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Revista Afirmativa 33

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4 Afirmativa Plural • Fev/Mar • 2010

ComportamentoMulheres negras no processo de desenvolvimentosustentável - Alzira Rufino ....................................................50Helena, uma pequena vitória - Deise Nunes ...........................52Dia da Mulher - Maria Clementina de Souza ............................54A boa notícia má - Maria Ceiça ...............................................56A nova condição feminina - Joyce Ribeiro ...............................58

PerfilNo compasso da primeira dama ............................................60Beyoncé, a dama que brilha ....................................................62A mais poderosa do mundo ...................................................66

OpiniãoMulheres negras - Dulcinéia Novaes .........................................70

TurismoCidades femininas ....................................................................74

ReflexõesUm olhar amoroso em travessia por outras travessias - LauraCavalcante Padilha ......................................................................78

AfirmativoOnde está a mulher negra? - Eliane Barbosa da Conceição ......80

Preto e BrancoRuth de Souza ...........................................................................82

Afirmativa Plural é uma publicação da Afrobras - Sociedade AfroBrasileira de Desenvolvimento Sócio Cultural, Centro de Documen-tação, através da: Editora Unipalmares Ltda., CNPJ nº 08.643.988/0001-52. Com periodicidade bimestral. Ano 7, Número 33 - Av. San-tos Dumont, 843 - Bairro Ponte Pequena - São Paulo/SP - Brasil -CEP 01101-080 - Tel. (55 - 11) 3229-4590. www.afrobras.org.br

CONSELHO EDITORIAL: José Vicente • Francisca Rodrigues• Ruth Lopes • Raquel Lopes • Cristina Jorge • Nanci Valadares deCarvalho • Humberto Adami • Sônia Guimarães.

DIREÇÃO EDITORIAL E EXECUTIVA: Jornalista FranciscaRodrigues (Mtb.14.845 - [email protected])

FOTOGRAFIA: J. C. Santos • Miro Ferreira • Milton Nespatti• Divulgação.

COLABORADORES: Dulcinéia Novaes ([email protected])

REDAÇÃO: Rejane Romano (Mtb. 39.913) - [email protected]) • Eliane Almeida (Mtb. 39832) - [email protected] • Daniela Gomes (Mtb. 43168) - [email protected] • Monica Santos (Mtb. 031066) - [email protected] • Tel. (11) 3229-4590

ASSINATURA E ANÚNCIOS: Taíse Oliveira ([email protected]) Tel. (11) 3229-4590

PUBLICIDADE: Maximagem Mídia Assessoria em ComunicaçãoTel.(11) 3229-4590.

CAPA: Foto de Milton Nespatti/Signe

EDITORAÇÃO: Alvo Propaganda e Marketing ([email protected]).

IMPRESSÃO E ACABAMENTO: Laborgraf.

Agradecemos ao Museu Afro Brasileiro por cessão de fotos.

ndice

Entrevista EspecialZezé Motta .................................................................................8

CapaHillary, a escolhida de Obama ................................................14

EspecialMulheres e Negras ...................................................................22

Consciência Negra21 de Março, um dia de reflexão ...........................................32Entrevista com a cantora Alcione ..........................................34

CidadaniaHistórias e lutas - Benedita da Silva ..........................................36

PolíticaO voto feminino e a mulher negra - TheodosinaRosário Ribeiro ..........................................................40

EsporteIrmãs Williams, exemplo de sucesso ...........................42

Mercado de TrabalhoO trabalho dignifica “também” às mulheres ...............44

EmpreendedorismoA coragem de recomeçar ...............................................48

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2010 • Fev/Mar • Afirmativa Plural 5

editorial

Esta edição da Afirmativa Plu-ral de número 33 é muito especial:

por que é a primeira do ano; refletesobre 21 de Março, Dia Internacional de

Luta contra a Discriminação Racial e porque traz matérias especiais sobre mulheres

e negras. Procuramos trazer um pouco da his-tória da mulher negra, da escravidão aos dias

de hoje, contando algumas trajetórias, algumasinformações sobre quem foram essas pioneiras na

luta contra a escravidão, contra o machismo de suasépocas etc.

Claro que não temos como não falar do sofrimentode todas nós mulheres para alcançarmos vitórias em

nossas empreitadas, já que até hoje, as negras sofremcom a discriminação por serem mulher e negra. A vio-lência sexual dentro do próprio lar, o assédio moral nasrelações, a escravidão da estética européia e receber o

revista é Plural e coroar o suces-so do mês de março, trazemos umamatéria especial com a Secretária de Es-tado norte-americana, Hillary Clinton, amulher mais importante da política global,representando Barack Obama, primeiro presi-dente negro dos Estados Unidos, eleito por umpovo declaradamente racista.Hillary esteve nada mais nada menos que na Facul-dade Zumbi dos Palmares, que tem em seu quadro90% de alunos negros autodeclarados, sendo o únicocompromisso fora da esfera de governo. Ela estevediscutindo ações afirmativas e sexismo, além de aspec-tos relevantes da atualidade, com alunos, professores erepresentantes da sociedade civil.E como já dissemos, março realmente é “O” mês paranós, negros brasileiros. Pela primeira vez na história doBrasil, aconteceu entre os dias 3 e 5, uma audiência no

menor salário da pirâmide social são alguns exemplos dematérias que a Afirmativa traz nesta edição.As mulheres negras no Brasil escravocrata e pós escravi-dão buscavam formas de sustento e se tornaram as pri-meiras empreendedoras de que se tem notícia. Eram asquitandeiras, vendeiras ou ganhadeiras que na sua gran-de maioria, sustentavam os filhos e até seus compa-nheiros, fato reconhecido até hoje por pesquisas demercado de trabalho.Buscamos trazer histórias e perfis de mulheres guer-reiras, empreendedoras, vencedoras, professoras,mestres, artistas, enfim, exemplos de que nós, ne-gras, também podemos, basta termos oportuni-

dade. Aliás, muitas vezes, até forçando aconte-cer estas oportunidades e as agarrando com

unhas e dentes. São as Oprah, MichelleObama, Winnie Mandela, Rosa Parks,

Dinamar, Beyoncé, Ruth de Souza,Dulcinéia, irmãs Williams e tantas

outras que vocês conhecerão nes-ta edição.

E para mostrar que nossa

Supremo Tribunal Federal (STF) em torno da temáticaracial, sobre a constitucionalidade de políticas de ação afir-mativa de acesso ao ensino superior. O ministro RicardoLewandowski previu que o tema poderá ser votado peloPlenário do STF ainda neste ano, no julgamento daArguição de Descumprimento de Preceito Fundamen-tal (ADPF) 186 e no Recurso Extraordinário (RE)597.285/RS, dos quais é relator.O ministro avaliou que os debates tiveram alto nívelpor terem abordado não só aspectos jurídicos, masaspectos históricos, sociológicos, econômicos, filo-sóficos, biológicos, demográficos. De acordo como relator, o material do fórum vai subsidiar osministros a tomarem uma decisão a mais justapossível em relação às duas ações que estão emjulgamento nesta Casa.É esperar e vermos a justiça ser feita.

Boa leitura!

Francisca Rodrigues,Editora executiva.

Março, o mês praMarço, o mês praMarço, o mês praMarço, o mês praMarço, o mês praficar na históriaficar na históriaficar na históriaficar na históriaficar na história

ditorial

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entrevista especial

Por Mônica Santos, da redação

Zezé Motta

8 Afirmativa Plural • Fev/Março • 2010

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entrevista especial

Estes trechos da música MuitoPrazer Zezé, de Rita Lee e Roberto deCarvalho não conseguem falar tudoda personalidade da mulher, atriz,cantora, ativista e agora Superinten-dente da Igualdade Racial do Estadodo Rio de Janeiro, Maria José Motta,mais conhecida por Zezé Motta, mas,sem dúvida traduzem um pouco doque se sabe daquela que é considera-da uma das mais importantes atrizesnegras do Brasil e homenageada como Troféu Raça Negra 2009.

Ela que começou a carreira deatriz em 1967, estrelando a peçaRoda-viva, de Chico Buarque, chegoua ser conhecida internacionalmenteapenas como Xica da Silva, ícone docinema brasileiro, estrela do filmeclássico de Carlos Diegues, de 1976.A personagem também ganhou des-taque na televisão. A vida e trajetóriadessa canceriana, nascida em UsinaBarcelos, interior de Campos, é con-tada em livros e revistas. Nesta edi-ção da Afirmativa Plural, Zezé Mottacoloca com propriedade os projetosque pretende desenvolver enquantoSuperintendente da Igualdade Racialdo Rio de Janeiro e os trabalhos paraa TV, cinema e música.

Afirmativa: Como é para você atuarcomo Superintendente da Igualdade Racialdo Estado do Rio de Janeiro?

Zezé Motta: Mais uma missão em

minha vida. Estou muito emociona-da com este convite da secretáriaBenedita da Silva para ocupar estecargo, porque eu faço parte do mo-vimento negro desde sempre e sem-pre dizia que queria fazer parte dessemovimento para preparar um mun-do melhor, um mundo menos desi-gual para meus filhos e netos. Então,fico muito emocionada de estar aquivendo a luta do negro avançar. Ain-da viva e participando até mesmo deuma superintendência.

Afirmativa: Quais são os projetosque vocês vêm desenvolvendo na superin-tendência?

Zezé Motta: Olha, nós temosmuito trabalho lá. Nós cuidamos daquestão do índio, dos ciganos (quesão muito discriminados) e cuidamosda questão dos negros e dos quilom-bolas. É muita coisa a ser feita, por-que quando a gente vai visitar os qui-lombolas, a gente vê logo que eles têmnecessidades básicas como saneamen-to, saúde, escolas muito longes. Temquilombola que anda 15 quilômetrospara chegar a escola. Isso desanimaas crianças. Então, a gente está fazen-do um apanhado de tudo isso, pas-sando para nosso ministro EdsonSantos, da Igualdade Racial, para queo governo, já que está tomando pro-vidências em todos esses setores, me-lhore a qualidade de vida dos quilom-

bolas, por exemplo. Quando eu to-mei posse, uma das coisas que perce-bi quando fui ler quais as questões queeu tinha que dar prioridade, vi umapasta escrita: Saúde da População Negra.Aí, na minha ignorância eu disse:“Gente que maluquice, saúde é paratodo mundo”. Mas fui aprofundar erealmente descobri que é um assuntoque se tem que ter consciência e to-mar providências. Os negros são víti-mas de doenças características só dosnegros e que são coisas graves, comoé o caso da Anemia Falciforme. É umadoença séria que leva a óbito e que apopulação não tem consciência dadoença nem das suas características.Então, nós estamos com um projetode levar essa preocupação para o mi-nistro da saúde, para que faça umacampanha de conscientização.

Afirmativa: Criar uma área especí-fica para cuidar desses problemas?

Zezé Motta: Exatamente.

Afirmativa: Falamos muito sobreconsciência. Na sua visão, enquanto atuantedo Movimento Negro, o que falta para ad-quirir essa consciência negra? Nós podemosdizer que somos conscientes da nossa etnia?

Zezé Motta: O que acho impor-tante é que quando eu ingressei noMovimento Negro, 30 anos atrás,esse assunto era tabu. Era uma dis-cussão muito fechada entre nós ne-gros. Agora não, esse assunto deixoude ser tabu. É discutido inclusive emnovelas no horário nobre. É discuti-do no cinema, abertamente. Nós te-mos também aliados não negros. Issoé importante, porque eu me lembrode um discurso do professor Cândi-do Mendes em que ele dizia que aquestão da desigualdade no Brasil,nessa questão de raça, não podia seruma preocupação só dos negros , masde todo brasileiro que tem se preo-

Muito prazer eu sou Zezé / mas você pode mechamar como quiser / eu tenho a fama de sermaluquete / ninguém me engana nem jogaconfete / má pra quem gosta de amar e segredo/ eu sou um prato cheio / eu quero dar umacolher / eu sou Zezé da terra do Sol / da lua demel / da cor do café.

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cupado com a justiça e que sabeque não existe um grupo superiorao outro. Somos todos iguais. En-tão, nós estamos bastante animados.Estamos em um momento muito es-pecial. Estamos aguardando real-mente a votação do documento so-bre a igualdade racial.

Afirmativa: O Estatuto da Igual-dade Racial?

Zezé Motta: Do Estatuto daIgualdade Racial que vai ser um gran-de avanço se aprovado, se assinado.Um grande avanço para nossa luta.

Afirmativa: Falando um pouco so-bre sua área enquanto atriz, nós temos aTaís Araújo sendo protagonista da noveladas oito da TV Globo (horário nobre).O que isso muda para o artista negro?

Zezé Motta: É mais uma con-quista para a comunidade negra e oque é importante não só para o artis-ta negro ter mais espaço e ser prota-gonista. Mas é interessante tambémpara trabalhar a auto-estima dos ne-gros de uma forma geral, para o ne-gro se ver retratado, com a dignida-de que ele merece. Ele tem que se vertambém nos meios de comunicação.Porque antigamente, eles diziam queo negro só fazia papéis subalternos,porque estava repetindo o que acon-tecia na vida real.

Afirmativa: Representando a rea-lidade?

Zezé Motta: É. Isso não é ver-dade. Tudo bem, não somos muitosnas universidades, não somos muitosmédicos, nem engenheiros, mas nãosomos todos motoristas e nem do-mésticas. Temos uma diversidadetambém. Temos médicos, engenhei-ros, arquitetos sim, professores.

Afirmativa: É uma oportunidade

para mostrar, ver e acreditar que é possível?Zezé Motta: Hoje, temos até

ministros, juízes. Então, não cor-responde à realidade achar que temque ser retratado apenas com papéissubalternos.

Afirmativa: E voltando um pouco naquestão da consciência negra. Hoje, a gentesabe que o negro, mesmo nas escolas, aindaé vítima de muito preconceito com pia-dinhas e muito mais. Qual deve ser a pos-tura da família negra no processo de educa-ção dos filhos?

Zezé Motta: Eu acho que quan-do uma criança é discriminada a fa-mília tem que ter conhecimento dis-so, tem que orientá-la a não aceitarisso. Os professores têm que ficar sa-bendo. Mas agora nós temos uma coi-sa muito interessante também acon-tecendo que é a lei 10.639. Você meperguntava, a quantas eu achava que

Estamos ainda nessa

luta pela Igualdade Racial,

enquanto a gente não

conquista tudo... abre as

asas sobre mim ó senhora

liberdade. Eu fui

condenado sem

merecimento por um

sentimento, por uma

paixão...

”estava a consciência do negro. Eu achoque vai depender muito dessa lei ago-ra que torna obrigatória a história daÁfrica e do negro nas escolas. Essalei vai ser muito importante para cons-cientização na base desde pequenini-

nho. Vai trabalhar a questão da auto-estima, porque o garoto vai saber queele não é apenas descendente de es-cravos, mas pelo contrário, ele é des-cendente de reis e rainhas africanos.Então, a execução dessa lei vai sermuito importante. O estatuto tam-bém. Acabar com essa discussão deque não é importante a cota nas fa-culdades. Enfim, devagarzinho a gen-te vai conquistando espaço.

Afirmativa: Com relação ao Rio deJaneiro, temos aqui um grande número dedescendentes de africanos e, a maioria, comonós mesmos comentamos, ainda vive à mar-gem do sistema de educação, saúde, habita-ção. O negro na política pode ajudar amudar esse cenário?

Zezé Motta: Sem dúvida. Esta-mos precisando de mais deputados,mais vereadores, mais ministros, maisjuizes. Assim, como nas artes, porexemplo, para que o artista negro te-nha mais espaço tem que ter autoresnegros, produtores, empresários ne-gros, enfim. Eu acho que precisamosocupar espaços, sermos mais, nosmultiplicarmos em todos os depar-tamentos, para que realmente consi-gamos mudar esse jogo.

Afirmativa: E quais os projetos naarte da dramaturgia?

Zezé Motta: (Risos) Bom, euacabei de fazer um filme muito inte-ressante com a Xuxa. Um papel mui-to curioso porque chama-se “O Mis-tério da Feiurinha”. É uma visitaçãoa todas as princesas de contos de fa-das já adultas com filhos. É uma co-média muito divertida e sou eu quemconto essa história às crianças. Ado-rei ter feito o filme. Gravei uma mi-nissérie na Globo, chamada Cinquen-tinha. Pretendo gravar um novo CD.São muitos planos.

entrevista especial

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capacapa

illary,Hcapa

Mulher mais importante da política global, Hillary elogia nível de perguntas de alunose competência dos professores da Faculdade Zumbi dos Palmares

Apenas um dia, 3 de março de2010. Esta foi a data da visita ao Bra-sil da secretária de Estado norte-ame-ricana, Hillary Clinton, quando encon-trou-se com o presidente Lula, parti-cipou de poucas outras atividades ofi-ciais e seguiu para São Paulo, ondemais de 600 pessoas a aguardavam.

A Faculdade Zumbi dos Palma-res foi escolhida pela Embaixada dosEstados Unidos no Brasil e pelo Con-sulado Geral dos Estados Unidos emSão Paulo para ser palco de debateentre estudantes, representantes de

ONGs, instituições educacionais, em-presários e representantes do gover-no e Hillary.

Na faculdade, a secretária respon-deu as perguntas dos alunos, reuniu-se com empresários, foi assediada pelamídia nacional e internacional.

Trajada de azul, certamente nãosabia que a cor trazida no corpo sim-bolizava Ogum, divindade guerreirada mitologia africana, desbravadoranos caminhos da luta pela sobrevi-vência, responsável por abrir novoscaminhos. Para os dirigentes da fa-

culdade e daqueles envolvidos nesseprojeto de ensino, a vinda de Hillaryé, sim, um novo caminho, uma ma-neira de mostrar ao mundo o pionei-rismo e a seriedade da primeira fa-culdade da América Latina com 90%de negros auto-declarados. “É o re-conhecimento de que a Zumbi é umarealidade, uma conquista”, mencio-nou o reitor, José Vicente.

A secretária deparou-se comolhares de negros e brancos orgulho-sos pela trajetória da instituição que,após anos de afirmação no ensino

Por Ana Luiza Biazeto,especial para Afirmativa

no quilombo da

Zumbi

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capa

superior, recebeu a visita de uma dasmulheres mais influentes da atualida-de, representante do primeiro negroeleito presidente dos Estados Unidos,Barack Obama.

Hillary, como pediu para ser cha-mada, sem formalidades, não presen-ciou o que antecedeu a visita: de umlado para o outro, seguranças da em-baixada norte-americana, polícia fe-deral, cães de guarda e farejadorespelas instalações do prédio, ansieda-de dos que trabalhavam no evento.Cinegrafistas e repórteres disputavamcentímetros do solo para o melhorângulo, a melhor imagem.

Ação afirmativa contraracismo e sexismo

A secretária de Estado norte-ame-ricana, Hillary Clinton, durante umahora, tratou de diversas temáticas con-temporâneas, dentre elas o progressoque os Estados Unidos têm trilhadopor anos através do movimento dedireitos cívicos, pelo trabalho árduo esacrifício de líderes como Martin Lu-ther King Jr., e outros.

“Nós nos modificamos e trans-formamos as leis dos Estados Uni-dos de forma que não haja mais bar-reiras jurídicas ilegais que impeçamos afro-americanos de se realizaremem matéria de profissão, negócios eeducação, para terminar com a dis-criminação”, orgulhou-se.

Sem otimismo exagerado, Hilla-ry afirmou que o racismo nos Esta-dos Unidos não acabou, assim comoo sexismo e outras formas de discri-minação que existem em todo mun-do, mas que o país progrediu nessecontexto e a ação afirmativa teve pa-pel relevante.

