análise do filme central do brasil na perspectiva da psicologia sócio histórica

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Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho

Anlise scio-histrica do filme A central do Brasil

Disciplina: Fenmenos e Processos II: Psicologia Scio-histrica Profa. Lgia Mrcia Martins

Aluno(a)(s): Brbara Barcello Gaspar Flvia Franciane Ortega Dias Mariana Carvalho Koga Marina Leonel Soares Rafael Piccolo Feliciano Stephanie Olivato Yuri Navarrete de Faria Rosa RA: 923532 RA: 922994 RA: 924385 RA:1026437 RA: 1020099 RA: 1026402 RA: 920835

Novembro/2010

O filme Central do Brasil foi escolhido como objeto de anlise para a articulao com a teoria scio-histrica no presente trabalho. O longa-metragem se baseia na relao de Dora, a escrevedora de cartas e Josu, o garoto que, aps a morte da sua me, inicia uma busca incessante por seu pai, junto Dora. A histria se inicia tendo a Central do Brasil (estao de trens no subrbio do Rio de Janeiro) como cenrio. Dora uma professora aposentada que escreve cartas para analfabetos mais especificamente, para a populao migrante que almeja manter laos com os parentes distantes, e revelada como uma pessoa sem compromisso com valores ticos e morais, uma vez que no coloca todas as cartas dos clientes nos correios e quase colocou Josu como vtima de trfico externo. Tal ambiente uma amostra da realidade dos migrantes nordestinos que se mudam para a cidade do Rio de Janeiro em busca de melhores condies de vida, mas que num contexto de desigualdade social, na luta pela sobrevivncia so entregues ao assalto, ao trfico de forma a aumentar o quadro da violncia urbana. Ana uma das clientes de Dora, que leva o seu filho Josu, um garoto de nove anos, para escrever uma carta para o seu pai, o qual deseja conhec-lo. Na sada da estao, Ana sofre um acidente de carro ao ser atropelada, que causa a sua morte. Desta forma, Josu fica abandonado na cidade e o momento em que definitivamente decide procurar o seu pai. A nica opo de Josu pedir para que Dora escreva uma carta para atender a essa necessidade dele. Dora, no entanto, no parece se sensibilizar com a situao do garoto num primeiro momento. Posteriormente, se envolve com ele na sua busca pelo pai com destino Bom Jesus do Norte, na Bahia. No discorrer do filme, vrios obstculos so postos para que alcancem sua meta, ao mesmo tempo em que os dois personagens conquistam uma relao de amizade cada vez mais afetuosa, passado o momentos inicial da rejeio recproca. A trajetria dos personagens em busca do pai de Josu no serto de Pernambuco e da Bahia , portanto, o cerne sobre o qual se constri o desenvolvimento do longa-metragem, no qual se inserem todos os personagens secundrios, os equvocos nos endereos possveis para a casa do pai de Josu e como a relao de Josu e Dora assume novos caminhos medida que convivem, de forma a causar mudanas em suas atitudes. Nos momentos conclusivos do filme, eles so encontrados pela famlia do pai: os irmos de Josu, os quais aguardavam pelo pai que saiu de casa e no mais retornou. Neste contexto, se mostra a revelao da carta do pai de Josu a Ana, na qual revela que

tinha a inteno de reencontr-la e reunir a famlia para que vivessem juntos. Desta forma, Dora, que obteve o sentido da sua trajetria concludo, retorna ao Rio de Janeiro. De acordo com a psicologia scio-histrica, atravs da dialtica existente entre singular, particular e universal possvel compreender o homem como um ser social, isto , um indivduo que depende fundamentalmente desta relao para formar sua essncia humana, atravs das apropriaes e objetivaes feitas ao longo de sua vida, no processo chamado de humanizao. No movimento que constitui tal dialtica, o singular se constri no universal e este se concretiza atravs da atividade histrico-social desenvolvida pelo indivduo, o trabalho. Isto s se torna possvel atravs da mediao feita pelo particular, com as apropriaes adquiridas pelo indivduo em seu contexto de vida. O acmulo de experincias leva maior complexificao do sujeito. No filme, o personagem Josu vivia somente com sua me, Ana, pois seu pai morava no Nordeste e no mantinha contato algum. Ana, por no ter condies de viajar ao encontro do marido, mandava cartas a ele atravs da escrevedora Dora, que nunca s colocava no Correio. O menino Josu, um indivduo singular, vivia em contato com uma realidade social em que nem todas as objetivaes feitas pelo homem eram possveis de serem apropriadas, uma vez que a estrutura social na qual estava inserido, junto de sua me, no dava acesso a elas, devido ao modo de produo vigente, o capitalismo. A forma como todas as experincias sociais o afetaram, resultou nas construes de vnculos de acordo com a sua condio concreta de vida. Tais experincias tiveram um papel particular na vida de Josu, ou seja, a apropriao que ele fez da realidade foi subjetiva, j que ela diferenciase entre os indivduos, de forma que suas funes cognitivas e emocionais produziram um grau de apropriao da realidade distante da objetivao do gnero humano, ou seja, do universal. Alm de que, o homem como um ser social, indivduo singular, se constri a partir da relao existente com a genericidade parte esta, de sua sociedade. A primeira trata-se da relao com as objetivaes histricas humanas (universal): o homem se apropria delas e objetiva-se como sujeito ativo e participante das transformaes do contexto em que vive, inclusive da construo de sua individualidade (particular). E no cerne da segunda relao - entre indivduo e sociedade, por meio de relaes concretas e histricas - que a primeira se realiza. Esse contato com as objetivaes do gnero humano torna-se fonte de mediao para o homem estabelecer objetivamente sua individualidade e se constituir como um ser social e genrico, isto , universal, sem

