alteraes na comunidade causadas por espcies invasoras20ece... · alterações na comunidade...

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Alterações na comunidade causadas por espécies invasoras Invasões bióticas ocorrem quando organismos são transportados para novas regiões, geralmente distantes de sua área nativa, onde seus descendentes irão se proliferar, espalhar e persistir [1]. Ao ser introduzida ou chegar a um dado local uma espécie exótica pode se tornar invasora, transpondo barreiras e filtros ambientais (caixa 2). Após a chegada no local, os indivíduos devem ser capazes de sobrepujar barreiras ecológicas, representadas por fatores abióticos e interações com espécies locais, a fim de se estabelecer no novo ambiente. Esses indivíduos devem ser capazes de se reproduzir e obter um crescimento populacional suficiente para que a espécie se torne apta a se dispersar para regiões adjacentes ao seu local de introdução [2]. Com a colonização dessas novas áreas ocorre a ampliação da distribuição geográfica das espécies, encerrando o ciclo do processo de invasão (ver caixa 2) [3]. Embora essas invasões possam acontecer de forma natural, a expansão do comércio e transporte feitos pelos homens ocasionou um grande aumento no número de espécies envolvidas, na amplitude geográfica, assim como na frequência de ocorrência de novos episódios de invasão [4]. Adriano A. Mariscal, Guilherme N. Corte e Janaina R. Cortinoz. Espécies invasoras podem provocar alterações significativas dentro dos processos ecossitêmicos existentes em uma comunidade. Mudanças em propriedades ecológicas essenciais tais como riqueza de espécies, ciclagem de nutrientes, produtividade, estrutura da comunidade e interações mutualistas são exemplos conhecidos de alterações resultantes da invasão de uma espécie exótica, e leva biólogos e conservacionistas a acreditar que espécies invasoras são responsáveis por boa parte das extinções que ocorreram recentemente. Neste trabalho, pretendemos analisar algum dos principais efeitos causados por espécies invasoras nas comunidades onde estas se estabelecem, assim como avaliar a relação entre a invasão de uma espécie exótica e as mudanças que podem ocorrer no ambiente. 1 UNICAMP - PG Ecologia Ecologia de Comunidades e Ecossistemas 2008 - Seminários

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Page 1: Alteraes na comunidade causadas por espcies invasoras20ECE... · Alterações na comunidade causadas por espécies invasoras Invasões bióticas ocorrem quando organismos são transportados

Alterações na comunidade

causadas por espécies

invasoras

Invasões bióticas ocorrem quando

organismos são transportados para novas

regiões, geralmente distantes de sua área

nativa, onde seus descendentes irão se

proliferar, espalhar e persistir [1]. Ao ser

introduzida ou chegar a um dado local

uma espécie exótica pode se tornar

invasora, transpondo barreiras e filtros

ambientais (caixa 2). Após a chegada no

local, os indivíduos devem ser capazes de

sobrepujar barreiras ecológicas,

representadas por fatores abióticos e

interações com espécies locais, a fim de

se estabelecer no novo ambiente. Esses

indivíduos devem ser capazes de se

reproduzir e obter um crescimento

populacional suficiente para que a espécie

se torne apta a se dispersar para regiões

adjacentes ao seu local de introdução [2].

Com a colonização dessas novas áreas

ocorre a ampliação da distribuição

geográfica das espécies, encerrando o

ciclo do processo de invasão (ver caixa 2)

[3]. Embora essas invasões possam

acontecer de forma natural, a expansão do

comércio e transporte feitos pelos homens

ocasionou um grande aumento no número

de espécies envolvidas, na amplitude

geográfica, assim como na frequência de

ocorrência de novos episódios de invasão

[4].

Adriano A. Mariscal, Guilherme N. Corte

e Janaina R. Cortinoz.