Apesar da crítica sofrida comométodo de busca pela equidade, de

acordo com ela, a ação afirmativa aju-dou a combater os vestígios da se-gregação e da escravidão e colabo-rou para o progresso dos EstadosUnidos. “A ação afirmativa não é tãoutilizada atualmente no nosso país,porque temos o sentimento de queexiste mais igualdade, mas nem porisso deixam de existir crianças pobres,brancas e negras ou outras, que nas-cem em circunstâncias que lhes sãomuito desfavoráveis.

Essas crianças precisam de maisajuda em termos de educação e saú-de e daquilo que elas precisam para

ter uma vida melhor”, enfatizou.Para boa parte da população nor-

te-americana e do mundo todo, aeleição de Barack Obama foi a maiorrealização de todas, porque demons-trou que um afro-americano pode sero presidente dos Estados Unidos,avaliou Hillary.

Na corrida presidencial de 2008com Obama, a secretária concorreuarduamente contra o atual dirigenteda nação norte-americana, no entan-to viu a conquista de Obama como“um grande tributo ao povo e siste-ma americanos”.

Debate no salão nobre da Faculdade Zumbi dos Palmares.Da esquerda para a direita: jornalistas Maria Beltrão, William Waack e asecretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton.

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Agora a expectativa de Hillary éque o mesmo tipo de progresso ocor-ra no Brasil e em outros países.

A América Latina tem as presiden-tes do Chile, Michelle Bachelet, e daArgentina, Cristina Kirchner, comoexemplos de mulheres que chegam aotopo da política, entoa Hillary, e damesma forma, há no Brasil as can-didatas à presidência da República,Dilma Rousseff e Marina Silva.

De acordo com a secretária, estaparticipação feminina na política éum excelente sinal daquilo que é pos-sível na equidade de gênero, no en-

tanto ainda há barreiras na partici-pação da mulher neste e em outrossegmentos, algumas psicológicas, ou-tras culturais ou históricas.

A violência doméstica foi levan-tada como bandeira de luta, “porqueela não pode ser tolerada onde querque seja e em qualquer momento”.

Mencionou também os direitosiguais para meninos e meninas quedevem ser assegurados nas escolas, nasaúde, e que apesar de não ser um pro-blema tão grande nesse continente, eleexiste em outros lugares do mundo.

Cotas combatembarreiras históricas

Apesar de desconhecer as espe-cificidades da realidade brasileira,Hillary citou dados que chamou de“significativos” no país, quando ques-tionada sobre as cotas para negrosnas universidades. “Os afrodescen-dentes no Brasil representam mais de50% da população, mas apenas 2%deles são estudantes universitários.Isto para mim indica que é precisotomar medidas especiais para recru-tar e aceitar estudantes afro-brasilei-ros nas universidades.”

Experientes e convictos da efetivi-dade da ação afirmativa, nos EstadosUnidos, segundo a secretária, a medi-da foi uma oportunidade para os afro-americanos entrarem na universida-de e não uma garantia de diploma.

Citou a própria atuação como pro-fessora de Direito: “ensinei estudan-tes afro-americanos que tinham entra-do pela ação afirmativa na faculdade.

Meus alunos tinham grande mo-tivação, eram ambiciosos, mas a for-mação educacional que eles tinhamrecebido antes da faculdade, por ve-zes não os tinha preparado bem paraconcorrer com os outros estudantesuniversitários”. Ainda sobre os anti-gos alunos, Hillary afirmou dedicartempo ministrando cursos particula-res, para que tivessem êxito.

Para ela, a ação afirmativa é umreconhecimento de que as barreirashistóricas dificultaram a entrada dealgumas pessoas na universidade, éuma forma de dar possibilidademaior a todos.

A secretária foi incisiva ao dizerque “talento é universal, oportunida-de não, por isso quanto maiores asoportunidades numa sociedade dinâ-

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mica como o Brasil, maior númerode pessoas poderá contribuir para oavanço do país”.

Oportunas as palavras de Hillarysobre o impacto das políticas deações afirmativas para os cidadãosnorte-americanos. Concomitante-mente à visita da secretária, aconte-cia pela primeira vez na história doBrasil uma audiência no SupremoTribunal Federal em torno da temá-tica racial, sobre a constitucionalida-de de políticas de ação afirmativa deacesso ao ensino superior.

Aproximação porsemelhanças

A secretária de Estado norte-ame-ricana, Hillary Clinton quer a aproxi-mação entre Brasil e Estados Unidos.“Queremos um intercâmbio cada vezmaior, que cada vez mais americanosvenham para o Brasil e brasileiros vãoaos Estados Unidos”, disse.

Hillary afirmou que o grande nú-mero de consulados no Brasil tornadifícil a obtenção de vistos para bra-

sileiros e que junto ao embaixadoramericano no país discute avançospara aumentar os intercâmbios entreos dois países. Disse ainda que o Bra-sil e os Estados Unidos são os doispaíses mais parecidos no mundo,“porque somos países grandes, plu-ralistas, dinâmicos, somos povos fe-lizes” e são essas semelhanças queobjetivam a aproximação de ambos.

No que concerne às questões am-bientais, Hillary lembrou que todosos países devem se perguntar o quefazer para preservar o que foi herda-do das gerações anteriores.

Comparou a beleza natural bra-sileira e a norte-americana e desta-cou que há 140 anos, os dirigentesamericanos começaram a criar par-ques nacionais para conservar o pa-trimônio natural.

Convite a ObamaHillary elogiou os alunos da Fa-

culdade Zumbi dos Palmares que aquestionaram sobre diferentes assun-tos e acrescentou que, pela qualida-

de das perguntas, imaginava a altíssi-ma competência dos professores dainstituição. Ao despedir-se, a secre-tária comprometeu-se a repassar oconvite feito pelos presentes no even-to e pelo presidente Lula ao presi-dente dos Estados Unidos. “Vou fa-lar ao Barack que o Brasil o espera.”

Que seja mesmo um presságio avisita de Hillary Clinton. O percursopara a vinda de Barack Obama aopaís foi traçado.

A repercussão noQuilombo da Zumbi

Os alunos da Faculdade Zumbidos Palmares esgotaram a disponibi-lidade de credenciamento em apenastrês horas no dia anterior da visita dasecretária de Estado norte-america-no, Hillary Clinton.

Ansiosos, os alunos estavam ex-tasiados com a vinda da autoridade.

“Eu não esperava, não imagina-va que fosse possível”, declarou Lu-ciano Palmeira, aluno do 7º semestrede Administração.

Debate com Hillary no Salão Nobre da Zumbi.

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“Fiquei surpresa com a vinda delaaqui”, explicou Magnólia Costa, do1º semestre de Direito.

A professora Eliane Barbosa, queleciona Administração de Produção,ressaltou a importância simbólicadeste momento.

“A experiência vivida nos Esta-dos Unidos vai nos demonstrar aemergência do Brasil evoluir quantoa questões raciais. É importante queos alunos percebam que ser aguerri-do nos estudos pode elevá-los a ou-tro patamar”, afirmou.

O cineasta, diretor do filme “Bró-der”, recentemente exibido no Festi-val de Berlim, com estréia prevista noBrasil em agosto deste ano, JeffersonDe, que também é conselheiro daZumbi, acredita ser este um momen-to chave para a história do povo bra-sileiro. “Ouvir uma pessoa tão impor-tante e engajada, nos remete a umareflexão. Temos de deixar de ser umanação do futuro e nos tornarmosuma nação do presente. A maneiracomo os Estados Unidos implemen-taram as ações afirmativas foi dura.Chegou a nossa vez de partir para oenfrentamento”, disse o cineasta.

O jornalista e conselheiro daZumbi, Rosenildo Ferreira, comen-tou sobre a escolha da faculdadecomo o único compromisso não-governamental da secretária no Bra-sil. “Isto demonstra que os valoresda instituição estão sendo reconhe-cidos. A Zumbi é uma grande portade acesso para os alunos”, destacouRosenildo.

O diretor acadêmico da Zumbi,Edson Miranda, complementa que“este momento histórico consolidaa Zumbi como uma instituição reco-nhecida internacionalmente”.

A secretária ainda antecipou aosalunos da Zumbi, que em conversacom empresários brasileiros, repre-sentantes de empresas americanasno país, serão disponibilizadas 50bolsas de estudos, de língua inglesa,para a faculdade.

Ao final, a secretária de Estadoainda tirou fotos ao lado da placa co-memorativa à visitação e autografoulivros de sua autoria para os alunos.

Entre os alunos a sensação de ale-gria e contentamento era unânime.“Amei, amei”, diziam uns. “Estoumuito feliz”, diziam outros.

Para Gilberto Fabiano, do 4º se-mestre de Direito, a noite foi única.“Eu participei de um momento his-tórico. Dentre tantas faculdades deSão Paulo, a Zumbi foi escolhida. Istomostra que este projeto é maravilho-so”, finalizou.

José Vicente, reitor da Zumbi, cumprimenta Hillary Clinton apósdescerrarem placa alusiva à sua visita na faculdade.

capa

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No mesmo dia da marcante visi-ta da Secretária de Estado norte-ame-ricana, Hillary Clinton, à FaculdadeZumbi dos Palmares – 3 de março -,acontecia pela primeira vez na histó-ria do Brasil, uma audiência no Su-premo Tribunal Federal (STF), pre-sidida pelo Ministro Ricardo Lewan-dowski, em torno da temática racial,sobre a constitucionalidade de polí-ticas de ação afirmativa de acesso aoensino superior, para discutir a cons-titucionalidade das cotas na Univer-sidade de Brasília (UNB).

No grande fórum de debates so-bre a política de reserva de vagas emuniversidades públicas com base emcritérios raciais, as chamadas cotas,participaram 38 especialistas de di-versas entidades da sociedade civil erepresentantes dos Três Poderes.

A decisão de ouvir setores da so-ciedade civil a respeito da matéria par-tiu do ministro Ricardo Lewando-wski, relator da Arguição de Descum-primento de Preceito Fundamental(ADPF 186) ajuizada pelo PartidoDemocratas (DEM) contra a políti-ca de reserva de vagas em universi-dades públicas com base em critéri-os raciais.

Primeiros a se manifestar, os de-fensores da inconstitucionalidade dascotas foram pontuais ao ressaltar queas cotas são maneiras de segregar a

sociedade brasileira e também ao de-fender o mito da democracia racialbrasileira, defendida pelo antropólo-go Gilberto Freyre, ainda na décadade 30 e derrubada em 2002 pelo en-tão presidente Fernando HenriqueCardoso, ao reconhecer o racismo ecriar o Programa Nacional de AçõesAfirmativas.

Com falas marcadas pela afirma-ção de que o Brasil é um país aondetodos têm acesso ao ensino superior,os representantes afirmaram que acriação das cotas ao invés de gerarreparação à população negra brasi-leira, iria apenas intensificar a discri-minação racial no Brasil.

A segunda etapa do debate trou-xe as explanações dos defensores dasconstitucionalidades das cotas. Logona primeira fala, o representante darede Conectas Direitos Humanos, Os-car Vilhena, relembrou que desde suaorigem as cotas defendem o princí-pio da igualdade, já que foram criadasna índia por Mahatma Ghandi paracombater a exclusão causada pelo sis-tema de castas no país. Para Vilhenao sistema de cotas vem corrigir umafalha nos processos de seleção, quehoje é uma forma de recompensar in-vestimentos feito por pais ricos, o queresulta em uma representação despro-porcional no ambiente universitário.

O pesquisador ressaltou ainda

que o critério de seleção das cotasprecisa ser racial pois é nesse quesitoque o Ipea, o IBGE e outros institu-tos de pesquisa demonstram que estáa diferença no Brasil.

Antropólogo e Diretor do Cen-tro de Estudos Africanos da Univer-sidade de São Paulo, o professorKabengele Munanga, relatou sua ex-periência em ser o único desde suaentrada como aluno na universidadena década de 70, até hoje quandoprestes a se aposentar, não conseguever a possibilidade de ter um substi-tuto negro para seu cargo. “Nessetempo todo não entrou nenhum pro-fessor negro na instituição” declara.

O relato do professor da Univer-sidade Federal de Minas Gerais, Leo-nardo Avritzer, sobre sua participa-ção em reuniões que definiriam oAmicus Curiae no caso Grutter ver-sus Bollinger que julgou a constitu-cionalidade das cotas na Universida-de de Michigan, ressaltou o fato deque por mais que as sociedades ame-ricanas e brasileiras tenham suas par-ticularidades, as ações afirmativas sãoimportantes nos dois países, não ape-nas no ambiente universitário, maspara construir um mercado de traba-lho competitivo.

Última participação do segundodia de audiência, o presidente da Or-ganização Não Governamental Afro-

cotasSTF faz audiência

Da Agência afrobrasnews

pública sobre

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2010 • Fev/Mar • Afirmativa Plural 21

bras e reitor da Faculdade Zumbi dosPalmares, José Vicente, aproveitou aocasião para entregar um memorialcom assinaturas dos alunos e pro-fessores da Zumbi, apoiando a cons-titucionalidade das cotas. Reforçou ofato de que as cotas já são uma reali-dade no Brasil há mais de dez anos ecomoveu o plenário ao apresentar umvídeo com falas de autoridades emdefesa das ações afirmativas e cenasda real situação do negro no Brasil.

“As cotas, no ambiente educacio-nal produziram interação e integra-ção entre negros e brancos. Tornouo espaço mais representativo da so-ciedade e promoveu o reflexo e re-formulação de conceitos. Permitiu ainclusão de novos valores e de dife-rentes visões de mundo, além de des-cobrir e forjar novos talentos. No am-

biente empresarial produziram umamudança virtuosa. Estimulou o apri-moramento da cultura organizacio-nal, motivou o grau de cooperação esolidariedade, alcançou a simpatia ea satisfação dos clientes e demais pú-blicos de relacionamento e, mesmoagregou valor ao serviço e ao produ-to”, defendeu Vicente.

“É o papel do Estado no RegimeRepublicano e no Estado democrá-tico de Direito manter a ordem, as-segurar a paz social e promover o al-cance da felicidade dos cidadãos.Onde houver desigualdade estrutu-ral é obrigação e dever moral, ético econstitucional do Estado de agir demodo próprio, ainda que de formaextraordinária e excepcional paraequalização das oportunidades. Sóisso torna o estado legítimo. E, o caso

dos negros brasileiros, Excelência, éum caso evidente, profundo e angu-lar de desigualdade estrutural”. É de-clarada extinta a escravidão no Bra-sil. Revogam-se as disposições emcontrário. “Esse foi o nosso único le-gado”, afirmou o reitor da Zumbi.

Em 5 de março, o ministro Ri-cardo Lewandowski previu que otema poderá ser votado pelo Plená-rio do STF ainda neste ano, no jul-gamento da Arguição de Descum-primento de Preceito Fundamental(ADPF) 186 e no Recurso Extraor-dinário (RE) 597.285/RS, dos quaisé relator. De acordo com Lewando-wski, o material do fórum vai subsi-diar os ministros a tomarem uma de-cisão a mais justa possível em rela-ção às duas ações que estão em jul-gamento nesta Casa.

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José Vicente, durante audiência no STF.

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22 Revista Afirmativa Plural

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Ceia Negra. Pintura de Rodrigo Buarque, inspi-rada na Santa Ceia de Leonardo da Vinci, séculoXVI. Óleo sobre tela, produzido especialmentepara o projeto Mulheres Negras do Brasil.

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Revista Afirmativa Plural 23

Por Eliane Almeida, da redação

especial

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24 Afirmativa Plural • Fev/Mar • 2010

especial

Mulheres Negras são mulheres e negras. Duas categorias que se unem num único grito: ode LIBERDADE. Até os dias atuais, as mulheres negras sofrem com a discriminação porpertencerem a estas duas categorias. A violência sexual dentro do próprio lar, o assédiomoral nas relações, a escravidão da estética européia e receber o menor salário da pirâmidesocial são fatores que atingem a auto-estima das mulheres negras da atualidade.

Na busca por uma nova identidade, a mulher negra se descobre linda e inteligente. Em seu“pichaim” o charme de ter um “black”. Nos tons de terra das maquiagens, a valorização dostraços dos ancestrais africanos. No corpo voluptuoso e cheio de curvas, o charme de serextremamente inteligente.

Elas buscam seu pão de cada dia todos os dias matando mil leões. Elas crescem eaparecem. Elas são belas, são talentosas, são fortes, são guerreiras. São Mulheres. SãoNegras. São Brasileiras.

Diversos estudos mostram queentre o século XVI e meados do sé-culo XIX, foram traficados para oBrasil algo em torno de 4 milhões depessoas escravizadas, entre congos,angolas, benguelas, caçanjes, minas emuitos outros negros de diversosgrupos étnicos africanos. Da áreacosteira, os mercadores de humanos,também conhecidos como tangoma-nos, partiam para ataques e expedi-ções a lugares remotos onde captu-ravam homens e mulheres livres.

A escravidão na África já aconte-cia muito antes de os europeus inva-direm o continente, principalmentenos territórios islâmicos. Mas a dinâ-mica da escravidão naquele tempo eraoutra. Muito diferente da que foi ins-titucionalizada nas Américas temposdepois. Segundo Antônio de OliveiraMendes, um veterano viajante entre oBrasil e a África, as pessoas eram es-cravizadas por várias razões: conde-nações por juízes locais, sob acusaçõesde adultério ou roubo; substituiçãode mulheres, filhos e filhas ou outrosparentes do sexo masculino conde-nados ao cativeiro; e ou eram sim-

plesmente tomadas como prisionei-ros de guerra.

Com a chegada dos mercadoresas guerras étnicas se tornaram maisfrequentes e muitas sociedades se de-sestruturaram. A massa negra africa-na que saía de toda a costa do conti-nente era constituída de homens emulheres que foram transportadospara território brasileiro não faziamparte de um grupo homogêneo. Cadaqual tinha sua própria história. Trou-xeram consigo suas referências fami-liares, étnicas, religiosas e culturais,que juntas forjaram uma nova cultu-ra no novo continente.

As mulheres, entre os grupos es-cravizados, formavam um grupo decerca de 20% menos que o dos ho-mens. De acordo com a obra “Mu-lheres Negras no Brasil” (2007), pelascorrespondências comerciais trocadasentre escravocratas e negociantes, épossível deduzir o tipo de cativo maisdesejado: os “moleques”, sem ou pou-ca barba. Quando não era possível“comprá-los”, optam por “molecas”de “peito atacado” ou “peito em pé”.Conta o documento que em 1732,

“uma negra mina de peito em pé” foiavaliada, no Brasil, em cem mil-réis,por ser jovem e ter uma aparência sau-dável. As jovens africanas, por contada triste viajem e das torturas dentrodos porões dos navios, chegavam àterra firme, quando vivas, muito fran-zinas e apáticas. De acordo com umcronista do século XIX elas eram cria-turas “magras, como sombras camba-leantes, tinham feições contraídas, osgrandes olhos pareciam querer saltardas órbitas a qualquer momento, e,pior que tudo, as barrigas enrugadas,formando um perfeito buraco, comose elas tivessem se desenvolvido nosentido das coisas”.

Nas últimas décadas do séculoXVI, as mulheres africanas começa-ram a chegar ao chamado NovoMundo. Elas foram cruelmente ex-ploradas. Obrigatoriamente tiveramque servir a exaustão como mão ecorpo de obra. Desde os primeirosmomentos resistiram, lutaram e ge-raram soluções. Reinventaram umMundo Novo. Agregaram fé, sabe-res e sabores às maneiras de ser detoda gente, que de geração em gera-

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ção continua a chegar para ajudar narecriação de novos rumos.

Dívida Histórica:Escravização de Corpoe Alma

No período da colonização, asafricanas desempenharam diversospapéis na sociedade. Atuavam das ta-refas domésticas às lidas diárias noscampos. Em todas as etapas da ma-

de seu direito de alimentar seu re-bento, todo o seu leite alimentava ofilho de seu dono. A presença fortedas amas de leite na criação dos be-bês brancos foi sentida, depois dealgum tempo, como elemento quedesvirtuava as crianças. As músicasde ninar cantadas em suas línguasnativas traziam à tona mitos e per-sonagens africanos, tidos comooriundos de uma crendice bárbara.

