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Alternativa à política de ação afirmativa baseada em cotas para processos seletivos às universidades brasileiras Angelo Miguel de Barros Gustavo Alves Tillmann Universidade Católica de Brasília Resumo Neste estudo buscou-se testar os efeitos da adoção de uma política de ação afirmativa para a seleção de candidatos a universidades brasileiras que não se baseasse na reserva de vagas ou distinção de notas de corte. Para tanto, o método color-blind affirmative action, baseado na ponderação de fatores fortemente associados ao público alvo, foi empregado juntamente com dados do Exame Nacional do Ensino Médio ENEM. Os resultados obtidos foram promissores e sugerem que a metodologia pode ser utilizada como alternativa aos tradicionais modelos de cotas praticados pelas universidades brasileiras. Palavras chave: Ação afirmativa, cotas, seleção, universidade Abstract This study try to test the effects of an affirmative action policy to select candidates for admission to Brazilian universities based on a strategy other than the reservation of vacancies or distinction of cutoff scores. To do so we use a color-blind affirmative action method, based on weighting the factors heavily associated to targeted public, together with data from the national high school exam - ENEM . The results were promising and suggest that the methodology could be used as alternative to traditional quotas models practiced by most of Brazilian universities. Keywords: Affirmative action, quotas, admissions, university Área da ANPEC: 8 - Microeconomia, Métodos Quantitativos e Finanças Classificação JEL: D04, D73, I23

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Alternativa à política de ação afirmativa baseada em cotas para

processos seletivos às universidades brasileiras

Angelo Miguel de Barros Gustavo Alves Tillmann

Universidade Católica de Brasília

Resumo

Neste estudo buscou-se testar os efeitos da adoção de uma política de ação

afirmativa para a seleção de candidatos a universidades brasileiras que não se baseasse na

reserva de vagas ou distinção de notas de corte. Para tanto, o método color-blind affirmative

action, baseado na ponderação de fatores fortemente associados ao público alvo, foi

empregado juntamente com dados do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM. Os

resultados obtidos foram promissores e sugerem que a metodologia pode ser utilizada como

alternativa aos tradicionais modelos de cotas praticados pelas universidades brasileiras.

Palavras chave: Ação afirmativa, cotas, seleção, universidade

Abstract

This study try to test the effects of an affirmative action policy to select candidates

for admission to Brazilian universities based on a strategy other than the reservation of

vacancies or distinction of cutoff scores. To do so we use a color-blind affirmative action

method, based on weighting the factors heavily associated to targeted public, together with

data from the national high school exam - ENEM . The results were promising and suggest

that the methodology could be used as alternative to traditional quotas models practiced by

most of Brazilian universities.

Keywords: Affirmative action, quotas, admissions, university

Área da ANPEC: 8 - Microeconomia, Métodos Quantitativos e Finanças

Classificação JEL: D04, D73, I23

Alternativa à política de ação afirmativa baseada em cotas

para processos seletivos às universidades brasileiras

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1. Introdução

Tema amplamente debatido na atualidade, o respeito à diversidade de credo, raça, gênero, posição

social ou qualquer outra característica pessoal/social vem ganhando espaço nos últimos anos, com o

objetivo de garantir o acesso à educação, saúde, segurança e trabalho a todos independentemente de traços

físicos ou sociais. Nesse contexto, tem-se envidado esforços visando possibilitar a inclusão social dos

grupos éticos menos favorecidos historicamente, envolvendo certo nível de discricionariedade e expondo

tais ações a críticas ideológicas de todos tipos.

Mesmo em sociedades de economia mais pujante (embora não necessariamente mais modernas),

observam-se desequilíbrios no acesso a oportunidades, o que tem justificado uma maior intervenção estatal

neste aspecto. Políticas de ação afirmativa, embora polêmicas, vêm se tornando cada vez mais presentes ao

longo dos anos dentro e fora do Brasil. A delineação de objetivos, a mensuração de resultados e se estas

políticas têm sido capazes de corrigir distorções continuam em estudo.

Num estudo abordando cotas raciais no mercado de trabalho americano, Coate e Loury (1993)

buscaram identificar se os efeitos proporcionados à minoria beneficiada foram permanentes, o que

permitiria que a política fosse implementada por tempo definido, ou se a ação afirmativa não foi capaz de

superar definitivamente o estereótipo negativo do grupo beneficiado, o que exigiria proteção permanente.

Levando em consideração a percepção que o empregador tem do grupo beneficiado, os resultados

encontrados são ambíguos: há casos em que a ação afirmativa permite superar preconceitos, quando o

trabalhador que preenche a vaga reservada responde às expectativas exigidas para o posto. Por outro lado,

também foram encontradas evidências que sugerem o contrário: a política agravaria estereótipo negativo

do grupo beneficiado, se o empregador considerar que tais trabalhadores têm desempenho inferior e

precisam ser protegidos. Este tratamento mais protecionista tiraria, segundo os autores, os incentivos ao

aprimoramento dos trabalhadores do grupo, agravando preconceitos e estereótipos.

Com uma abordagem diferente, Fryer et al. (2008) investigaram a eficiência de alternativas de ação

afirmativa para a seleção de alunos por meio de um modelo de competição por vagas universitárias onde o

esforço do candidato é endógeno. Em vez de adotarem o tradicional método de reserva de vagas pela cor

da pele (color-sigthed affirmative action) os autores propõem um sistema seletivo com ponderações

recalibradas, onde parte do peso atribuído ao desempenho acadêmico é transferida para o desempenho em

atividades relacionadas a características sociais do grupo alvo da política, como proxy para raça (color-

blind affirmative action). Os resultados obtidos revelaram que, comparadas com políticas color-sighted

tradicionais, as políticas color-blind tendem a ser mais eficientes na seleção dos alunos mais aptos ao

ingresso em universidades americanas.

