo que o pagamento é realizado pela CAIXA, nos termos da Lei Complementar n
o 7/70.
99 O CBO é estabelecido pela Portaria nº 397, de 09/10/2002, do Ministério do Trabalho e Emprego),
que está disponível na Internet no site <www.mtecbo.gov.br>.
46
2.1.2 Informações Financeiras
Com relação aos dados a serem utilizados pela Previdência Social, a
empresa esta obrigada a informar na GFIP os dados relativos ao movimento
financeiro. Mesmo que o empresário empregador opte pela importação de dados do
arquivo de folha de pagamento, e não apenas quando os dados forem inseridos por
meio de digitação no próprio SEFIP, deve ser indicado a remuneração dos
trabalhadores, inclusive as remunerações decorrentes de acordo coletivo,
convenção coletiva, dissídio coletivo, reclamatória trabalhista e Comissões de
Conciliação Prévia, comercialização da produção, receita de eventos
desportivos/patrocínio, compensação, retenção sobre nota fiscal/fatura100,
recolhimento de competências anteriores, deduções, pagamento a cooperativas de
trabalho, etc.
Também deve ser informado o mês e ano a que se referem as informações à
Previdência Social, o código de recolhimento, bem como informar se o recolhimento
à Previdência Social esta no prazo ou em atraso. A alíquota (1,0%, 2,0% ou 3,0%)
para o cálculo da contribuição destinada ao financiamento dos benefícios
concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente
dos riscos ambientais do trabalho (RAT) e o indicador do Fator Acidentário de
Prevenção (FAP)101, conforme desempenho da empresa, dentro da respectiva
atividade também deve ser informado.
100
Ver a Lei no 9.711, de 20 de novembro de 1998, que dispõe sobre a recuperação de haveres do
Tesouro Nacional e do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, a utilização de Títulos da Dívida Pública, de responsabilidade do Tesouro Nacional, na quitação de débitos com o INSS, altera dispositivos das Leis n
os 7.986, de 28 de dezembro de 1989, 8.036, de 11 de maio de 1990, 8.212, de
24 de julho de 1991, 8.213, de 24 de julho de 1991, 8.742, de 7 de dezembro de 1993, e 9.639, de 25 de maio de 1998, e dá outras providências. 101
Regulamentado pelo Decreto no 6.042, de 12 de fevereiro de 2007, que alterou o Regulamento da
Previdência Social, aprovado pelo Decreto no 3.048, de 6 de maio de 1999, disciplina a aplicação,
acompanhamento e avaliação do Fator Acidentário de Prevenção - FAP e do Nexo Técnico Epidemiológico, e dá outras providências. Nos termos do § 1º , do art. 202-A do Decreto n
o 3.048/1999, o FAP é um multiplicador variável num intervalo de 0,50 a 2,00, a ser aplicado sobre a
alíquota RAT, com a finalidade de reduzi-la em até 50% ou aumentá-la em até 100%. O FAP por empresa é disponibilizado pelo Ministério da Previdência Social com as informações que possibilitem a empresa verificar a correção dos dados utilizados na apuração do seu desempenho, para maiores informações consultar o site da Previdência Social disponível em: <https://www2.dataprev.gov.br/FapWeb/ faces/pages/principal.xhtml>. Acesso em 01.10.2013.
47
Informar o valor integral da remuneração paga, devida ou creditada a cada
trabalhador, excluindo a parcela do 13º salário, de acordo com as categorias, bem
como informar o valor correspondente a cada parcela do 13º salário pago, devido ou
creditado aos trabalhadores no mês de competência.
Após a inclusão dos dados financeiros o próprio sistema SEFIP efetua o
cálculo da contribuição devida à Previdência Social de cada segurado102, bem como
o valor da contribuição da empresa, e das destinadas a outras entidades (SESI,
SENAI, SESC, SENAC, SEST, SENAR, INCRA, SEBRAE, etc.)103, e eventuais
compensações e, ainda, calcula as contribuição destinada ao financiamento da
aposentadoria especial e dos benefícios concedidos em razão do grau de incidência
de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho (RAT)104.
2.1.3 Retificação de Informações
Após a entrega da GFIP pode ser que ocorra a necessidade por parte da
empresa em retificar alguma informação prestada à Previdência Social. As
informações prestadas incorretamente ou indevidamente à Secretaria da Receita
Federal do Brasil devem ser corrigidas por meio de nova GFIP/SEFIP, para melhor
compreensão, basta pensarmos nas seguintes situações onde será necessária a
102
Segundo o Manual da GFIP o sistema efetua corretamente o cálculo da contribuição dos segurados, desde que as informações tenham sido preenchidas apropriadamente e desde que esteja sendo utilizada a tabela atualizada do INSS. Portanto, quando o valor calculado pelo SEFIP não estiver correto para o empregador/contribuinte, é necessário verificar possíveis erros de preenchimento, além de confirmar se o SEFIP contém a tabela do INSS atualizada. A versão de tabelas em uso pode ser verificada no menu “Ajuda” (“?”), opção “Sobre o SEFIP” da tela inicial do sistema, ou na Relação dos Trabalhadores Constantes do Arquivo SEFIP (RE). (p. 102). 103
SESI - Serviço Social da Indústria; SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial; SESC – Serviço Social do Comércio; SENAC - Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial; SEST - Serviço Social do Transporte; SENAR - Serviço Nacional de Aprendizagem Rural; INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária; SEBRAE - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas. 104
Lei no 8.212/1991 - art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social,
além do disposto no art. 23, é de: [...] II - para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos: a) 1% (um por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do trabalho seja considerado leve; b) 2% (dois por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado médio; c) 3% (três por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave.
48
retificação: (a) retificação de código de recolhimento; (b) retificação de valores; (c)
retificação de número de processo, vara ou período; (d) retificação de competência,
sendo a incorreta anterior à correta, ou sendo a incorreta posterior à correta; (e)
omissão de trabalhadores, etc...
O procedimento para retificar as informações prestadas é efetuado por meio
da GFIP/SEFIP retificadora, diretamente no próprio sistema eletrônico. Cada nova
GFIP/SEFIP que possua uma mesma chave105 substitui a anterior para efeitos de
informação à Previdência Social. Mas, em caso de mais de uma GFIP/SEFIP ser
entregue com chaves distintas, todas as GFIP/SEFIP são consideradas válidas, não
havendo substituição das informações fornecidas.
Assim, percebe-se que para a Previdência Social temos dois tipos de GFIP,
uma inicial e outra retificadora. Aquela é a primeira GFIP/SEFIP com valores
entregue para determinada chave. Ao passo que esta (retificadora) é a entrega de
outra GFIP/SEFIP, nominada de “GFIP/SEFIP retificadora”. Para melhor
compreensão, vejamos a seguinte situação: o empregador/contribuinte informou a
GFIP/SEFIP com omissão de alguns trabalhadores, considerando uma mesma
chave, na GFIP/SEFIP retificadora devem ser informados todos os trabalhadores,
inclusive aqueles que já foram informados na GFIP/SEFIP anterior.
A chave eletrônica de uma GFIP/SEFIP é necessária para o processo de
retificação na Previdência, pois ela identificará se é uma retificação ou não. Por
exemplo, imaginemos a hipótese da transmissão de GFIP/SEFIP que contenha
exclusivamente registro de alteração cadastral e dependendo da chave utilizada
para esta GFIP/SEFIP ela será tratada como retificadora ou não para Previdência
Social, substituindo ou não a GFIP/SEFIP transmitida anteriormente, ou até mesmo
poderá ser considerada uma duplicidade, dependendo do número de controle.
105
Segundo subitem no 7.2 do Manual da GFIP/SEFIP, o conceito de chave de uma GFIP/SEFIP tem
utilização fundamental para a Previdência Social na medida em que uma chave contém os dados básicos que a GFIP. Para a Previdência, deve haver apenas uma GFIP/SEFIP para cada chave. A chave é composta, em regra, pelos seguintes dados: CNPJ/CEI do empregador/contribuinte – competência – código de recolhimento – FPAS.
49
Neste último caso, poderíamos estar diante da necessidade de excluir a
GFIP/SEFIP informada indevidamente106.
Após a retificação realizada no sistema SEFIP há a emissão do Comprovante
de Declaração à Previdência. O comprovante emitido pelo SEFIP deve ser
arquivado juntamente com o Protocolo de Envio de Arquivos, emitido pelo
Conectividade Social, para comprovação da transmissão da GFIP/SEFIP, e deve ser
mantido pelo prazo legalmente estabelecido para a prescrição relativa aos créditos
decorrentes das operações a que se refiram.
Assim, para a Previdência Social considera-se retificadora toda nova
GFIP/SEFIP que contenha a mesma “chave” de uma GFIP/SEFIP apresentada e
com número de controle diferente.
Não constando do CNIS informações sobre contribuições ou remunerações,
ou havendo dúvida sobre a regularidade do vínculo, motivada por divergências ou
insuficiências de dados relativos ao empregador, ao segurado, à natureza do
vínculo, ou a procedência da informação, esse período respectivo somente será
confirmado mediante a apresentação pelo segurado da documentação
comprobatória solicitada pelo INSS.
2.2 BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS
2.2.1 Financiamento da Previdência Social
106
Alguns exemplos da necessidade de exclusão de uma GFIP/SEFIP: (a) caso o empregador/contribuinte entregue uma GFIP/SEFIP quando na verdade não houve fatos geradores nem outros dados a informar. É necessário fazer um pedido de exclusão, além de entregar a GFIP/SEFIP com ausência de fato gerador (sem movimento); (b) a GFIP/SEFIP foi apresentada com informação errada num dos campos da chave. É necessário fazer um pedido de exclusão, além de transmitir nova GFIP/SEFIP.
50
A Constituição de 1988 determina no art. 195 que a seguridade social será
financiada107 por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei,
mediante recursos provenientes dos orçamentos da União108, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, e por contribuições sociais109.
Conforme Paulo de Barros Carvalho110 as contribuições sociais, por sua vez,
são subdivididas em duas categorias: (a) genéricas, voltadas aos diversos setores
compreendidos no conjunto da ordem social, como educação, habitação etc. (art.
149, caput); e (b) destinadas ao custeio da seguridade social, compreendendo a
saúde, previdência e assistência social (art. 149, caput, e §1º, conjugados com o art.
195). As contribuições sociais são instituídas, em regra, pela União Federal111 e de
modo amplamente majoritário, tanto perante a doutrina como pela jurisprudência, as
são tratadas como tributo112.
As contribuições previdenciária113 são as contribuições sociais dos
trabalhadores e das empresas (cota patronal), incidentes sobre a folha de
pagamento prevista constitucionalmente no art. 195, I, ‘a’ e II da CFRB/1988. A
contribuição previdenciária seria uma obrigação tributária, uma prestação pecuniária
107
Trata-se de um sistema contributivo, onde todos os cidadãos, por conviverem em sociedade, contribuem para o bem-estar social de todos, em regime de repartição simples. As contribuições são destinadas a um cofre único (e não a contas individualizadas por contribuinte, denominado capitalização), saindo desse caixa o pagamento dos benefícios concedidos e acarretando, automaticamente, duas consequências lógicas: a) uma solidariedade compulsória; b) um pacto intergeracional. O orçamento da Seguridade é, pois, autônomo, não constituindo parte integrante do Tesouro Nacional. A geração ativa sustenta, com suas contribuições, a geração beneficiária (em geral, doentes e idosos) e espera ser sustentada, no futuro, pelos trabalhadores ativos da época (VIANNA, 2008. p. 125). 108
As fontes da União encontram-se enumeradas no art. 16 da Lei no 8.212/1991. As contribuições
sociais estão entre os art. 20 e 26 da citada lei. 109
Pode-se conceituar a contribuição social como espécie de tributo com finalidade
constitucionalmente definida, a saber, intervenção no domínio econômico, interesse de categorias profissionais ou econômicas e seguridade social (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 24. ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2004. p. 389). 110
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 44. 111
Art. 149, da CRFB/1988 - Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo. - § 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União. 112
IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. 16. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011. p. 85. 113
Podemos chamá-las de previdenciárias, já que destinadas exclusivamente ao custeio dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (art. 167, XI, da CRFB/1988) e devido à origem de tais exações estar intimamente ligada ao nascimento da própria previdência social, no modelo alemão de Bismarck (IBRAHIM, 2011. p. 219).
51
compulsória paga ao ente público, com a finalidade de constituir um fundo para ser
utilizado em eventos previstos em lei. Trata-se de uma contribuição social
caracterizada pela sua finalidade, isto é, constituir um fundo para o trabalhador
utilizá-lo quando ocorrerem certas contingências previstas em lei114.
Para nosso trabalho, tratamos tão-somente das contribuições da empresa
empregadora e do empregado para o financiamento da Previdência Social115, eis
que as informações prestadas na Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço e Informações à Previdência Social (GFIP) servirão como base de
cálculo das contribuições arrecadadas pelo Instituto Nacional do Seguro Social,
comporão a base de dados para fins de cálculo e concessão dos benefícios
previdenciários, bem como constituir-se-ão em termo de confissão de dívida, na
hipótese do não-recolhimento116.
As contribuições devidas pela empresa foram instituídas pelo art. 22, da Lei no
8.212/1991, com base no permissivo constitucional do art. 195, I, a, da Constituição
de 1988 e são denominadas de Contribuição Patronal Previdenciária (CPP).117
Dispõe o art. art. 22, da Lei no 8.212/1991, que a contribuição a cargo da empresa,
destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de vinte por cento
sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título,
durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem
serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive
as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos
decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer
pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei
114
MARTINS, 2002. p. 96. 115
Como vimos acima, o financiamento será mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e por contribuições sociais. Mas, a própria Constituição de 1988 dispõe outras fontes no art. 27 ao estabelecer que constituem outras receitas da Seguridade Social: I - as multas, a atualização monetária e os juros moratórios; II - a remuneração recebida por serviços de arrecadação, fiscalização e cobrança prestados a terceiros; III - as receitas provenientes de prestação de outros serviços e de fornecimento ou arrendamento de bens; IV - as demais receitas patrimoniais, industriais e financeiras; V - as doações, legados, subvenções e outras receitas eventuais; VI - 50% (cinquenta por cento) dos valores obtidos e aplicados na forma do parágrafo único do art. 243 da Constituição Federal; VII - 40% (quarenta por cento) do resultado dos leilões dos bens apreendidos pelo Departamento da Receita Federal; VIII - outras receitas previstas em legislação específica. 116
Conforme § 1º, do art. 225, do Decreto no 3.048/1999.
117 TAVARES, 2011. p. 252.
52
ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivos de trabalho ou sentença
normativa118.
Por sua vez, o citado art. 23 determina que as contribuições a cargo da
empresa provenientes do faturamento e do lucro, destinadas à Seguridade Social,
são calculadas mediante a aplicação das alíquotas de (i) 2% (dois por cento) sobre
sua receita bruta119, (ii) 10% (dez por cento) sobre o lucro líquido do período-base,
antes da provisão para o Imposto de Renda120.
No caso dos bancos comerciais e de investimentos, bancos de
desenvolvimento, caixas econômicas, sociedades de crédito, financiamento e
investimento, sociedades de crédito imobiliário, sociedades corretoras, distribuidoras
de títulos e valores mobiliários, empresas de arrendamento mercantil, cooperativas
de crédito, empresas de seguros privados e de capitalização, agentes autônomos de
seguros privados e de crédito e entidades de previdência privada abertas e fechadas
a alíquota da contribuição prevista é de 15% (quinze por cento).121
Também é devida a contribuição da alíquota de 1,0%, 2,0% ou 3,0%,
destinada ao financiamento do benefício de aposentadoria especial ou daqueles
concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente
dos riscos ambientais do trabalho, poderá ser reduzida, em até cinquenta por cento,
ou aumentada, em até cem por cento, conforme dispuser o regulmaneto, em razão
do desempenho da empresa em relação à respectiva atividade econômica.122
118
O art. 2º da Lei no
10.243, de 16.06.2001, deu nova redação ao § 2º do art. 458 da CLT e excluiu do conceito de salário as seguintes utilidades concedidas pelo empregador: I – vestuários, equipamentos e outros acessórios fornecidos aos empregados e utilizados no local de trabalho, para a prestação do serviço; II – educação, em estabelecimento de ensino próprio ou de terceiros, compreendendo os valores relativos a matrícula, mensalidade, anuidade, livros e material didático; III – transporte destinado ao deslocamento para o trabalho e retorno, em percurso servido ou não por transporte público; IV – assistência médica, hospitalar e odontológica, prestada diretamente ou mediante seguro-saúde; V – seguros de vida e de acidentes pessoais; VI – previdência privada. Contudo, para efeito de cálculo das contribuições sociais da empresa incidentes sobre a remuneração dos empregados a seu serviço, tai verbas não são desconsideradas. Isso porque, se não forem consideradas como salários, poderão ser enquadras como utilidades, sobre as quais incidem a contribuição social relatada (TSUTIYA, Augusto Massayuki. Curso de direito da seguridade social. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 108). 119
Esta alíquota, a partir de 01 de abril de 1992, por força da lei Complementar nº 70, de 30 de
dezembro de 1991, passou a incidir sobre o faturamento mensal. 120
A Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, alterou a contribuição sobre o lucro líquido, passando
a alíquota a ser de 8%. 121
Alíquota elevada em mais 8% pela Lei Complementar nº 70, de 30 de dezembro de 1991 e
posteriormente reduzida para 18% por força da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995. 122
O conceito de remuneração total já foi abordado. Os graus de risco estão listados no Anexo V do Decreto n
o 3.048/1999. No que se refere ao desempenho da empresa ver TSUTIYA, 2008. p. 111.
53
O fato gerador da contribuição das empresas é, também, em regra, a
atividade remunerada dos segurados a seu serviço, com ou sem vínculo
empregatício123.
Por outro lado, a incidência da contribuição para o empregado vem definida
no art. 20, da Lei no 8.212/1991 onde é calculada mediante a aplicação da
correspondente alíquota sobre o seu salário-de-contribuição mensal, de forma não
cumulativa e progressiva na medida em que aumentando o salário-de-contribuição,
aumentará a alíquota contributiva de 8,0%, 9,0% ou 11%.
Segundo o art. 28 da Lei no 8.212/1991, entende-se por salário-de-
contribuição para o empregado a remuneração auferida em uma ou mais empresas,
assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a
qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a
sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os
adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente
prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços nos
termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho
ou sentença normativa.
A arrecadação e o recolhimento das contribuições, devidas pelos empregados
à Seguridade Social, são de responsabilidades da empresa, nos termos do disposto
no art. 30, inc. I, alínea ‘a’ e ‘b’, da Lei no 8.212/1991, onde será procedido o
desconto devido sobre a remuneração124.
Com relação a contribuição previdenciária da empresa, a Constituição de
1988 dispõe no art. 195, que a seguridade social será financiada mediante recursos
provenientes das contribuições sociais e, no inciso I, determina que a contribuição
123
Há algumas exceções, como a contratação de cooperativa de trabalho, na qual o fato gerador da
contribuição será emissão da nota fiscal ou fatura, mas o trabalho remunerado aqui também se apresenta como aspecto material da hipótese de incidência. Naturalmente, por esse motivo, a ase-de-cálculo da cota patronal previdenciária será, em regra, a remuneração dos segurados (IBRAHIM, 2011. p. 237). 124
Tradicionalmente, esse encargo colocado junto à fonte pagadora é classificado como forma de substituição tributária. No entanto, entendo que tal classificação é equivocada, pois a sujeição passiva ainda é ocupada pelo segurado, situação especialmente óbvia no momento da repetição de indébito – quem tem direito é o segurado, e não a empresa. Se houvesse substituição tributária, seria a empresa o titular do direito, pois o substituo tributário recolhe tributo em nome próprio. Em verdade, a retenção na fonte é mera obrigação instrumental (ou acessória), que, na hipótese de inadimplemento, traz a responsabilidade tributária como sanção (IBRAHIM, 2011. p. 223).
54
social do empregador125, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da
lei, será incidente sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos
ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem
vínculo empregatício.