abdicar da singularidade alcanada, que manifesta toda universalidade j conquistada pelo gnero humano. Segundo Duarte (1999) o gnero humano pertence categoria histrica, ou seja, conquistada socialmente, e se realiza no interior das relaes sociais concretas e histricas nas quais cada homem se insere. Dora, no incio do filme, uma mulher amarga e cnica, que sobrevive com o dinheiro que recebe transcrevendo cartas para supostos analfabetos. A ao humanizadora que este trabalho poderia ter, se ela utilizasse seu aprendizado como professora para ajudar os outros, perde seu sentido a partir do momento em que ela no envia as cartas, mas as deixam guardadas em uma gaveta, fazendo delas verdadeiras mercadorias. Ocorre a mudana de alguns traos do carter de Dora na medida em que estabelece uma relao com Josu, o menino que quer conhecer o pai de qualquer maneira, ainda mais depois da morte de sua me. Ao acompanh-lo na viagem em busca do pai, Dora e Josu aproximam-se e identificam-se, fazendo com que suas singularidades se confrontem e se complementem, pois buscam conhecer a si mesmos, no possuem famlia acentuada ausncia da figura paterna e esto aprendendo a sobreviver por conta prpria desde muito novos. uma relao mediadora para ambos, em que eles transformam um ao outro e so transformados, em um processo que suporta desavenas e abandonos. Dora compra roupas novas, torna-se mais vaidosa por influncia do menino, muda a atitude em relao s cartas, no as guardando mais ou jogando-as no lixo. Josu passa a ser mais alegre e mais confiante em relao aos outros e deposita em Dora a figura materna e paterna ausentes. Entre pessoas desconhecidas e um cenrio marcado pela pobreza, ambos humanizam-se e encontram no outro uma singularidade at ento desconhecida, que torna possvel a construo de suas identidades, novos elementos individuais e de personalizao. O homem com sua singularidade se resultam em uma sntese de mltiplas determinaes, ou seja, uma sntese complexa em que a universalidade se concretiza socialmente e historicamente, atravs da atividade vital humana, que social, o trabalho. ***Atividade o meio/modo pelo qual o ser humano se relaciona com a realidade, buscando a satisfao de suas necessidades. Toda atividade gerada por uma necessidade, que por sua vez criada pelas condies concretas da vida, do meio social no qual o indivduo est inserido. O fator determinante para a humanizao dos antepassados animais do homem e, conseqentemente o surgimento da sociedade foi o surgimento do trabalho. Todas as

modificaes anatmicas e fisiolgicas devidas ao desenvolvimento de atividades acarretaram necessariamente uma transformao global do organismo, dada a interdependncia natural dos rgos e o surgimento da atividade vital humana trabalho. um processo que liga o homem natureza, no qual ele age sobre a mesma, transformando-a e concomitantemente se transformando. O trabalho caracterizado por dois elementos interdependentes, sendo o primeiro deles o uso e o fabrico de instrumentos. O segundo consiste em que o trabalho somente pode ser efetuado em condies de atividade comum coletiva, de modo que o homem no entra somente em uma relao determinada com a natureza, mas com outros homens, membros de uma dada sociedade. atravs do intermdio desta relao com outros homens que o indivduo se encontra em relao com a natureza. Para Duarte (2000), Leontiv e Vigotski utilizam o conceito de atividade/ao diretamente com o de trabalho humano, como podemos observar na teoria marxista: (...) o trabalho , para Marx, uma atividade que distingue o ser social do ser natural, isto , define a especificidade do ser humano como um ser histrico, social e cultural, por possuir essas trs caractersticas: a de ser uma atividade conscientemente dirigida por uma finalidade previamente estabelecida na conscincia, a de ser uma atividade mediatizada pelos instrumentos e a de ser uma atividade que se materializa em um produto social, um produto que no mais um objeto inteiramente natural, um produto que uma objetivao da atividade e do pensamento do ser humano. (Duarte, 2000, p. 208) A partir do referencial marxista, a atividade humana caracteriza-se por trs aspectos fundamentais: ela teleolgica, faz uso de instrumentos de mediao e produz algo que se pode caracterizar como elemento da cultura ora pela existncia fsica, ora pela simblica a qual consiste na objetivao do ser humano. Segundo Bonin (1996), Vigotski buscou criar uma teoria que englobasse uma concepo de desenvolvimento cultural do ser humano atravs do uso de instrumentos, em especial a linguagem, tida como instrumento do pensamento. Eles so os meios externos utilizados pelos seres humanos para interferir na natureza, mudando-a e, por

conseqncia, provocando mudanas nos mesmos. A atividade pode ser mediada, segundo Vigotski, atravs dos signos enquanto instrumentos psicolgicos produzidos socialmente, sendo estes utilizados pelos indivduos na comunicao com os outros com os quais se relacionam e consigo mesmos. A apropriao caracteriza-se pela internalizao dos signos, a partir da transmutados em significao no psiquismo humano. Toda atividade humana produz cultura e, no processo dessa produo, objetiva o ser humano e ao mesmo tempo o subjetiva; para tanto o resultado de qualquer atividade tanto a produo da realidade humanizada quanto a humanizao do indivduo que a empreende. A linguagem o instrumento da comunicao constituda de um sistema de mediao simblica, sendo atravs desta funo comunicativa que o ser humano se apropria do mundo externo, estabelecendo interaes nas quais abrangem negociaes, reinterpretaes das informaes, de conceitos e significados. De acordo com Vigotski, a linguagem materializa e constitui as significaes construdas no processo social e histrico. A partir do instante em que os seres humanos a interiorizam, passam a ter acesso a estas significaes que, por sua vez, serviro de base para significar suas experincias, e sero estas significaes resultantes que constituiro suas conscincias, mediando assim suas formas de sentir, pensar e agir. Se considerarmos a origem do ser humano, em sua ontognese, dois saltos qualitativos incidem em seu desenvolvimento: o primeiro, quando este adquire a linguagem oral, e o segundo, quando adquire a linguagem escrita. No desfecho do filme pode-se observar a ausncia deste segundo salto qualitativo, uma vez que a personagem Dora, como se pode observar na cena inicial do filme, na qual vrias pessoas formam fila na Central do Brasil e ela, sentada atrs de uma mesa, escreve o que lhe solicitado pelas pessoas supostamente analfabetas, como cartas para parentes distantes, amigos, etc. Como pagamento desta atividade, ela recebe um real pela carta escrita e mais um real pelo envio da mesma. O ato de escrev-la constitui a sua ao. E a operao modo pelo qual ela realiza a ao de escrever as cartas: uso dos instrumentos (caneta e papel, por exemplo) e o manuseio desses. O motivo de sua atividade o prprio sustento. Depois de aposentada o nico meio pelo qual ela optou de garantir sua sobrevivncia. J a finalidade ganhar dinheiro. Por fim, pode-se inferir que Dora exerce a atividade de produo social, sendo de princpio professora e posteriormente, escrevedora de cartas.