Espécies invasoras podem provocar

alterações significativas dentro dos

processos ecossitêmicos existentes em

uma comunidade. Mudanças em

propriedades ecológicas essenciais tais

como riqueza de espécies, ciclagem de

nutrientes, produtividade, estrutura da

comunidade e interações mutualistas

são exemplos conhecidos de alterações

resultantes da invasão de uma espécie

exótica, e leva biólogos e

conservacionistas a acreditar que

espécies invasoras são responsáveis por

boa parte das extinções que ocorreram

recentemente. Neste trabalho,

pretendemos analisar algum dos

principais efeitos causados por espécies

invasoras nas comunidades onde estas

se estabelecem, assim como avaliar a

relação entre a invasão de uma espécie

exótica e as mudanças que podem

ocorrer no ambiente.

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Page 2: Alteraes na comunidade causadas por espcies invasoras20ECE... · Alterações na comunidade causadas por espécies invasoras Invasões bióticas ocorrem quando organismos são transportados

Um crescente número de estudos

sobre invasões biológicas tem sido

publicado e acompanha o aumento no

número de casos verificados e a

magnitude dos impactos ambientais

atribuídos às espécies invasoras [5,6].

Dentre as conseqüências das invasões

biológicas mais citadas estão a extinção

de espécies, declínio populacional,

alterações nas relações bióticas nas

comunidades e alteração nos processos

ecossistêmicos [7,4,8]. Entretanto um

consenso sobre se essas espécies são a

causa ou um efeito destas mudanças

ambientais causadas pelos homens ainda

não foi atingido [9, 10] . Nesse sentido, o

objetivo deste trabalho é analisar algum

dos efeitos causados por espécies

invasoras nas comunidades onde estas se

estabelecem, assim como estabelecer uma

visão crítica sobre se essas espécies são

realmente a causa da mudança ambiental

ou estão simplesmente relacionadas com

os distúrbios no ambiente realizados pelo

homem.

Caixa 1: GLOSSÁRIO

Algumas definições utilizadas na literatura de invasões biológicas:

Espécie exótica ou não-indígena:Qualquer espécie encontrada fora de sua área de distribuição natural historicamente conhecida.

Espécie nativa ou indígena: Qualquer espécie encontrada dentro de sua de distribuição natural historicamente conhecida. Espécie endêmica: Qualquer espécie encontrada exclusivamente em determinada região. Espécie residente: Qualquer espécie encontrada em uma comunidade, não considerando se esta é exótica ou nativa. Espécie naturalizada: Espécie exótica que consegue sobreviver e produzir descendentes, mas é incapaz de se dispersar regionalmente. Espécie introduzida: Espécie exótica que é introduzida a um local geralmente para fins comerciais. Espécie invasora: São espécies exóticas que passam a se reproduzir e dispersar regionalmente tendo uma grande abundância e dominância sobre as demais espécies do local e que podem causar impacto na comunidade.

Alterações causadas por espécies

invasoras

Invasões de espécies exóticas são

amplamente reconhecidas como uma das

maiores ameaças à biodiversidade e à

estabilidade do ecossistema [7, 4] e são

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Page 3: Alteraes na comunidade causadas por espcies invasoras20ECE... · Alterações na comunidade causadas por espécies invasoras Invasões bióticas ocorrem quando organismos são transportados

agora consideradas como um dos

principais assuntos em ecologia de

comunidades, recebendo grande atenção

por parte da mídia e do público em geral

[11, 5]. As consequências das invasões

bióticas podem variar de modo

acentuado, podendo ocasionar alguns

efeitos benéficos, como um aumento na

riqueza de espécies, ou efeitos adversos

significativos, como alterar a estrutura e o

funcionamento do ecossitema [12, 13].

Nos próximos tópicos, trataremos de

modo mais específico de alguns dos mais

conspícuos efeitos da invasão de espécies

exóticas em um ambiente.

Riqueza de espécies

Latini & Petrere (2004) [14]

estudando comunidades de peixes em

lagos do Parque Estadual do Rio Doce

(MG) observaram os efeitos de espécies

invasoras em comunidades lênticas

(lagos, p.ex.) da região. Nas décadas de

1960 e 1970, espécies predadoras de

peixes provenientes da bacia amazônica

foram liberadas em lagos próximas ao

limite do parque, de onde alcançaram

lagos dentro do limite da área de reserva.

