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A PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA E A PESQUISA EM EDUCAÇÃO: relato
de pesquisa sobre a constituição da identidade de professores universitários de
origem norte – nordestina
Carla Andréa Silva-PUC/SP
carlandreapi@gmail.com
Financiamento: CNPq
Resumo
Esta discussão é oriunda de resultado de pesquisa de doutorado que teve como objetivo
geral compreender os processos de transformação da identidade de professores norte-
nordestinos a partir das vivências destes como pós-graduandos em Educação na cidade
de São Paulo. A referida pesquisa está vinculada ao Programa de Estudos Pós-
graduandos em Educação: Psicologia da Educação da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, e ocorreu mediante orientação da Profª Drª Mitsuko Aparecida Makino
Antunes. O arcabouço teórico utilizado contou com o suporte das elaborações teóricas
relativas à concepção psicossocial de identidade proposta por Ciampa (2006a, 2006b,
2007); bem como os estudos que se utilizaram da Psicologia Sócio-histórica como Rosa
e Andriani (2011), Aguiar (2006) e Bock(2011). A experiência de pesquisa que
analisamos nessa ocasião, foi de natureza qualitativa, e em sua execução envolveu a
realização de entrevistas não diretivas, com sete professores de origem norte-nordestina
que realizaram ou estavam realizando curso de pós-graduação stricto sensu na área de
Educação na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em que relatam suas
histórias de vida. As entrevistas foram analisadas mediante a organização em núcleos
temáticos, com base em Minayo (2004). Nessa experiência, identificamos o potencial da
Psicologia Sócio-histórica e de seus fundamentos em pesquisas no campo educacional e
em especial na discussão de temáticas como a identidade de professores. Essa
apreciação ancora-se no entendimento semelhante ao de Meira (2003) de que o
processo formativo vivido na pós-graduação pelos professores pesquisados não está
circunscrito apenas às práticas que se materializam na universidade, e que qualquer
análise ou superação de problemas nessa realidade não pode se dar de maneira
independente das condições que o determinam, tais aspectos não são ignorados pela
Psicologia Sócio histórica.
Palavras-chave: Psicologia Sócio-histórica. Identidade de professores norte-
nordestinos. Pós-graduação stricto sensu.
1Introdução
De acordo com Esteban (2010) a pesquisa educacional tem sido reconhecida
como uma ferramenta útil para o desenvolvimento profissional dos professores e
profissionais da educação, tendo em vista que o entendimento de desenvolvimento ao
qual a pesquisadora se refere a uma condição diretamente relacionada com constante
aprendizagem, conjugada a reflexão constante sobre a prática.
Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores
EdUECE- Livro 201359
Em meio às pesquisas realizadas no cenário educacional, a psicologia
marca sua presença como uma das áreas que oferece fundamentação a produção de
conhecimento na área educacional, estabelecendo compromissos que nem sempre estão
comprometidos com a transformação da realidade, na medida em que hegemonicamente
ancoram-se sobre o pensamento liberal (Bock, 2003, Bock, 2011).
Sobre a relação psicologia e educação, um aspecto sublinhado por Bock
(2003) como negativo refere-se a ocultação, por parte da psicologia de determinados
aspectos da realidade social que permeiam a educação, e que levaram a própria
psicologia a adotar posturas que revelavam-se literalmente descoladas da realidade
social.
Sobre esse momento a autora analisa a estruturação de uma relação de
cumplicidade ideológica entre pedagogia e psicologia, onde a psicologia na gerência dos
poderes a ela conferido no cenário educacional começou a justificar determinadas
realidades educacionais mediante discussões superficiais envolvendo as seguintes
temáticas: diferenças individuais, as noções de individuo natural e universal, e
elaborações sobre o desenvolvimento humano como processo natural que possui uma
trajetória estruturada previamente ao nascimento (BOCK, 2003, BOCK, 2011).
Consideramos importante o esclarecimento de que, ainda que tenhamos nos
referido a psicologia que se encontra na interface com a educação, não podemos deixar
de destacar uma particularidade que é inerente a psicologia como um todo, que é o fato
desta possuir uma variedade de linhas de pensamento direcionadas a compreensão dos
fenômenos psicológicos (FIGUEIREDO e SANTI, 2004).
A Psicanálise, o Behaviorismo, a Psicologia da Gestalt, a Psicologia
Humanista, a Psicologia Genética, o Psicodrama, a Psicologia Analítica, a
Fenomenologia e a Psicologia Sócio histórica, são algumas das linhas de pensamento
que deram origem a diferentes correntes teóricas estruturadas no campo circunscrito a
Psicologia (SCHULTZ e SCHULTZ,2012; KAHALE e ROSA, 2011; FIGUEIREDO e
SANTI,2004).