A linguagem (instrumento) como sistema de signos a base da atividade de Dora; e, atravs dos contedos do pensamento (conceitos e juzos) que ela se comunica com as pessoas. Pelas funes interpessoal, de transio e intrapessoal ela organiza a sua relao com o outro, a relao com ela mesma e com sua conscincia. interessante observarmos o ponto crucial da mudana da vida da personagem, assim como o surgimento de uma nova atividade para Dora. Quando Ana, a me do garoto Josu, morre e este se encontra na Central, sozinho, espera de sua me, a cena que se segue a de Dora conversando com o garoto e dizendo que sua me no voltar, que esta morreu. A partir deste momento Dora convida Josu a ir com ela para sua casa. Depois de Dora vender o garoto Iolanda e se arrepender do feito, a escrevedora consegue recuperar Josu e estes iniciam uma atividade em comum, com necessidades distintas na medida em que se inicia um processo no qual o objeto e o motivo no coincidem, pois Josu necessita encontrar o pai e que ele seja seu cuidador, isto , tem a carncia de uma reconstituio familiar. J Dora tem como motivo de sua atividade ajudar o garoto a encontrar seu pai, e quando realizar tal atividade, esta se encerrar a. Para Josu, o desenvolvimento de sua atividade foi dirigido busca de seu pai, seu motivo era conhecer o pai, j que sua me foi embora do Nordeste grvida de Josu. Alm disso, durante sua vida Ana lhe falava muito bem de seu pai, o que fazia com que ele fantasiasse um perfeito pai de famlia. Pode-se exemplificar uma ao de Josu na cena em que, para executar tal atividade, o garoto entra no nibus com Dora com destino Bom Jesus do Norte. Concluindo, Josu exerce no decorrer do filme a atividade de procura ao pai; ainda que fosse pertinente a atividade de estudo, como se requer num desenvolvimento tpico. Ainda pode-se inferir que possivelmente passar a exercer uma nova atividade, a de carpintaria, podendo esta vir a ser uma atividade de produo social trabalho, uma vez que passaria a se apropriar da atividade executada pelos seus irmos, como demonstrado no encerramento do filme. Remetendo-se aos demais personagens do filme, pode-se dizer que Pedro exerce a atividade de trabalho, uma vez que segurana dos camels da Central do Brasil, sendo que os ltimos lhe garantem um salrio para a execuo de sua atividade, de forma que se utiliza de suas objetivaes para que transforme a realidade em que est inserido. Como por exemplo, na cena em que ocorre um roubo de um camel, e ele captura o efetuador do roubo, assassinando-o; assim, ressalta-se a realidade apropriada pelo mesmo, a partir da qual se fez mais adequado excluir da sociedade o sujeito dito

no adequado a ela. J o personagem Csar pode-se dizer que exerce a atividade de trabalho de caminhoneiro, isto , dirige para diversos lugares com o principal objetivo de fazer entregas, de maneira que recebe um salrio para que objetive suas apropriaes de forma a estabelecer transformaes na realidade que lhe posta. A respeito dos irmos de Josu pode-se dizer que eles exercem atividade de carpintaria, de forma que ilustrada no filme a objetivao de suas apropriaes acerca da atividade, ou seja, os personagens exercem a atividade de produo social. A atividade acaba por constituir a conscincia e esta por sua vez a regula. O indivduo vai desenvolvendo a sua conscincia conforme se apropria continuamente dos fenmenos no complexo de relaes que o sustentam, assim vai adquirindo uma proximidade do significado real, ao invs da alienao em nvel maior em que a maioria dos sujeitos est posta; e com isso as objetivaes deste sujeito agora sero direcionadas de outra maneira para os fins da atividade. Deste modo, a estrutura da conscincia humana est intimamente ligada estrutura da atividade humana, como mencionado anteriormente. Quando nos referimos estrutura da atividade devemos ter como pontos de anlise as condies sociais e as relaes humanas que as sucedem. No entanto, ao referimo-nos conscincia de um indivduo isolado, devemos levar como pontos relevantes as condies objetivas em que se encontra disposto em suas circunstncias. A base da conscincia o contedo sensvel, que transforma as qualidades do estmulo em fato da conscincia; o momento inicial do reflexo da realidade. Intrnseco a ele, a significao a forma pela qual o homem assimila a experincia humana generalizada e refletida; independentemente da relao individual ou pessoal do indivduo com a realidade objetiva, formado o reflexo psquico da realidade, e este por sua vez fixado sob a forma de conceitos modo de ao generalizado, norma de comportamento, etc. Posteriormente, a significao refletida e fixada na linguagem, o que lhe confere estabilidade, uma vez que as significaes lingsticas, que constituem o contedo da conscincia social, tornam-se a conscincia real dos indivduos. No decorrer da vida do homem, ele assimila as experincias das geraes precedentes, e essa aquisio de significaes acaba por culminar na apropriao gradual e potencial do patrimnio humano genrico, que poder ser somado a contedos objetivados pelo sujeito, e assim sucessivamente pelas geraes posteriores. O sentido adquirido a partir das experincias do sujeito, atravs dessa apropriao maior de conscincia. Assim, a tomada subjetiva e pessoal da significao

