alimentacao_popular urbana sec xix

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1 (publicado em José Vicente Serrão, Magda A. Pinheiro, Mª Fátima S.M. Ferreira (orgs), Desenvolvimento económico e mudança social. Portugal nos últimos dois séculos. Homenagem a Miriam Halpern Pereira, Lisboa, ICS. 2009, pp. 227-248) Maria Alexandre Lousada (Fac. Letras, Univ. Lisboa) Sobre a alimentação popular urbana no início do século XIX: tabernas e casas de pasto lisboetas Lugares de encontro e de convívio, estabelecimentos comerciais do sector alimentar, as tabernas e os cafés são indissociáveis da nova cultura urbana de finais do século XVIII, em Lisboa como em outras capitais europeias. São conhecidos, sobretudo, os aspectos que se relacionam com a dimensão pública convivial destes espaços e com a sociologia dos seus frequentadores 1 . Se as tabernas se institucionalizaram no século XVIII como espaços de sociabilidade popular, os cafés, de origem recente, afirmaram- se como espaço de sociabilidade intelectual e burguesa. Menos exploradas têm sido as práticas alimentares que lhe estão associadas sendo que, neste domínio, as diferenças são também claras. Por um lado, as bebidas e os alimentos servidos são diversos. Por outro, enquanto que, nos cafés, as torradas e os doces se destinavam a acompanhar as bebidas, nas tabernas, os alimentos servidos funcionavam não apenas como acompanhamento do vinho (os petiscos) mas também como refeição. São bastante claros os sinais de que as tabernas serviam refeições (jantar, ceia), pobres e frugais é certo, mas baratas. É assim possível afirmar que, pelo menos entre finais do século XVIII e as primeiras décadas do século XIX, a taberna foi também um lugar importante na alimentação das classes populares, dimensão que tem merecido uma menor atenção por parte dos investigadores 2 . 1 Refira-se, para os estabelecimentos de bebidas franceses e ingleses nos séculos XVIII e XIX, entre muitos outros trabalhos, os já clássicos estudos de Peter Clark, The English Alehouse: a Social History, 1200-1830, Londres, Longman, 1983, Thomas Brennan, Public Driking and Popular Culture in Eighteenth-century Paris, Princeton, Princeton University Press, 1988 e W. Scott Haine, The world of the Paris café. Sociability among the French working class, 1789-1914, Baltimore-Londres, The John Hopkins Univ. Press, 1996. Não se esqueçam, também, obras como as de Jurgen Habermas ou Richard Sennett que analisam as relações entre a formação do espaço público e o mundo das lojas de bebidas. 2 Pedro Andrade (“O beber e a tasca. Práticas tabernais em corpo vínico”, Povos e Culturas, nº 3, 1998, p.242) quando sublinha os dois traços fundamentais da estrutura da taberna - “a aliança entre a bebida e o petisco, alimento de substituição por excelência”, e a aliança entre a bebida e um conjunto variado de actividades (jogo, música, política, etc.) - insere precisamente o primeiro “no interior da prática social do consumo de penúria e de classe, principalmente das classes populares”. Mas remete esse consumo alimentar para uma função de complemento da bebida, quando, pelos menos no período aqui abordado, parece ter tido um papel mais lato.

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(publicado em José Vicente Serrão, Magda A. Pinheiro, Mª Fátima S.M. Ferreira (orgs), Desenvolvimento económico e mudança social. Portugal nos últimos dois séculos. Homenagem a Miriam Halpern Pereira, Lisboa, ICS. 2009, pp. 227-248) Maria Alexandre Lousada (Fac. Letras, Univ. Lisboa) Sobre a alimentação popular urbana no início do século XIX: tabernas e casas de

pasto lisboetas

Lugares de encontro e de convívio, estabelecimentos comerciais do sector

alimentar, as tabernas e os cafés são indissociáveis da nova cultura urbana de finais do

século XVIII, em Lisboa como em outras capitais europeias. São conhecidos, sobretudo,

os aspectos que se relacionam com a dimensão pública convivial destes espaços e com a

sociologia dos seus frequentadores1. Se as tabernas se institucionalizaram no século

XVIII como espaços de sociabilidade popular, os cafés, de origem recente, afirmaram-

se como espaço de sociabilidade intelectual e burguesa. Menos exploradas têm sido as

práticas alimentares que lhe estão associadas sendo que, neste domínio, as diferenças

são também claras. Por um lado, as bebidas e os alimentos servidos são diversos. Por

outro, enquanto que, nos cafés, as torradas e os doces se destinavam a acompanhar as

bebidas, nas tabernas, os alimentos servidos funcionavam não apenas como

acompanhamento do vinho (os petiscos) mas também como refeição. São bastante

claros os sinais de que as tabernas serviam refeições (jantar, ceia), pobres e frugais é

certo, mas baratas. É assim possível afirmar que, pelo menos entre finais do século

XVIII e as primeiras décadas do século XIX, a taberna foi também um lugar importante

na alimentação das classes populares, dimensão que tem merecido uma menor atenção

por parte dos investigadores2.

1 Refira-se, para os estabelecimentos de bebidas franceses e ingleses nos séculos XVIII e XIX, entre muitos outros trabalhos, os já clássicos estudos de Peter Clark, The English Alehouse: a Social History, 1200-1830, Londres, Longman, 1983, Thomas Brennan, Public Driking and Popular Culture in Eighteenth-century Paris, Princeton, Princeton University Press, 1988 e W. Scott Haine, The world of the Paris café. Sociability among the French working class, 1789-1914, Baltimore-Londres, The John Hopkins Univ. Press, 1996. Não se esqueçam, também, obras como as de Jurgen Habermas ou Richard Sennett que analisam as relações entre a formação do espaço público e o mundo das lojas de bebidas. 2 Pedro Andrade (“O beber e a tasca. Práticas tabernais em corpo vínico”, Povos e Culturas, nº 3, 1998, p.242) quando sublinha os dois traços fundamentais da estrutura da taberna - “a aliança entre a bebida e o petisco, alimento de substituição por excelência”, e a aliança entre a bebida e um conjunto variado de actividades (jogo, música, política, etc.) - insere precisamente o primeiro “no interior da prática social do consumo de penúria e de classe, principalmente das classes populares”. Mas remete esse consumo alimentar para uma função de complemento da bebida, quando, pelos menos no período aqui abordado, parece ter tido um papel mais lato.

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Sabemos já algo sobre a alimentação dos grupos privilegiados do Portugal

oitocentista, sobretudo a partir dos livros de cozinha, dos livros de despesa (de

particulares e de instituições) e de tratados médicos3, fontes que não servem ou não

existem para o estudo dos hábitos alimentares das classes populares que eram quem,

precisamente, frequentava as tabernas e as casas de pasto nessa época. Também os

testemunhos dos viajantes, com raríssimas excepções, são válidos apenas para as elites

sociais. Ao estudar as origens do restaurante, J.P. Aron chamou a atenção para os

perigos da utilização dos almanaques e livros de cozinha, mesmo quando foram

sucessos editoriais, pois “reflectem de muito longe a vida alimentar real”4. Ora, nessa

altura, como ainda durante muito tempo, os restaurantes não se destinavam nem eram

frequentados pelas classes populares urbanas. Estas, quando comiam fora, faziam-no na

rua, nas tabernas ou nas casas de pasto. E, neste caso, a escassez de documentação,

agravada pelos problemas da representatividade das informações, para os quais Michel

Morineau alerta5, dificulta ainda mais a tarefa. Será preciso esperar pela segunda metade

do século XIX, quando a “questão social” se coloca e as condições de vida das classes

trabalhadoras são alvo de sucessivos inquéritos e estudos, para se começar a dispor de

fontes mais abundantes e seguras6. Com as necessárias cautelas dado o carácter

fragmentário da informação, este texto pretende ser um pequeno contributo para o

conhecimento dos hábitos alimentares das classes populares urbanas lisboetas no final

do Antigo Regime.7. Na primeira parte procura-se dar uma visão da oferta através do

número, da diversidade e da distribuição espacial dos estabelecimentos de comes e

bebes existentes em Lisboa entre finais do século XVIII e as três primeiras décadas de