Dentre as correntes teóricas, mencionadas anteriormente, nos deteremos
particularmente sobre a psicologia sócio-histórica, tendo em vista que o objetivo desta
discussão é levantar algumas das contribuições dessa abordagem para a pesquisa em
educação, mediante a experiência que tivemos na execução da tese que realizamos sobre
a identidade de professores de origem norte-nordestina.
Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores
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Nessa direção, a literatura especializada tem apontado um reconhecimento
do potencial crítico da psicologia sócio-histórica assim como a sua contribuição ao
trabalho docente pelo fomento a produção de novos sentidos subjetivos (MEIRA, 2003;
AGUIAR E GALDINI, 2003; FACCO E DAVIS, 2012).
Nesta oportunidade, esclarecemos que a pesquisa da qual procede a presente
discussão, ocorreu sob orientação da Profª Drª Mitsuko Aparecida Makino Antunes e
esteve vinculada ao Programa de Estudos Pós-graduandos em Educação: Psicologia da
Educação, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com o objetivo geral de
compreender os processos de transformação da identidade de professores norte-
nordestinos a partir das vivências destes como pós-graduandos em Educação na cidade
de São Paulo.
Diante das colocações apresentadas até o momento, consideramos
oportuno informar que a discussão que se segue está organizada da seguinte maneira:
inicia-se com uma breve retomada da Psicologia Sócio-histórica no tocante ao seu
histórico em nosso país, seus principais fundamentos e sua presença no cenário relativo
às pesquisas educacionais; em seguida expomos detalhes sobre o método da pesquisa, e
posteriormente, nos detemos sobre nossa experiência de pesquisa de doutorado onde
nos apropriamos do potencial de análise oferecido pela Psicologia Sócio-histórica para o
desvelar da identidade de professores de origem norte-nordestina; ao final reunimos
algumas considerações sobre esta experiência de pesquisa com o referencial teórico em
questão.
2 Psicologia Sócio-histórica: surgimento no Brasil, principais fundamentos e
contribuições para as pesquisas educacionais
A Psicologia sócio-histórica surgiu justamente do intuito de superar a
perniciosa dicotomia objetividade/subjetividade normalmente presente nas análises
realizadas cerca dos fenômenos psicológicos denunciada por Vigotski em uma de suas
conferências, em que abordou “o significado histórico da crise da Psicologia” realizada
em 1927.
Esta perspectiva teórica da psicologia, ciente dos problemas enfrentados
pela psicologia, sobretudo no inicio do século XIX, buscou suporte nos pressupostos do
Materialismo Histórico e Dialético, e em consideração as ressalvas apontadas por
Vigotski de que :
(...) É preciso saber o que se pode e o que se deve buscar no marxismo. Não
se trata de adaptar o indivíduo ao sábado, mas o sábado ao indivíduo; o que
precisamos encontrar em nossos autores é uma teoria que ajude a conhecer a
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psique, mas de modo algum a solução do problema da psique, a fórmula que
contenha e resuma a totalidade da verdade científica. (...) O que sim pode ser
buscado previamente nos mestres do marxismo não é a solução da questão, e
nem mesmo uma hipótese de trabalho (porque estas são obtidas sobre a base
da própria ciência), mas o método de construção [da hipótese – R.R]. Não
quero receber de lambuja, pescando aqui e ali algumas citações, o que é a
psique, o que desejo é aprender na globalidade do método de Marx como se
constrói a ciência, como enfocar a análise da psique. (VIGOTSKI, 2004,
p.395)
Diante do exposto verificamos o reconhecimento das potencialidades do
Materialismo Histórico e Dialético de Karl Marx na concepção de Vigotski, além da
oportuna ressalva que esse pensador da psicologia faz no tocante a introdução de
conceitos materialistas no seio da ciência psicológica sem a devida reflexão em relação
aos fundamentos epistemológicos e metodológicos bem como a transposição mecânica
destes fundamentos para a psicologia.
Cientes desse desafio, e, sobretudo da realidade brasileira, autores como
Bock e Gonçalves (2009) apontam que a psicologia crítica sócio-histórica no Brasil
nasce do compromisso social e especialmente sensibilidade política em relação à
importância do marxismo para o desenvolvimento crítico da Psicologia atribuído a
Silvia Lane, a pioneira nas discussões dessa perspectiva teórica em nosso país e na
américa latina.
