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Revista Afirmativa Plural nº 40

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4 Afirmativa Plural • Edição 40

ndice

Afirmativa Plural é uma publicação da Afrobras - Sociedade AfroBrasileira de Desenvolvimento Sócio Cultural, Centro de Documen-tação, através da: Editora Unipalmares Ltda., CNPJ nº 08.643.988/0001-52. Com periodicidade bimestral. Ano 8, Número 40 - Av. San-tos Dumont, 843 - Bairro Ponte Pequena - São Paulo/SP - Brasil -CEP 01101-080 - Tel. (55 - 11) 3325-1000. www.afrobras.org.br

CONSELHO EDITORIAL: José Vicente • Francisca Rodrigues• Cristina Jorge • Nanci Valadares de Carvalho • Humberto Adami• Sônia Guimarães.

DIREÇÃO EDITORIAL E EXECUTIVA: Jornalista FranciscaRodrigues (Mtb.14.845 - [email protected]).

FOTOGRAFIA: J. C. Santos e Divulgação.

COLABORADORES: Eliane Almeida e Silvana Silva.

EDITORA: Rejane Romano (Mtb. 39.913 - [email protected])

REDAÇÃO: Vivian Zeni (Mtb. 51.518 - [email protected]),Ivone Ferreira (Estagiária - [email protected])

ASSINATURA E ANÚNCIOS: Rejane Romano ([email protected]) • Tel. (11) 3325-1000.

PUBLICIDADE: Maximagem Mídia Assessoria em ComunicaçãoTel.(11) 3325-1000.

CAPA: Imagem de Divulgação/Arquivo TIM

EDITORAÇÃO: Alvo Propaganda e Marketing ([email protected]) • Tel. (11) 4325-0605.

IMPRESSÃO E ACABAMENTO: Vox Editora.

EspecialFrente Negra completa 80 anos ........................................... 66

EducaçãoDesigualdade na educação – Flávia Piovesan .................... 70Educação para todos ............................................................. 74

PerfilFeliz Aniversário Ruth de Souza .......................................... 76A mais bela é negra – Leila Lopes ....................................... 78Força feminina – Prêmio Nobel da Paz 2011 .................... 82

TurismoReduto dos Obama – Chicago ............................................. 86

OpiniãoMachado de Assis e as ferramentas digitais – RosenildoGomes Ferreira ...................................................................... 92

AfirmativoUm dia para reforçar a consciência afro-brasileira – LuizInácio Lula da Silva ............................................................... 94

Preto e BrancoWangari Maathai .................................................................... 98

Entrevista EspecialLuiz Pilar ................................................................................... 8

Troféu Raça NegraLançamento Troféu 2011 ....................................................... 14

CapaMajestade o Sabiá – José Vicente .......................................... 22

Minha alma é negra – Jair Rodrigues .................................... 26

CidadaniaO ideal e o imaginário: Zumbi em destaque ........................ 38

Consciência Negra

Oportunidade para todos – Geraldo Alckmin ... 46Deus-Poeta – Carlos Ayres Britto .......................... 50

Igualdade para todos – Sérgio Cabral ....................... 52A prefeitura e os negros – Gilberto Kassab ............. 54Uma proposta de justiça social para o Brasil – EduardoMatarazzo Suplicy ......................................................... 56A história oficial nem sempre retrata a verdade – LeciBrandão .......................................................................... 60Valeu Zumbi – Elói Ferreira de Araújo ..................... 62

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editorial

Esta edição da Afirmativa Plural pro-cura fazer uma reflexão do mês da Cons-

ciência Negra, quando lembramos nossoHerói negro maior – Zumbi dos Palmares.

Ainda presa ao imaginário está a imagem donegro como tendo seu lugar marcado na socie-

dade, à margem.Nesta edição relembramos nossos ascendentes quan-

do há exatos 80 anos, era criada a Frente Negra Bra-sileira, uma das primeiras organizações no século XX

a exigir igualdade de direitos e participação dos negrosna sociedade do País. A organização tinha por objetivo

desenvolver diversas atividades de caráter político, cul-tural e educacional para os seus associados. Realizava pa-lestras, seminários, cursos de alfabetização, oficinas decostura e promovia festivais de musica.Criada em 16 de setembro de 1931 na cidade de São Paulo,

sil, pouco sabemos, pois os negros sóganham espaços na mídia nacional em al-gumas datas específicas: 13 de Maio e 20 deNovembro. Em Maio, nada foi divulgado so-bre o que o nosso país fez a esse respeito. Vamosesperar o dia 20... quem sabe?As conquistas andam a passos lentos, mas já acon-tecem. Por exemplo, o 60º título de Miss Universo2011 teve em primeiríssimo lugar a Miss Angola, LeilaLopes, que desbancou as outras 88 mulheres, ocupan-do o posto de mulher mais linda do mundo, única negraa estar entre as finalistas.Não deixando por menos, três mulheres, duas negras euma de origem árabe, ganharam o Prêmio Nobel da Paz2011, pelos significativos feitos em seus respectivos paísesem prol dos direitos humanos e da democracia.O prêmio, outorgado pelo Instituto Norueguês do Nobel,

a Frente ganhou adeptos em todo o Brasil. Estima-se quea Frente Negra Brasileira tenha chegado a aproximada-mente cem mil membros em todo o País.Para a Igreja e para os europeus, os africanos eram natu-ralmente inferiores, equivalentes a animais e sem alma. Eeles não deviam reagir. Isso lá fora, por que aqui no Bra-sil, passividade nunca foi nossa característica e muitomenos do líder palmarino Zumbi. Tanto que o mais jo-vem general da história tinha 17 anos quando se tornouo principal organizador das tropas palmarinas.Hoje, temos muitos “Zumbis”, na maioria das vezesanônimos, mas que fazem com que obtenhamos con-quistas em muitos campos da sociedade. Ainda fal-

ta muito, mas estamos caminhando.Mas em pleno século XXI, muitos ainda acredi-

tam que nós negros somos inferiores e, comisso, a nossa situação ainda é de inferioridade

e miséria, em todo o mundo. Com o objeti-vo de melhorar esse quadro, a ONU de-

cretou 2011 como o Ano Internacio-nal do Afrodescendente. Se algo

foi feito nesse sentido, prin-cipalmente aqui no Bra-

contemplou a Presidente da Libéria Ellen Johnson Sirleaf,primeira mulher a assumir a presidência de um país africanoe considerada pela Revista Forbes a africana mais influentedo continente. Ganharam também a liberiana LeymagRoberta Gbowee a jornalista iemenita Tawakkol Karman.Nesta edição, trazemos também autoridades e persona-lidades que nos prestigiam com seus artigos e poesia,numa homenagem e reflexão ao Herói Nacional, Zumbidos Palmares.E como não poderia deixar de ser, neste mês realiza-mos nossa tradicional entrega do “Oscar” da comu-nidade negra: Troféu Raça Negra, em sua nona edi-ção e que homenageia Jair Rodrigues. Sua música,sua voz e sua poesia que sempre nos levam paralugares inimagináveis. E como diz nosso presi-dente da Afrobras, José Vicente em seu arti-go, “Jair é luz e melodia, é simplicidade ealegoria. É o nosso Sabiá”.Tenham uma boa leitura.Sem Educação, não há Liberdade!

Francisca Rodrigues,Editora Executiva.

Salve Zumbi!Salve Zumbi!Salve Zumbi!Salve Zumbi!Salve Zumbi!

ditorial

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entrevista especial

Carioca, 50 anos, criado na zonaoeste do Rio de Janeiro ao som dabateria da Mocidade Independente dePadre Miguel, sua primeira opçãoprofissional foi medicina, mas acaboudescobrindo no teatro a verdadeiravocação. Hoje, apesar de reconheci-do produtor e diretor de cinema e TV,Luiz Pilar ainda vê no teatro a ex-pressão mais pura do trabalho do atore diretor. Na extinta Rede Manchete,Pilar esteve à frente das novelasMandacaru e Brida. Na Globo, entreoutros trabalhos, dirigiu Sinhá Moça,o programa Big Brother Brasil, a no-vela Desejo Proibido e Malhação. Re-

centemente, no teatro, dirigiu o es-petáculo “Método Gronholm”, comLázaro Ramos e Thaís Araújo. Afro-brasileiro, Luiz Antônio Pilar reali-zou vários trabalhos com temáticaracial e destrói a ideia de que os ne-gros já não estão confinados na “co-zinha das novelas”. Pilar não é médi-co, mas seu ritmo é semelhante aode um pronto-socorro. AfirmativaPlural conseguiu ouvir o diretor en-tre duas reuniões e no trajeto para oaeroporto.

Afirmativa Plural – De medicinapara o teatro cinema e TV? Como foi isso?

Pilar – Fiz o ensino médio técni-

co. Patologia Clínica. Desenvolvi atéo “método Pilar” de coleta de san-gue. Mais demorado para acalmar osmedrosos, principalmente as mulhe-res. Depois de testemunhar, duranteum estágio, a morte de uma partu-riente e o bebê recém-nascido, de-sisti. Aquilo não era para mim. A op-ção pelo teatro surgiu, depois de as-sistir a uma peça. Fiquei encantado.Fiz um curso para atores, mas não eraainda o que eu queria. Decidi estudardireção. Me formei na UNIRIO e des-de cedo comecei a me autoproduzir.

Afirmativa Plural – Em tese, paraum iniciante, há mais espaço para os atores.

Por Silvana Silva

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entrevista especial

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Os cargos de direção são mais restritos.Qual a razão dessa escolha?

Pilar – Se pensarmos do pontode vista quantitativo, sim, mas quan-do percebi as limitações impostas aoator negro e a possibilidade de meautoproduzir, achei a direção maisinteressante.

Afirmativa Plural – Hoje, é possí-vel observar que atores negros não estão maisrestritos a papéis de empregados domésti-cos, escravos, marginais. Isso mudou?

Pilar – Pelo contrário, acho quea situação, hoje, é pior. A qualidadedos personagens interpretados pornegros caiu. Não se vê mais um per-sonagem como o psiquiatra interpre-tado por Milton Gonçalves, numanovela da Janete Clair (Dr. PercivalGarcia, em Pecado Capital). São per-sonagens vazios, completamente dis-tantes da realidade. Veja o caso doAndré, de Insensato Coração. Aca-bou sendo rejeitado pelo público.Não por culpa do Lázaro Ramos, masporque não existe homem comoaquele que, correndo na Lagoa(Rodrigo de Freitas), seduz e leva umamulher para a cama todos os dias sócom o olhar. Nem o George Clooneyé capaz disso. É um vilipêndio con-tra o homem, o negro em especial, eà própria mulher. Essa foi a primeiravez que vi a destruição de um herói.Quando você tem um personagemfundamental, cujas características so-ciais são negras, ele acaba interpreta-do por um branco.

Afirmativa Plural – Explica me-lhor isso.

Pilar – Se pensarmos que AGrande Família é típica do subúrbiocarioca, com características atribuí-das aos negros, indolente, malandro;que tem uma dona de casa chamadapor Nenê, apelido de negra, ela não

representa a realidade. No seriadoForça-Tarefa, temos o coronel Cae-tano, interpretado pelo Milton Gon-çalves, e o tenente (galã) Wilson como Murilo Benício. Observe os onzepoliciais acusados da morte da juízaPatrícia Acioli. Não tem nenhum galã,são todos tipos brasileiros, mestiços.

Afirmativa Plural – Isso não é ne-cessário para atrair o público? Isso não épermitido na dramaturgia?

Pilar – Não sei se a TV Brasilei-

ra precisa disso. No cinema, na TVamericana não observamos isso. Lá,a sociedade está representada comseus fenótipos, biótipos. Acho queessa é a crueldade imposta pela TVBrasileira. Nós acabamos achandoque isso é necessário quando não é.

Afirmativa Plural – A escalaçãode atores negros em alguns casos seria ape-nas um ato “politicamente correto”? O pre-conceito ainda existe?

Pilar – Os autores, em geral, nãoescrevem pensando no ator negro e

politicamente correto não quer dizersem preconceito. Às vezes escalamdois, três atores negros por obriga-ção. Pessoalmente, passei por duassituações que deixam o preconceitoevidente. Numa ocasião, entrandono estúdio fui barrado por um se-gurança me alertando de que deve-ria esperar “o diretor”. Não se es-pera que um diretor seja negro. Emoutra ocasião, fui escalado pararecepcionar um ator. Cheguei antese num determinado momento o atordisse que esperava pelo Pilar. Nãome conhecia e certamente imagina-va que fosse branco.

Afirmativa Plural – Na música eno teatro isso é diferente?

Pilar – Na Música Popular Bra-sileira realmente temos vários expo-entes negros, mas música não tem core, talvez, por isso não se discuta a cordos compositores e intérpretes, masno teatro quantos atores negros es-tão em cartaz? Qual foi a última peçaque você assistiu com atores negros?

Afirmativa Plural – Você é favo-rável às cotas?

Pilar – Sou favorável às cotaspara negros em qualquer situação.Nesse país, só tem dinheiro, quemganhou cota, desde as capitanias he-reditárias. Não é possível que um gru-po de imigrantes chegue aqui, comuma mão na frente e outra atrás e,depois, se torne dono do país, se nãotivesse no passado, quando chegou,incentivos, investimentos. Ninguémé melhor do que ninguém. A ques-tão é dar oportunidade. Nós não ti-vemos nenhum tipo de ressarcimen-to. Trabalhamos 300 anos de graça enunca tivemos nenhuma benesse. ATV brasileira é cheia de cotas. É cheiade filho, do filho, do filho... da mu-lher, da mulher... Isso é cota. O que

A qualidade dos

personagens

interpretados por

negros caiu. Não se vê

mais um personagem

como o psiquiatra

interpretado Por Milton

Gonçalves, numa

novela da Janete Clair

(Dr. Percival Garcia, em

Pecado Capital). São

personagens vazios,

completamente

distantes da realidade.

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entrevista especial

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falta para a comunidade negra sãorelações. Eu não tenho nenhum tioou amigo íntimo cujo pai é presiden-te de um banco ou grande estatal quepossa me dar um patrocínio. Isso seconsegue através de relações. É cota.É privilégio. Nós pedimos cotas nascoisas mais sublimes. Queremos cotana universidade e qualquer garoto,branco ou negro, que consegue ter-minar essa escola falida e chega aoterceiro grau, já tem algum mérito.

Afirmativa Plural – E quandodefendem a cota para os pobres?

Pilar – Ok. Nós somos maioria.Ainda assim nós vamos ganhar.

Afirmativa Plural – Hoje você estáse dedicando ao cinema, ao documentário“Remoção”. É mais uma autoprodução?