3 Veja-se Isabel Drumond Braga, Portugal à mesa. Alimentação. Etiqueta e sociabilidade, 1800- 1850, Lisboa, Hugin, 2000 e a ampla bibliografia aí citada. 4 Jean Paul Aron, Le mangeur au XIXe siècle, Paris, Payot, 1989, p.13. 5 Michel Morineau, “Crescer sem saber porquê: estruturas de produção, demografia e rações alimentares”, J-L Flandrin e M. Montanari, História da Alimentação, Lisboa, Terramar, 1998, 2ª vol, em especial pp.178-181. 6 No que diz respeito às fontes para uma história da alimentação em Portugal, cf. o brevíssimo projecto de guião da autoria de A.H.Oliveira Marques (na “Introdução” a J.P.Ferro, Arqueologia dos hábitos alimentares, Lisboa, D. Quixote, 1996, p.11) e, do mesmo autor, as úteis referências e notas relativas a finais do século XIX e primeiras décadas do seguinte constantes do Guia de História da 1ª República Portuguesa, Lisboa, Ed. Estampa, 1997. Os guias de fontes para períodos mais recuados podem fornecer pistas úteis. Veja-se, por exemplo, para a época medieval, Mª José Azevedo Santos, A alimentação em Portugal na Idade Média: fontes, cultura, sociedade, Coimbra, 1997. No capítulo dos estudos, para o século XIX, uma visão global e um primeiro tratamento de fontes pode ser visto, para a primeira metade do século em David Justino, A formação do mercado nacional: Portugal, 1810-1913, Vol. I, Lisboa, Vega, 1988 e para a segunda metade, em Miriam Halpern Pereira “Níveis de consumo e níveis de vida em Portugal, 1874-1922”, Política e economia. Portugal nos séculos XIX e XX, Lisboa, Livros Horizonte, 1979. 7 Uma primeira versão deste texto foi apresentada no encontro À volta da mesa. Alimentação e sociabilidade em perspectiva, organizado pelo Museu do Pão de Seia, em Novembro de 2005

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oitocentos. Na segunda parte apresenta-se o resultado possível dos registos lacunares

sobre o consumo alimentar – géneros, horários, preços, modalidades de pagamento –

nessas lojas.

1. Tabernas e outras lojas de comes e bebes: existências e geografia

Comece-se, primeiro, por indagar as existências e a sua distribuição na cidade.

Não se dispõe, por enquanto, de dados quantitativos globais relativos às tabernas, casas

de pasto e cafés da capital para todo o século XVIII que permitam afirmar, com base

segura, que a difusão e a especialização das lojas de comes e bebes ocorreu em meados

desse século. De qualquer modo, não deixa de ser sintomático que, em 1730, um

viajante estrangeiro tenha afirmado (ainda que provavelmente com algum exagero) ser

“assombroso que numa cidade tão grande e tão comercial como é Lisboa não haja

hospedarias nem botequins, tais como existem em França, na Holanda, em Inglaterra e

noutros países. Não existem aqui mais que duas péssimas tascas”8; mas que, em 1801,

um outro viajante estrangeiro informasse que “em inumeráveis sítios da cidade há

estabelecimentos chamados Lojas de Café”9 e, em 1822, Balbi tenha escrito que a praça

do Rossio estava rodeada de lojas e de “bastantes bons cafés”10 . Por outro lado, numa

obra sobre costumes lisboetas no início do reinado de D. João V, escrita por um

português e dada à estampa em 1751, os cafés surgem já bem implantados na capital, ao

lado das tabernas e das casas de pasto. Porque a conversa entre os dois personagens do

livro revela uma realidade relativamente pouco conhecida, vale a pena transcrevê-la:

caminhando pelas ruas de Lisboa, “passando por muitas tendas, e juntamente

observando tantas tabuletas” um dos personagens perguntou:”Ó amigo, que espécie de

tabuletas são estas, que só nesta pequena rua tenho já contado sete, as quais nem são de

boticas, tavernas, nem casas de pasto para pessoas graves, e tudo parecem? Estas, […]

disse eu, são casas a quem os modernos chamam de bebidas; […] Repara bem […] e as

verás mais assistidas que os templos de Deus”11.

8 César de Saussure, “Cartas escritas de Lisboa no ano de 1730”, public. em O Portugal de D. João V visto por três forasteiros (trad., pref. e notas de Castelo Branco Chaves), Lisboa, 1983, p. 266. 9 Carl Israel Ruders, Viagem em Portugal, 1798-1802 (trad. de António Feijó, pref. e notas de Castelo Branco Chaves), Lisboa, p.227. 10 A. Balbi, Essai Statistique sur le Royaume de Portugal et d’Algarve ….., Paris, 1822, 2º t. p. 171. 11 Francisco de Castro, Ronda de Lisboa, Lisboa, Empresa Diário de Notícias, 1923, (com introdução de Manuel de Sousa Pinto), pp. 20-21. A edição original data de 1751 e saiu com o título Fantasmas Desprezíveis ou Figuras Abomináveis ou Ronda de Lisboa Que andam continuamente de ronda pelas

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Com base em documentação variada, com especial incidência na de origem

policial12, foi possível constatar que, a partir de meados do século XVIII, as lojas de

comes e bebes de Lisboa formaram uma densa rede que cobria toda a cidade e

conheceram uma especialização significativa (taberna, casa de pasto, restaurante,

botequim, café, etc.). O seu número absoluto era notável: entre 1783 e 1833, abriram as

portas em Lisboa cerca de 2500 lojas deste género, sendo possível afirmar que, no ano

de 1825, os habitantes e forasteiros tinham à sua disposição mais de 1600

estabelecimentos de comida e bebida13. O movimento de abertura e de encerramento

destes espaços comerciais e de sociabilidade foi considerável nesse período, havendo

registo de muitos trespasses e encerramentos.

Tal como em Inglaterra, França ou Espanha, existiam diferentes tipos de

estabelecimentos, de acordo com aquilo que serviam, o preço, os clientes e, também, em

certos casos, a localização. No início do século XVIII, segundo Bluteau14, as tabernas

eram casas “onde se vende por miúdo vinho, azeite e alguma coisa de comer”. Nelas

também se podia comprar carvão, velas, fruta e hortaliça. O facto de venderem vinho

distinguia-as imediatamente dos cafés, também conhecidos como botequins ou lojas de

bebidas. Quanto àquilo que as separava das casas de pasto seriam sobretudo as

diferenças no género, na qualidade e no preço da comida que estabeleceriam a fronteira

(diferença que se fazia sentir, também, nas instalações e na forma de servir). A casa de

pasto destinava-se, em primeiro lugar, a servir comida, a taberna a vender vinho por

miúdo. O argumento utilizado pelo dono de uma taberna para que a sua loja não fosse

considerada uma casa de pasto ajuda a entender a diferença. Dizia o taberneiro que era

“obvia a diferença que há de huma taberna, onde as comidas são ordinarias, e huma

caza de pasto, em que há viandas muito superiores, donde resultão intereces de maior

vantagem; o que bem se deicha ver da quantia arbitrada pelo Senado para humas e

ruas e becos da famosa corte de Lisboa, representadas em três diversos e terríveis sonhos mortais …., po Francisco de Castro, Lisboa, Officina Monrrabana, 1751. 12 A partir, no essencial, de documentação produzida pela Intendência Geral da Polícia entre 1780 e 1834, maioritariamente resultante da necessidade de controlo das horas de fecho dos estabelecimentos de bebidas e da vigilância política. Cf. Maria Alexandre Lousada, Espaços de sociabilidade em Lisboa, finais do século XVIII a 1834, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa, polic. 1995, onde se encontra a base essencial da informação, aqui retomada. 13 Sobre as existências e a geografia dos estabelecimentos de comes e bebes, veja-se de Maria Alexandre Lousada, Espaços de sociabilidade em Lisboa …, pp.182-200 e “A rua, a taberna e o salão: elementos para uma geografia histórica das sociabilidades lisboetas nos finais do Antigo Regime”, M. G. Mateus Ventura (coord.), Os espaços de sociabilidade na Ibero-América (sécs. XVI-XIX), Lisboa, Ed. Colibri, 2004, pp. 106-113. 14 Rafael Bluteau, Vocabulário Portuguez e Latino, 10 vols. , Coimbra e Lisboa, 1712-1728.