Finalmente, acerca da arrecadação das contribuições à Seguridade Social,
por força da Lei no 11.407, de 16 de março de 2007, foi criada a Secretaria da
Receita Federal do Brasil (SRFB) e segundo o art. 2º da citada lei, além das
competências atribuídas pela legislação vigente à Secretaria da Receita Federal,
cabe à Secretaria da Receita Federal do Brasil planejar, executar, acompanhar e
avaliar as atividades relativas a tributação, fiscalização, arrecadação, cobrança e
recolhimento das contribuições sociais previstas nas alíneas “a”, “b” e “c” do
parágrafo único do art. 11 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991.126
A Secretaria da Receita Federal é o órgão competente para (a) arrecadar e
fiscalizar o recolhimento das contribuições sociais, (b) constituir seus créditos por
meio dos correspondentes lançamentos e promover a respectiva cobrança,
(c) aplicar sanções, e (d) normatizar procedimentos relativos à arrecadação,
fiscalização e cobrança das contribuições de que trata o inciso I127. O Plano de
Custeio e a organização da Seguridade Social são estabelecidos na Lei no 8.212, de
24 de julho de 1991.
125
Empregador é aquele como tal definido pela legislação trabalhista. Não obstante respeitáveis
manifestações, inclusive jurisprudenciais, em sentido diverso, entendemos que o conceito de empregador não pode ser ampliado para alcançar todos os que pagam remuneração por serviços prestados sem vínculo empregatício. Não se trata de interpretar a Constituição com base na lei ordinária, mas de impedir que esta modifique os conceitos por aquela utilizados. O conceito de empregador utilizado pela Constituição é conceito conhecido, porque já determinado pelo legislador ordinário muito antes da vigente Constituição, cujo texto, utilizando-o, emprestou-lhe a supremacia
própria dos dispositivos constitucionais (MACHADO, 2004. p. 396). 126
Com relação ao sujeito ativo das contribuições previdenciárias (art. 195, I, ‘a’; e art. 195, II, ambos da CRFB/1988), tem-se alteração significativa com a edição da Medida Provisória n
o 222/2004,
convertida na Lei no 11.098, de 13 de janeiro de 2005. Com esta Lei, a competência para arrecadar,
lançar e normatizar o recolhimento das contribuições previdenciárias deixou de ser do INSS, ficando a cargo do Ministério da Previdência Social. – MPS. A mesma Lei autorizou a criação da Secretaria da Receita Previdenciária – SRP, dentro da estrutura do Ministério da Previdência Social, visando à melhoria da arrecadação, eficiência nas ações de fiscalização, combate à corrupção e à sonegação na área da previdência (art. 8º). Esta Secretaria foi efetivamente criada pelo Decreto n
o 5.256, de 27
de outubro de 2004 (IBRAHIM, 2011. p. 87). 127
Art. 229 ao art. 230 do Decreto no 3.048/1999 trata da competência para arrecadar, fiscalizar e
cobrar as contribuições sociais.
55
2.2.2 Prestações Previdenciárias
A Seguridade Social engloba um conceito amplo, abrangente, universal,
destinado a todos que dela necessitem, desde que haja previsão na lei sobre
determinada contingência a ser coberta128. A Seguridade Social, nos termos do art.
194, da CRFB/1988, compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos
Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à
saúde, à previdência e à assistência social.
A previdência social, a saúde e a assistência social estão previstas entre os
direitos sociais, conforme dispõe o art. 6º CRFB/1988129. Assim, dentro do gênero,
do grupo, seguridade social encontramos as espécies, os sub-grupos: previdência
social, assistência social e saúde130.
A Previdência Social tem por fim131 assegurar aos seus beneficiários132 meios
indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, idade avançada, tempo
de serviço, desemprego involuntário133, encargos de família e reclusão ou morte
daqueles de quem dependiam economicamente134.
128
MARTINS, 2002. p. 45. 129
Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. 130
VIEIRA, Marco André Ramos. Manual de direito previdenciário. 3. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2003. p. 20. 131
cf. art. 3o da Lei n
o 8.212/1991.
132 Por beneficiário, em um sistema de seguridade social, entenda-se qualquer cidadão em situação
de necessidade. Diferentemente, na Previdência Social, os beneficiários são apenas aqueles que contribuem para o sistema. Portanto, embora se insira no âmbito da seguridade social, a Previdência Social aparece, no contexto desta, como noção mais restritiva objetiva e subjetivamente (CORREIA, Marcus Orione Gonçalves; CORREIA, Érica Paula Barcha. Curso de direito da seguridade social. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 33). As pessoas cobertas pelo RGPS são denominadas beneficiárias, sendo classificadas como segurados e dependentes. Então, para a previdência social, no gênero beneficiário tem-se como espécies: os segurados e os seus dependentes. Observa-se que somente pessoas físicas podem ser beneficiárias da previdência social (VIEIRA, 2003. p. 315). 133
A proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário embora esteja elencada entre os benefícios atendidos pela previdência social, conforme art. 201, inciso III da CRFB/1988, não é coberta pelo RGPS, sendo regulada pela Lei n
o 7.998/1990 e alterações e é administrado pelo
Ministério do Trabalho e Emprego. 134
Wagner Balera comentando o art. 3o da Lei n
o 8.212/1991 afirma que ‘em linha com os arts. 195,
201 e 202 da Constituição Federal, além da Lei no 8.213/1991 (Plano de Benefícios da Previdência
Social), o comando traceja os principais preceitos da Previdência Oficial: o combate a determinados riscos sociais, por intermédio de prestações mínimos. Trata-se do modelo clássico do seguro social, de corte bismarckiano, baseado nas contribuições sociais” (BALERA, Wagner. Legislação previdenciária anotada. São Paulo: Conceito Editorial, 2011. p. 16).
56
As prestações previstas no Plano de Benefícios da Previdência Social (Lei no
8.213/1991) são expressas em benefícios e serviços135. As prestações são o gênero,
do qual são espécies os benefícios e serviços. Benefícios são valores pagos em
dinheiro aos segurados e dependentes. Serviços são prestações imateriais postas à
disposição dos beneficiários.136
Nos termos do art. 18 da Lei de Benefícios, o Regime Geral de Previdência
Social compreende as seguintes prestações, devidas inclusive em razão de eventos
decorrentes de acidente do trabalho: I - quanto ao segurado: a) aposentadoria por
invalidez; b) aposentadoria por idade; c) aposentadoria por tempo de contribuição; d)
aposentadoria especial; e) auxílio-doença; f) salário-família; g) salário-maternidade;
h) auxílio-acidente; II - quanto ao dependente: a) pensão por morte; b) auxílio-
reclusão; III - quanto ao segurado e dependente: serviço social e reabilitação
profissional.
Tendo em vista o caráter contributivo do sistema previdenciário brasileiro, o
cálculo da renda mensal do segurado leva em consideração tal peculiaridade. É de
ver que o valor do benefício está intimamente ligado às contribuições vertidas para o
sistema pelo segurado137. Para o cálculo da renda mensal inicial é necessário obter
o salário-de-benefício que é a sua base de cálculo138.
Para os benefícios de aposentadoria por idade e por tempo de contribuição,
nos termos do disposto no inciso I, do art. 18 da Lei no 8.212/1991, o salário-de-
135
Art. 18, da Lei no 8.213/1991.
136 Há prestações devidas somente ao segurado; outras, somente ao dependente; e, algumas, tanto
ao segurado como ao dependente, conforme previsto no art. 18 da Lei no
8.213/1991. Trata-se da aplicação do princípio da seletividade: as prestações são concedidas apenas aos indivíduos que dela necessitem, sendo certo que alguns benefícios não comportam deferimento a segurados (é o caso da pensão por falecimento), e outros, que não cabem aos dependentes (como as aposentadorias) (CASTRO e LAZZARI, 2013. p. 500). 137
TSUTIYA, 2008. p. 254. 138
Quase todo benefício previdenciário é calculado a partir de uma fórmula matemática, que assim se apresenta: [Base de Cálculo] x [Alíquota] = [Renda Mensal]. Onde: [Base de Cálculo]: é o salário-de-benefício (SB); [Alíquota]: percentual estabelecido na lei, aplicável sobre o SB; [Renda Mensal]: valor efetivamente pago ao beneficiário (LEMES, Emerson Costa. Manual dos cálculos previdenciários: benefícios e revisões. Curitiba: Juruá, 2008. p. 54.). O salário-de-benefício (SB) é o valor básico utilizado para cálculo da renda mensal dos benefícios de prestação continuada, exceto o salário-família, a pensão por morte, o salário-maternidade e os demais benefícios de legislação especial. Assim como o salário-de-contribuição, o SB é também base de cálculo, mas utiliza para obter-se o valor do benefício a ser pago ao segurado, enquanto aquele é base para a quantificação da contribuição a ser recolhida pelo segurado. Não se deve confundir o salário-de-benefício com a renda mensal do benefício (RMB). O SB é a base-de-cálculo sobre a qual incidirá a alíquota respectiva, definindo então o valor da RMB. O percentual é variável de acordo com o benefício e outros fatores de cada prestação previdenciária. IBRAHIM, 2011. p. 549).
57
benefício consiste na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição
correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo, multiplicada pelo
fator previdenciário139. Por outro lado, para os benefícios aposentadoria por
invalidez, aposentadoria especial e auxílio-acidente e auxílio-doença (inciso II do
mesmo artigo), o salário-de-benefício consiste na média aritmética simples dos
maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o
período contributivo sem a aplicação do fator previdenciário.
Por força dos parágrafos 2º e 3º do citado art. 18, o valor do salário-de-
benefício não será inferior ao de um salário mínimo, nem superior ao do limite
máximo do salário-de-contribuição na data de início do benefício140, sendo que serão
considerados para cálculo do salário-de-benefício os ganhos habituais do segurado
empregado, a qualquer título, sob forma de moeda corrente ou de utilidades, sobre
os quais tenha incidido contribuições previdenciárias, exceto o décimo-terceiro
salário (gratificação natalina).
2.3 IMPORTÂNCIA DAS INFORMAÇÕES PARA O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO
Os anos recentes têm evidenciado uma relação positiva entre crescimento
econômico e aumento da cobertura previdenciária no Brasil. O crescimento da
139
O fator previdenciário será calculado considerando-se a idade, a expectativa de sobrevida e o tempo de contribuição do segurado ao se aposentar, mediante a fórmula, mediante a fórmula:
onde: f = fator previdenciário; Es = expectativa de sobrevida no momento da aposentadoria; Tc = tempo de contribuição até o momento da aposentadoria; Id = idade no momento da aposentadoria; e a = alíquota de contribuição correspondente a 0,31 (fórmula constante do anexo da Lei n
o
8.231/1991). 140
Para melhor compreensão, tomemos o seguinte exemplo indicado por Hermes Arrais Alencar: “Um empregado de uma instituição financeira que tenha uma remuneração de dez mil reais mensais. O salário de contribuição dele não será de dez mil reais, mas o valor-teto, haja vista que ele contribui com exatos 11% sobre o limite máximo contributivo da Previdência, e não sobre os dez mil reais. Caso o empregado tenha remuneração mensal de dois mil e quinhentos reais, seu salário de contribuição será igual ao valor da remuneração, porque sobre os dois mil e quinhentos reais incidem os 11%, a título de contribuição previdenciária” (ALENCAR, 2013. p. 77).
58
ocupação, além de absorver crescentes partes da população economicamente ativa
(PEA), tem sido marcado pelo aumento da formalização das relações de trabalho,
seja pela elevação do número de empregos com carteira assinada, como de postos
de trabalho no serviço público seja por maior adesão dos contribuintes individuais –
trabalhadores por conta própria, sem carteira assinada ou empregadores – ao
RGPS.141
Vimos que no caso dos trabalhadores empregados devidamente registrados
em CTPS, a Previdência Social utilizará as informações constantes no Cadastro
Nacional de Informações Sociais (CNIS) sobre os vínculos e as remunerações dos
segurados (salários de contribuição), para fins de cálculo do salário de benefício na
concessão das prestações previdenciária. Além disso, também serve de
comprovação de filiação ao Regime Geral de Previdência Social, de tempo de
contribuição e relação de emprego.
Sendo o CNIS uma base de dados administrativa do governo federal,
abastecido com os dados da Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo
de Serviço e Informações à Previdência Social (GFIP), e que centraliza as
informações referentes ao direito previdenciário dos trabalhadores, certamente
facilita a concessão de benefícios e aumenta a eficiência da administração pública.
É certo que diante da inexistência no CNIS das informações sobre
contribuições ou remunerações, ou havendo dúvida sobre a regularidade do vínculo,
motivada por divergências ou insuficiências de dados relativos ao empregador, ao
segurado, à natureza do vínculo, ou a procedência da informação, esse período não
será aceito pela Previdência Social, acarretando prejuízos ao trabalhador.
As informações prestadas na GFIP, principalmente o valor do salário-de-
benefício é de suma importância na medida em que o valor do benefício de
prestação continuada, inclusive o regido por norma especial e o decorrente de
acidente do trabalho, exceto o salário-família e o salário-maternidade, será utilizada
para calcular a renda mensal inicial do benefício com base nas informações
prestadas.
141
IPEA, 2011. p. 17.
59
A retribuição da aposentadoria, chamada proventos, será calculada com base
no salário de contribuição. Adverte SILVA142 que o salário de contribuição não é o
mesmo que salário de retribuição do trabalho. É aquele sobre o qual recai a
contribuição do empregado e do empregador para a previdência social, cujo máximo
depende de fixação legal.
Assim, constata-se que a prestação correta das informações na GFIP
repercute diretamente tanto na arrecadação e fiscalização, quanto na concessão do
benefício previdenciário.
142
SILVA, 2005. p. 833.
60
3 CONSEQUÊNCIAS DA INDEVIDA DECLARAÇÃO DE INFORMAÇÕES À PREVIDÊNCIA SOCIAL
3.1 SANÇÕES EM RAZÃO DA INDEVIDA DECLARAÇÃO DE INFORMAÇÕES À PREVIDÊNCIA SOCIAL
A Constituição de 1988 determina no art. 195 que a seguridade social será
financiada por toda a sociedade143, de forma direta e indireta, nos termos da lei,
mediante recursos provenientes dos orçamentos da União144, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, e por contribuições sociais145.
À Secretaria da Receita Federal do Brasil compete planejar, executar,
acompanhar e avaliar as atividades relativas à tributação, à fiscalização, à
arrecadação, à cobrança e ao recolhimento das contribuições sociais. Sendo que é
prerrogativa da Secretaria da Receita Federal do Brasil, por intermédio dos
auditores-fiscais da Receita Federal do Brasil, o exame da contabilidade das
empresas, ficando obrigados a prestar todos os esclarecimentos e informações
solicitados o segurado e os terceiros responsáveis pelo recolhimento das
contribuições previdenciárias e das contribuições devidas a outras entidades e
fundos146.
A fiscalização apurando qualquer espécie de erro ou fraude na escrita contábil
da empresa fiscalizada, praticados deliberadamente com ou sem o escopo de omitir
os fatos geradores de contribuições previdenciárias e assim suprimir o seu
recolhimento, será lavrado auto de infração ou notificação de lançamento como
determina o art. 37, da Lei de Custeio da Seguridade Social, bem como estará o
responsável sujeito às penalidades impostas pela lei penal.
143
Trata-se de um sistema contributivo, onde todos os cidadãos, por conviverem em sociedade, contribuem para o bem-estar social de todos, em regime de repartição simples. As contribuições são destinadas a um cofre único (e não a contas individualizadas por contribuinte, denominado capitalização), saindo desse caixa o pagamento dos benefícios concedidos e acarretando, automaticamente, duas consequências lógicas: a) uma solidariedade compulsória; b) um pacto intergeracional. O orçamento da Seguridade é, pois, autônomo, não constituindo parte integrante do Tesouro Nacional. A geração ativa sustenta, com suas contribuições, a geração beneficiária (em geral, doentes e idosos) e espera ser sustentada, no futuro, pelos trabalhadores ativos da época (VIANNA, 2008. p. 125). 144
As fontes da União encontram-se enumeradas no art. 16 da Lei no 8.212/1991. As contribuições
sociais estão entre os art. 20 e 26 da citada lei. 145
Pode-se conceituar a contribuição social como espécie de tributo com finalidade constitucionalmente definida, a saber, intervenção no domínio econômico, interesse de categorias profissionais ou econômicas e seguridade social (MACHADO, 2004. p. 389). 146
Nos termos dispostos no art. 33, e seus parágrafos, da Lei n 8.212/1991.
61
O Direito Penal e o Direito Administrativo atuam em campos diversos.
Contudo, entre eles há vínculos de relacionamento. Afirma Hely Lopes Meirelles147
que o ilícito administrativo não se confunde com o ilícito penal148, assentando cada
qual em fundamentos e normas diversas. Mas não é menos verdade que a própria
Lei Penal, em muitos casos, tais como nos crimes contra a Administração Pública
(arts. 312 a 327 do Código Penal), subordina a definição do delito à conceituação de
atos e fatos administrativos. Noutros casos, chega, mesmo, a relegar à
Administração prerrogativas do Direito Penal.
Em janeiro de 2013, no sítio eletrônico da Receita Federal do Brasil149, sob o
título “Receita Federal inicia operação de auditoria em compensações atípicas”, deu-
se a informação da previsão de que mais de 12.000 contribuintes que cometeram
algum equívoco no preenchimento da GFIP seriam notificados no decorrer de 2013.
O descumprimento das obrigações principal e acessória previdenciárias traz
diversas sanções às empresas empregadoras. Segundo a Federação Nacional das
Empresas de Serviços Contábeis e das Empresas de Assessoramento, Perícias,
Informações e Pesquisas (Fenacon)150 apesar de serem estabelecidas em lei, as
multas só estão sendo aplicadas agora em função da junção dos sistemas da
Previdência Social e da Receita Federal, que culminou com a adequação dos
bancos de dados da Dataprev e da Receita Federal. 2009 foi o primeiro ano a ser
examinado, devendo ocorrer o mesmo nos anos seguintes, até 2015. Isso, conforme
147
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 23. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1998. p. 37. 148
Embora no âmbito da Filosofia do Direito, e até no âmbito da Teoria Geral do Direito, existam controvérsias em torno do que seja o ilícito, prevalece entre os juristas a idéia de que no universo jurídico os comportamentos podem ser qualificados como lícitos ou ilícitos. Os primeiros são aqueles que estão de acordo, e os últimos aqueles contrários à ordem jurídica, ao direito objetivo. (MACHADO, 2004. p. 455) 149
Noticia veiculada no sitio oficial da Receita Federal do Brasil em 11 de janeiro de 2013, com o seguinte texto: “A Receita Federal iniciou nesta semana operação de auditoria em compensações previdenciárias atípicas, declaradas através da Guia de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social – GFIP. Segundo a Coordenadora Especial de Ressarcimento, Compensação e Restituição, Ana Jandira Monteiro Soares, nesta primeira etapa serão notificados aproximadamente 1.000 contribuintes, que deverão informar, através do e-CAC, a origem dos créditos compensados. Inexistindo origem comprovada dos créditos informados, a RFB adotará as medidas para a glosa dos créditos e a cobrança dos valores indevidamente compensados, inclusive com a aplicação da multa de 75% a 150% sobre o valor da compensação irregular. A previsão é de que mais de 12.000 contribuintes serão notificados no decorrer de 2013. O contribuinte que cometeu algum equívoco no preenchimento da GFIP pode se antecipar à ação da Receita Federal, bastando retificar sua declaração e pagar a contribuição previdenciária devida, acompanhada da multa de mora de 20% e dos juros calculados com base na taxa Selic”. Disponível em <http://www.receita.fazenda. gov.br/automaticoSRFSinot/2013/01/11/2013_01_11_13_32_58_970783958.html>. Acesso em: 10.12.2013. 150
Disponível em: <http://www.fenacon.org.br/noticias-completas/1610>. Acesso em: 06.05.2014.
62
determinação do Tribunal de Contas da União, antes de decadência do direito de
cobrança.
Por outro lado, certamente se não houvesse os erros ou fraudes contra o
caixa da Seguridade Social, seria outra a reportagem da Revista Veja ao informar
que “Previdência Social terminou o ano de 2013 com um déficit de 51,259 bilhões de
reais, o que representa uma alta de 14,8% sobre o rombo de 44,646 bilhões de reais
registrado em 2012.”151. Convém notar, outrossim, que a Previdência não tem fiscais
suficientes para fiscalizar o enorme número de empresas existentes no Brasil, o que
dá margem a que os sonegadores não recolham a contribuição social, pois a
possibilidade de serem fiscalizados é pequena.152
O comportamento violador do dever jurídico estabelecido em lei tributária
pode, revestir as características de meras infrações ou ilícitos tributários, bem como
de crimes fiscais, dessa maneira definidos em preceitos da lei penal153. Assim,
vejamos as consequências à infração à legislação previdenciária, a tipificação penal,
bem como a responsabilidade civil que tais comportamentos podem acarretar.