Pilar – É um documentário, lon-ga-metragem, que está sendo produ-zido com incentivos fiscais da lei deincentivo à cultura do Rio de Janei-ro. Vamos tratar do processo de re-moção das favelas da zona sul do Rio,entre as décadas de 60 e 70, que ge-raram os chamados conjuntos habi-tacionais. Vamos falar da favela Praiado Pinto, do Leblon; do Parque Pro-letariado, da Gávea; da Ilha dasDragas e do Morro da Catacumba,na Lagoa; do Plasmado, em Copaca-bana; da Macedo Sobrinho, em Bo-tafogo, que deram origem aos con-juntos habitacionais: Cidade de Deus,o mais famoso, ao Dom Eugênio Câ-mara, o maior conjunto habitacionalda América Latina, Vila Aliança e oVila Kennedy, financiado pelo gover-no americano.

Afirmativa Plural – Essas remo-ções não contribuíram para a melhora daqualidade de vida das pessoas?

Pilar – Isso representou umamelhora no habitat, na casa. O sujei-to sai do barraco e vai para um apar-

tamento com sala, quarto, cozinha ebanheiro, mas num lugar completa-mente ermo, sem escola, sem traba-lho. Na zona sul, o indivíduo tinhatrabalho, estava perto de tudo e, derepente, a 46 km do seu local de ori-gem, tem que pagar prestação dacasa, água, luz, duas conduções. Issonão melhorou em nada a vida dele,até porque o projeto final era ‘lim-par” a paisagem do Rio de janeiro.

Afirmativa Plural – Essas remo-ções estão associadas à violência?

Pilar – Está mais que provadoque, para qualquer cidade, de qual-quer lugar do mundo, é preciso con-jugar nos mesmo espaço classes al-tas, médias e baixas, e não segregarcomo se fez em São Paulo e no Riode Janeiro. E, hoje, se temos um altoíndice de violência é muito em fun-ção disso. Uma classe completamen-te desconhecida e não se relacionan-do com a outra. Não conhece, não sabeas necessidades, não tem respeito, masnesse momento eu estou focado maisna questão da habitação porque esse éum assunto sempre em pauta.

Afirmativa Plural – O mercadopara documentários não é restrito?

Pilar – No Brasil, o documentá-rio vem ganhando cada vez mais es-paço. Por ser um país continental e

injusto há muito que explorar, con-tar, documentar e isso gera muitadramaticidade. Além disso, o surgi-mento das mídias leves democrati-za o acesso às produções e, com alei que exige o aumento gradativodas produções nacionais na TVs acabo, esse mercado tende a crescercada vez mais.

Afirmativa Plural – Você tambémvai dirigir a cerimônia de entrega do Tro-féu Raça Negra. O que isso representapara você?

Pilar – É um caso raro em que odiretor, a produção, quem paga, quemcontrata é negro. Isso gera uma enor-me cumplicidade entre toda a equipe

Afirmativa Plural – Como alguémque se autoproduz você tem uma noçãoexata de custos, planejamento, cronograma,orçamento A produção cultural para mui-tos é cara. Por que?

Pilar – É uma ciência com tra-balho. É uma atividade prazerosa,sem dúvida, mas que demanda umcusto que a sociedade não prevê.Nossa profissão é cara. Nós preci-samos ler, viajar, frequentar teatro,cinema, precisamos estar bem infor-mados. O que para muitos é só di-versão, para nós é trabalho. Nós pre-cisamos nos relacionar e, para isso,precisamos de oportunidades.

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Da esquerda para a direita: Wilson Simoninha, Zezé Motta, Priscila Marinho, Quitéria Chagas, Jair Oliveira, Chica Xavier e Elói Ferreira Araújo.

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lançamento troféu 2011

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PorRejane Romano

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lançamento troféu 2011

Artistas, personalidades, ícones dacultura negra... Todos juntos para ce-lebrar o lançamento oficial da 9ª edi-ção do considerado “Oscar” da co-munidade negra. Única premiaçãobrasileira que dá vez e voz para quenegros e negras, das mais diversas áre-as possam ter suas artes e empenhoreconhecidos.

No tradicional almoço realizadona sede da Coca-Cola Brasil, no Riode Janeiro, na presença das cantorasZezé Motta, Sandra de Sá e o GrupoBom Gosto, os atores Nando Cunha,Roberta Rodrigues, Chica Xavier,Priscila Marinho, Douglas Silva, omedalhista olímpico Robson Caeta-

no, a atriz Quitéria Chagas, entre ou-tros, foi divulgado o formato da pre-miação em 2011e apresentado em pri-meira mão a lista de indicados, queinclui desde feras há muito consagra-das na televisão brasileira e que aindacontinuam atuantes e atores da novageração, que cada vez mais despon-tam para o sucesso.

O vice-presidente da Coca-ColaBrasil, Marcos Simões, fez questão decomparecer para dar as boas vindas.

“Fiz questão de vir aqui pelo 6º anoconsecutivo para o lançamento de maisum troféu que continua sendo umapremiação importantíssima em nossopaís”, ressaltou o vice-presidente.

A diva da interpretação, a atrizChica Xavier, que compareceu acom-panhadas dos netos, também atores,Luana e Ernesto Xavier, relatou suaemoção por conta do homenageadoser o cantor Jair Rodrigues.

“Sou veterana nesta casa e fiqueifelicíssima quando soube que o ho-menageado deste ano é o Jair Rodri-gues. Ele é um dos meus cantoresprediletos, da época que torcíamospelos cantores nos festivais. Já torcimuito por ele”, disse Chica, sendoovacionada pelos presentes.

De fato elogios não faltaram à ini-ciativa da organizadora do evento, aAfrobras – Sociedade Afrobrasileira de

Marcos Simões - Vice-presidente Coca-Cola Brasil. Mussunzinho.

Jamelão Neto e Maíra Freitas. Wilson Simoninha, Cinara Leal, Luiz Pilar e Sandra de Sá.

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lançamento troféu 2011

Desenvolvimento Sócio Cultural, aoescolher Jair como grande homenage-ado para a celebração deste ano. Porisso, o diretor global, Luiz Pilar, queestará à frente da missão de tambémdirigir o Troféu 2011 falou sobre aresponsabilidade que tem em mãos.

“É a segunda vez que dirijo esteevento, que cumpre a missão de nãosó nos homenagear, mas também denos aproximar. O Troféu é a insistên-cia da manutenção que nós precisamospara estamos cada vez mais juntos. Eo Jair é um artista de ponta, um dosmais importantes artistas no cenáriomusical. Representa o movimento damúsica brasileira, dos festivais com

Disparada, depois no samba com Tris-teza e no sertanejo com Chitãozinhoe Xororó. Não satisfeito ainda fezJairzinho e Luciana! Preparem seuscorações, pois a gente vai saudar JairRodrigues”, explicou Pilar.

Os diretores musicais desta edi-ção também revelaram quanto aoempenho para garantir a alegria deJair durante o show.

“Mais uma vez fui convocado acontribuir. Para mim está sendo mui-to prazeroso, ainda mais trabalhan-do junto com o Jair Oliveira. Somossócios, amigos, trabalhamos juntos...E fazendo para Jair Rodrigues é emo-cionante, pois amo esse negão!”, res-

saltou Simoninha.“Eu fico dupla, tripla, nem sei

quantas vezes ‘mente’ feliz, pois sa-bemos da importância deste prêmiopara nós negros. Só o fato de dividira direção com o Simoninha e com oPilar é uma alegria. E homenagearmeu pai, que ainda planta bananeirano palco no final do show até hoje, éuma honra. Vamos levar um poucodesta alegria para o show e uma difi-culdade está sendo reduzir a históriadele a 8, 9 apresentações musicais...Tenho certeza que no dia 13 de no-vembro, na Sala São Paulo, será umdia marcante para todos nós”, decla-rou Jair Oliveira.

Grupo Bom Gosto. João Domenech - Diretor de Comunicaçãoda Coca-Cola Brasil.

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lançamento troféu 2011

Representando a nova geração deartistas que vem conquistando cadavez mais espaços, a atriz Priscila Ma-rinho falou da emoção em participarda festa. “Estar aqui é muito bom,pois tenho a oportunidade de encon-trar meus ídolos e amigos. Muito maisque a disputa, estar no Troféu nos dáa oportunidade de encontrar os ami-gos e quando um de nós vence todosficamos felizes. Ter ganho o Troféufoi a coisa mais emocionante que jáaconteceu na minha vida. Estou commeu negão lá em casa”, disse a atrizreferindo-se à estatueta do Troféucom a qual foi premiada na categoriade melhor atriz em 2010.

Robson Caetano é um grande en-tusiasta do evento: “Essa é apenas a9ª edição do Troféu Raça Negra e nóstemos uma história que data de mui-to antes disso. Temos um resgate denossa história através do Troféu, ondeconseguimos valorizar o que o negrotem de melhor que é toda garra, todaraça, toda determinação... Além dis-so, o importante é fazer com que osjovens negros e mestiços, possam seespelhar em grandes nomes da comu-nidade negra. Temos que homenage-ar aqueles que realmente tem um pesona sua área e Jair Rodrigues tem o seuvalor, além de ser uma figura huma-na fantástica”, enfatiza o medalhista.

Com sua alegria contagiante, acantora Sandra de Sá, ficou muito fe-liz com a homenagem a ser feita parao Jair Rodrigues: “Acho que tem queter prêmio prá caramba, tem muitagente pra ser homenageada. É alta-mente justo homenagear o Jair. Dei-xe que digam, que pensem, que fa-lem, agente está fazendo a nossa par-te” diz a cantora.

A reunião de amigos terminou emtom de expectativa sobre como seráa grande festa do Oscar negro, mascom uma certeza: a credibilidade desaber que pela 9ª vez o Troféu TaçaNegra irá exaltar a raça negra, a raçahumana.

Robson Caetano e Roberta Rodrigues.

Da Ghama, Douglas Silva e esposa.Francisca Rodrigues e Wellington Silva, Diretor deMarketing e Conteúdo da Oi.

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“Turdus rufriventis” esse énome do Sabiá, bravo símbolo donosso país. São os vinte e cinco cen-tímetros mais potentes que temosconhecimento e, cujo canto incon-fundível e insuperável nos deita en-ternecido. É seu canto que embalaa primavera, a estação do amor, queacaricia as flores, desfibrila os cora-

*Por José Vicente

capa

ções dos amantes e sugestiona a ins-piração dos poetas. Um verdadeiropríncipe, sua majestade, o Sabiá.

A noite que se aproxima será dehomenagem ao nosso queridocachorrão. Afinal, são muitos anosde estrada cantarolando a alma na-cional. Uma vida de magia, de en-canto e de alegria, na defesa e pro-

pagação da música nacional. Umavida longa e de muitas bonitas his-tórias. Uma vida de crença, confi-ança e dedicação. Uma vida de lou-vor ao talento, de aplicação à técni-ca e aos desafios da superação.

Quantas milhas de rodagem,quanta poeira de estrada, quantasnoites mal dormidas, quanta sau-

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capa

dade da filharada. Um canto quecantou pra noite, as noites que can-tou pros dias, quanta lembrança,quanta magia, quantos sonhos equantas folias.

Jair Rodrigues é o motivo da nos-sa festa, porque ele nos acordoumuito melhor cada dia das nossascomplexas e contraditórias vidas.Sua música, sua voz e sua poesia noslevaram para lugares inimagináveis,e nos trouxe de volta quando nãoqueríamos mais voltar.

E ele insiste para que prepare-mos nossos corações para as coisasque quer nos dizer. Mas, o que elequer nos dizer já sabemos à exaus-tão. Eu venho lá do sertão e possonão te agradar. Impossível, nem seviesse de Marte. Jair é luz e melo-dia, é simplicidade e alegoria. É onosso Sabiá.

Duma boiada que já foi boi étambém o cantador, o cancioneiroque dembrutece a alma e que noslembra que a vida é essa só. É açoforte, é relva fria, e, que o sentimen-to é coisinha amena que não vale apena se não for intenso. Que o amora gente perde sempre, mas, se acre-ditar bastante, logo se encontra ou-tro bem ali.

Jair é assim, simples complexo,convergente e desconexo, sentido eabstração. Um príncipe das nossasvidas que encheu nossos cantos comseus cantos e encheu de luz o nossotorpor. Fosse a manhã fria ou as noi-tes vazias nunca nos deixou sós. Écachorrão... a vida não teria muitagraça sem você!! Nosso sorriso demenino, nosso anunciador da prima-vera: nossa Majestade Sabiá.

Foto:

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*José Vicente, presidente da Afrobras e reitor daFaculdade Zumbi dos Palmares.

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Por Silvana Silva

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Sim, a alma é negra e, como diza letra de Lula Barbosa interpreta-da pelo próprio cantor e a filhaLuciana, o astral é colorido, arco-íris, espalha alegria, axé e amor.Elétrico, bem humorado, essas sãoalgumas das impressões que JairRodrigues de Oliveira deixa poronde passa. Essas foram as mesmasimpressões que tivemos ao ouvi-lo.O tempo passa, mas Jair Rodriguesnão muda, aperfeiçoa o dom que jáo destacava desde a infância, nasfestas infantis e na igreja frequen-tada pela família em Igarapava, nadivisa com Minas Gerais.

Aos 15 anos, morando em SãoCarlos, Jair Rodrigues participava deapresentações e shows de calouros narádio da cidade. No quartel onde ser-viu o Tiro de Guerra, o soldado ati-rador nº134 ficou conhecido mesmopela voz. Já atuava como crooner,mas para Jair o sucesso estava em SãoPaulo e foi com o apoio do irmãomais velho, Jairo, que chegou à capi-

tal em 1960. Participava de progra-ma de calouros nas rádios. Na RádioCultura, foi o primeiro colocado en-tre os calouros do Programa de Cláu-dio de Luna. Jair estava certo, o ca-minho do sucesso passava por SãoPaulo. Dois anos depois, gravou seuprimeiro disco (lembra dos antigos78 rotações? Aquele mesmo) comduas músicas para a Copa do Mun-do, realizada no Chile e vencida pelaequipe canarinho: “Brasil Sensacio-nal” e “Marechal da Vitória”. O “ma-rechal”, no caso, era Paulo Machadode Carvalho, dirigente esportivo efundador da TV Record, a emissoraque mais tarde teria Jair Rodrigues

em seu cast de estrelas.Jair chegou a participar de pro-

gramas na TV Excelsior e do Festi-val de 65 organizado pela emissora.Naquele ano, Moça na Janela, compos-ta por Capiba e interpretada por Jair,sequer foi classificada. Elis Reginavenceu o festival cantando Arrastão.A dupla estava ainda começando acarreira, mas um já reconhecia o ta-lento do outro. Coube a Elis a apro-ximação. Ela pediu um autógrafo docantor de quem dizia gostar muito,assim como a família. Pouco depois,Jair Rodrigues substituiu BadenPawell num show realizado no Tea-tro Paramount e cantou com Elis

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capa

Fotos

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Regina com quem acabou gravandoo LP “Dois na Bossa”. Com essa par-ceria, a dupla começou a aparecer emvários programas como o Almoçocom as Estrelas, apresentado porAirton e Lolita Rodrigues. Jair con-fessa que gostava muito do progra-ma. A comida era de verdade e farta.Era convidado constante do casal.Airton o apelidara de “Cachorrão”.Elis era a “Pimentinha”. Foi AirtonRodrigues quem desafiou a dupla aimprovisar e cantar, sem acompa-nhamento. O quadro deve ter inspi-rado “O Fino da Bossa”, programalançado logo depois pela TVRecord. Apresentado por Jair Rodri-gues e Elis Regina, a produção du-rou cerca de três anos e foi tão mar-cante que muitos os viam como du-pla e não como intérpretes indepen-dentes. O cantor fala com prazerdessa época e da sintonia que tinhacom Elis. Terminava um programae já recebia o script do próximo, mastinha liberdade para improvisar.

