algumas limitaÇÕes das explicaÇÕes da escolha racional na ciÊncia polÍtica e na sociologia

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REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 12 Nº35

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  • ALGUMAS LIMITAES DAS EXPLICAES DA ESCOLHA RACIONAL NA CINCIA POLTICA E NA SOCIOLOGIA*

    Patrick Baert

    Introduo

    Os enfoques economicistas e individualistas da vida social

    eram uma dasbtes noiresI do projeto sociolgico de

    Durkheim. Parte da constituio da nova disciplina da

    Sociologia era distingui-la claramente da Psicologia e da

    Economia, no apenas em termos de objeto, mas tambm

    em termos de abordagem terica. Ao contrrio de anlises

    individualistas, a sociedade era considerada por Durkheim

    como uma entidade sui generis, e no apenas um mero

    agregado dos seus componentes. Alm disto, atitudes de

    clculo racional foram consideradas como limitadas a

    esferas particulares da vida social, e mesmo nos casos em

    que os clculos eram predominantes, uma precondio para

    a sua existncia era identificada nas normas sociais e em

    valores compartilhados.

    A Sociologia tem sido dominada h muito tempo por essa

    perspectiva durkheimiana. A verso atenuada desta

    abordagem v o raciocnio sociolgico como algo

    simplesmente estranho ao quadro analtico de indivduos

    que racionalmente perseguem seus interesses. A verso

    extrema pressupe que a razo , nos termos de John

    Wilmot, "um ignus fatuus da mente humana", isto : sob o

    nvel superficial da ao racional subjaz o nvel mais

    profundo e fundamental das estruturas sociais no

    admitidas. Esta perspectiva, defendida em qualquer de suas

    verses, permeou a Sociologia do sculo XX: h um

    consenso entre tericos to diferentes como Parsons,

    Dahrendorf, Garfinkel, Bourdieu e Giddens com respeito

    irredutibilidade da vida social lgica econmica. Mesmo

    tericos da ao weberiana, que tm sido tradicionalmente

    hostis a explicaes de tipo holstico, fazem questo de se

    afastar de qualquer tipo de reducionismo economicista. A

    emergncia da teoria da escolha racional no curso dos anos

    1980 portanto surpreendente e revolucionria, pois ela

    nada mais do que a invaso do homem econmico.

    Representa o ltimo assalto imperialista da economia na

    Sociologia: a subordinao do homo sociologicus ao homo

    economicus.

  • REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 12 N35 Algum poderia argumentar, claro, que a expanso do

    homem econmico j ocorreu no passado. Afinal de

    contas, a teoria poltica de Hobbes se baseava pesadamente

    na viso de que o mundo era habitado por um conjunto de

    agentes racionais, orientados somente pelos seus interesses;

    e Adam Smith empregou ocasionalmente a lgica

    econmica para explicar a ao poltica. As reformas

    utilitaristas do incio do sculo XIX partiram da lgica

    econmica, postulando que em todos os lugares e pocas

    as pessoas tenderam a trocar a dor pelo prazer e que as

    instituies deviam ser direcionadas por estes princpios

    utilitaristas. Alguns tericos da escolha racional vo ainda

    mais alm e defendem que as metodologias de Tocqueville

    e Marx na verdade ocultam perspectivas da escolha racional

    (por exemplo, Boudon,1982; Elster, 1985).1

    No entanto, apenas recentemente a abordagem econmica

    foi empregada de forma to sofisticada para capturar os

    diversos aspectos da vida social, abrangendo desde a

    freqncia igreja e os casamentos at as situaes de

    guerra e os padres de suicdio (por exemplo, Arrow, 1951;

    Downs, 1957; Olson, 1965; Becker, 1976; Coleman, 1990).

    Tanto a sofisticao como a ampla aplicabilidade do

    raciocnio econmico corrente so devidas, parcialmente,

    emergncia e ao desenvolvimento da teoria dos jogos. A

    teoria dos jogos objetiva trabalhar, por meio de conceitos,

    situaes nas quais os indivduos tomam decises

    considerando as conseqncias das decises tomadas por

    outros (ver, por exemplo, Kreps, 1990). Graas sua

    sofisticao, tem apresentado diversas descobertas que

    contrariam a intuio por exemplo, a descoberta de que

    em certas circunstncias as pessoas podem ficar em pior

    situao agindo na busca de seu prprio interesse. Dada a

    sua natureza abstrata, a teoria dos jogos se presta a uma

    ampla aplicao, encorajando ainda mais a sua

    popularidade.