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outras”15. É certo que, provavelmente, ele apenas pretendia pagar uma licença de menor

valor para poder ter a porta aberta mais uma hora, dado que o montante dessas licenças

variava consoante o tipo de estabelecimento; contudo, o argumento prova a diferença de

conceitos, reforçada ainda pelo eco que deixou nos dicionários da época. Na taberna

vendia-se “alguma coisa de comer”, “se dá de comer à plebe”; na casa de pasto era onde

cada um “comia a pasto por seu dinheiro”, isto é, “com fartura”; e nas estalagens era

“comer a fartar por um preço certo por cada pasto em mesa redonda ou de hóspedes, e

não pedindo um tanto de cada coisa”16.

Para além das tabernas e das casas de pasto (que, sendo mais modestas, podiam

ser conhecidas como casas de povo e, no caso das primeiras, como tascas e baiúcas)

existiam ainda outras lojas onde se podia comer e beber. Referimo-nos aos armazéns de

vinho, às mercearias, às tendas e às vendas. Embora os armazéns de vinho se

destinassem à venda de vinho por grosso, verificou-se que funcionavam também como

tabernas, servindo vinho por miúdo à “plebe”. Muitos designavam-se a si próprios como

“Armazém de vinho e aguardente por grosso e miúdo” ou “armazém de vinhos e

taberna”. Mesmo os que aparecem apenas como “armazém de vinhos”, na prática eram

tabernas frequentadas pelo povo. Só assim se entende que, por exemplo, José António

Ramos, proprietário de um armazém de vinhos na rua do Mirante, ao Vale de S.

António, tivesse requerido autorização para “estar aberto na noite da consoada” de

1825, comprometendo-se a não consentir “que se tome demasiada bebida que motive

barulho ou desordem”17.

Em alguns destes armazéns também se podia comer. Dois moços de fretes que

costumavam frequentar um armazém no Loreto (ao qual tanto o dono como o

corregedor do bairro chamam indiferentemente armazém e taberna) testemunhavam, em

Agosto de 1824, que no mesmo se “vende vinho e faz de comer”18. Já noutros

armazéns, como sucedia nos de Francisco Barbosa, “um dos bem estabelecidos

negociantes de muito crédito e reputação”, apenas se vendia vinho, motivo pelo qual,

15 Requerimento, à Intendência Geral da Polícia, de José Bernardino Madeira, com taberna na Rua da Padaria, nº 11. Torre do Tombo (TT), Intendência Geral da Polícia (IGP), Requerimentos, maço 5, doc. 115. 16 Vejam-se as palavras taberna, baiúca, pasto e estalagem nos dicionários de Bluteau, Vocabulário Português … e de António de Moraes e Silva, Diccionário da Língua Portugueza, 2 vols., 1ª e 2ª ed., Lisboa, 1813 e 1831. 17 TT, IGP, Requerimentos, maço 4, doc. 307. 18 Trata-se do armazém de vinhos (ou taberna) de Francisco Gonçalves, na Rua do Loreto nº 27. TT, IGP, Correspondência dos Ministros de Bairro (CMB), maço 102, docs. 354 - 8.

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segundo as testemunhas chamadas a depor, seriam mais sossegados do que aqueles onde

se “fazia comida” e se consentia jogo19.

Proliferavam também as tendas de vinho. A polícia equipara-as correntemente às

tabernas. Tal como estas e como alguns armazéns, vendiam outros géneros para além do

vinho, e podiam ou não servir comida. Aí jantavam e ceavam trabalhadores, como o

moço de uma estância de madeiras situada na rua das Praças, que às 22 horas se

encontrava a cear na tenda do nº 46 da mesma rua20. Por vezes chamavam-se tenda e

taberna, outras vezes tenda de mercearia ou tenda e venda de vinho, sem que isso

correspondesse necessariamente a dois lugares distintos. Os dados recolhidos apontam

para uma evolução particular destes estabelecimentos: entre finais do século XVIII e

meados da década de trinta do século seguinte, o número de tendas diminuiu, quer em

termos absolutos, quer em termos relativos; no final do período considerado a maioria

localizava-se nas freguesias urbanas periféricas e no termo. Rústicas, pequenas, mais

barracas do que lojas, constituíram certamente uma solução rápida e barata, adaptada a

uma Lisboa destruída pelo terramoto.

Nas freguesias periféricas e no termo existiam também algumas “casas de venda

de vinho”, ou “quintas onde se vende vinho”, que o serviam a retalho e possuíam,

geralmente, jogos de chinquilho ou de laranjinha. Era, por exemplo, o caso de Lucas

Evangelista que “tras de renda hum quintal na Rua Direita na Cruz do Taboado, onde

tem casa de venda, e chinquilho, com licença”21. As testemunhas chamadas a justificar o

comportamento do rendeiro referem-se à venda como uma taberna com jogo.

Por fim, as mercearias, cuja definição é mais complexa. Se a maior parte eram

“simples” lojas de mercearia, algumas assemelhavam-se a tendas ou tabernas, servindo

vinho e comida. São os casos da loja de mercearia da rua do Outeiro, junto ao Chafariz

do Loreto, “onde se faz de comer”22 e de uma outra, na rua do Moinho de Vento, a que

os frequentadores chamavam em 1824 casa de mercearia, vinhos e comer ou casa de

comer e armazém de vinhos23. Algumas dispunham também de jogo, como a de Manuel

Moreira, na rua dos Ferreiros, nº 44 (na freguesia de S. Isabel) que, em Novembro de

19 A informação diz respeito a um armazém do referido negociante, sito nas lojas número 5 e 6 do Palácio da Inquisição, ao Rossio. TT, IGP, CMB, maço 214, docs. 185 - 7. 20 TT, IGP, maço 623, doc. s.n. 21 Requerimento e Inquirição de Testemunhas, Junho-Julho de 1825, TT, IGP, maço 113, docs. 154 - 7. 22 TT, IGP, CMB, maço 226, doc. 70 - 74. Requerimento de Agosto de 1825. 23 TT, IGP, CMB, maço 102, docs. 25 - 26.

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1824, requeria licença para “abrir um jogo de chinquilho” no quintal da sua mercearia24.

Como escreveu o juiz do crime do Bairro de Sta. Catarina quando precisou de enviar ao

Intendente da Polícia, em 1825, uma relação das lojas de bebidas do bairro da sua

jurisdição, “fiz incluir no mesmo [mapa] as lojas de mercearia que vendem vinho, não

obstante não se compreenderem segundo a acepção vulgar debaixo da denominação de

tabernas”25.

Parece poder assim afirmar-se que, com excepção dos cafés, os estabelecimentos

que temos vindo a apresentar eram, para além de funcionalmente polivalentes,

percepcionados pelas classes populares como constituindo um mesmo espaço social. No

entanto, naquilo que diz respeito às bebidas e alimentos servidos, e apesar de as

distinções nem sempre serem claras, estas lojas podem ser agrupadas em cinco tipos:

- as que se destinam ao consumo de vinho e aguardente a retalho no local, com

eventual acompanhamento de comidas (petiscos) - as tabernas;

- as que vendem vinho por grosso, mas onde se pode também consumir vinho

por miúdo e que, em alguns casos também servem comida - os armazéns de vinho;

- as que vendem géneros vários ligados à alimentação e sua confecção, incluindo

o vinho, nas quais também se consome in loco - as tendas;

- aquelas que, para além de bebidas alcoólicas finas (licores), refrescos, chá,

cacau e o líquido que lhes dá o nome, café, podem servir certo tipo de alimentos como

torradas e bolos - os chamados botequins ou cafés;

- as que se destinam a servir refeições, sendo as bebidas o acompanhamento -

casas de pasto ou de povo.

Refira-se ainda que as hospedarias também serviam refeições e podiam

funcionar como local de convívio. Todavia, a sua função principal era proporcionar

dormida e comida aos viajantes, pelo que as excluímos.

Globalmente dominam as lojas de tipo tradicional, dos velhos hábitos de bebida

– tabernas, armazéns, tendas, Já as lojas de tipo novo, cafés e botequins, conquanto

apresentem expressão relevante, eram ainda numericamente minoritárias.

24 TT, IGP, CMB, maço 102, docs. 476 - 480. 25 TT, IGP, CMB, maço 151, doc. 46 - 48. Em 1820, segundo a notícia publicada no Almanach de Lisboa desse mesmo ano, existiam mais de quatro mil lojas de mercearia na capital. Nas relações de lojas de bebidas da Polícia, durante os anos vinte do século XIX, apenas 130 surgem ao lado das tabernas, armazéns de vinho e lojas afins.