Procurando atender as prerrogativas apontadas por Vigotski, a psicologia
sócio-histórica no Brasil se estrutura com a expectativas de vir-a-ser:
Uma Psicologia que pudesse falar do fenômeno psicológico, como registro
que o homem faz da realidade e das experiências vividas, de modo a não
dissociá-la do mundo social e cultural, no qual o homem se insere e no qual
encontram todas as suas possibilidades de ser e seus limites. (BOCK,
GONÇALVES e FURTADO, 2009, p.09)
Entendemos que a apreciação acima demonstra, ainda que de forma breve,
como a psicologia sócio-histórica em nosso país, tem se apropriado dos princípios
epistemológicos e metodológicos do materialismo histórico e dialético, atentando-se
para categorias como historicidade, totalidade, mediação, contradição, que dão
subsídios ao olhar crítico que esta perspectiva tem destinado a investigação e análise
dos fenômenos psicológicos em sua produção e dinâmica.
Na oportunidade, ressaltamos que a concepção de homem de Vigotski
(1991) que orienta a sócio-histórica considera a ocorrência de um processo de
construção social em que o homem ao nascer é candidato à humanidade, no entanto esta
condição é conquistada na medida em que este vai se apropriando do mundo que o
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cerca, pois a relação entre homem e mundo não consiste numa mera justaposição entre
essas duas instâncias. Com esse entendimento demonstra-se a oposição a ideia de
natureza humana, com algo dado previamente.
Na discussão que Vigotski (1998) realiza sobre o desenvolvimento
psicológico, este defende que o comportamento humano, apresenta aspectos singulares
que lhe conferem uma ação que vai além da reprodução do código genético de sua
espécie -condição típica dos animais- já que o homem pela atividade simbólica que é
capaz de realizar tem as condições para empreender uma ação analítica diante do
mundo- social, histórico e cultural.
No âmbito dos fundamentos da Psicologia sócio-histórica, não poderíamos
deixar de recordar a apreciação de Bock (2011) sobre o modo como esta perspectiva
teórica da psicologia concebe as relações estabelecidas entre objetividade e
subjetividade, sobretudo no destaque de que:
A realidade social e a subjetividade se constituem ao mesmo tempo e no
mesmo processo; elas não são a mesma coisa, mas são âmbitos distintos de
um mesmo processo. Dessa forma, a subjetividade não é efeito da realidade e
nem causa dela; não existe a priori e nem independente dela. Constituem-se
ao mesmo tempo, e os elementos da subjetividade constituem a dimensão
subjetiva da realidade. Não são apenas elementos internos ao sujeito; estão
postos na objetividade como produto da atividade humana que transforma o
mundo e se põe nele. (BOCK, 2011, p.277)
Diante do exposto por Bock (2011), depreendemos mais uma
particularidade da psicologia sócio-histórica, que é a iniciativa de tentar conhecer a
dimensão subjetiva da realidade, produzida individual e coletivamente e que é acessível
mediante as significações estabelecidas pelo homem nessas duas perspectivas, posto que
essas significações permeiam as relações e ações do homem no mundo, diferentemente
do que ocorre com os animais.
Na análise de Bock (2011) dar visibilidade a dimensão subjetiva da
realidade e mais especificamente a realidade do processo educacional, é uma das
especificidades da psicologia sócio-histórica no cenário em questão, que explicita a
contraposição a outras perspectivas teóricas em psicologia, que concebem os fenômenos
psicológicos como natural, especialmente pelo fato de que na perspectiva da psicologia
sócio histórica tem-se o entendimento de que “(…) os fenômenos psicológicos são
mediados e não imediatos, são constituídos nas e pelas relações sociais, porém não são
simplesmente produtos destas” (MOLON, 1995, p.13).
Como sinalizamos anteriormente a dimensão simbólica e o processo de
significação empreendido pelo homem, que tem imprescindível participação na
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regulação do comportamento deste ao longo do desenvolvimento psicológico. Essa
dimensão é considerada por Vigotski (1995) como atividade genérica e essencial do
homem. E em seu entendimento, a construção do real e a construção do próprio sujeito
ocorrem num mesmo patamar, de maneira que o processo de transformação do mundo
pelo homem é simultâneo ao movimento realizado em sua própria constituição.
A este respeito, a psicologia sócio histórica, sobretudo em sua utilização
como referencial teórico de suporte às pesquisas educacionais realizadas no cenário
brasileiro, Aguiar et al (2006) destaca que esta ao adotar categorias como sentido e
significado como orientadoras de suas investigações tem o potencial de desvelar, o
movimento complexo e contraditório de constituição dos sentidos subjetivos dos
professores.