PrPrPrPrPrepareparepareparepare seu coração prase seu coração prase seu coração prase seu coração prase seu coração prascoisas que eu vou contarcoisas que eu vou contarcoisas que eu vou contarcoisas que eu vou contarcoisas que eu vou contar...............

O rapaz de Igarapava aos poucosia conquistando espaço, mas faltavaainda a música que incluiria seu nomena história da música popular brasi-leira, como havia lhe dito o cantorSilvio Caldas. O que ninguém sabiaera quando e como essa música che-garia às mãos de Jair Rodrigues. Che-gou por acaso. No festival de 1966da Record, Jair cantaria uma músicado Paulinho da Viola e do Capinan.Tratava-se de Canção para Maria queacabou classificada em quarto lugar.Disparada inicialmente seria apresen-tada por Geraldo Vandré que a com-pôs em parceria com Teófilo de Bar-ros, mas às vésperas do festival

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Vandré precisou viajar e WiltonAcioly deu a música para Jair Rodri-gues cantar. “O Vandré me conheciado Fino da Bossa, mas nunca tinhame visto cantar sério. Ficou receoso.Foi convencido pelo Acioly, do TrioMarayá, que me conhecia da noite.”

O cantor lembra que ouviu amúsica pela primeira vez no aparta-mento onde morava com a mãe, nocentro da cidade. Na metade da mú-sica, Dona Conceição saiu da cozi-nha anunciando que, se cantasseaquela música, ganharia o festival.Não foi só Dona Conceição que gos-tou, até os vizinhos aplaudiram anova música e a previsão se cumpriu.

Disparada e A Banda, de ChicoBuarque, dividiram toda a atenção dopúblico. Na noite da finalíssima, nascidades onde chegava o sinal daRecord, todas as atenções pareciamvoltadas para o Festival. Imagine tudoisso acontecendo numa época seminternet ou twitter. A TV era a fontede todas as atenções. O teatro ficou

É uma honra e alegria muito grande falar sobre o meugrande irmão Jair Rodrigues. Já é uma irmandade dequase 50 anos eu teria tantas coisas boas e pitorescaspara dizer desse nosso convívio que daria para escreverum livro. Uma das coisas importantes que gostaria decitar aqui, é que ele foi o primeiro músico que acreditouno meu talento de compositor, gravando a música CidadeGrande. Com isso passei a ser mais respeitado fora domundo do futebol. Umas das passagens pitorescas quenão esqueço foi um churrasco no sitio do Jair Rodriguescom nossa família e alguns amigos e tinha lá um boi, eledisse que era bonzinho, montei no boi e ele começou apular, me jogou em cima de uma cerca, foi o maior vexa-me que passei. Estou feliz que a família dele e a minhatenham uma grande amizade. O Jair é um grande exem-plo como pessoa e um dos grandes talentos da músicabrasileira. Viva o nosso Brasil!Edson Arantes do Nascimento - Pelé”

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Jair é um caso especial na história da Música PopularBrasileira, talvez único. Consagrado como sambista, tam-bém se destaca como cantor sertanejo, desfrutando de ad-miração entre os dois tipos de público, de forma natural,não oportunista.Zuza Homem de MelloMusicólogo, jornalista, radialista e produtor musical

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pequeno para os “bandidos” e “dis-paratados” como foram chamados osmembros das duas torcidas mais nu-merosas.

Jair Rodrigues foi acompanhadopelo Trio Marayá e pelo QuartetoNovo. Chamava atenção pelo toquede uma queixada de burro. NaraLeão, a musa da bossa nova, acom-panhada de uma bandinha de verda-de, era quem defendia a música deChico Buarque.

O empate entre as duas músicasagradou ao público. O Festival de1966 e Disparada deram um novorumo à carreira de Jair Rodrigues. Opróprio Silvio Caldas chegou a tele-fonar para o cantor, lembrando o quehavia dito no passado. Era aquela “amúsica” da carreira de Jair.

Sem a interpretação de Jair Ro-drigues o destino da música talvezfosse outro. Geraldo Vandré sofriaperseguições políticas. Ele foi proi-bido de executar a própria músicaem todo o país. Qualquer um pode-ria cantá-la, menos ele. Jair tinhamais liberdade, não enfrentou pro-blemas com a censura, nem precon-ceito, conta.

Apesar de todo o sucesso, dosdiscos gravados e das aparições naTV, o cantor continuava como crooner.Nas horas de folga ainda jogava fu-tebol nas várzeas do Pari e da Mooca.Ainda há quem lembre do rapaz ma-

O Jair é mais que umanjo da guarda, é meuamuleto da sorte. Elefoi a primeira pessoaque acreditou em mimcomo compositora.Ele é uma pessoa ím-par na minha vida,tenho por ele um ca-rinho todo diferencia-do, não só por ter gra-vado o hino da minhacarreira, ‘A Majesta-de, o Sabiá’, mas porser um grande artis-ta, um grande pai, um grande amigo, um grande parceiro, um mito daMPB. Devo muito a este sambista cheio de swing e, com certeza, ele merecetodas as homenagens do mundo.

Roberta MirandaCantora

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“Convivo com o Jair há mais de 30 anos. Profissionalmente estamos juntoshá 20. Nunca o vi de mau humor. É muito religioso. Não sobe ao palcosem antes fazer uma prece e sempre que pode vai à missa. O repertório édele, mas aceita sugestões, conselhos. Não há um show idêntico ao outro. Aexperiência como crooner deu a ele o jogo de cintura necessário para impro-visar, mexer com o público.

Pedro MelloCunhado e produtor executivo

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grinho da lateral esquerda. Em1967,porém, foi “despedido” pelos donos(e amigos) da boate Star D’Art quealegavam ter prejuízo nas noites emque ele não se apresentava. O públi-co ia lá só para vê-lo. Dali em diantesó poderia “dar uma canja” quandopudesse e quisesse.

Foi cantando na noite, aliás, quesurgiu aquele movimento das mãosna interpretação de Deixa isso pra lá.O cantor conta que se apresentavacom Hermeto Pascoal quando al-guém pediu a música. Ele, comHermeto, tentava relembrar a letraquando percebeu que o público imi-tava a gesticulação que fazia. A brin-cadeira fez sucesso e acabou incor-porada à interpretação de Jair.

Intérprete. É assim que ele sedefine. Um cantor capaz de passarpor todos os ritmos, embora o sam-ba seja o mais presente em sua car-reira. Jair é considerado até umrapper. A “descoberta” foi feita em1989, a caminho do Festival deMontreux, quando viajava com ou-tros brasileiros. O comentário foi fei-to por Herbert Vianna, do Paralamas

Jair é mais que irmão. Amigos são escolhidos e estamos juntos há mais de30 anos. Hoje, mesmo não sendo mais empresário dele, nossa amizade semantém. Sempre passo o Natal na casa dele. O cantor Jair Rodrigues nãoé um personagem que só ganha vida no palco. É a mesma pessoa, sejadiante do público, nos bastidores, em casa. Brincalhão, gozador, elétrico. Évaidoso, gosta de se vestir bem e de um bom perfume, mas além da voz,outra marca de Jair Rodrigues é pontualidade, coisa não muito comum nomeio artístico.Amaury PimentaEx-empresário

“Jair Rodrigues é o melhorsambista. É único. É umprofissional e um colegaformidável. Só gosta demúsica boa. Tenho muitorespeito pelo trabalho delee dos filhos. É uma famí-lia musical.

Cauby PeixotoCantor

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“Reverenciar o passado e o presente de um grande interprete é um honra

para qualquer profissional e é exatamente como eu me sinto lembrando

dos grandes momentos ao lado do Jair. Durante anos trabalhando ao seu

lado deu pra sentir a força da sua alma nas suas interpretações. A sua

concentração escondida e a alegria no palco foram momentos inesquecíveis.

Jair Rodrigues... coisas de Deus. Que lembranças lindas que eu guardo de

todos os momentos que juntos batalhamos defendendo o nascimento de uma

nova fase da nossa MPB. Abração velho companheiro.

Nilton TravessoDiretor, integrante da Equipe A, da Record que, ao lado de Antônio

Augusto Amaral de Carvalho, o Tuta, Manoel Carlos e Raul Duarte

criou programas que marcaram a televisão brasileira. Entre eles: “O Fino

da Bossa”, apresentado por Jair Rodrigues e Elis Regina

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“ Jair é um ícone da música nacional, exemplo de caráter e comprometimento. Sempre bem-humorado, alegre e diverti-do, sua trajetória na vida artística retrata com fidelidade a honestidade e dedicação também fora dos palcos. Nossahistória se encontrou através da música ‘A Majestade O Sabiá’, que, seguramente, foi uma das mais importantes danossa carreira e da dele também. Assim que essa música chegou em nossas mãos, percebemos que tinha tudo a vercom Jair Rodrigues. Mostramos e ele disse que só gravaria se cantássemos com ele. E assim nasceu nossa primeiraparceria. Mais adiante, tivemos o privilégio de nos encontrarmos novamente na gravação de seu DVD em comemo-ração aos 50 anos de carreira e 70 de idade, quando o convidamos para participar também do nosso terceiro DVDcomemorativo, ‘Chitãozinho & Xororó 40 Anos Sinfônico’ e, mais uma vez, foi maravilhoso dividir o palco comeste grande artista. Desejamos que continue a trilhar esta tão bem pavimentada história, porque só permanecem osque tem talento, força de vontade e, acima de tudo, profissionalismo e dedicação. Parabéns! Grande abraço.

Chitãozinho & XororóDupla sertaneja

do Sucesso, que fazia uma pesquisasobre a origem do rap no Brasil. Otrecho falado em Deixa isso pra lá,característico do rap, é o primeiroregistrado no cancioneiro nacional.Acabou regravado numa parceriacom o filho Jairzinho e Rappin Hood.

Jair Rodrigues faz questão de des-tacar o trabalho dos compositores,produtores e de todos aqueles quegostam, pesquisam e produzem mú-sica. Raramente cita uma melodiasem destacar os autores e lamentaque os novos talentos já não tenhamas mesmas oportunidades que ele

“ É um dos artistas com maior número de shows dentro e fora do país. Maisque um intérprete é um showman. Começamos a trabalhar juntos em 62.Nos discos que produzi com ele pela Polygram do Brasil (hoje UniversalMusic) cantou de samba a seresta. No Japão, ele quis cantar Deixa issopra lá em japonês. Pediu para traduzir, aprendeu a letra em japonês ecantou junto com a platéia. Na Suécia, diante de uma platéia fria, Jairdeixou o palco, sentou-se junto a uma mesa e provou o bife de um dosespectadores. Só assim, ele conseguiu fazer os suecos entrarem no clima doshow. Jair é assim, surpreendente. Um profissional como poucos, que sótem amigos.Armando PittiglianiPresidente da ASP Produções Artísticas e ex-produtor e diretor da Poliyram

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teve. A programação das rádios e daTV mudou muito e já não dá tantoespaço para o novo.

A história do cantor passa pelaevolução tecnológica. Do disco quetocava em rotação 78 aos CDs outocadores de mp3, muita coisa mu-dou. O rádio não usa mais válvulas,a TV ganhou cores e a programaçãode um e outro já pode ser acompa-nhada pelo computador, mas JairRodrigues não chega ainda a ser umaficionado dessas novidades, sentefalta das apresentações “ao vivo” norádio e dos musicais da TV. Na casade Cotia, ainda mantém uma fartadiscoteca original que vez ou outra é

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consultada pelos filhos e amigos. Aos72 anos de idade e 52 de carreira, ocantor se apresentou em todos oscontinentes, foi homenageado no 4ºPrêmio Tim de Música e indicado, em2006, para o Grammy Latino.

Festa para um Rei Negro cele-bra o cinquentenário de uma carrei-ra de sucesso, misturando ritmos econvidados mais que especiais: Pelé,Alcione, Jorge Aragão, Chitãozinhoe Xororó, Pedro Mariano, RappinHood, Simoninha, Max de Castro,Luciana Mello, Jair Oliveira e RodrigoOliveira. Jair e filhos estão ao ladodos herdeiros de Elis e Simonal,abençoados com o mesmo dom.

Louvo quem canta e não canta

Porque não sabe cantar

Mas que cantará na certa

Quando enfim se apresentar

O dia certo e preciso

De toda a gente cantar”

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Por: Eliane Almeida

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Ainda é preciso falar mais sobreZumbi para entender quão valiosa foisua participação no movimento orga-nizado dos escravos. Não, ele não foio único a se lançar na aventura da bus-ca da liberdade. Não, os africanos nãoagiram de maneira subserviente semreagir aos agressores que os tiravamde sua terra natal e os traziam paraum universo paralelo. Sim, é verdadeque os africanos praticavam a escra-vidão daqueles que perdiam suas guer-ras mas também é verdade que a di-nâmica da escravidão africana era bemdiferente daquela imposta pelos euro-peus. Não, não é verdade que o negroé racista com o próprio negro. Ape-nas reproduz aquilo que os quatro sé-culos de escravidão e o assédio moraldos poderosos sobre si constroem.

Ainda presa ao imaginário está aimagem do negro como tendo seu lu-gar marcado na sociedade, a margem.O direito de todo ser humano, a li-berdade, bradada aos quatro cantoscomo direito fundamental do ho-mem, nas paragens do século XVI eraprivilégio dos monarcas, da Igreja edos poderosos burgueses. Nem asmulheres tinham o direito a liberda-de. Tendo podadas todas as possibi-lidades de participação na sociedade.Mas possuíam uma vantagem: ostatus de ser humano.

Aos negros nem isso. Fato era queas bulas papais davam aos reis a au-torização da escravidão dos africanosapoiados em interpretações errône-as de passagens na Bíblia. Para a Igre-ja e para os europeus, os africanoseram naturalmente inferiores, equi-valentes a animais e sem alma. Por-tanto, a escravidão, o batismo força-do e o sofrimento os aproximava deDeus. Eles tinham que ser gratos pelabenevolência da Igreja.

Rebeliões Pré-ZumbiRebeliões Pré-ZumbiRebeliões Pré-ZumbiRebeliões Pré-ZumbiRebeliões Pré-ZumbiClóvis Moura, em sua obra “Qui-

lombos, resistência ao escravismo”,diz que onde havia escravidão haviaquilombos. Além da quilombagem,existiam outras formas de negação aoescravismo. Na ânsia pela liberdadeuns acabavam com a própria vida, ou-tros partiam para briga contra seus“donos” ou algozes, outros aindapreferiam fugir enfrentando todas asconsequências que a fuga lhe trariaindo procurar abrigo nos quilombos.