Após a comparação de lagos com e sem a

presença dessas espécies introduzidas, os

autores observaram uma forte relação

entre a presença de espécies invasoras e a

diminuição da riqueza de espécies

nativas. Segundo os pesquisadores, se

uma população nativa não é

suficientemente competitiva ou não

possui mecanismos eficientes para evitar

a predação, suas chances de persistir na

comunidade após uma invasão tornam-se

bastante reduzida. Estes resultados

corroboram outros estudos realizados em

diversas partes do mundo que focam na

invasão de reservatórios por espécies

exóticas [15]. Analisados juntos, estes

estudos indicam um padrão não-aleatório

na

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Caixa 2: O processo de invasão.

Figura 1: A estrutura sugerida para definir termos operacionalmente importantes em estudos de invasões

biológicas. Os invasores potenciais começam como propágulos residentes em uma região fornecedora (Estágio 0), e passam por uma série de filtros que podem impossibilitar a transição aos estágios seguintes. Notar que do estágio 3 ao 5 há uma divisão relativa a abundância e na distribuição das espécies exóticas. Seguindo esta estrutura, uma espécie exótica pode ser: Localmente ou numericamente rara (estágio 3), difundido espacialmente, mas raro (estágio 4a), não difundido, mas dominante localmente (estágio 4b) ou difundido e dominante (estágio 5). Os nomes dados pretendem somente ajudar na conceituação de cada estágio, mas não devem ser usados para referir-se ao estágio de interesse (por exemplo: ‘estágio 4b’, ‘não dominante'). Três classes determinantes afetam a probabilidade que um invasor potencial passar através de cada filtro: (A) Pressão do propágulo; (B) Exigências físico-químicas do invasor potencial; e (C) interações da comunidade. As classes podem afetar positivamente (+) ou negativamente (-) o número dos propágulos que passam com sucesso através de cada filtro. (Adaptado de Colautti e MacIsaac, 2004)

O processo de invasão começa com a entrada de indivíduos na nova área. Essa entrada tem que ser em número e freqüência suficiente (A) para que haja número suficiente de indivíduos crescendo (estágio 0 estágio 1); Ao se estabelecer esses novos indivíduos tem que encontrar condições ambientais tais como temperatura e umidade além de recursos disponíveis para serem utilizados (B) adequados para crescer e chegar a fase reprodutiva (estágio 3 estágio 2), ainda neste momento a entrada de novos indivíduos (A) é importante para o sucesso do invasor. Passado para o estágio 2, ou seja, tendo uma entrada suficiente de indivíduos e estes encontrando condições e recursos favoráveis, um outro filtro torna-se importante, a interação com os organismos locais (C). Se as interações com a comunidade local não for negativa o suficiente ou se for positiva, a espécie exótica passa para uma situação onde pode se reproduzir e dominar localmente uma região (estágio 2 estágio 3). Chegada a este estágio, a espécie exótica, para se tornar uma invasora, pode seguir por dois caminhos: ou ela tem uma boa dispersão regional e aonde chegar encontrar condições, recursos e interações favoráveis (Estágio 4a), ou ela torna-se dominante localmente, mas não dispersa regionalmente (estágio 4b). A partir deste ponto a espécie se torna invasora (estágio 5) se barreiras de dispersão (estágio 4b estágio 5) ou de condições recursos e interações com a comunidade locais (estágio 4a estágio 5) forem superadas, assim ela torna-se dominante e dispersa.

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Ciclagem de nutrientes e produtividade

As consequências de invasões

biológicas podem apresentar mudanças

menos óbvias na comunidade como, por

exemplo, mudanças no solo [16]

enquanto que essas consequências

podem, por sua vez, resultar em impactos

visíveis no ecossistema. Espécies

sozinhas podem afetar uma variedade de

componentes do ciclo do carbono (C) e

de outros nutrientes, incluindo reservas de

C localizadas acima e abaixo da

superfície, nitrogênio (N) e outros

elementos, produtividade primária líquida

e taxa de crescimento de plantas [17, 18].