No Brasil, as universidades começaram a adotar reservas de vagas para negros e estudantes de

escolas públicas há pouco mais de dez anos, tendo como pioneiras a Universidade do Estado do Rio de

Janeiro (Uerj) e a Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) que, no ano de 2002, destinaram 50%

de suas vagas para estudantes de escolas públicas. Em 2004, houve uma alteração na distribuição de

reservas de vagas destas duas universidades que passou a destinar 20% das vagas no vestibular para

estudantes de escolas públicas, 20% para negros e 5% para portadores de necessidades especiais. Desde

então, diversas outras universidades estaduais e federais passaram a aderir ao sistema de cotas, sendo que

a definição dos grupos de estudantes beneficiados e os percentuais reservados variam de acordo com cada

instituição.

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para processos seletivos às universidades brasileiras

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Embora gradual, a adoção da política de cotas ocorreu em meio ao ceticismo e críticas, tanto de

grupos beneficiados quanto daqueles que se julgaram prejudicados pela medida. Mais polêmica que a

criação de reserva de vagas universitárias para estudantes de escolas públicas foi a instituição das cotas por

critérios raciais, visto que a identificação da raça quase sempre é feita por meio de autodeclaração, método

bastante criticado por sua subjetividade.

Uma preocupação muito alegada pelos críticos das políticas de cota para ingresso nas universidades

brasileiras é concessão de benefícios a candidatos de pouca competitividade. Esta condição é revelada

imediatamente pelas médias mais baixas das notas obtidas por aqueles que disputam as vagas reservadas

nos processos seletivos, o que exige, em muitos casos, a diferenciação das notas de cortes entre candidatos

cotistas e não-cotistas, para que se admita notas mais baixas entre os que disputam vagas reservadas sob

risco de não preenchimento dessas posições. O ingresso de um contingente expressivo de alunos com

formação básica mais fraca, incapaz de atender aos requisitos mínimos de conhecimento para admissão ao

ensino superior, poderia fazer com que a universidade acabasse reduzindo o nível de exigência e, por

conseguinte, a qualidade do ensino oferecido pela instituição.

A própria prática de se aceitar, para os cotistas no vestibular, notas de corte inferiores a dos não-

cotistas poderia criar um incentivo para que o aluno cotista se dedique menos no preparo para a seleção,

reforçando a preocupação com a qualidade do ensino mencionada anteriormente. Analisando admissões à

Universidade de Brasília, no entanto, Francis e Tannuri-Pianto (2012) encontram evidências que contestam

esta tese.

Em Bezerra e Gurgel (2012) é feita uma análise do desempenho dos estudantes cotistas e não-

cotistas da Uerj, concluindo que embora as notas no vestibular dos cotistas tivessem alcançado resultados

insatisfatórios, o desempenho médio dos alunos cotistas ao longo dos cursos de graduação mostrou-se

próximo aos dos alunos não-cotistas.

Os resultados obtidos basearam-se nas notas médias dos alunos, não abordando outras medidas

estatísticas. A presença de desvios-padrão altos das notas dos cotistas no vestibular e na graduação, por

exemplo, poderia indicar a ocorrência de desempenhos excepcionais de alguns e bastante insatisfatórios

para os demais, análise não contemplada no artigo.

Dessa maneira, revelar-se-ia que alunos cotistas que obtiveram nota no vestibular acima da nota de

corte para não-cotistas teriam capacidade de serem aprovados no processo seletivo convencional, ou seja,

não necessitariam da política de cotas para ingressar na universidade. Se a mesma situação ocorrer nos

achados para as notas ao longo da graduação, ou seja, supondo que os melhores desempenhos sejam dos

alunos cotistas que haviam obtido as maiores notas no vestibular (superiores à nota de corte dos não-

cotistas) então, o desempenho dos alunos que realmente necessitaram das cotas para ingressarem seria

insatisfatório e a política de inclusão seria inócua.

O debate em torno das políticas de ação afirmativa no Brasil, aqui representado pela reserva de

vagas para ingresso em universidades brasileiras, e no exterior, como no caso americano ilustrado pelos

trabalhos de Coate e Loury (1993) e Fryer et al. (2008), sugerem haver sutis, mas fundamentais diferenças

entre objetivos e métodos praticados nos dois países.

No caso americano, tanto no estudo sobre o mercado de trabalho quanto no que aborda a admissão

às universidades, nota-se que a política internaliza a necessidade de respeitar a diversidade, mas busca a

maximização do resultado proporcionado por aqueles selecionados via ação afirmativa. No trabalho de

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Coate e Loury (1993) a política é bem-sucedida quando o selecionado atende às expectativas do cargo no

qual foi investido e contribui para desconstruir o eventual estereótipo negativo de seu grupo de origem. Já,

no caso de Fryer et al. (2008), a ponderação de desempenhos sociais além dos acadêmicos proporciona a

seleção dos melhores do grupo beneficiado. Assim, fica clara que a preocupação da ação, no caso

americano, é a de garantir a admissão de representantes de determinados grupos nas organizações, buscando

o aumento da diversidade e ao mesmo tempo o compromisso com o melhor produto e desempenho dos

selecionados, oferecendo oportunidade para que representantes de grupos beneficiados possam trazer sua

contribuição.

Não identificamos estudos que trouxessem tais premissas para a realidade brasileira. Além disso, a

admissão é a primeira etapa da ação afirmativa, mas não é a única: há ainda a necessidade de que o

beneficiado pela política consiga se manter na Universidade. Um aluno sem condições de acompanhar o

ensino superior tem mais chances de se frustrar, abandonar o curso, ou se perder em reprovações diversas,

permanecendo com baixo aproveitamento e vinculado à universidade por anos. O caso é mais grave em

instituições públicas, onde o processo de desligamento é mais burocrático, e corre-se o risco de que alunos

sem perspectiva de concluir a graduação se acumulem no fluxo de disciplinas, concorrendo no uso do

recurso público com aqueles que teriam capacidade de se formar de maneira proveitosa e de oferecer

contribuições relevantes ao mercado de trabalho.