3.1.1 Infração à Legislação Previdenciária
O traço característico do direito é a coatividade, que é exercida, em último
grau, pela execução forçada e pela restrição da liberdade154 e como adverte Augusto
Massayuki Sutitya155 ao analisar questões relativas à arrecadação e fiscalização, é
imperioso conhecer as obrigações tributárias atinentes, haja vista que a fiscalização
tem o objetivo de verificar o cumprimento das regras relacionadas às citadas
obrigações.
Nas lições de Hugo de Brito Machado156,
151
Disponível em <http://veja.abril.com.br/noticia/economia/rombo-da-previdencia-sobe-148-em-2013-r-51259-bi >. Acesso em 15/02/2014. 152
MARTINS, 2002. p. 297. 153
CARVALHO, 2007. p. 524. 154
Ibid., p. 519. 155
TSUTIYA, 2008. p. 145. 156
MACHADO, 2004. p. 122.
63
“a relação tributária, como qualquer outra relação jurídica, surge da ocorrência de um fato previsto em uma norma como capaz de produzir esse efeito. Em virtude do princípio da legalidade, essa norma há de ser uma lei em sentido restrito, salvo em se tratando de obrigação acessória, como adiante será explicado. A lei descreve um fato e atribui a este o efeito de criar uma relação entre alguém e o Estado. Ocorrido o fato, que em Direito Tributário denomina-se fato gerador, ou fato imponível, nasce a relação tributária, que compreende o dever de alguém (sujeito passivo da obrigação tributária) e o direito do Estado (sujeito ativo da obrigação tributária). O dever e o direito (no sentido de direito subjetivo) são efeitos da incidência da norma”.
A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto
o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o
crédito dela decorrente. A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem
por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da
arrecadação ou da fiscalização dos tributos. A obrigação acessória, pelo simples fato
da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à
penalidade pecuniária157.
No que concerne à relação jurídica sancionatória, CARVALHO158 aduz que:
A relação jurídica sancionatória pode assumir feitio obrigacional, quando se tratar de penalidades pecuniárias, multas de mora ou juros de mora, com também veiculadora de meros deveres, de fazer ou de não-fazer, sem conteúdo patrimonial. Incluem-se nessa rubrica uma série de atos cuja prática a Fazendo Pública impõe ao infrator, como também as proibições a que fica sujeito, toda vez que se formalizarem certos tipos de ilícito.
A empresa que entregar a Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço e Informações à Previdência Social (GFIP) fora do prazo, com
incorreções ou omissões, ou que deixar de entregar esta violando a obrigação
acessória prevista no artigo 32, inciso IV, da Lei no 8.212/1991159 e,
consequentemente, esta sujeita à multa prevista na legislação previdenciária e nas
demais aplicáveis como as sanções, tais como as previstas nas Leis nos 8.032/1990
157
Nos termos dispostos nos parágrafos 1º, 2º e 3º, do art. 113, do Código Tributário Nacional (Lei no
5.172, de 25 de outubro de 1996, com alterações posteriores). 158
CARVALHO, 2007. p. 336. 159
Art. 32. A empresa, nos termos dispostos nos parágrafos 1º, 2º e 3º, do art. 113, do Código Tributário Nacional (Lei n
o 5.172, de 25 de outubro de 1996, com alterações posteriores) é também
obrigada a: [...] IV – declarar à Secretaria da Receita Federal do Brasil e ao Conselho Curador do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, na forma, prazo e condições estabelecidos por esses órgãos, dados relacionados a fatos geradores, base de cálculo e valores devidos da contribuição previdenciária e outras informações de interesse do INSS ou do Conselho Curador do FGTS;
64
e 10.666/2003. Segundo Marcelo Leonardo Tavares160, essa multa não se confunde
com a multa-moratória, trata-se de multa-sanção por inobservância de obrigação
acessória ou infração a dispositivo previsto na legislação de prestações
previdenciárias.
Embora as multas de mora hoje se submetam ao disposto em legislação
genérica para os tributos federais, as multas para descumprimento de obrigação
acessória ainda são previstas na legislação previdenciária, o que nem poderia ser
diferente já que o custeio previdenciário tem encargos próprios, distintos dos demais
tributos161.
Por meio da Lei no 11.941/2009162, foi acrescentado, à Lei de Custeio, o art.
32-A estabelecendo que o contribuinte que deixar de apresentar a declaração de
que trata o inciso IV, do caput, do art. 32, da Lei de Custeio, no prazo fixado ou que
a apresentar com incorreções ou omissões será intimado a apresentá-la ou a prestar
esclarecimentos e sujeitar-se-á às seguintes multas: (i) de R$ 20,00 (vinte reais)
para cada grupo de 10 (dez) informações incorretas ou omitidas; e (ii) de 2% (dois
por cento) ao mês-calendário ou fração, incidentes sobre o montante das
contribuições informadas, ainda que integralmente pagas, no caso de falta de
entrega da declaração ou entrega após o prazo, limitada a 20% (vinte por cento),
observando que a multa mínima a ser aplicada será de (a) R$ 200,00 (duzentos
reais), tratando-se de omissão de declaração sem ocorrência de fatos geradores de
contribuição previdenciária e (b) R$ 500,00 (quinhentos reais), nos demais casos.
As multas serão reduzidas à metade, quando a declaração for apresentada
após o prazo, mas antes de qualquer procedimento de ofício ou a 75% (setenta e
cinco por cento), se houver apresentação da declaração no prazo fixado em
intimação, observando sempre os limites da multa mínima.
Podemos afirmar, em resumo, que a multa por atraso na entrega da GFIP
correspondente a 2,0% (dois por cento) para o mês/competência, incidente sobre o
160
TAVARES, 2011. p. 309. 161
IBRAHIM, 2011. p. 482. 162
A Lei no 8.212/1991, orginalmente, não previa essa situação. Com a Lei nº 9.528, de 10.12.97 foi
acrescentado o § 5o com a seguinte redação: “A apresentação do documento com dados não
correspondentes aos fatos geradores sujeitará o infrator à pena administrativa correspondente à multa de cem por cento do valor devido relativo à contribuição não declarada, limitada aos valores previstos no parágrafo anterior”. O parágrafo foi revogado pela Medida Provisória nº 449/2008, convertida em Lei nº 11.941/2009 que incluiu o art. 32-A.
65
montante das contribuições informadas, ainda que integralmente pagas, respeitados
o percentual máximo de 20% (vinte por cento) e os valores mínimos de R$ 200,00,
no caso de declaração sem fato gerador, ou de R$ 500,00, nos demais casos.
Ocorrendo o fato gerador previsto no art. 32-A da Lei o 8.212/1991, a
empresa será intimada a recolher ou impugnar o crédito tributário no prazo de trinta
dias contados da ciência do Auto de Infração. A impugnação deve ser dirigida ao
Delegado da Receita Federal do Brasil de Julgamento e protocolada na unidade da
Secretaria da Receita Federal do Brasil de sua jurisdição163.
Deixar de pagar a multa, por atraso na entrega da GFIP até a data de
vencimento do débito haverá impedimento para emissão da Certidão Negativa de
Débitos e à Dívida Ativa da União164. Ocorrendo o pagamento da multa em atraso
serão acrescidos multa de mora e juros de mora165.
Nos casos de lançamento de ofício dos débitos com a União, decorrentes das
contribuições sociais, aplica-se o disposto no art. 44 da Lei no 9.430, de 27 de
dezembro de 1996, ou seja, serão aplicadas multas (I) de 75% (setenta e cinco por
cento) sobre a totalidade ou diferença de imposto ou contribuição nos casos de falta
de pagamento ou recolhimento, de falta de declaração e nos de declaração inexata
e, (II) de 50% (cinqüenta por cento), exigida isoladamente, sobre o valor do
pagamento mensal.
A empresa que for notificada para efetuar o pagamento, a compensação ou o
parcelamento dos valores devidos a título de contribuição social, será concedido
redução da multa de lançamento de ofício nos seguintes percentuais: I – 50%
(cinquenta por cento), se for efetuado o pagamento ou a compensação no prazo de
163
Conforme Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, e alterações posteriores, que dispõe sobre o
processo administrativo fiscal. 164
O documento comprobatório de inexistência de débito quanto às contribuições sociais previstas
nas alíneas a, b e c do parágrafo único do art. 11 da Lei no 8.212/1991, às contribuições instituídas a
título de substituição e às contribuições devidas, por lei, a terceiros, inclusive às inscritas em dívida ativa do INSS, é a Certidão Negativa de Débito, cujo prazo de validade é de até cento e oitenta dias, contado da data de sua emissão, nos termos do §7º do Decreto n
o 3.048/1999. Outrossim, dispõe o
art. 39, da Lei no 8.212/1991, que o débito original e seus acréscimos legais, bem como outras multas
previstas em lei, constituem dívida ativa da União, promovendo-se a inscrição em livro próprio daquela resultante das contribuições de que tratam as alíneas a, b e c do parágrafo único do art. 11 desta Lei. 165
Art. 35. Os débitos com a União decorrentes das contribuições sociais previstas nas alíneas a, b e
c do parágrafo único do art. 11 desta Lei, das contribuições instituídas a título de substituição e das contribuições devidas a terceiros, assim entendidas outras entidades e fundos, não pagos nos prazos previstos em legislação, serão acrescidos de multa de mora e juros de mora, nos termos do art. 61 da Lei n
o 9.430, de 27 de dezembro de 1996.
66
30 (trinta) dias, contado da data em que o sujeito passivo foi notificado do
lançamento; II – 40% (quarenta por cento), se o sujeito passivo requerer o
parcelamento no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data em que foi notificado do
lançamento; III – 30% (trinta por cento), se for efetuado o pagamento ou a
compensação no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data em que o sujeito passivo
foi notificado da decisão administrativa de primeira instância; e IV – 20% (vinte por
cento), se o sujeito passivo requerer o parcelamento no prazo de 30 (trinta) dias,
contado da data em que foi notificado da decisão administrativa de primeira
instância166.
A Lei no 9.983, de 14 de julho de 2000, revogou expressamente o art. 95 da
Lei nº 8.212/1991, com exceção do § 2º, mantendo assim como penalidade à
empresa que transgredir as normas desta Lei, além das outras sanções previstas, as
seguintes restrições: a) à suspensão de empréstimos e financiamentos, por
instituições financeiras oficiais; b) à revisão de incentivos fiscais de tratamento
tributário especial; c) à inabilitação para licitar e contratar com qualquer órgão ou
entidade da administração pública direta ou indireta federal, estadual, do Distrito
Federal ou municipal; d) à interdição para o exercício do comércio, se for sociedade
mercantil ou comerciante individual; e) à desqualificação para impetrar concordata; f)
à cassação de autorização para funcionar no país, quando for o caso.167 Devemos
assinalar que tais restrições não possuem, necessariamente, natureza do Direito
Penal, mas a citada lei regou todo o artigo que tipificava os crimes previdenciários e
manteve a redação do § 2º.
Por fim, é bom salientar que a empresa que cometer infração a qualquer
dispositivo das Leis nos 8.212 e 8.213, ambas de 1991, e 10.666/2003, para a qual
não haja penalidade expressamente cominada no Decreto no 3.048/1999, fica o
responsável sujeito a multa variável de R$ 636,17 (seiscentos e trinta e seis reais e
dezessete centavos) a R$ 63.617,35 (sessenta e três mil, seiscentos e dezessete
166
Art. 6º da Lei nº 8.218, de 29 de agosto de 1991, com redação dada pela Lei nº 11.941, de 27 de
maio de 2009. 167
O Decreto no 3.048/1999 regulamentou essas restrições em seu art. 279 e, ainda, no art. 280,
impõe à empresa em débito para com a seguridade social a restrição em (I) distribuir bonificação ou dividendo a acionista; e (II) dar ou atribuir cota ou participação nos lucros a sócio cotista, diretor ou outro membro de órgão dirigente, fiscal ou consultivo, ainda que a título de adiantamento.
67
reais e trinta e cinco centavos), conforme a gravidade da infração.168 Contudo,
desconhecemos estatisticamente sobre a aplicabilidade e efetividade desse
dispositivo legal, eis que a divulgação dos dados a respeito dos autos de infração
não especificam o tipo de multa aplicada. Os números divulgados são das atuações
e execuções fiscais. Especificamente sobre a fiscalização previdenciária, Iágaro
Jung Martins169, coordenador-geral de Fiscalização da Receita Federal do Brasil,
recorda que em 2010 foi definido que toda a fiscalização da RFB seria igual,
independentes do tributo e que:
[...] houve uma redução no número de execuções, já que foi preciso treinar as equipes, mas já em 2011 houve aumento de autos de infração e, em 2012, o total de autos de infração foi de 13.677 – o recorde histórico de procedimento de fiscalização previdenciária de contribuintes. “Foi aumento de 30% em relação a 2011. Isso é presença fiscal, ou seja, fiscalizamos mais contribuintes em contribuição previdenciária”. Em termos de lançamento da fiscalização previdenciária, os números passaram de R$ 8,1 bilhões em 2009 para R$ 13,4 bi em 2012. “Nunca na história se autuou tanto, se lançou tanto em fiscalização previdenciária, seja em quantidade de procedimentos, seja em valor lançado. E isso com a maciça saída de auditores que tivemos, não só na área previdenciária como também na área fazendária”, ressaltou.
A falta de informação precisa, em torno da aplicação desse dispositivo legal,
enfraquece o caráter punitivo das sanções administrativas, deixando de ser utilizado
como um meio a mais para garantir maior eficácia ao processo fiscalizatório.
3.1.2 Tutela Penal no Âmbito da Seguridade Social
O princípio da legalidade esta insculpido no inciso XXXIX do art. 5o da
CRFB/1988, que estabelece: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena
168
O art. 283, do Decreto no 3.048/1999, descreve vários fatos geradores de infração para escalonar o
valor da multa a ser aplicada de acordo com a gravidade da infração e não de acordo com a condição financeira da empresa empregadora. 169
MARTINS, Iágaro Jung. O funcionamento da fiscalização. Revista Seguridade Social e
Tributação. Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil. Brasília, no 115,
p. 23, junho/agosto de 2013.
68
sem prévia cominação legal”. Segundo Rogério Greco170 é o princípio da legalidade,
sem dúvida alguma, um dos mais importantes do Direito Penal. Assim, tudo o que
não for expressamente proibido é licito em Direito Penal.
Somente a Constituição ou a lei ordinária podem limitar os direitos individuais.
Os direitos individuais enquanto direitos de hierarquia constitucional somente podem
ser limitados por expressa disposição constitucional (restrição imediata) ou mediante
lei ordinária promulgada com fundamento imediato na própria Constituição (restrição
mediata).171
O indivíduo deve se conduzir de acordo com a lei. Nesse sentido, José
Afonso da Silva172 declara que
A lei é efetivamente o ato oficial de maior realce na vida política. Ato de decisão política por excelência, é por meio dela, enquanto emanada da atuação da vontade popular, que o poder estatal propicia ao viver social modos predeterminados de conduta, de maneira que os membros da sociedade saibam, de antemão, como guiar-se na realização de seus interesses.
A função do direito de estruturar e garantir determinada ordem econômica e
social é habitualmente chamada de função conservadora ou de controle social173.
Por meio da lei ordinária o legislador realiza o controle social tipificando os delitos
penais.
A Lei no 8.212/1991 veio dispor sobre a organização da Seguridade Social e
instituiu o seu Plano de Custeio. Ao mesmo tempo, tipificou os ilícitos penais, que
acabaram sendo revogados pela Lei no 9.983, de 14 de julho de 2000, que levou
para o Código Penal as condutas ilícitas lesivas à Seguridade Social, como a
apropriação indébita previdenciária (art. 168-A) e a sonegação de contribuição
previdenciária (art. 337-A), que interferem na prestação das informações de dado
cadastral e financeiro, por meio da entrega da GFIP.
170
GRECO, Rogério. Código Penal: comentado. 5. ed. Niterói: Impetus, 2011. p. 1. 171
MENDES, COELHO e BRANCO, 2009. p. 336. 172
SILVA, 2005. p. 121. 173
BATISTA, Nilo. Introdução critica ao direito penal brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Renan, 2007. p. 21.
69
É certo que a referida lei também tipificou outros delitos, tais como: a inserção
de dados falsos em sistema de informações (art. 313-A174); modificação ou alteração
não autorizada de sistema de informações (art. 313-B175); divulgação de segredo
(art. 153176); e, violação de sigilo funcional (art. 325177). Contudo, como tais delitos
não tratam diretamente do nosso objeto de pesquisa, deixaremos de abordá-los.
Pela mesma razão, não investigaremos outros crimes passiveis de serem praticados
por particulares contra a Previdência Social, tais como corrupção ativa, desacato,
resistência, desobediência, divulgação de segredo, falsificação do selo ou sinal
público entre outros.
Para MARTINS178, aqui vemos a relação do Direito da Seguridade Social com
o Direito Penal, ou o que se poderia chamar de Direito Penal Securitário ou Direito
Penal Previdenciário, em que há penalidades para a inobservância das regras
atinentes à Seguridade Social. Os acontecimentos ilícitos vêm sempre atrelados a
uma providência sancionatória e, fixando o caráter lícito do evento, separa-se, com
nitidez, a relação jurídica do tributo da relação jurídica atinente às penalidades
exigidas pelo descumprimento de deveres tributários, segundo apontamento de
CARVALHO179.
174
Art. 313-A. Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. 175
Art. 313-B. Modificar ou alterar, o funcionário, sistema de informações ou programa de informática sem autorização ou solicitação de autoridade competente: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, e multa. Parágrafo único. As penas são aumentadas de um terço até a metade se da modificação ou alteração resulta dano para a Administração Pública ou para o administrado. 176
Art. 153. Divulgar alguém, sem justa causa, conteúdo de documento particular ou de correspondência confidencial, de que é destinatário ou detentor, e cuja divulgação possa produzir dano a outrem: [...] § 1
o-A. Divulgar, sem justa causa, informações sigilosas ou reservadas, assim
definidas em lei, contidas ou não nos sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública: [...] § 2
o Quando resultar prejuízo para a Administração Pública, a ação penal será
incondicionada." III – quem altera, falsifica ou faz uso indevido de marcas, logotipos, siglas ou quaisquer outros símbolos utilizados ou identificadores de órgãos ou entidades da Administração Pública. Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. 177
Art. 325 - Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação: [...] § 1
o Nas mesmas penas deste artigo incorre quem: I - permite ou
facilita, mediante atribuição, fornecimento e empréstimo de senha ou qualquer outra forma, o acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública; II - se utiliza, indevidamente, do acesso restrito. § 2o Se da ação ou omissão resulta dano à Administração Pública ou a outrem: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. 178
MARTINS, 2002. p. 292. 179
CARVALHO, 2007. p. 26.
70
O Direito Penal passa a ter relação com o Direito Previdenciário à medida em
que defini o ilícito penal a fim de punir aqueles que violam a legislação
previdenciária. Para CASTRO e LAZZARI180 o Direito Penal é importante para o
Direito Previdenciário pois
Na ocorrência de prática de infração à legislação previdenciária, há que se observar se a conduta do agente caracteriza delito ou contravenção penal. Daí a importância da relação com o Direito Penal. Desse ramo obter-se-á a tipificação de condutas reprováveis sob o ponto de vista criminal, sujeitas à sanção penal, cabendo ao estudioso do Direito Previdenciário ter delas noção.
Do Estado Democrático de Direito partem princípios regradores dos mais
diversos campos da atuação humana181. A norma penal é valorativa porque tutela os
valores mais elevados da sociedade dispondo-os em uma escala hierárquica e
valorando os fatos de acordo com a sua gravidade182. Quanto mais grave o crime,
mais severa a sanção aplicável ao seu autor.
A definição do comportamento violador do dever jurídico acerca dos crimes
contra a Seguridade Social deve se orientar por princípios democráticos. Assim, os
crimes de apropriação indébita previdenciária, inserção de dados falsos em sistema
de informações, modificação ou alteração não autorizada de sistema de informações
e sonegação de contribuição previdenciária já constam no Código Penal brasileiro183
desde a Lei no 9.983/2000, que tipificou como crimes determinadas condutas
frequentemente praticadas pelos contribuintes da Previdência Social, mais
especificamente pelos empregadores.
A citada lei além de tipificar tais condutas também revogou expressamente o
art. 95 da Lei nº 8.212/1991184, com exceção de seu § 2º, como exposto
anteriormente.