Grayston & Campbell (1998) [19]

afirmam que mudanças nos ciclos de

nutrientes podem ser resultados de

alterações na comunidade microbiana do

solo relacionadas a diferenças na

quantidade e qualidade de recursos

comsumidos por diferentes espécies de

plantas. A dinâmica de nutrientes também

pode ser alterada em função de mudanças

nas propriedades físicas do solo

resultantes da entrada de novas espécies

[16]. Mudanças no tipo funcional de

plantas, como herbáceas versus lenhosas,

espécies fixadoras de nitrogênio versus

espécies não fixadoras e espécies C3

versus espécies C4 também estão

intimamente relacionadas com a

distribuição e dinâmica dos nutrientes no

solo [20].

Ehrenfeld (2003) [21] revisou

evidências de mudanças na dinâmica do

solo em resposta à invasão de espécies de

plantas e avaliou possíveis generalidades

encontradas nos padrões de resposta. Ao

analisar 79 estudos com 56 espécies

diferentes de plantas, o autor verificou a

existência de alguns padrões gerais como

uma maior biomassa nas espécies

invasoras, assim como uma maior

produção primária líquida e maior taxa de

crescimento quando comparadas com as

espécies nativas por elas deslocadas. Uma

maior quantidade de N inorgânico

extraível e taxas maiores de

mineralização de N também estavam

relacionadas às espécies invasoras.

Porém, apesar das generalizações

encontradas, Ehrenfeld conclui que

espécies invasoras certamente afetam a

distribuição dos nutrientes no solo, mas a

direção dessas mudanças é difícil de ser

prevista, pois aumentos e diminuições são

observados em quantidades parecidas.

Animais invasores também podem

alterar a dinâmica de nutrientes em um

ecossistema. A espécie de porco europeu

Sus scrofa, devido ao seu hábito de

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cavoucar a terra em busca de alimento,

podem revirar o solo de grandes áreas,

resultando em diversos efeitos como

mortes de plantas e raízes, decomposição

mais rápida da camada de serrapilheira,

mistura das camadas do solo, aumento

nas taxas de mineralização dos nutrientes

e menor retenção de nitrogênio [22].

Singer et al. (1984) [23] compararam as

características do solo antes da invasão

dos porcos e depois de 10 anos da invasão

em uma floresta do Tenessee e

verificaram uma diminuição de 65% da

quantidade de matéria orgânica no solo e

um significante aumento na lixiviação de

cátions e nitrogênio. Os pesquisadores

também observaram uma concentração

elevada de nitrogênio em vertentes de

águas subterrâneas onde os porcos

estiveram.

Estrutura da comunidade

Através do deslocamento de

espécies nativas ou da redução de suas

abundâncias, espécies invasoras podem

alterar drasticamente a estrutura e

funcionalidade de muitas comunidades

nativas e ecossistemas. Sanders et al.

(2002) [24] avaliaram o impacto que a

espécie de formiga invasora Linepithema

humile causou na organização de uma

comunidade de formigas nativas no norte

da Califórnia (EUA). Os autores

analisaram dados coletados durante sete

anos de monitoramento da invasão e

documentaram a desestruturação da

comunidade nativa em função da chegada

da espécie invasora. Antes da chegada de

Linepithema humile, espécies nativas co-

ocorriam em uma intensidadede menor do

que a esperada ao acaso, o que sugere que

a população estava estruturada por

competição. A presença da espécie

invasora resultou em uma reorganização

dos padrões de co-ocorrência das espécies

nativas o qual passou de segregação de

espécies em comunidades intactas para

uma ocorrência agregada em

comunidades invadidas. Os autores

ressaltam também a rapidez com que essa

mudança na estruturação da comunidade

ocorria, sendo que o período para a

desestruturação da comunidade era de

apenas um ano a partir da chegada de L.

humile. Dessa forma, os autores sugerem

que a espécie invasora muda a estrutura

da comunidade por possuir uma maior

habilidade na exploração de recursos e

interferir de modo direto com seus

competidores.