As negras do TabuleiroQuitandeiras, vendeiras ou ga-

nhadeiras. Era assim que as negrasdo tabuleiro eram chamadas. As mu-lheres negras no Brasil buscavamnovas formas de sustento e se torna-ram as primeiras empreendedoras de

especial

nufatura dos produtos canavieiros,elas também trabalhavam. Nas casasgrandes cozinhavam, lavavam, cerzi-am e arrumavam. Trabalhavam de sola sol, sob o olhar rígido do feitor eda Sinhá. Como pagamento recebi-am uma refeição diária formada ba-sicamente por feijão, milho e farinhade mandioca. Carnes, quando servi-das, eram geralmente sobras ou dequalidade duvidosa. Foi no cozimen-to destas carnes duvidosas com o fei-jão que nasceu o prato que é a carado Brasil: a feijoada.

Elas transformaram-se em mãesde seus algozes dando seu leite e dei-xando seus filhos famintos. A amade leite foi a “profissão” que maismaltratou a mulher negra. Privada

Mãe Aninha

... Plena e completafaculdade ao rei Afonsode invadir, buscar,capturar, conquistar esubjugar todos osSarracenos e qualquerpagão e outros inimigosde Cristo, ainda queestes vivam juntos aosseus reinos, ducados,principados, senhorios,possessões e qualquerbem móvel ou imóvel,que seja de suapropriedade e delançar-lhes emescravidão perpétua ede ocuparem,apropriando e voltandoao uso e proveitopróprio e dos seussucessores tais reinos,ducados, condados,principados, senhorios,possessões e bens ...

Trecho da Bula Papal de Nicolau V, 1454

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que se tem notícia. Persona-gens anônimas, demasiada-mente retratadas no períododo Império. Presentes nasobras de arte dos primeirosquatro séculos de Brasil, essasmulheres de origem africanaremontaram na diáspora ouniverso de cores, mistérios,sons, aromas e sabores queguardavam em sua memória.Eram elas, as negras com seustabuleiros, que ocupavam ma-ciçamente os mercados, os ca-minhos, as ruas e praças dasvilas e cidades brasileiras.

As vendeiras formavamum grupo bastante heterogê-neo que no dia a dia circulavae se apropriava dos espaços ur-banos, semprecriando rimas,cantando, equilibrando seus ta-buleiros com maestria. As mu-lheres negras libertas eram aspresenças mais numerosas novai e vem deste comércio. Tran-sitavam e comercializavam seus qui-tutes à vontade, sem interferência emseus negócios e o resultado de seutrabalho era unicamente seu.

Negras escravizadas também atu-avam nesta área sendo muitas vezesa única fonte de renda de seus pro-prietários. A presença das quitandei-ras na história do Brasil está presen-te de norte a sul do país. Em todosos municípios tem feiras que aindaguardam características profundas daafricanidade desta atividade.

Quilombolas desde achegada

Quando se diz que a mulher ésexo frágil, com certeza não haviase pensado num universo femininoquilombola. Guerreiras desde a che-

gada em território brasileiro, a de-sistência nunca fez parte do univer-so dessas mulheres.

No Brasil, no período colonial epós-colonial, as comunidades qui-lombolas chegaram a reunir milha-res de habitantes. Sempre ligados àresistência a escravidão, esses povo-amentos negros tinham sua dinâmi-ca e política própria. Em sua imensamaioria, os quilombos eram fortale-zas de guerra e tinham uma econo-mia agrícola. Muitas das quitandei-ras eram informantes quilombolas.

O fato de produzirem gêneros ali-mentícios facilitava a circulação de in-formações que os mantinham segu-ros por um longo tempo. A proximi-dade com os grandes centros ondecomercializavam seus produtos criou

parcerias e as comunidadesacabavam contando com pro-teção de taberneiros, pequenoslavradores e principalmentedos homens e mulheres queainda viviam nas senzalas.

De acordo com pesquisassobre os quilombos inaugurais,pode-se supor que nas inúme-ras comunidades quilombolasa participação das mulheres foideterminante e fundamental,tanto na manutenção prática,com o abastecimento de pro-visões, confecção de roupas eutensílios, quanto na preserva-ção de valores culturais e reli-giosos. Em alguns mocamboselas representavam o elo comas divindades e fortaleciam oespírito combativo de seus ha-bitantes. Através de seus ritu-ais enraizavam o sentimento deproteção dos quilombolas emsuas caçadas e enfretamentosde captura.

E Viva a Liberdade!Desde que chegaram em terras

brasileiras, as africanas e depois suasdescendentes, as crioulas (negrasnascidas no Brasil), buscaram diver-sas maneiras de superar as dificul-dades impostas pelo sistema escra-vista. Participaram de rebeliões e for-mação de quilombos, organizavam-se para realizar fugas em massa epara obterem dinheiro a fim de com-prar alforrias. Foram as mulheresque, com sua perspicácia, percebe-ram as brechas na lei para alcança-rem seu intento: a Liberdade.

O final do século XVIII foi mar-cado pelos ideais de democracia quese estabelecia no continente europeupor conta da Revolução Francesa –igualdade, liberdade e fraternidade.

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Babá comCriança - 1867

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Este ideal tomou conta das ca-beças pensantes no Brasil e acen-deu o estopim da discussão pelofinal da escravidão. Ao mesmo tem-po, as elites escravocratas foram for-çadas a aumentar a mão-de-obraafricana nas plantações para atenderao mercado.

Neste clima contraditório, as re-beliões escravas eram uma constan-te. Os levantes e as batalhas sangren-tas foram a mola propulsora para ofortalecimento do argumento de li-berdade. O medo era o grande alia-do dos negros escravizados. As mu-lheres tiveram papel fundamental naorganização destes levantes e rebe-liões. Em 1814, na cidade de Salva-dor, Bahia, uma cativa chamadaFrancisca participava ativamente deum levante com seu companheiroFrancisco Cidade, também escravi-zado, líder do movimento. O casalcoletava dinheiro para o motim e in-citava a população à revolta, distri-buindo pequenas tiras de papel ondese denominavam rei e rainha da re-belião. Descobertos pelas autorida-des, ele foi deportado para a África edela nunca mais se teve notícia.

A alforria era a garantia de se po-der voar em tempos onde se mantervivo já era uma grande vitória. Sabe-doras das brechas de lei e empreen-dedoras de natureza, as mulheresnegras, com seu trabalho juntavam odinheiro suficiente para compraralém de sua alforria, a de seus filhos,companheiros e afilhados.

Na busca pela cidadania, a Abo-lição da escravatura foi um grandemarco na história do Brasil. Mas,na história dos negros no Brasil, foia organização da mulher negra, qui-lombola, quituteira, que garantiu egarante o sustento de sua família.

O que não é muito diferente dosdias atuais. Foram mulheres escra-vizadas que inventaram, recriarame experimentaram em seus afazerescotidianos, nas ruas, nas matas, nassenzalas, casas-grande e tribunais,diferentes maneiras de sentir e im-primir outros significados à palavraLiberdade.

Hoje e Sempre:A luta por ser Mulher eNegra

A Constituição brasileira de 1824não dava aos negros escravizadoscondição de sujeitos de direito. Odireito ao voto era dado somente aosmaiores de 21 anos com diplomauniversitário e eram excluídos doprocesso homens livres pobres,mendigos, analfabetos, soldados ereligiosos. A exclusão das mulherese dos negros não fica explícita, poisnão é nem citada, mas a regra ficaclaramente entendida porque o re-quisito riqueza não fazia parte douniverso do negro e política não eraassunto para mulheres.

O movimento feminino nasceneste contexto como imprensa femi-nista ainda no período do Império.Em 1910, a professora baiana Leo-nilda Daltro, junto com outras mu-lheres, funda o Partido RepublicanoFeminino, no Rio de Janeiro. Foi umaverdadeira afronta à política machistaque acendeu o debate sobre o direitode voto para as mulheres no Congres-so e na sociedade.

Em 1932, no governo de Getú-lio Vargas, as mulheres finalmenteconquistaram o direito ao voto. Asprimeiras eleições em que puderamvotar foi em 1933, para a AssembléiaNacional Constituinte. Inicia-se en-tão uma análise pelo perfil das mu-

lheres brasileiras e percebe-se que agarantia de cidadania dada a elas, fa-zia com que o colégio eleitoral se tor-nasse mais promissor.

Hoje, estamos na política, na mú-sica, na arte, na dança, no cinema, nosmeios de comunicação, nas grandescorporações, nos altos postos. Somose estamos cada vez mais mulheres. So-mos mães de Daianes, esposas comoMichelle, lindas como Taís e Camila,fortes como Benedita, talentosascomo Elza, de riquezas sem fim.

Somos a força que rege esta ter-ra. Somos a flor que desabrocha namadrugada exalando o perfume queinebria a noite. Somos a luz da manhãe a mão que se estende na escuridão.Somos o colo que abriga, a mão queafaga, o som que embala o sono, oseio que alimenta. Somos negrascomo a noite, belas como a pérola ericas de amor.

Somos Mulheres, Somos Negras,Somos Mulheres Negras!!!

Texto baseado na Obra “Mulheres Negrasdo Brasil”, de Schuma Schumaher e ÉricoVital, Senac Editoras, 2007.

especial

Anastácia

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especial

Da Redação

Rosa Parks sendo presa e multada.

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especial

de grande coragem, que conscientemente ar-riscou sua vida e enfrentou a prisão para rom-per com o sistema do apartheid”.

Em sua autobiografia, Parks disse que “al-gumas pessoas disseram que não levantei por-que estava cansada. Isso não é verdade. Erauma mulher jovem e não estava mais cansadado que ao término de qualquer outro dia detrabalho”. “Estava cansada era de ter que ce-der sempre”, acrescentou.

“Quando fui detida, eu não tinha idéia queisso ia dar início a todo um movimento”.

Após seu ato de desobediência pacífica,a costureira teve dificuldades para encontrartrabalho no Alabama, e em meio a ameaçase ofensas, mudou-se com seu marido Ray-mond para Detroit, em 1957, onde traba-lhou como assistente no escritório de umcongressista democrata.

“Rosa Parks era verdadeiramente a mãedo movimento moderno pelos direitos civis”,disse Julian Bond, dirigente da maior organi-zação de defesa dos direitos dos negros, aNAACP, da qual ela era membro desde queaquele dia em que desobedeceu a lei deapartheid americana.

Em 1996 foi premiada com a “MedalhaPresidencial pela Liberdade”. Em 1999 o Con-gresso americano outorgou a ela a Medalhade Ouro, a mais alta honraria civil.

Morreu aos 92 anos dormindo em sua casa,na cidade de Detroit, estado do Michigan.

Estava cansada

era de ter que

ceder sempre.

Rosa Parks

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Uma costureira negra que superou não sóos próprios medos, mas deu início a luta an-tissegregacionista em 1955. Rosa Parks, tor-nou-se símbolo do Movimento dos DireitosCivis dos negros nos Estados Unidos quan-do em 1º de dezembro se recusou a ceder oseu lugar no ônibus a um homem branco, emMontgomery, no Alabama, Estados Unidos.

Rosa Parks, desafiando as regras que exi-giam que pessoas negras se sujeitassem a abrirmão de seus lugares no transporte públicopara brancos, foi presa e multada em US$ 14.Em apoio a atitude da costureira, MartinLuther King Jr. liderou um boicote de 381dias ao sistema de ônibus.

O protesto levou ao fim da segregaçãonos transportes públicos e culminou em 1964,com a Lei dos Direitos Civis, nos EstadosUnidos.

“Ela era muito humilde, falava baixinho.Mas por dentro ela tinha uma determinaçãoque era feroz”, disse o político John Conyers.

Em viagem à África do Sul, o reverendoJesse Jackson, um dos principais defensoresdos direitos civis nos Estados Unidos, enal-teceu Rosa, lembrando que seu ato aparente-mente simples forçou os negros americanosa “se levantarem” pelos seus direitos. “Elaforçou o resto de nós a nos levantarmos. Foium esforço consciente de uma lutadora pelaliberdade”, disse Jackson, durante entrevistacoletiva em Johannesburgo.

Ele se referiu a Rosa como uma “mulher

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Winnie Mandela

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A ex-esposa de Nelson Mandelaé a representação da lealdade femi-nina, isto porque conforme artigo deContardo Calligaris, no jornal Folhade São Paulo, “basta olhar as filas dasvisitas nos presídios para saber quelealdade não é qualidade masculina”no que se refere à presidiários.

Segundo o articulista, os homensquando estão em reclusão recebemmuito mais visitas do que as mulhe-res. Winnie de fato assumiu este pa-pel, ao acompanhar lealmente os 27anos de prisão de Mandela. Ela che-gou a ser presa por apoiar a luta con-tra o apartheid.

Uma mulher de personalidadeforte e beleza marcante, Winnie nun-ca hesitou em violar as regras na bus-ca de seus ideais. Desde a sua juven-tude ela participou das lutas pela ci-dadania plena e pelos direitos huma-nos de todos os sul africanos, semdistinção de cor. Desafiou as leis, aoentrar pelas portas permitidas so-mente aos brancos e ao permanecerem filas proibidas aos “não brancos”.

Foi a primeira pessoa de cor ne-gra a graduar-se como assistente so-cial na África do Sul. Trabalhandonum hospital, começou a atuar po-liticamente junto com a juventudedo Congresso Nacional Africano e

foi detida como presa política pelaprimeira vez em 1958. Posterior-mente foram várias passagens pelaprisão. Numa delas conheceu o ex-marido, que na época advogava emfavor da abolição do apartheid. Jun-tos, Winnie e Mandela, tiveram umavida de muita luta e dificuldades. Ele,na prisão. Ela, com a missão de criaras duas filhas pequenas e buscar aliberdade do marido.

Desde 1958, Winnie foi constan-temente banida e chegou a ficar pre-sa numa solitária por muitos meses,numa tentativa das autoridades deenfraquecer sua determinação. Em1975, tornou-se parte da Liga dasMulheres do CNA (Congresso Na-cional Africano), que teve papel im-portante nas lutas contra as leis doapartheid. Por ter-se envolvido no le-vante de Soweto em 1976, ficou pre-sa durante meio ano e foi banida deSoweto para Brandfort, a 350kms deJoanesburgo, onde viveu por 9 anos.

A ex-mulher de Nelson Mandelafoi acusada de inúmeros crimes des-de uma fraude envolvendo emprés-timos bancários, até a condenaçãopelo rapto do jovem ativista do Con-gresso Nacional Africano, StompieMoekestsi, que posteriormente veioa ser assassinado pelos guarda-costas

de Winnie. Por esta acusação ela foisentenciada a uma pena de cadeia deseis anos por rapto, que veio a serreduzida para uma fiança. Ao todoforam 43 crimes de fraude e furto.

Apesar de tantas acusações, naocasião da libertação de Winnie da pri-são pelo envolvimento na fraude ban-cária, diversos estudantes que estavamna frente do parlamento comemoramcom entusiamo a libertação da liderpolítica. Talvez seja este o reconheci-mento por sua tenacidade e lealdadeà causa do seu povo. Ela inclusive ga-nhou o título de “Mãe da Nação”.

Em 1992, quando Mandela anun-ciou a separação do casal, ele reafir-mou numa conferência à imprensa oseu amor pela ex-mulher, que segun-do ele foi um “pilar” nos seus anosde prisão.

Mesmo após a separação de Man-dela, Winnie continua sendo uma vozforte na política sul-africana, tendosido reeleita diversas vezes para presi-dente da Liga das Mulheres do Con-gresso Nacional Africano.

Para este ano está prevista aprodução do longa Winnie, que co-meça ser gravado em 30 de maio,em Johanesburgo, na África do Sul,além de Cidade do Cabo, Transkeie Ilha Island.

especial

Da Redação

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32 Afirmativa Plural • Fev/Mar • 2010

consciência negra

O dia 21 de março foi escolhidopela Organização das Nações Unidas(ONU) para as comemorações doDia Internacional de Luta pela Eli-minação da Discriminação Racial porcausa do Massacre de Shaperville, emJoanesburgo, na África do Sul, em1960. Autoridades abriram fogo con-tra o grupo que se manifestava paci-ficamente. Os manifestantes protes-tavam contra a “lei do passe”, quetransformava os negros em estran-geiros dentro de seu próprio país.Todo negro tinha que obrigatoria-mente portar um “passe”.

O Massacre de Shaperville resul-tou na morte de 69 pessoas e feriuoutras 186. Mas, o que dizer do ge-nocídio urbano que ocorre todos osdias nas cidades brasileiras? O que di-zer da discriminação presente no diaa dia de muitos negros?

Diariamente milhares de jovensnegros são mortos, principalmentenas favelas em todo Brasil. É impos-sível efetuar uma estimativa correta,pois além da intervenção policial, osmembros das facções criminosastambém possuem a sua própria con-duta de extermínio.

Os membros da raça negra, ain-da hoje, têm maior probabilidade deserem pobres e de terem menos aces-so a serviços adequados de saúde,educação, oportunidades de empre-go, moradia, entre outros. Sendo emmuitos casos submetidos a uma vidade marginalização e de humilhação.

A ação das polícias civil e militarse explica através da história. A polí-cia foi criada no Brasil em 1809 quan-do a família real portuguesa que es-tava no país ficou assustada com osescravos urbanos que circulavam pelocentro do Rio de Janeiro. Os comer-ciantes e as pessoas mais interessa-das na defesa da propriedade priva-da e do patrimônio financiaram a ini-ciativa. Nesse contexto, a polícia sur-giu para manter a ordem e afastar operigo urbano e social das elites.

O que acaba sendo prejudicialpara os indivíduos da raça negra é quemuitas vezes a cor negra, por si só,acaba sendo aliada automaticamentea ações ilícitas. Quantos e quantosnegros são abordados simplesmentepor serem considerados suspeitos.

Em São Paulo, o dentista negro,Flávio Ferreira Sant’Ana, foi morto

no dia 03 de fevereiro de 2004 devi-do a erro policial. A primeira versãodos policiais militares foi de resistên-cia seguida de morte. Segundo eles, avítima de roubo, o comerciante An-tonio dos Anjos, teria reconhecido odentista como o ladrão que teria le-vado seu dinheiro. Chegaram a dizerque o dentista portava uma pistola efoi morto após reagir a tiros. A ver-são foi desmentida pelo comerciantedias depois. Ao assumir a versão fal-sa, os policiais alegaram que mata-

Por Rejane Romano, da redação

21demarço,

um dia de reflexão

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ram o dentista porque o mesmo teriafeito um movimento brusco durantea abordagem. A família rebateu de-nunciando que os policiais mataramFlávio pelo fato dele ser negro.

No julgamento ocorrido em2005, os policiais militares mais dire-tamente envolvidos no crime foramcondenados a penas de 7 anos e meioa 17 anos e meio de prisão por ho-micídio duplamente qualificado, frau-de processual e porte ilegal de armas.A acusação de racismo não foi leva-

da adiante. Muitas das maiores atro-cidades do homem tiveram uma mo-tivação racial. Lutar contra práticas dis-criminatórias, habituais na nossa so-ciedade é um dever de todos. A edu-cação pode favorecer a tomada deconsciência e cultivar a tolerância. Esteprocesso deve começar em casa, con-tinuar na escola e se expandir princi-palmente pelos órgãos públicos. Hácidades que estão produzindo cartilhasde orientação quanto ao atendimentoe a abordagem aos afrodescendentes.

O Dia Internacional para a Eli-minação da Discriminação Racial éum dia de reflexão. E acima de tudode assumir novas posturas. Denun-ciar a partir de então os atos discri-minatórios na vida quotidiana.

Devemos de fato fazer valer aDeclaração Universal dos DireitosHumanos, no sentido de “reafirmara fé nos direitos humanos fundamen-tais, na dignidade e no valor da pes-soa humana, e na igualdade de direi-tos do homem e da mulher”.