180
CASTRO e LAZZARI, 2007. p. 81. 181
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. v.1. parte geral: (arts. 1º a 120). 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 25. 182
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. São Paulo: Atlas, 1996. p. 22. 183
Decreto-Lei no 2.848, de 07 de dezembro de 1940.
184 O revogado art. 95 constituía como crime algumas condutas lesivas à Previdência Social, tais
como: a) deixar de incluir na folha de pagamentos da empresa os segurados empregado, empresário, trabalhador avulso ou autônomo que lhe prestem serviços; b) deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da empresa o montante das quantias descontadas dos segurados e o das contribuições da empresa; c) omitir total ou parcialmente receita ou lucro auferidos, remunerações pagas ou creditadas e demais fatos geradores de contribuições, descumprindo as normas legais pertinentes; d) deixar de recolher, na época própria, contribuição ou outra importância
71
Segundo VIANNA185, no jargão popular tais condutas ilícitas foram
denominadas ‘crimes previdenciários’ A Lei no 9.983/2000 inseriu no Código Penal o
art. 168-A tipificando a conduta de apropriação indébita previdenciária nos seguintes
termos:
Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. § 1
o Nas mesmas penas incorre quem deixar de:
I - recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público; II - recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços; III - pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social.
Este artigo trata dos casos mais comuns onde o empregador recolhe do
empregado a contribuição social e, simplesmente, deixa de repassá-las aos cofres
públicos, caracterizando assim o crime de apropriação indébita previdenciária.
Para HIBRAHIM186 é interessante observar que a conduta prevista no caput
do citado artigo e usualmente praticada pelo agente bancário, pessoa responsável
por transferir os valores arrecadados à Previdência Social. Já no § 1º, I, tem-se
conduta praticada, em geral, por empregadores.
Verificamos que para configurar o delito é necessário que, no caso concreto,
que se pratique os elementos integrantes do tipo penal, quais sejam: a) a conduta
devida à Seguridade Social e arrecadada dos segurados ou do público; e) deixar de recolher contribuições devidas à Seguridade Social que tenham integrados custos ou despesas contábeis relativos a produtos ou serviços vendidos; f) deixar de pagar salário-família, salário-maternidade, auxílio-natalidade ou outro benefício devido a segurado, quando as respectivas quotas e valores já tiverem sido reembolsados à empresa; g) inserir ou fazer inserir em folha de pagamentos, pessoa que não possui a qualidade de segurado obrigatório; h) inserir ou fazer inserir em Carteira de Trabalho e Previdência Social do empregado, ou em documento que deva produzir efeito perante a Seguridade Social, declaração falsa ou diversa da que deveria ser feita; i) inserir ou fazer inserir em documentos contábeis ou outros relacionados com as obrigações da empresa declaração falsa ou diversa da que deveria constar, bem como omitir elementos exigidos pelas normas legais ou regulamentares específicas; j) obter ou tentar obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo direto ou indireto da Seguridade Social ou de suas entidades, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, contrafação, imitação, alteração ardilosa, falsificação ou qualquer outro meio fraudulento. § 1º No caso dos crimes caracterizados nas alíneas d, e, e f deste artigo, a pena será aquela estabelecida no art. 5° da Lei n° 7.492, de 16 de junho de 1986, aplicando-se à espécie as disposições constantes dos arts. 26, 27, 30, 31 e 33 do citado diploma legal. 185
VIANNA, 2008. p. 327. 186
IBRAHIM, 2011. p. 466.
72
núcleo de deixar de repassar à previdência social; b) as contribuições já
anteriormente recolhidas do contribuinte; c) no prazo e forma legal ou convencional.
Temos que “deixar de repassar” deve ser entendido como de não transferir
aos cofres da previdência social as contribuições previamente descontadas dos
empregados e, nos dizeres de GRECO187 isso significa que, embora tendo efetuado
os descontos pertinentes aos valores cabidos à previdência social, o agente não os
repassa, não os recolhe em benefício de quem de direito, isto é, a previdência
social, que, de acordo com a arrecadação que lhe for pertinente, nos termos
preconizados pelo art. 201 da Constituição de 1988.
Segundo IBRAHIM188 esse crime é usualmente caracterizado como formal,
pois o resultado não é necessário para a sua caracterização, sendo ainda, omissivo
próprio, pois prevê uma omissão por parte do agente. Assim, não existe a figura
culposa, haja vista que a vontade de praticar o ato de reter e não recolher a
contribuição previdenciária já caracteriza o delito penal.
O Supremo Tribunal Federal189 tem decidido no sentido de que o crime de
não recolhimento de contribuições previdenciárias é omissivo próprio190 e exige o
dolo para sua caracterização, consistente na consciência e vontade de deixar de
repassar ao INSS os valores descontados dos salários dos empregados a título de
contribuição previdenciária, prescindindo da fraude material e do animus rem sibi
habendi.
No inciso I temos a tipificação da conduta daquele que deixar de recolher, no
prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que
tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou
arrecadada do público. Trata-se, claramente, do descumprimento da obrigação
prevista no art. 31, inc. I, alínea ‘a’ e ‘b’, da Lei no 8.212/1991, que obriga a empresa
187
GRECO, 2009. p. 218. 188
IBRAHIM, 2011. p. 466. 189
STF - AG.REG. no Recurso Extraordinário 609.040, Relator: Min. Marco Aurélio, DJe 24/09/2013; Emb. Decl. No Ag.Reg. no Inqu 2537 Agr-ED / GO, Relator: Min. Marco Aurélio, DJe 13/11/2008; HC 83417 / PR, Relator: Min. Cezar Peluso, DJe 19/12/2007. 190
Para melhor compreensão, tem-se que os crimes omissivos próprios são obrigatoriamente
previstos em tipos penais específicos, em obediência ao princípio da reserva legal, dos quais são exemplos típicos os previstos nos arts. 135, 244, 269 etc. Os crimes omissivos impróprios, por sua vez, como crimes de resultado, não têm uma tipologia própria, inserindo-se na tipificação comum dos crimes de resultado, como o homicídio, a lesão corporal etc. Na verdade, nesses crimes não há uma causalidade fática, mas jurídica, em que o omitente, devendo e podendo, não impede o resultado. (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Parte especial 3. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 708-709).
73
a arrecadar e a recolher os valores das contribuições dos segurados empregados e
trabalhadores avulsos a seu serviço, descontando-as da respectiva remuneração.
Entendemos que somente o caput do citado artigo pode ser considerado
como omissivo próprio191, tendo em vista que a tipicidade do inciso I deveria ser
considerada como comissiva mista, haja vista que há o ato omissivo de deixar de
fazer precedido pelo ato comissivo192 que se consubstancia na realização do
desconto da contribuição previdenciária no pagamento efetuado a segurados, a
terceiros ou arrecadados do público.
A Lei no 9.983/2000 também inseriu no Código Penal brasileiro o art. 337-A193,
definindo a sonegação de contribuição previdenciária nos seguintes termos:
Art. 337-A. Suprimir ou reduzir contribuição social previdenciária e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: I - omitir de folha de pagamento da empresa ou de documento de informações previsto pela legislação previdenciária segurados empregado, empresário, trabalhador avulso ou trabalhador autônomo ou a este equiparado que lhe prestem serviços; II - deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da empresa as quantias descontadas dos segurados ou as devidas pelo empregador ou pelo tomador de serviços; III - omitir, total ou parcialmente, receitas ou lucros auferidos, remunerações pagas ou creditadas e demais fatos geradores de contribuições sociais previdenciárias: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
O delito de sonegação de contribuição previdenciária é de natureza material,
pois contém como um dos elementos a supressão ou redução de tributo, o que torna
imprescindível o lançamento definitivo do crédito tributário como condição para que
191 Segundo CAPEZ, nos crimes omissivos próprios podemos afirmar que inexiste a violação de um
dever especial de agir imposto pela norma [...]. Não há uma norma impondo o que deveria ser feito. Ante a inexistência do quod debeatur, a omissão perde relevância causal, e o omitente só praticará crime se houver tipo incriminador descrevendo a omissão como infração formal ou de mera conduta. CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. parte especial 2. (arts. 121 a 212). 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 245). 192
São os chamados crimes omissivos impróprios (também conhecidos como omissivos impuros,
espúrios, promíscuos ou comissivos por omissão. (CAPEZ, op. cit. p. 29). 193
Os crimes relativos a contribuições arrecadas pela Receita Federal (Confis, PIS, contribuição sobre o lucro) são tipificadas na Lei de Crimes contra a Ordem tributária, pois não são arrecadas pela Previdência Social. (Lei n
o 8.137/1990). (MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social
trabalho. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 297).
74
se deflagre a persecução criminal, segundo o entendimento consolidado no
Supremo Tribunal Federal.194
Para GREGO195, os núcleos constantes do tipo penal em estudo são: suprimir
e reduzir. A conduta suprimir é pratica pelo agente mediante qualquer dos
comportamentos previstos nos incisos I a III e tem por finalidade eliminar, deixar de
pagar a contribuição social previdenciária ou qualquer acessório; reduzir significa
diminuir, efetuando, efetivamente, o pagamento em quantidade inferior à devida.
Neste caso, tem-se crime material, já que o resultado compõe o tipo, pois é
necessária a supressão ou redução de contribuição social para a sua
materialização196. O artigo referido contem três tipos delitivos ancorados nos incisos
I a III, que expressam condutas omissivas, com o fim de suprimir ou reduzir
contribuição social previdenciária e qualquer acessório197.
Apenas o responsável pela conduta de lançamento das informações nos
documentos destinados à autarquia (GFIP) poderá ser o sujeito ativo do tipo penal.
Nesse caso poderíamos considerar como responsáveis os gerente ou administrador,
sócio, diretor de um estabelecimento. Mas, certamente deve ser observado, no caso
concreto, o efetivo responsável, ou seja, a pessoa que tinha a função, dentro da
empresa, de efetuar os lançamentos e não o fez ou que tinha a função e o dever de
cumprir as obrigações previdenciárias da empresa.
A discussão acerca da necessidade ou não de dolo específico (animus rem
sibi habendi) nos crimes de sonegação previdenciária, já está consolidada na Corte
Suprema, os quais afirmaram ser dispensável, bastando para a caracterização do
194
BRASIL, Tribunal Regional Federal. (4o. Região). Relator: Leandro Pausen - ACR – Apelação
Criminal – Processo no 5009160-41.2012.404.7001. D.E. 12/05/2014.
195 GRECO, 2011. p. 959.
196 IBRAHIM, 2011. p. 472.
197 Ainda discorrendo sobre o tema Luiz Regis Prado leciona que: “Inicialmente, impõe-se a assertiva
de que ao lado do ilícito penal de sonegação de contribuição previdenciária ha também a infração administrativa, com sanções especificas, conforme se verifica no artigo 283, incisos l, a, e II, a e b, do Decreto 3.048/1999, podendo ocorrer, por conseguinte, a cumulação de sanções (penal e administrativa) no mesmo caso concreto. A diferença, contudo, entre ambos, inclusive no que tange as sanções, e apenas de grau, de quantidade. Assim, quando o ato praticado denota maior gravidade, ferindo substancialmente o interesse publico, tutela-se bem jurídico no âmbito do Direito Penal, enquanto a conduta que não se reveste de maior importância e apenada administrativamente; logo, no cotejo entre ambos, pode-se concluir que a infração administrativa é um minus em relação ao Ilícito penal." (PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Volume 3. Parte Especial. arts. 250 a 359H. 6 ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: RT, 2008. p. 556).
75
delito, tão somente, o dolo genérico, consubstanciado na vontade livre e consciente
de omitir-se de praticar dever previsto em lei198.
Assim, ocorrendo a supressão ou redução de informações, ou prestação de
informações incorretas, com consequente diminuição de contribuições restará
tipificado o crime material de sonegação previdenciária199.
Como observa PRADO200 que ao reprimir penalmente a sonegação de
contribuição previdenciária, o legislador, objetivando assegurar o cumprimento das
prestações publicas por parte do Estado, especificamente na área previdenciária,
protege o patrimônio do ente publico dotado de capacidade ativa para arrecadar tal
contribuição, já que quando esse direito e frustrado pela sonegação perpetrada pelo
agente há um dano ao patrimônio daquele.
3.1.3 Responsabilidade Civil do Empregador
O responsável que deixar de repassar à previdência social as contribuições
recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional, bem como por
deixar de recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à
previdência social que tenha sido descontada do pagamento efetuado ao
empregado, como vimos anteriormente, é crime tipificado no art. 168-A do Código
Penal, ao passo que suprimir ou reduzir contribuição social previdenciária e qualquer
acessório devido, é tipificado como conduta criminosa prevista no art. 377-A. Não
198
BRASIL, Tribunal Regional Federal. (4.Região). Relator: Élcio Pinheiro de Castro - ACR – Apelação Criminal – Processo n
o 0000205-43.2002.404.7103/RS. D.E. 04/09/2012.
199 Conforme PRADO: “o alcance da proteção legal restringe-se tão somente a contribuição social
previdenciária a que se refere o artigo 195 da Constituição Federal, além da Cofins e da Contribuição Social sobre o Lucro Liquido (CSLL), que se destinam a Seguridade Social, não se inserindo no âmbito protetivo da norma penal as demais contribuições sociais mencionadas pelo artigo 149 da Carta Constitucional. [...] Tal restrição e observada pela doutrina em relação a Lei n
o 8.137/1990,
argumentando que o alcance normativo não se estende a ‘exações que, embora recolhidas juntamente com as contribuições previdenciárias, não compõem o orçamento da Previdência Social, posto que destinadas a entidades particulares, como o SESI, SENAI, SENAC etc. Também não se submetem a esse comando a supressão ou redução de outras contribuições [...], como aquelas destinadas a intervenção no domínio econômico e de interesse de categorias profissionais ou econômicas, referidas no artigo 149 da Constituição Federal’.” (PRADO, 2008. p. 558). 200
PRADO, op. cit. p. 557.
76
obstante a caracterização de tais delitos é claro que também estará cometendo
infração administrativa.
Nessa situação, questionamos se o agente causador de danos decorrente de
sua responsabilidade nos fatos acima descritos, também responderá civilmente por
danos material e moral? Ou, simplesmente, não há que se falar em danos diante da
inexistência de responsabilidade civil por infrações à legislação tributária201?
Como vimos anteriormente, para compor o cálculo da renda mensal dos
benefícios concedidos ao segurado a Seguridade Social, em decorrência do caráter
contributivo do sistema previdenciário brasileiro, utiliza às contribuições vertidas para
o sistema pelo segurado.202 Desta forma, se percebe a relevância da empresa para
descontar, recolher e repassar a contribuição previdenciária, tendo em vista que a
concessão e o valor do benefício a ser concedido estarão vinculados às informações
prestadas pela empresa.
A responsabilidade jurídica da pessoa jurídica203 abrange a responsabilidade
civil e a criminal. Nesta, quando há uma turbação social, naquela, quando há dano
privado. Nesse sentido leciona Maria Helena Diniz204 que
Enquanto a responsabilidade penal pressupõe uma turbação social, ou seja, uma lesão aos deveres de cidadãos para como a ordem da sociedade, acarretando um dano social determinado pela violação da norma penal,
201
As contribuições, inclusive as previdenciárias, têm natureza tributária e se submetem ao regime jurídico-tributário previsto na Constituição. Interpretação do art. 149 da CF de 1988. Precedentes. Recurso extraordinário não provido. Inconstitucionalidade dos arts. 45 e 46 da Lei 8.212/1991, por violação do art. 146, III, b, da Constituição de 1988, e do parágrafo único do art. 5º do DL 1.569/1977, em face do § 1º do art. 18 da Constituição de 1967/69. Modulação dos efeitos da decisão. Segurança jurídica. São legítimos os recolhimentos efetuados nos prazos previstos nos arts. 45 e 46 da Lei 8.212/1991 e não impugnados antes da data de conclusão deste julgamento." (RE 556.664 e RE 559.882, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 12-6-2008, Plenário, DJE de 14-11-2008, com repercussão geral.) No mesmo sentido: RE 505.771-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 10-2-2009, Segunda Turma, DJE de 13-3-2009; RE 560.626, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 12-6-2008, Plenário, DJE de 5-12-2008, com repercussão geral; RE 559.943, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 12-6-2008, Plenário, DJEde 26-9-2008, com repercussão geral. Vide: RE 543.997-AgR, voto da Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 22-6-2010, Segunda Turma, DJE de 6-8-2010. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigoBD.asp?item=1407>. Acesso em 16.05.2014. 202
TSUTIYA, 2008. p. 254. 203
Pessoa jurídica é o sujeito de direito personificado não humano. É também chamada de pessoa moral. Como sujeito de direito, tem aptidão para titularizar direitos e obrigações. Por ser personificada, está autorizada a praticar os atos em geral da vida civil — comprar, vender, tomar emprestado, dar em locação etc. —, independentemente de específicas autorizações da lei. Finalmente, como entidade não humana, está excluída da prática dos atos para os quais o atributo da humanidade é pressuposto, como casar, adotar, doar órgãos e outros. (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil: parte geral. v. 1 - 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 532.) 204
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro – Responsabilidade civil. 7 v. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 19-20.
77
exigindo para restabelecer o equilíbrio social, investigação da culpabilidade do agente ou o estabelecimento da anti-sociabilidade do seu procedimento, acarretando a submissão pessoal do agente à pena que lhe for imposta pelo órgão judicante, tendendo, portanto, à punição, isto é, ao cumprimento da pena estabelecida na lei penal. A responsabilidade civil requer prejuízo a terceiro, particular ou Estado. A responsabilidade civil, por ser repercussão do dano privado, tem por causa geradora o interesse em restabelecer o equilíbrio jurídico alterado ou desfeito pela lesão, de modo que a vítima poderá pedir reparação do prejuízo causado, traduzida na recomposição do statu quo ante ou numa importância em dinheiro.
A responsabilidade jurídica tem evoluído no decorrer dos tempos. Washington
de Barros Monteiro205 nos lembra de que “numa face mais rudimentar da cultura
humana, a reparação do dano resumia-se na retribuição do mal pelo mal, de que era
típico exemplo a pena de talião, olho por olho, dente por dente; quem com fero fere,
com ferro será ferido”.
Hodiernamente, de acordo com Paulo Roberto Ribeiro Nalin206
, são três as
formas de indenização: a reconstituição natural do prejuízo; na sua impossibilidade,
a reparação por equivalência, voltada a danos patrimoniais; e a compensação,
destinada a danos extrapatrimoniais não indenizáveis in natura.
Segundo Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho207 a noção jurídica
de responsabilidade pressupõe a atividade danosa de alguém que, atuando a priori
ilicitamente, viola uma norma jurídica preexistente (legal ou contratual),
subordinando-se, dessa forma, às consequências do seu ato (obrigação de reparar).
Para refletir sobre a responsabilidade civil do responsável pelas informações
prestadas à Previdência Social é necessário atentar ao contido nos artigos 186 e
927, do Código Civil, de 2002. O citado artigo 186 prescreve a caracterização da
responsabilidade civil subjetiva ao precisar que “aquele que, por ação ou omissão
voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda
que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Ato ilícito é todo ato decorrente de
uma conduta humana voluntária, que ao ser praticado contraria a ordem jurídica
vigente, gerando o dever de indenizar208. Ao passo que o art. 927, do Código Civil,
205
MONTEIRO, 1990-1995. p. 391. 206
NALIN, Paulo Roberto Ribeiro. Responsabilidade civil: descumprimento do contrato e dano extrapatrimonial. Curitiba: Juruá, 1996. p.46. 207
GACLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil – vol. 3. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 54. 208
BARROS, Ana Lucia Porto de [et al]. O novo código civil: comentado. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2002. p. 123.
78
dispõe que “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica
obrigado a repará-lo”. 209
Silvio de Salvo Venosa210 explica que a responsabilidade objetiva, ou
responsabilidade sem culpa, somente pode ser aplicada quando existe lei expressa
que a autoriza. Portanto, na ausência de lei expressa, a responsabilidade pelo ato
ilícito será subjetiva, pois esta é a regra geral no direito brasileiro.
Considerando que quem age como não deveria agir (incorre em ato ilícito)
tem o dever de indenizar as perdas e danos a que der causa211, e que neste
momento nos interessa a responsabilidade civil do responsável/empregador como
fato ou ato punível ou moralmente reprovável, na medida em que deixa de recolher
ou repassar os dados cadastral e financeiro do seu empregado funcionário para a
Previdência Social, produz o prejuízo decorrente da inexecução do dever legal.