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Interações mutualistas

Espécies invasoras podem alterar

interações ecológicas fortalecidas ao

longo de um grande tempo evolutivo e,

dessa forma, podem modificar trajetórias

evolucionárias. Em particular, espécies

invasoras podem romper relações

mutualísticas entre animais e plantas,

como relações de polinização e dispersão

de sementes [25]. Esses rompimentos

podem ocorrer a partir da invasão de

polinizadores, dispersores de sementes,

herbivoros, predadores ou plantas.

A entrada de um polinizador

exótico na comunidade pode afetar

negativamente as populações de plantas

se a quantidade ou qualidade de pólen

transferido entre plantas for diminuída, já

que essa diminuição acarretaria em uma

produção de sementes e uma consequente

redução no valor adaptativo da planta [8].

As mesmas propriedades que tornam um

polinizador invasor, por exemplo, altas

taxas de crescimento da população,

podem estar associadas com a proporção

de pólen que é transferido para indivíduos

jovens ao invés de ser transferido para

outras entre plantas [26]. Um dos mais

bem estudados casos de invasão por

polinizadores trata-se da abelha Apis

mellifera, um polinizador generalista com

ampla distribuição geográfica. Traveset &

Richardson (2006) [8] salientam o fato de

que a presença dessa abelha está

relacionada a uma diminuição na taxa de

visita por polinizadores nativos através de

competição por interferência ou

exploração. Essa diminuição no número

de visitas por polinizadores nativos

resulta em um menor valor adaptativo

destes e também das plantas, pois A.

mellifera, apesar de realizar visitas em

grandes quantidades, é um polinizador

menos eficaz em termos qualitativos.

No entanto, polinizadores exóticos

podem aumentar a aptidão de plantas em

função de um aumento na transferência

de pólen entre plantas [26] ou não exercer

nenhum efeito significativo se a taxa de

visitação de plantas for baixa. Cox &

Elmqvist (2000) [27] destacam o exemplo

da videira Freycinetia arborea presente

em algumas ilhas do Havaí. Nesta

localidade, os polinizadores de F.

arborea foram extintos e a espécie

persiste devido à presença de pássaros da

espécie Zosterops japonica, nativa do

Japão.

A introdução de herbívoros pode

influenciar negativamente a estabilidade

de uma comunidade e diminuir a aptidão

das espécies presentes. Um animal que

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consome partes vegetativas ou

reprodutivas de uma planta pode exercer

uma considerável influência na relação

mutualista entre planta e polinizador. O

consumo de partes flores, por exemplo,

afeta diretamente ambas as espécies

mutualistas através da diminuição da

fecundidade da planta e da quantidade de

recursos disponíveis para o polinizador.

Predadores exóticos, por sua vez, afetam

o crescimento da população de

polinizadores, o que influência

indiretamente no valor adaptativo das

espécies de plantas mutualistas. Nogales

& Medina (1996) [28] estudando a

influência de carnívoros nas Ilhas

Canárias, observaram que a presença de

gatos ferais nessas ilhas levou à extinção

diversas espécies de lagartos nativos que

eram importantes polinizadores para uma

grande variedade de espécies de plantas.

Espécies de plantas invasoras são em sua

grande maioria polinizadas por uma

grande variedade de animais, o que

facilita seu estabelecimento e dispersão

nas comunidades. Uma espécie exótica

que apresente grande produção de

recursos florais, com grande ou

prolongado display pode exercer grande

impacto em espécies nativas se ela for

preferencialmente escolhida pelos

polinizadores [3].