Martin Luther King Jr. (ao centro)liderando a marcha da SouthernChristian Leadership Conference.

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consciência negra

Suingada, romântica, eclética,mangueirense e herdeira de uma for-ça que a mantém acesa levando amúsica a todos os cantos do Brasil.Estes são alguns dos adjetivos quemarcam o perfil e trajetória artísticada cantora Alcione: a Marrom.

Além de “Não deixe o sambamorrer”, de Edson e Aluísio foramconsagradas na voz de Alcione can-ções como: Sufoco, Gostoso vene-no, Rio Antigo, Nem morta, GarotoMaroto, A profecia, Delírios de amor,

Uma nova paixão, Depois do prazer,Meu vício é você, Meu ébano e mui-tas outras.

A participação de grandes com-positores brasileiros em seu trabalhoé uma constante. E são incontáveis ossucessos dessa maranhense que já fo-ram trilha sonora de novelas. O maisnovo CD Acesa ganhou destaque em“Caminho das Índias”, da TV Globo,com a faixa “Eu vou pra Lapa”(Serginho Meriti/Claudinho Guima-rães). Samba que enumera as ruas,

personagens, botecos do bairro ca-rioca, auge nos anos 30 / 40 e, quenesta década, vê seu ressurgimento.

Alcione fala sobre samba, carrei-ra e negritude e adverte que quandoo assunto é política, os negros preci-sam aprender a votar nos negros.

Afirmativa: Fale um pouco sobreconsciência negra. Você que está sempre àfrente dos projetos, não só para resgatar aidentidade, mas também para valorizar,porque você é madrinha de muitos cantores

arromPor Mônica Santos, da redação

ma

Alcione

34 Afirmativa Plural • Fev/Março • 2010

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consciência negra

e grupos de pagode. De que forma você achaque o negro deve trabalhar a consciência?

Alcione: Eu acho que a consciên-cia nossa, a consciência negra, devecomeçar em casa. Começar com suafamília, com os filhos, sobrinhos, ir-mãos. Dar educação para nossa fa-mília. A galera tem que estudar, temque aprender a dar valor às coisas.Aprender a ter certos valores na vida.Porque não criamos essas pessoas pragente, é para o mundo. E essas pes-soas não podem sair depois matan-do mendigo na rua, batendo na carada mulher, porque acha que ela eraprostituta. Tem que ter uma educa-ção, ensinar o exercício da compai-xão, o respeito ao ser humano. Euacho que a estrutura dessa consciên-cia deve começar dentro de casa.

Afirmativa: É isso que está faltando?Alcione: Isso é o que está faltan-

do. Dentro de casa você não podebrincar com certas coisas. É como,por exemplo, meu pai fazia com agente e eu faço com meus sobrinhos.Deixava um prato cheio de comida ejogava lá no forno. Ah, vem cá! Vocêsabe quantas pessoas não tem comi-da hoje? Está fazendo charme com acomida! Você vai comer o que colo-cou no prato.

Afirmativa: É evitar o desperdício efazer pequenas coisas que começam em casa?

Alcione: Certo. É procurar corri-gir muitas coisas para a pessoa formaruma personalidade. Crescer com dig-nidade, respeito e sendo respeitado.

Afirmativa: E sobre política, comovocê vê a presença do negro hoje, na política?

Alcione: Hoje nós já temos a pre-sença do negro na política do Brasil.Mas precisamos mais. Acho queBarack Obama foi um grande exem-

plo para o mundo. Eu fiquei muitofeliz com isso. Ficarei mais feliz quan-do a mulher negra e o homem negrodeste país estiverem muito mais den-tro da nossa política. Fazendo boni-to como os outros que estão por aí.Eu acho que já tem esse espaço. Senão tiver, nós vamos abrir esse espa-ço. Nós vamos ter que aprender avotar nos negros.

Eu acho que aconsciência nossa, aconsciência negra,deve começar emcasa. Começar comsua família, com osfilhos, sobrinhos,irmãos. Dareducação paranossa família.A galera tem queestudar, tem queaprender a dar valoràs coisas.

”Afirmativa: E porque você acha queo negro não vota no negro?

Alcione: Tem uma certa cultu-ra. Uma cultura embranquecida queainda existe no país. Mas estas coi-sas com o tempo, com a valoriza-ção da nossa raça, com a valoriza-ção que vem de dentro da família,estas coisas vão mudar. E todos nósvamos dando importância a nósmesmos, como tem que ser. Nóspodemos! Nós precisamos ter a ex-celência das coisas.

Afirmativa: É resgatar a auto-estima que foi perdida com a história davinda do negro para o Brasil? A questãoda escravidão?

Alcione: É uma história muitotriste, que não terminou bem, por-que deram alforria para o negro,mas você fica aí e trabalha em tro-ca do almoço, do jantar (quandotinha). E eles se sentiam recompen-sados por isso. Queremos muitomais do que isso.

Afirmativa: Você comentou sobre aimportância da família, sobre a influênciade seu pai. Como era essa questão da negri-tude no lar?

Alcione: Eu sou bisneta de es-cravos. Meu pai já era neto de escra-vos. Meu pai aprendeu a tocartrompete, ele era músico. Ele viaja-va 24 quilômetros a pé. Um dia, elefoi pedir ao patrão dele se podia em-prestar um dinheiro para comprarum trompete de segunda mão. Eledeu um machado na mão de meu paie disse: “Toma seu trompete, vai ca-pinar”. Esse machado foi muito im-portante na vida de meu pai e nanossa vida.

Afirmativa: O fez reagir?Alcione: Meu pai reagiu a isso.

Ele comprou o trompete dele. Meupai viveu como mestre da banda demúsica da Polícia Militar do Rio deJaneiro. Ensinou música na EscolaTécnica Federal do Maranhão, semter diploma de segundo grau, porqueera quem mais sabia de música noMaranhão. Isso era nato. Ele era umautodidata. Ele sempre foi muitoguerreiro e ensinou isso pra gente.

Afirmativa: Daí a força da Alcione?Alcione: Graças a Deus. Ele tem

a força, eu herdei essa força.

2010 • Fev/Mar • Afirmativa Plural 35

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36 Afirmativa Plural • Fev/Mar • 2010

Quando falamos em mulher ne-gra no Brasil é importante traçar-mos seu perfil para que possamosdemarcar diferenças com as visõesesteriotipadas.

Nós mulheres negras brasileirassomos 25% da população. A maioriade nós é analfabeta ou semi-analfa-beta. Nossa remuneração está no pa-tamar de um salário mínimo. Muitasde nós chefiam a família em maiornúmero que as mulheres brancas. Talperfil demonstra que a maioria dasmulheres negras vive em condição deextrema pobreza.

O Brasil é o país de maior popu-lação negra fora da África, histori-camente um país escravocrata ondeainda perduram idéias racistas na so-ciedade em geral. Mesmo quando apessoa negra ainda não adquiriu aconsciência do racismo, ser negra em

nosso país significa ainda viver emcondição de extrema desigualdadesocial e racial.

Considerando que a mulher noBrasil, até a Constituição de 1988,era legalmente considerada cidadãde segunda categoria, ser mulhernegra e pobre significava não ter di-reitos mínimos de cidadania assegu-rados juridicamente.

É no contexto descrito que pre-cisamos situar a denominada “ques-tão da mulher negra”.

Nós mulheres, se queremos umasociedade de fato democrática, igua-

cidadania

Por Benedita da Silva*

Nós, mulheres

negras brasileiras,

somos 25% da

população.

“”

Page 37: Afirmativa 33

Benedita da Silva

2010 • Fev/Mar • Afirmativa Plural 37

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38 Afirmativa Plural • Fev/Mar • 2010

litária, unindo gêneros, etnias e reli-giões num projeto de nação que con-temple a diversidade engendrada noprocesso histórico brasileiro - mas,que foi negada ao longo da história -temos que lutar para que essa reali-dade seja confirmada.

As mulheres são como o anjo dahistória que caminha para frente,mas têm o olhar voltado para traz,para resgatar a força que emana desuas lutas e, que estão vinculadas àsreivindicações femininas por melho-res condições de trabalho, por umavida digna e sociedade mais justa eigualitária.

Essa luta das mulheres é antigae contou com a força de inúmerasque nos vários momentos da histó-ria da humanidade resistiram aomachismo, à discriminação e a injus-tiça social.

É importante situar que a gêne-se do que se convencionou chamarde incorporação da perspectiva degênero, ainda está sendo elaborada.Sob essa noção podemos compre-ender algo que corresponde aproxi-madamente a adoção de uma cate-goria, a de gênero, cujo uso deve es-tar orientado para reexame da reali-dade social brasileira. Em geral naspráticas atuais ao tratar da perspecti-va de gênero, alude-se a uma análisena qual estão em foco as condiçõesde vida das mulheres e sua posiçãonas relações sociais e nos espaços depoder em contextos específicos.

Nesse texto repasso minha per-cepção de alguns processos relativosà constituição do problema de gêne-ro e étnico-racial e sua estreita rela-ção com democracia e o tema do de-senvolvimento no Brasil.

A questão das desigualdades en-*secretária de Assistência Social e Direitos Hu-manos do Governo do Estado do Rio de Janeiro

tre homens e mulheres veio ao cená-rio público há cerca de 200 anos, emmeio às revoluções burguesas do sé-culo XVIII, entre elas a RevoluçãoFrancesa (1789). Nasce, portanto, nocampo da luta social pela igualdade,num contexto histórico-cultural mui-to significativo para o projeto demo-crático burguês ocidental, que ali se

É preciso

fundamentalmente

considerar as

enormes

desigualdades de

renda entre

mulheres e as

divisões sociais

produzidas pelo

racismo que

impregnam as

práticas cotidianas

na nossa cultura.

”iniciava. O que destoava do conjun-to é que o tema foi trazido à arenapolítica pela ação das mulheres, De-senvolvimento e Democracia, sujei-to coletivo até então ausente e queali se tornara institucional pelo femi-nismo e por uma nova agenda decombate às desigualdades.

Temos que considerar as diferen-ças entre mulheres é verdade, mas épreciso fundamentalmente conside-

rar as enormes desigualdades de ren-da entre mulheres e as divisões so-ciais produzidas pelo racismo queimpregnam as práticas cotidianas nanossa cultura. A cultura e a econo-mia podem atuar articuladamente naprodução de injustiças; mas, tambémpodem ser a saída para uma verda-deira democracia, se estiver atentaspara as diferenças de realidades.

E por fim considero que o cam-po da luta democrática, na esferapública, a questão da participaçãonão pode estar ausente de uma pers-pectiva de igualdade de gênero. Te-mos um sistema onde a maioria dasposições é ocupada por homens: issonão é nada menos do que patriarca-do ainda em voga no Brasil.

Neste sentido já temos as açõesnessa direção realizadas pela Secre-taria Especial de Políticas para Mu-lheres em nível nacional e pela Se-cretaria na qual estamos à frente noEstado do Rio de Janeiro com o Pro-grama Mulheres pela Paz e no Pro-grama Mulheres na Construção Ci-vil. Estes dois programas já vêm dan-do resultados positivos para as mu-lheres negras pobres e suas famílias.

Concluo exortando a luta e a vidadas mulheres negras do Brasil...

“Minha luta começou como a deoutras meninas negras;Faceiras, ditosas, criativas,construtoras amorosas,Pele linda de menina machucandocorações;Bem amada não duvide;Foi sempre assim.A prova dessa verdade;É que estou aqui como outrasmulheres na luta”...

cidadania

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40 Afirmativa Plural • Fev/Mar • 2010

A importância de reverenciarmos“O Dia 08 de Março” é para memo-rizarmos as operárias sacrificadas em1857 defendendo os seus direitos notrabalho, na cidade de Nova Iorque,(EUA). Entretanto, o reconhecimen-to à data 08 de março só aconteceuno ano de 1910, na Dinamarca e aONU oficializou-a em 1975, atravésde um decreto.

Essa data alcançou tal magnitu-de numa influência marcante paraaberturas de novos caminhos. Coma repercussão do movimento inter-nacional no início do século, des-

pertou antigas reivindicações, comoo voto feminino que começou a to-mar forma no Brasil em 1910, prin-cipalmente com a exclusão da mu-lher ao lhe ser vedado o direito aovoto, excluindo-a da participaçãopolítica do país.

O ciclo de mobilização femininaaberto nos anos 20 conquistou paraas mulheres brasileiras em 1932 o di-reito de voto que elas vinham reivin-dicando há quase um século. Com odecreto sancionado em 1932, pelopresidente Getúlio Vargas, a mulherpassou a exercer a sua cidadania. Ain-

da hoje, no século XXI, a ideia decidadania está longe de ser consensoou ter uma forma ideal e final. Seuapelo nas últimas décadas ganhouares mais nobres, desejo social e damais legítima aspiração de homens emulheres desse país.

A Constituição de 1934, conce-deu o sufrágio à mulher brasileira quetornou-se eleitora, pelo prisma his-tórico político.

Ao analisarmos um assunto tãocomplexo para a mulher brasileira, nocontexto sócio-político no Brasil, énecessário ter uma visão generaliza-

política

voto femininoo

negrae a mulher

Por Theodosina Rosário Ribeiro*

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2010 • Fev/Mar • Afirmativa Plural 41

da sobre o cerne da questão.Após a vitória alcançada com o di-

reito ao voto feminino e ao longo des-ses séculos, a mulher brasileira vemalcançando cada vez mais a sua eman-cipação, com condições econômicase sociais que a levam a participar demaneira crescente, da forma de tra-balho e a se beneficiar da expansãoeducacional, entretanto, não exerce-ram o mesmo efeito favorável no quese refere à política.

Daí a necessidade de se desven-dar por que os papéis políticos con-tinuam a ser privilégio quase absolu-to dos homens.

Há que considerar a herança deuma cultura milenar, porque há pou-co tempo que ela conseguiu o direi-to ao voto feminino. Resultante darelutância das mulheres em ingres-sar em partidos políticos, os quais,por lei terão que reservar 20% dasvagas, para as candidatas e, bemcomo em outros canais de recruta-mento e seleção de lideranças.

A assimilação das mulheres nointerior das organizações partidáriasé obviamente difícil.

É fácil evidenciar os limites da ci-dadania por parte das mulheres e dealguns grupos sociais menos privile-giados via partidos políticos.

A sub-representação das mulhe-res em campos políticos é grande, ape-sar do peso do eleitorado feminino(45% em 1982). No entanto, não sóa representação feminina é inadequa-da com também é ainda pequeno onúmero de mulheres que se orientapara a disputa de cargos políticos.

À medida, que forem sendo de-senvolvidas políticas públicas dire-cionadas ao estudo da história da po-lítica brasileira, pela sua importân-

cia, cujo objetivo maior é de regeros destinos do nosso país, com osavanços de maturidade de conscien-tização, a mulher negra, também,com o seu espírito de luta pela sua

inclusão social, pela igualdade racial,aumentará a sua participação noquadro eletivo do Brasil.

Theodosina Rosário Ribeiro

* advogada, primeira vereadora e deputada esta-dual negra do estado de São Paulo.

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42 Afirmativa Plural • Fev/Mar • 2010

esporte

Quem poderia imaginar que otênis, um esporte elitista, até entãodominado apenas por jogadorasbrancas, teria como grandes estrelasduas negras vindas de uma comuni-dade pobre?

Com muita garra e talento as ir-mãs Williams, Venus e Serena, são umexemplo clássico de união familiar embusca da concretização dos sonhos.

Elas são fortes, polêmicas, irre-verentes com suas roupas coloridase decotadas, bijuterias e cabelos en-feitados com miçangas. Mas, acimade tudo, são consideradas invencíveisnos torneios em duplas.

Quando as duas pisam em qua-dra o público pára para assistir umestilo de jogo ofensivo. Desde o co-meço da partida as irmãs tomam con-ta dos jogos. A caçula, Serena, pos-sui um saque considerado por mui-tos como sendo um dos melhores notênis feminino. Já Venus foi a primei-ra tenista negra a conquistar o GrandSlam Wimbledon em mais de 40 anos.Ela começou a jogar tênis aos qua-tro anos. Agora próxima de comple-tar 30 anos, essa tenista já revezou otopo do WTA (Women’s Tennis Asso-

ciation) com a irmã diversas vezes.Atualmente, Serena Williams, que

completa 29 anos em 2010, está in-cluída na restrita lista das jogadorasque têm em seu currículo, vencidos,todos os Grand Slams da turnê femini-na e duas medalhas de ouro olímpi-cas de duplas nos Jogos Olímpicosde 2000 e 2008. Esta mulher de 1m73,também se aventura como atriz, fa-zendo participações em algumas sé-ries de televisão como Law & Order,ER e My Wife and Kids.

A carreira das irmãs teve iníciograças aos esforços do pai e treina-dor, Richard Williams. Richard, queaprendeu a jogar tênis assistindo avídeos e lendo manuais, inspirou-seem investir no potencial das filhasapós assistir um programa de TV noqual uma tenista recebeu um chequede 30 mil dólares pela vitória conquis-tada em quatro dias de torneio.

Muitos treinos foram feitos emfamília, até mesmo a mãe das meni-nas, Oracene Price, ajudava as filhasnas quadras públicas em Compton.Finalmente, quando Venus comple-tou 10 anos, a família toda se mudoupara a Flórida, para que as caçulas de

cinco filhas pudessem treinar com obadalado técnico Rick Macci. Alémdas aulas de tênis, as irmãs faziam tae-kwon-do, boxe, balé e ginástica. Umprograma de condicionamento físi-co completo que resultou nos mús-culos que dão às meninas bíceps ecoxas bem trabalhados, capazes deaguentar horas de treinos diários. Elaschegaram a sair da escola e a ter au-las em casa para se dedicarem me-lhor aos treinos.

Tanto esforço resultou num fenô-meno que até então não foi repetido.Após a trajetória de Venus e Serena,autoridades do esporte previam quejovens jogadores afro-americanos delugares como Compton, Califórnia eHarlem estariam jogando no tênismundial. Como isso não aconteceu, aAssociação Americana de Tênis en-tendeu que é necessário um investi-mento mais profundo nas comunida-des, procurando atletas potenciais.

Desde que as irmãs despontarampara o tênis, elas deixam como liçãoque por maiores que sejam as bata-lhas e dificuldades a serem enfrenta-das, os resultados podem ser compen-sadores social e financeiramente.

exemplos de sucessowirmãsilliams,

Da Redação

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Venus e Serena Williams

Foto:

AFP

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2010 • Fev/Mar • Afirmativa Plural 43

Page 44: Afirmativa 33

mercado de trabalho

o trabalho“também”

Luciene de Jesus Batista, 39 anos, pedreira - Projeto Mão na Massa.

44 Afirmativa Plural • Fev/Março • 2010

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2010 • Fev/Mar • Afirmativa Plural 45

mercado de trabalho

dignificaàs mulheres

As lutas travadas pelas mulheresno decorrer da história para serem re-conhecidas como atuantes na socie-dade se refletem em vários aspectos.Desde a busca pelo direito ao voto,ao uso da pílula anticoncepcional, atéa fazer parte do mercado de trabalho.O Dia Internacional da Mulher, inclu-sive, foi marcado pelo trágico episó-dio da morte de operárias norte-ame-

ricanas, em 1857, quando reivindica-vam condições dignas de trabalho.

Na história do Brasil, as mulhe-res trabalhadoras são encontradasdesde as escravas que trabalharam nascasas-grande, como amas e criadas,sujeitas, muitas vezes, à violência fí-sica e sexual. A mulher negra ao lon-go de sua história foi a “espinha dorsal”de sua família. Tendo que sustentar aos

filhos e em muitos casos, até mesmo ocompanheiro, especialmente no perío-do pós-abolição, onde elas consegui-ram manter o emprego na casa gran-de, mesmo com a presença estrangei-ra ocupando maciçamente os postosde trabalho.