Assim, devemos aferir a conduta do agente, isto é, um encadeamento ou
série de atos ou fatos promovidos pelo responsável para averiguar a possível
responsabilidade e o dever de indenizar o empregado prejudicado, a começar do
desconto da quota de contribuição previdenciária do empregado que é efetuada por
seu empregador e que deve ser repassada aos cofres do INSS.
Uma vez que o empregador cumpra toda obrigação legal, nada há de perquirir
acerca de eventual dano causado ao empregado. Contudo, se o responsável pelo
devido desconto e repasse de valores, e demais informações, deixar de efetivá-los,
como determinado em lei, deve-se de agora em diante indagar o possível
surgimento de danos ao empregado.
A primeira questão que surge é se estaríamos diante da responsabilidade
subjetiva ou objetiva? Seguindo o raciocínio apresentado por VENOSA devemos
pensar se há ou não norma expressa que discipline nossa questão. Como vimos
209
Trata-se da mais relevante inovação introduzida no atual Código Civil, na parte atinente à responsabilidade civil. Antes, a responsabilidade independente de culpa somente existia nos casos especificados em lei, ou seja, em alguns artigos esparsos do Código Civil e em leis especiais. Atualmente, mesmo inexistindo lei que regulamente o fato, pode o juiz aplicar o princípio da responsabilidade objetiva, independentemente de culpa, baseando-se no dispositivo legal mencionado, ‘quando a atividade normalmente desenvolvida pela autora do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 242.) 210
VENOSA, Sílvio de Salvo. Responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 15. 211
COELHO, 2012. p. 817-818.
79
anteriormente, a Lei no 8.212/1991212, impõe como obrigação à empresa a
arrecadação e o recolhimento das contribuições, bem como a prestação de
informações ao INSS. Sendo assim, podemos afirmar que se trata de
responsabilidade objetiva?
De outro lado, haja vista que o Código Penal tipifica as condutas de
apropriação indébita previdenciária e a sonegação de contribuição previdenciária
como crimes poderíamos presumir que a partir de uma sentença condenatória
transitada em julgado, e que tenha condenado criminalmente o responsável,
gozaríamos de um título executivo para que o trabalhador prejudicado na concessão
de seu benefício previdenciário pudesse buscar a responsabilidade civil do
responsável?
De forma adequada, não há como avançar no estudo sem antes enfrentarmos
tais indagações. Inicialmente, partiremos da questão em torno da responsabilidade
do infrator tributário responsável pelo desconto e repasse das contribuições e
informações à Previdência Social.
As infrações à legislação tributária independem da intenção do agente nos
termos do art. 136 do CTN ao dispor que:
Art. 136. Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato.
Pela leitura do artigo acreditamos que a responsabilidade por infrações à
legislação tributária não requer a intenção do agente ou do responsável, ou seja,
não há que se falar em dolo. Presume-se, assim, que estamos diante da
responsabilidade objetiva.
212
Art. 32. A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de outras importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes normas: I - A empresa é obrigada a: a) arrecadar as contribuições dos segurados empregados e trabalhadores avulsos a seu serviço, descontando-as da respectiva remuneração; b) recolher os valores arrecadados na forma da alínea a deste inciso, a contribuição a que se refere o inciso IV do art. 22 desta Lei, assim como as contribuições a seu cargo incidentes sobre as remunerações pagas, devidas ou creditadas, a qualquer título, aos segurados empregados, trabalhadores avulsos e contribuintes individuais a seu serviço até o dia 20 (vinte) do mês subsequente ao da competência; [...] Art. 32-A. A empresa é também obrigada a: [...] IV – declarar à Secretaria da Receita Federal do Brasil e ao Conselho Curador do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, na forma, prazo e condições estabelecidos por esses órgãos, dados relacionados a fatos geradores, base de cálculo e valores devidos da contribuição previdenciária e outras informações de interesse do INSS ou do Conselho Curador do FGTS;
80
Contudo, o inciso I, do art. 137, do CTN reza que as infrações conceituadas
por lei como crimes ou contravenções são de responsabilidade pessoal do agente.
Mas, por sua vez, a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de
Justiça213 é firme no sentido de que, para a configuração do crime de apropriação
indébita previdenciária, basta a comprovação do dolo genérico. O especial fim de
agir, conhecido como rem sibi habendi (a intenção de ter a coisa para si) não se faz
necessário para a ocorrência desses crimes. Para melhor compreensão, vejamos
trecho da seguinte decisão
Constitui crime omissivo próprio formal o delito de apropriação indébita previdenciária. Isso porque o delito se perfaz com a mera omissão de recolhimento da contribuição previdenciária dentro do prazo e das formas legais, prescindindo do dolo específico. Ressalte-se que basta a simples omissão no recolhimento das contribuições descontadas dos empregados para sua caracterização. (STJ - AgRg no REsp 1423762 / SC. Rel.: Ministro Moura Ribeiro. DJe 27/03/2014.)
Desta maneira, estamos diante de dolo genérico, pois basta a omissão
deliberada no recolhimento das contribuições descontadas dos empregados para
sua caracterização.
Em segundo lugar, abordando especificamente a eventual responsabilidade
civil decorrente de sentença criminal transitada em julgado214 que reconhece e
condena o responsável por apropriação indébita previdenciária ou por sonegação
previdenciária, há que se observar o contido no art. 935 do Código Civil ao assentar
que a “responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar
mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas
questões se acharem decididas no juízo criminal”.
À vista disso, uma vez havendo sentença criminal condenatória, transitada em
julgado, poderíamos assegurar que estaríamos diante de um título executivo de
responsabilidade civil do condenado em favor do empregado lesado. Apesar disso,
temos que não há que se falar em título executivo, haja vista que em tais casos de
pronunciamento judicial somente será titular o ofendido, seu representante legal ou
213
No mesmo sentido temos AgRg no REsp 1435304 / PA, HC 266462 / SP; AgRg no REsp 1423762 / SC, AgRg no REsp 1265636 / SP, EREsp 1296631-RN, AgRg no REsp 535554-MT, AgRg no REsp 893289-RS, AgRg no REsp 1243598-ES. 214
O art. 63 do Código de Processo Penal (Decreto-Lei no
3.689/1941) dispõe que “transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros”.
81
seus herdeiros, pois são as pessoas legitimas a promover a execução. Neste caso,
temos que lembrar que o objeto jurídico tutelado é o equilíbrio financeiro da
Seguridade Social, e não o segurado da Previdência Social.215
Assim, enfrentadas as questões acimas, passamos agora a examinar a
eventual responsabilidade civil no âmbito do Código Civil brasileiro do
dirigente/responsável de empresa que arrecada contribuições sociais devidas pelos
segurados empregados, destinadas à Seguridade Social, por meio de desconto
incidente sobre as remunerações, e deixa de repassá-las à Previdência Social, no
prazo e forma legal.
Para que se faça presente o direito subjetivo a receber indenização,
ressarcimento ou compensação em razão de responsabilidade civil da pessoa
jurídica privada com base na culpa (art. 186 do Código Civil), seja contratual ou
extracontratual, exige-se concomitantemente três pressupostos: a) lesão de um bem
jurídico, b) ilícito civil, em conduta culposa ou dolosa do agente, c) nexo de
causalidade entre a conduta e a lesão. Trata-se da teoria, clássica e tradicional, da
responsabilidade subjetiva. Nessa vereda aponta MONTEIRO216 que
A base sobre a qual repousa a teoria clássica e tradicional da culpa, também chamada teoria da responsabilidade subjetiva, que pressupões sempre a existência de culpa (lato sensu), abrangendo o dolo (pleno conhecimento do mal e direta intenção de o praticar) e a culpa (stricto sensu), violação de um dever que o agente podia conhecer e acatar. Desde que esses atos impliquem vulneração ao direito alheio, ou acarretem prejuízo a outrem, surge a obrigação de indenizar e pela qual civilmente reponde o culpado. Segundo essa doutrina, a responsabilidade civil tem como extremos legais: a) a existência de um dano contra o direito; b) a relação de causalidade entre esse dano e o fato imputável ao agente; c) a culpa deste, isto é, que o mesmo tenha obrado com dolo ou culpa (negligência, imprudência ou imperícia).
Estando presente os três requisitos acima restará configurada a
responsabilidade civil do empregador diante da omissão dos descontos e do repasse
das constrições e das informações à Previdência Social.
215
Cf. CASTRO e LAZZARI: “o sujeito passivo do crime de apropriação indébita previdenciária é o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, autarquia federal incumbida de arrecadas, fiscalizar, lançar e normatizar o recolhimento das contribuições a cargo dos segurados, consoante regra contida no art. 33 da Lei n. 8.212/1991. Não se cogita de ser considerado sujeito passivo o segurado, em face do regime de repartição, no qual as contribuições revertem para os cofres da Seguridade Social, e não para uma conta individualizada do trabalhador” (CASTRO e LAZZARI, 2007, p. 366). 216
MONTEIRO, 1990-1995. p. 392.
82
3.2 REFLEXÕES SOBRE AS PENALIDADES
O Brasil vem há quase duas décadas implementando reformas institucionais
de cunho econômico, político, social, jurídico e administrativo com reflexos
diferenciados na atividade econômica, na área social e no exercício da cidadania217
com objetivo de garantir os direitos fundamentais.
Para HABERMAS218 os direitos só se tornam socialmente eficazes, quando os
atingidos são suficientemente informados e capazes de atualizar, em casos
específicos, a proteção do direito garantida através de direitos fundamentais de
justiça. Mas, se os atingidos possuem poucas condições para fiscalizar e exigir seus
direitos, decerto que os direitos fundamentais de justiça não se concretizarão e
somente por meio da força coercitiva do Direito é que se pode protegê-los. Por isso,
no capítulo anterior abordamos a lei previdenciária, penal e civil no que contorna a
indevida prestação de informações financeira e cadastral pelo empresário
empregador à Previdência Social e apresentamos as possíveis consequências
legais aplicáveis.
Neste capítulo buscaremos apresentar algumas reflexões acerca das
penalidades e consequências aplicadas aos responsáveis frente à preservação dos
direitos previdenciários do trabalhador em decorrência das atividades lesivas das
empresas que cometem apropriação indébita previdenciária e sonegação de
contribuição previdenciária. Tal prática tem violado os direitos sociais e, por
consequência, a transgressão aos direitos sociais vem obstaculizando cada vez
mais a busca da cidadania, se é que no Brasil temos a figura do cidadão, como
disse Milton Santos219.
217
CAMPOS, André Gambier; GARCIA, Ronaldo Coutinho; AMORIM, Ricardo L. C. BRASIL: o estado de uma nação – Estado, crescimento e desenvolvimento: a eficiência do setor público no Brasil. Brasília: IPEA, 2008. p. 32. 218
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. V; II. Tradução: Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. p. 149. 219
Observa Santos: “É certo que no Brasil tal oposição é menos sentida, porque em nosso país jamais houve a figura do cidadão. As classes chamadas superiores, incluindo as classes médias, jamais quiseram ser cidadãs; os pobres jamais puderam ser cidadãos. As classes médias foram condicionadas a apenas querer privilégios e não direitos. (SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 20. ed. Rio de Janeiro: Record, 2011. p. 49-50.)
83
3.2.1 Modelo de Sanções Administrativas
Vimos que a empresa que entregar a Guia de Recolhimento do Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço e Informações à Previdência Social (GFIP) fora do
prazo, com incorreções ou omissões, ou que deixar de entregar esta violando a
obrigação acessória prevista no artigo 32, inciso IV, da Lei no 8.212/1991, e estará
sujeita ao pagamento das multas previstas na legislação.
Relembremos, resumidamente220, que as multas aplicáveis por atraso na
entrega da GFIP correspondente a 2,0% (dois por cento) para o mês/competência,
incidente sobre o montante das contribuições informadas, ainda que integralmente
pagas, respeitados o percentual máximo de 20% (vinte por cento) e os valores
mínimos de R$ 200,00, no caso de declaração sem fato gerador, ou de R$ 500,00,
nos demais casos. Essas multas são por infração tributária, legalmente prevista,
ante a violação do dever administrativo. As multas podem ser em decorrer de um
dever administrativo violado ou de um direito subjetivo de crédito do ente público,
como esclarece Zelmo Denari221 que
As penalidades pecuniárias, em nosso sistema tributário, podem resultar da violação de um dever administrativo, vale dizer, de uma infração tributária legalmente prevista, ou da violação de um direito subjetivo de crédito do ente público, vale dizer, do inadimplemento de uma obrigação tributária no respectivo vencimento. Devemos aludir, no primeiro caso, às multas por infração e, no segundo caso, às multas de mora.
220
As multas foram detalhadas no capítulo anterior mas, por cautela transcrevemos o art. 32-A, da Lei n
o 8.212/1991: I – de R$ 20,00 (vinte reais) para cada grupo de 10 (dez) informações incorretas ou
omitidas; e II – de 2% (dois por cento) ao mês-calendário ou fração, incidentes sobre o montante das contribuições informadas, ainda que integralmente pagas, no caso de falta de entrega da declaração ou entrega após o prazo, limitada a 20% (vinte por cento), observado o disposto no § 3
o deste artigo.
§ 1o Para efeito de aplicação da multa prevista no inciso II do caput deste artigo, será considerado
como termo inicial o dia seguinte ao término do prazo fixado para entrega da declaração e como termo final a data da efetiva entrega ou, no caso de não-apresentação, a data da lavratura do auto de infração ou da notificação de lançamento. § 2
o Observado o disposto no § 3
o deste artigo, as multas
serão reduzidas: I – à metade, quando a declaração for apresentada após o prazo, mas antes de qualquer procedimento de ofício; ou II – a 75% (setenta e cinco por cento), se houver apresentação da declaração no prazo fixado em intimação. § 3
o A multa mínima a ser aplicada será de: I – R$
200,00 (duzentos reais), tratando-se de omissão de declaração sem ocorrência de fatos geradores de contribuição previdenciária; e II – R$ 500,00 (quinhentos reais), nos demais casos. 221
DENARI, Zelmo. Curso de direito tributário. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 243.
84
De regra, as multas tributárias são graduadas de acordo com a intensidade da
conduta ilícita. Não há previsão legal que leve em conta a capacidade financeira do
infrator, ou seja, as empresas de diferentes portes estão sujeitas as mesmas multas.
Isso pode gerar algumas distorções ao serem efetivamente aplicadas, pois as
empresas de menor porte financeiro podem ficar em dificuldades pela aplicação de
multas expressivas, ao passo que para empresas de maior porte financeiro, a
aplicação da mesma multa, em nada compromete suas atividades.222
O valor da multa não é escalonado de acordo com a condição financeira da
empresa ou de seu poder econômico. O Ministro Joaquim Barbosa223 já expressou
que o escalonamento geralmente ocorre nas multas de acordo com o momento de
seu pagamento. Vejamos:
Vale lembrar que a legislação tributária também costuma escalonar as multas de acordo com o momento em que o contribuinte solve o débito. Trata-se de uma forma de estimular a antecipação do pagamento em relação a alguns marcos bem definidos, como o início do processo administrativo para homologação ou para lançamento de ofício (denúncia espontânea), a constituição definitiva do crédito tributário ao final de processo administrativo regular, a inscrição em dívida ativa (cobrança amigável), o ajuizamento de ação de execução fiscal etc.
Para MACHADO224, a pena pecuniária, para ser eficaz, deve implicar
sacrifício para quem a suporta. Na mesma esteira CARVALHO225 entende que
As penalidades pecuniárias são as mais expressivas formas do desígnio punitivo que a ordem jurídica manifesta, diante do comportamento lesivo dos deveres que estipula. Ao lado do indiscutível efeito psicológico que operam, evitando, muitas vezes, que a infração venha a ser consumada, é o modo por excelência de punir o autor da infração cometida.
222
Nesse sentido, há o Projeto de Lei PL no 3.244/2012, de autoria do Senador Francisco Dornelles
tramitando no Senado Federal para reduzir e escalonar, por faixa de receita bruta anual da pessoa jurídica, o valor das multas por descumprimento de obrigação acessória. Atualmente, projeto esta aguardando Parecer do Relator na Comissão de Finanças e Tributação (CFT), dede 06/03/2012. Disponível em < http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=534935 >. Acesso em 21/05/2014. 223
STF – RE 640.452 RG/RO. Rel.: Min: Joaquim Barbosa, DJe de 07/12/2011. 224
Machado ainda adverte que em sentido oposto, todavia, manifestou-se já o Supremo Tribunal Federal, quando concedeu medida liminar em ação promovida pela Federação Nacional do Comércio para suspender a vigência do art. 3
o, parágrafo único, da Lei n
o 8.846/1994, que comina, para a
hipótese de venda de mercadoria sem a emissão de nota fiscal, multa de 300% (trezentos por cento) do valor da operação. (MACHADO, 2004. p. 468). 225
CARVALHO, 2007. p. 336.
85
O Ministro Gilmar Mendes226 também já expressou que a multa para cumprir a
função de desencorajadora de elisão fiscal, de um lado não pode ser insignificante e
nem confiscatória, sendo que
A aplicação da multa moratória tem o objetivo de sancionar o contribuinte que não cumpre suas obrigações tributárias, prestigiando a conduta daqueles que pagam em dia seus tributos aos cofres públicos. Assim, para que a multa moratória cumpra sua função de desencorajar a elisão fiscal, de um lado não pode ser pífia, mas, de outro, não pode ter um importe que lhe confira característica confiscatória, inviabilizando inclusive o recolhimento de futuros tributos.
Mas, como implicar em sacrifício a aplicação das multas se o art. 150, inciso
IV, da Constituição de 1988, veda a tributação confiscatória? A temática sobre as
linhas demarcatórias do confisco, em matéria de tributo, decididamente não foi
desenvolvida de modo satisfatório, podendo-se dizer que sua doutrina está ainda por
ser elaborada.227
A vedação do efeito confiscatório aplica-se tanto aos tributos propriamente,
como às multas pelo descumprimento da legislação tributária. PALSEN228 salientou
que o STF tem impedido a aplicação do efeito confiscatório tanto aos tributos,
quanto às multas ao expor que
O STF tem sinalizado, também, no sentido de que a vedação do efeito confiscatório aplica-se tanto aos tributos propriamente, como às multas pelo descumprimento da legislação tributária, invocando o art. 150, IV, da CF em ambos os casos. Mas deve-se ter bem presente que os fundamentos da vedação, num e noutro caso, a rigor, são distintos. A vedação de efeito confiscatório na instituição ou majoração de tributos decorre diretamente do art. 150, IV, da Constituição; relativamente às multas, da proporcionalidade das penas e do princípio da vedação do excesso
Nesse mesmo caminho, o Min. Ilmar Galvão229 afirma que o art. 150, IV, da
Carta da República veda a utilização de tributo com efeito confiscatório, ou seja, a
atividade fiscal do Estado não pode ser onerosa a ponto de afetar a propriedade do
contribuinte, confiscando-a a título de tributação. Tal limitação ao poder de tributar
estende-se, também, às multas decorrentes das obrigações tributárias, ainda que
não tenham elas natureza de tributo.
226
STF - RE 582.461-RG. Rel.: Min. GILMAR MENDES, DJe de 18/08/2011. 227
CARVALHO, 2007. p. 101. 228
PALSEN, Leandro. Curso de direito tributário: completo. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012. p. 68. 229
STF - ADI 551-1, Rel. Min.: Ilmar Galvão, Dj. 14/02/2002, p. 42.
86
Joaquim Barbosa230 já acentuou que não é incomum que o valor da multa
chegue a ser o triplo da quantia que se busca sonegar em casos de omissões
intencionais, vejamos:
Omissões intencionais, destinadas a ocultar a ocorrência do fato gerador ou diminuir dolosamente tributo que se sabe devido costumam ser punidas com rigor. Não é incomum que o valor da multa alcance até o triplo da quantia que o contribuinte comprovadamente pretendeu sonegar (a prova da intenção específica de sonegação é requisito para a exacerbação da pena pecuniária).
Inobstante o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, como então
podemos argumentar a possibilidade de aumentar as multas, que são irrisórias231,
tendo em vista a possível caracterização de confisco? Temos que o problema esteja
na lei e, como acentua, TOLENTINO FILHO232 é necessário reorientar a tributação
para que ela incida prioritariamente sobre o patrimônio e a renda dos contribuintes.
Como medidas para dar o devido peso à tributação direta no sistema tributário
brasileiro, bem como para alcançar maior justiça tributária. Além disso,
acresceríamos a necessidade de uma constância na fiscalização e, essencialmente,
uma ampliação e aperfeiçoamento no poder fiscalizatório do Estado.