“Em Minas Gerais, Rio de Janei-

ro, Mato Grosso, Goiás, Pará, Pernam-buco, Alagoas, Sergipe, Maranhão,Rio Grande do Sul, São Paulo, ondequer que o trabalho escravo se es-tratificasse, surgia o quilombo oumocambo de negros fugidos, ofere-cendo resistência, lutando, desgas-tando em diversos níveis as formasprodutivas escravistas, quer pela suaação militar, quer pelo rapto de es-cravos das fazendas, fato que cons-tituía subtração compulsória dasforças produtivas da classe senho-rial”1, explica Moura.

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A organização militar era algoímpar neste movimento de negrosque teoricamente não tinham taisconhecimentos. Faziam também par-cerias com as vilas próximas aosquilombos mantendo uma organiza-da rede de informantes e de comér-cio. Os quilombolas eram imbatíveisnas armadilhas nas florestas. Era osangue ancestral ensinando aos seusos segredos da natureza.

Subserviência jamaisSubserviência jamaisSubserviência jamaisSubserviência jamaisSubserviência jamais

É triste ouvir, ainda hoje, que osnegros que “vieram” para o Brasil sedeixaram caçar, que os próprios ir-mãos de África os venderam. É co-

locar a culpa do crime no inocente.No livro “Negras Raízes”, clás-

sico da literatura negra americana,escrito por Alex Haley, o afroameri-cano busca suas raízes africanas echega a seu antepassado, KuntaKintê, que chega aos Estados Uni-dos como escravo.

Em toda a narrativa, Haley pintacom riqueza de detalhes um quadrode beleza infinita no que diz respeitoa vida de Kunta Kintê. Mas não nospoupa dos detalhes da violência dacaptura de seu antepassado.

“Os perfumes familiares das flo-res silvestres penetraram pelas nari-nas de Kunta enquanto corria, mo-

lhando as pernas no mato coberto deorvalho. Gaviões circulavam pelocéu, à procura de uma presa. Nas va-las ao lado das plantações, incontáveisrãs estavam coaxando. Ele desviou-se de uma árvore para não incomo-dar um bando de melros empoleira-dos nos galhos, como folhas pretas.Mas poderia ter-se poupado o traba-lho. Mal tinha passado pela árvore,ouviu uma algazarra furiosa. Virou acabeça a tempo de ver centenas decorvos expulsando os melros da ár-vore. (...) Ali, mais do que na mes-quita de Juffure, podia sentir comotodas as coisas e todas as pessoas es-tavam nas mãos de Alá. (...)

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“Estava se inclinando sobre umtronco que parecia bom para fazer seutambor quando ouviu o estalar de umgraveto, seguido pelo grito áspero deum papagaio. Era provavelmente ocachorro voltando, pensou Kunta, dis-traidamente. Mas recordou-se um ins-tante depois que nenhum cachorroadulto jamais quebaria um graveto.Virou-se bruscamente. Viu um rostobranco avançando em sua direção, umporrete levantado, outros passos so-ando mais atrás. Um toubob2! O pé deKunta ergueu-se agilmente e foi atin-gir o homem na barriga. Ele ouviu umgrunhido, no instante mesmo em quealgo duro e pesado lhe roçava a cabe-

ça e ia atingi-lo no ombro. Vergandosob a dor, Kunta virou-se, ficando decostas para o homem caído no chão eatacando com os punhos os rostos dosdois pretos que investiam em sua di-reção, com um saco grande nas mãos,além de outro toubob que brandia comum porrete curto e grosso. (...)

“(...) Kunta lutou de todas as for-mas desferindo socos, cabeçadas, jo-elhadas, mal sentindo os golpes doporrete em suas costas. Ao cair, sen-tiu um joelho acertar-lhe as costascom toda força fazendo-o sentir umador intensa e fazendo-o perder o fô-lego. A boca aberta encontrou carnee ele mordeu, rasgou.”

Estes trechos retirados do livrodescrevem uma, apenas uma das mi-lhares de capturas que foram realiza-das nos mais diversos locais do con-tinente africano. E depois disso,como acreditar que os negros se man-tiveram passivos, sem reação ao se-rem capturados?

Por que Zumbi?Por que Zumbi?Por que Zumbi?Por que Zumbi?Por que Zumbi?

Passividade nunca foi caracterís-tica do líder palmarino Zumbi. Tan-to que o mais jovem general da his-tória, tinha 17 anos quando se tor-nou o principal organizador das tro-pas palmarinas.

A definição que se encontra no

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Dicionário Aurélio para a palavraZumbi é, de acordo com lenda afro-brasileira, “fantasma que vaga pelanoite”. Também aparece como nomedo último líder do Quilombo de Pal-mares. Portanto, é possível concluirque a palavra de origem africanaaponta para um ser mitológico.

E é como ser mitológico que

Zumbi surge na História do Brasil.Com a certeza da existência de Zum-bi dos Palmares, não é possível duvi-dar de sua proximidade com o Divi-no. Filho do Quilombo dos Palma-res que era liderado por Ganga Zum-ba, o pequeno menino foi levado deseu mocambo,após um massacre,para a cidade de Porto Calvo, pelo

Padre Antônio de Melo.Lá ele foi batizado Francisco,

aprende a ler e escrever, aplica-se aosestudos da astronomia, matemática,História da Bíblia e Latim. Torna-secoroinha. Aos 15 anos, passa a con-testar sua vida e resolve fugir do pa-dre e retornar ao seu verdadeiro lar:Palmares. Sobrinho do rei GangaZumba, passa a ser o braço direitoda liderança e a utilizar seus conhe-cimentos nos treinamentos dos guer-reiros dos diversos mocambos queformavam Palmares.

A adoção do nome Zumbi nãofoi puro acaso. Enquanto definiçãode morto-vivo, o ex-coroinha Fran-cisco, bom como era na leitura dosastros e na utilização estratégica danatureza, por vezes parecia vencidoe depois reaparecia das cinzas tal quala Fênix dos sertões.

Zumbi deu trabalho aos senho-res de engenho. Com sua inteligên-cia, criava parcerias e abrigava emseus mocambos todos aqueles quepudessem contribuir para o desenvol-vimento da sociedade palmarina e fi-zessem prevalecer a ordem e a liber-dade de todos que ali viviam.

Foi morto aos 40 anos, em 1695,pelo bandeirante paulista DomingosJorge Velho, contratado pelos se-nhores de engenho por puro deses-pero. O nome do quilombo se for-talecia e a quantidade de escravosque fugiam para os mocambos eraimensa. A fuga dos escravos emmassa para Palmares estava atrapa-lhando demais os negócios. Algoprecisava ser feito.

Durante dois anos, o bandeiran-te investiu contra Palmares sem su-cesso. Até que no dia 20 de novem-bro de 1695, Zumbi é abatido numaemboscada. Seu nome é cantado em

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verso e prosa até os dias atuais tor-nando o mito do morto-vivo umarealidade.

Zumbi ainda viveZumbi ainda viveZumbi ainda viveZumbi ainda viveZumbi ainda vive

Em viagem pelo interior de SãoPaulo é possível encontrar comuni-dades quilombolas com seus Zumbis.Caso de referência é a comunidadede Ivaporunduva, na cidade de El-dorado Paulista, no Vale do Ribeira.Às margens do Rio Ribeira de Igua-pe é possível encontrar comunida-des formadas por descendentes di-retos de ex-escravos que são anterio-res a Palmares.

Ivaporunduva é a comunidadequilombola mais antiga da região efoi formada a partir da doaçãoo dasterras pela sua dona quando de suaviagem sem volta para as Minas Ge-rais na busca pelo ouro. Na região,

na época chamada Xiririca, a extra-ção do ouro de aluvião (pequenaspartículas de ouro misturadas à areiado fundo do rio) era a maior fontede renda dos senhores de escravos.Com a descoberta de ouro em pepi-tas nas Minas Gerais, muitos senho-res de escravos deixavam suas “pe-ças” para trás comprando novasquando chegassem ao seu destino.

Fomos ao encontro dessa Palma-res Paulista. O Rio Ribeira nos sepa-ra de Ivaporunduva. É em uma ca-noa feita de tronco de árvore queacontece a travessia. Frio na barrigae um medo terrível de cair naquelasaguas onde tantos já morreram. Lon-ge de nos encontrarmos de perto anação d’agua de onde muitos descen-dem e que conta a lenda, existe umpovo negro como “tiziu” que “vévi”no fundo do Ribeira.

A capela da Nossa Senhora doRosário dos Homens Pretos construí-da por escravos ha mais de 400 anos,localizada em um ponto bastante vi-sível para quem está na outra margemdo rio, dá à vila um ar bucólico. Suasimplicidade arquitetônica não des-favorece sua importância como mar-co histórico da comunidade. Dizemos mais velhos que em sua estruturaexiste um tesouro escondido, foramos escravos que esconderam bem es-condidinho. Ninguém nunca achounada. E eles procuraram...

A canoa se aproxima do cais. Paraprender a canoa a margem, apenasum bambu fincado na terra batida.Esse mesmo bambu serve de apoiopara aqueles que não possuem muitaexperiência em entradas e saídas decanoas. Colocamos os pés em Ivapo-runduva embaixo de sol quente. É

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com curiosidade que os quilombolasnos olham. “Bom dia”, dizem uns.Outros apenas nos fitam e cochi-cham. De certo a curiosidade so-bre nós, pessoas estranhas, étão grande quanto aquela quesentimos a respeito deles.

O barqueiro, senhorJosé Adair, nos explica quenormalmente os visitantesvem em datas marcadas e acomunidade já está sabendoque eles virão. Não é o nossocaso. Foi de surpresa que che-gamos em Ivaporunduva, comu-nidade quilombola da cidade deEldorado Paulista, interior do esta-do de São Paulo. Estima-se que naregião existam em torno de cinquen-ta comunidades rurais negras. Essascomunidades estão em luta constan-te contra a construção de barragensna cabeceira do Rio Ribeira deIguape o que acarretaria na inunda-ção de todas as comunidades tradi-cionais que vivem na região. Ficariatudo submerso. “Vai ficar tudo nofundo”, como dizem eles.

Entramos no “buteco” perto damargem do rio onde tomamos umabela tubaína gelada. Senhor JoséAdair bastante solicito, nos diz queo líder da comunidade, o Ditão (eacredite, ele é “ão” mesmo), estavano sertão com uns pesquisadores daUnicamp.

A Universidade de Campinas(Unicamp) desenvolve diversos tra-balhos em Ivaporunduva afim decriar técnicas de aproveitamento sus-tentável dos recursos naturais da co-munidade. Estavam capacitando al-guns quilombolas no trato com asabelhas para a produção de mel.

Após saciarmos nossa sede, nossentamos à porta da igreja para nos

proteger do sol. O calor aumentan-do, a fome batendo. Sai do meio domato um homem negro dentro deuma roupa branca. Calça comprida,camisa de mangas também compri-das e um chapéu com uma rede quelhe protegia o rosto. Só se percebia acor de sua pele sem poder, no entan-to, definir-lhe as feições. Era Ditão,o líder da comunidade.

Fomos ao seu encontro. O intui-to da visita era desenvolver uma pes-quisa sobre a cultura da comunida-de. Buscamos encontrar naquela co-munidade subsídios para um pensa-mento cientifico em relação a essanova realidade que para nós se apre-sentava, também em busca de um “eunegro” uma origem, uma busca peloontem, nosso ontem. Ontem sofri-do, envergonhado, discriminado.

Vimos na feição daquele líder aforça que só emana de um grandehomem. Grande mesmo. Sua pele ne-gra contrasta com a “indigeneidade”de seus traços. Seus cabelos grisalhoslhe dão ainda mais autoridade. Seusolhos rasgados dão mostra da proxi-

midade do índio na miscigenação lo-cal. Homem de poucos sorrisos e pou-

cas palavras espera de nós o moti-vo pela visita surpresa.

Pedimos a permissão parao desenvolvimento do traba-lho. A resposta foi negati-va. Havia muita coisa acon-tecendo na comunidade,organização da festa daNossa Senhora do Rosario,

reuniões com as faculdadescom projetos ja em andamen-

to na comunidade, portanto nãoseria possível.

Decepcionados, atravessamos orio de volta. Senhor José Adair comtoda gentileza nos trouxe deliciososmamões colhidos em seu terreiro.Sempre com um sorriso nos lábios,o barqueiro quilombola nos convidaa participar da festa da Nossa Senho-ra do Rosário dos Homens Pretos nodia 12 de outubro. Eram meados deagosto (2001). Ele nos explica queessa é a grande festa quilombola ondehá missa, procissão, bingo e forró anoite toda. Diz-nos também que éum momento onde pessoas das maisdiversas comunidades se reúnem.Oportunidade impar.

Foi com a certeza de que volta-ríamos que deixamos Ivaporundu-va. Um gostinho de quero mais naboca. Tivemos a sensação de que ha-víamos conversado com Zumbi emum dos mocambos de Palmares. Emseu reino, pleno na certeza de seupapel de liderança, Ditão fica paratrás. Dentro de nós a fé no gigantis-mo daquele homem negro que tan-to nos impressionou.

1 Clóvis Moura. Quilombos, Resistência ao escravismo, p. 14.2 Toubob era o nome dado para definir os caçadores brancosque sequestravam os africanos e os vendiam como forca detrabalho escravo.

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O Dia da Consciência Negra éuma data fundamental para a socie-dade refletir sobre avanços na promo-ção da igualdade racial. Momento queganha importância ainda maior em2011, declarado Ano Internacional doAfrodescendente pela ONU.

O Governo do Estado tem pro-movido diversas políticas públicasvoltadas à população negra. O Cen-tro Paula Souza oferece, desde 2006,bônus a afrodescendentes e candida-tos vindos do ensino público em suasprovas classificatórias. No total, osacréscimos nas notas podem chegara 13% tanto para o ensino técnico,com as Etecs, quanto para o ensinotecnológico, com as Fatecs.

Em 2011, lançamos o projeto SãoPaulo contra o Racismo, coordena-do pela Secretaria da Justiça e daDefesa da Cidadania. Envolve parce-rias com prefeituras e divulgação daLei Estadual nº 14.187/10 que deter-mina penalidades administrativas rí-

gidas a pessoas e empresas que prati-carem atos de discriminação racial,incluindo servidores públicos.

Por sinal, o anúncio do projetofoi feito por mim na Faculdade Zum-bi dos Palmares, durante o Dia In-ternacional de Luta pela Eliminaçãoda Discriminação Racial. A institui-ção, que é símbolo do acesso negroao ensino superior, tem total apoio eé parceira do Governo do Estado emcursos e iniciativas voltadas à melho-ria da educação.

O Governo do Estado tambémdesenvolve um trabalho importanteem relação a comunidades quilom-bolas. Atualmente, 28 já foram reco-nhecidas oficialmente e 3 estão emfase de reconhecimento. Além disso,6 comunidades já receberam os títu-los de propriedade. Os investimentosnessas áreas ultrapassam R$ 3 milhões,abrangendo infraestrutura, melhoriasno sistema de abastecimento de águae projetos de capacitação profissional.