Ainda hoje o acesso da mulher aomercado de trabalho tem sido inter-pretado como uma conquista. Atra-

FonteFonteFonteFonteFonte: SEP. Convênio Seade-Dieese Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.(1)Negros: incluem a população preta e parda. Não-Negros: incluem a população branca e amarela

Gráfico 1 -Taxa de participação de mulheres no mercado de trabalho segundo a cor e faixa etária naRegião Metropolitana de São Paulo - 2000

Mulheres Mulheres Negras Mulheres Não-Negras

10-14 Anos 15-17 Anos 25-39 Anos 40 Anos e mais18-24 Anos

5,6

Em %Em %Em %Em %Em %

43,0

73,8 71,1

42,8

6,8

44,0

74,970,9

50,0

42,4

4,9

73,2 71,2

40,3

Da Redação

Page 46: Afirmativa 33

46 Afirmativa Plural • Fev/Mar • 2010

mercado de trabalho

vés do trabalho a mulher alcança sub-sídios para ampliar sua inserção e par-ticipação na sociedade moderna econstitui uma renda para garantiruma vida digna ou simplesmente parapermitir a sobrevivência familiar. Tal-vez este segundo motivo seja o cau-sador da maior proporção de mulhe-res negras no mercado de trabalho(veja gráfico 1). Provavelmente em ra-zão da responsabilidade de prover osustento da família, as negras parti-cipam mais intensamente com 67,1%enquanto as não-negras com 56,4%como demonstrado na Tabela 1.

Atualmente, a inserção das mu-lheres no mercado de trabalho for-mal e informal se expandiu. No en-tanto as desigualdades no mercadode trabalho ainda estão presentes nasociedade. Principalmente no que serefere a mulher negra, devido a ques-tões como escolaridade e até mes-mo preconceito racial. No Brasil, oemprego doméstico tem um pesoimportante no mercado para as mu-lheres negras. As empregadas do-mésticas constituem uma das maio-res categorias de trabalhadoras dopaís. Do total de empregadas nessesetor, 95% são mulheres, conformedivulgou a Organização Internacio-

nal do Trabalho (OIT) em 2006.Outro trabalho, no qual muitas

negras acabaram descobrindo espa-ço foi a informalidade. Segundo pes-quisa do DIEESE (DepartamentoIntersindical de Estatística e EstudosSocioeconômicos) realizada em 2005,mais de 40% das mulheres não ne-gras ocupavam postos vulneráveis detrabalho e, entre as mulheres negras,esse contingente se elevava para maisda metade.

Os problemas enfrentados pelasnegras no mercado de trabalho nãoparam por aí. A discriminação tor-na-se perceptível ao se analisar o sa-lário e o número de vagas ocupadaspor elas.

De acordo com a Relação Anualde Informação Social (RAIS), do Mi-nistério do Trabalho, a negra ganha,em média, R$ 790,00 e o salário dohomem branco chega a R$ 1.671,00.Quanto ao número de empregos, são498.521 empregos formais de mulhe-res negras contra 7,6 milhões de mu-lheres brancas. A população negratrabalha, geralmente, em posiçõesmenos qualificadas e recebe os maisbaixos salários.

Apesar do contexto negativo, háuma parcela de mulheres negras que

conseguiu vencer as adversidades, che-gar à universidade e ascender profis-sionalmente nas mais diversas áreas.

Mesmo que em “ritmo lento”, hámulheres negras que conquistammelhores cargos no mercado de tra-balho. Graças a muito empenho esuperação das dificuldades como ab-dicar do lazer, da realização da ma-ternidade, do namoro ou até mes-mo do casamento. Os esforços têmque ser tamanhos porque, além danecessidade de comprovar a compe-tência profissional, as negras têm delidar com o preconceito e a discrimi-nação racial que lhes exigem maio-res esforços para a conquista do ide-al pretendido. A questão de gêneroé, em si, um complicador, mas, quan-do somada à da raça, significa difi-culdades potencializadas.

Vislumbrar uma realidade dife-rente é o primeiro passo para aque-les que querem mudar a história. Aempresária Jorgete Lemos é umexemplo disto. Filha de um mecâni-co e de uma dona de casa, a mãe bus-cou investir os ganhos do marido nosestudos dos filhos. Graças a issoJorgete sempre estudou nas melho-res escolas, se formou em ServiçoSocial, fez pós-graduação em Admi-

FonteFonteFonteFonteFonte: SEP. Convênio Seade-Dieese Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED. (1) Incluem a população preta e parda. (2) Incluem a população branca e

amarela. Fundação SEADE

Posição no DomicílioPosição no DomicílioPosição no DomicílioPosição no DomicílioPosição no DomicílioMulherMulherMulherMulherMulhereseseseses

TTTTTotalotalotalotalotal

TTTTTotalotalotalotalotal 62,562,562,562,562,5 52,752,752,752,752,7 55,355,355,355,355,3 51,551,551,551,551,5

Total Negras (1) Não-Negras (2)

Outros 59,5 50,4 58,7 46,2

Filhos 54,5 51,2 47,9 52,8

Cônjuges 52,1 51,7 55,7 50,1

Chefes 78,1 59,7 67,1 56,4

TTTTTabela 1abela 1abela 1abela 1abela 1

Page 47: Afirmativa 33

2010 • Fev/Mar • Afirmativa Plural 47

São Paulo 25,0 20,9 19,2 13,8 19,6% 51,4%

Salvador 27,6 24,0 20,3 15,2 36,0% 57,9%

Recife 26,3 20,5 22,6 16,2 16,4% 26,6%

Distrito Federal 22,4 18,9 21,0 14,2 6,7% 33,1%

Belo Horizonte 20,5 15,8 16,8 11,5 22,0% 37,4%

Porto Alegre 22,7 19,2 18,1 13,1 25,4% 46,6%

Mulheres Homens Mulheres Homens

TTTTTabela 2 - Tabela 2 - Tabela 2 - Tabela 2 - Tabela 2 - Taxas de Desempraxas de Desempraxas de Desempraxas de Desempraxas de Desemprego por Sexo segundo RaçaBrasil - Regiões Metrego por Sexo segundo RaçaBrasil - Regiões Metrego por Sexo segundo RaçaBrasil - Regiões Metrego por Sexo segundo RaçaBrasil - Regiões Metrego por Sexo segundo RaçaBrasil - Regiões Metropolitanas 1998 (em %)opolitanas 1998 (em %)opolitanas 1998 (em %)opolitanas 1998 (em %)opolitanas 1998 (em %)

RegiõesRegiõesRegiõesRegiõesRegiõesMetrMetrMetrMetrMetropolitanasopolitanasopolitanasopolitanasopolitanas

NegrNegrNegrNegrNegrososososos Não-negrNão-negrNão-negrNão-negrNão-negrososososos DiferDiferDiferDiferDiferença entrença entrença entrença entrença entre as taxase as taxase as taxase as taxase as taxas

Homens negros ehomens não-negros

Mulheres negras emulheres não-negras

Fonte:Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: DIEESE/SEADE e entidades regionais. PED - Pesquisa de Emprego e Desemprego. Elaboração: DIEESEObs.: Raça negra: pretos e pardos; raça não-negra: brancos e amarelos

nistração e hoje é proprietária daJorgete Leite Lemos Evolução Pro-fissional e Organizacional.

Para Jorgete, atualmente, maiorque o preconceito quanto ao gêne-ro é o preconceito em relação à raça.“O escudo primeiro é em questãoda raça. Se você é mulher, aí sim vemo segundo impecilho no mercado detrabalho”, explicou.

Ela já sentiu na pele o quanto a

cor, para algumas empresas pode serum agravante. Ao ser aprovada emtodos os testes de uma empresa nointerior, quando se apresentou pes-soalmente ao selecionador, percebeua surpresa do mesmo ao vê-la. “Asenhora é a Jorgete? Mas nós nãotemos nenhum negro aqui!”. O em-prego só durou uma semana.

A taxa de desemprego entre ne-gros é maior que entre não-negros

conforme a tabela 2 abaixo.Nas regiões metropolitanas de

São Paulo, Salvador e Porto Alegre,a cor discrimina mais no desempre-go que o sexo do trabalhador, ou seja,as taxas de desemprego são maioresentre os homens e mulheres negrosque entre as mulheres não-negras.

Em todas as regiões, as mulheresnegras apresentam as maiores taxasde desemprego.

Foto:

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48 Afirmativa Plural • Fev/Mar • 2010

O que dizer de uma mulher queaos 50 anos larga o cargo de diretoranuma grande empresa para investirnum sonho? Num primeiro momen-to pode parecer loucura, mas MariaDinamar Makiyama desmente esteconceito. Essa mulher é uma prova deque nunca é tarde para buscar um so-nho. Empreendedora desde menina,Dinamar como prefere ser chamada,deixou os pais na cidade interioranade Presidente Epitácio, SP, e aos 16anos veio para São Paulo a procurade oportunidades de emprego.

Até aí nenhuma novidade. En-frentou dificuldades ao morar sozi-nha com uma irmã mais velha. Bata-lhou e conseguiu um emprego no de-partamento pessoal de uma empresa.Ingressou na faculdade de Matemáti-ca, queria informática, mas na épocaainda não existia um curso específiconesta área. Continuou se aprimoran-do até conseguir um emprego de As-sistente Comercial na TV Globo.

Alguns podem dizer, “está bom”.Por tratar-se de uma grande empre-sa, que de certa forma proporciona

estabilidade. Para Dinamar não era osuficiente. Permaneceu na Globo poroito anos e quando surgiu a oportu-nidade de ter um negócio próprio, seusonho resguardado por tanto anos,ela não pestanejou.

Aos 31 anos a empreendedorafundava então uma Agência de Em-pregos. Pouco tempo depois veio amá notícia. Foi anunciado o PlanoCollor e por mais que a vontade fos-se maior, a empresa quebrou. Foramquatro anos de luta, mas não deu paramanter as portas abertas.

Desempregada, com mais de 35anos, Dinamar considerou que asoportunidades de trabalho seriamescassas se não agisse em seu favor eresolveu fazer outra faculdade. Ago-ra no curso de Psicologia.

Foi contratada como estagiárianuma das maiores empresas de Re-cursos Humanos de São Paulo, ondefoi galgando degraus até chegar aocargo de Diretora.

Desta vez outros, muitos, podemdizer: “Agora sim, está ótimo, já al-cançou tudo que queria”. Ledo en-

gano. Lembra-se do sonho antigo deDinamar, ter uma empresa dela? Poisentão, aquele antigo sonho não a dei-xava em paz. “Eu não estava feliz”,relata a própria.

Então, como “projeto” dos seus50 anos de idade, Dinamar abando-nou o cargo de diretora e foi ser fe-liz. Abriu em sociedade com umaamiga uma empresa especialista emprocesso seletivo de grande volume,mas especificamente na seleção deconcursos públicos. A empresa já semantém há dois anos e vai muito bem

obrigada. A chave para o sucesso?Descobrir um nicho de mercado.“Percebemos que as demais empresasdo ramo avaliavam apenas o conheci-mento acadêmico. Então resolvemosnos aprimorar em avaliar o profissi-onal em si”, declarou a empresária.

A experiência adquirida nas em-presas anteriores foi imprescindívelpara se chegar a esta conclusão.

Esta história que mais parece umconto é real. Tão real que muitas fo-ram as dificuldade enfrentadas duran-te o percurso. Vir para uma cidade

empreendedorismo

Da Redação

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grande ainda menina, deixar os paispara trás, resolver fazer mais uma fa-culdade já com um marido e quatrofilhos, abdicar do convívio familiar,tomar a decisão de demitir-se degrandes empresas com bons saláriospara arriscar-se, enfrentar dificulda-des por ser mulher e negra ocupan-do altos cargos em empresas. Tudoisso foi muito difícil.

Dinamar relata que em muitasreuniões que comparecia, quando jáocupava o cargo de diretora, se al-gum assistente loiro de olhos clarosa acompanhava, logo era deixada delado, pois as pessoas pensavam ser oassistente, loiro, o diretor, não ela.

empreendedorismo

No entanto, para engenharia eáreas técnicas esse número cai consi-deravelmente. Esta aí uma dica paraas futuras empreendedoras.

Questionada se agora está reali-zada, a resposta é efusiva, “Nunca.Já tenho um novo projeto. Fazer umaFundação voltada para inclusão digi-

“Eu sempre precisava provar quemeu era e que não estava ali por acaso.Entendo que isso faz parte do hábi-to que as pessoas têm. Mas isso medava mais força ainda”, e ela com-pleta dizendo “Nós mulheres temosque continuar quebrando estes para-digmas”. De acordo com a empresá-ria, atualmente a participação de mu-lheres em concursos públicos, noscargos de nível médio administrativochega a 75%. Se for para cargos daárea de educação essa porcentagem seeleva para 80 ou até 90%.

Somos nós que

fazemos a vida.

Como der,

ou puder,

ou quiser.

”Gonzaguinha

tal na 3ª idade. Acredito que não temvalidade construir um futuro profis-sional, se não contribuir para a so-ciedade”, explicou. Como lição paraaqueles que têm sonhos, mas aindafalta um incentivo ela afirma “Se eucomecei uma empresa aos 50 anos,qualquer um pode”.

Maria Dinamar Makiyama

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comportamento

Por Alzira Rufino*

sustentávelnegrasulheresm

no processo de desenvolvimento

A nova ordem mundial que seestá desenhando no início do tercei-ro milênio aponta para a necessida-de urgente de se combater a má qua-lidade de vida dos habitantes do pla-neta e aponta para o papel da mulhercomo geradora de vida e como guar-diã dos direitos e da sobrevivênciados elos mais fracos da família hu-mana, as crianças e os velhos.

Há décadas, as mulheres de todoo mundo vêm denunciando os malesmateriais e espirituais causados porum poder que as exclui, um poderque mantém o planeta em guerra, emdesequilíbrio permanente, com umapequena elite jogando no lixo tone-ladas de alimentos, sobras de sua avi-dez, para os milhões de seres huma-nos que disputam o lixo, em cima dosesgotos a céu aberto e que depois vãoesperar, com angustia, a fome do diaseguinte, em suas casas de lata e cai-xotes, entre ratos e restos de indife-rença humana.

A mobilização de tantos milhõesde mulheres está transformando omundo, e a discussão sobre a devas-tação da natureza tem as mulheres

como personagens constantes dessediálogo entre o desenvolvimento, oprogresso e a natureza, a qualidadede vida, o direito à felicidade.

São numerosos os países em queas mulheres estão ainda submetidasa desvantagens sociais, econômicas eculturais. Embora seja um pequenonúmero de mulheres as que estão emsituação de mando e não represen-tem a nossa presença majoritária napopulação do planeta, este processonão tem volta e as mulheres poderãomostrar uma vocação muito maisgenerosa para administrar, preservan-do o direito de todos à felicidade. Asmulheres negras e de outras etniasnão-brancas têm, dentro desta novaordem mundial, um papel extrema-mente revolucionário. Seu avançopolítico significa o fim da velha or-dem colonialista, da absoluta sober-ba e opulência do colonizador con-tra a absoluta miséria e humilhaçãodo colonizado.

Na ótica do colonizador, o queimporta é ocupar as novas terras, ex-trair-lhes as riquezas, o sangue, osuor, a vida. Milhões de mulheres,

homens e crianças foram, e aindasão, massacrados e transformadosem mercadoria.

Foi abolida a escravidão nas leis,permanece ainda a divisão: primeiromundo/terceiro mundo; desenvolvi-mento/subdesenvolvimento; ascen-dente ou emergentes? A indiferençade países chamados de primeiro mun-do que foram beneficiados com aexploração da mão de obra negra es-crava, que teimam em deixar o con-tinente africano e povos negros daAmérica Latina sem condições desobreviver ao caos do pós abolição.

Quais serão as medidas de repa-ração desses povos?

O que a ONU fará de fato para areconstrução dos seres humanos?

Nós, mulheres afro descenden-tes, heroínas de tantas jornadas du-plas, triplas, estamos presentes naprodução das riquezas, politicamen-te invisíveis. Mas já estivemos cala-das tempo demais. Estamos ocupan-do novos espaços com os nossospróprios passos. O poder deve sercompartilhado entre as mulheres detodas as etnias e nós, mulheres ne-

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gras do Brasil, forjamos nossa forçaao longo de séculos de resistência àperda de identidade e dos nossosdireitos humanos.

Assim que, ao tratar da integra-ção das mulheres no processo de de-senvolvimento sustentável, deve-sepriorizar as mulheres afro descen-dentes e indígenas, que são subme-tidas a uma dupla discriminação.

Algumasrecomendações

Essa dupla desvalorização torna-as particularmente vulneráveis e porisso propomos algumas medidas es-pecificas para impulsionar sua maiorparticipação em todos os níveis:

!Maior acesso das mulheres àinformação / meios de comunicaçãoe ação concreta dos Estados e da co-operação internacional em relaçãoaos danos causados pelo atual mo-delo de desenvolvimento sustentável,que afeta preferencialmente as mu-lheres das populações africanas, Afrodescendentes e Indígenas.

!Programas especiais para cons-cientizar a sociedade sobre a violênciaprovocada pelo sexismo e pelo racis-mo contra mulheres não-brancas, maissujeitas à violação dos seus direitos.

!Maior acesso ao ensino mé-dio e superior, incluindo-se tambémprogramas de alfabetização e de ca-pacitação profissional para as fun-ções de direção.

!Como parte das atividades quevão celebrar o Beijing + 10 (2005) eo Durban +5 (em 2006), e o Durban+ 15 os governos e as entidades demulheres deveriam produzir mate-riais informativos sobre o status dasmulheres que estão sujeitas a maisdiscriminação, dando mais visibilida-de à questão.

comportamento

*diretora presidente da Casa de Cultura daMulher Negra

!Pressão junto aos governospara que haja mais fiscalização sobreas verbas e os programas voltadospara o controle da natalidade que têmsignificado para as mulheres do ter-ceiro mundo, em geral, esterilizaçãoem massa; fiscalização sobre a pres-crição, sem critérios, de medicamen-tos de reposição hormonal não re-comendados por seus danos a saúde.

!Valorização das culturas e dosconhecimentos das mulheres indíge-nas, afro descendentes e outras etniasnão-brancas, que têm tradição religi-osa onde a natureza e seus elemen-tos são considerados sagrados e sãoa própria divindade.

!Mais apoio dos governos e ór-gãos de cooperação às mulheres deetnias discriminadas para o seu de-senvolvimento econômico, com ca-pacitação para a participação dessasmulheres na elaboração de progra-mas e na sua execução.

!O Comitê para a Eliminaçãoda Discriminação à Mulher, da ONU,deve solicitar aos Estados-Membrosde Convenção sobre a Eliminaçãode todas as Formas de Discrimina-ção à Mulher (Convenção que o Bra-sil ratificou) que incluam informessobre a situação das mulheres de et-nias não-brancas, nos países em queessas etnias estiverem marginaliza-das do poder.

!Pressão internacional para pôrfim ao extermínio de crianças e ado-lescentes negros (as) no Brasil, à pros-tituição de meninas em todos os paí-ses do terceiro mundo, à alta taxa demortalidade infantil nos países em de-senvolvimento, devido, à fome, a do-enças de miséria, fruto do estrangula-mento das nossas economias pela dí-vida externa e por políticas de explo-ração do ser humano e da natureza.

!Inclusão de língua portuguesacomo um dos idiomas oficiais daONU para maior acesso das mulhe-res dos países de Língua portuguesae aos processos e conferências dasNações Unidas.

!Que a Agenda de Ação dasMulheres por um planeta Pacifico eSaudável 2015 inclua, urgentemen-te, diagnósticos e recomendaçõesvoltadas para as mulheres que so-frem discriminação de raça, etnia,casta, opção sexual e religiosa, ex-tensivas a todos os temas da Cúpulade Joanesburgo.