De modo semelhante, a invasão de

espécies exóticas de dispersores de

sementes ou de consumidores das

espécies relacionadas pode afetar a

estrutura e a diversidade de uma

comunidade nativa, assim como a

estabilidade e a aptidão das espécies nela

presentes. A introdução de um animal

frugívoro pode resultar em uma dispersão

efetiva de muitas espécies nativas e em

um aumento do valor adaptativo das

plantas quando a dispersão de sementes é

limititada. Por outro lado, o efeito pode

ser negativo para as populações de

plantas se o dispersor é ineficiente, por

exemplo, depositando as sementes em

locais inapropriados para sua germinação

[29]. Dispersores nativos, por sua vez,

podem ser negativamente afetados por

um dispersor exótico se a espécie

invasora for competitivamente superiror a

eles, principalmente se o recurso for

limitante.

Características físicas

Espécies invasoras podem iniciar,

aumentar ou suprimir eventos como fogo

e erosão, alterando assim as

características físicas do ambiente [30].

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D’Antonio e Vitousek (1992) [31]

sugerem que invasões de espécies de

gramíneas podem resultar alterações

irreversíveis no regime de fogo em

regiões onde queimadas ocorram

periodicamente. A alta razão

superfície/volume dessas espécies e a

típica acumulação de biomassa morta

elevam a probabilidade de incêndio em

ambientes onde gramíneas não eram

abundantes. Hughes et al., (1991) [32]

afirmam que as gramíneas invasoras

criam uma cobertura homogênea quando

comparada com a floresta nativa, o que

promove maiores velocidades nos ventos

e, consequentemente, uma maior

propagação do fogo. Promoção do fogo

por invasores também são observadas em

ecossistemas onde invasões de especies

lenhosas ocorreram. Van Wilgen &

Richardson (1985) [33] estudando o

ecossistema de fisionomia arbustiva

Fynbos, na África do Sul, verificaram que

a espécie invasora Hakea sericea, um

arbusto nativo da Austrália, aumenta a

quantidade de matéria disponível para as

queimadas e diminui a quantidade de

matéria úmida. Como resultado, os

autores observaram maiores taxas de

propagação do fogo em áreas invadidas

quando comparadas com áreas intactas.

Por outro lado, lugares invadidos pelo

arbusto australiano Acacia saligna

também apresentaram um aumento na

quantidade de matéria disponível para

queimadas, porém, o conteúdo de matéria

úmida também foi significativamente

maior, o que resultou em resultados

semelhantes em comunidades invadidas e

intactas com relação a queimadas [30].

Alterações na geomorfolgia

também são decorrentes da chegada de

espécies invasoras. Macdonald & Cooper

(1995) [34] observaram que a chegada da

planta invasora australiana Acacia

meamsii em ecossistemas da África do

Sul estava relacionada a uma maior

erosão nas margens de rios devido a um

baixo investimento no sistema radicular e

raízes menos profundas em comparação

com as espécies nativas. De modo

contrário, espécies invasoras também

podem ocasionar uma maior estabilidade

em substratos perturbados. Espécies de

crescimento clonal que se ramificam por

estolões ou rizomas são bem sucedidas na

estabilização de substratos perturbados ou

móveis. Essa estabilização, por sua vez,

pode levar a taxas de sucessão aceleradas

resultando em um rápido acrescimo de

espécies na comunidade e, dessa forma,

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podendo elevar a sua riqueza e

diversidade.

Motoristas ou passageiras de mudanças

no habitat?

MacDougall e Turkington (2005) [34]

realizaram um trabalho em uma região da

Columbia Britânica no Canadá. Os

pesquisadores partem da hipótese de que

se sistemas invadidos também sofrem

impactos por perda de habitat a

dominância exótica pode ser menos

devido à competição do que se supõe.

Portanto a remoção das espécies exóticas

não deveria impactar as espécies nativas,

já que outros fatores, que não a presença

dessas espécies limitaria as espécies

nativas. O local foi invadido pelas

gramíneas Poa pratensis e Dactylis

glomerata que são abundantes na região,

mas que são em grande parte plantadas

pela população. Dessa forma, os autores

argumentam que a dominância dessas

plantas pode se dever tanto a sua

capacidade competitiva quanto ao fato de

ser cultivada. MacDougall e Turkington

removeram as gramíneas de parcelas e as

observaram durante três anos,

monitorando 79 espécies de plantas. A

riqueza de espécies aumentou nas

parcelas, mas foi devido a chegada de

outras espécies exóticas. No entanto,

encontraram aumento em cobertura e

espécies nativas que antes eram raras se

tornaram dominantes, porém 36 das 79

espécies não apresentaram nenhuma

modificação ou ainda tiveram um

decréscimo na ausência das invasoras. Os

autores encontraram que as espécies

nativas têm baixa dispersão, devido à

ausência de seus dispersores no local.