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Estas lojas apresentem um padrão de distribuição razoavelmente disperso por

toda a cidade, formando uma rede bastante densa. Se a análise distinguir os vários tipos

de lojas verifica-se um padrão de distribuição em que as tendas se encontram sobretudo

na periferia urbana e nas vias de acesso à cidade, os cafés se concentram no centro e as

tabernas e os armazéns de vinho se encontram por todo o lado26.

A geografia revela-nos, assim, que as lojas de comes e bebes tanto pelo lado do

seu número absoluto, como pela sua localização, tinham uma presença significativa em

Lisboa. Nos últimos anos do século XVIII, viajantes estrangeiros, como por exemplo o

naturalista Link, registam (ainda que com algum exagero) que há “traiteurs”

portugueses em todas as ruas, embora, na sua opinião, só se possam recomendar aos que

se contentam com pouco em matéria de refeições27.

2. Comer fora. Tabernas e casas de pasto: petiscos e refeições.

Eram vários os motivos que levavam à frequência das tabernas e das casas de

pasto: o convívio, o prolongamento da actividade profissional, a actividade política, o

vinho (e ou a aguardente) e a alimentação (sob a forma de petisco ou de refeição mais

substancial). Interessa-nos aqui realçar o lugar, importante, que ocupavam na

alimentação das classes populares. A literatura de cordel regista o hábito de comer fora,

como se pode ler, por exemplo, em José Daniel Rodrigues da Costa : “He ópio não

comer todos os dias / cada hum donde assiste, / E ir fazer hum horroroso gasto, /

Ajudando a viver as casas de pasto”28. E nos Conselhos de Pai para Filho em qualquer

estado da vida, publicados no início do século XIX, adverte-se “que há muitos homens

que são apaixonados das casas de pasto, aonde vão comer, e beber, deixando as mais

das vezes as suas Famílias entre as garras da fome e da miséria”29. Gente pobre, como

marítimos e criados, vai com regularidade comer à taberna. Assim eram os dois homens

26 Mª Alexandre Lousada, Espaços de sociabilidade …, pp.187-198 e figuras,. 11 e 12. 27 Heinrich Friedrich Link, Voyage en Portugal fait depuis 1797 jusqu’en 1799 par M. ... et le comte de Hoffmansegg, contenant une foule de détails neufs et intéressants sur la situation actuelle de ce royaume, sur l’histoire naturelle et civile, la géographie, le gouvernment, les habitants, les moeurs, usages, productions, commerce et colonies du Portugal, spécialement le Brésil, Paris, 1808, p. 202-203. 28 José Daniel Rodrigues da Costa, Ópios que dão os Homens e as Senhoras …, 1786, p. 10. 29 Conselhos de Pai para Filho em qualquer estado da vida. Por A.J.A., 2ª ed., Lisboa, Typ. Rolandiana, 1825, p. 17. As casas de pasto devem ser evitadas, quer devido às companhias, quer devido à má qualidade da comida. Diz o autor destes conselhos, que “os manjares que ali se preparam quase sempre são nocivos à saúde, já porque são compostos com imensidade de adubos ruinosos aos estômagos, já porque ficam de um dia para o outro, e muitas vezes, em caçarolas de cobre mal estanhadas, já porque são requentados, e lhes misturam sobejos, que ficaram de pessoas doentes”.

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presos por serem encontrados “comendo carne em cima do balcão” de uma tenda, em

dia de jejum; procuraram negar, apesar da polícia ter apreendido “uma terrina e vários

pratos com alguns indícios da mesma carne que estavam acabando de comer”; acabaram

por ser soltos sem pagar multa pois, no dizer do corregedor do bairro, se prova que “são

muito pobres e que vivem do seu trabalho sem terem outra cousa alguma”30.

O que se comia e a que horas? A informação recolhida nos processos da polícia

permite estabelecer um primeiro quadro, embora muito geral.

Pela manhã, oito horas ou mais cedo, a caminho do trabalho, encontram-se

trabalhadores a beber um copo de vinho ou de aguardente. Ao fim do dia, no regresso a

casa, trabalhadores e artesãos vão merendar e ou cear às tabernas e armazéns de vinho,

entre as 19 e as 21h. Ou seja, as horas em que se encontram estes indivíduos das classes

populares a comer e beber nas tabernas, casas de pasto e armazéns estão directamente

relacionadas com os horários e calendários de trabalho. Se no período que estamos a

analisar, as elites começaram a pouco e pouco a atrasar os horários das refeições31, esse

movimento de deslizamento das horas não dizia respeito à maioria da população,

mesmo que urbana. Vejam-se alguns exemplos, entre centenas:

Dois sapateiros moradores no bairro Alto, foram encontrados a beber um copo

de vinho na tenda do Leandro na rua do Monte de S. Catarina, pelas oito horas da

manhã do dia 13 de Agosto de 1831. Cinco trabalhadores da Quinta Velha à cruz do

Tabuado foram presos em Março de 1820, na venda que existia ali perto, quando

"estavam a beber aguardente antes de irem para o trabalho"32. O mestre sapateiro

Sebastião José, "tendo estado todo o dia a trabalhar", fora a um armazém de vinhos da

rua do Moinho de Vento, pelas 19 horas, "que era a hora de despegar", comer "meio pão

e uns carapaus e beber meio quartilho de vinho, servindo-lhe isto de merenda e ceia";

pouco depois chegou um oficial do mesmo ofício que após "largar do seu trabalho

muitas vezes vai ali cear", dado que o mestre lhe paga a seco " e por isso vai comer

onde mais comodo lhe parece"; juntou-se-lhes ainda um trabalhador que, no caminho

para casa, resolvera entrar no armazém " a beber meio quartilho de vinho e comer uma

30 O episódio passou-se em Junho de 1830, numa “tenda que também vende vinho” na Rua do Salitre. TT, IGP, CMB, maço 116, docs. 45-52. 31 Cf. para o conjunto da Europa, J-L Flandrin e M. Montanari, História da Alimentação …., 2ª vol., pp. 163-164; para Lisboa, veja-se Mª Alexandre Lousada, Espaços de sociabilidade …., pp. 129-136. 32 A descrição dos casos referidos encontra-se, respectivamente, em TT, IGP, CMB, maço 234, docs. 4-6 e maço 110, docs. 61-67.

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posta de cavala"(33). As prostitutas também utilizavam a taberna para comer, tal como as

“raparigas” que viviam no Castelo Picão e costumavam ir comer à taberna de uma

espanhola na rua do Machadinho34.

Procure-se saber, então, com um pouco mais de pormenor, o que se comia nas

tabernas, casas de pasto e estabelecimentos afins.

Segundo os regimentos dos ofícios, as tabernas definiam-se, em primeiro lugar,

pelo facto de venderem vinho a retalho, “por miúdo”. Mas podiam também vender

comida35. Neste domínio, existia uma demarcação clara entre os taberneiros e os

pasteleiros. Segundo se depreende do regimento de 1762 destes últimos, nas tabernas

podia-se vender sopas, peixes ou carnes cozidas, peixes fritos e peixes salgados, saladas

ou legumes, “ou outra qualquer couza das que se fazem nas tabernas”. Já os guisados e

assados (de peixe ou carne) eram privilégio dos pasteleiros, bem como a confecção de

pastéis de carne. Quanto aos pastéis doces e outros bolos eram prerrogativa dos

confeiteiros36.

A informação recolhida permite precisar o retrato. Quanto às bebidas, nos

armazéns, tabernas e tendas bebia-se vinho (branco e tinto), aguardente e cerveja

(branca e preta). Abundavam os vinhos do termo – anunciados como “vinho dos

lavradores”37.Os vinhos mais referidos são os de Bucelas, Carcavelos, Cartaxo, Chamusca,

Colares e Lavradio. O vinho do Porto também seria correntemente consumido no início

de oitocentos, a crer nos já letreiros (anunciado em armazéns junto com outros vinhos) e

no Piolho Viajante. Nas aguardentes, os clientes escolhiam entre a da ilha, de erva doce,

de cana e de amêndoa amarga. Nos botequins e lojas de bebidas, os clientes podiam

optar entre café, chá, chocolate, todo o tipo de refrescos (limonada, capilé) ou preferir

33 Encontravam-se, ao todo, sete homens no referido armazém de vinhos à hora declarada do dia 3 de Junho de 1825. TT, IGP, CMB, maço 103, docs. 110-112. 34 TT, IGP, maço 623, doc. s.n. 35 Não deixando dúvidas a esse respeito, o regimento dos taberneiros de 1572 regulamentava as condições de compra da carne e do pão dos "taberneiros que derem de comer em suas casas”. Transcrito por E. F. Oliveira, Elementos para a História do Município de Lisboa..., t. XVI, p.489 n. a 491. 36 Capítulo 16º do Regimento do Ofício dos Pasteleiros, de 18 de Março de 1762, transcrito por F.P. de Almeida Langhans , As corporações dos ofícios mecânicos. Subsídios para a sua História, Lisboa, Imprensa Nacional, 2º vol., 1946, 427-433. 37 Cf., por exemplo, os Letreiros célebres que se vem escritos nas Portas de varias lojas desta Capital, para servirem de Taboleta e Conhecimento ao Publico. Vistos e examinados e colligidos por hum Tafúl de Luneta, Lisboa, 1806: “Na rua dos algibebes em uma taberna se lê este anuncio, que tem muitos companheiros pela Cidade: Vinho dos labradores” (p. 77)

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uma bebida alcoólica da moda, onde dominavam a genebra, o ponche e a filipina (os

chamados "licores finos")38.