Mudar essa visão de mundo quecria tantas separações, inclusive en-tre mulheres, não tem sido tarefa fá-cil. Acreditamos, no entanto que asmulheres de todo o mundo conti-nuarão derrubando antigos mitos eque também estarão solidárias nestaluta contra os conceitos (e precon-ceitos) de superioridade de uma raça,uma nação, uma cultura, uma religiãosobre todas as outras, para que se-jam definitivamente respeitadas a ri-queza e a harmonia da humana bio-diversidade do planeta...

Alzira Rufino

Foto:

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comportamento

A Helena de Taís Araújo na no-vela “Viver a Vida”, de ManoelCarlos, da TV Globo, é mais umpasso de uma longa escalada rumoà igualdade racial no Brasil. É umapequena vitória, mas ao mesmotempo, incrível que só agora, em2010, a protagonista da novela dohorário nobre seja negra, bem resol-vida e bem sucedida e de classe mé-dia alta, em vez de uma escrava.

O Brasil se esforça em negar queseja um país racista e, de fato, as coi-sas foram melhorando nos últimosanos, mas acredito que a discrimina-ção nunca terá fim.

Especialmente porque os negrostêm sofrido historicamente com es-tereótipos arrasadores que acabamfazendo parte do inconsciente cole-tivo, e daí surge o preconceito. Aosnegros são atribuídas a violência e aincivilidade. Portanto, a Helena glo-

bal é uma exceção. As pessoas res-peitam os negros bonitos ou famo-sos, desculpem o clichê. E está foradessa conta a imensa maioria dosnegros que continuam rejeitados,alvo de puro e simples preconceito.

A situação geral dos negros noBrasil é de segregação, exclusão, efalta de acesso igualitário à oportu-nidades. E isso se repete em outrospaíses como os Estados Unidos quehá um ano elegeu o primeiro presi-dente negro da história, Barack Oba-ma, mas tem uma das sociedadesmais racistas do planeta.

O fato é que o Brasil é um paísnegro e precisamos reforçar dia a diaa existência e importância de umamassa que é relegada a segundo pla-no, infelizmente. É curioso que gran-de parte da população brasileira sejaconsiderada inferior, sendo que nos-sa cultura, nossa memória social,

nossa história, são essencialmenteafricanas. Vivemos um período depolíticas afirmativas, de cotas emuniversidades e concursos públicos,pelo fato de que existe, mesmo queveladamente, um “apartheid à brasi-leira”, do qual temos que nos insur-gir diariamente.

Fui Miss Brasil em 1986, a pri-meira negra. Há 24 anos se rompiamais um paradigma e, com isso, aesperança de que se deixava de ladoo preconceito. Mas as mudanças ca-minham a passos lentos. Esperonum futuro próximo que ser negrono nosso país corresponda a ser in-tegralmente brasileiro. Sem olharesenviesados, sem comentários pre-conceituosos, e sem que a cor da pelede cada um de nós seja um motivo,mas apenas um mero detalhe.

HPor Deise Nunes*

elena,uma pequena vitória

* empresária, primeira miss Brasil negra.

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Deise Nunes

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54 Afirmativa Plural • Fev/Mar • 2010

comportamento

No Dia 8 de março de 1857, ope-rárias de uma fábrica de tecidos, situ-ada na cidade norte-americana deNova Iorque, fizeram uma grande gre-ve. Ocuparam a fábrica e começarama reivindicar melhores condições detrabalho, tais como, redução na cargadiária de trabalho para dez horas (asfábricas exigiam 16 horas de trabalhodiário), equiparação de salários comos homens (as mulheres chegavam areceber até um terço do salário de umhomem, para executar o mesmo tipode trabalho) e tratamento digno den-tro do ambiente de trabalho.

A manifestação foi reprimida comtotal violência. As mulheres foramtrancadas dentro da fábrica, que foiincendiada. Aproximadamente 130tecelãs morreram carbonizadas, numato totalmente desumano. Porém, so-mente no ano de 1910, durante umaconferência na Dinamarca, ficou de-cidido que o 8 de março passaria a sero “Dia Internacional da Mulher”, emhomenagem às mulheres que morre-ram na fábrica em 1857. Mas somen-te no ano de 1975, através de um de-creto, a data foi oficializada pela ONU(Organização das Nações Unidas).

Ao ser criada esta data, não se

pretendia apenas comemorar. Namaioria dos países, realizam-se con-ferências, debates e reuniões cujo ob-jetivo é discutir o papel da mulher nasociedade atual. O esforço é para ten-tar diminuir e, quem sabe um dia ter-minar, com o preconceito e a desva-lorização da mulher. Mesmo comtodos os avanços, elas ainda sofrem,em muitos locais, com salários bai-xos, violência masculina, jornada ex-cessiva de trabalho e desvantagens nacarreira profissional. Muito foi con-quistado, mas muito ainda há para sermodificado nesta história.

No Brasil, o movimento de mu-lheres fez com que o estado reconhe-cesse a situação de violência domésti-ca contra a mulher, tendo nascido ini-cialmente em São Paulo, aquela quefoi conhecida como a primeira Dele-gacia da Mulher do Mundo, hoje am-plamente seguida por todo o Brasil ejá também no exterior: apesar das di-ficuldades de aceitação e entendimen-to da necessidade da mesma, por par-te especialmente das autoridades cons-tituídas. Hoje podemos contar comum Juizado Especial de Violência Do-méstica e Familiar contra a Mulher.Isto mostra que movimentos sociais

devem permanecer unidos e constan-tes, o mesmo cabendo para movimen-tos políticos, que é a partir daí que po-deremos formar uma conscientizaçãoao problema e questões, e só então en-contrar mecanismos de combate às si-tuações adversas. Pois foi assim, comidas e vindas à porta da justiça e até oapoio internacional, que nasceu a Leinº 11.340/06, mais conhecida comoLei Maria da Penha, em homenagemàquela Professora Universitária, viti-ma do marido, o também professoruniversitário, que além da violênciacometida, ainda atentou contra a vidada mesma, desferindo-lhe tiros e tor-nando-a paraplégica.

Como estamos falando em refle-xão, e esta revista é um veículo vol-tado com carinho à comunidade ne-gra, vamos refletir um pouco sobrea situação da mulher negra. Ela nãoocupa estatística expressiva nos ca-sos oficiais de registro, seja enquan-to vitima de violência doméstica, sejaenquanto no ambiente de trabalho,pois como disse acima, face a movi-mentos sócio-políticos, temos o as-sédio moral e sexual no trabalho.Muitas vezes a mulher, por falta deconhecimento e informação, sequer

Por Maria Clementina de Souza*

diamulherda

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sabe que está sendo vítima de crime.Que o dia internacional da mu-

lher seja para o levantamento de umbalanço de todos os dias vividos pelamulher que é mãe, às vezes pai, filha,irmã, neta, avó, trabalhadora e pro-

fissional de todos os ramos, e que sejaum balanço cada vez mais positivo,consciente, a caminho de um mundomelhor e mais justo.

Em tempo: em tudo, não pode-mos esquecer jamais de praticar o

amor e a prática religiosa, seja ela qualfor, pois só a fé é capaz de alimentara alma do ser humano.

* primeira delegada negra em São Paulo, precurso-ra da criação da Delegacia da Mulher.

Maria Clementina de Souza

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comportamento

Acabei de receber a notícia, portelefone, que a Helô, a empregada láde casa, vai embora hoje. Pediu de-missão. Não sei porque sinto um alí-vio quando minhas empregadas sevão. Sinto uma sensação de liberda-de dentro de casa, uma coisa de pos-se. Sinto que a casa é toda minha etoda vez que isso acontece, fico cheiade energia. Agora mesmo, estou pen-sando em, quando chegar, vou lim-par e arrumar tudo ao meu modo.

Vou chegar nos “cantinhos” queela não limpava, colocar os tapetes ealmofadas de acordo com a geome-tria da sala, e não enviesado comoela insitia em colocar. Ah! vou ser se-nhora de minha casa novamente, adona do pedaço. E não mais pare-cendo a intrujona que implicava comtudo, quase pedindo licença para pe-dir um serviço, uma roupa bem pas-

sada ou uma comida caprichada.E lá vou eu animada, me sentin-

do realizada, uma, duas semanas...Mas essa situação dura pouco, nãoconsigo ir adiante, logo as minhasforças vão-se embora e começa o té-dio de ter que cozinhar, passar, lavar,arrumar, tudo... Meu Deus! E a mi-nha leitura, os meus livros , meu tra-balho, minhas unhas, minha ginásti-ca, meu cinema, meu computador...e os filhos! E dá-lhe roupa suja! Mer-cado! Contas a pagar !!!

Só não falo em marido porque aesta altura ele é “ ex” e, se ainda ca-sada estivesse, seria mais um para eucuidar e ele de mim a reclamar... Ufa!

E pensar nas mulheres de outro-ra que davam conta de tudo, além demães, avós e tias, que as explicavamassim para servir ao mundo. Precisohoje ir ao computador e não para o

tanque ou lavanderia. Quero meusfilhos calmos, alimentados e ser amentora intelectual de tudo, além deter tempo e ânimo para arranjar umnamorado novo e romântico. Essenegócio de ficar desgrenhada, suada,limpando tudo, não combina com avida agitada de agora. Ai meu Deus!Já estou lamentando... Por quê a Helôfoi embora?

Chego à conclusão que precisode uma secretária que adote a minhacasa, me adote, cuide dos meus fi-lhos e me trate com uma dama quemerece ser respeitada... E se assimfor, eu pago qualquer coisa, qualquerpequena fortuna para manter a men-te arrumada.

Do jeito que está, não consigo. Souum farrapo com a casa bagunçada.

a

Por Maria Ceiça*

* atriz.

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Maria Ceiça

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58 Afirmativa Plural • Fev/Mar • 2010

comportamento

Reivindicar, lutar e conquistar.Ações que fazem parte da personali-dade de todas nós mulheres, desdeos tempos mais remotos.

Mudar a condição feminina foi omotivo de muitas lutas do passado.

Hoje, já em meio a outra realida-de, em inúmeros aspectos ainda te-mos o mesmo desafio de buscar me-lhorias para a vida das mulheres. De-pois de tantos avanços, ainda estamoslonge do ideal.

Claro que são muitos os motivospara comemoração e o otimismo éuma arma poderosa sempre. Acredi-to que o dia 08 de março, “Dia Inter-nacional da Mulher”, deve ser umadata para reflexões especiais, já quetodos os dias são nossos, e em cadaum deles podemos criar possibilida-des para superar os obstáculos queaparecem na vida de todas nós.

Pensar naquilo que deu certo eno que continuou errado até hoje.

Colocar tudo na balança e traçarum plano estratégico para vencer to-dos os 365 dias do ano, já que as ba-talhas ainda são imensas.

Os casos de violência doméstica,

os abusos morais e sexuais, a interrup-ção dos estudos, a gravidez na adoles-cência, os baixos salários; são apenasalguns dos problemas enfrentados pe-las mulheres não só no Brasil, mas nomundo todo. Problemas que não po-dem mais ser tolerados pela socieda-de; pelos homens e mulheres que hojejá têm meios, consciência e condiçõespara mudar tudo isso na prática.

Desde 1932 as mulheres conquis-taram o direito ao voto, e hoje nosaproximamos de uma eleição onde apresença feminina terá destaque, aponto de se tornar o tema central demuitos debates.

Cada vez mais ocupamos os ban-cos das universidades e os postos detrabalho, frequentemente estamos nocomando de grandes empresas, nosespecializamos em áreas antes domi-nadas pelos homens, mostramos, su-peramos e aprimoramos nossa capa-cidade a cada dia, usando caracterís-ticas femininas antes tão criticadas eque hoje fazem toda a diferença emnossas trajetórias de sucesso.

Tudo isso é muito bom de se pen-sar no dia 8 de março, são conquis-

tas importantes, que despertam nos-sa atenção para o fato de que esta-mos construindo uma nova realida-de, e somos parte da história que serácontada para as nossas filhas e netas,sendo assim a responsabilidade au-menta... mas a motivação também.

Definitivamente, nascer mulhernos dias de hoje, não nos aprisiona àobrigação de desempenhar apenasfunções impostas, como no passado.

As possibilidades nas escolhasprofissionais e ideológicas são infi-nitas... e estas irão corrigir os errosque persistiram ao longo dos anos,dos séculos. Desta forma construi-remos uma convivência harmônica elivre de preconceitos entre homens emulheres. Estamos no caminho cer-to e o ideal é cada vez mais possível.

A nova história feminina se cons-trói com base na combinação: estudo,trabalho e força de vontade; que te-mos de sobra. Em nossas mentes, es-paço para sonhos sem limites, anco-rados na certeza de que nossa contri-buição é fundamental para a constru-ção de um futuro melhor, sempre.

Por Joyce Ribeiro*na ovafeminina

Condição

* jornalista - SBT.

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Joyce Ribeiro

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perfil

De acordo com o ditado popu-lar, “no relacionamento homem/mu-lher, o marido tem que ser a ‘cabeça’da relação”. Nisto surge um trocadi-lho, “o homem tem que ser a cabeça,mas a mulher tem que ser o pescoço,pois controla a cabeça como quiser”.

O fato é que, como em tantosoutros ditados populares, neste tam-bém há um fundo de verdade. Nãosão poucas as histórias de casais ondeas parceiras têm igual, ou até maiorrepresentatividade que o marido.

No caso de Michelle e BarackObama, desde o período da campa-nha eleitoral, pode-se observar umaMichelle atuante. Neste um ano deObama na presidência da maior po-tência mundial, a primeira-dama nãodemonstrou, nem de longe, ser umafigura apagada ao lado do marido.

Com personalidade forte, ela cui-da do marido e das filhas com maes-tria, além de conciliar os trabalhossociais e manter-se sempre elegantee altiva. O porte impecável no trajarlhe rendeu citações na revista Vogue

e na revista Vanity Fair. Ela figura nalista internacional das mulheres maisbem vestidas do mundo.

Após ser criticada no início dacampanha para presidência do mari-do, Michelle soube dar a volta porcima. Na ocasião, ela relatou que emsua percepção Obama é como ummarido comum. Um homem que sefor necessário deve ajudá-la nas tare-fas domésticas. Por isso chegou a serchamada de “controladora”.

Michelle tem demonstrado seruma mulher simples, que não deixao sucesso “subir à cabeça”.

Já afirmou em entrevistas, quemesmo morando na Casa Branca, asfilhas têm que saber que tal situaçãoé passageira, sendo assim as meninastambém têm sua dose diária de “vidanormal”. Arrumam a própria cama esão o mais independente possível.

Hoje, a primeira-dama é reconhe-cida pelo envolvimento em açõesvoltadas para benfeitorias nos EUA.Recentemente, em fevereiro desteano, ela lançou a campanha ‘Let’s

move’ (Vamos nos mover), em nívelnacional de luta contra a obesidadeinfantil, considerado uma das princi-pais ameaças à saúde e à economianorte-americana.

Os números comprovam queaproximadamente 32% das criançase adolescentes norte-americanos so-frem com o sobrepeso ou com a obe-sidade, segundo os últimos dadosdisponíveis. Cerca de 20% das crian-ças entre 6 e 11 anos e 18% de entre12 e 19 anos são obesos.

Assim como a dança protagoni-zada pelo casal na cerimônia de pos-se, Michelle e Obama, acertam o pas-so. O casal transmite ao mundo a ima-gem de uma família promissora. Ape-sar da difícil missão de ocupar o car-go de primeira-dama negra dos Esta-dos Unidos, com todas as atenções domundo voltadas a ela, aos 46 anos,Michelle corresponde à afirmação fei-ta pelo marido. “Ela é a rocha da fa-mília, uma mulher firme que me man-tém com os pés na terra”, definiu opresidente em certa ocasião.

perfil

Da Redação

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Obama

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Michelle Obama

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Beyoncé Knowles

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perfil

Uma beldade, que esbanja graçae um vozeirão de se admirar. Beyon-cé, a grande vencedora do Grammy2010, tem uma semelhança com opersonagem da mitologia grega,Midas, pois tudo que a mega star toca,ou melhor, se envolve, vira ouro.

A cantora, dançarina, composito-ra, arranjadora vocal, produtora e atrizdiz ter se inspirado em divas comoAretha Franklin, Tina Turner, DonnaSummer, Toni Braxton, Janet Jackson,Whitney Houston, Mariah Carey eDiana Ross. De fato muitas dessasdivas são precurssoras em estabeleceras mulheres como grandes nomes namúsica internacional. Mas nunca, an-tes de Beyoncé, foi visto tamanho su-cesso em diferentes áreas.

Ela é atualmente um fênomenode vendas, mais de 25 milhões de dis-cos. Em 2009, a revista Forbes elegeuBeyoncé como a cantora mais rica do

mundo com menos de 30 anos deidade, por ela arrecadar mais de 87milhões de dólares no período de2008 a 2009, colocando-a no quartolugar na sua lista das 100 Celebrida-des Poderosas do Ano.

Nesse mesmo ano ela foi eleita aartista da década. A revista Billboardtambém já colocou Beyoncé em 4º lu-gar na lista dos melhores artistas da dé-cada de 2000, sendo que ela é a primei-ra artista feminina dessa lista. Segundoa Sony Music, se juntar as vendas de dis-cos de Beyoncé e das Destiny’s Child,grupo no qual fez parte no início dacarreira, o total ultrapassa 100 mi-lhões de discos vendidos.

Ao todo a musa pop teve cincosingles em primeiro lugar da Billboard.No NAACP Image Award de 2009,Beyoncé ganhou o prêmio de “Me-lhor Artista Feminina do Ano”. NoTeen Choice Awards de 2009, ganhou o

prêmio de “Melhor Artista de R&B”.O videoclipe da música “Single

Ladies (Put A Ring On It)” ganhouo prêmio de “Clipe do Ano” no BETAwards e também recebeu nove indi-cações no Video Music Awards de 2009,ganhando em três categorias: “Clipedo Ano”, “Melhor Coreografia” e“Melhor Edição”. Em Outubro de2009, foi premiada pela revistaBillboard com o prêmio de “Mulherdo Ano”. Em novembro, durante oMTV Europe Music Awards, emBerlim, Beyoncé levou três prêmios.

Beyoncé foi o artista com maisindicações ao Grammy Awards de2010, recebendo 10 indicações parao prêmio. No qual faturou seis. Den-tre elas, Canção do Ano, com SingleLadies, Melhor Canção e Melhor Per-formance Feminina de Rythm andBlues e Melhor Cantora de MúsicaPop com Halo.

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Por Rejane Romano, da redação

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perfil

Conhecida por escrever músicaspessoais e feministas, em 2001, aAmerican Society of Composers, Authorsand Publishers deu a Beyoncé o prê-mio de Compositor do Ano, pela suascomposições feitas para o grupoDestiny’s Child no período de 1990a 2000. Beyoncé foi a primeira com-positora afro-americana e primeiramulher a ganhar esse prêmio.

Para este ano já está confirma-do o lançamento de um novo albúme o primeiro perfume de Beyoncé,chamado Beyoncé Heat, com previ-são de lançamento ainda neste pri-meiro trimestre.

Nascida e criada em Houston noTexas (EUA), ela canta desde a in-fância. O pai, Mathew Knowles, pro-dutor musical, foi produtor e empre-sário do grupo Destiny’s Child.

O talento vocal de Beyoncé foidescoberto durante as aulas de dança.Aos sete anos ganhou um prêmio demérito escolar pela versão da cançãoImagine de John Lennon, ela foi aplau-dida de pé. Com nove anos de idade,fez um teste para um grupo de meni-nas e entrou para um grupo de rap edança chamado Girl’s Tyme, forma-do por seis garotas. Mas só alcançoua fama em 1997 como vocalista dogrupo Destiny’s Child, também com-posto apenas por mulheres. Mais tar-de o grupo foi considerado como ogrupo feminino que mais vendeu dis-cos de todos os tempos. A carreirasolo teve início em 2003, quando lan-çou Dangerously in Love.