De acordo com Aguiar et al (2006) a importância de se ter acesso aos
sentidos subjetivos dos professores, decorre basicamente do fato de que estes sentidos
se expressam nas formas de pensar, sentir e agir, além de oferecerem indicadores para
intervenções que contribuam com a formação destes profissionais, pelo fato das
categorias sentido e significado conferirem acesso à subjetividade dos indivíduos
pesquisados no cenário educacional.
Finalizamos as referências aos contributos da psicologia sócio-histórica,
reportando-nos a Meira (2003) ao destacar, por exemplo, que a forma de apreensão da
educação por esta perspectiva teórica tem envolvido o reconhecimento da educação
como instrumento mediatizado de transformação social, e do homem como sujeito
histórico e imerso na complexa trama social.
3 Método
Como informamos anteriormente o referido estudo é oriundo de pesquisa de
doutorado que teve orientação à abordagem qualitativa. A escolha pela abordagem
qualitativa, ocorreu em razão de, assim como Esteban (2010), compreendermos esta
abordagem em sua potencialidade para a compreensão em profundidade dos fenômenos
educativos e sociais bem como das transformações inerentes às práticas e cenários
socioeducativos.
A abordagem qualitativa adotada neste estudo pressupõe o caráter
construtivo interpretativo do conhecimento, o que implica compreender o conhecimento
como processo de construção, como produção humana e não algo que está pronto e
basta ser descrito.
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Na dimensão empírica, ressaltamos que esta pesquisa contou com a
participação de sete professores universitários de origem norte-nordestina. E teve como
lócus a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, mais especificamente seus três
programas de pós-graduação que tem como área de concentração, a Educação.
Como instrumentos de coleta dos dados da pesquisa, foi utilizada a
entrevista do tipo não diretiva, que em razão do objeto de estudo, nos levou optar por
não realizar nenhuma organização prévia de questões, apenas instigamos os
participantes a contarem suas histórias de vida, buscando, ao longo da narrativa,
conduzir o foco para as recordações atinentes aos objetivos da pesquisa, quando
necessário.
Na análise dos dados, nos apoiamos livremente na técnica de Análise
temática discutida por Minayo (2004), que nos possibilitou a organização dos seguintes
núcleos temáticos: o nome, o lugar em que nasceu, a família, a escola, o mundo
profissional e a pós-graduação. Contudo esclarecemos que nesse artigo em razão dos
objetivos já mencionados não nos deteremos em pormenores aos núcleos temáticos
estruturadosno desenvolvimento da pesquisa.
4 A experiência relativa ao uso da Psicologia Sócio histórica no estudo da
identidade de professores universitários de origem norte-nordestina: algumas
apreciações
Em nossa pesquisa tivemos como fundamentação teórica, a concepção
psicossocial de identidade desenvolvida por Ciampa (2007), que assim como a
perspectiva da psicologia sócio-histórica tem por base uma epistemologia materialista e
dialética, cujo cerne reside na análise da interação indivíduo-sociedade.
A escolha por esta concepção levou em consideração o entendimento de que
a identidade não é algo acabado, sendo compreendida como constante
construção/reconstrução, que incorpora em sua realização plasticidade, movimento,
instabilidade, além de significação. (CIAMPA, 2006A/2007)
Para Ciampa (2007) o processo de tessitura do eu, ocorre a partir da vida
social seja por condições de igualdade (que ocorrem quando nos identificamos com
aqueles reconhecidos como semelhantes), seja por diferença (materializados, sobretudo,
quando nos damos conta de nossas particularidades em relação aos outros).
Dessa maneira, de acordo com este teórico, a exposição dos sujeitos a
contextos de igualdade e diferença auxiliam no gestar das idiossincrasias que
contribuem para que possam se definir como seres humanos únicos, ainda que estes
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compartilhem do mesmo gênero, que é o humano. Se faz importante ressaltar que um
dos pontos de partida desta teoria, é certamente a de que a identidade deve ser
compreendida como uma relação, concreta e genuína, entre indivíduo e sociedade,
ancorada em intenso dinamismo e que proporciona metamorfoses pelas quais nos
tornamos humanos. (CIAMPA, 2007)
Nesta oportunidade sublinhamos que na perspectiva psicossocial de
identidade proposta por Ciampa (2006a, 2006b, 2002, 2007), a identidade é igualmente
entendida como construção social; como unidade da subjetividade e objetividade;
identidade como movimentos de pressuposição e reposição, identidade como reunião de
múltiplas personagens e, por fim, identidade como metamorfose.