No que diz respeito ao vinho, era vendido aos meios quartilhos, aos quartilhos

(cerca de 0,5litro) e às meias canadas (1 litro). Nos inventários do recheio de casas de

pasto, armazéns de vinho e lojas de bebidas encontravam-se precisamente copos de

meia canada e de quartilho para servir o vinho e de meio quartilho para os licores39. Nos

processos policiais, os sumariados afirmam invariavelmente que estavam a beber meio

quartilho de vinho. Quanto à cerveja, apenas foi possível apurar que em alguns locais

era servida ao copo40.

Nas comidas abundava o peixe, encontrando-se referências concretas ao goraz,

ao bacalhau, à cavala, ao carapau e, dominando, às sardinhas fritas. Nas casas de pasto,

aparecem peixes mais finos como corvina e linguado. As amêijoas41 e o mexilhão

também iam à mesa corrida das tabernas. Na carne, iscas (incluindo as de carneiro),

vitela, coelho ensopado, presunto, etc. Outros pratos servidos, eram, por exemplo,

ervilhas com ovos. Arroz, macarrão42, favas, feijão verde, azeitonas e salada

completavam a refeição.

Ou seja, na taberna (como na tenda e no armazém) abundava o petisco, embora

também aí se servisse um “conjunto” de alimentos que configura uma refeição. Na casa

de pasto, se os petiscos também existiam, eram as refeições que dominavam. Pode-se

ter uma ideia dos pratos postos à disposição dos clientes a partir da notícia dada pelo já

citado autor dos Letreiros célebres das lojas de Lisboa, quando publicou a segunda

parte da sua obra. Esse registo, permite-nos saber que, já no início do século XIX, as

casas de pasto tinham lista e que ofereciam uma boa variedade de comida. Devido à

raridade da informação, transcreve-se a referida lista, tal e qual foi registada pelo

observador, que a incluiu precisamente devido aos erros de ortografia: “pretendendo

38.Estas são as principais bebidas referidas na literatura de cordel e de viagens da época, nos anúncios dos periódicos e nos Inventários Orfanológicos. 39 Veja-se, a título de exemplo, a descrição do recheio de três lojas de comes e bebes no anexo1. 40”Um armazém, aonde a serveja se vende pelo modo mais galante, que é possível, segundo diz o letreiro do mesmo armazém: Serveja aos copos”. Letreiros celebres …, p. 83. Nesta mesma obra, há referências a cafés e lojas de bebidas que também vendem cerveja. 41 A literatura de cordel assinala como habitual o consumo de amêijoas entre os trabalhadores: “Depois que sigarro fuma, / Reforma a suja Alanterna / (Antes que a luz se consuma,) / Por descansar na taberna / Onde ameijoar costuma”, Pasto de entendimento nas horas vagas. Jovial, e sério. Obra periódica, Lisboa, Officina de Joaquim Rodrigues d’Andrade, 1816, p. 5. 42 São várias as menções ao macarrão. Algumas casas anunciavam-no, como sucedia numa taberna do largo da graça referida no livro Letreiros célebres…: “no largo da graça havia uma taberna famosa no adubo do macarrão, a cuja porta se achava este letreiro: O famigerado macarrão” (p. 38).

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jantar em huma casa de pasto, lancei mão da lista, que anunciava o banquete, na qual

achei escritos os nomes de alguns guizados, que supposto estivessem muito bem feitos

(segundo o Cozinheiro dizia) fizerão com que os não provasse; eram os taes guizados:

Sopa de lazeira. Bifestexe. Arrosbifs. Compota de macaco. Xaxilxa. Pastes. Podi.

Asetonas. Laranga. Arros da sé. Espinafres co ouvos. Poimbas com jorichas. Galinha e

mais caldo. Dita com ditas. Selada de alsasia. Etc. N.B. Isto he, que se chama escrever

bem, e correctamente”43.

Os doces eram, tal como o café e os licores, apanágio das lojas de bebidas ou

cafés: cavaquinhas, bolos de amor, doces de quintinha, são alguns dos registados.

Os preços compulsados, ainda que não sejam fruto de uma recolha orientada

com esse fim, indicam que se jantar ou cear numa boa casa de pasto ficava fora do

alcance da bolsa da maioria dos lisboetas, já por 10 reis se podiam comer umas

sardinhas numa tenda, por 80 reis uma refeição completa na taberna e, por 100 réis, uma

refeição completa, se fosse almoço, num grande número de casas de pasto (ver anexo

2).

A presença do povo na taberna, e na casa de pasto, consumindo não apenas

álcool e petiscos mas também refeições, parece contrapor-se à ideia miserabilista que

afastaria as camadas populares deste tipo de consumos. Ora, o sistema inclui múltiplos

modos de venda que permitem, na prática, que todos possam tomar a sua refeição na

taberna. Entre eles estava o crédito. Encontraram-se, de facto, bastantes referências a

taberneiros que afirmavam fornecer vinho e comida a crédito a alguns dos seus clientes.

O sistema vigoraria sobretudo nos estabelecimentos de características mais populares,

onde era utilizado por indivíduos de menores recursos, como pescadores, marinheiros,

carvoeiros e trabalhadores na construção civil44. Era também uma maneira de “fidelizar”

os clientes, ainda que correndo o risco de estes nunca pagarem. António Policarpo da

43 Alguns dos pratos são identificáveis apesar dos erros: Xaxilxa deverá ser salsicha, pastes quererá dizer provavelmente pastas, podi – pudim, jorichas – chouriças, selada de alsasia – salada de alface, etc. A deficiente ortografia deve-se certamente à conjugação da origem estrangeira e da pouca instrução de quem escreveu a lista. Segunda parte da Collecção dos Letreiros Celebres, que se achão escritos por cima das portas de varias lojas desta Capital; para servirem de tabuleta, e conhecimento ao publico. Vistos, examinados, e colligidos por um Taful de Luneta, Lisboa, Off. de João Procópio Correa da Silva, 1806, p. 145. 44 Entre os vários casos compulsados, registem-se os de tabernas, casas de povo e armazéns de vinho ao redor da Ribeira Nova e de S. Paulo, na Madragoa e no Chiado. TT, IGP, maços 216, docs. 161-162, maço 226, docs. 70-74, maço 227, docs. 37-38 e docs. 43-44 e maço 623, docs. vários sem número. Para além de fornecerem comida e bebida a crédito, os taberneiros funcionavam também como pequenos penhoristas.. Para França, cf. T. Brennan, Public drinking …, pp. 71 e 106-108. Para Inglaterra, cf. P. Clark , The English Alehouse …p. 318.

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Silva deixou um impressivo retrato do hábito lisboeta de comer fora de casa e a fiado.

Ouçamos como o seu Piolho Viajante descreve o dia do botequineiro Manuel: "Vendia

logo pela manhã os seus dois pintos de aguardente. Daí entravam os almoços que era

um nunca acabar. Havia muitos [fregueses] que nunca almoçavam em casa. [...]. O que

é o costume! O ponche, à noite, era o chafariz d'El-Rei com todas as suas bicas. Não

havia mão a medir. E então que gritaria! [...] Era um temporal desfeito e uma parte iam

sem pagar, outros mandavam assentar"45.