Também foram construídas 150moradias quilombolas e estão emfase de projeto mais 34 unidades,todas com recursos estaduais. Essasmoradias são entregues gratuita-mente às famílias.

Na área cultural tivemos impor-tante avanço com a transferência doMuseu Afro Brasil para a administra-ção do Governo Estadual. O equi-pamento, idealizado pelo artista plás-tico Emanoel Araujo, conta com ricoacervo sobre a cultura e a arte negra.

Acredito que o Dia da Consciên-cia Negra é um momento de partici-pação de toda a sociedade numa cau-sa comum. Ocasião em que se deveter a plena percepção de que não hádesenvolvimento sem a oferta gene-ralizada de educação, empregos, sa-lários e cultura. O compromisso doEstado de São Paulo é ampliar o aces-so de oportunidades para todos.

*Geraldo Alckmin é governador do Estado deSão Paulo.

*Por Geraldo Alckmin

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Chamavam à primeira igreja de matriz.

Não matriz dos seios fartos de leite,

Mas de fé transbordante na divindade do Cristo.

Eu não tinha tanta fé assim na liturgia da missa

Nem nos milagres dos entristecidos santos,

Mas no som dos sinos a tinir solenes

nos ouvidos da praça.

Ainda assim a minha fé no som dos sinos

Não era maior que a minha ligação no batuque

Dos pés dos escravos a clamar por abolição

Nos versos que eu lia desse meu deus-poeta

Que foi Antônio de Castro Alves.

Cada poema era em si mesmo uma catedral,

E nessas tantas catedrais de Castro Alves

Foi que dobrei os meus joelhos de crente radical

na liberdade.

Deus-poeta*Por Carlos Ayres Britto

*Carlos Ayres Britto é ministro do Supremo Tribunal Federal.

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*Sérgio Cabral é governador do Estado do Riode Janeiro.

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*Por Sérgio Cabral

pioneira, mostra-se um sucesso. Ago-ra, com essa política de cotas nosconcursos estaduais, a paisagem doserviço público brasileiro começaráa mudar a partir do Rio de Janeiro.

O nosso governo desenvolvetambém uma série de programas deinclusão social voltados para segmen-

tos discriminados da população flu-minense. O programa Renda Me-lhor, da Secretaria de AssistênciaSocial e Direitos Humanos, foi apre-sentado especialmente ao movimen-to negro para que os representantesdesse segmento pudessem encami-nhar as famílias que ainda vivem naextrema pobreza para a inclusão noCadastro Único.

Nesse momento importante queo Rio vive, também estamos buscan-

“Os negros foram vítimas de pre-conceito durante séculos no Brasil,racismo que infelizmente ainda en-contra eco em nosso país e que deveser combatido de forma incansável.É dever da administração pública in-vestir em ações que busquem a igual-dade de oportunidades no mercado

de trabalho. Foi por isso que em ju-nho deste ano nós assinamos umdecreto que reserva 20% das vagaspara negros e índios nos concursospúblicos do Estado, garantindo a elesmaior acesso ao serviço público.

É importante lembrar ainda queo Estado do Rio de Janeiro foi o pri-meiro a estabelecer cota para negrose índios na universidade pública, e apolítica de cotas da Universidade doEstado do Rio de Janeiro (UERJ),

do a inserção dos negros nos gran-des eventos esportivos que o nossoEstado receberá. Já assinamos juntoao Governo Federal um protocolo deintenções para promover oportuni-dades aos negros nas atividades queenvolvem a realização da Copa doMundo de 2014 e dos Jogos Olímpi-

cos de 2016. A ideia é criar estratégi-as que serão adotadas tanto pelosórgãos públicos como privados, e, éclaro, pela sociedade como um todo,durante a estruturação dos jogos,para combater o racismo e promo-ver a igualdade de oportunidades paratodos os cidadãos.”

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Todos os anos comemora-se oDia Nacional da Consciência Negra.Na verdade, é uma semana inteira deatividades, quando se celebra e serememora a heróica resistência donegro, desde o primeiro navio detransporte de escravos vindos daÁfrica. Nesse dia, 20 de novembro,no longínquo ano de 1695, morria omaior dos combatentes da liberdadenegra, Zumbi dos Palmares. Por isso,com inteira justiça, a data foi esco-lhida. E depois consagrada em lei, emjaneiro de 2003.

A semana toda é dedicada a fes-tejos e promoções culturais, comopalestras, eventos educativos e deba-tes em torno de temas caros a todosnós, como a inserção do negro nomercado de trabalho, o combate atodo tipo de discriminação por racis-mo, a identificação de etnias, e ou-tras atividades ligadas a manifesta-ções diversas como a música, a gas-tronomia, a moda e a beleza negras,que tão profundamente marcam acultura brasileira.

A abolição da escravatura chegouem 1888. A discriminação, no entan-to, não acabou aí. Na maioria das ati-vidades brasileiras, a presença de per-sonagens negras ainda é pequena. E

não é por falta de figuras de relevo.Por que, então? Porque, embora mi-tigada, persiste em nosso país a in-justiça racial. E é no combate contraessa injustiça que todos nós, brasilei-ros, devemos nos unir, pois todos so-mos responsáveis.

A Prefeitura da cidade de SãoPaulo está presente nessa luta. Temosorgulho do trabalho realizado, porexemplo, pela Comissão Municipal deDireitos Humanos, que tem comomissão defender, proteger e promo-ver os direitos de todos, bem comofomentar a inserção do tema nas po-líticas públicas do município. E den-tro dessas atividades, sobressaem asações do Centro de Referência emDireitos Humanos de Prevenção eCombate ao Racismo – CONE, ór-gão ligado à Secretaria de Participa-ção e Parceria.

Um dos principais compromissosda CMDH e do CONE é com a dig-nidade humana e com a defesa porum tratamento igualitário a todas aspessoas, independentemente de raça,cor, credo, local de origem ou condi-ção financeira. Para tanto, é de se sa-lientar o trabalho realizado pelo Bal-cão de Atendimento da Comissão,em constante atividade no prédio do

Pátio do Colégio, para onde acorremtodo tipo de pessoas, com as maisvariadas demandas. Lá são atendidaspessoas em situação de rua, imigran-tes vindos de diversas partes do mun-do – mas principalmente do conti-nente africano –, egressas do siste-ma penitenciário, moradores de cor-tiços e favelas e outras.

O CONE tem seu trabalho divi-do em duas partes: a prevenção e ocombate. Como parte da primeira,promove debates, palestras fóruns eoficinas com o objetivo de sensibili-zar a sociedade na importância dadefesa dos direitos humanos dos ne-gros e na luta contra a discriminação.No segundo setor, o de combate,dedica-se ao atendimento e acompa-nhamento e encaminhamento jurídi-co e psicossocial para os casos de-nunciados de discriminação.

Não é muito, sabemos. Mas é umtrabalho constante e persistente que,se não resolve o problema que se pro-põe a atacar, consegue pelo menosconter suas consequências mais do-lorosas. E as pessoas que se dedicama enfrentá-lo têm todas, tenho certe-za, um pouco do denodo estóico doherói Zumbi.*Gilberto Kassab é prefeito da cidade de São Paulo.

*Por Gilberto Kassab

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Por Eduardo Matarazzo Suplicy

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Em março último recebi a visitada primeira juíza negra do Brasil,Luislinda Dias Valois dos Santos.Neta de escravo, filha de motorneirode bonde e lavadeira, Luislinda de-cidiu ser juíza aos nove anos de ida-de, quando um professor a humi-lhou dizendo que lugar de negracomo ela era na cozinha de branco,fazendo feijoada, e não na escola.Ela ingressou na carreira públicacomo datilógrafa. Como magistrada,pautou sua vida na defesa da popu-lação mais carente e oprimida, e naconstrução de justiça social. Em1993, proferiu a primeira sentençabrasileira contra o racismo. Em2009, lançou seu primeiro livro, O

Negro no Século XXI. Em 2010, foinomeada Desembargadora Substitu-ta do Tribunal de Justiça da Bahia.

Ela se interessou muito em co-nhecer a lei que institui a renda bá-sica de cidadania que, na minha a-valiação assim como na de muitaspessoas da comunidade negra, aexemplo da mãe Silvia de Oxalá, doaxé Ilê Oba - no Jabaquara em SãoPaulo, quando adotada contribuirámuito para dar maior dignidade e li-berdade para todas as pessoas.

A juíza Luislinda leu meu livro“Renda de Cidadania - A Saída é PelaPorta”, estudou o assunto, e me per-guntou o que falta para a sua efetivaaplicação no Brasil uma vez que já foi

aprovada pelo Congresso Nacional.Eu expliquei que, segundo a lei, a ren-da básica de cidadania se tornará umarealidade quando for este o desejo dopoder executivo. Então ela resolveuescrever uma carta à presidenta DilmaRousseff, da qual destaco os seguin-tes pontos neste extrato:

“É com imensa honra que me dirijo aVossa Excelência imbuída da missão defalar, nesta carta, em nome de milhares desem-vozes e sem-rendas espalhados pelasperiferias da Bahia.

... É inegável que o bolsa família trouxedignidade a muitas pessoas que não tinhamsequer o que comer. Milhões de brasileirosforam beneficiados e hoje fazem três refei-ções por dia. Em contrapartida, as crianças

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permanecem mais tempo na escola.... Tanto no âmbito político-econômi-

co quanto no social-cultural temos as con-dições necessárias de aprofundar essa re-volução que visa transformar o Brasil emum país de todos. É o momento certo defazermos o bem, de fazermos valer a Lei10.835/2004, de autoria do senadorEduardo Matarazzo Suplicy.

... Com uma renda básica de cidadaniadaríamos adeus não só à pobreza e à fome,mas ao trabalho escravo e desumano que vi-tima milhares de brasileiros. Daríamos adeusao triste cenário das crianças que buscam umarenda nos sinais vermelhos; das mulheres quemendigam com filhos no colo nas sarjetas;

dos idosos que se humilham por um trocadoqualquer de porta em porta.

... É muito fácil de a população com-preender o princípio de que todos nós deve-mos participar, pelo menos de uma parte,da riqueza comum da nação. Eliminare-mos qualquer burocracia em se ter que sa-ber quanto cada pessoa ganha no mercadoformal ou informal. Acabaremos com qual-quer estigma ou sentimento de vergonhade a pessoa precisar dizer que não recebe osuficiente para ter que receber o benefício.Não haverá mais o fenômeno da depen-dência que causa as armadilhas da pobre-za ou do desemprego decorrentes dos siste-mas em que o benefício é vigente apenas

até certo patamar de renda.... É do ponto de vista da dignidade e

da liberdade real do ser humano que a ren-da básica de cidadania apresenta a suamaior vantagem. Para a jovem que, por fal-ta de alternativa para a sua sobrevivência,resolve vender o seu corpo, ou para o jovemque, pela mesma razão, resolve ser um mem-bro da quadrilha de narcotráfico, a exis-tência da renda básica de cidadania lhespermitirá dizer : não, daqui para frente, eue as pessoas de minha família temos pelomenos o necessário. Poderei aguardar, quemsabe fazer um curso profissional, até queconsiga encontrar um trabalho mais de acor-do com a minha vocação.

...Com a descoberta do pré-sal e a ex-ploração de outras tantas riquezas natu-rais - que pertencem aos filhos deste solo -o pagamento de uma renda básica de cida-dania pode se tornar possível. O modelode parceria público-privada adotado noPrograma de Aceleração do Crescimentotambém pode ser uma forma de viabilizaresse pagamento.

Vossa Excelência tem uma grandeoportunidade nas mãos: aplicar a rendabásica de cidadania e transformar o Bra-sil em uma vitrine de desenvolvimento so-cial para o restante do planeta que tem namiséria um de seus principais desafios.

Precisamos, sobretudo, de uma justi-ça distributiva, capaz de transformar umpaís, ainda assolado pela desigualdade, emuma nação. Para isso, toda discriminação,inclusive a socioeconômica, deve ser defini-tivamente extinguida.

Não tenho dúvidas de que a implan-tação da renda básica de cidadania podeser a ação precursora de uma nova civili-zação, mais justa e igualitária. Tambémtenho certeza de que Vossa Excelência éa pessoa certa, no lugar certo e na horacerta no tocante à aplicação desta Lei.”

*Eduardo Matarazzo Suplicy é Senador daRepública (PT/SP).

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Juíza Luislinda Dias Valois dos Santos.

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Quem chegar a cidade de Uniãodos Palmares para conhecer o Mu-seu de Zumbi ouvirá na entrada umamensagem com a minha voz e a deDjavan. Tive a honra de receber o tí-tulo de Comendadora do Estado deAlagoas e o privilégio de cantar na-quela Serra.

Tais fatos extraordinários sóaconteceram em função de minhaluta permanente contra o racismo,nos 36 anos de carreira artística. Fizda arte um instrumento de denúnciasocial e acolhimento dos menos fa-vorecidos. Agora estou deputada porSão Paulo. Orgulho-me de ser a se-gunda mulher negra a ocupar umacadeira numa Assembleia legislativaque tem 173 anos. A primeira foi a

Dra. Theodosina Ribeiro.Sabemos que em novembro, mês

da Consciência Negra, as atenções sevoltam para o povo da nossa etnia.Sinceramente queria que esse focoacontecesse o ano inteiro. No dia 20de novembro celebramos a luta con-tra a escravidão e a resistência herói-ca de Zumbi dos Palmares, o primei-ro general de verdade da História doBrasil. Sua estratégia e sua bravura emdefesa da liberdade são indiscutíveis.

Ainda que a História oficial es-conda as conquistas do nosso povo,as entidades do movimento negrocada vez mais atuam no sentido deexigir a reparação das nossas perdas,reivindicar a inclusão e o acesso denossos jovens às universidades, de-

nunciar o racismo institucional, en-frentar a discriminação nas empresasmultinacionais e diminuir a presençado nosso povo nas cadeias.

O presidente Luiz Inácio Lula daSilva atendeu ao pedido do movi-mento negro e criou a Seppir (se-cretaria Especial de Políticas de Pro-moção da Igualdade Racial) para quetivéssemos acento no Poder Exe-cutivo. Entretanto, estamos poucorepresentados no Congresso Naci-onal, nas Assembleias Legislativas enas Câmaras Municipais.

Falta-nos EMPODERAMEN-TO, de fato. Se somos mais da meta-de da população brasileira temos odireito de sentar à mesa das decisõesdo país. Somente assim teremos

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*Por Leci Brandão

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avanços na Educação, na Saúde, naHabitação e mormente no mercadode trabalho.

É importante lembrar que outrasidentidades da nossa etnia precisamser reafirmadas e respeitadas. As reli-giões de matriz africana tem que terliberdade. Estão proibindo suas ma-nifestações de todas as formas.

O Samba e o Hip Hop precisamde mais visibilidade por parte dosgestores de cultura. Afinal, eles ele-vam a autoestima do povo negro. Te-lejornais, novelas, comerciais de TVdeixam de enxergar a importânciadesses segmentos que trazem espe-rança através da arte cidadã.