para o indivduo; e expressa a relao do mesmo com os fenmenos objetivos conscientizados. Para alm da ligao entre os organismos vivos e o meio, em que o desenvolvimento da atividade se d de maneira estritamente biolgica e h a formao do reflexo psquico proveniente dessa condio, o homem distingue essa relao como sendo a sua e toma conscincia dela. Por fim, (...) esse sentido consciente criado pela relao objetiva que se reflete no crebro do homem, entre aquilo que o incita a agir e aquilo para o qual a sua ao se orienta como resultado imediato. (LEONTIEV. 1978: 103). Ou seja, o sentido compreende o motivo e a finalidade para que a ao se orienta, considerando que o motivo a relao entre a necessidade, qualidade essencialmente biolgica e o objeto, sendo este quem dirige a ao correspondente a atividade em questo. Os signos so mediadores do processo de construo do sentido, uma vez que so instrumentos artificiais introduzidos pelo homem na atividade psicolgica e cumprem a funo de auto-estimulao. Segundo Vigostki, o desenvolvimento dos fenmenos e processos psicolgicos, assim sendo, da conscincia, d-se num primeiro momento pela apropriao dos objetos da realidade objetiva, ou seja, o sujeito forma um reflexo psquico a partir da atividade que executa enquanto interage com a realidade material que o cerca, sendo que essa apropriao varia qualitativamente frente s relaes vitais em que est sustentada. Posteriormente, h a objetivao do contedo ora apropriado, o que culmina na ampliao do acervo histrico-social. A criana como ainda no se apropriou amplamente dos fenmenos da realidade objetiva e est adquirindo de forma primordial os contedos do patrimnio humano genrico, partilha da conscincia do adulto enquanto a sua se encontra em desenvolvimento e o outro passa a ter papel fundamental na constituio da sua conscincia. Josu vive somente com a me e busca o pai que desapareceu sem deixar indcios, para tal, procura Dora para que escreva uma carta para este, visto que sua me no aprendera a escrever. H poucos indcios no filme de uma possvel alfabetizao do garoto, e no sinalizado se freqenta uma escola. Contudo, observamos que a principal fonte de apropriao dos instrumentos e conhecimentos da cultura, sua me e posteriormente, com a morte da mesma, Dora, a escrevedora de cartas da Central do Brasil, que parte numa viagem no-planejada em busca do pai de Josu. Em cenas do filme evidenciamos a apropriao acerca da realidade pelo garoto, tendo Dora como

mediadora e a linguagem como elemento mediador, como a cena em que Josu questiona Dora: Como se conta um quilmetro? e ela responde indiferentemente: Eles inventam.; a cena em que o garoto ingere a bebida alcolica que a professora carregava em sua bolsa e fica bbado, e quando Dora questiona a sua postura, alega que ela tambm fazia uso dessas bebidas e no poderia corrigi-lo; e a cena em que quando no nordeste, Dora volta a escrever cartas para garantir que conseguissem se manter e continuar a busca pelo pai de Josu, e na volta de um dia de trabalho o garoto pega as cartas sinalizando jog-las no lixo, como a professora fazia na central; considerando que ele encontrou a carta de sua me em uma gaveta da casa de Dora. No entanto, ela o surpreende alegando que dessa vez entregar as cartas; v-se que o garoto tinha se apropriado de uma certa caracterstica da atividade de escrever carta e agora a objetivava jogando as cartas no lixo, dando a entender que o produto final da atividade no tinha valor algum. Assim, se a atividade consistia num produto final de entregar as cartas no correio, ento sua atividade estava alienada. A cena em que Josu observa o quadro na casa de Dora, cujo desenho de uma casa, evidencia os contedos da conscincia, uma vez que o estmulo casa tivera se tornado fato da sua conscincia, e possui um significado, ou seja, uma objetivao da humanidade no decorrer da histria, cujo sentido universal foi desenvolvido a partir de apropriaes; remete-nos ao ideal de famlia. Traz em seu bojo o sentido estabelecido pelo garoto de uma estrutura familiar, como almejava no decorrer do filme, remetendoo figura do pai, que era carpinteiro e construa casas e s figuras da me, que morre e de seus irmos, que no conhecia. Observa-se na obra que Josu possui um ideal de famlia, sendo que questiona s pessoas que conhece se so casadas e tem filhos, como num modelo de famlia nuclear. E a ausncia de uma famlia nos personagens Josu e Dora acaba por culminar numa identificao dos personagens, que passam a se apropriar de conhecimentos diversos, os quais so expostos por suas interaes entre si e tambm entre demais pessoas que surgem no enredo do filme, tanto no mbito material como no subjetivo. A personagem Dora, professora aposentada, procura garantir condies melhores de vida ao se dedicar a escrever cartas para pessoas supostamente desprovidas de alfabetizao na Central do Brasil, frente ao salrio e reputao inexpressivos atribudos ao professor em nosso pas. Ela provm de uma estrutura familiar constituda por um pai alcolatra, que logo abandona o lar, e por uma me submissa ao controle paterno; traz consigo lembranas de sua infncia marcada por conflitos familiares.

Dedicou-se a ao trabalho de professora, em que no encontra subsdio para garantir sua sobrevivncia, e acaba por ser corrompida pela instituio escolar, defasada por polticas pblicas corruptas e pela perda do ideal de ensino e aprendizagem; e pela sociedade, marcada por desigualdades sociais e pela luta de classes. A conscincia de Dora se modifica conforme vai se relacionando com Josu, visto que at ento exercera em sua atividade pedaggica uma relao alienada e o mesmo se d posteriormente quando se torna escrevedora, uma vez que mostrava indiferena s outras pessoas para quem escrevia cartas, ao invs de ensin-las a escrever. Torna-se assim, instrumento de manuteno do ideal burgus, mantendo a classe proletria longe das apropriaes do conhecimento. Para alm desta relao, Dora estabelece um vnculo materno com Josu, fornecendo a ele proteo e cuidados, o que amplamente interiorizado pelo garoto, que aparece em uma das cenas do filme, numa ao de afeto, carinho, enquanto Dora se recuperava do desmaio na sala religiosa. Irene, amiga de Dora, tambm professora aposentada, e reflete a realidade corrompida da instituio escolar, polticas pblicas e da sociedade, por conseguinte. O caminhoneiro Csar, marcado por sua religio aguada, mostra-se como ser intermediador de conscincia, ao passo que faz uso de sua conscincia para o desenvolvimento de Dora e Josu; quanto questo de Josu de exercer a atividade de caminhoneiro e Dora quanto ao seu envolvimento com outras pessoas, visto que demonstra envolvimento emocional com o caminhoneiro. Tratando-se da personagem Yolanda, que vende as crianas cabe a pergunta se h uma conscincia social real ou quais as representaes dela quanto ao ser humano como sujeito detentor de vida, tendo em vista que trata os seres humanos apenas como um produto por assim dizer, vendendo crianas a outras pessoas. Talvez as apropriaes quanto viso do indivduo como sujeito foram distorcidas ao longo da sua histria de vida, sendo objetivadas atravs de sua atividade da forma como se dava. De certa forma neste filme mostrada uma viso pouco humanizada por parte dos personagens como tambm no caso do segurana da central, Pedro, que todas as noites enxotava as crianas do local e em uma das cenas mata um rapaz que roubou um camel; havendo tambm a possibilidade de causar algum dano sua, at ento, amiga Dora. Do ponto de vista das relaes sociais como esto postas no filme, nota-se que as pessoas se relacionam no como sujeitos, mas como objetos de valor ou no, e leva-nos