Existia ainda a possibilidade de utilizar a taberna como local onde se comiam

alimentos comprados na rua. A informação recolhida parece indicar ser prática usual a

compra de comida às mulheres e aos frigideiros que se encontravam espalhados por

toda a Lisboa, nos largos e à porta dos armazéns e tabernas. Eram os casos, por

exemplo, das mulheres que, em 1831, estavam estabelecidas no Largo do Limoeiro “a

assar, cozer e frigir peixe, postas de bacalhau, sardinhas, petiscos de fígado, e outros”46

ou da “preta forra” Ângela Teresa de Jesus que em 1798 vendia mexilhões à porta de

um armazém na rua dos canos aos que aí iam beber47. Com uma frigideira de mexilhões

ou meia dúzia de sardinhas assadas na mão, os trabalhadores levavam-nas para a taberna

e aí pediam pão e vinho. Em alternativa, mandavam vir o vinho do armazém e, sentados

no "chão ou nos degraus da escada do prédio vizinho", almoçavam, jantavam ou

ceavam por um preço mínimo48. Ou seja, a taberna articulava-se, de modo variado, com

as “cozinhas de rua”, ainda muito comuns na Europa nesta época49.

As tabernas e casas de pasto também forneciam comida para fora. São

conhecidas as referências na poesia e na literatura de cordel da época à encomenda de

comida para as "funções" em casas particulares, à qual podia estar associado o

empréstimo de louça50. Algumas anunciavam na Gazeta a existência desse serviço,

45 António Manuel Policarpo da Silva, O Piolho Viajante divididas as viagens em mil e uma carapuças, Lisboa, Estúdios Cor, 1973, p. 51, sublinhado nosso. A obra foi publicada entre 1802 e 1854. Utilizámos a versão de 1846 publicada por Palma Ferreira em 1973. 46 TT, IGP, CMB, Castelo, maço 146, doc. 106. Em ofício de 3 de Outubro de 1831 o corregedor do Bairro do Castelo informa o Intendente sobre um requerimento dos moradores do Largo do Limoeiro contra a existência das referidas mulheres, acusando-as de tornarem o largo intransitável e de passarem vinho e objectos aos presos da cadeia do Limoeiro. 47 São frequentes as referências às mulheres "que fazem o comer à porta" das tabernas e dos armazéns de vinho. O exemplo citado encontra-se em TT, IGP, maço 623, s.n.. 48 É de Carrère (1989, 138-9) a melhor descrição do papel dos frigideiros e das tabernas na alimentação dos habitantes e Lisboa, nos finais do século XVIII. 49 É como as designa Jean-Robert Pitte, “Nascimento e expansão dos restaurantes”, J-L Flandrin e M. Montanari, História da Alimentação …., 2ª vol., p. 336. 50 Mª Alexandre Lousada, “Sociabilidades mundanas em Lisboa. Partidas e Assembleias, c. 1760-1834”, Penélope. Fazer e desfazer a História, 1998, nº 19-20, p.138.

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como fez uma casa de pasto do Campo Grande, ao pé da ermida, que declarava ter

jantares tanto na casa “como para fora”, ambos “com muito asseio e comodidade”51. A

própria casa real recorria às casas de pasto, às mais famosas e de reconhecida qualidade.

Num ofício de 7 de Fevereiro de 1805, Pina Manique informava o conde de Vila Verde,

a propósito de ordens sobre Salvaterra de Magos, onde se encontravam o rei e a corte,

que mandara “ir também duas casas de pasto das mais bem acreditadas desta corte, a de

Latour, e Leão de Ouro”52. Mas os trabalhadores também podiam recorrer às tabernas

para adquirir comida feita, provavelmente nos locais aonde escasseavam as mulheres

frigideiras, e sobretudo no caso de serem solteiros. Era o que estava a fazer o

trabalhador que, em 1812, se viu envolvido numa rixa com um carpinteiro quando

entrara “numa taberna em Arroios a comprar alguma cousa para comer no seu

trabalho”53.

As refeições constituíam, portanto, um dos motivos de frequência das tabernas e

das outras lojas que temos vindo a analisar, contribuindo, juntamente com o vinho, para

as transformar em espaços privilegiados das sociabilidades quotidianas. Mas as idas à

taberna e estabelecimentos afins não se restringiam a estas situações de algum modo

relacionadas com a bebida e a alimentação. As horas do mata-bicho e das refeições não

constituíam os únicos momentos em que estes espaços se enchiam de gente. Após a ceia

ou depois do jantar domingueiro, a conversa, os copos, os petiscos e a jogatina

prolongavam a presença dos clientes.

O jogo era, de facto, uma das grandes atracções das tabernas: chinquilho,

laranjinha, cartas, eram os mais comuns, mas a variedade não se esgotava aí54. Muitas

tabernas e casas de venda possuíam jogo para melhor venderem o vinho. São inúmeros

os pedidos de autorização para ter tal ou tal jogo, com o argumento de que essa

actividade atraía e fixava os clientes.

Estes espaços eram também procurados nos dias de festa, como nas noites de

sábado de Aleluia, da véspera de Natal ou dos Santos Populares. São correntes os

requerimentos dos donos de tabernas e lojas de bebidas nos quais se pede licença para

ter a porta aberta na véspera de Natal, sobretudo por parte daqueles cujas lojas se situam

perto de igrejas. Foi o que fez um taberneiro do Largo da Graça que, em 22 de 51 Gazeta de Lisboa, 7 de Outubro de 1820. 52 TT, Ministério do Reino, Polícia, maço 455, cx 570, macete 6. 53 TT, IGP, maço 623, doc. s.n. 54 Sobre os vários jogos com que se entretinham os clientes das tabernas e dos cafés, nas primeiras décadas do século XIX, veja-se Maria Alexandre Lousada, Espaços de sociabilidade …., pp.216-230.

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Dezembro de 1825, pediu autorização para “ter a taberna aberta na noite de 24 para o

dia 25 afim de lucrar alguma coisa por que nesta noute concorre gente à igreja de Nossa

Senhora da Graça”55. Atitude semelhante tinham os donos das lojas de comes e bebes

que ficavam junto aos vários teatros da capital, pedindo prolongamento da hora de fecho

nos dias de espectáculo.

3. Conclusão: tabernas e práticas alimentares

Conhecidas sobretudo pela sociabilidade que propiciam em torno de um copo de

vinho, tantas vezes acompanhando uma das várias formas do jogo de malha e uma boa

partida de cartas, as tabernas e outras lojas de comes e bebes faziam parte da vida

quotidiana da população de Lisboa. E faziam-no também pelo lugar que ocupavam na

alimentação. Os preços das refeições e de alimentos que coligimos, embora escassos,

são significativos das diferenças e das hierarquias entre os diferentes tipos lojas. As

casas de pasto mais famosas e elegantes, que chegavam a anunciar na Gazeta as

ementas das refeições, eram frequentadas por gente mais endinheirada, mais

"civilizada" e apreciadora de uma cozinha mais requintada. Francisco José de Almeida,

despachante do Real Erário, narra como, nos anos 20 do século XIX, se costumava deslocar

com os seus amigos à Casa de Pasto do Isidro. Aí ceavam, pelas cinco ou seis horas, e

acabavam a noite em jogatina no gabinete que a casa possuía; na mesma época, o jovem

Marquês de Fronteira, o seu irmão e vários amigos iam com alguma frequência à referida Casa

de Pasto tomar "um lauto jantar"56. Nas tabernas e nas casas de povo, artesãos e trabalhadores

comiam uma posta de cavala ou umas sardinhas fritas, por vezes a fiado.

A documentação aqui apresentada permite colocar a hipótese de que as tabernas

e as casas de povo ocuparam um lugar não negligenciável na alimentação popular

durante as primeiras décadas do século XIX. Estes dados, ainda que lacunares,

conjugados com os gastos em vestuário, mobiliário e lazer, indiciam o surgimento de

novas formas de vida quotidiana marcada por novos hábitos e por um aumento do

consumo de bens variados que não se restringe às elites; tal como sucedia já em outras

cidades europeias, no período anterior à industrialização, abrangia sectores alargados da

55 TT, IGP, Requerimentos, maço 4, doc. 293. 56 Francisco José de Almeida, Apontamentos da Vida de um Homem Obscuro. Prefácio, fixação do texto e notas de Fernando António Almeida, Lisboa, A Regra do Jogo, 1985, p.164 e Marquês de Fronteira, Memórias do Marquês de Fronteira e Alorna, Rev. e coord. de E. C. de Andrade, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1926..., vol. I, pp. 166 e 215.