    Neste artigo, analiso algumas limitaes das abordagens

    econmicas e da sua aplicao a fenmenos no

    econmicos. As duas primeiras sees ajudam a montar o

    quadro geral da abordagem. Na primeira, discuto as

    premissas que esto por trs da abordagem econmica,

    destacando o que os seus defensores compreendem como

    racionalidade e comportamento racional. Na segunda

    seo, discuto alguns exemplos de aplicaes da teoria da

    escolha racional na Cincia Poltica e na Sociologia,

    partindo dos trabalhos de Downs, Olson, Becker e

    Coleman. Na terceira seo, tento discutir as principais

    limitaes da abordagem econmica. Antes de faz-lo, no

    entanto, detalho de forma breve o que ser discutido

    exatamente e, mais importante, o que no ser discutido.

    O artigo enfoca a abordagem econmica, ou o que nos dias

    de hoje se denomina normalmente de "teoria da escolha

    racional". A teoria da escolha racional definida como a

    teoria sociolgica que se prope a explicar o

    comportamento social e poltico assumindo que as pessoas

    agem racionalmente. Apesar de em si no gerar

    controvrsia, esta definio leva a um conjunto de

    conseqncias.

    Em primeiro lugar, trato da teoria da escolha racional como

    a teoria que se prope a estudar fenmenos polticos e

    sociais, e no econmicos. Algumas das crticas que o artigo

    levanta podem tambm ser vlidas s anlises da teoria da

    escolha racional na economia, mas prefiro deixar aos

    economistas o julgamento da validade dos pontos aqui

    levantados na sua disciplina.

    Segundo, a teoria da escolha racional (ao menos de acordo

    com a definio trabalhada aqui) deve ser distinguida de

    reflexes filosficas com respeito racionalidade e

    escolha racional. Estas vises filosficas em alguns casos

    informam a teoria da escolha racional, mas esta certamente

    no incorpora todas aquelas reflexes. Portanto, minhas

    crticas contra a teoria da escolha racional no so

    necessariamente crticas s obras filosficas de Elster e

    Hollis (por exemplo, Elster, 1979, 1983, 1986a, 1986b e

    1989; Hollis, 1988 e 1994).

    Em terceiro lugar, a teoria da escolha racional distinta da

    teoria da deciso. A teoria da deciso uma teoria

    normativa e informa o que uma determinada pessoa deveria

    fazer se ele ou ela fosse racional. A teoria da escolha

    racional s vezes utiliza desenvolvimentos da teoria da

    deciso, mas esta no ser analisada aqui e as citaes a ela

  • ALGUMAS LIMITAES DAS EXPLICAES DA ESCOLHA RACIONAL NA CINCIA... ocorrero apenas na medida do necessrio para o

    desenvolvimento da crtica primeira.

    Em quarto lugar, tericos da escolha racional desenvolvem

    teorias sociolgicas e tentam explicar e prever os padres

    de comportamento de um determinado grupo de pessoas.

    A teoria da escolha racional no deve ser entendida como

    uma teoria que explica ou prev simplesmente o

    comportamento individual. Por exemplo, alguns tericos

    da escolha racional se propem a explicar e prever os

    padres de voto e no o voto de cada (ou qualquer)

    indivduo.

    As explicaes da escolha racional

    Para obter uma maior clareza, interessante discutir em

    detalhes as mais importantes caractersticas das explicaes

    da escolha racional.2 Apesar da existncia de uma mirade

    de verses da teoria da escolha racional, a maioria dos

    seguidores considera as seguintes noes-chave: (a) a

    premissa da intencionalidade; (b) a premissa da

    racionalidade; (c) a distino entre informao completa e

    incompleta e, no caso da ltima, a diferena entre risco e

    incerteza; (d) a distino entre ao estratgica e ao

    interdependente. Tratemos de cada uma separadamente.

    Ao intencional e conseqncias no intencionais

    As explicaes da escolha racional so um subconjunto das

    explicaes intencionais. As explicaes intencionais no

    estipulam apenas que os indivduos agem intencionalmente,

    mas tentam dar conta das prticas sociais fazendo

    referncia a finalidades e objetivos. Explicaes

    intencionais so geralmente acompanhadas da procura de

    conseqncias no intencionais (os assim chamados

    "efeitos de agregao") nas aes intencionais das pessoas.