Rodas e comunidades de sambaem São Paulo, um fenômeno que nasperiferias e no interior do Estado,aglutinam a população celebrandocompositores antigos, revelando no-vos músicos, instrumentistas e lide-ranças. Movimentos espontâneos quetrazem arte educação e cidadania ins-pirados em um gênero musical deorigem afrobrasileira.

Não poderia deixar de saudar,mais uma vez, a militância afrobra-sileira que, ao longo dos anos, or-ganizou e fortaleceu a luta pelaigualdade racial e conquistouinstrumentos importantes naestrutura do estado brasilei-ro. Foi o protagonismo negroque se preparou, agiu, intera-giu e construiu as ba-ses para atingirmos anossa liberdade. 20 denovembro é dia de rea-firmar a nossa luta, mas écotidianamente que vamosconstruir uma sociedade justa ecom dignidade para todos.

*Leci Brandão, cantora e deputada estadual (PCdo B/SP).

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Em 20 de novembro de 1695,Zumbi, o último líder do quilombodos Palmares, é morto pelos escra-vocratas. O quilombo que resistiu pormais de cem anos entra na fase deextinção. Naquela cidadela de resis-tência à escravidão, viviam em comu-nhão, negros, indígenas e não negrosperseguidos pela Colônia. Chegaramser mais de vinte mil habitantes. Adestruição física do quilombo dosPalmares foi uma derrota. Contudo,o sonho de liberdade, de se colocarfim a escravidão de africanos ficoudormitando. Assim, passados quaseduzentos anos da epopéia de Palma-res, a luta pelo fim da escravidão foipara as ruas do Brasil. O movimentoabolicionista ganha os corações e asmentes e finalmente, em 13 de maiode 1888, é aprovada a Lei áurea. Éiniciada a colheita dos frutos semea-dos em Palmares. Porém, a lei Áureanão veio acompanhada de mecanis-mos de inclusão, para assegurar aosex-cativos as oportunidades que fo-ram dadas aos imigrantes europeus.

Passados cento e vinte e trêsanos desde a abolição, a populaçãode pretos e pardos brasileiros so-mam 51,2%. O país incorporou aoseu arcabouço jurídico legislações,não penais, para a população negra

que merecem destaque. A lei 10639/2003, que institui o ensino da His-tória e Cultura Afro-brasileira é umadelas. Sua importância reside, den-tre os inúmeros aspectos, em esti-mular o debate sobre a formação danação e da identidade nacional, e, acontribuição do negro para a cons-trução do Estado brasileiro. Valeressaltar a lei 12288, que dispõe so-bre o Estatuto da Igualdade Racial,primeira legislação, desde 1888, quebusca criar as possibilidades para re-parar um pouco das desigualdadesraciais. Há quem diga que os pro-blemas existentes no Brasil são ape-nas sociais. Um discurso de cabra-cega que ignora o desenvolvimentodesigual do País. Também ignoraque somente os negros foram escra-vizados. A lei 12288 incorpora aomundo jurídico brasileiro o institu-to das Ações Afirmativas, que sãoos programas e medidas especiaisadotadas pelo Estado e pela inicia-tiva privada para a correção das de-sigualdades raciais e para a promo-ção da igualdade de oportunidades.

A matriz cultural africana quetem nas religiões afro-brasileiras asua expressão mais legítima, a capo-eira, a gastronomia afro-brasileira, as1715 comunidades dos remanescen-

tes dos quilombos certificadas, en-contram no Estatuto da IgualdadeRacial a proteção e promoção, quenão é encontrada em nenhum outrodiploma legal. Através das AçõesAfirmativas o Estado e a iniciativaprivada, podem reservar cotas nosconcursos e demais processos de se-leção para o ingresso de negras e ne-gros. Empreendedorismo, proteçãoà saúde, acesso aos financiamentospúblicos, presença nas peças de pu-blicidade e meios de comunicação,dentre outras possibilidades, constamdo Estatuto da Igualdade Racial e dãovigor a um diploma novo, que preci-sa ser apropriado pela nação, para queesta exija seu cumprimento.

É o início de uma longa caminha-da, que a nação precisa percorrer, nosentido de reparar o mais bárbaro detodos os crimes: a escravidão de afri-canos e de seus descendentes brasi-leiros. O sonho dos quilombolas dePalmares haverá ser uma realidade.

O Brasil está avançando para aconstrução da igualdade de oportu-nidades entre todos os filhos da na-ção. Valeu Zumbi!

*Elói Ferreira de Araújo é presidente daFundação Cultural Palmares.

*Por Elói Ferreira de Araújo

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Palestra do então presidente da Frente Negra, Justiniano Costa. Além da bandeirado Brasil a mesa também está coberta com a bandeira da Frente Negra.

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cioAlmoço da Frente Negra. Integrantes com uniforme branco faziam parte da Banda Frentenegrina.

Há exatos 80 anos, era criada aFrente Negra Brasileira, uma das pri-meiras organizações no século XX aexigir igualdade de direitos e partici-pação dos negros na sociedade doPaís. Sob a liderança de Arlindo Veigados Santos, a organização tinha porobjetivo desenvolver diversas ativida-des de caráter político, cultural e edu-cacional para os seus associados. Re-alizava palestras, seminários, cursosde alfabetização, oficinas de costurae promovia festivais de música.

Criada em 16 de setembro de 1931na cidade de São Paulo, a Frente ga-nhou adeptos em todo o Brasil, inclu-sive o jovem Abdias do Nascimento.Seguindo o propósito de discutir o ra-cismo, promover melhores condiçõesde vida e a união política e social da“gente negra nacional”, a entidadeteve filiais em diversas cidades paulis-

tas e nos estados da Bahia, MinasGerais, Pernambuco, Espírito Santoe Rio Grande do Sul. Estima-se que aFrente Negra Brasileira tenha chega-do a aproximadamente cem mil mem-bros em todo o País.

A Frente Negra chegou a publi-car o jornal A Voz da Raça, em 1933,cuja sede ficava na Rua da Liberdadeem São Paulo, Capital.

Com esses objetivos, em 1936 aFrente Negra se registrou como par-tido político. O golpe de 1937 colo-cou todos os partidos políticos na ile-galidade. Reprimida pelo governo deGetúlio Vargas a organização se de-sintegrou. Seus militantes ainda ten-taram a sua reorganização com a fun-dação da União Negra Brasileira, porRaul Joviano, um dos fundadores dafrente Negra. No entanto, a situaçãogeral do país era de repressão via atos

subversivos. O jornal A Voz da Raçadeixou de circular. A censura foi im-posta a todos os órgãos de impren-sa, e a União, que procurou substi-tuir a Frente, extinguiu-se, em 1938,exatamente quando se comemora-vam 50 anos da Abolição.

A Frente Negra, o primeiro mo-vimento de inserção do negro napolítica, ofereceu à população mar-ginalizada possibilidades de organi-zação na luta em combate ao racis-mo. A Frente Negra foi o primeiromovimento de massas no períodopós-abolicionista que possibilitou aintervenção do negro na política. Foiuma grande mobilização negra e suatrajetória é um capítulo importanteda história do povo afrobrasileiro.

Os integrantes da Frente Ne-gra foram pessoas que desbrava-ram um território no qual o negro

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ainda não tinha acesso e fizeramdeste ato um marco para todas asfuturas gerações. Criou-se, ainda,uma milícia frente-negrina, uma or-ganização paramilitar. Os seus com-ponentes usavam camisas brancas erecebiam rígido tratamento, como sefossem soldados.

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A primeira deputada negra do Es-tado de São Paulo, Theodosina Ribei-ro, falou com exclusividade sobre a par-ticipação do pai na Frente Negra, JoséInácio do Rosário um dos integrantesda Frente Negra. Na ocasião com re-sidência fixada no interior paulista,mais precisamente na cidade de RioClaro, José Inácio se deslocava até acapital paulista para participar das reu-niões da Frente Negra. “Apesar de sermuito pequena na época que meu paiparticipou da Frente Negra. O que fi-cou para mim é que ele sempre foi umapessoa muito conscientizada sobre a con-dição do negro no campo da política.Ele acreditava que assim como as ou-tras etnias, o negro também precisavaparticipar da tomada de decisões noBrasil”, declarou Theodosina.

Tamanho envolvimento com a po-lítica interferiu na vida de Theodosina,de forma a fazê-la também sentir pro-ximidade com questões políticas.“Quando criança absorvi essa influên-cia vinda do meu pai. Se uma criançafaz parte de uma família de atletas écomum que tenha afinidade com o es-porte”, comparou a ex-deputada. Des-ta forma o ingresso ao MDB já na vidaadulta ocorreu de maneira muito na-tural. “Quando recebi o convite paraparticipar da política não fiquei sur-presa. Foi algo que teria de acontecerem algum momento”, explicou.

Muitos não compreendiam osobjetivos do grupo. Diziam que elesestavam fazendo “racismo ao con-trário”. No entanto, com o tempo,os membros da Frente Negra fo-ram adquirindo a confiança nãoapenas da comunidade, mas de todaa sociedade paulista. Os membros

possuíam uma carteira de identida-de expedida pela entidade, com re-tratos de frente e de perfil. Quandoas autoridades policiais encontravamum negro com esse documento, res-peitavam-no porque sabiam que naFrente Negra só entravam pessoasde bem.

O sucesso nas urnas foi a respostaaos anseios do povo brasileiro que elegeuTheodosina como a segunda vereadoramais votada em São Paulo e, posterior-mente, a quinta deputada estadual, maisvotada, sendo a primeira negra a ser elei-ta para o cargo, em 1970. “Uma negra,até então desconhecida, que depois che-gou a ser presidente da Assembléia Le-

gislativa”, recorda.Atualmente Theodosina faz par-

te da Associação de Parlamentares,como conselheira. Ocupação a qualexerce também no Conselho Consul-tivo da Faculdade Zumbi dos Palma-res. Além disso, continua ligada a Or-dem dos Advogados de São Paulo,como sócia advocatícia.

Memór ias . . .Memór ias . . .Memór ias . . .Memór ias . . .Memór ias . . .

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Theodosina Ribeiro, primeira vereadora negra e primeiradeputada estadual negra de São Paulo.

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*Por Flávia Piovesan

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Recente pesquisa do IBGE emcinco estados e no Distrito Federalconstata ser a distância entre a es-colaridade dos pais e filhos maiorentre negros que entre brancos. Aproporção de filhos negros com 12anos ou mais de estudos é quatrovezes maior que de suas mães e trêsvezes maior que de seus pais. Con-clui o IBGE que um nível mais altode escolaridade entre negros come-ça a transformar a realidade brasi-leira. Revela ainda que jovens de to-das as raças estão tendo mais aces-so à escola.

Ao lado destes avanços, contudo,a pesquisa demonstra que a desigual-dade racial na educação persiste.Menos de um em cada dez filhos denegros completou o ensino médio,enquanto que, no caso dos brancos,um em cada quatro tinha pelo me-nos 12 anos de estudos. Para Marce-lo Paixão, remanesce o desafio de ofilho do analfabeto chegar a doutor,tanto do branco como do negro, mas“o grande salto será quando os anosde estudo de brancos e negros seequipararem”.

Como enfrentar a desigualdaderacial na educação? Qual deve ser oalcance das medidas estatais (na es-fera dos poderes Executivo, Legisla-tivo e Judiciário) na promoção daigualdade racial? Deve o Estado man-ter-se indiferente às diferenças? Aneutralidade estatal implicaria perpe-tuação da desigualdade racial? Quaisdevem ser os limites e as possibilida-des do protagonismo estatal no com-bate à discriminação e na promoçãoda igualdade racial?

Os instrumentos internacionaisde combate à discriminação racialconsagram duas estratégias: a) a es-tratégia repressiva (que tem por ob-

jetivo proibir, punir e eliminar adiscriminação racial); e b) a estra-tégia promocional (que tem por ob-jetivo promover e fomentar a igual-dade racial).

Na vertente repressiva, há a ur-gência em se erradicar todas as for-mas de discriminação racial na edu-cação. Se o combate à discriminaçãoracial é medida emergencial à imple-mentação da igualdade, todavia, porsi só, é medida insuficiente.

É necessário combinar a proibi-ção da discriminação com políticascompensatórias que acelerem o pro-cesso de construção da igualdaderacial. Para assegurar a igualdade nãobasta apenas proibir a discriminação,pois a proibição da exclusão, em simesma, não resulta automaticamen-te em inclusão. Logo, não é suficien-te proibir a exclusão, quando o quese pretende é garantir a igualdade defato, com a efetiva inclusão social degrupos que sofreram e sofrem vio-lência e discriminação. Daí serem es-senciais as estratégias promocionaiscapazes de estimular a maior inser-ção e inclusão de negros na educa-ção brasileira.

Neste cenário, as ações afirmati-vas surgem como medidas necessá-rias e legítimas para compensar o le-gado de um passado discriminatório.Devem ser compreendidas não so-mente pelo prisma retrospectivo nosentido de aliviar a carga de um pas-sado discriminatório —, mas tambémprospectivo, no sentido de fomentara transformação social, criando umanova realidade.

São um imperativo democrático alouvar o valor da diversidade em umasociedade pluriétnica e multirracial.São um imperativo de justiça social, aaliviar a carga de um passado discri-

minatório e a propiciar transforma-ções sociais necessárias. Devem pre-valecer em detrimento de uma supostaprerrogativa de perpetuação das desi-gualdades estruturais que conduzema uma discriminação indireta contraos negros — eis que políticas estataisneutras têm tido um impacto despro-porcionalmente lesivo a eles, manten-do estável a desigualdade racial.

O Brasil é o segundo país domundo com o maior contingente po-pulacional negro (45% da populaçãobrasileira, perdendo apenas para aNigéria), tendo sido, contudo, o últi-mo país do mundo ocidental a abolira escravidão. Dados do Ipea apon-tam que a pobreza no Brasil é etniza-da: negros são 70% dos pobres e 71%dos indigentes.

Faz-se urgente a adoção de me-didas eficazes para romper com olegado de exclusão étnico-racial ecom as desigualdades estruturantesda realidade brasileira, promoven-do a justiça social, mediante açõesafirmativas em benefício da popu-lação negra, em especial na área daeducação.

Como lembrava Abdias do Nas-cimento, há a necessidade da “inclu-são do povo afro-brasileiro, umpovo que luta duramente há cincoséculos no país, desde os seus pri-mórdios, em favor dos direitos hu-manos. É o povo cujos direitos hu-manos foram mais brutalmenteagredidos ao longo da história dopaís: o povo que durante séculos nãomereceu nem o reconhecimento desua própria condição humana”.

*Flávia Piovesan é procuradora do Estado deSão Paulo e professora de Direito da PUC/SP.O Estado de S. Paulo, 8/8/2011.

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Professor Adjunto do Institutode Economia da Universidade Fede-ral do Rio de Janeiro (UFRJ). For-mado em Economia, mestre em En-genharia de Produção e doutor emSociologia, Marcelo Paixão, fala so-bre as ações à frente do Laboratóriode Análises Econômicas, Sociais eEstatísticas das Relações Raciais(LAESER), como a educação pode edeve ser inclusiva e sua opinião quan-to a cotas raciais.