Der outro lado, se superada a questão de ser ou não confiscatória a
quantificação da multa aplicada como pena, devemos pensar, ainda, acerca das
condições e possibilidade da quitação do devido para extinguir a dívida, pois nos
termos do art. 171, do Código Tributário Nacional, a lei pode facultar, nas condições
que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar
transação que, mediante concessões mútuas, importe em terminação de litígio e
conseqüente extinção de crédito tributário. Logo, pode o devedor da Previdência
Social quitar débitos com vantagens oferecidas legalmente.
O meio legal utilizado para conceder vantagens para contribuinte que se
apropriou, ou que sonegou a contribuição previdenciária é através da adesão aos
programas de recuperação fiscal que o governo institui.
230
STF – RE 640.452 RG/RO. Rel. Min: Joaquim Barbosa, DJe 07/12/2011. 231
Após a publicação da Lei no 11.941, de 27 de maio de 2009, a multa passou a ser irrisória e
praticamente insignificante para empresas de grande porte, pois a Lei no 10.165, de 27 de dezembro
de 2000, alterou o inciso III, do artigo 17-D, da Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981, para dispor que
consideram-se empresa de grande porte, a pessoa jurídica que tiver receita bruta anual superior a R$ 12.000.000,00 (doze milhões de reais). 232
TOLENTINO FILHO, Pedro Delarue. Progressividade da tributação e justiça fiscal: algumas propostas para reduzir as inequidades do sistema tributário brasileiro. In: RIBEIRO, José Aparecido Carlos (Coord.). Progressividade da tributação e desoneração da folha de pagamentos: elementos para reflexão. Brasília: Ipea, 2011. p. 21.
87
O Programa de Recuperação Fiscal (Refis) compõe um regime opcional de
parcelamento de débitos fiscais proposto às pessoas jurídicas com dívidas perante o
Instituto Nacional do Seguro Social – INSS. Foi previsto pela Lei nº 9.964, de 10 de
abril de 2000, com o objetivo de promover a regularização de créditos da União,
decorrentes de débitos de pessoas jurídicas, relativos a tributos e contribuições
administrados pela Secretaria da Receita Federal e pelo Instituto Nacional do
Seguro Social233.
Matéria vinculada no Jornal Folha de São Paulo234 indica algumas vantagens
aos que aderirem ao Refis
Fatores como longo prazo, juros reduzidos e menos burocracia (os interessados devem preencher documentação de requerimento no próprio órgão a que devem) levam a expectativas otimistas em relação ao novo Refis. A adesão deve superar à do programa de 2000. A proposta deste ano é mais simples. [...] Um dos pontos mais polêmicos do regulamento do novo Refis é o fato de, no que diz respeito às dívidas com o INSS, só ser passível de parcelamento o montante relativo à contribuição do empregador. Já a dos empregados, às vezes descontada pelas empresas e não repassada ao INSS, deve ser liquidada pelas vias tradicionais.
Da mesma forma, João Eloi Olenike235, do Instituto Brasileiro de Planejamento
Tributário (IBPT), indica algumas vantagens em seu artigo “Planejamento Tributário
através do Refis”, vejamos um pequeno trecho:
Concebido inicialmente, para alongar e equacionar o passivo tributário das pequenas e médias empresas, da forma que está sendo instituído, tornou-se uma ferramenta de planejamento tributário para algumas grandes empresas. Como estas organizações podem ter um benefício tributário? O que ocorre é que as empresas com um faturamento superior a R$ 24 milhões no ano, que antes eram obrigadas a calcular o seu IR e a Contribuição Social pelo regime do Lucro Real, aderindo ao REFIS, podem fazê-lo pelo Lucro Presumido. Nesta modalidade de recolhimento, o tributo é pago sobre uma parcela do faturamento, que varia de 8% (indústria e comércio) a 32%(serviços). Então, se uma empresa é muito lucrativa, com percentuais acima dos colocados acima, terá vantagem se aderir ao REFIS, pois a parte do lucro que exceder aos valores calculados pelo lucro presumido, passa a não ser tributada, podendo ser distribuída aos sócios, sem mais ônus para a Pessoa Jurídica, como também para a Pessoa Física.
233
Maiores informações sobre o REFIS estão disponíveis no sitio da Receita Federal em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/PessoaJuridica/REFIS/refis.htm#Objetivo>. Acesso: 20/05/2014. 234
DINIZ, Tatiana. Refis traz vantagens para pequenas. Folha de São Paulo. São Paulo, 15 de junho de 2013, Negócios. Disponível em< http://www1.folha.uol.com.br/fsp/negocios/cn1506200308.htm >. Acesso em 22/05/2014. 235
OLENIKE, Jõao Eloi. Planejamento Tributário através do Refis. Expert J.A. Planejamento Tributário Empresarial. Disponível em <http://expertja.com.br/content/artigos/adesao_ao_refis.html>. Acesso em 22/05/2014.
88
Portanto, o contribuinte devedor do INSS que não tenha cumprido com suas
obrigações legais em proceder o repasse dos valores devidos à Previdência Social
pode gozar de vantagens para quitar suas dívidas236.
3.2.2 Modelo Penal
Como vimos anteriormente, os crimes de apropriação indébita previdenciária
e a sonegação de contribuição previdenciária estão tipificados no Código Penal,
respectivamente nos arts. 168-A e 337-A do Código Penal. Para IBRAHIM237 o
Estado com objetivo claro de coagir as empresas a efetuarem suas contribuições
corretamente instituiu tipos penais, visando àqueles que não cumprem as
obrigações previdenciárias. Deste modo, por meio da criminalização o Estado
recorre ao Direito Penal como forma de imposição, intimidação e ameaça para
estabelecer mais um modo coercitivo de pagamento do débito fiscal previdenciário.
Logo, a questão que se tem a compreender, em torno da efetividade dos crimes de
apropriação indébita previdenciária e sonegação fiscal previdenciária é a gravidade
do fato.
A jurisprudência partilha do entendimento segundo o qual não há que se falar
em inconstitucionalidade dos arts. 168-A e 337-A do Código Penal, uma vez que não
se trata de prisão por dívida, mas sim prisão pelo descumprimento de um dever
236
Estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) mostra que a adesão ao novo
parcelamento de débitos federais - previsto na Lei nº 11.941, de 2009 - é vantajosa em 80% dos
casos, podendo resultar em uma redução de até 75% no total da dívida. O chamado "Refis da Crise"
oferece desconto de 100% nas multas de mora e de ofício e prazo de pagamento de até 180 meses
(15 anos), com correção pela Selic. O prazo de adesão termina no dia 30. "É, sem dúvida, o melhor
programa de parcelamento editado pelo governo federal", diz o presidente do IBPT, Gilberto Luiz do
Amaral. Com as vantagens oferecidas, o tributarista estima a adesão de pelo menos um quarto dos
cerca de R$ 800 bilhões devidos à Receita Federal e ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS),
gerando uma receita mensal em torno de R$ 3 bilhões aos cofres da União. Neste montante, estão
incluídos saldos remanescentes de débitos consolidados nos programas anteriores, que podem
migrar para o novo Refis. (ROSA, Artur. Adesão ao Refis da Crise é vantajosa em 80% dos casos.
Valor econômico, São Paulo, 09/11/2009. Disponível em <http://www.valor.com.br/arquivo/
792465/adesao-ao-refis-da-crise-e-vantajosa-em-80-dos-casos>. Acesso em 22/05/2014. 237
IBRAHIM, 2011. p. 491.
89
legal, qual seja, a omissão no repasse das contribuições previdenciárias, in verbis:
HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. CONDUTA PREVISTA COMO CRIME. INCONSTITUCIONALIDADE INEXISTENTE. VALORES NÃO RECOLHIDOS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. ORDEM DENEGADA. 1. A norma penal incriminadora da omissão no recolhimento de contribuição previdenciária - art. 168-a do Código Penal - é perfeitamente válida. Aquele que o pratica não é submetido à prisão civil por dívida, mas sim responde pela prática do delito em questão. Precedentes. (HC 91704/PR, Relator Min. Joaquim Barbosa, publicado em 20-06-2008) EMENTA: PENAL. PROCESSO PENAL. ORDEM
TRIBUTÁRIA. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA (ARTIGO 168-A, § 1º, I, DO CÓDIGO PENAL). SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA (ARTIGO 337-A, I E III, DO CÓDIGO PENAL). SONEGAÇÃO FISCAL (ARTIGO 1º, INCISO I, DA LEI 8.137/90). IRPJ, PIS,
COFINS, CSLL. APTIDÃO DA DENÚNCIA. CONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS DE DIREITO PENAL TRIBUTÁRIO. TIPICIDADE. DOLO. DOSIMETRIA. PENA-BASE. CIRCUNSTÂNCIAS DO DELITO. ATENUANTES. IMPOSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DA PENA PROVISÓRIA AQUÉM DO MÍNIMO LEGAL. CONTINUIDADE DELITIVA. PRESCRIÇÃO PELA PENA APLICADA. PENA DE MULTA. 1. [...]. 14. Para os casos de sonegação fiscal, o aumento decorrente do crime continuado, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, é o seguinte: 1/6 (um sexto) para 02 (duas) infrações; 1/5 (um quinto) para 03 (três) infrações; ¼ (um quarto) para quatro (quatro) infrações; 1/3 (um terço) para 05 (cinco) infrações; ½ (um meio) para 06 (seis) infrações; 2/3 (dois terços) para 07 (sete) ou mais infrações (HC 115.951/SC, 5ª Turma, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 02-8-2010). (TRF4, ACR 2006.72.01.003053-8, Oitava Turma, Relator Pedro Carvalho Aguirre Filho, D.E. 03/05/2012)
Assim, para o Judiciário não há inconstitucionalidade nos arts. 168-A e 317-A
do Código Penal. Todavia, uma corrente minoritária da doutrina entende que a
inconstitucionalidade é sustentável juridicamente como destaca CASTRO e
LAZZARI238 que o Professor Dr. Silvio Dobrowolski defende a inconstitucionalidade
pela natureza arbitrária da pena para a omissão de recolhimento de contribuições
previdenciárias239.
238
Cf. Castro e Lazzari “Para o Prof. Silvio: ‘A campanha veiculada pela mídia, rotulando os omissos como autênticos inimigos da coletividade, levou à consideração das pessoas acusadas de tais delitos como merecedoras de forte reprimenda, sem lhes ser permitido oferecer justificativas para sua conduta. A pena, relativamente ao não-recolhimento de contribuições previdenciárias, contraria os princípios da proporcionalidade entre a gravidade do delito e sua punição, e o da igualdade, quando comparada à omissão de recolhimento de outros tributos’”.( CASTRO e LAZZARI, 2007. p. 362). 239
No mesmo sentido MACHADO entende que “travam-se, todavia, insuperáveis controvérsias, nas quais os que defendem a aplicação das sanções penais invocam sempre o interesse público, argumento sabidamente perigoso, porque agride o princípio da segurança jurídica. E a palavra final, do Supremo Tribunal Federal, é imprevisível. Pensamos que a melhor solução será a revogação das leis que definem como ilícito penal a infração de leis tributárias”. (MACHADO, 2004. p. 468).
90
Mas, por outro lado, tendo em vista que se trata de não pagamento de tributo,
ou ainda, que com o desconto efetuado do salário do empregado e o não repasse do
valor à Previdência Social caracterizaria a figura do depositário infiel, sendo que,
poderíamos afirmar que se trata de prisão civil por dívida?
Os tribunais também já se posicionaram no sentido de que não há que se
falar em prisão civil por dívida que venha a ferir o Pacto de San José da Costa Rica,
como já julgado pelo Pretório Excelso nessa direção
"[...] quanto ao argumento do agravante de que estaria submetido à prisão civil por dívida, a jurisprudência do Supremo Tribunal, como asseverado na decisão agravada, firmou-se no sentido de que [...] em tema de crime decorrente de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias, inaplicável é o Pacto de San José da Costa Rica, visto que não se cuida de prisão civil, cuja finalidade é compelir o devedor de dívida alimentar ou o depositário infiel a cumprir a sua obrigação, mas sim de prisão de caráter penal, que objetiva a prevenção e a repressão do delito. Daí, também, a impertinência na alegação de violação à Constituição Federal". (STF AI-Agr nº 675.619, Min.: Cármen Lúcia, publicado em 01/07/2009, in TRF4 ACR nº 00019230-28.2005.404.7214/SC, Rel. Des. Victor Luiz dos Santos Laus, public. no D.E. em 17/06/2011)
Por deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos
contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional (art. 168-A, CP), bem como
por suprimir ou reduzir contribuição social previdenciária e qualquer acessório (art.
337-A, CP) a pena a ser aplicada é de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa,
nos termos do art. 168-A.
Porém, poucas vezes notamos uma efetiva condenação do agente que, em
tese, cometeu estes delitos porque podem ocorrer causas que obstem a aplicação
das sanções penais pela renúncia do Estado em punir o autor do delito, falando-se,
então, em causas de extinção de punibilidade240.
Como causa de extinção da punibilidade, o § 2º, do art. 168-A do CP, dispõe
que é extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e
efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as
informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento,
antes do início da ação fiscal. Essa causa demonstra claramente que o objetivo
primordial do Estado é forçar a arrecadação aos cofres públicos por meio do Direito
Penal.
240
MIRABETE, 1996. p. 378.
91
A extinção da punibilidade era regulamentada no art. 34 da Lei no 9.249/1995,
a qual estabelecia a extinção da punibilidade se o agente promovesse o pagamento
do tributo ou contribuição social antes do oferecimento da denúncia, como se verifica
a lei atual é mais rigorosa.
Nesse sentido Marcelo Leonardo Tavares241 leciona que
A extinção da punibilidade condicionava-se à promoção do pagamento do tributo (que a doutrina e jurisprudência majoritária interpretaram finalmente como necessidade de efetivo pagamento e não apenas como parcelamento do débito – STJ – RHC n
o 3.973/RS) até o recebimento da denúncia. A
norma atual (art. 168-A, do CP) é bem mais rigorosa, vedada sua aplicação retroativa a fatos ocorridos anteriormente à sua vigência, e exige declaração, confissão, pagamento e prestação de informações à previdência de acordo com a legislação previdenciária antes que o procedimento fiscal tenha início.
Destaca Cezar Roberto Bitencourt242 que a ‘confissão’ é da dívida, e nunca de
crime, caso contrário violaria o princípio da presunção de inocência.
Como a extinção da punibilidade é matéria política criminal, verificamos que o
Estado visa tão-somente receber243 o débito previdenciário ao renunciar à pretensão
punitiva em relação pagamento integral da dívida244. O STF tem entendido que o
parcelamento e a quitação dos débitos junto à Fazenda Nacional não permitem a
continuidade de Ação Penal pela prática de apropriação indébita previdenciária245
.
241
TAVARES, 2011. p. 300. 242
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Parte especial 3. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 626-627. 243
Afirma IBRAHIM que “a lei, com o objetivo de estimular o pagamento, traz caso de extinção da punibilidade, ao prever, no § 2
o, que esta será extinga se o agente, espontaneamente, declarar,
confessar e efetuar o pagamento das contribuições”. (IBRAHIM, 2011, p. 468). 244
No entanto, o art. 9o da Lei n
o 10.684/2003 determina a suspensão da pretensão punitiva do
Estado, referente aos crimes previstos no art. 168-A, do Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento. A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva. E extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundo de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios. (TAVARES, 2011, p. 301). Atualmente, o programa de parcelamento do débito em questão (REFIS) é regido pela Lei n
o 11.941/2009, com alterações posteriores, por exemplo,
prazo reaberto pela Lei no 12.865/2013.
245 O STF divulgou a seguinte noticia “[...] a ministra Cármen Lúcia se manifestou, em questão de
ordem na AP 613, pela extinção da punibilidade com base na jurisprudência da Corte, que entende que a notificação do parcelamento e a quitação dos débitos junto à Fazenda Nacional não permitem a continuidade da ação penal, levando ao reconhecimento da extinção da pretensão punitiva do Estado, com base no que dispõe o artigo 9º (parágrafo 2º) da Lei 10.684/2003 e o artigo 69 da Lei 11.941/2009”. (AP 613, Rel.: Min. Carmem Lúcia, julgamento 15/05/2014, noticia divulgada no sítio do STF disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=266836& caixaBusca=N>. Acesso em 19/05/2014.
92
Percebesse que se trata de uma benesse para aquele que tem o dever de
reter os valores devidos à previdência, por meio do desconto do salário do
empregado, e que repassar em cota única aos cofres públicos, mas, posteriormente,
pode realizar o pagamento parcelado à previdência quando da adesão ao Programa
de Recuperação Fiscal (REFIS)246.
Haja vista que o artigo 9º, da Lei nº 10.684/2003, ter previsto apenas a
hipótese de suspensão da pretensão punitiva para os casos de inclusão no regime
de parcelamento, tivemos julgados no sentido de que não há como ser estendida
para aqueles casos em que já tenha havido o trânsito em julgado da sentença
condenatória e iniciado a fase de execução.247
Entretanto, como assentou o Juiz Federal Marcello Ferreira de Souza
Granado248 que caso chancelada tal situação, ter-se-ia a abertura de
um perigosíssimo precedente, que permitiria ao criminoso tributário aguardar o
término da ação penal a que responde e, caso se visse condenado, correr para
parcelar seus débitos em um dos muitos programas de recuperação fiscal.
Mas, há julgamento em sentido contrário como o proferido pelo Juiz Federal
Tadaaqui Hirose dispondo que alcança a pretensão executiva
“o art. 9º da Lei nº 10.684/03 prevê a possibilidade de suspensão da pretensão punitiva do Estado e do curso prescricional durante o período em que a pessoa jurídica, relacionada com o agente do crime, estiver incluída em regime de parcelamento, mesmo se concedido em data posterior ao recebimento da denúncia. Tal benefício não fica limitado no tempo até o trânsito em julgado da decisão, posto que atinge igualmente a pretensão executória” (AGEPN 200672040019028, TRF4, DJ 06/09/2006, p. 1017)(grifamos).
Ora, pagando ou parcelando a dívida a qualquer momento, estamos diante de
mais uma facilidade concedida aos devedores do fisco, ou seja, frauda-se o fisco e
não recebem os autores qualquer punição penal, pois há a extinção da punibilidade,
246
Dispõe os art. 67 e 68 da Lei no 11.941/2003 que: Art. 67 - Na hipótese de parcelamento do crédito
tributário antes do oferecimento da denúncia, essa somente poderá ser aceita na superveniência de inadimplemento da obrigação objeto da denúncia; Art. 68 - É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, limitada a suspensão aos débitos que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento, enquanto não forem rescindidos os parcelamentos de que tratam os arts. 1º a 3º desta Lei, observado o disposto no art. 69 desta Lei. Parágrafo único. A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva. 247
TRF4 - EINRSE 200372080061640, Rel.: Néfi Cordeiro, DJ 19/10/2005. 248
TRF2 - HC 201002010155091, Rel.: Marcello Ferreira de Souza Granado, DJ 07/12/2010.
93
e ainda ganham o direito de parcelar a dívida. No tocante ao parcelamento da dívida
tributária, Fernando Capez249 afirma que a própria lei autoriza o pagamento ou o
parcelamento.
[...] com a entrada em vigor da citada Lei passou-se a autorizar o pagamento ou parcelamento da dívida tributária a qualquer tempo, inclusive em grau recursal, sem a limitação de marcos temporais (recebimento da denúncia ou início da ação fiscal). Nesse sentido: Heloisa Estellita (2003, p. 2) e o STF (1a T., HC 81.929-0/RJ, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 16-12-2003, DJU de 27-2- 2004), embora a Procuradoria-Geral da República tenha ingressado com uma ação direta de inconstitucionalidade (ADIn 3002) em relação ao art. 9
o da Lei n. 10.684/2003, cuja liminar, no entanto, foi
indeferida.250
Assim, podemos resumir que essa modalidade de extinção da punibilidade
exige o cumprimento de três requisitos pelo agente, quais sejam: a) de forma
espontânea deve declarar, confessar e efetuar o pagamento das contribuições,
importâncias ou valores à Previdência Social; b) deve prestar as informações
devidas à Previdência Social; e, c) realizar essas condutas antes do início da ação
fiscal ou na fase executória da sentença condenatória.
Ainda no que concerne a extinção da punibilidade temos o perdão judicial
previsto no § 3º do art. 186-A ao dispor que é facultado ao juiz deixar de aplicar a
pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons
antecedentes, desde que (I) tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de
oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive
acessórios; ou (II) o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual
ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como
sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.