a pensar se conforme o decorrer do tempo o ser humano passa a ser mais humanizado ou mais hominizado novamente, apenas respondendo aos estmulos que esto postos na sociedade, saciando suas necessidades cada vez mais instantaneamente. Isto parece ser resultado da escola como um dos instrumentos de humanizao da sociedade pouco efetivo da forma como est estruturada, com o ensino cada vez mais desvalorizado, tanto pela burguesia quanto pela prole e ento acaba por ser um instrumento de poucas apropriaes. Restam sociedade apenas as relaes objetivadas em suas atividades, como observamos atravs do filme, em que a conscincia se faz pouco desenvolvida e com as funes psquicas cada vez menos superiores e cada vez mais elementares. A maioria das realidades demonstradas no filme carece de muitos recursos para que ocorra um desenvolvimento considerado saudvel e que proporcione a humanizao ilimitada dos indivduos que se encontram nelas. Isto, de acordo com a psicologia histrico-cultural, diz respeito periodizao do desenvolvimento, pela qual ocorrem estgios essenciais para que este ocorra de maneira humanizadora. Segundo Facci (FACCI. 2006: 11), Elkonin formula seis perodos, cada qual possui uma atividade principal, ou seja, atividade que ocorre de maneira mais significativa para suprir as principais necessidades e assim, poder se desenvolver em cada estgio. A passagem de um perodo para o outro uma relao dialtica em que representada por estas atividades que vo se superpondo uma sobre as outras sem desconsiderao das demais; denominados crises os processos que ocorrem de um para o outro. Elkonin diz que a partir do momento em que o beb nasce, ele est em interao com outros seres humanos por meio da chamada comunicao emocional, porque o incio de interaes com os outros por meio das emoes para que posteriormente desenvolva a linguagem. Ento, se comunica por meio de reflexos e expresses copiadas dos adultos, como por exemplo, sorrisos, balbucios, rudos, mrmurios choro, etc. Com um ano de idade mais ou menos a criana passa a requerer contato maior com as aes humanas, assimilando-as medida que as pessoas vo mostrando aes, objetos e formas de se relacionar e proceder diante deles. Nesta fase a comunicao emocional, ento, passa a ter uma colaborao prtica, chamada de objetal manipulatria. Assim, na fase denominada pr-escolar a atividade mais importante a designada jogo de papis, aquela em que a criana comea a utilizar-se da assimilao

de objetos desenvolvida para reproduzir aes humanas e o momento em que a criana comea a se esforar de fato para agir como um adulto, assim que comea a ter conscincia sobre elas. Neste estgio de esforo maior, a criana consegue resolver a contradio de no conseguir executar operaes e necessitar agir, pois simula atravs das brincadeiras e jogos, essas operaes, aes, relaes, mas no consegue realiz-las de fato. Pode-se dizer que a criana possui dois crculos de relaes - um com os pais e irmos e outro com a sociedade a partir do momento em que entra na escola. Quando a criana comea a frequentar a escola, sua principal atividade o estudo, portanto tal perodo chamado de atividade de estudo, porque quando ela ter contato com objetivaes, das quais ir se apropriar e aprender elucidativamente a linguagem. Sendo assim, ao passar dos anos, se esta escola for dotada de um ensino satisfatrio, de uma educao que visa humanizao do indivduo e que promova possibilidades de tornar o indivduo alienado em menores graus para com as relaes que estabelece com sua realidade e com as demais, a criana ter se desenvolvido de forma ideal. O prximo estgio o de comunicao ntima pessoal, no qual ocorre uma mudana na posio em que o adolescente ocupa diante dos adultos, sendo agora muito prximo a eles. o estgio em que a crtica urge. A conscincia direcionada para a compreenso do trabalho como atividade para organizar interaes sociais com as pessoas, a partir da convivncia com companheiros de estudo. Aps o trmino da escolarizao fundamental e mdia, tal como conhecida no Brasil, o adolescente, agora denominado adulto, ter que optar por algum tipo de atividade profissional/estudo, que em nossa sociedade capitalista se traduz em formas de vender sua fora de trabalho. No incio de Central do Brasil so mostradas algumas das condies concretas e, portanto, as realidades de muitos indivduos que vivem naquele local ou prximo dali, mostrando a prpria Central do Brasil, que um tipo de mercado popular, onde matar e roubar so atividades corriqueiras e na qual nos transportes pblicos as pessoas entram pelas janelas. importante notar as cenas iniciais, nas quais as pessoas procuram Dora, uma escrevedora de cartas, para que ela mande carta para algum ente querido. Pode-se perceber as dificuldades relacionadas ao estgio de atividade de estudo, no qual a criana deveria ser, a priori, alfabetizada. Logo em seguida, deve prosseguir nos demais anos da escola para desenvolver outras funes psicolgicas, para que seja feita a

transio do pensamento emprico ao terico, o que no incio do filme mostra-se como uma grande dificuldade para tais pessoas. Pode-se citar tambm a ausncia de uma gama de apropriaes e desenvolvimento adequado de tais pessoas, uma vez que, se esto solicitando o trabalho de Dora porque no sabem ler nem escrever ou se sabem, muito pouco. Uma das dificuldades pode ser elucidada por uma personagem que ao ditar uma carta no descreve o endereo para onde quer mandar, e diz - pe a terceira casa, depois da padaria, no sei dizer direito no, por no ter conhecimento do mesmo e desconhecimento do funcionamento dos correios (que se consegue a partir do pensamento abstrato). No personagem Josu, percebe-se que ele possui certa apropriao de conhecimentos cotidianos, que primeira vista poderia ser atribuda a uma escolarizao, no entanto so conhecimentos que provm das suas relaes com os demais indivduos. Como por exemplo, na cena em que pergunta Dora o que um quilmetro?, em que l km em uma placa na estrada, possvel dizer que esta apropriao adveio a partir do signo km - abreviao da palavra quilmetro, contudo sem o estabelecimento de seu significado, seu contedo, que se d pelo entendimento da palavra a nvel supra-individual, isto , pela significao desta palavra na linguagem que faz parte da sociedade brasileira, em questo. Ento subtende-se que ele se apropriou a partir de relaes sociais as quais no forneceram este entendimento e que careceram de ensino desta linguagem. Percebe-se em Josu uma necessidade de conhecer seu pai, que pela interpretao do filme, conviveu somente alguns anos com ele. Com isso, nota-se tambm que o menino sempre pergunta para novas pessoas que conhece se estas possuem famlia, de modo que podemos estabelecer relao com o contexto em que ele se encontra: necessidade de entender melhor como se d sua relao com as outras pessoas de forma que ainda pode vir a depender delas e de forma que aprende a reproduo de aes, relaes e operaes. Pode-se citar a cena em que Josu pergunta a Dora sobre a morte da sua me: Onde ser que ela est agora? Sabe-se que Josu esteve em contato com a morte pelo menos uma vez em sua vida, quando presenciou sua me sendo atropelada na rua. Aps ter negado o fato da morte da sua me a Dora, compreendeu a sua ausncia e que no a veria mais. Na sequncia desta cena, ele e Dora amarram o leno que Ana, me de Josu, carregava consigo em um pilar em Bom Jesus do Norte, demonstrando que Josu compreendera o conceito de morte, um conceito abstrato.