Ainda as gramíneas invasoras suprimem

o fogo (comum na savana britânica

devido atividades antrópicas) por manter

o solo úmido, facilitando ainda a

germinação de plantas nativas. Além

disso, nas parcelas houve estabelecimento

de plântulas de espécies arbóreas, que

antes não se encontravam na savana,

assim, a presença das gramíneas coíbe a

arborização dessa savana, o que é comum

em savanas impactadas. Os autores

argumentam que a presença ou ausência

das espécies invasoras gera um “trade-

off”, uma vez que na presença das

invasoras a riqueza de espécies diminui,

mas sem as mesmas o estabelecimento de

nativas diminui e essas estariam sujeitas

ao fogo e a sombra de espécies arbóreas.

Dessa forma os autores concluem que as

espécies invasoras são “passageiras” de

mudanças ambientais e não “motoristas”

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dessas mudanças. Ou seja, as invasões

são mais conseqüências de uma mudança

ambiental do que a causa da mudança.

Conclusão

A entrada de uma espécie

invasora pode resultar em alterações

significativas no equilíbrio de uma

comunidade. Mudanças em propriedades

ecológicas essenciais tais como riqueza

de espécies, ciclagem de nutrientes,

produtividade, estrutura da comunidade e

interações mutualistas são exemplos

conhecidos de alterações resultantes da

invasão de uma espécie exótica. Essa

grande quantidade de modificações nos

processos do ecossistema associada ao

declínio no número de espécies nativas

em locais invadidos tem levado biólogos

e conservacionistas a acreditar que

espécies invasoras são responsáveis por

boa parte das extinções que ocorreram

recentemente. Entretanto, a importância

presumida dos invasores como causa de

extinções não é comprovada e baseada

em observações limitadas e inferências

[9].

É provável que a dominância por

espécies exóticas seja uma conseqüência

indireta da alteração do hábitat que

resultaria em perda de espécies nativas.

Conforme discutido anteriormente, o

estabelecimento de uma espécie exótica

em determinado local somente acontece

após a ultrapassagem de diversos filtros e,

dessa forma, muitas espécies invasoras,

mais que ocasionarem mudanças drásticas

no ecossistema, tiram vantagem de

alterações no ambiente tornando-se

competitivamente mais fortes e

deslocando espécies nativas. Wilcove et

al. (1998) [35] quantificaram dados sobre

ameaças a espécies e concluíram que a

perda do habitat devido à ação humana é

a maior delas. Resultado semelhante foi

encontrado em um levantamento

realizado pela União Internacional para a

Conservação de Recursos Naturais

(IUCN, 2003) [36], onde o número de

espécies ameaçadas por modificações no

ambiente devido a atividades antrópicas é

quase seis vezes maior que o de espécies

ameaçadas por espécies invasoras.

Assim, é indiscutível que espécies

invasoras ocasionem mudanças no

ecossistema e que essas mudanças

possam ser prejudiciais às espécies

nativas. Entretanto, uma relação direta

entre espécies invasoras e extinções de

espécies nativas não pode ser traçada. É

provável que, utilizando a definição

proposta por MacDougall & Turkington

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(2005) [13], espécies invasoras sejam

mais passageiras que motoristas das

mudanças nos ecossistemas. Porém, mais

estudos são necessários para um bom

entendimento das conseqüências de

invasões biológicas. Referências Bibliográficas 1. Elton, C.S. (1958) The ecology of

invasions by animals and plants. London: Methuen.

2. Heger, T. & Trelp, L. (2003) Predicting

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