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população urbana57. No caso português, o aumento dos salários reais dos trabalhadores

urbanos durante o período aqui tratado58 possibilitou um aumento do consumo que

inclui as despesas com a alimentação. Articulado com as mudanças nas práticas de

sociabilidade torna credível a hipótese de que comer fora, regular ou esporadicamente,

entrou nos hábitos urbanos. Mas só o conhecimento das condições de vida das classes

trabalhadoras permitirá conhecer e compreender melhor os hábitos alimentares da

população de Lisboa no período de transição entre a sociedade de Antigo Regime e a

sociedade liberal.

Anexos

1. Recheio de casas de povo e loja de bebidas

Os inventários orfanológicos permitem imaginar parte do ambiente material das

lojas de bebidas, saber, através da relação das louças, o que se servia e em que

recipientes, ter uma ideia da frequência da loja e do seu valor59. A organização deste

fundo documental, e porque continuam a faltar índices, torna extremamente morosa,

difícil e algo aleatória uma consulta como a que se pretendia, ou seja, a de familiares de

donos de lojas de comes e bebes. Apresentam-se aqui, e apenas a título indicativo, os

recheios de uma loja de bebidas (o da célebre loja debaixo da arcada do Braamcamp, no

Terreiro do Paço) e de duas casas de povo ou tabernas. Como se verifica facilmente, as

diferenças são enormes e o inventário dos cafés é bem mais pormenorizado.

A) “Casa de Povo ao cais de Santarém (ou loge em que se vende vinho e de comer)”

57 Sobre as duas cronologias, e respectivas interpretações, acerca da intensificação e da extensão do consumo antes do século XIX, em Inglaterra, cf. P.D. Glennie e N. J. Thrift, “Modernity, urbanism, and modern consumption”, Environment and Planning D: Society and Space, vol. 10 (1992), pp. 423-443. Cf. também, o texto de Sidney W. Mintz (“The changing roles of food in the sutdy of consumption”, J. Brewer e R. Porter (eds.), Consumption and the world of goods, Londres, Routledge, 1994, pp. 261-273) sobre o consumo de alimentos como o açúcar e bebidas estimulantes por “largas – e pobres – massas de consumidores” a partir de 1650.. 58 “na trintena de anos incial“ do século XIX segundo Jaime Reis, “O trabalho”, in Pedro Lains e Álvaro Ferreira da Silva (orgs.), História económica de Portugal, 1700-2000, vol. II, O século XIX, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2005, p. 138. Nuno Madureira, Mercado e privilégios. A indústria portuguesa entre 1750 e 1834, Lisboa, livros Horizonte, Ed. Estampa, 1997, cap. 7 e em particular, pp. 295-300 apresenta um quadro diverso, e situa a “pujança do consumo privado” nas “ três décadas de equilíbrio em que os trabalhadores vivem uma conjuntura favorável”, anteriores a 1812. 59 Sobre a utilização dos inventários orfanológicos como fonte privilegiada para o estudo da vida quotidiana, veja-se de Nuno Madureira, Lisboa, Luxo e Distinção (1750 - 1830), Lisboa, Fragmentos, 1990 e Cidade: espaço e quotidiano (Lisboa 1740-1830), Lisboa, Livros Horizonte, 1992.

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Ano do inventário: 1799

8 bancos diferentes no tamanho de pinho, danificados, 3 bancas, uma com suas maxas fêmeas de pendurar, 2 meias portas, 1 balcão, por cima deste uma rotola, tudo de pinho, Tudo, 4$000 1 barril de carretar água com seus arcos de ferro em bom uso, 800 3 selhas de madeira de bordo com seus arcos de ferro, algumas danificadas, 1$200 1 tacho de arame grande com bastante uso, 1$200 1 tacho de arame mais pequeno com bastante uso, 800 1 tacho de arame mais pequeno em bom uso, 1$000. Fonte: TT, Inventários Orfanológicos, Letra J, maço 23, cx 1523 (bens de José Pereira) B) “Casa de povo de grosso trato”, na esquina que fica defronte do Chafariz de Dentro a parte direita indo para cima Ano do inventário: 1799 Armação e móvel da taberna [sic] 1 balcão de 18 palmos de comprido, 3 bancos, 1 banca grande e 2 mais pequenas, 2 barris de quarto, 1 deles com arcos de ferro, outro de pau, 3 celhas de lavar, 2 celhas de servir as medidas, 1 funil de balcão, 1 caneco, Tudo, 4$800 3 fornalhas de ferro velhas, 800 1 balança de pesos de bronze de arrátel para baixo, 600 1 jogo de medidas de barro, 80 9 garrafas de vidro preto, 270 2 copos de meia canada, 9 de quartilho, 1 de meio, 480 Toda a louça de barro ordinária, 600 1 pilão de chocolateiro com sua mão de ferro pequena, 800 Todos os vidros e garrafas que se acham na cozinha do andar de cima, 1$200 1 torno grande de ferro, 2$400 1 torno mais pequeno de parafuso, 1$600 1 dito ainda mais pequeno, 600 12 arráteis de banha, 43$200 4 moios, 9 alqueires e meio de ervilha, 99$800 1 arroba e 29 arráteis de toucinho, 7$200 Fonte: TT, Inventários Orfanológicos, Letra F, maço 198, cx 1379 (bens de Francisco das Taboas)

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C) “Loja de bebidas e Bilhar debaixo da arcada do Braamcamp ao Terreiro do Paço”

Ano do inventário: 1806 Madeira da loja de bebidas

8 moxos de madeira Brasil, assentos de cordovão em bom uso, 4$800 reis 4 moxos madeira Brasil, com assentos da mesma madeira, 960 reis 6 bancos madeira Brasil com assentos de couro e estes danificados, 7$200 reis 6 bancas com suas pedras em cima usadas, 14$400 2 bancas de pinho pequenas, usadas, 400$ 1 balcão em dois corpos de madeira de vinhático com suas pedras em cima em bom uso, 24$000 1 celha de madeira de bordo de mais de 2 palmos de comprido com aros de ferro que serve de lavar os copos, usada, 500 1 barril que levará oito almudes e serve para aguardente com seis arcos de ferro, 4$000 4 pipas uma para vinho e 3 para aguardente com arcos de pau e duas com arcos de ferro nas cabeças, usada, 12$000 1 pipa que serve para azeite com 6 arcos de ferro, usada, 3$000

Cobre da mesma loja

1 bomba de cobre de repuxo com seus varões de ferro em bom uso, 48$000 1 cafeteira grande de cobre para aquentar água com sua tampa e asa velha, 2$400 1 cafeteira de cobre mais pequena do mesmo feitio, usada, 2$800 2 cafeteiras de cobre de bico com suas tampas em bom uso, 2$800 2 leiteiras de cobre de bico com suas tampas, em bom uso, 2$400 2 chocolateiras de cobre grandes com suas tampas em bom uso, 2$800 1 bilha de cobre pequena com sua tampa usada, 600

Arame na mesma loja 1 candeeiro de latão de marca do meio moderno com o pé virado velho e falto de pertences, 600 2 candeeiros de latão mais pequenos modernos com os pés fendidos, usados, faltos de pertences, 1$000 1 bacia de arame para os pés, velha e rota, 600 1 tacho de arame de marca ordinária com falta de uma asa, usado, 800 1 braço de balanças de 2 palmos de comprido com suas conchas de latão chatas de palmo de largo e um jogo de pesos de bronze de arrátel até 2 onças, tudo usado, 1$600

Folha de flandres da mesma loja

3 púcaros de vários tamanhos e um funil pequeno tudo velho, 240 2 cafeteiras com os fundos de cobre e mais de almude cada uma com suas tampas com bom uso, 3$000

Ferro na mesma loja

1 fogão de cinco palmos de comprido todo aberto com sua coberta em roda do mesmo ferro em bom uso, 30$000 7 facas de mesa velhas algumas quebradas, 150 41 bandejas de ferro axaroado de vários tamanhos, 9$600 1 par de pistolas pequenas com chave e cadilho para fazer balas, 1$600

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Mais cobre da mesma loja 1 talha de cobre com sua tampa e torneira de bronze em bom uso, 9$600 1 talha mais pequena usada, 2$400 1 candeeiro de folha de flandres envernizado de um só lume, velho, 800