Como os modelos de ação afirmativa para acesso às universidades brasileiras parece não favorecer

a seleção de alunos com requisitos necessários para conseguir acompanhar o curso superior entre os grupos

beneficiados com reservas de vagas no vestibular, a alternativa seria ampliar as condições de proteção a

estes indivíduos que carecem de tratamento especial para além do ingresso na universidade. A concessão

de bolsas, aulas de reforço, contratação de monitores, distribuição de livros, são algumas medidas que

poderiam ser estudadas a fim de permitir que o aluno cotista adquira capacidade de prosseguir com sua

formação e conclua o curso superior.

É cediço que as políticas de cotas têm por objetivo a inclusão racial e social, porém, deve-se ter em

mente que são medidas paliativas e, portanto, de curto prazo. Para haver redução da desigualdade social e

racial nas universidades é imprescindível haver investimento na educação de base, de forma que os

socialmente ou racialmente excluídos possuam a qualificação necessária para concorrer em igualdade com

os demais.

Diante do quadro apresentado, este trabalho se vale do modelo desenvolvido por Fryer et al. (2008)

de recalibração de pesos em atributos a serem levados em conta na admissão para testar potenciais de

melhoria na política de ação afirmativa, sem se ater diretamente à reserva de vagas como praticado na

política de cotas atual. O modelo e sua adequação ao caso brasileiro são discutidos a seguir.

2. Modelo teórico

Fryer et al. (2008) propõem um modelo para aplicação de uma política de seleção de candidatos do

tipo color-blind affirmative action, ou seja, sem critério direto racial, baseada na alteração da distribuição

de pesos dos fatores de pontuação para ingresso na universidade de forma a aumentar a importância de

características do grupo que se procura proteger. Este grupo beneficiado será referido como grupo alvo da

política.

Para melhor entendimento, considere um modelo com apenas dois fatores de pontuação no

vestibular: nota dos testes de admissão e envolvimento pregresso em atividades extracurriculares. Supondo

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que os alunos do grupo alvo apresentem a característica de maior envolvimento em atividades

extracurriculares, mas menor pontuação nos testes (devido à qualidade da escola a que tiveram acesso, por

exemplo). O laissez-faire no processo de admissão é atribuir peso maior à nota obtida nos testes, o que faz

com que os alunos do grupo alvo não consigam ingressar na universidade por incapacidade de atingir a

pontuação mínima exigida. Aplicando-se a política de ação afirmativa color-blind, atribui-se um peso maior

às atividades extracurriculares típicas dos alunos pertencentes ao grupo que se deseja incluir na

universidade de modo que consigam obter uma pontuação final maior que a anterior, desta vez, suficiente

para ingressar no curso superior.

Os autores ilustram o efeito da mudança de ponderações por meio do diagrama apresentado na

Figura 1:

Fonte: Fryer et al. (2008)

Figura 1: Exemplo com 2 fatores

Na Figura 1, os eixos representam a pontuação final atribuída ao envolvimento em atividades

extracurriculares e aos resultados obtidos nos exames escritos num processo de seleção de candidatos às

vagas universitárias. Considerando um modelo linear, a reta LF representa a fronteira de admissão sem a

política de ação afirmativa (laissez-faire). Alunos com pontuação nos dois fatores situados acima da

fronteira LF são admitidos com probabilidade 1 e os situados abaixo com probabilidade zero.

Já a reta CBAA representa a fronteira de admissão sob uma color-blind affirmative action. A política

privilegia a ponderação das atividades extracurriculares e cria uma nova fronteira de admissão, obtida por

meio da rotação da reta LF, fazendo com que mais alunos com maior envolvimento em atividades

extracurriculares, mesmo com menores pontuações nos testes, consigam ingressar na universidade. A

região hachurada B representa o público que não seria admitido pelo critério convencional, mas que passa

a ser beneficiado com a vigência da ação afirmativa, enquanto que a região hachurada A representa os

alunos com mais pontuações nos testes e menos atividades extracurriculares que deixariam de serem

admitidos sob a política color-blind implementada. Como a quantidade de vagas é fixa, no modelo linear a

região B é simétrica à região A.

Fryer et al. (2008) estendem esse modelo para um caso mais geral, com mais fatores, da seguinte

forma:

Uma determinada universidade pretende selecionar novos alunos de um grupo finito de candidatos.

Seja c a proporção de candidatos a quem a universidade pode oferecer vagas, sendo 0 < c < 1, e seja r a

taxa de admissão desejada para admissão de alunos do grupo alvo da política de ação afirmativa (relativo

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ao tamanho do grupo de candidatos). Seja I o conjunto de todos os candidatos que desejam ingressar na

universidade e 𝑖 ∈ 𝐼 o indexador de um indivíduo particular desse conjunto.

Suponha que cada candidato pertença a um de dois grupos raciais, sendo que 𝑅𝑖 ∈ {1,2} denota o

grupo racial a qual pertence o candidato i. Cada candidato possui pontos num conjunto de atributos não

raciais. Seja J o conjunto de fatores não-raciais a serem avaliados (notas, fatores sociais, pontuação em

testes etc.), todos indexados por 𝑗 ∈ 𝐽. Então, a pontuação final do i-ésimo candidato é representada pelo

vetor (𝑅𝑖, 𝑥𝑖), onde 𝑥𝑖 ≡ (𝑥𝑖𝑗)𝑗∈𝐽

, e 𝑥𝑖𝑗 valor do fator j obtido pelo candidato i. Ainda, o conjunto de todos

os alunos que desejam ingressar na universidade pode ser representado por um vetor maior 𝑋 =

{(𝑅𝑖 , 𝑥𝑖)𝑖∈𝐼}.