No h dados no filme que confirmam se Josu foi alfabetizado regularmente. Entretanto, considerando sua realidade nas condies precrias de vida no subrbio do Rio de Janeiro, que inclui a alfabetizao e educao formal insatisfatrias, e o convvio com a sua me que tambm era pouco alfabetizada, mesmo que Josu estivesse freqentando o ensino fundamental em dadas condies, no teria alcanado o desenvolvimento escolar ideal para a sua idade, e o seu pensamento, portanto, estaria bastante restrito ao empirismo. A aprendizagem da criana, no entanto, comea antes da aprendizagem escolar. Para Vigotskii, h a existncia de uma pr-histria da aprendizagem escolar: O curso da aprendizagem escolar da criana no continuao direta do desenvolvimento pr-escolar em todos os campos: o curso da aprendizagem pr-escolar pode ser desviado, de determinada maneira, e a aprendizagem escolar pode tambm tomar uma direo contrria. Mas tanto se a escola continua a pr-escola como se impugna, no podemos negar que a aprendizagem escolar nunca comea no vcuo, mas precedida sempre de uma etapa perfeitamente definida de desenvolvimento, alcanado pela criana antes de entrar para a escola. (Vigotskii, p. 110) Pode-se atribuir, portanto, a aprendizagem de Josu no somente a uma eventual aprendizagem escolar embora o ideal fosse se desenvolver em condies satisfatoriamente humanizadoras, passando devidamente por todos os estgios de desenvolvimento. As realidades apresentadas tanto no subrbio do Rio de Janeiro quanto na cidade de Bom Jesus do Norte no contexto do filme mostram-se inadequadas para o desenvolvimento das mximas potencialidades do psiquismo humano, pois no obtiveram escolaridade formal ou esta foi insatisfatria, portanto sem passar devidamente por todas as fases propostas na periodizao do desenvolvimento. Falar em desenvolvimento do psiquismo falar do desenvolvimento do sistema interfuncional complexo de cada indivduo que diz respeito s funes psicolgicas que cada um pode ter, o que vai depender, da educao deste ser humano desde seu

nascimento, da realidade e do contexto em que ele est inserido para que desenvolva cada vez mais ou no todas elas: sensao, percepo, ateno, memria, linguagem, pensamento, imaginao, emoo e sentimento. As primeiras funes que comeam a se desenvolver a partir da existncia de um ser humano so a sensao e a percepo. Estas so consideradas funes elementares, porque no precisam inicialmente da linguagem como base para seu desenvolvimento, isto , no h a necessidade do emprego de signos para sentir, perceber algo, mas dela precisar para aperfeioar e estabelecer outras mais inmeras conexes com realidades concretas, da a comear a significar unio de percepo imediata com percepo categorial. existente tambm desde a a funo emoo, qual corresponde a reflexos sensoriais diretos, aparecendo nesta primeira etapa de desenvolvimento como adaptao ao meio, o que, por meio da evoluo filogentica, foi formando certos padres de emoes como no s respostas fisiolgicas como chorar, mas tambm cerebrais (tristeza, alegria, raiva). No filme pode-se notar desde o comeo com vrias pessoas ditando cartas at aos personagens principais como Josu e Dora, diferentes nveis de desenvolvimento das funes psicolgicas, ou seja, alguns dficits e dificuldades em relao a elas, no muito ao se dizer das funes sensao e percepo. Quando Dora pergunta a uma moa qual o endereo ao qual quer enviar a carta, a mesma diz no sei dizer direito no, pe assim: terceira casa, depois da padaria, Mimoso, Pernambuco; esta cena demonstra que ela disse o que havia percebido em relao localizao da casa a qual quer que chegue a carta, ou seja, a partir da sntese de uma anlise daquele objeto casa ela havia estabelecido conexes com a padaria perto dela e de quantas casas depois ela estaria, disse o que garantia sua imagem unificada da localizao daquela casa, mas no o nome de sua rua, bairro, nmero da casa e etc. Uma vez que isso se refere formao de conceitos pode-se dizer que a dificuldade se deu em nomear a rua, bairro e nmero da casa, alm do desconhecimento desta necessidade para que a carta chegue ao seu destino, portanto, pode-se dizer que ela tem um dficit em relao ao desenvolvimento do pensamento terico, j que este marcado por abstrao que depende, portanto, de uma representao mental baseada em conceitos e na superao da imagem da casa sensrio-perceptual. perceptvel o destaque das emoes quando, por exemplo, um moo que comea a ditar uma carta e descreve Dalva, meu teso, senti seu corpo junto ao meu,