Frente ao exposto, destacamos que a concepção psicossocial adotada em
nossa pesquisa ergue-se explicitamente em contraposição a outras perspectivas de
identidade que erroneamente concebem-na como simples sucessão temporal dos
acontecimentos da vida do sujeito, em que a acessibilidade à identidade ocorreria
mediante a reunião do maior número de informações descritivas do sujeito, pois estas
demonstrariam correspondência direta com a identidade de uma determinada pessoa,
pelo fato de esta última ser vista, nessa perspectiva, como sinônimo de estabilidade.
Recordamos ainda que para a identidade constitui-se numa unidade formada
pelo par subjetividade e objetividade, que possibilita ao homem as condições de
produzir-se a si mesmo e ainda conferir materialidade a sua identidade. Essa
compreensão parte do pressuposto que o desenvolvimento do homem não requer
unicamente a dimensão abstrata, e se ancora igualmente em condições materiais,
determinadas, de espaço e tempo, envolvendo tanto a realidade imediata, como também
o passado ou futuro (CIAMPA, 2007).
Frente a breve retomada da concepção teórica de identidade que nos
apropriamos em nossa tese, não poderíamos deixar de ressaltar nossa percepção quanto
a concepção ao homem sobre o qual esta concepção se apoia. Nesse caso, o homem é
concebido como sujeito ativo, que tem em seu processo identitário igualmente
determinado pelas relações sociais que estabelece em meio às socializações primária
(que tem seu cerne no grupo familiar) e secundária (que tem na escola e posteriormente
o mundo do trabalho como eixo) como pelas transformações sofridas pela humanidade
ao longo de seu processo histórico.
Dessa maneira, consideramos importante destacar que assim como Andriani
(2011) encontramos certa semelhança entre a concepção de identidade proposta por
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Ciampa e os fundamentos da psicologia sócio-histórica, ainda que a referida concepção
não tenha filiação com o referencial relativo a psicologia sócio histórica.
Um exemplo ilustrativo dessa semelhança pode ser extraído de apreciações
como a que se segue:
(...) O homem é constituído em uma relação dialética com o social e com a
história, sendo ao mesmo tempo único, singular e histórico. Esse homem,
constituído na e pela atividade, ao produzir sua forma humana de existência,
revela – em todas as suas expressões – a historicidade social, a ideologia, as
relações sociais, o modo de produção vigente. Entendemos dessa forma que
individuo e sociedade não mantem uma relação isomórfica entre si, mas uma
relação de mediação, na qual um constitui o outro, sem que com isto cada um
dos elementos perca sua identidade (AGUIAR e OZELLA, 2008, p.228).
A nosso ver a apreciação acima, ilustra claramente consonâncias entre os
postulados da psicologia sócio-histórica e a teoria da identidade proposta por Ciampa,
especialmente no fato de que em ambas o homem não é visto como imutável, sofrendo
múltiplas determinações em seu entorno. O processo de constituição identitária, por sua
vez, envolve em ambas em seu movimento e transformação constantes, em meio ao
jogo que se ordena entre aparência e essência do indivíduo, em meio às relações sociais.
5 Considerações Finais
Uma das primeiras apreciações que apresentamos sobre o uso do referencial
teórico da psicologia sócio-histórica é a de que esta perspectiva nos provocou a ponto de
constatarmos a necessidade de serem empreendidos movimentos pela psicologia
enquanto área de conhecimento que superem a naturalização dos fenômenos
psicológicos tão comum outrora. Nesse sentido, o referencial em questão nos estimulou
a refletir sobre o desafio da Psicologia, em superar o movimento de alienação que tem
interferido sobre o conhecimento produzido em psicologia e mais especificamente sobre
aquele produzido na interface psicologia e educação, lugar de onde falamos.
Apesar de concordamos com a apreciação de Bock e Gonçalves (2009), de
que o legado da teoria de Vigostki para a psicologia, ainda está longe de ser bem
explorados no seio da própria psicologia brasileira, avaliamos que nossa experiência de
utilizar o referencial da psicologia sócio-histórica proporcionou uma análise mais
aprofundada sobre a dimensão subjetiva da realidade educacional investigada que foi a
pós-graduação.
Dessa maneira, foi possível reunir tanto aspectos ligados à realidade da pós-
graduação em nosso país quanto da constituição identitária dos pesquisados diretamente
relacionadas à questão da origem geográfica- circunscritas nesse caso, ao norte e
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nordeste do Brasil. Nesse momento, também conseguimos desvelar vivências
relacionadas ao preconceito sofrido por conta da origem geográfica, sobretudo no
momento em que optaram cursar a pós-graduação stricto sensu fora de suas regiões de
origem, escolhendo a cidade de São Paulo para realizarem essa formação.
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