Considerando 𝐴𝑖 ∈ ⟦0,1⟧ a probabilidade de admissão do aluno i, o problema de admissão da

universidade é associar ao vetor de candidatos X o vetor de probabilidades de admissão 𝐴(𝑋) = (𝐴𝑖)𝑖 ∈ 𝐼 ,

de modo a maximizar a performance acadêmica esperada do grupo admitido sujeita às restrições de limite

de vagas, capacidade do grupo e representatividade racial.

Seja 𝑝𝑖 a expectativa de performance acadêmica que a universidade tem em relação ao candidato i.

Assumindo que essa expectativa possa ser expressa como uma função linear dos fatores não-raciais, para

um vetor de coeficientes 𝛽, temos:

𝑝𝑖 ≡ {𝑃𝑒𝑟𝑓𝑜𝑟𝑚𝑎𝑛𝑐𝑒 𝑒𝑠𝑝𝑒𝑟𝑎𝑑𝑎|𝑥𝑖} = 𝛽. 𝑥𝑖 =∑𝛽𝑗𝑥𝑖𝑗

𝑗∈𝐽

Como a distribuição os fatores não-raciais são distribuídos de forma diferente entre os grupos

raciais, a universidade pode usar esse fato para predizer a qual grupo racial pertence o candidato dados os

fatores não-raciais apresentados, da seguinte forma:

𝑟𝑖 ≡ 𝑃𝑟(𝑅𝑖 = 2|𝑥𝑖) = 𝛾. 𝑥𝑖 =∑𝛾𝑗𝑥𝑖𝑗

𝑗∈𝐽

para um vetor de coeficientes 𝛾.

O modelo supõe que os vetores de coeficientes 𝛽 e 𝛾 são conhecidos pela universidade e entram

como parâmetros a serem estimados no cálculo da política de admissão ótima. Os autores utilizaram dados

de matrículas de diversas instituições de ensino para estimar esses coeficientes, e as estimativas foram então

usadas para estimar a política ótima de admissão e avaliar suas performances sob 3 regimes: Laisse-faire

(LF), color-sighted affirmative action (CS) e color-blind affirmative action (CB), considerando o seguinte

problema de programação linear:

max[𝐴𝑖]𝑖∈𝐼

{1

𝑐∑𝐴𝑖𝑝𝑖𝑖∈𝐼

}

s.a.

𝐴𝑖 ∈ ⟦0,1⟧, 𝑖 ∈ 𝐼⏟ 𝐴𝑖 é 𝑝𝑟𝑜𝑏𝑎𝑏𝑖𝑙𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒

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1

|𝐼|∑𝐴𝑖𝑖∈𝐼

≤ 𝑐⏟ 𝑙𝑖𝑚𝑖𝑡𝑒 𝑑𝑒 𝑣𝑎𝑔𝑎𝑠

1

|𝐼|∑𝐴𝑖𝑟𝑖𝑖∈𝐼

≥ 𝑟⏟

𝑟𝑒𝑝𝑟𝑒𝑠𝑒𝑛𝑡𝑎çã𝑜 𝑟𝑎𝑐𝑖𝑎𝑙

O problema linear acima resolve o regime CB. Para resolver o LF, basta retirar a restrição de

representação racial. Já para resolver CS, é necessário particionar o conjunto de alunos em seus 2 grupos

raciais e resolver o problema acima, sem a restrição da representação racial (similar a LF) separadamente

para cada grupo, sendo a restrição de limite de vagas alterada para:

1

|𝐼|∑𝐴𝑖𝑖∈𝐼

≤ {

𝑐 − 𝑟

𝜆, 𝑝𝑎𝑟𝑎 𝑜 𝑔𝑟𝑢𝑝𝑜 1

𝑟

1 − 𝜆, 𝑝𝑎𝑟𝑎 𝑜 𝑔𝑟𝑢𝑝𝑜 2

Onde 𝜆 é a proporção de alunos pertencentes ao grupo racial 1.

No artigo, Fryer et al. (2008) reconhecem que uma dificuldade na implementação do modelo seria

como selecionar e associar os fatores de ponderação mais representativos dos grupos que se pretende

proteger com a política do tipo color-blind.

3. A aplicação à realidade brasileira

Embora a técnica de otimização não esteja vinculada a fatores específicos, a aplicação do modelo

tal como proposto por Fryer et al. (2008) ao caso brasileiro é ainda mais complicado, visto não ser comum

nas escolas brasileiras (tanto públicas quanto privadas) a existência de atividades extracurriculares ou

outros fatores de pontuação além das notas de exames que possam compor o vetor de atributos não-raciais

do modelo.

Dessa forma, uma alternativa possível no caso brasileiro seria considerar, como fator não-racial na

ponderação, a nota obtida pelo aluno de determinadas disciplinas de cada área de conhecimento do Exame

Nacional do Ensino Médio (ENEM), por exemplo.

No ENEM, os alunos fazem uma prova composta de questões agrupadas em quatro áreas do

conhecimento, conforme Tabela 1:

Tabela 1: Composição das provas do ENEM

CÓDIGO ÁREA DE CONHECIMENTO DISCIPLINAS

CH Ciências Humanas e suas tecnologias História e Geografia

CN Ciências da Natureza e suas tecnologias Biologia, Química, Física

LC Linguagens, Códigos e suas tecnologias Literatura, Português, Língua Estrangeira

MT Matemática e suas tecnologias Matemática

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A nota de cada categoria é calculada com base na pontuação obtida nas questões do exame, que

variam em seu grau de dificuldade. O peso das áreas do conhecimento varia de acordo com o curso

pretendido e a ponderação é estabelecida por critério de cada universidade que adota o sistema de notas do

ENEM, de modo que não há uma única nota final da prova. A nota final obtida no ENEM varia conforme

a universidade desejada.