A carreira como atriz teve inícioem 2001 quando ela fez o papel prin-cipal do filme Carmen: A Hip Hoperada MTV. Em 2002, co-estrelou o fil-me Austin Powers e o Membro de Ourocom o ator Mike Myers.

Em 2005, assumiu o papel prin-

cipal no filme Dreamgirls, uma adap-tação cinematográfica de 1981 dosucesso da Broadway sobre um gru-po de canto da década de 1960, ba-seado no grupo feminino TheSupremes da gravadora Motown. Nofilme, ela interpreta Deena Jones,baseada em Diana Ross. Neste filmeBeyoncé também gravou várias mú-sicas para a trilha sonora, incluindo amúsica “Listen”.

As apresentaçoes no Brasil, emfevereiro deste ano, foram sucesso decrítica e de público. As cidades deFlorianópolis, São Paulo, Rio de Ja-

neiro e Salvador, puderam presen-ciar um show completo. Dez trocasde roupas, baladas românticas e fre-néticos ritmos dançantes, muita dan-ça e uma homenagem ao astroMichael Jackson, falecido em 2009.A passagem de Beyoncé pelo Brasildeixou um “gostinho de quero mais”.

Atualmente é casada com orapper Jay-Z, desde 2008. Em 2010o casal foi considerado o mais ricodo mundo pela revista Forbes. Segun-do a revista, o casal arrecadou noperíodo de Junho de 2008 à Junhode 2009, 122 milhões de dólares.

Beyoncé Knowles

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Quando pedi a algumas mulhe-res negras americanas para que mefalassem sobre Oprah Winfrey, per-cebi a admiração, o orgulho e a fontede inspiração que a apresentadorarepresentava para elas. A história damenina negra nascida na zona ruraldo Mississippi, que enfrentou a po-breza, foi vítima de abusos sexuais ese tornou a maior apresentadora datelevisão americana e uma das maio-res e mais bem-sucedidas personali-dades do país, quebrando várias bar-reiras pelo caminho, é um exemplo aser seguido.

“O impacto e a influência deOprah Winfrey no modo como asmulheres afro-americanas vêem a simesmas e a seu potencial não deve

ser subestimado”, diz Crystal Cason,de Atlanta, Georgia. Odessa Brooks,também de Atlanta – cidade, aliás,que tem no cargo de prefeita umamulher negra – complementa:“Oprah demonstra claramente que asmulheres afro-americanas podem sernão só fortes, mas também inteligen-tes, engraçadas, generosas, bonitas,ambiciosas, bem-sucedidas e ricas.”

A lista enorme de adjetivos cita-dos por Odessa de maneira algumasão exagerados. Para qualquer ame-ricano, o chamado “AmericanDream” (Sonho Americano) – a idéiade começar de baixo, enfrentar difi-culdades, fazer seu próprio caminhoe através de seus esforços atingir osucesso – é um ideal a ser atingido. E

Oprah Winfrey é um exemplo per-feito deste ideal. “Oprah é a personi-ficação das palavras que toda criançaouve de seus pais, ‘você pode serqualquer coisa que deseja ser’”, adi-ciona Crystal.

Mulher e negra, Oprah não só setornou uma apresentadora de suces-so e uma das mulheres mais ricas domundo, como também atingiu a ex-celência em várias outras áreas, comoo cinema e o mundo empresarial. Porconta disso, é quase unanimidade nosEstados Unidos, transcendendo bar-reiras de raça e gênero, e conquistan-do uma influência incomparável nasociedade americana atual. “Sua ri-queza a catapultou para um poder deinfluência tão grande que agora ho-

perfil

Por Sérgio Kakitani

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Oprah Winfrey

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perfil

mens de todas as raças e etnias seutilizam de seu programa como umaplataforma para seus próprios suces-sos. Todo mundo sabe que uma vezque você vá ao programa da Oprah...você realmente chegou lá”, diz NikkiFoster, funcionária do canal CartoonNetwork em Atlanta.

Nascida em 29 de janeiro de 1954,em Kosciusko, uma pequena cidadedo Mississippi, Oprah conviveu com

a pobreza extrema vivendo com amãe solteira, Vernita Lee, e a avó,Hattie Mae Lee. Apesar das dificul-dades, sua avó – uma das grandesinfluências em sua vida – a ensinou aler aos três anos de idade. Foi ela tam-bém que ensinou à neta o que Oprahchamou de “uma percepção positivade mim mesma.”

Aos seis anos, se mudou com amãe para Milwaukee, no estado de

Wisconsin. Como ficava sozinha en-quanto Vernita trabalhava, Oprahrevelou mais tarde que sofreu abu-sos sexuais de seu primo, de seu tio ede um amigo da família. Aos 14 anos,ela engravidou, mas seu filho mor-reu logo após o parto. Logo depois,Vernita a enviou para viver com o pai,Vernon Winfrey, em Nashville,Tennessee. Vernon fez da educaçãoda filha, que apesar de todos os obs-

Ela é a única

negra americana

a figurar na lista

das 400 pessoas

americanas mais

ricas da revista

Forbes todo ano

desde 1995. É

também a

primeira mulher

negra bilionária

do mundo.

”Oprah Winfrey

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Filantropia

http://oprahsangelnetwork.org/

Oprah é considerada a artista americana

que mais contribui para causas sociais. Em

1998, ela criou a Oprah’s Angel Network, uma

organização voltada para projetos sociais. O va-

lor arrecadado até hoje já ultrapassa 51 milhões

de dólares. Depois da tragédia do furacão

Katrina, a Angel Network arrecadou 11 milhões

de dólares e Oprah contribuiu pessoalmente

com mais 10 milhões para os esforços de re-

construção.

Em 2004, em uma viagem para a África do

Sul para filmar um segmento de seu programa

sobre crianças afetadas pela pobreza e pela

AIDS, Oprah se comprometeu a fundar a Oprah

Winfrey Leadership Academy for Girls. Os tra-

balhos de construção começaram em dezem-

bro de 2002, com a presença de Nelson

Mandela. E em 2 de janeiro de 2007, a escola

foi oficialmente aberta, planejada para abrigar

no futuro até 450 alunas.

O objetivo da escola é proporcionar a me-

ninas de áreas pobres da África do Sul uma

educação de qualidade, para que no futuro

elas possam se tornar as mulheres líderes do

país.Em uma entrevista para o mais recente

livro do ex-presidente Bill Clinton, perguntada

sobre porque decidiu abrir a escola, Oprah

afirmou que professores atenciosos “fizeram

da educação uma porta aberta” para ela e que

queria ajudar meninas que cresceram como

ela, “em desvantagem econômica, mas não

pobres de mente ou espírito”. Hoje a escola

abriga 152 alunas.

táculos sempre foi excelente alu-na, uma prioridade.

Com o incentivo do pai,Oprah ganhou uma bolsa paraestudar na Tennessee StateUniversity, uma universidade vol-tada para a comunidade negra doestado. Daí em diante, começan-do por uma estação de rádio lo-cal, Oprah iniciou sua trajetóriana comunicação.

Depois de ser a primeira ân-cora negra de um telejornal emTennessee e passar um períodoem Baltimore, Oprah se mudoupara Chicago. Quando herda aposição de apresentadora de umtalk show local, o programa erao último em audiência. E o con-corrente era Phil Donahue, oapresentador que revolucionou oformato deste tipo de programa.

Ao contrário de Donahue,Oprah tinha um estilo mais emo-tivo e pessoal de conduzir oprograma. Nunca hesitava, porexemplo, em chorar junto ao en-trevistado quando se emociona-va. Bastaram alguns meses paraque Oprah atingisse o primeirolugar de audiência e começasse avender seu programa para trans-missão nacional.

Hoje, o The Oprah WinfreyShow é mais do que um talkshow. Sua influência é tão gran-de que não há personagem ouassunto da agenda nacional ame-ricana que não vá se sentar aosofá ao lado de sua apresentado-ra. O segmento Oprah’s BookClub (Clube do Livro da Oprah)dá uma dimensão da força do pro-grama. Todos os livros escolhidospor Oprah, contemporâneos ou

clássicos, não importa, vão dire-to para a lista dos mais vendidos.

Mas Oprah não se limita so-mente à televisão. Antes de seuprograma ser transmitido nacio-nalmente, ela foi indicada ao Os-car. Ela publica duas revistas, fun-dou sua própria companhiamultimídia, a Harpo Productions(voltada para o cinema, rádio, es-túdios , televisão e internet), e vaicriar sua própria emissora de te-levisão em uma parceria com aDiscovery Channel. Quando onovo canal entrar no ar, ainda em2010, Oprah vai encerrar o TheOprah Winfrey Show do ar, em2011, quando vence o atual o con-trato do programa.

Tudo isso fez de Oprah o quea revista Time e a emissora CNNchamaram de “possivelmente amulher mais poderosa do mun-do”. Ela é a única pessoa negraamericana a figurar na lista das400 pessoas americanas mais ri-cas da revista Forbes todo anodesde 1995. É também a primei-ra mulher negra bilionária domundo.

Sua influência e credibilidade,em alguns aspectos, é incompa-rável na esfera cultura americana.Em 1991, uma campanha suacontra o abuso sexual de criançasvirou lei, assinada pelo então pre-sidente Bill Clinton. E sua parti-cipação e apoio a Barack Obamafoi fundamental nas primárias doPartido Democrata e tambémnas eleições presidenciais. Isso afez ser considerada para um pos-to de embaixatriz americana naInglaterra e ao posto de senado-ra por Illinois.

perfil

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opinião

Por Dulcinéia Novaes

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opinião

Neusa Borges

Fico pensando quantos adjetivos e quantas virtudes po-demos atribuir a essas mulheres que enriquecem nossasexistências com suas histórias de vida.

Desbravadoras, valentes como Ruth de Souza, a pri-meira atriz negra brasileira, de projeção internacional pelotrabalho realizado no cinema, além do reconhecimento con-quistado pelas atuações no teatro e na televisão.

Tive a honra de conhecer Ruth de Souza na década de80, em Londrina, Norte do Paraná, onde morava e partici-pava de um grupo de teatro amador, formado por jovensestudantes. O então diretor do Grupo Teatral Positivo, JoséAntonio Teodoro (já falecido) era amigo de Ruth e a con-

vidou para a estréia da nossa peça. Coincidentemente, euinterpretava a mesma personagem que Ruth fizera no te-atro, a governanta Viney, na peça “O Milagre de AnnieSullivan”, de William Gibson.

Imaginem ter Ruth de Souza na platéia, convidada espe-cial, na estréia! A temporada de “O Milagre de AnnieSullivan”, batizada por uma estrela de primeira grandeza,foi um sucesso. A madrinha deu sorte!

Na época, eu já nutria uma grande admiração por Ruthde Souza. Jornalista em início de carreira, confesso quefoi uma emoção enorme poder fazer uma entrevista ex-clusiva com ela, para o Caderno de Arte e Comunicaçãoda Folha de Londrina. Uma página inteira! Na oportuni-dade, Ruth fez um retrospecto da carreira e falou sobre aluta árdua que é ser artista neste País.

Outros tempos. Deixamos de ser apenas figurantes, ser-viçais, para sermos protagonistas no teatro, na televisão,no cinema, na vida, enfim.

Então adjetivos não bastam para emoldurar grandesmulheres como a nossa querida Ruth, uma Diva, uma lady,

Mulheres. Negras. Guerreiras.

Negras mulheres. Bravas guerreiras.

Incansáveis. Poderosas.

”“

Ruth de Souza

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Glória Maria

terna, firme, serena, talentosíssima, a quem deixo aqui omeu tributo.

Madrugada dessas, lá estavam ela e Léa Garcia, em “Fi-lhas do Vento”, exibido pela Rede Globo. Maria Ceiça, TaísAraújo e tantas outras igualmente talentosas atrizes negras.Um elenco quase todo de afrodescendentes... Uma mara-vilhosa ousadia!

E o que dizer de Neusa Borges? Figura sofrida, quetambém enfrentou percalços em sua trajetória. Mulherguerreira na luta contra as desigualdades no meio artísti-co. E a cada oportunidade, com que garra ela interpretasuas personagens! Outros tempos. Espaços conquistadosa duras penas!

Que o diga Glória Maria, nossa Glória no meiojornalístico? Referência incontestável. E vem lá de longe,ousada, criativa, abrindo caminho, servindo de exemplo,destilando coragem, descortinando todo tipo de precon-ceito presente no construto dessa profissão.

Isabel Fillardis

Nesse sentido, é uma vencedora que com um estilopróprio, diferente, passou pelos principais telejornais daRede Globo de Televisão. Do RJTV, telejornal regionaldo Rio de Janeiro, aos telejornais transmitidos em redenacional: Jornal Hoje, Jornal Nacional, Globo Repórtere Fantástico, onde atuou durante dez anos como apre-sentadora. Depois de dois anos de ausência, Glória estáretornando. Feliz. Agora também no doce ofício de sermãe. Ave Glória!

Do lado de lá da América, vem outro exemplo: a apre-sentadora Oprah Winfrey. De origem muito pobre, vítimade violência sexual na infância, Oprah é hoje uma das maisimportantes comunicadoras do Planeta. É dona de um pro-grama líder de audiência na televisão americana e respeita-da no mundo todo. Está na lista das maiores fortunas. Emcontrapartida, desenvolve um trabalho social em comuni-dades carentes de países africanos, bancando inclusive aconstrução de escolas.

Salve Isabel Fillardis, Camila Pitanga, Taís Araújo!Já somos capa de revistas! Nossos cachos em evidência.

Nossa cor de pele é invejada (subjetivamente, claro!). Até jácriaram maquiagem étnica. Compramos sim! Consumimos,sim! Somos reconhecidas(o)s como potencial público, alvodo mercado consumidor. Já aparecemos um pouco maisem comerciais de televisão. Somos formadoras de opinião!

Antes papéis secundários. Hoje protagonistas. TaísAraújo vem trilhando este caminho. De Xica da Silva , naextinta Manchete, passando pela “Cor do Pecado”, em2004, “A Favorita”, em 2008, no papel de Alícia, até aatual Helena, na novela “Viver a Vida”, de Manoel Carlos.E com que orgulho vemos a bela Taís estampada nas mais

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*repórter nacional da RPCTV, afiliada da RedeGlobo no Paraná. Mestre em Comunicação eLinguagens. Professora universitária.([email protected])

“Mas é preciso ter manha É preciso ter graça É preciso ter sonho, sempre Quem traz na pele essa marca Possui a estranha mania De ter fé na vida.”

opinião

variadas capas de revistas deste País!Ditando moda. Tudo isto represen-ta uma mudança conceitual no pa-norama da negritude brasileira.

Bravas mulheres, negras guerrei-ras e suas histórias!

Lembro-me de Isabel Fillardis, nanovela Renascer, onde ela fazia o pa-pel de Ritinha. Linda, sensual, lapi-dando a autoestima em tantas outrasmulheres negras da mesma geraçãoque se viam refletidas naquela per-sonagem - verdadeiras Ritinhas dainesgotável imaginação!

Finalmente, para completar esseprocesso de espelhamento, uma mo-delo em que se basear. Bela, famosae todos os flashes a seu favor. Queorgulho vê-la em novos desafios!

Em destaque nas revistas, talen-to reconhecido. Mais do que talento,Isabel Fillardis tem uma comoventehistória de superação, a partir da sín-drome rara de seu filho Jamal. A Sín-drome de West afeta o desenvolvi-mento psicomotor e a capacidade res-piratória da criança. Isabel, no entan-to, empreendeu uma luta sem igualpara dar ao filho, hoje com cinco anosde idade, uma vida normal, de quetinha direito. Incansável ainda dirigeuma ONG ambiental de reciclagemde lixo. Mãe também de Analuz, aprimogênita, casada com o empresá-rio Júlio Cesar, igualmente negro, ameiga Isabel é um exemplo de mu-lher engajada e batalhadora.

Nessa galeria de negras guerrei-ras, a atriz Camila Pitanga. Em no-vembro do ano passado, na festa deentrega do Troféu Raça Negra, emSão Paulo, tive a grata oportunidadede cumprimentar o ator AntonioPitanga e parabenizá-lo pelos filhostalentosos, Camila e Rocco Pitanga.

Filho de peixe... bem diz o ditado.Camila é um espetáculo à parte. Atrizcompleta, belíssima , virtuosa.

Em cinema, a história de Camilavem desde 84, aos 6 anos de idade,com o filme “Quilombo” e a filmo-grafia é extensa. Já, em televisão, ocomeço de tudo foi na minissérieSex Appeal, da Rede Globo, em 1993.Depois do sucesso estrondoso dadivertida e espalhafatosa garota deprograma Bebel, em 2007, na novelaParaíso Tropical, a vida presenteouCamila com o nascimento da filhaAntonia, em 2008. Agora, no papelde Rose, na novela Cama deGato, mais uma vez Camilanão nega e prova: a arte debem representar está mes-mo no registro genético.

Temos de que nos or-gulharmos! Se é umaquestão de gênero, temosbons exemplos em quenos espelharmos. Não éo ideal?!? Obviamente quenão. Queremos e merecemosmaior reconhecimento. Dese-jamos e queremos mais igual-dade de direitos. O caminhocomeçou apenas a ser trilha-do. Já houve avanços signifi-cativos, indiscutivelmente.Há, todavia, ainda muitos de-safios a serem vencidos.“Mas é preciso ter força, épreciso ter raça, é pre-ciso ter gana sempre”!

Sendo assim, não ésem propósito queme recorro a umtrecho da com-posição “Maria,Maria” de Mil-ton Nascimento

e Fernando Brandt, para aplaudiressas bravas mulheres, negras guer-reiras e suas histórias:

Camila Pitanga

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turismo

Faça um teste. Digite num des-tes sites de busca a seguinte frase:

“Mulheres são maioria”. Umaenormidade de links es-tarão disponíveis nosmais variados assuntos.Mulheres são maioria

nas universidades, nosjogos on line, nos sites de

relacionamento, nos gabinetesde algumas cidades e são maioria napopulação brasileira.No último censo realizado em 2007,dos 183,9 milhões de habitantes, se-gundo a Contagem da População, aproporção foi de 99,6 homens paracada 100 mulheres.

O levantamento foi feito em 97%dos municípios brasileiros. Das cin-co regiões do país, as mulheres fo-ram maioria em número de habitan-tes em três: Nordeste, Sudeste e Sul.Entre os estados pesquisados, a Pa-raíba ganhou destaque com 94,6 ho-mens para 100 mulheres.

De acordo com Luiz Antônio Pin-to de Oliveira, Chefe da Coordenaçãode População e Indicadores Sociais(Copis), atualmente nos grandes cen-tros urbanos a proporção é de 92 ho-mens para cada 100 mulheres.

Isso seria resultado da diferençaentre a expectativa de vida das mu-lheres, que é de oito anos a mais que

femininascidades

Da Redação

74 Afirmativa Plural • Fev/Mar • 2010

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2010 • Fev/Mar • Afirmativa Plural 75

turismo

os homens. O chefe da Copis cita ain-da que apesar de nascerem muitomais homens no mundo inteiro, apro-ximadamente 100 meninas para cada104 meninos, a taxa de mortalidadedos homens é maior. “Ainda na pri-meira infância os meninos têm umataxa de mortalidade maior, são maisfrágeis. Inclusive precisamos reveresta questão do sexo forte. Aos 19anos as mulheres já tomam a frente eaos 60 anos a diferença é maior ain-da”, esclareceu Luiz Antonio.