249
CAPEZ, Fernando. Direito penal simplificado: parte especial. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 267. 250 “A ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada pelo Procurador-Geral da República, com o objetivo de impugnar a validade jurídico-constitucional do art. 9° da Lei Federal n° 10.684, de 30 de maio de 2003. [...]. Cabe acentuar, neste ponto, que o Pleno do Supremo Tribunal Federal reconheceu a inteira validade constitucional da norma legal que inclui, na esfera de atribuições do Relator, a competência para negar trânsito, em decisão monocrática, a recursos, pedidos ou ações, quando incabíveis, inviáveis, intempestivos, sem objeto ou que veiculem pretensão incompatível com a jurisprudência predominante do Tribunal (RTJ 139/53 - RTJ 168/174-175). Impõe-se enfatizar, por necessário, que esse entendimento jurisprudencial é também aplicável aos processos de ação direta de inconstitucionalidade [...]. Sendo assim, em face das razões expostas, julgo prejudicada a presente ação direta, por perda superveniente de seu objeto”. (ADIn 3002, Rel. Min. Celso de Mello, Dje 16/12/2009).
94
Leciona MIRABETE251 que o perdão judicial é um instituto através do qual o
juiz, embora reconhecendo a coexistência dos elementos objetivos e subjetivos que
constituem o delito, deixa de aplicar a pena desde que apresente determinadas
circunstâncias excepcionais previstas em lei e que tornam desnecessária a
imposição da sanção.
Ainda com relação a extinção da punibilidade, temos a problemática da
dificuldade financeira do agente nos crimes de apropriação indébita previdenciária
como inexigibilidade de conduta diversa. CASTRO e LAZZARI252 expõe que
A inexigibilidade de conduta diversa tem sido reconhecida pelos tribunais como forma de afastar a culpabilidade nos crimes de omissão de recolhimento de contribuições previdenciárias, quando caracterizado nos autos o estado de insolvência ou dificuldades financeira capazes de autorizar o comportamento contrário ao exigido pela norma legal.
Nesse sentido o Ministro Luiz Fux253 entende que a inexigibilidade de conduta
diversa consistente na precária condição financeira da empresa, quando extrema ao
ponto de não restar alternativa socialmente menos danosa do que o não
recolhimento das contribuições previdenciárias, pode ser admitida como causa
supralegal de exclusão da culpabilidade do agente.
Porém, o que seria a conduta menos danosa? Menos danosa ao empregador;
ao empregado ao ter seu benefício indeferido em decorrência da ausência de
contribuições; menos danoso aos cofres público ou, até mesmo, a toda sociedade.
Como já decidiu o STF254 que meras dificuldades não poderiam justificar a
conduta desfavorável à lei, deixando de repassar à Previdência Social os recursos
que lhe cabem como se vê no seguinte enunciado:
Nessa eventualidade, caberá recorrer ao sistema bancário regular para o suprimento de recursos ou à falência, na impossibilidade, não porém à omissão do recolhimento, nem mesmo ao pretexto, aliás infundado, de que é melhor preservar o negócio e os empregos que pagar os tributos, posto que estes têm por si a própria e essencial natureza do interesse e finalidade públicas que não pode ser desprivilegiada [...] conforme se vê, as provas trazidas aos autos não foram suficientes para respaldar as dificuldades financeira pretendidas, e no mais, meras dificuldades não poderiam justificar a conduta desfavorável à lei, de forma a não recolher à Previdência Social os recursos que lhe pertencem.
251
MIRABETE, 1996. p. 392. 252
CASTRO e LAZZARI, 2007. p 376. 253
STF - HC 113418 / PB, Rel.: Ministro Luiz Fux, DJe 16/10/2013. 254
STF – HC 76.978-1 / RS. Rel.: Min. Maurício Corrêa, Dj. 19/02/1999.
95
Há decisões no sentido de que a pretensão visando ao reconhecimento de
inexigibilidade de conduta diversa, traduzida na impossibilidade de proceder-se ao
recolhimento das contribuições previdenciárias, é causa de extinção da punibilidade
penal.
Não obstante a tais posições, poderíamos pensar matematicamente, ou
contabilmente, se o empresário ao fixar o preço do seu produto ou do seu serviço já
não embute nos seus cálculos as contribuições e todos os impostos devidos, como
despesa operacional, pois como assevera Cezar Roberto Bitencourt255 que ‘tendo
integrado os custos, seu valor correspondente é recebido pelo empresário ou
empregador e, nessas condições, adquire a posse dos valores correspondentes.
Não os recolhendo, apropria-se indebitamente’.
Essas modalidades de extinção de punibilidade além de encorajar os
empresários a efetuarem a apropriação indébita previdenciária e a sonegação fiscal,
pode indicar a existência de um confronto com princípio da isonomia, haja vista que
aquele que cumpre com suas obrigações legais, não tem o mesmo tratamento
daquele que não as cumprem, o que afeta o princípio constitucional da livre
concorrência na medida em que quando há o descumprimento das obrigações
tributárias há o alívio de encargos tributários ganhando maior competividade256.
O Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil, Pedro Delarue Tolentino
Filho257 entende que a extinção de punibilidade, tal qual prevista hoje na legislação,
gera a sensação de impunidade e que
Diante disso, pode-se afirmar que os maus contribuintes são levados a acreditar que o Estado valoriza o recebimento dos tributos em detrimento das punições, deixando em segundo plano o combate à sonegação fiscal. Os parcelamentos de débitos tributários – os famosos refinanciamentos fiscais – devidamente legalizados, sem a respectiva aplicação de sanção penal contribuem com a percepção da população de o Estado reconhecer e tolerar a sonegação fiscal.
255
BITENCOURT, 2012. p. 624. 256
Cf. COELHO há quem distinga entre a livre concorrência e a livre-iniciativa, definindo a primeira como o princípio norteador dos limites da última. Assim, afirma-se que todos têm direito de se estabelecerem no exercício de atividade econômica, desde que o façam competitivamente [...]. Se a limitação, falseamento ou prejuízo atingiu a liberdade de concorrer ou a liberdade de empreender, as repercussões jurídicas são rigorosamente idênticas. Limitar a livre concorrência ou a livre-iniciativa é barrar total ou parcialmente, mediante determinadas práticas empresariais, a possibilidade de acesso de outros empreendedores à atividade produtiva em questão. (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. vol. 1, 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 207). 257
TOLENTINO FILHO, 2011. p. 19.
96
Assim, parece que o Direito Penal pouco tem colaborado para evitar o
desequilíbrio atuarial no Regime Geral de Previdência Social, à violação ao
princípios da solidariedade, proporcionalidade, da equidade na forma de participação
do custeio, na medida em que o hábito da lesão patrimonial, acentuada na prática
empresarial, tem sido uma constante na economia brasileira.
Se a lei fosse cumprida à risca, iríamos ver muitas pessoas sendo punidas,
pois o não-recolhimento das contribuições previdenciárias, na prática, é comum. Da
mesma forma, se a interdição para o comércio fosse observada, teríamos muitas
pessoas que já não teriam condições de exercer o comércio, em razão da contumaz
falta de recolhimento das importâncias devidas à Seguridade Social.258
Para MACHADO259 a sanção deve ser, tanto quanto possível, da mesma
natureza do cometimento ilícito e como saliente o Des. Federal Paulo Ribeiro, o
interesse maior do Estado está na satisfação da dívida. Quis o legislador, na
verdade, tão-somente, tipificar a conduta delitiva como forma de intimidar o
contribuinte ao pagamento do tributo, cuja natureza, da exação, é eminentemente
social.260
Nesse sentido, seria necessário revogar toda e qualquer legislação que
conceda a extinção da punibilidade para os crimes contra a ordem tributária,
principalmente aquelas que se tratam de contribuições sociais. Assim, teria a
sociedade um obstáculo mais efetivo para o devedor promover o pagamento do
valor devido que, somente esta sendo pago por ter sido descoberto o
descumprimento legal.
Enquanto isso não ocorrer a função social da empresa permanecerá
descumprida, ao menos em parte, em nosso país, em detrimento da ordem jurídica,
da sociedade e dos direitos sociais dos trabalhadores brasileiros.
258
MARTINS, 2002. p. 297. 259
MACHADO, 2004. p. 468. 260
TRF-1ª Região, AC. 1999.33.01.000316-3/BA, Rel.: Plauto Ribeiro, DJU, 12.12.2003.
97
3.2.3 Modelo de Responsabilidade Civil
Cabe ao legislador definir quando é oportuno e conveniente tornar a conduta
criminalmente punível, sendo que os ilícitos de maior gravidade social são
reconhecidos pelo Direito Penal. O ilícito civil, por sua vez, é considerado de menor
gravidade e o interesse de reparação do dano é privado, embora com interesse
social, não afetando, a princípio, a segurança pública261. Mas, a tendência, hoje
facilmente verificável, de não se deixar irressarcida a vítima de atos ilícitos
sobrecarrega os nossos pretórios de ações de indenização das mais variadas
espécies.
O tema é, pois, de grande atualidade e de enorme importância para o
estudioso e para o profissional do direito262. Grande é a importância da
responsabilidade civil, nos tempos atuais, sendo responsabilidade civil do
empresário um dos temas muito discutidos atualmente. Discute-se acerca da
responsabilidade social da empresa, responsabilidade do empresário como
empregador, responsabilidade ambiental, responsabilidade subjetiva e objetiva do
empresário e etc. O responsável pela administração de uma empresa é essencial a
toda sociedade. Presume-se que o empresário seja um profissional competente,
ético, responsável e conhecedor de suas obrigações263. Porém, nem sempre essa
presunção se confirma.
Diante disso, buscamos elaborar algumas reflexões sobre a responsabilidade
civil do empresário empregador em nosso campo de pesquisa, ou seja, abordando
algumas possíveis irreparabilidades de danos causados pelo empresário
empregador ao empregado, na qualidade de segurado da Previdência Social uma
vez que, mesmo com a utilização do instituto da responsabilidade civil, não esteja
totalmente amparado ao ponto de ter restituído seus direitos previdenciários ao
status quo ante.
261
VENOSA, 2003. p. 20. 262
GONÇALVES, 2012. p. 45. 263
A Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976, conhecida com “Lei das SA", dispondo sobre os
Deveres e Responsabilidades do administrador nas sociedades por ações, expressa no art. 153, que o administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios.
98
Assevera SILVA264 que a aposentadoria é o mais importante dos benefícios, e
é direito de todos os trabalhadores (art. 7º, XXIV, CRFB/1988) à inatividade
remunerada. Sendo importante, deve sempre ser defendido e garantido a todos os
trabalhadores que contribuíram para o regime previdenciário. Logo, restando
configurado, concomitantemente, os pressupostos da responsabilidade civil, quais
sejam ato ilícito, dano e nexo causal, diante da negativa da concessão do benefício
previdenciário, estaremos diante da possibilidade de ressarcimento ou compensação
por meio do instituto da responsabilidade civil.
Relembramos o exemplo anteriormente citado, onde, em virtude da omissão
do responsável em recolher as contribuições previdenciárias do trabalhador, este
tenha negado pela Previdência Social a concessão de um benefício previdenciário,
como por exemplo, auxílio-doença, aposentadoria por idade ou tempo de
contribuição ou, até mesmo, tenha sido negado uma pensão por morte ao
dependente do trabalhador falecido. Se a negativa da concessão do benefício
previdenciário ocorre por culpa do empregador, certamente estaremos diante de
uma lesão a ser reparada por meio da apuração da responsabilidade civil do
empregador, com fulcro na legislação civil aplicável ao caso concreto. Contudo, tal
fato exige uma reflexão visto que poderemos estar diante de uma lesão irreparável
ao segurado.
Admitamos que um trabalhador que exerceu suas atividades laborais dos 16
aos 31 anos de idade a um determinado empregador, ao completar a idade,
legalmente exigida, de 65 anos para os homens, tenha negado, pela Previdência
Social, seu pedido de aposentadoria por idade diante da inexistência de informações
cadastrais no INSS.
Nessa possível situação, conjecturamos que entre o desligamento da
empresa até a data do pedido de aposentadoria por idade tenha transcorrido 34
anos. Indagamos: qual a real possibilidade do trabalhador, ora segurado da
Previdência Social, ter todos os comprovantes de descontos da sua contribuição
previdenciária ao INSS? Ou ainda, qual a probabilidade da empresa ainda estar na
ativa e ter arquivados e disponível os documentos necessários?
264
SILVA, 2005. p. 833.
99
Certamente, poucas pessoas têm o hábito e condições de guardar por tanto
tempo tais documentos e, é muito pouco possível, que uma empresa mantenha
arquivado265 os documentos por mais de 30 anos, sem levar em conta a
eventualidade de que a mesma ainda esteja na ativa.
Por outro lado, poderíamos argumentar que o trabalhador teria em sua CTPS
o registro da atividade laboral, ou seja, haveria uma prova plena do labor urbano,
que goza da presunção de veracidade juris tantum, e uma vez reconhecido o tempo
de serviço prestado nos períodos a que se refere, o beneficio lhe será concedido.266
Porém, mesmo que provado o tempo de contribuição, não teríamos os valores
descontados do empregado a titulo de contribuição previdenciária, o que prejudicaria
no valor da concessão do benefício.
Indubitavelmente, havendo agressão ao direito do trabalhador, pela negativa
da concessão do benefício previdenciário que lhe é devido, o responsável deverá
recompensá-lo. Nesse sentido GACLIANO e PAMPLONA FILHO267 defendem que a
responsabilidade civil deriva da agressão a um interesse eminentemente particular,
sujeitando, assim, o infrator, ao pagamento de uma compensação pecuniária à
vítima, caso não possa repor in natura o estado anterior de coisas.
Como se percebe, o dano pode estar presente e dificilmente haverá a
possibilidade de repará-lo integralmente mesmo que se tomem as medidas cabíveis
por meio do instituto da responsabilidade civil do empregador.
265
Devemos destacar dois pontos: (a) a empresa tem o dever legal de manter os documentos por determinado período. O §11, do art. 32, da Lei n
o 8.212/1991 determinava que os documentos
comprobatórios do cumprimento das obrigações previdenciários deviam ficar arquivados na empresa durante dez anos, à disposição da fiscalização foi renumerado pela Lei nº 9.528/1997 e, com a edição da Lei n
o 11.941/2009 passou a ter a seguinte redação: “Em relação aos créditos tributários, os
documentos comprobatórios do cumprimento das obrigações de que trata este artigo devem ficar arquivados na empresa até que ocorra a prescrição relativa aos créditos decorrentes das operações a que se refiram”. (b) um segundo ponto, o direito da Previdência Social apurar e constituir seus créditos extingue-se após 05 (cinco) anos nos termos da Súmula Vinculante nº 8 do STF c/c o art. 13 da Lei Complementar nº 128/2008. Assim, dificilmente uma empresa guardará por 30 anos os documentos. 266
A Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) em relação à qual não se aponta defeito formal que lhe comprometa a fidedignidade goza de presunção relativa de veracidade, formando prova suficiente de tempo de serviço para fins previdenciários, ainda que a anotação de vínculo de emprego não conste no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS). Cf Súmula 75 da Turma Nacional de Uniformização da Justiça Federal, publicada em 13/06/2013. 267
GACLIANO, 2012. p. 54.
100
Assim, podemos extrair do acima apresentado que mesmo diante da possível
utilização do instituto da responsabilidade civil do empresário empregador,
dificilmente os danos causados ao empregado poderão ser reparados totalmente.
Por outro lado, o simples não recolhimento previdenciário, bem como a não
prestação devida das informações à Previdência Social, por si só não acarretam em
indenização por danos, quer seja patrimonial ou moral. Pois, tal fato não acarreta
necessariamente dano ao empregado pois, para que se configure a obrigação de
indenizar o dano sofrido pelo trabalhador segurado é necessário comprovar o dano,
a ilicitude do ato e o nexo de causalidade.
Constatamos que o empregador que deixa de fato de recolher contribuições
previdenciárias no curso do vínculo de emprego, tal como também deixar de
repassar os valores e as informações à Previdência Social, não demonstra que deu
causa a negativa de uma possível concessão de benefício previdenciário, tampouco,
se concedido, que o valor beneficio esteja em desacerto.
Desta feita, se confirmado o dano e a culpa do responsável com relação ao
fornecimento de dados ao ente previdenciário, deve este responder tanto pelos
prejuízos causados diante da impossibilidade de desfrutar o benefício previdenciário,
quanto deverá arcar com diferença apurada sobre valor inferior a real renda mensal
do benefício.
Para melhor compreensão, pensemos na seguinte situação fática onde em
virtude de omissão do empresário empregador, ou do responsável, em recolher as
contribuições previdenciárias do trabalhador, este tenha negado pela Previdência
Social a concessão de um benefício, como por exemplo, auxílio-doença,
aposentadoria por idade ou tempo de contribuição ou, até mesmo, tenha sido
negado uma pensão por morte ao dependente do trabalhador falecido. Se a negativa
da concessão do benefício previdenciário ocorre por culpa do empregador,
certamente estaremos diante de uma lesão a ser reparada por meio da apuração da
responsabilidade civil do empregador.
Inobstante isso, a contribuição previdenciária descontada e não repassada
não aponta, desde logo, a lesão ao bem jurídico do segurado no que tange a
previdência social. A lesão somente ocorrerá diante da negativa da concessão ou
pela concessão com valor incorreto em decorrência da conduta omissiva do
101
empregador. Os valores descontados do trabalhador e não repassados à
Previdência Social não são valores do trabalhador. O valor é da Previdência Social.
Tanto que se o segurado provar o desconto, independentemente do repasse à
Previdência Social, esse valor será utilizado integralmente na base de cálculo do seu
benefício.
O empregado não pode ser prejudicado por eventual desídia do empregador
e da autarquia, se estes não cumpriram as obrigações que lhes são impostas por lei.
Tanto que preconiza o art. 35, da Lei nº 8.213/1991 que ao segurado empregado e
ao trabalhador avulso que tenham cumprido todas as condições para a concessão
do benefício pleiteado mas não possam comprovar o valor dos seus salários-de-
contribuição no período básico de cálculo, será concedido o benefício de valor
mínimo, devendo esta renda ser recalculada, quando da apresentação de prova dos
salários-de-contribuição.
Assim, verificamos que serão computados no cálculo da renda mensal inicial
do segurado os seus salários de contribuição, mesmos que a empresa não tenha
recolhido as respectivas contribuições previdenciárias. A obrigação de repassar as
contribuições descontadas do empregado em favor do INSS compete ao
empregador. O benefício será recalculado quando da apresentação de prova dos
salários-de-contribuição, nesse sentido, a prova de tais contribuições não interfere,
de maneira determinante, na questão da revisão da RMI do benefício do empregado,
uma vez que o vínculo passa a ser entre a Autarquia e o empregador.
Por isso, se confirmados o dano e a culpa do responsável com relação ao
fornecimento de dados ao ente previdenciário ou o repasse dos valores devidos,
deve aquele responder tanto pelos prejuízos causados diante da impossibilidade de
desfrutar o benefício previdenciário, quanto deverá arcar com diferença apurada
sobre valor inferior a real renda mensal do benefício até que o benefício seja
concedido corretamente.
102
4 FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA E O DANO SOCIAL
A essência do direito econômico brasileiro está insculpida no Título VII da
Constituição de 1988. O caput do art. 170 prescreve que a ordem econômica,
fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa268, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. A
regulação constitucional da atividade econômica é um acontecimento histórico
relativamente recente, associado que está à passagem do Estado Liberal ao Estado
Social269. Ao expressar o direito à propriedade por meio do art. 5º, disposto no Título
“Direito e Garantias Fundamentais”, dispõe no mesmo plano do direito à vida, à
liberdade, à igualdade e à segurança.
Para Antonio Riccitelli270 o direito de propriedade, na Constituição vigente,
alcançou status de direito inviolável, em sua extensão máxima, como riqueza
patrimonial (inc. XXII, do art. 5º), e princípio da ordem econômica (inc. II, do art. 170)
que simultaneamente vincula o referido direito à realização de uma função social
pelos mesmos artigos e respectivos incs. XXII e III, verificando-se a exigência para
que a propriedade atenda à função social e para SILVA271, a Constituição reafirmou
a instituição da propriedade privada e a sua função social como princípio da ordem
econômica ao inscrever a função social como princípio da ordem econômica.