Para fins de teste do modelo ao caso brasileiro, utilizamos a base de dados do Instituto Nacional de

Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), disponível em http://portal.inep.gov.br/basica-

levantamentos-acessar, onde constam todas as informações sobre cada estudante que fez a prova do ENEM

(cidade onde reside, cidade onde estuda, escola que estuda, idade, se já terminou o ensino médio, qual ano

do ensino médio está cursando se ainda não terminou, notas em cada área do conhecimento, etc) em cada

ano em que o exame foi aplicado.

O objetivo do exercício foi testar a eficácia de uma política de ação afirmativa que permita o acesso

de um número maior de alunos negros às vagas do ensino superior, mas sem recorrer ao modelo de reserva

de vagas.

A abordagem construída para os testes foi a seguinte: considere a nota de cada área do conhecimento

(CH, CN, LC, MT ou redação) como um fator de ponderação não-racial. Supomos, por hipótese, ser

possível capturar características do grupo racial protegido por meio destes fatores não-raciais. Suponha

ainda que uma universidade do DF, extremamente cobiçada pelos estudantes, ofereça 129 vagas no seu

processo de seleção utilizando resultados do ENEM, considerando a nota final do aluno dada pela fórmula:

𝑁𝑜𝑡𝑎 𝑓𝑖𝑛𝑎𝑙 𝑑𝑜 𝑎𝑙𝑢𝑛𝑜 =𝛼1𝑁𝐶𝐻 + 𝛼2𝑁𝐶𝑁 + 𝛼3𝑁𝐿𝐶 + 𝛼4𝑁𝑀𝑇 + 𝛼5𝑁𝑅

𝛼1 + 𝛼2 + 𝛼3 + 𝛼4 + 𝛼5

Onde,

NCH = nota de Ciências Humanas e suas tecnologias (história, geografia);

NCN = nota de Ciências da Natureza e suas tecnologias (biologia, química, física);

NLC = Linguagens, Códigos e suas tecnologias (literatura, português, língua estrangeira);

NMT = Matemática e suas tecnologias (matemática);

NR = Nota na redação e;

𝛼𝑖 = peso do componente i da nota final, determinado pela universidade de acordo com o curso

pretendido.

A proposta do modelo para inserção do CBAA (Color Blind Affirmative Action), neste caso, seria

alterar os pesos 𝛼𝑖 de forma a mudar a composição racial do grupo de alunos aprovados no processo seletivo

em favor de uma participação maior de alunos negros.

Utilizando os dados do ENEM 2013 do site do INEP (dados mais atuais disponíveis), consideramos

apenas os estudantes que encontravam-se cursando o 3º ano do ensino médio no ano da prova, de forma a

possibilitar caracterizar também as escolas de onde os alunos são egressos. A identificação do perfil da

escola é importante no nosso estudo pelo seguinte motivo: entende-se que o aluno negro egresso de escola

privada, de uma maneira geral, teve acesso à educação básica de melhor qualidade e, portanto, poderia

competir por vagas com os demais alunos. Este aluno, embora atenda ao critério racial do público

beneficiado, não seria o alvo da política de ação afirmativa, que busca oferecer oportunidade àquele

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para processos seletivos às universidades brasileiras

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estudante negro menos competitivo e que teria maiores dificuldades para ingressar na universidade. Assim,

o aluno negro egresso de escola pública teria maiores necessidades de proteção e constitui o público alvo

prioritário da ação aqui desenhada.

Diferentemente dos fatores não-raciais utilizados por Fryer et al. (2008) em seu artigo, onde estava

bem definido que um fator seria mais significativo em um grupo racial do que em outro, aqui há um

problema de sombreamento, pois mesmo com a distribuição das notas das categorias sendo diferentes entre

os grupos raciais, em geral, a nota de um estudante do grupo racial menos favorecido tende a ser menor que

a de um estudante do grupo racial mais favorecido.

Este fato faz com que a redistribuição de pesos na nota final do aluno provoque uma alteração pouco

sensível na distribuição de negros aprovados na seleção. Dessa forma, não há a necessidade de resolvermos

o problema de maximização apresentado na parte 2 deste trabalho, o que faremos será encontrar o vetor γ

que define 𝑟𝑖 (conforme visto na parte 2) onde:

𝑟𝑖 ≡ 𝛾𝑥𝑖 =∑𝛾𝑗𝑥𝑖𝑗

𝑗∈𝐽

Lembrando que no problema de maximização visto, o vetor 𝛾 é um extremo do conjunto de possíveis

soluções, mas devido ao fato de que se utilizarmos um vetor diferente de 𝛾 a cota mínima pode não ser

atingida, ou seja, a restrição de representação racial do problema pode não ser satisfeita, o objetivo será

encontrar o 𝛾.

Para fazer isso, seguimos os seguintes passos:

Calculamos a nota final de cada aluno e identificamos quantos alunos negros existem entre as 129

maiores notas finais;

Verificamos quantos dos negros que estão entre as 129 melhores notas finais são oriundos de escolas

públicas;

Analisamos a composição das notas por área do conhecimento para o grupo de negros estudantes

de escola pública (público alvo) e verificamos a diferença existente entre esta distribuição e a de todos

alunos com as 129 melhores notas finais (utilizamos, para isso, as estatísticas descritivas).

Seguindo este roteiro e percebendo uma distribuição diferente do original, altera-se os pesos da nota

final, dando maior peso para as áreas do conhecimento onde os negros de escolas públicas obtiveram

maiores notas rotacionando-se, com isso, a fronteira LF (Figura 1, na parte 2).