O LAESER, cujo principal obje-tivo consiste na permanente realiza-ção de pesquisas e atividades de ex-tensão universitária voltadas ao temadas relações raciais, realiza anualmen-te o “Relatório Anual das Desigual-dades Raciais”, cuja intenção é refor-çar através dos números as discrepân-cias entre negros e brancos e destaforma fomentar mudanças.

“Normalmente a entrada de afro-descendentes no meio universitárioé maior nas áreas de ciências huma-nas, há pouco ingresso em ciências

econômicas e políticas. Eu, comoeconomista, acredito que através deestudos típicos, de monitoramentodirigido para população negra pode-mos levantar questões. Nossa análi-se de indicadores procura até mes-mo refletir aspectos que não são co-mumente considerados, atuando emáreas onde não se atua, como porexemplo, a defesa religiosa e no casodo último relatório, quando levanta-mos informações sobre a previdên-cia social”, explica.

Em abril deste ano ganhou gran-de repercussão na imprensa os da-dos que apontaram que os afrodes-cendentes têm menos acesso à pre-vidência e consequentemente menorsobrevida, obtidos através de dadosda Pnad (Pesquisa Nacional porAmostra de Domicílios). Nos dadosreferentes a 2008, 44,7% dos autodeclarados pretos ou pardos não es-tavam protegidos pela PrevidênciaSocial. Entre os auto declarados bran-cos, esse índice caiu para 34,5% (mu-

lheres são mais afetadas do que oshomens). Em todo o país, a expecta-tiva de vida dos afrodescendentes deambos os sexos era de 67,03 anos.

“Sendo da área da economia pos-so dimensionar melhor esse efeitoque representa o racismo. Inclusivesob a perspectiva de monitorar aconstituição de 1888 e analisar asprobabilidades de mudanças. Paratanto o LAESER tem cursos de ex-tensão e uma proposta pedagógicaanti-racista, visando a facilidade delidar com dados para não deixar queo debate quanto às questões raciaissaia da agenda pública. Temos o com-promisso ético de trabalhar com es-tes dados sempre, fomentando refle-xões quanto ao mercado de trabalho,indicadores de pobreza, saúde... Acre-dito que como os indicadores sãoefetivos podemos evitar a mazela dainvisibilidade, onde sequer estes dra-mas da população negra entravam naagenda pública social”.

Quanto à campanha Ciência sem

Por Rejane Romano

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Edição 40 • Afirmativa Plural 75

Fronteiras, lançada pelo governo Fe-deral, que visa enviar 100 mil univer-sitários para realizar bolsas científi-cas no exterior, Marcelo Paixão acre-dita que se faz necessário um recortedas ações afirmativas a fim de que nãobeneficiem os mesmo de sempre.

“Abrir bolsas e não problematizara questão da cor é uma patologia so-cial. Qualquer iniciativa dos gover-nos, seja Federal, Estadual ou Muni-cipal, requer vagas, bolsas, ativos edu-cacionais. Tem de haver democrati-zação dos acessos. Não podemos es-perar que o século XXI reproduza oséculo XX”.

Provas e embasamentos de queo foco do problema é a questão dasoportunidades, é o desempenho dosalunos cotistas. Diferente do que al-guns contrários às cotas pensam, odesenvolvimento dos cotistas temsido alto.

“A UFRJ foi a última a adotar osistema de ações afirmativas no Rio.Eu como membro do conselho uni-versitário há tempos insistia na idéiade instituir as cotas na universida-de. O que tenho observado é que aexperiência dos cotistas inclusive nasuniversidades co-irmãs não afetama qualidade de ensino.

No último exame da OAB (Or-dem dos Advogados do Brasil), aUNB e a UERJ obtiveram as me-lhores notas, ou seja os cotistas nãomodificaram o perfil destas univer-sidades que sempre conquistaramboas avaliações para o curso de di-reito. As ações afirmativas contri-buem para um corpo dicente maisdiversificado e não devem ser vis-tas como um ato de piedade comos alunos contemplados pelas co-tas, pelo contrário”, enfatiza Mar-celo Paixão.

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Ao completar 90 anos, Ruth deSouza presenciou fatos significati-vos na história do negro brasileiro.A importância do seu trabalho fezcom que se tornasse um ícone paraa maior parte dos novos nomes dasartes cênicas do país. Batalhas, tra-balho duro e principalmente muitotalento fazem parte da receita desucesso dessa que é uma das maio-res atrizes do Brasil.

A graça e a ousadia a acompa-nharam por toda a vida. Nascida noRio de Janeiro, em 1921, a atriz pas-sou a maior parte da infância emMinas Gerais e só retornou ao Riode Janeiro em 1930, aos nove anos.Já nessa época, ia ao cinema com amãe, de quem sempre teve o incen-tivo cultural.

Criada entre as filhas de famíli-as importantes, com quem brincavae se relacionava, era sempre alvo decríticas e chacotas dos mais velhosque não entendiam como uma me-nina negra queria estudar piano e serartista. Aluna de colégio de freiras,a atriz muitas vezes apanhou por-que gostava de cantar e dançar, mas,

em resposta à ignorância gerada pelopreconceito, Ruth quebrou tabus efoi ser atriz.

Com apenas 17 anos, tem sua vidamudada ao ingressar no TEM, acom-panhada do fundador Abdias doNascimento. A interpretação da peça“Imperador Jones” fez de Ruth a pri-meira atriz negra a subir ao palco doTeatro Municipal Carioca.

Mas isso ainda era pouco paraalguém que fazia do trabalho sua ban-deira contra o preconceito e a discri-minação racial. Após cinco anos decarreira, Ruth decide ir estudar nosEstados Unidos. Ali, estuda teatro,iluminação, sonoplastia, direção, ce-nografia, além de dirigir duas peças,concorrendo inclusive a um prêmio.

O retorno ao Brasil foi a reto-mada de uma carreira de sucesso: fil-mes, espetáculos e televisão. Críticacom relação à postura de algumaspessoas, Ruth deixa claro a sua pró-pria quanto à questão do negro, aodizer que a situação não melhoroumuito, principalmente na dramatur-gia, mas que o negro não pode termedo e usar a negritude como des-

culpa para não vencer na vida.Entre as conquistas da atriz está

seu contrato com a Rede Globo deTelevisão. Ruth acredita que a emis-sora respeita seu trabalho, mas que,mesmo assim, muitas vezes lhe faltaespaço e atribui isso ao preconceito.Poucos comentam o fato de que em1954 ela concorreu ao prêmio demelhor atriz, no Festival de Veneza,por seu papel em “Sinhá Moça”, eficou em 2º lugar.

Em seus muitos anos de carreira,foram mais de 30 filmes, 30 teleno-velas e 20 peças, todas com o talentoe a vivacidade que lhe são caracterís-ticos. Nas telas de cinema sua apari-ção em “As filhas do Vento”, do ci-neasta Joel Zito Araújo, no qual in-terpreta Cida, uma atriz solitária quereencontra a irmã após 45 anos lherendeu um Kikito como melhor atrizno Festival de Gramado, em 2004.

A maneira como encara a vida ecomo realiza seu trabalho, com cer-teza contribuem para que Ruth sejahoje considerada “a grande dama dadramaturgia brasileira”.

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Uma pequena mulher que ao subir em um palco se transforma em gigante.Assim é a atriz Ruth de Souza

Ruth de Souzafeliz aniversário

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78 Afirmativa Plural • Edição 4078 Afirmativa Plural • Edição 40

Por Ivone Ferreira

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No dia 12 de setembro, com oCredicard Hall lotado e 89 missesconcorrendo ao 60º título de MissUniverso 2011, eis que chega o mo-mento mais esperado, o da elimina-tória, e após tantas trocas de rou-pas, desfiles de vestidos longos, bi-quínis..., chega o resultado, primei-ríssimo lugar: Miss Angola !!! LeilaLopes desbancou as outras 88 mu-lheres, ocupando o posto de mulhermais linda do mundo.

Única negra a estar entre as fi-nalistas é a quarta integrante do con-tinente africano a vencer o concur-so. A primeira vez foi em 1977,quando Janelle “Penny” Commissi-ong, de Trinidad & Tobago ganhou.Em 98, Wendy Fitswillian, tambémde Trinidad levou o prêmio e em 99a vencedora foi Mpule KeneilweKwelagobe, de Botsuana.

Para a atual miss universo um dosmomentos mais estimulantes da noi-

quei muito ansiosa. Era a primeira vezque meu país entrava e fiquei nervosaporque queria muito ganhar”, falou.

A vitória de Leila causou alvoro-ço nas redes sociais, os internautasse mostraram satisfeitos com a vitó-ria da Angolana e muitos até afirma-ram que estavam torcendo mais paraa africana do que para a brasileira.

Imagine quantos milhares demeninas negras, mundo afora, dor-miram mais felizes após o evento.

Leila falou sobre a questão do ra-cismo no mundo. “Felizmente o ra-cismo não me atinge. Acho que osracistas precisam procurar ajuda, nãoé normal em pleno século XXI aindapensarem dessa forma. Devemos to-dos nos respeitar, independente daraça, do sexo e do meio social”, disse.

Conhecida em seu país como“diamante negro”, Leila tem planosquanto aos rumos que irá tomar emseu reinado. “Minha beleza vai aju-

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Felizmente o racismo

não me atinge. Acho

que os racistas

precisam procurar

ajuda, não é normal

em pleno século XXI

ainda pensarem

dessa forma.

Devemos todos nos

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dar a todos. Vou lutar contra aAIDS, porque este é o principal pro-jeto em Angola”, disse a Miss.

Leila Luliana da Costa VieiraLopes, nasceu em Benguela em 26 defevereiro de 1986 e é filha de paiscabo-verdianos. Apesar de agora de-ter o papel de Miss Universo, a rai-nha da beleza não dispensa o apeti-te. Afirmou em uma entrevista queadora os pratos típicos da terra,como kalulu (carne seca com funge‘purê de farinha de milho’), espina-fre refogado com quiabo, mufetes(peixe com feijão, banana, mandio-ca e batata doce) e cabidela (arrozfeito com sangue e ave).

Um passatempo que LeilaLopes não dispensa é uma boa dan-

ça no estilo kuduro. É fã de Usher,Will Smith, Alicia Keys e NaomiCampbell.

Apesar de ter nascido no país, aMiss Angola ainda não conheciatoda sua nação, porém desde que foieleita para representar Angola, amiss já visitou as províncias de Huílae do Bengo.

Em decorrência da participaçãono concurso, Leila Lopes teve detrancar sua faculdade que fazia emLondres, capital inglesa. A universi-dade não possui curso à distância, porisso a angolana teve de tomar a difí-cil decisão de trancar o curso de gra-duação de Gestão de Empresas du-rante este ano, até que saísse o resul-tado final do Miss Universo.

Depois do concurso, a mãe deLeila disse: “Meu amor, parabéns.Um beijão bem fofo... Grande, gran-de, grande, do tamanho da Angola,tá?”. Emocionada, Leila respondeu-lhe: “Oh, mãe, agora é do Universo,mãe! Agora é do Universo.”

Elas estavam em lugares diferen-tes e o diálogo foi feito na TV, porintermédio de duas repórteres, aovivo. Ao que parece, Leila não ou-viu direito o que a sua mãe disse,porém, Leila disse, sem querer, umaverdade: a vitória dela, não é só parao seu povo, mas para toda a huma-nidade, independente da cor, foialém das fronteiras de Angola e domundo, é universal.

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Minha beleza vaiajudar a todos.

Vou lutar contra aAIDS, porque esteé o principal projeto

em Angola.

Leila LopesMiss Universo 2011

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Três mulheres, duas negras euma de origem árabe, ganharam oPrêmio Nobel da Paz 2011, pelossignificativos feitos em seus respec-tivos países em prol dos DireitosHumanos e da Democracia.

O prêmio, outorgado pelo Insti-tuto Norueguês do Nobel, contem-plou a Presidente da Libéria EllenJohnson Sirleaf, de 72 anos, primeiramulher a assumir a presidência de umpaís africano. Sirleaf foi consideradapela Revista Forbes a africana maisinfluente do Continente. Dentre asmulheres mais poderosas do plane-

Por Vivian Zeni

ta, Sirleaf ocupa a 62° posição nalistagem da revista norte-americana.

A também liberiana LeymagRoberta Gbowee recebeu o prêmiopor sua luta para acabar com as guer-ras civis que devastaram o país atémeados de 2003. Gbowee uniu mu-lheres para orar pela paz, culminandoaté em greve de sexo, até que o regi-me instaurado por Charles Taylor asintegrassem às negociações pela paz.Gbowee conta essas histórias no livroautobiográfico “Mighty Be Our Powers:How Sisterhood, Prayer, and Sex Changeda Nation at War” - (“Poderosos sejam

nossos poderes: como a comunidadede mulheres, a oração e o sexo muda-ram uma nação em guerra”).

Foi contemplada ainda com oNobel da Paz 2011 a jornalista ieme-nita Tawakkol Karman que represen-ta o movimento de renovação dospaíses árabes. Aos 32 anos, Karmanlidera o grupo de Direitos Humanos“Women Journalists without Chains”(Mulheres Jornalistas sem Correntes),e vem exercendo papel de extremaimportância na luta contra o ditadordo Iêmen, ali Abdullah Saleh e pelosdireitos das mulheres.

Três mulheres, duas negras e uma de origem árabe, ganharam oPrêmio Nobel da Paz 2011, pelos significativos feitos em seus

respectivos países em prol dos direitos humanos e da democracia.

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Ellen Johnson Sirleaf - presidente da Libéria .

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Leymag Roberta Gbowee - escritora.

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Tawakkol Karman - jornalista.

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17 de janeiro de 1964. Nascia emChicago, estado de Illinois, a meni-na que se tornaria uma de suas fi-lhas mais famosas. A matriarca deuma família que quebraria paradig-

Por Vivian Zeni

mas inspiraria afrodescendentes portodo o mundo, ajudaria a aquecer oturismo local e relembrar a históriade luta dos negros daquela região.A mulher em questão é nada mais

nada menos que Michelle La VaughnRobinson Obama, esposa do presi-dente americano Barack Obama,considerada uma das primeiras-damas mais influentes do planeta.

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Nascida e criada em um bairronegro de Chicago, Michelle não negaseu carinho pelo lugar em que nas-ceu e cresceu. Durante a candidatu-ra da cidade para os Jogos Olímpi-

cos de 2016, fez questão de estarpresente na apresentação oficial, em2009, na Dinamarca.”Não tenhodúvidas de que Chicago ofereceriaao mundo uma organização fantás-

tica para estes jogos históricos e es-pero que a tocha olímpica tenha achance de brilhar em minha cidadenatal”, disse a primeira-dama.