Há distintas possibilidades paraeste acontecimento. Uma das causaspossíveis é a violência, de acordo coma Pesquisa Nacional por Amostra deDomicílio (Pnad), divulgada em se-tembro de 2009, pelo Instituto Bra-sileiro de Geografia e Estatística(IBGE). Constatou-se que os homens

se envolvem mais em acidentes detrânsito e na questão da violência ur-bana. Em 2008 o percentual de pes-soas na faixa etária mais jovem, de atéquatro anos, era 6,9% do total de mu-lheres (97,5 milhões) e 7,5% do totalde homens (92,4 milhões). Já na faixa

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Ainda na primeirainfância os meninostêm uma taxa demortalidade maior, sãomais frágeis. Inclusiveprecisamos rever estaquestão do sexo forte.

Luiz Antônio Pinto de OliveiraChefe da Copis.

etária mais velha, de 60 anos ou mais,estão 12,1% das brasileiras e 10% dototal de homens, segundo a pesquisa.

Outro motivo é que os homenscostumam apresentar resistência emprocurar por médicos, mesmo quan-do estão doentes, o que leva a ummaior número de óbitos. Sendo as-sim a proposta desta edição da Afir-mativa Plural quanto a Turismo élevá-lo a conhecer duas cidades queapresentam maioria feminina.

São PauloA tão famosa noite paulistana,

do Estado mais populoso do Brasil,é um reflexo claro da diferença en-tre os sexos. Basta dar uma voltapelos barzinhos da cidade para iden-tificar que a presença feminina é pre-dominante. Em São Paulo, as mu-

Vista aérea noturna do centro de São Paulo

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76 Afirmativa Plural • Fev/Mar • 2010

lheres são maioria e representam52,35% da população.

A capital paulista possui mais de55 mil bares e restaurantes, confor-me dados da Abrasel (AssociaçãoBrasileira de Bares e Restaurantes).São 15 mil bares, 500 churrascarias,12,5 mil restaurantes, 1500 pizzarias,3200 padarias, 600 restaurantes japo-neses tradicionais e 2 mil casas no-turnas. A cidade possui uma gamagastronômica que proporciona aosturistas experimentar pratos das maisdiferentes cozinhas. Não é por acasoque São Paulo é considerada a capi-tal mundial da gastronomia. São 52tipos de culinárias diferentes.

Os parques e as áreas verdes sãooutro atrativo. Apesar de muitos con-siderarem a capital como uma “selvade pedra”, mais de 60 parques com-põem a área verde da cidade, queequivale a 20 milhões de metros qua-drados. Dentre os parques mais fre-qüentados está o Parque do Ibirapue-ra, com três lagos artificiais, uma pistade Cooper, uma pista de corrida, umaciclofaixa, praças e o MAM (Museuda Arte Moderna).

Em 2009, São Paulo venceu oconcurso de melhor destino nacio-nal da revista Viagem & Turismo. E

mais, o Ministério do Turismo ele-geu São Paulo como a Capital do tu-rismo nacional.

NatalA Secretaria de Meio Ambiente e

Urbanismo (Semurb) divulgou noanuário 2009, com dados do IBGE(Instituto Brasileiro de Geografia eEstatística), que 53,01% da popula-ção potiguar é formada por mulhe-res e apenas 46,99% por homens.

Em Natal as mulheres não sãoapenas maioria da população, elasparticipam ativamente da vida políti-ca da cidade. O Rio Grande do Nor-te é o único estado onde as mulheresocupam todos os cargos legislativos.

Localizada entre o rio e o mar,Natal faz parte do Litoral Potiguar,no Rio Grande do Norte, que possuimais de 400km de praias, com lagoaspróximas ao mar e mais de 20Km deextensão de rio em área urbana.

No verão de 2004/2005, a cidadefoi eleita como o segundo destino maisprocurado por turistas brasileiros.Natal recebe por volta de 2 milhõesde turistas por ano. Atualmente o ae-roporto internacional recebe em mé-dia 14 vôos internacionais por sema-na. Os turistas estrangeiros que maisprocuram este destino são os portu-gueses, holandeses, espanhóis e argen-tinos. Quanto aos turistas nacionais,os paulistanos são os que mais visi-

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Em São Paulo,as mulheres sãomaioria erepresentam52,35% dapopulação.

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tam a cidade, seguidos por turistas de Pernambuco,Ceará e Rio de Janeiro.

Em Natal os turistas vão encontrar belas paisa-gens e uma culinária marcada pela presença da car-ne-de-sol e do camarão. Natal é considerada a “Ter-ra do Camarão”. Os visitantes podem saborear umagrande e rica variedade de pratos com o crustáceo.Natal é o maior produtor e exportador de camarõesdo país. A cidade ainda possui o maior Parque Flo-restal Urbano do Brasil, o Parque das Dunas, queenvolve o centro de Natal e margeia a Via Costeira.Além de ostentar o maior “Cajueiro do Mundo”, comcerca de 8.400 metros quadrados de copa e 120 anosde existência.

Uma das maiores atrações turísticas de Natal, sãoos passeios de Buggy por Dunas, Praias e Lagoas. Éconsiderada a “Capital Mundial do Buggy”. A cidadeainda se promove afirmando ser a “Cidade do Sol”,com 300 dias de sol durante o ano, além de ostentar oar mais puro das Américas.

Outros pontos turísticos são: o Centro de Tu-rismo de Natal, também conhecido como Casarão,tornou-se um local de manifestações artísticas e cul-turais após restaurado pelo Instituto de PatrimônioHistórico e Artístico Nacional (IPHAN); o Farolde Mãe Luiza, os 151 degraus resultam no farolmais alto da América do Sul em relação ao nível domar; a Fortaleza dos Reis Magos, tombado peloPatrimônio Histórico e Artístico Nacional, é um dosmais importantes fortes militares do país; o Memo-rial Câmara Cascudo, memorial criado em home-nagem a Luís da Câmara Cascudo, pesquisador e umdos maiores folcloristas do país; o Morro do Care-ca, uma duna de 120 metros de altura, margeadapor vegetação, compõe um dos mais belos cartõespostais do Brasil; e o Teatro Alberto Maranhão,um monumento tombado pelo Patrimônio Históri-co e Artístico do Rio Grande do Norte, que conser-va linhas e elementos da arquitetura francesa do fi-nal do século passado, além de cerâmica belga comorevestimento do piso de entrada e da platéia.

Agora é só escolher o destino e partir rumo auma dessas cidades, que possuem infinitas belezase muitas outras curiosidades a serem descobertas.Boa viagem!

Fortaleza dos Reis Magos

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Morro do Careca

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78 Afirmativa Plural • Fev/Mar • 2010

reflexões

A obra Pelas águas mestiças da histó-ria – Uma leitura de O outro pé da se-reia, de Mia Couto nasceu de uma dis-sertação de mestrado que tive o pra-zer e a honra de orientar no Progra-ma de Pós-graduação em Letras daUniversidade Federal Fluminense.

Passei, por isso mesmo, dois anoscom Luana Antunes, sua autora, sem-pre em meio à alegria que dela emanae à ternura que tem para todos os seusamigos. Agradeço-lhe por isso e peloconvite para abrir seu primeiro livro.

Começo por dizer que o poemacom que o ensaio se inaugura, umaquase “ode” à avó, testemunha ogesto de querer ver de dentro a ou-tra terra, que chega primeiro à auto-ra “embalada na voz rouca” da avó,D. Lúcia, a nós apresentada com seu“pilão” e sua “canção[...] de benze-

deira menina”. O leitor, depois dopoema, passará, então, pela magiacúmplice de Luana, em sua voz-me-mória, do vestíbulo do antes do tex-to, para a sala em que se realiza a fes-ta da chegada do livro.

Pelas águas mestiças da história, aose propor a ler O outro pé da sereia,romance pelo qual Mia Couto ence-na inúmeras formas de travessia, re-alizando a autora uma outra e inova-dora travessia por questões históri-cas e políticas, sobretudo no que serefere à mestiçagem, questões estasmuitas vezes candentemente confli-tantes no país de origem do autor.

Este, por sua vez, sempre fez efaz questão de reiterar o fato de queos africanos, mesmo antes da chega-da dos europeus, já se haviam mesti-çado profundamente, oferecendo,

com isso, um mote para Luana esco-lher seu caminho de leitura. Tendocomo ponto de ancoragem teóricaprincipal, para pensar a mestiçagem,a obra O pensamento mestiço de SergeGruzinski, mas convocando, igual-mente, Appiah; Williams; Fanon;Bhabha e várias outras vozes críticasde nosso tempo, Luana Antunes fazsua própria viagem que se mostraamorosamente cúmplice daquelaproposta por Mia Couto em seu ro-mance. Tenta, nesse sentido, desven-dar os palimpsestos do texto e as ver-sões que o autor propõe da históriade seu tempo e do outro tempo dahistória que recupera e pelo qual aca-ba por explicar, não apenas o presen-te narrativo, mas o seu presente.

Assim, vemos que Mia Coutoconvoca o passado para assegurar a

Por Laura Cavalcante Padilha*

Olharum

amoroso emtravessia por outras travessias

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memória do futuro do próprio paísa que pertence.

Quero assinalar, também, que,apesar do olhar amoroso da traves-sia de Luana pelas travessias e, àsvezes, travessuras estéticas, de “seu”autor, a ensaísta brasileira não tentafalar pelo outro, mas com o outro.

Não busca, por essa razão, comofaz a personagem Benjamin South-man, falsas vias de identificação com“um certo continente africano forja-do por seu imaginário”, usando suaspalavras, mas deixa, sim, a exemplo deManuel Antunes – personagem dotexto de extração histórica (conceitopor ela buscado em André Trouche)– que a África lhe vá tomando a pelecultural, para que ela possa, com isso,enfrentar as teias da colonialidade dopoder e do saber, praticando, com seutexto, a desobediência epistêmica deque nos fala Walter Mignolo. Se MiaCouto, com e por seu romance, pro-põe jogos dicotômicos instigantes,pondo em tensão o local e o global; atradição e a modernidade; o lírico e onarrativo; etc, Luana, destrançandoesse mesmo romance, propõe-nos ou-tros jogos, como os da ficção e da his-tória; do saber ocidental e do saberafricano; da colonialidade e da desco-lonialidade; da realidade e da magia;do centro e da margem e iríamos poraí. O fato e a versão ocupam a aten-ção do autor e de sua leitora, pois,como ensina Mia em Pensatempos:“Para combater pela verdade o es-critor (e quem o lê, acrescento eu)usa uma inverdade: a literatura”.

Talvez esteja nessa percepção dafunção da literatura a possibilidade domergulho de ambos nas “águas mes-tiças da história” do tempo que esta-mos todos a viver e em que devemoslutar bravamente contra os essencia-

lismos; a idéia de verdade única; ainstransigência teórica, histórica oumetodológica de qualquer espécie; etc.

Já desde a viagem camoniana – eGonçalo da Silveira não está em OsLusíadas por acaso – aprendemos queos fatos não existem, mas apenas assuas versões.

Camões dá a sua, dizendo terGonçalo sofrido “morte e vitupério”,para manter a sua fé, sendo assassi-nado pela “selvática gente, negra enua” ( X, 93). Pelos cafres, enfim.

Mia propõe nova versão e tentacontar a história por outro ângulo doolhar, dizendo que cafres foi a pala-vra roubada aos árabes para desig-nar os infiéis, no caso, os africanosque, para os portugueses, não teriamfé nenhuma. Essa fé, profunda e ir-remediável, projeta-se, no romance,em Antunes e em Mwadia, por exem-plo, e nós, leitores, nos deslumbra-mos com isso. Por sua vez, a ensaístadesata, com cuidado, os fios dessa ou-tra versão. Retrança-os, fazendo-noso convite para com ela mergulhar nolivro do outro e no seu próprio livro,que trazem o marulhar dos rios dooutro lugar, Moçambique. Rios maisfortes que os do mar português.

Parodiando um pouco o gesto deLuana Antunes que, antes de con-cluir seu trabalho, convoca epigra-ficamente as vozes de Gruzinski, seuteórico-tutor, e de Mia Couto, seuautor, convoco, por minha vez, asvozes deste autor e da ensaísta, aofinal de suas travessias. Ambos, a meuver, desenterram a estrela da palavra,para reenterrá-la no silêncio do tex-to que se fecha.

Mia aponta, iluminando a figurade Mwadia, para o cerrar da porta eo caminhar da personagem para o rio.Luana, por sua vez, remete à possí-

vel queda de nova estrela e à presen-ça de outro horizonte.

Os dois insistem, assim, na pos-sibilidade de outra travessia, surpre-endida na força de seu recomeço:

Mia Couto:“[Mwadia] apoiou a porta para suavi-zar o ruído do trinco ao fechar-se. Ain-da hesitou, à saída do quintal, como seescolhesse entre que ausentes ela deveriaviver. Só depois tomou o caminho do rio.”

Luana Antunes:“Aportamos as palavras. Fizemos atravessia imaginária pelas águas mesti-ças da história, e já agora, quando ofim se encena na nossa escrita, e quaseentrevemos uma estrela cair ao longe,em outro horizonte, percebemos que seapresenta, enfim, o recomeço.”

Em meu caso, também dou porencerrada a minha travessia, convi-dando os leitores de Luana para saí-rem do vestíbulo e buscarem a estre-la da palavra, no meio da casa.

reflexões

Foto:

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* pesquisadora e professora de Letras Clássicas eVernáculas.

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afirmativo

No ano de 2004, o DIEESE di-vulgou resultado de pesquisa em querevelava que, no Brasil, até aquela data,era ínfimo o percentual de negros tra-balhando nas instituições financeirasde primeira linha. O mesmo documen-to frisava que as mulheres negras fi-guravam como o grupo mais discri-minado, visto que menos de 2% delasocupava posição de médio e alto es-calão naquelas instituições.

Em 2008, o instituto Ethos divul-gou resultado de pesquisa com as 500maiores empresas do país, revelandoque, em 2007, apenas 3,5% do qua-dro de altos executivos dessas orga-nizações eram afrodescendentes.

Apesar de o estudo não mencio-nar o gênero desses profissionais,sabe-se que é muito pequeno o per-centual de mulher afrodescendenteque ocupa cargos de alta posição nasgrandes corporações, uma vez que di-versas pesquisas têm demonstradoque a mulher negra ocupa as pioresposições em nosso mercado de tra-balho. Já nas atividades que exigembaixo nível de qualificação, a mulher

negra se encontra extremamente so-bre-representada. É o caso, por exem-plo, do trabalho doméstico.

Os resultados da PNAD/IBGEde 2006 revelam que, em 2005, exis-tia no Brasil cerca de 6,7 milhões depessoas no trabalho doméstico. Sen-do que desse total, 93,2% era com-posto por mulheres e o restante porhomens. Segundo o estudo, dentre asmulheres, o maior contingente é o dasnegras: as domésticas representamcerca de 22% das mulheres negrasocupadas. A grande maioria das do-mésticas, cerca de 72,5%, não temcarteira assinada, desse contingente,57,5% são negras.

Além disso, a pesquisa ainda reve-lou que, entre as(os) empregadas(os)domésticas(os), as mulheres negras sãoque percebem os menores salários.

Os dados apresentados acima su-gerem que, em que pese alguns es-forços direcionados em políticas desuperação de desigualdades raciaisnessa primeira década do século XXI,as mulheres negras ainda estão mui-to distantes de atuar como protago-

nistas na sociedade brasileira.Talvez estejam mais bem represen-

tadas na música. Mas, ainda não con-seguem viver com dignidade do frutode seu trabalho artístico, pelo menosnão na proporção em que artistasbrancos(as) o fazem. Um pouco maisda metade da população brasileira seautodeclara negra, mas ainda não te-mos na televisão brasileira uma apre-sentadora negra; as atrizes negras re-presentam uma pequena fração dascentenas de atrizes brancas; as profis-sionais de jornalismo negras podemser contadas nos dedos de duas mãos.O mesmo se pode dizer das mulheresnegras na política, estão em númeromuito reduzido nessa área também.

Quanto à sua representatividadenas grandes organizações empresa-riais, se não forem suficientes as es-tatísticas apontadas acima, um pas-seio pela Avenida Paulista, o coraçãoeconômico do país, é revelador... Étão pequeno o número de mulheresnegras em posição de destaque emnossa sociedade que me pergunto seesse número tem significação esta-

ondeestá a

mulher negra?Por Eliane Barbosa da Conceição*

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tística. Ou seja, se esse número é re-presentativo, diante da vasta quanti-dade de mulheres negras realizandotrabalho não considerado decente.

A mim parece que o trabalho daesmagadora maioria das mulheresnegras alimenta o sistema de privilé-gios dos homens e mulheres brancasde nossa sociedade. Enquanto em-pregadas domésticas poupamos osnossos “patrões” e seus filhos do tra-balho infrutífero, do trabalho que nãodignifica (dignifica?), do trabalho quenão traz resultados econômicos.

Enquanto a empregada domés-tica - a diarista, a faxineira – limpa acasa de seus “patrões”, eles e seus fi-lhos estudam, fazem cursos, apren-dem outras línguas, viajam.

Enquanto a empregada domésti-ca cozinha, lava, passa e arruma acasa, por um salário muitas vezesmenor que o mínimo e que nem mes-mo paga um bom jantar em família,“patrões” e filhos – aliviados dessacarga de trabalho barato – se aper-feiçoam para o mercado do trabalhodigno e bem pago. Pior, enquanto

a empregada doméstica serve aos“patrões”, sua própria cria fica emcasa. Sem o carinho da mãe, semsua orientação, sem seu braço forte.

Desorientados, sem a oportuni-dade de estudar na boa escola, seminvestimento para o futuro, percor-rerão a mesma trajetória da mãe. Sal-vo exceções, e considerando a me-lhor hipótese, as meninas serão as em-pregadas domésticas de amanhã e osmeninos, os lavadores dos carros dosfilhos do “patrão”.

Do que precisamos para reverteressa realidade?

Precisamos do posicionamentodo Estado: assegurando o direito aotrabalho decente e salário digno aosempregados domésticos; garantidoescola pública de qualidade; garanti-do a permanência das crianças negrase brancas pobres nessa escola; res-guardando o direito à igualdade deoportunidade no mercado de traba-lho; criando mecanismos que visemresgatar a auto-estima da populaçãonegra, de modo que as novas gera-ções sejam libertadas do medo, dainsegurança, do complexo de infe-rioridade, ou seja, dos fenômenos so-ciais que têm levado metade da po-pulação brasileira a nem mesmo ten-tar mudar, a nem mesmo saber so-nhar. É este o clamor da mulher ne-gra brasileira neste século XXI: che-ga de maus tratos; chega de poucainstrução; chega das piores posições.Podemos e queremos dar mais paraa construção de uma sociedade me-lhor, na qual nossos filhos não mor-ram tão cedo e nossas filhas flores-çam na época certa!

Eliane Barbosa da Conceição

*profa. na Faculdade Zumbi dos Palmares, dou-toranda na Escola de Administração de Empre-sas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas.

Foto:

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preto e branco

Ruth deSouza

Em 65 anos de carreira, a primeiraatriz negra a subir ao palco do TeatroMunicipal do Rio de Janeiro, tem umcurrículo para poucas. São mais de 30filmes, ínumeras telenovelas, minissériese peças teatrais.

Junto a outros grandes nomes domovimento negro, ela fez parte doTeatro Experimental do Negro, quetinha como proposta abrir espaço paraatores negros. Ao longo de sua carreirarecebeu muitos prêmios e homenagenspor seus trabalhos em teatro, cinema etelevisão. Em 1985, o Centro deIntegração da Cultura Afro-Brasileira(CICAB) homenageou seus 40 anos decarreira. Em 1989, recebeu doMinistério da Cultura o prêmio Dulcinade Moraes, na categoria teatro, paraartistas que contribuíram para odesenvolvimento da cultura brasileira.Em 2005 recebeu o Troféu Raça Negra,da Afrobras.

Ruth de Souza, uma das nossasmaiores atrizes. Com sua atitude,postura, dignidade humana e a formacomo sempre honrou seu nome e suacor, com certeza representa a mulhernegra brasileira.

Ruth de Souza

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