Para o tratamento da base de dados, bem como para os cálculos e análises, utilizamos o software

SAS Enterprise Guide. Os resultados são apresentados na Tabela 2:

Tabela 2: Estatísticas e primeiro tratamento dos dados

Negros, pardos e

indígenas Brancos

Alunos no último ano do ensino médio 17.031 10.139

Método de pontuação tradicional - Nota final superior

a 750 25 104

Método de ponderação alterada (CBAA) - Nota final

superior a 789,95 (para garantir os mesmos 129

primeiros estudantes aprovados)

25 104

Alternativa à política de ação afirmativa baseada em cotas

para processos seletivos às universidades brasileiras

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Pela Tabela 2, verificamos que alterando a ponderação manteve-se a relação entre brancos e negros

admitidos. Porém, a Tabela 3 abaixo revela uma mudança na composição dos alunos negros1 aprovados no

processo seletivo com a troca do método.

Tabela 3: Perfil do público alvo com a metodologia CBAA

Distribuição do público alvo da ação afirmativa

Metodologia

tradicional

Metodologia

Color-Blind AA

Alunos de escolas privadas 18 16

Alunos de escolas públicas federais 7 8

Alunos de escolas estaduais/municipais (GDF) 0 1

Embora não haja aumento do número de negros proporcionalmente ao de brancos, a metodologia

utilizada propiciou a substituição de dois alunos negros de escola privada por dois alunos negros de escola

pública, corrigindo a distorção de se beneficiar alunos (mesmo negros) que estudam em escola privada.

Contudo, existe um viés que não foi tratado neste primeiro ensaio, que é separar os alunos que

pleiteiam uma vaga em um curso de exatas dos alunos que concorrerão a uma vaga em um curso de

biomédicas, pois estes terão desempenhos diferentes em cada área do conhecimento.

De forma a tratar essa questão, verificamos a maior nota entre as cinco categorias (CH, CN, LC,

MT e redação) obtida por cada aluno registrado na base de dados, para separá-los em grupos de acordo por

área de interesse. Considerando que a prova do ENEM antecede a opção do aluno pelo curso a ser pleiteado

na universidade, a hipótese de se utilizar a área de conhecimento com nota mais alta como proxy da

informação do curso pretendido pode ser considerada bastante razoável, uma vez que os estudantes tendem

a se saírem melhor nas disciplinas inerentes aos seus cursos pretendidos. Além disso, se um aluno obtém

uma nota maior em uma determinada área do conhecimento, a probabilidade dele escolher uma carreira que

seja compatível com essa área, dado que ele já sabe sua nota, é bastante elevada.

Não obstante tornar os resultados mais realistas, espera-se que esta separação dos alunos por

sua área de conhecimento mais forte vá tornar a alteração dos pesos da nota final ainda menos sensível.

Para tentar corrigir isso e buscando utilizar uma variável social (até agora apenas utilizamos

variáveis acadêmicas, o que causa o sombreamento citado anteriormente), alteramos a fórmula da nota final

do aluno para:

𝑁𝑜𝑡𝑎 𝑓𝑖𝑛𝑎𝑙 𝑑𝑜 𝑎𝑙𝑢𝑛𝑜 =1

𝑟(𝛼1𝑁𝐶𝐻 + 𝛼2𝑁𝐶𝑁 + 𝛼3𝑁𝐿𝐶 + 𝛼4𝑁𝑀𝑇 + 𝛼5𝑁𝑅

𝛼1 + 𝛼2 + 𝛼3 + 𝛼4 + 𝛼5)

Onde r é o índice de renda, componente do IDH (índice de desenvolvimento humano) de cada

município, disponível em http://www.pnud.org.br/atlas/ranking/Ranking-IDHM-Municipios-2010.aspx.

Dessa forma, a ideia é introduzir nova ponderação à equação do resultado de modo a permitir que

alunos de escolas de municípios com o índice de renda menor obtenham uma compensação que lhes

proporcione uma nota final maior.

1 Neste trabalho embora o público alvo sejam o grupo racial negro, na base de dados do INEP incluímos neste grupo

racial os indígenas, amarelos e pardos.

Alternativa à política de ação afirmativa baseada em cotas

para processos seletivos às universidades brasileiras

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Analisamos quatro casos por meio de quatro ensaios: i) alunos de todo o Brasil disputando vagas da

área de ciências exatas, ii) alunos de todo o Brasil interessados na área de ciências biomédicas, iii) alunos

do estado do RJ interessados em vagas na área de ciências exatas, e iv) alunos do estado de SP disputando

vagas da área de ciência biomédicas. Vejamos cada um deles:

i) Alunos de todo o Brasil da área de ciências exatas

Considerando os alunos do país inteiro e supondo que uma universidade possua 300 vagas para

serem oferecida em um curso na área de ciências exatas (alunos com maior nota em MT), calculamos a

nota final de todos os alunos, obtendo os seguintes resultados:

Tabela 4: Perfil do público alvo – área de ciências exatas

Distribuição do público alvo da ação

afirmativa Metodologia tradicional

Metodologia Color-

Blind (com a

variável renda)

Alunos de escolas privadas 52 55

Alunos de escolas públicas 17 57

Total de negros 69 112

Como estamos supondo que os alunos deste grupo estejam pleiteando um curso da área de ciências

exatas, utilizamos inicialmente um peso maior para a nota de MT e pesos iguais para das demais notas

como metodologia tradicional. Assim, temos a nota dada pela seguinte expressão:

Nota final do candidato há uma vaga em exatas = 𝑁𝐶𝐻+𝑁𝐿𝐶+2𝑁𝑀𝑇+𝑁𝐶𝑁+𝑁𝑅

6

Para a aplicação da metodologia color-blind do experimento, a expressão foi recalibrada nos pesos

e passou a contemplar a variável renda. A nova forma de apuração da nota tem a seguinte forma:

Nota final do candidato há uma vaga em exatas = 1

𝑟(2𝑁𝐶𝐻+𝑁𝐿𝐶+3𝑁𝑀𝑇+𝑁𝐶𝑁+𝑁𝑅

8)

A alteração dos pesos se deu com base na análise das estatísticas descritivas observadas dos 17

estudantes negros de escolas públicas aprovados pelo método tradicional. O critério para a seleção das

disciplinas com maior ponderação foi, primeira e obviamente, a disciplina diretamente relacionada à área

de conhecimento do curso escolhido e, sob orientação da ação afirmativa, a disciplina onde o público alvo

obteve o melhor desempenho, medido pela soma da média e desvio padrão. No caso i), esta disciplina foi

Ciências Humanas e suas tecnologias (CH). No que se refere ao valor da ponderação atribuída à CH, para

fins do presente exercício, este foi arbitrariamente definido em peso maior que o das demais disciplinas.