Louça da Índia da mesma loja

1 talha que levará almude e meio, azul com suas flores de várias cores, racada com sua tampa, 1$600 48 pires de louça de xinxéu azul e branco que servem para o café, 2$400 8 chávenas com seus pires de louça da índia esmaltada desirmanadas, 800 8 tijelas de xinxeu azul e branco, 400

Vidro branco da mesma loja

17 copos para café, 1$000 15 copos de pé de cálix para licor de vários tamanhos, 800 4 copos de meia canada, 400 26 vidros para licor de menos de meio quartilho, 1$300 9 garrafas de vários tamanhos e feitios, 1$800

Vidro preto da mesma loja

2 garrafões de 2 almudes e meio cada, um empalhado de verga, 2$400 Fazenda da mesma loja

4 almudes de aguardente de erva doce, 6$400 [nota à margem: “vendida no uso da loja”] 3 almudes de aguardente de cana, 4$800 [nota à margem: “vendida no uso da loja”] 2 pipas cheias de aguardente de cana, 100$000 [nota à margem: “vendida no uso da loja”]

Bilhar

1 tabuleiro de bilhar em bom uso com pano grosso e acrescentado com 10 candeeiros de latão com seus espaldares de folha de flandres; 2 jogos de bolas de marfim; 2 carambolas; 1 relógio de madeira de marcar pontos; 9 tacos grandes e pequenos; 9 astias para maça; um pano de brim para cobrir o bilhar, 70$000.

Fonte: TT, Inventários Orfanológicos, Letra J, maço 39, cx 1550. bens de José António Leiria

2. Preços de refeições em Lisboa, 1810-31 (alguns exemplos)

DATA LOJA REFEIÇÃO PREÇO FONTE

1797-99 Hospedaria Jantar

Inclui vinho

8 tostões

(800 reis)

Link, 1808, p.202

1810

Junho

Casa de Pasto do

Arco Bandeira, nº59

Jantar

Pelas 15h, em mesa redonda, na sala

com varanda para ver procissão

1$600 reis

Anúncio Diário Lisbonense

20 Junho 1810

1820 Casa de Pasto e Almoço 100 reis

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20

Janeiro hospedaria

R. Palha, nº 144, 1º andar

Ceia

Jantar e Ceia

Faz-se geleia de mão de vaca e

ostras

140 reis

300 reis

Anúncio Gazeta de Lisboa

7 Janeiro 1820

1820

Fevereiro

Taberna

Largo da Graça

Comer 80 reis TT, IGP, maço 610, doc. 46

1820

Junho

Casa de Pasto do Isidro Jantar 480 reis Anúncio Gazeta de Lisboa

24 Junho 1820

1820

Agosto

Casa de Pasto do Moreira

Calçada Duque, nº 8

Almoço

Com vinho

100 reis Anúncio Gazeta de Lisboa 19 Agosto 1820

1820

Setembro

Casa de Pasto

Rato, nº 35

Almoço

Jantar

Inclui sopa, vaca, arroz e pão.

Assados e guizados

100 reis

120 reis

200 reis

Anúncio Gazeta de Lisboa 23 Setembro 1820

1820

Outubro

Casa de Pasto do

Arco do Bandeira

Jantar

Em mesa redonda pelo preço antigo

480 reis

(Mais 80 reis para o servente da

mesa)

Anúncio Gazeta de Lisboa 30 Outubro 1820

1824

Fevereiro

Taberna

R. Algibebes, nº13

Ceia?

21h

130 reis TT, IGP, maço 237,

docs. 95-96

1831

Junho

Tenda

R. Confeiteiros, nº 39

Comer sardinhas 10 reis TT, IGP, maço 147,

doc. 208

3. Comida e bebida em tabernas, casas de pasto e armazéns de vinho

DATA

LOJA CONSUMO CLIENTES FONTE

1812.07 Taberna Alguma coisa para comer no trabalho

Trabalhador IGP, mç623, s.n.

1812.07 11h

Armazém de vinho

Beber vinho com os camaradas

Serrador IGP, mç623, s.n.

1814.00 Armazém de vinho

Meia canada de vinho

Serrador e camaradas IGP, mç 623, s.n

1817.09 Taberna Ceia Carvoeiro IGP, mç 623, s.n. 1820.02 venda Aguardente Trabalhadores IGP, mç 110, 61-

67 1820.03 Taberna Aguardente antes

do trabalho Trabalhadores IGP, mç110, 61-

67 1820.05 manhã

Mercearia Aguardente Mestre ferrador IGP, mç1, 58

1821.04.15 depois das 21h

Casa de pasto Cunhado do caixeiro, dois caseiros, calafate

TT, IGP, maço 623

Page 21: Alimentacao_Popular Urbana Sec XIX

21

1821.06 Taberna Aguadeiros e marceneiros (são fregueses certos)

IGP, mç 236, docs. 93-94

1823.00 Taberna Comer e beber Mestre sapateiro, espingardeiros, ferreiro e barraqueiro

IGP, mç92, 143-8

1824.00 Taberna e Loja de Bebidas

1.beber vinho 2.comer 3. compra para casa

1.Mestre cordoeiro 2.Mestre serralheiro 3. Mulher

IGP, maço 93, doc. 354-5

1824.00 Armazém vinhos Comida fiada Rapazes IGP, mç216, 161-2

1824.02 21h

Taberna Comer Barbeiro IGP, mç237, 95-96

1824.09 Taberna Comer Moço de fretes IGP, mç216, 161-2

1824.12 Taberna Comida a crédito Marinheiros IGP, mç623, s.n. 1825.00 Loja de bebidas Almoçar e tomar

café Embarcadiço, Juiz de fora de Santarém

IGP, mç113, 144-8

1825.05 Casa de pasto Ceia (de continuo vai lá cear)

Cerieiro IGP, mç 113, 149-153

1825.06.03 19h

Armazém de vinho

Meio pão, uns carapaus, meio quartilho de vinho

Mestre sapateiro IGP, mç220, 401-420

1825.06.03 19h

Armazém de vinho

Ceia Sapateiro IGP, mç220, 401-420

1825.06.03 pós 19h

Armazém de vinho

Meio quartilho vinho, posta de cavala

Trabalhador IGP, mç220, 401-420

1825.08 Taberna e mercearia

Comida a crédito Levam comida pª o teatro

Empregados do teatro de S. Carlos

IGP, mç226, 70-74

1825.08 Taberna Pão e vinho Pai e filho IGP,mç.4, 51 1826.01 Armazém de

vinho Sardinhas Trabalhador maltês IGP, mç140, 13-

14 1826.02 Casa de povo Comida a crédito

Dormida Pescadores IGP, mç227,37-8

1826.02 Casa de povo Comer fiado Pescadores do Seixal e Barreiro

IGP, mç227, 43-44

1828.06 Loja de bebidas Neve Vende pª casas particulares

Gazeta, 23.06.1828

1829.00 Loja de bebidas Almoçar e tomar bebidas

Tenente de cavalaria IGP, mç220, 170-172

1830.04 Casa de pasto abade

Ceia Morgado, boticário, cadete infª., advogado

IGP, mç221, 88-9, 101-2

1830.09 Loja de bebidas Comezainas de guisados e vinho

Dourador, droguista, pintor, negociante

IGP, mç221, 225-6 e 322-4

1831.06 Tenda 10 reis de sardinhas

Soldado IGP, mç 147, doc208

1831.07 Loja de bebidas Lavrador de Óbidos IGP, mç222, 224 1831.08 Tenda Vinho Soldados, sapateiro IGP, mç238, doc

4-6 1831.08.13 8h

Tenda Copo de vinho Sapateiros IGP, mç 234, 4-6.

1831.08.28 22h

Tenda Ceia Moço de estância IGP, mç623, s.n.

1832.04 Casa de pasto Chispe de porco, chouriço

Negociante de azeites IGP, mç223, 158-9

1832.05 Casa de pasto ou povo

Isca de carneiro Caixeiro IGP, mç223, 206-8

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1832.07.05 21h

Armazém de vinhos/taberna/ casa de povo

1. Ceia, sardinhas 2. Petiscar

1.Mestre barbeiro 2. Vizinhos

IGP, mç148, 98-106

Notas: Para não sobrecarregar o quadro, simplificou-se a referência da fonte. Assim, IGP, mç 234, 4-6 quer dizer: Torre do Tombo, Intendência Geral da Polícia, maço 234, docs. 4-6.