carne se unindo naquela cama de motel, nosso suor se misturando eu ainda me sinto-me, me sinto-me...; isto porque diz respeito caractersticas fisiolgicas e sensoriais, mas diferentemente daquela ao incio do desenvolvimento, carrega agora um significado e certo sentido. O transporte pblico do local um trem o qual a maioria das pessoas entram pelas janelas, devido a rapidez com que ele passa e, assim sendo, entrar pela porta parece demorar mais. Destaca-se a partir da o desenvolvimento de sensao e percepo destas pessoas, sendo que elas precisaram analisar e sintetizar aquela imagem do transporte com suas possveis vias de entrada, o que no foi meramente por meio de uma percepo primitiva e sim tambm ortoscpica, a qual necessita da integrao de outras funes, estabilidade, significao e acuidade discriminativa para que funcione. Quando Josu e Ana procuram Dora pela segunda vez para refazer a carta, Dora fica impaciente e se irrita com eles e acaba por no colocar a carta e a foto em um envelope; Josu duvida se ela colocar ou no no correio, j que no havia feito com a anterior at ento. Esta outra cena em que a percepo ortoscpica destacvel, no s ela, como alm da sensao, claro, e demais funes como a ateno. A memria se caracteriza por ser uma funo na qual a imagem produzida atravs da evocao por meio dos processos de fixao, armazenamento e reproduo das experincias. uma funo elementar, mas que para seu desenvolvimento se aperfeioe depende das relaes sociais que a permeiam e tambm, muitas vezes, da carga afetiva que depositada nestas. Pode-se verificar tal afirmao, na cena em que um dos irmos de Josu (Isaas) pega a carta guardada a seis meses que seu pai havia mandado para Ana (me de Josu), porque, ao Isaas descrever a situao em que encontravam quando seu pai foi embora, h sete anos, e contar o que havia acontecido em relao a Ana e o pai deles, demonstra de forma evidente os processos pertencentes memria de modo que essa lembrana permanece muito forte, isso porque a funo psicolgica foi desenvolvida de modo que infere-se o seu aperfeioamento pela carga afetiva ligada aos acontecimentos, pessoas envolvidas. A imaginao caracterizada pela construo antecipada da imagem do produto da atividade, de forma que no filme pode-se visualizar esta funo na cena em que Josu, na casa de Dora, observa uma pintura que ilustra uma casa. A partir disso, diante do ocorrido com o garoto e da vontade deste de conhecer o pai, pode-se dizer que Josu cria uma imagem do lar em que possivelmente ir morar com o pai em Bom Jesus do Norte. Diferentemente de imaginao, a fantasia consiste no desconhecimento da

realidade concreta a qual estaria imbricada com o produto de determinada atividade, sendo assim, a fantasia pretere as leis objetivas que regem a realidade. Josu, ao dizer que deseja ser caminhoneiro e ao sentar-se no colo de Csar para ajud-lo a guiar o caminho, fantasia a respeito de uma profisso que deseja ter, mas que, por no possuir contato com elementos da realidade concreta, isto , apropriaes a partir de objetivaes que permitam o pensamento a respeito desta e tambm o seu produto final, no se pode dizer que ele imagina. Na cena em que Csar chega para fazer sua entrega na mercearia, Josu executa a ao de furtar alguns alimentos do local e, assim, possvel observar que ele sente, percebe, atenta-se em relao aos objetos que deseja ter e ao ambiente ao seu redor que parece estar isento de empecilhos para que a ao seja realizada, sendo que, esta permeada pelo desenvolvimento do pensamento efetivo e do pensamento figurativo, os quais so constituintes do pensamento emprico. Ao mostrar o que roubou para Dora ela o repreende e coloca em sua bolsa os alimentos trazidos por ele dizendo que iria devolv-los, mas logo aps, quando se dirige mercearia no cumpre o que acabara de dizer, como tambm furta ainda mais. Com isso ao oferecer estes alimentos ao menino no revela o que acabou de fazer como tambm mente que pagou o que ele havia pegado e que ainda comprou mais, ficando claro que ela se contradiz em suas aes. Isto porque com a ao de repreender subtende-se que Dora pretende ensinar a Josu valores de cidadania, como o de ser honesto, ao contrrio de furtar. Este valor de honestidade um conceito no qual certos juzos so constituintes de forma que nesta ao pode-se inferir que ela tem como objetivo implcito a estimulao da criao da abstrao em Josu para que este valor seja aprendido, o que ser apropriado a partir do pensamento emprico em direo ao terico. As emoes e os sentimentos se formam a partir da relao sujeito-objeto, por meio das experincias vividas, sendo elas subjetivas e afetivo-cognitivas. Diferente das funes sensao e percepo que ocorrem pela formao de imagens de objetos e fenmenos, elas se realizam a partir de cada relao com dado objeto, por isso so sempre particulares. Como por exemplo, quando Dora resgata Josu da cada de Iolanda, emoes como raiva e desespero so evidentes nos trs personagens. Os sentimentos, diferentemente das emoes, so formados por conceitos sociais, portanto, histricos, o que faz com que sejam duradouros e pertencentes cultura, diferenciando-se delas. Na cena em que Dora est com Csar no restaurante, quando diz que ficou feliz por ter perdido o nibus e consequentemente ter o conhecido

e ento se aproxima fisicamente do mesmo de modo a pegar em suas mos, possvel perceber que Dora se expressou de forma a demonstrar sua carncia para com relacionamentos e tambm o desejo de constituir uma famlia, sendo este representado tambm em sua relao com Josu. Pode-se considerar carncia como um sentimento de forma que um conceito social e se expressa em Dora a partir do estabelecimento de relaes afetivas com Josu, de forma que se pode inferir que este seja j duradouro. Por meio da relao de Dora com Josu ao desenrolar do filme, possvel dizer que uma relao permeada de muitas emoes e sentimentos, sendo que estes ltimos vo se formando e transformando-se na medida em que os dois personagens vo se aproximando ao que se dizer ao vnculo afetivo. No comeo do filme quando Josu e Dora se conhecem, a relao deles permeada por emoes como a raiva; assim, quando Ana, sua me, morre e Josu e Dora convivem alguns dias na Central do Brasil, essas emoes continuam evidentes de forma que vo se transformando em tristeza, e sentimentos como compaixo e pena se tornam evidentes em Dora para com Josu. Estes embarcam juntos para a busca do pai de Josu e com isso a relao se intensifica a medida em que conversam, trocam experincias e vivem algumas destas juntos. Assim que, mais a partir da segunda metade do filme possvel dizer que Dora e Josu parecem gostar muito um do outro e emoes como alegria e excitao aparecem com frequncia, e sentimentos como preocupao e desespero tambm. interessante verificar o quanto estes dois personagens se identificam ao que se dizer sobre a histria familiar. A personalidade diferencia-se da individualidade no sentido de que a individualidade consiste em disposies inatas resultantes do desenvolvimento filo/ontogentico, sntese de peculiaridades congnitas adquiridas, enquanto a personalidade resulta de relaes dialticas entre os fatores externos e internos, sintetizados na atividade social do indivduo; a personalidade construda ao longo da histria do indivduo. Estas duas so interdependentes, pois a personalidade representa uma objetivao da individualidade e ao mesmo tempo em que a ltima influenciar a formao da personalidade, o mesmo ocorrer na direo contrria. O temperamento, disposio biolgica fundada na individualidade, constitudo por traos que se caracterizam por disposies neurofisiolgicas e bioqumicas relativamente estveis, portanto, uma disposio inata. No entanto, uma vez que a natureza do homem social, as particularidades inatas se unem s experincias do indivduo, e estas conferem ao temperamento a propriedade de ser mutvel.