As estatísticas descritivas dos representantes do público alvo revelado pelo método tradicional são

apresentadas na Tabela 5:

Alternativa à política de ação afirmativa baseada em cotas

para processos seletivos às universidades brasileiras

12

Tabela 5 - Estatísticas descritivas dos 17 representantes do público alvo originalmente

aprovados

As estatísticas descritivas dos 300 alunos com as maiores notas são apresentadas na Tabela 6 para

fins de comparação:

Tabela 6 - Estatísticas descritivas das 300 maiores notas em exatas

Observando os resultados apresentados na Tabela 1 (bem como nas demais tabelas de resultados

apresentadas a seguir), percebe-se que o modelo CBAA permitiu a seleção para ingresso de um maior

número de representantes do público alvo, especialmente oriundos de escolas públicas. Este era exatamente

o efeito que se pretendia alcançar, valendo-se de uma tecnologia alternativa à política de cotas.

ii) Alunos de todo o Brasil da área de ciências biomédicas

Considerando as mesmas premissas do ensaio anterior, mas agora com candidatos que disputam

vagas em cursos na área de ciências biomédicas (alunos com maior nota em CN), calculamos a nota final

de todos os alunos, obtendo os seguintes resultados:

Alternativa à política de ação afirmativa baseada em cotas

para processos seletivos às universidades brasileiras

13

Tabela 7: Perfil do público alvo – área de ciências biomédicas

Distribuição do público alvo da ação

afirmativa (negros, pardos e indígenas)

Metodologia tradicional Metodologia

Color-Blind (com

a variável renda)

Alunos de escolas privadas 70 60

Alunos de escolas públicas 19 107

Total de negros 89 167

De forma análoga ao anterior, como estamos supondo que os alunos deste grupo estejam pleiteando

um curso da área de ciências biomédicas, partimos da atribuição de peso maior para a nota de CN e pesos

iguais para das demais notas na metodologia tradicional. A nota final foi apurada pela seguinte expressão:

Nota final do candidato há uma vaga em biomédicas = 𝑁𝐶𝐻+𝑁𝐿𝐶+𝑁𝑀𝑇+2𝑁𝐶𝑁+𝑁𝑅

6

Após recalibração dos pesos e inclusão da variável renda, temos:

Nota final do candidato há uma vaga em biomédicas = 1

𝑟(2𝑁𝐶𝐻+𝑁𝐿𝐶+𝑁𝑀𝑇+3𝑁𝐶𝑁+𝑁𝑅

8)

A alteração dos pesos se deu da mesma forma descrita no caso i), e teve por base a análise das

estatísticas descritivas apresentadas a seguir:

Tabela 8 - Estatísticas descritivas dos 19 representantes do público alvo originalmente

aprovados

Alternativa à política de ação afirmativa baseada em cotas

para processos seletivos às universidades brasileiras

14

Tabela 9 - Estatísticas descritivas das 300 maiores notas em biomédicas

A metodologia color-blind diminuiu a quantidade de representantes do público alvo oriundos de

escolas particulares em 10 alunos, mas aumentou a participação dos oriundos de escolas públicas de 19

para 107 alunos. O resultado geral foi um aumento no número de estudantes negros selecionados de 89 para

167 alunos.

III - Alunos do Estado do RJ da área de ciências exatas

Para testar os resultados do modelo em uma realidade local, consideramos as mesmas premissas dos

ensaios anteriores, mas agora restringindo o estudo a alunos do estado do RJ do grupo de ciências exatas

(alunos com maior nota em MT). Calculamos a nota final de todos os alunos, obtendo os seguintes

resultados:

Tabela 10: Perfil do público alvo no RJ – área de ciências exatas

Distribuição do público alvo da ação

afirmativa (negros, pardos e indígenas)

Metodologia tradicional Metodologia

Color-Blind (com

a variável renda)

Alunos de escolas privadas 24 49

Alunos de escolas públicas 14 41

Total de negros 38 90

Assim como caso i) utilizamos a ponderação maior em MT na metodologia tradicional e pesos iguais

para as demais notas:

Nota final do candidato há uma vaga em exatas = 𝑁𝐶𝐻+𝑁𝐿𝐶+2𝑁𝑀𝑇+𝑁𝐶𝑁+𝑁𝑅

6

Após recalibração dos pesos e inclusão da variável renda, temos a nota final calculada por:

Nota final do candidato há uma vaga em exatas = 1

𝑟(𝑁𝐶𝐻+𝑁𝐿𝐶+4𝑁𝑀𝑇+𝑁𝐶𝑁+𝑁𝑅

8)

Note que a distribuição de pesos para o caso da disputa por uma vaga em ciências exatas no estado

do Rio de janeiro difere daquela atribuída no caso i) que considera a disputa por esta área de conhecimento

em todo o Brasil. A alteração dos pesos se deu com base na análise das estatísticas descritivas abaixo:

Alternativa à política de ação afirmativa baseada em cotas

para processos seletivos às universidades brasileiras

15

Tabela 11 - Estatísticas descritivas dos 14 representantes do público alvo aprovados no RJ

Tabela 12 - Estatísticas descritivas das 300 maiores notas em exatas no RJ

Neste caso, a aplicação da metodologia CBAA mais que dobrou a participação total de indivíduos

do público alvo entre os selecionados.