Com esses dispositivos expressos na CRFB/1988, evidenciam a preocupação
em construir um autêntico Estado de Direito democrático, no qual, possuem a
mesma dignidade constitucional tanto os valores sociais do trabalho quanto os da
livre iniciativa272. Sendo a função social da propriedade um instrumento destinado à
268
É inegável que a Constituição de 1988, ao reconhecer a livre iniciativa como fundamento da
República Federativa do Brasil, e da ordem econômica brasileira, expressou na liberdade um dos fatores estruturais dessa ordem, afirmando a autonomia empreendedora do particular na conformação da atividade econômica. (BARACT, Eduardo Milléo (coord.). Poder de direção do empregador: fundamentos, natureza jurídica e manifestações. In BARACT, Eduardo Milléo (coord.). Controle do empregado pelo empregador: procedimentos lícitos e ilícitos. Curitiba: Juruá, 2009. p. 27). 269
MENDES, COELHO e BRANCO, 2009. p. 1405. 270
RICCITELLI, 2007. p. 118. 271
SILVA, 2005. p. 281. 272
MENDES, COELHO e BRANCO entendem que é igualmente relevante entre os princípios fundamentais da atividade econômica, a livre concorrência que está intimamente ligada ao princípio da livre iniciativa, que a Carta Política de 1988 inscreveu entre os fundamentos da ordem econômica. (MENDES, COELHO e BRANCO, 2009. p. 1407-1408)
103
realização da existência digna de todos273 e da justiça social274, onde o direito de
propriedade deixa de ser absoluto,275 pois as limitações, obrigações e ônus são
externos ao direito de propriedade.276
Ao legislador é permitido restringir a utilização da propriedade privada a um
benefício maior da sociedade,277 onde o direito de propriedade aparece como direito
fundamental (art. 5º, XXII, CRFB), porém a propriedade terá que atender a sua
função social (art. 5º, XXIII, CRFB)278.
Vê-se que pelo sistema da ordem econômica brasileira, o direito à
propriedade é condicionado e restringido, haja vista que o princípio da iniciativa
econômica privada também não é absoluto. A ordem econômica atualmente é vista
como um conjunto de atividades de produção e distribuição de bens e serviços no
mercado279 com o fim de dar efetiva garantia à existência digna dos cidadãos,
conforme os ditames da justiça social, na expressão do próprio art. 170 da
CRFB/1988.280
Segundo SILVA281 a atuação empresarial se subordina ao princípio da função
social, para realizar ao mesmo tempo o desenvolvimento nacional e assegurar a
existência digna de todos, conforme ditames da justiça social282. Porém, a função
273
A Constituição Federal do Brasil (art. 1o, III) declara que nosso Estado Democrático de Direito tem
como fundamento, entre outros valores, a dignidade da pessoa humana. A dignidade é um valor subjacente a numerosas regras de direito. A proibição de toda ofensa à dignidade da pessoa é questão de respeito ao ser humano, o que leva o direito positivo a protegê-la, a garanti-la e a vedar atos que podem de algum modo levar à sua violação, inclusive na esfera dos direitos sociais. (NASCIMENTO, 2011. p. 462) 274
SILVA, 2005. p. 814 275
LENZA. Pedro. Direito constitucional esquematizado. 16. ed. rev. atual. E ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 995. 276
SILVA, 2005. p. 813. 277
Para José Afonso da Silva, o princípio vai além do ensinamento da Igreja, segundo o qual ‘sobre toda propriedade particular pesa uma hipoteca social’, mas tendente a uma simples vinculação obrigacional (SILVA, 2005, p. 283). 278
LENZA, op. cit. p. 1252. 279
ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Breves considerações sobre a intervenção do Estado no domínio econômico e a distinção entre atividade econômica e serviço público. In: SPARAPANI, Priscila; ADRI, Renata Porto (Coord.). Intervenção do Estado no domínio econômico e no domínio social: uma homenagem ao professor Celso Antônio Bandeira de Mello. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 16. 280
PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado e o alcance do art. 170 da Constituição Federal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p 168-169. 281
SILVA, 2005. p. 814. 282
Cf. BERTONCINI, quando se fala [...] de justiça social, se deduz propiciar as condições mínimas de realização plena a todo cidadão, dimensionando de maneira constitucionalmente adequada o próprio sistema capitalista nacional, ao qual é autorizado o lucro, porém respeitando sempre os direitos fundamentais de todos os interessados direitos nessa atividade. (BERTONCINI, Mateus Eduardo Siqueira Nunes; CORRÊA, Felippe Abu-Jamra. Responsabilidade social da empresa e as ações afirmativas: implicações do estatuto da igualdade racial. Curitiba: JM, 2012. p. 170).
104
social da empresa não é do tipo limitativa dos poderes do empresário, mas sim
“promocional” de interesses juridicamente relevantes, segundo a ordem de valores
expressa na Constituição da República283.
Sendo o princípio que confere unidade e legitimidade à ordem constitucional,
a dignidade da pessoa humana284 constitui o fim último da ordem econômica
nacional, razão pela qual se pode afirmar com absoluta certeza que é dever de
todos, solidariamente, Estado e sociedade, promover a proteção dos direitos
fundamentais e, aqui em relevo, a proteção do trabalho humano, da política pública
e da proteção social.
Desta feita, a Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404, de 15 de dezembro
de 1976), dispõe, no parágrafo único do art. 116, que o acionista controlador deve
usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua
função social285, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas
da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos
direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender. Vê-se que o legislador
atribuiu ao acionista a responsabilidade de usar o poder com o fim de fazer a
companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social da empresa.
Além disso, os arts. 153 e 154, da citada lei, determinam que o administrador
da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência
que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus
próprios negócios e, ainda exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem
para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem
público e da função social da empresa.
283
MENEZES, Maurício Moreira Mendonça de. Função sócio-econômica da empresa em recuperação judicial. Publicado originalmente na Revista Semestral de Direito Empresarial – RSDE n° 1, jul/dez 2007, pp. 49-86. Disponível em <https://www.academia.edu/2168102/Funcao_socio-economica_da_empresa_em_recuperacao_judicial>. Acesso em 20/05/2014. 284
A dignidade é um valor subjacente a numerosas regras de direito. A proibição de toda ofensa à dignidade da pessoa é questão de respeito ao ser humano, o que leva o direito positivo a protegê-la, a garanti-la e a vedar atos que podem de algum modo levar à sua violação, inclusive na esfera dos direitos sociais. (NASCIMENTO, 2011. p. 462) 285
O princípio da função social da empresa é metanorma que tem essa matriz, demandando seja considerado o interesse da sociedade, organizada em Estado sobre todas as atividades econômicas, mesmo sendo privadas e, destarte, submetida ao regime jurídico privado. Embora tenha finalidade imediata de remunerar o capital nela investido, atendendo ao interesse de seu titular ou dos sócios do ente (sociedade) que titulariza, a atividade negocial atende igualmente ao restante da sociedade. Suas atividades e seus resultados desenvolvem a economia e, destarte, acrescentam tanto aos esforços de desenvolvimento nacional, um dos objetivos fundamentais da Republica, segundo o art. 3º, II. (MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: empresa e atuação empresaria, volume 1. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 53)
105
Percebe-se que o dever de diligência indicado na lei se refere à necessidade
dos administradores exercerem as suas atribuições legais e estatutárias visando
sempre a função social da empresa. Quanto o padrão esperado de conduta do
administrador, SIMÃO FILHO286 entende que deve ser o calcado no princípio do bom
pai de família ou bom homem de negócios. O administrador deve exercer as
atribuições conferidas e empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e a
diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos
seus próprios negócios.
A função social da empresa exige considerar seus fins econômicos e
social,287 retirando dos sócios o poder de abusar do exercício arbitrário nas
atividades da empresa. Deve o empregador cumprir com as obrigações que lhe são
impostas para que a empresa cumpra sua função social.
Por outro enfoque, vimos nos capítulos anteriores, que a Constituição de 1988
determina (art. 195) que a seguridade social será financiada por toda a sociedade e
que contribuições sociais dos empregados e dos empregadores se darão mediante a
utilização da GFIP. As informações constantes na GFIP abastecem o Cadastro
Nacional de Informações Sociais (CNIS) com dados dos vínculos e das
remunerações dos segurados (salários de contribuição), para fins de cálculo do
salário de benefício na concessão das prestações previdenciária.
O empregador que entregar a GFIP em atraso, com incorreções ou omissões,
ou a não entregar estará violação à obrigação prevista em lei e, estará assim, sujeito
às multas e as demais penalidades administrativas. Ao passo que se deixar de
repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo
e forma legal ou convencional, bem como se suprimir ou reduzir contribuição social
previdenciária e qualquer acessório, poderá configurar as condutas tipificadas no
Código Penal como crimes previsto nos artigos 168-A (apropriação indébita
previdenciária) e 337-A (sonegação de contribuição previdenciária).
286
SIMÃO FILHO, Adalberto. Direito empresarial II: direito societário contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 178) 287
MAMEDE, 2010. p. 53.
106
Entretanto, se o responsável pelas informações agir corretamente, no que
tange a função social da empresa288 e ao dever da diligência do empregador, não só
pelo cumprimento legal, mas também pelo social, estará cumprindo o seu papel na
sociedade e possibilitando a concretização do desenvolvimento nacional, por meio
da erradicação da pobreza e da marginalização, promovendo o bem de todos e
contribuindo para redução das desigualdades sociais e regionais, atendendo assim
os objetivos fundamentais da Republica Federativa do Brasil, nos termos dos incisos
do art. 3 da CRFB/1988. Por outro lado, agindo de forma não diligente, o
empregador além de incorrer nas responsabilidades administrativa, penal e civil,
estará deixando de cumprir a função social da empresa e, principalmente, acarretará
dano ao segurado quando tiver negado seu pedido de prestação previdenciária, em
decorrência da ausência de informações na previdência social.
Desta feita, após visto as consequências que podem surgir ao responsável
pela indevida entrega, ou não entrega, das informações cadastral e financeira à
Previdência Social que, em rápida recapitulação, são as penalidades administrativa,
penal e civil, onde por meio das sanções e penalidades o Estado visa no caso do
direito administrativo289 punir e reprimir as infrações administrativas ou a conduta
irregular dos particulares perante a Administração, ao passo que no direito penal,
nas palavras de Nilo Batista290 o direito penal, existe para cumprir finalidades, para
que algo se realize, não para a simples celebração de valores eternos ou
glorificaficação de paradigmas morais. Já, a responsabilidade civil291, por sua vez,
possui a função de restabelecer o equilíbrio jurídico-econômico anteriormente
existente entre o agente e a vítima, ou seja, repor ao status quo ante.
Tais penalidades, atualmente, não tem sido suficientes para inibir ou
desestimular as condutas lesivas e, percebe-se que, se leva em conta tão-somente
288
Considerando que o princípio da função social da empresa conduz ao enfoque da livre iniciativa não por sua expressão egoísta, como trabalho de um ser humano em benéfico de suas próprias metas, mas como iniciativa que, não obstante individual, cumpre um papel na sociedade. (MAMEDE, 2010. p. 54). 289
MEIRELLES, 1998. p. 173. 290 BATISTA, 2007. p. 20. 291
Cf. CAVALIERI FILHO, O anseio de obrigar o agente, causador do dano, a repará-lo inspira-se no mais elementar sentimento de justiça. O dano causado pelo ato ilícito rompe o equilibrio jurídico-econômico anteriormente existente entre o agente e a vítima. Há uma necessidade fundamental de se restabelecer esse equilíbrio, o que se procura fazer recolocando o prejudicado no statu quo ante. Impera neste campo o principio da restitutio in integrum, isto é, tai'1to quanto possível, repõe-se a vítima à situação anterior à lesão. Isso se faz através de uma indenização fixada em proporção ao dano. Indenizar pela metade é responsabilizar a vítima pelo resto. (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 14).
107
o agente responsável pelo ato ou o dano causado ao segurado da previdência
social. Contudo, pela perspectiva tradicional deixamos de ver o dano que tal conduta
gera a toda sociedade292. Para Antônio Junqueira de Azevedo, um ato, se doloso ou
gravemente culposo, ou se negativamente exemplar, não é lesivo somente ao
patrimônio material ou moral da vítima, mas sim atinge a toda a sociedade, num
rebaixamento imediato do nível de vida da população, causa dano social293.
Com efeito, além das já consolidadas punições administrativa, penal e civil no
direito pátrio, AZEVEDO aventa uma nova modalidade: o dano social. Segundo ele,
é claro que quando se trata da segurança, que traz diminuição da tranquilidade
social ou de quebra da confiança em situações contratuais ou paracontratuais, que
acarreta redução da qualidade coletiva de vida, estamos diante de um dano
social294.
AZEVEDO entende que o art. 944 no Código Civil, ao limitar a indenização à
extensão do dano, não impede que o juiz fixe, além das indenizações pelo dano
patrimonial e pelo dano moral, também, o dano social295. Com a aplicação dessa
nova modalidade alcançaria a reparação à sociedade, restaurando o nível social de
tranquilidade diminuída pelo ato ilícito.
Por meio de um exemplo apresentado por AZEVEDO é possível
assemelharmos o raciocínio acerca do nosso objeto de estudo. Inicialmente,
vejamos o exemplo ventilado pelo professor:
Uma empresa de transporte aéreo atrasa sistematicamente os seus vôos, não basta, na ação individual de um consumidor, a indenização pelos danos patrimoniais e morais da vítima. É evidente que essa empresa – ou outra que a imite – está diminuindo as expectativas de bem-estar de toda a população. É muito diferente o passageiro sair de casa confiante quando ao
292
Impende observar que não se trata de Dano Coletivo, que por sua vez o (..) prejuízo é mais disperso ou difuso, porém, perceptível, pois as pessoas lesadas integram uma determinada coletividade. Situam-se como exemplo destes danos que afetam o meio ambiente, os danos nucleares, os derivados de defeitos em produtos de consumo ou os adindos de explosão de violência. Fala-se, ainda, em dano coletivo próprio e impróprio. O dano coletivo próprio pressupõe uma atividade antissocial que causa o prejuízo, mas não há como imputar a conduta a um grupo determinado, como ocorre, por exemplo, nas atividades gerais de danos em espetáculos, sem possiblidade de incriminar alguém. [...] O dano coletivo impróprio ocorre quando não se consegue individualizar o seu autor, mas é possível determinar os sujeitos integrantes do grupo, dos quais um ou vários causaram o dano, embora não se saiba a quem imputar a coautoria. (BARROS, 2011. p. 520) 293
AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Novos estudos e pareceres de direito privado. São Paulo:
Saraiva, 2009. p. 380. 294
AZEVEDO, op. cit. p. 381. 295
AZEVEDO, loc. cit.
108
cumprimento dos horários de seus compromissos ou, nas mesmas condições, sair na angústia do imprevisível.
296
Agora, pensemos no trabalhador que já possui 20 anos de contribuição à
Previdência Social e busca cumprir o prazo de 35 anos para adquirir o direito à sua
tão almejada aposentadoria. Estará esse segurado confiante na concessão de sua
aposentadoria daqui a 15 anos? O trabalhador esta seguro, tranquilo e confiante na
sua aposentação? Certamente a resposta para todas inquietações será ‘não’. A uma
porque as regras da aposentadoria poderão mudar no decorrer do tempo, a duas
porque não há garantia de que ele ainda contribuirá o tempo restante. Mas, uma vez
vencidas e cumpridos os requisitos para a concessão do benefício previdenciário, o
segurado ainda não estará certo de que suas contribuições retidas foram
devidamente repassadas à Previdência Social.
Diante desse exemplo percebe-se facilmente que se trata de ato lesivo não
somente à vítima, mas a toda a sociedade por ‘um rebaixamento imediato do nível
de vida da população’. Para AZEVEDO297 além da aplicação da responsabilidade
civil pelos danos individuais, deve-se impor a responsabilidade civil por danos
sociais, onde
Os danos individuais são os patrimoniais, avaliáveis em dinheiro – danos emergentes e lucros cessantes -, para a dor, para lesões de direito de personalidade e para danos patrimoniais de quantificação precisa impossível. Os danos sociais, por sua vez, são lesões à sociedade, no seu nível de vida, tanto por rebaixamento de seu patrimônio moral – principalmente a respeito da segurança – quanto por diminuição de sua qualidade de vida.
Há, ainda, algumas outras dificuldades na aplicação do dano social298, como
ato de responsabilidade civil, onde o próprio AZEVEDO assevera que é difícil saber
296
AZEVEDO, 2009, p. 381. 297
AZEVEDO, op. cit, p. 382. 298
Outra dificuldade também esta na distinção entre dano social e o dano moral coletivo. Para TARTUCE
SILVA, o dano moral coletivo também surge como um candidato dentro da ideia de ampliação dos
danos reparáveis. [...] O conceito é muito similar àquele de dano social. [...] De imediato, surge a indagação: o dano moral coletivo é sinônimo do dano social? A resposta é negativa. Ora, o dano social também pode ser material, ou seja, também pode repercutir patrimonialmente no âmbito da sociedade. Isso não ocorre no dano moral coletivo, que repercute extrapatrimonialmente. [...] O dano social, se imaterial, confunde-se com o dano moral coletivo? Em certos pontos pode-se dizer que sim. Mas é interessante perceber que, enquanto no dano social a vítima é a sociedade; o dano moral coletivo tem como vítimas titulares de direitos individuais homogêneos, coletivos ou difusos. Se na prática a diferença é tênue, do ponto de vista da categorização jurídica, há diferenças entre as construções. (SILVA. Flávio Murilo Tartuce. Reflexões sobre o dano moral. In Revista Âmbito Jurídico. Rio Grande do Sul. XI, n
o 59, nov. 2008. Disponível em <http://www.ambito-juridico.com.br/site/
index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3537#_ftnref27>. Acesso em: 25/05/2014).
109
a quem atribuir a indenização pelos danos sociais, mas avisa que poderá haver a
entrega a um fundo ou à própria vitima. Infere AZEVEDO que seja entregue à
própria vítima299. A nosso sentir, esses recursos devem ser carreados à própria
Previdência Social, visando a custear exatamente os benefícios não concedidos em
razão da omissão de informação de dados cadastral e financeiro à Previdência
social.
Embora paliativa, a condenação por dano social parece ser uma das soluções
possíveis para o financiamento e direitos fundamentais previdenciários, sem os
quais a dignidade humana não se apresenta factível.
299
AZEVEDO, op. cit. p. 383-384.
110
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Do que foi exposto na presente dissertação, temos que a obrigatoriedade da
entrega da Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e
Informações à Previdência Social (GFIP) trouxe maior segurança tanto para o
contribuinte quanto para a Previdência Social, na medida em que as informações
recebidas são utilizadas para a concessão de benefícios previdenciários, bem como
para a cobrança, pelo órgão competente, de eventuais inadimplências. Esse
documento possibilita o aperfeiçoamento nos sistemas de arrecadação, fiscalização
e cobrança com maior eficiência, controle e segurança.
Porém, quando os trabalhadores, e por vezes a sua família, dependem do
benefício previdenciário para sobrevivência e o valor do benefício concedido não
esta correto, devido a falhas da empresa na prestação das informações de dados
cadastral e financeiro para a Previdência Social, o segurado perde, não só em
termos de descrença e desamparo institucional, mas também em recursos para a
sua sobrevivência, o que caracteriza violação aos direitos fundamentais e a
dignidade humana.
Por deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos
contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional, bem como deixar de recolher,
no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que
tenha sido descontada de pagamento efetuado ao empregado o empresário
empregador estará sujeito, além das multas e restrições administrativas, às sanções
criminais e a responsabilidade civil, tanto patrimonial, quanto extrapatrimonial.
O trabalhador segurado da previdência social ao ter negado o seu pedido de
benefício previdenciário ou ao recebê-lo com valor abaixo do devido será
diretamente afetado. Contudo, a própria sociedade quer pela diminuição da
tranquilidade social, quer pela quebra da confiança ou, ainda, pelo rebaixamento
imediato do nível de vida da população será a maior prejudicada, eis que não estará
sendo preservados os direitos fundamentais que devem ser garantidos pela
previdência social ocasionando, desta forma, o dano social.
Não obstante aos evidentes avanços que os Direitos, Administrativo, Penal,
Civil e Previdenciário, bem como a fiscalização do Estado, a sociedade está
111
sofrendo com o rebaixamento de nível no que tange aos benefícios da previdência
social. É inegável ser mais vantajoso e eficiente prevenir a ocorrência de danos do
que ter de atuar posteriormente na busca da restauração da situação lesiva. A
condenação por dano social parece ser uma prática possível na busca da dignidade
humana e na preservação dos direitos fundamentais principalmente ao contribuir
para a sustentabilidade do sistema de previdência social, de direitos previdenciários
de aposentados e de todos os trabalhadores segurados.
112
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