Apesar de ter perdido para o Rio

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turismo

de Janeiro, Chicago sem sombra dedúvidas seria cenário incrível paraqualquer evento, esportivo ou não.Banhada pelo famoso Lago Michi-gan, Chicago é o terceiro maior cen-tro urbano dos Estados Unidos daAmérica – perdendo somente paraNova Iorque e Los Angeles. Foi con-siderada também a capital negra dosEstados Unidos da América pormuitos anos e foi palco da ascensãode classe média negra americana.

Exemplo de toda magnitude ediversidade cultural de Chicago é obairro conhecido como “The Loop”,no coração da cidade. Lá está o fa-moso “Willis Tower” (antigo “Sears“Tower”), atualmente o maior prédiodos Estados Unidos, com 108 anda-res. A maior atração do prédio, querecebe milhares de visitantes todosos anos, é o ‘skydeck’, de onde é pos-sível ter uma visão privilegiada da ci-dade, subúrbios de Chicago e os es-tados de Indiana e Winsconsin. O‘skydeck’ construiu recentemente umquadrado de vidro, onde o piso tam-bém é de vidro. Por ser um espaçosuspenso nas laterais do prédio, vocêtem a impressão de estar caminhan-do sobre a cidade.

O Loop ainda abriga o prestigia-do “Millenium Park”, parque a céuaberto dotado de imensa área verdee um sem número de museus de arte,universidades, casas de show e obrasde arte a céu aberto. Um exemplo éo “Cloud Gate”, também conheci-do como The Bean (O Feijão), umaescultura em formato de feijão gi-gante que atrai milhares de turistastodos os anos. Faz parte ainda doMillenium Park o “Navy Píer”, quealém de ser um porto abriga tambémfamosos parques de diversão. O por-to abriga dezenas de restaurantes,

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Vista do Willis Tower, antigo “Sears “Tower”.

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Parque a céu aberto “Millenium Park”.

Vista da escultura “Cloud Gate” também conhecido como The Bean (O Feijão).

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bicicletas para aluguel, passeios debarcos, cruzeiros no lago com jan-tar ou almoço, táxi aquático, vendade souvenires, roda gigante, teatro,cinema em 3D com tela de 22metros de altura, shows e etc.

O “Jay Pritzker Pavilion”, é umauditório ao ar livre. No verão a ci-dade oferece shows gratuitos para apopulação.

“Crown Fountain” é outro pro-jeto arquitetônico do parque, e nadamais é do que duas torres de pedrade 15m de altura. O grande diferen-cial é que essa estrutura transmite,como numa espécie de televisor,imagem do rosto de habitantes deChicago. Essas imagens sorriempara o público, e depois de algunsminutos os “personagens” abrem aboca, e jorram água, formando umaespécie de chafariz.

Chicago possui museus para to-dos os gostos e interesses. São maisde 50 museus espalhados pela cida-de. Entre eles estão o Museu de Artecontemporânea, Planetário, Aquá-rio, Museu da Criança, Museu daCiência e Indústria, Museu de His-tória, Museu da Policia Americana,Museu Polonês e Museu da Paz.Dentre os dedicados à cultura ne-gra está o prestigiado The Du Sable- Museum of African AmericanHistory, que reúne vasto arquivosobre a contribuição do negro naconstrução do país.

Debandada negra: em buscade melhores condições de vida

Com a chamada “grande migra-ção”, no início do século 20 (perío-do em que negros do Sul do país fu-giam das áreas castigadas pela segre-gação racial), Chicago passou a sera capital negra do país por muitos

Vista do porto “Navy Píer”.

Auditório “Jay Pritzker Pavilion”.

Vista do “Crown Fountain”.

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anos. Talvez por isso, Chicago rapi-damente tenha se tornado um redutode música negra de boa qualidade econhecido mundialmente por festivaisde jazz e blues de altíssima qualidade.

Possui também excelentes restau-rantes da chamada “soul food” típi-cas dos estados do Sul do país, a po-pulação negra em Chicago chegou aser de mais de um terço da popula-ção. Nos últimos 10 anos, porém,Chicago perdeu cerca de 17% de suapopulação negra.

Em 2010, estudo realizado peloEUA Censo Bureau tirou o título deChicago, que agora está em terceirolugar no número de população ne-gra no país, tendo sido superado porAtlanta, Georgia, e New York. Sóno inicio do ano de 2011, 180 milafro-americanos deixaram Chicagocom destino as áreas promissoras dopaís, como Geórgia, Texas, Califór-nia, Nevada e Arizona. A populaçãode Chicago caiu 6,9 por cento, para2.695.598 pessoas de acordo com oWall Street Journal.

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Barcos de turismo pelo Chicago River.

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Prestes a completar 50 anos, eucomecei a atuar como jornalista em1984, na época em que o fax operava“milagres” nas comunicações. Hoje,em plena era das mídias digitais, soaestranho quando ouço alguém per-guntar qual é o número do fax da em-presa na qual trabalho. Apesar de terentrado de cabeça na era da internet,levei muito tempo para acreditar nopoder de mobilização das chamadasferramentas sociais. Dobrei-me à for-ça deste instrumento somente apósa eclosão das revoltas populares noIrã, na Tunísia, no Egito, no Marro-cos e a que está em curso na Síria.Em todos estes casos, o Twitter e oSMS serviram para aglutinar as pes-soas em torno de uma causa.

No Brasil, o Facebook, o Twitter,o Orkut e outros dispositivos usadospara conectar pessoas em fração desegundo também têm servido como

elemento catalisador na defesa decausas variadas. O que começou comum propósito, digamos, recreativo,como os chamados Flash Mobs - quenão passam de performances em lo-cais públicos -, deu lugar a um im-portante canal para disseminação deações em favor da promoção da ci-dadania. Um episódio marcante é acampanha contra a corrupção, quecomeçou a ganhar força no últimoferiado de Sete de Setembro e vemsendo realizada em datas cívicas, sem-pre tendo como ponto catalisador ainternet. Mas não precisamos ficar àespera de movimentos cívicos degrande porte para manifestarmosnossa opinião.

Neste prestigioso espaço, no qualescrevo mensalmente desde a ediçãode número zero, já discorri sobre aimportância de usarmos os meios decomunicação como veículos para ex-

pressarmos nossa indignação e tam-bém cobrarmos providências. Dopoder público e das empresas priva-das. Tanto falei que resolvi sair docasulo e “dar a cara para bater”. Issoaconteceu no caso do equivocado co-mercial produzido pela agência pau-listana Borghierh/Lowe para a Cai-xa Econômica Federal (CEF). Nele,o escritor Machado de Assis era re-presentado por um ator branco.

Na manhã de quarta-feira 14 desetembro, fiz uma rápida pesquisa noYoutube e no Facebook, e descobrique já havia um zum-zum-zum a esterespeito. Decidi, então, escrever umpost sarcástico no Facebook, critican-do a ofensa perpetrada (por má-fé,ignorância ou ingenuidade) por umbanco público e sua agência de pro-paganda. Por fim, conclamei os ami-gos do mundo virtual e real a protes-tarem contra tamanho disparate

opinião

*Por Rosenildo Gomes Ferreira

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Edição 40 • Afirmativa Plural 93

http://www.facebook.com/profile.php?id=100000518438419#!/messages/?action=read&tid=id. 226558677404306>.

Para minha grata surpresa, cida-dãos de diversas etnias, moradores deSão Paulo, do Rio de Janeiro e Brasí-lia, aderiram à manifestação de repú-dio. O mais incrível é que muita gen-te que havia apenas desconfiado deque havia algo errado na peça publi-citária, passou a ter certeza, quandoassistiu inúmeros vídeos-denúnciapostados no Youtube repudiando ocomercial http://www.youtube.com/watch?v=10P8fZ5I1Wk&feature=share>

Por volta das 13h o prestigiadojornalista Lauro Jardim, titular dacoluna Radar, de Veja, entrou no de-bate. <http://veja.abril.com.br/blog/ra-dar-on-line/brasil/negros-reclamam-de-ma-

chado-de-assis-branco-em-comercial-da-cef/.Coincidência, ou não, no dia se-

guinte o assunto, finalmente, ganhouas páginas dos jornais. O que acaboutornando inviável a manutenção detamanha agressão à comunidade ne-gra, em particular, e à cidadania bra-sileira, em geral. Resultado: após ex-plicações genéricas do autor da peça,a CEF decidiu retirar o comercial doar. Na segunda-feira 10 de outubro,a peça voltou a ser exibida. Desta vez,a agência fez o dever de casa: con-tratou um ator afrodescendente parainterpretar Machado de Assis!

Essa história deixa algumas liçõesimportantes: se a agência tivesse feitosua lição de casa, o óbvio não teriaexposto seu nome neste triste episó-dio. A CEF, como banco público, de-

veria ter um “olhar mais cidadão” emsuas ações cotidianas. Além disso, oepisódio evidencia que existe um es-paço, de custo quase zero, para que oscidadãos gritem contra as injustiças.Quer sejam elas perpetradas por agen-tes públicos ou privados. A denúncia,no mundo real ou virtual, serve, napior das hipóteses, para tirar os trans-gressores da “zona de conforto” eexpor suas ações ao escrutínio da opi-nião pública. Neste caso, vale parafra-sear a máxima cunhada por HugoBlack, juiz da Suprema Corte dos Es-tados Unidos: “A Mídia Social PodeSer Um Poderoso Detergente TantoQuanto a Luz do Sol!”

opinião

*o autor é jornalista e atua como editor-assistentede Negócios e colunista de Sustentabilidade na re-vista Istoé DINHEIRO.

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Uma dos momentos que mais meemocionou enquanto exerci a presi-dência ocorreu em 2007, em uma vi-sita à Ilha do Gorée, no Senegal,quando conheci um forte que eraporta de saída para levar africanoscapturados para trabalhar como es-cravos na América. Ali há um lugarchamado “A Porta do Nunca Mais”,

onde os capturados eram separados– crianças, mulheres, homens – e fi-cavam presos durante vários dias, atéencostar um navio negreiro. Quan-do eles saíam por aquela porta e olha-vam para o mar, sabiam que jamaisvoltariam ao seu país. Iriam para osEstados Unidos, iriam para Cuba epara outros países. Vinham para o

Brasil, trabalhar num mundo desco-nhecido e para desconhecidos, ossenhores de engenho. Vinham paracá, e explorados, sem direito algum,construíram o nosso país.

Temos que olhar para a África erefletir sobre os fatores que dificul-taram o desenvolvimento desse con-tinente. Lembrar que, durante 300

*Por Luiz Inácio Lula da Silva

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anos, jovens, homens e mulheres,reis e rainhas de diversas regiõesforam trazidos de suas terras e aquitransformados em escravos.

Agradeço pela contribuição quea África deu ao Brasil. Não agrade-ço à escravidão, ao fato dessa imi-gração ter sido forçada, cheia de so-frimento. Mas agradeço aos diferen-tes povos que vieram para cá e que,mesmo vivenciando diferenças cul-turais, conseguiram formar umanova família, e fizeram nosso país.

Aqui, contribuíram para a criaçãode um povo extraordinário, de umariqueza cultura invejável.

Um povo que começou, nos últi-mos anos, a reparar injustiças histó-ricas e explorar seu potencial. A con-tribuição imensa que a África deu aoBrasil não pode ser indenizada e mui-to menos reparada por nenhum di-nheiro do mundo. Apenas a solidari-edade é capaz de retribuir e nos rea-proximar do continente africano,uma aproximação com benefíciosmútuos. Por isso abrimos embaixa-das, visitei muitos países pela primeira

vez, e criamos a Universidade Fe-deral da Integração Luso-Afro-Bra-sileira, em Redenção, no Ceará, commetade do corpo discente de alu-nos brasileiros, metade de africa-nos, para promover esse reencon-tro e essa união de forças entre Bra-sil e África.

Mas, como no samba de Paulinhoda Viola, quando olhamos para o fu-turo, não podemos nos esquecer dopassado. No nosso país, por muitosanos a história não foi contada comodeveria. Por isso, um dos meus pri-meiros atos como presidente, em ja-neiro de 2003, foi a lei 10.639, queincluiu o dia 20 de novembro no ca-lendário escolar, e tornou obrigató-rio o ensino sobre História e Cultu-ra Afro-Brasileira. Não era possívelque o Brasil continuasse ignorandoa história da África, porque ela tam-bém é parte da nossa história.

Como também era preciso en-frentar as injustiças, as desigualda-des, o preconceito, que sofriam umaparcela da população brasileira. En-frentamos polêmicas no debate so-

bre as cotas nas universidades. So-fremos críticas pelo Estatuto daIgualdade Racial e por outras inicia-tivas que fizemos para avançarmosno combate ao racismo no Brasil.

Um programa como o ProUni,que já beneficiou 912 mil estudantes,em sua maioria vindos da escola pú-blica, da periferia das grandes cida-des, abre uma porta de oportunida-des que aqueles que foram excluídosou vítimas de preconceitos aprovei-tam com toda a garra. O Brasil co-meça a oferecer as chances que portantas gerações não foram dadas aosafro-brasileiros.

O caminho para sermos um paíscom igualdade racial ainda é longo.Os movimentos devem seguir lutan-do por mais conquistas, porque sãomuitos os desafios. E nesse trajeto,tenho certeza que a presidenta Dil-ma Rousseff tem o mesmo compro-misso em construir este Brasil maisjusto, com mais igualdade.

*Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente daRepública do Brasil.

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O mundo perdeu em setembroum dos grandes nomes da luta emprol do desenvolvimento sustentável,Paz e Democracia. Vítima do câncer,a queniana Wangari Maathai faleceuaos 71 anos.

Maathai foi um exemplo da tãoconhecida força da mulher negra. Di-vorciada, mãe de três filhos, a Biólo-ga foi a primeira mulher a obter umtítulo de doutorado na África Cen-tral e Oriental. Na década de 70, des-tacou-se por sua luta em favor dequestões ecológicas no Quênia e em1977 fundou o Green Belt Movement(Movimento Cinturão Verde), cujo

objetivo é promover a biodiversida-de e, ao mesmo tempo, criar empre-gos para as mulheres. Dentre outrasimportantes iniciativas, o Green Beltincentivou as comunidades locais acriarem viveiros e plantarem árvoresem terrenos públicos, zonas flores-tais degradadas e propriedades pri-vadas. Desde seu surgimento, oGreen Belt plantou cerca de 40 mi-lhões de árvores no Quênia.

Ainda na década de 70 dirigiu aCruz Vermelha queniana e dedicou-se a combater o regime autoritário doentão presidente de seu país, DanielArap Moi, o que lhe rendeu inciden-

tes com a polícia e algumas prisões.Em 1987, o Green Belt expandiu

sua área de atuação e através do PanAfrican Green Belt Network (RedePanafricanista Cinturão Verde) pas-sou a atuar também em países comoTanzânia, Uganda, Etiópia, Zimba-bwe e Lesoto.

Entre os anos de 2003 e 2005,com a eleição de Mwai Kibaki, assu-miu a secretária de Estado do MeioAmbiente. Em 2004, bateu um novorecorde. Foi a primeira mulher afri-cana a receber o Prêmio Nobel daPaz por seu importante trabalho eco-lógico e social.

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