IV - Alunos do Estado de SP da área de ciência biomédicas

Finalmente, um outro estudo de realidade local foi construído. Foram consideradas as mesmas

premissas dos ensaios anteriores, agora com alunos do Estado de SP do grupo de ciências biomédicas

(alunos com maior nota em CN), calculamos a nota final de todos os alunos, obtendo os seguintes

resultados:

Tabela 13: Perfil do público alvo no SP – área de ciências biomédicas

Distribuição do público alvo da ação

afirmativa (negros, pardos e indígenas)

Metodologia tradicional Metodologia

Color-Blind (com

a variável renda)

Alunos de escolas privadas 27 26

Alunos de escolas públicas 22 66

Total de negros 59 92

Na metodologia tradicional, foi utilizada a seguinte relação para estima a nota do candidato:

Alternativa à política de ação afirmativa baseada em cotas

para processos seletivos às universidades brasileiras

16

Nota final do candidato há uma vaga em biomédicas = 𝑁𝐶𝐻+𝑁𝐿𝐶+𝑁𝑀𝑇+2𝑁𝐶𝑁+𝑁𝑅

6

Neste ensaio não houve alteração dos pesos, visto que a distribuição das notas em cada grupo racial

se mostrou bastante similar, fazendo com que qualquer alteração na distribuição de pesos piorasse a relação

entre negros de escola pública e de escola privada. A recalibração, neste caso, se resume à inclusão da

variável renda, assim temos:

Nota final do candidato há uma vaga em biomédicas = 1

𝑟(𝑁𝐶𝐻+𝑁𝐿𝐶+𝑁𝑀𝑇+2𝑁𝐶𝑁+𝑁𝑅

6)

A Tabela 14 traz as estatísticas descritivas deste caso:

Tabela 14 - Estatísticas descritivas dos 22 representantes do público alvo aprovados em SP

Alternativa à política de ação afirmativa baseada em cotas

para processos seletivos às universidades brasileiras

17

Tabela 15 - Estatísticas descritivas das 300 maiores notas em biomédicas em SP

Neste caso, a aplicação da metodologia CBAA foi mais efetiva no benefício aos alunos do público

alvo egresso de escolas públicas, como pode ser verificado na Tabela 13.

4. Conclusão

As oportunidades de acesso à educação devem estar disponíveis a todos os cidadãos

independentemente de traços físicos ou sociais. No entanto, o reconhecimento de que o público alvo da

política de ação afirmativa não tem as mesmas condições e nível de competitividade que os demais

candidatos às vagas do ensino superior, por exemplo, é imprescindível para o estudo de qualquer medida

voltada a abordar esta distorção. Este fato é reconhecido neste trabalho.

O raciocínio desenvolvido foi orientado pelo objetivo de se aumentar a participação de negros

(pardos e indígenas, incluídos) nas universidades por meio de um processo seletivo de disputa universal de

vagas, isto é, sem a reserva de vagas e adoção de notas de corte diferenciadas entre grupos de candidatos.

O método tradicional de cotas tem potencial para estigmatizar os beneficiados e permite o ingresso de

candidatos que não atendem os requisitos de conhecimentos básicos necessários para acompanhar o curso

superior, o que cria problemas para o aluno e para a universidade.

O método color-blind affirmative action utilizado neste trabalho não é a melhor política de ação

afirmativa que se possa utilizar para a seleção de candidatos. Porém, atende ao critério de disputa universal

e, conforme demonstram os resultados obtidos, consegue proporcionar o aumento da representatividade do

público alvo nas instituições de ensino superior por meio da ponderação de critérios.

O método é tampouco infalível, ou seja, como não está orientado diretamente ao critério

racial, mas o busca de maneira indireta, é possível que indivíduos de fora do público alvo eventualmente

também se beneficiem dos critérios de ponderação adotados. Esta desvantagem, porém, aparenta

representar risco menor do que aquele envolvido na admissão do caráter declaratório das políticas baseadas

diretamente na condição de cor da pele.

Seja como for implementada, a seleção de alunos ao ensino superior não substitui a oferta de

formação básica de qualidade, capaz de garantir um nível de competitividade minimamente homogêneo a

todos os candidatos. Ademais, a admissão é uma etapa e não um fim do ensino superior. Entendendo o

objetivo final da política de ação afirmativa como a formação profissional de indivíduos do público alvo, é

Alternativa à política de ação afirmativa baseada em cotas

para processos seletivos às universidades brasileiras

18

importante a adoção de medidas complementares de apoio a estes alunos ao longo do curso para que

efetivamente consigam concluir a graduação.

Como sugestão para aprofundamento e aprimoramento do estudo pode-se citar a utilização do

critério de renda mais refinado, baseado, por exemplo, no IDH da região onde se localiza a escola de onde

o candidato é egresso. Neste trabalho, por disponibilidade dados, foi utilizado o IDH médio do município

de residência do candidato. Ainda assim, os resultados mostraram-se bastante satisfatórios para atestar a

eficácia do modelo.

Referências

BEZERRA, Teresa Olinda Caminha, 2012. A política pública de cotas na UERJ: Desempenho e

inclusão. Encontro de Administração Pública e Governo, ANPAD.

COATE, S., e LOURY, G.C, 1993. Will affirmative-action policies eliminate negative

stereotypes? American Economic Review, v.83, 1220-1240.

FRANCIS, A.M., e TANNURI-PIANTO, M., 2012. Using Brazil’s Racial Continuum to Examine

the Short-Term Effects of Affirmative Action in Higher Education. The Journal of Human Resources

v.47(3), 754-784.

FRYER, R.G. Jr., LOURY, G.C., e YURET, T., 2008. An economic analysis of color-blind

affirmative action. Journal of Law, Economics, and Organization v.24(2), 319–55.