Para ilustrar um dos indicadores da manifestao da atividade nervosa superior, isto , do temperamento, atentemo-nos personagem Dora que em sua trajetria inicial pode ser caracterizada como uma pessoa pouco tolerante, impaciente e sarcstica,em que supe-se que seu temperamento possa ser compreendido a partir do indicador que segue: desequilbrio, com fora do processo de excitao que culmina em uma alta excitabilidade emocional e interrupes nervosas (MARTINS, 2007). No entanto, observa-se no decorrer do filme que seu temperamento assume novos delineamentos, uma vez que em suas experincias ao lado de Josu e para com este, cria-se um equilbrio entre as foras de excitao e inibio, ou seja, passa a haver a alternncia entre excitao e inibio, o que culmina em uma regularidade e autocontrole mais acentuados. Em Josu, pode-se apontar foras de excitao e inibio (influenciados por uma alta mobilidade e baixo equilbrio, que diferem em suas combinaes e se expressam em cada pessoa de maneira singular) que acabariam por influenciar na formao de sua personalidade e assim, no seu modo de agir no meio social em que vivia; considerando que o seu temperamento foi se modificando ao longo da sua trajetria at a casa de seu pai, e presume-se que tambm posteriormente. Partindo dessa premissa, pode-se retomar que devido alta plasticidade do crebro, a trajetria de vida do sujeito permite grandes mudanas da atividade nervosa, devido s condies objetivas nas quais o indivduo est submetido, isto , as propriedades do temperamento no esto restritas s qualidades naturais do sistema nervoso. Aptides so disposies antomo-fisiolgicas que condicionam o indivduo a execuo exitosa da atividade. As aptides no determinam o desenvolvimento de capacidades, mas um fator de auxlio na formao das mesmas. No possvel inferir a partir de elementos do filme, alguma aptido que facilitasse a construo de capacidades e a execuo da atividade de professora e posteriormente escrevedora de cartas em Dora; tampouco constatar aptides que poderiam auxiliar a formao de capacidades em Josu, no tocante de sua provvel atividade de carpintaria. A forma como o sujeito ir se apropriar do patrimnio genrico humano influenciar no seu reflexo psquico da realidade, nas suas relaes sociais que so sintetizadas na atividade, bem como no desenvolvimento das capacidades, habilidades e tambm na constituio do carter. Por exemplo, no filme, Josu supostamente no tendo a atividade escolar regular, ir ter dficits no que rege o desenvolvimento de sua personalidade e o

desenvolvimento de suas funes psquicas superiores enquanto capacidades sistema de atividades psquicas generalizadas, originrias da atividade humana e que tem por objetivo satisfazer as necessidades. Estas so desenvolvidas pela apropriao da linguagem, instrumentos de trabalho, cincia, arte e etc., e so construdas medida que tais apropriaes e objetivaes so conquistadas. Sua possvel futura atividade ento de carpintaria ir atuar em suas capacidades e conseqentemente em sua personalidade, alterando ento a forma subjetiva de relao entre sujeito e objeto; e sua atividade tambm ir influenciar em seus traos de carter, j que a sua formao de carter se d na relao do indivduo com a coletividade, no sentido em que Josu ir se relacionar agora com o mundo tendo sua atividade de carpintaria como mediadora das relaes sociais, e sua expresso subjetiva se dar agora atravs de tal atividade. O carter constitudo por traos de carter, um conjunto de caractersticas que tornam cada indivduo um ser particular, e determinam atitudes que criam automatismo diante das circunstncias. Tal reao aprendida provm de um processo de apropriao, ou seja, depende de uma vida social; e atravs da ltima, o homem assimila modelos de reao, sustentados por uma Ideologia conjunto de ideais, valores, costumes, etc. Os traos se objetivam na estrutura do carter, formada por dois grandes sistemas, o de reaes realidade externa e o de reaes realidade interna. Pode-se identificar inicialmente em Dora traos referentes ao sistema de realidade externa como o egosmo e individualismo, e quanto ao sistema de realidade interna, traos como a arrogncia. Na cena em que est trabalhando na central e Josu, aps a morte de sua me, a procura a fim de que escreva uma carta a seu pai, ela lhe nega auxlio sendo arrogante e egosta no sentido de que sabia da morte de sua me e mesmo assim recusou lhe oferecer ajuda. J em Josu podemos identificar quanto ao primeiro sistema: sinceridade e arrogncia e quanto ao segundo, perseverana. A cena em que Josu questiona sobre a confiabilidade do trabalho de Dora ao perguntar sua me como voc sabe que ela vai por as cartas no correio? na presena da escrevedora traduz seus traos de sinceridade e arrogncia. J como exemplo de perseverana pode ser citada toda sua trajetria em busca de seu pai. Vale ressaltar que tais traos de carter so modificados medida que ambos so expostos a novas circunstncias sob mediao da conscincia e com isso so alteradas as suas respectivas formas de ao sobre a realidade e seus valores. Dora, no incio do filme, tinha a atitude de jogar no lixo as cartas que escrevia, e no decorrer da viagem, estreitando sua relao com Josu, ao surgir a necessidade de executar sua atividade de

escrevedora de cartas novamente, indica que ento enviar as cartas que escreveu. Esta mesma relao fez com que os traos de carter de Josu tambm fossem transformados, uma vez que de princpio o mesmo no aceitava a companhia de Dora em sua busca pelo pai, no entanto, em uma das cenas que Dora desmaia em uma capela de Bom Jesus do Norte, Josu vai acudi-la e mostra uma atitude de carinho, fato que mostra um estreitamento dos vnculos afetivos.

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