    Ao contrrio de formas funcionalistas de explicao, as

    conseqncias no intencionais das prticas sociais no so

    empregadas para explicar a persistncia das mesmas

    prticas.

    Tericos da escolha racional do especial ateno a dois

    tipos de conseqncias negativas no intencionais, ou

    "contradies sociais": a "contrafinalidade" e as solues

    subtimas. A "contrafinalidade" se refere chamada

    "falcia da composio", que ocorre toda a vez que algum

    age de acordo com a falsa premissa de que "o que possvel

    para cada indivduo em circunstncias especiais

    necessariamente possvel para todos os indivduos nestas

    circunstncias" (Elster, 1978, pp. 106 e ss., e 1989, pp. 95 e

    ss.). Tomemos o exemplo de Sartre sobre o desmatamento:

    cada campons pretende conseguir mais terra cortando

    rvores, o que leva ao desmatamento e eroso e, como

    conseqncia, a que os camponeses tenham menos terra

    cultivvel do que tinham no incio do processo (Sartre,

    1960, pp. 232 e ss.). Solues subtimas se referem a

    indivduos que, enfrentando escolhas interdependentes,

    escolhem uma estratgia sabendo que os demais indivduos

    tambm vo escolh-la e sabendo tambm que todos

    poderiam obter ao menos o mesmo se outra estratgia

    tivesse sido adotada (Elster, 1978, pp. 122 e ss.). Utilizando

    novamente o exemplo dos camponeses de Sartre, diramos

    que um campons adota um comportamento subtimo

    quando est ciente da possibilidade do resultado agregado

    mas, mesmo assim, compreende que, qualquer que seja a

    deciso dos outros, derrubar rvores do seu interesse. O

    chamado dilema do prisioneiro um claro exemplo de

    comportamento subtimo com duas pessoas envolvidas.

    Racionalidade

    As explicaes da escolha racional so um subconjunto das

    explicaes intencionais que atribuem, como o nome

    sugere, racionalidade ao social. Racionalidade, neste

    contexto, significa que, ao agir e interagir, os indivduos tm

    planos coerentes e tentam maximizar a satisfao de suas

    preferncias ao mesmo tempo que minimizar os custos

    envolvidos. A racionalidade pressupe, portanto, a

    "premissa da conectividade", isto , o indivduo envolvido

    capaz de estabelecer um completo ordenamento das

    alternativas. Desta ordenao de preferncias os cientistas

    sociais podem inferir uma "funo de utilidade", que atribui

    um nmero a cada opo de acordo com a sua posio

    nessa ordenao de preferncias. Para que uma pessoa seja

  • REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 12 N35 considerada racional, sua ordenao de preferncias precisa

    ainda preencher um conjunto de requisitos. O princpio da

    transitividade um exemplo bvio deste tipo de

    precondio: a preferncia de X sobre Y e deste

    sobre Z deve significar uma preferncia de Xsobre Z. Caso

    tanto a conectividade como a transitividade sejam obtidas,

    os tericos da escolha racional sustentam "uma ordenao

    fraca de preferncias" (Arrow, 1951, pp. 13 e ss.).

    Explicaes da escolha racional tentam dar conta do

    comportamento individual fazendo referncia s

    convices subjetivas e s preferncias de um certo

    indivduo e no s condies objetivas e oportunidades

    daquele indivduo. possvel para algum, portanto, agir

    de forma racional baseado em convices falsas vis--vis os

    melhores meios de atingir seus objetivos ou desejos. No

    entanto, para que algum seja considerado racional, deve

    agrupar, na medida do possvel, informao suficiente para

    tornar slidas suas convices. A obteno exagerada de

    informaes pode, bvio, tambm ser um sinal de

    irracionalidade, especialmente se a situao requer uma

    certa urgncia. A anlise prolongada de possveis estratgias

    quando um exrcito confrontado com um ataque militar

    iminente, por exemplo, teria conseqncias desastrosas.

    Incerteza e risco

    At o momento se assumiu que as pessoas tm

    "informaes perfeitas" sobre os efeitos de suas aes, mas

    na realidade as pessoas muito freqentemente tm apenas

    "informaes imperfeitas" com respeito relao entre um

    conjunto particular de aes e seus resultados. Alguns

    tericos assumem a posio extrema de afirmar que no h

    situaes da vida real nas quais as pessoas sejam capazes de

    partir de informaes perfeitas porque, como Burke

    afirmou dois sculos atrs, "voc nunca pode planejar o

    futuro pelo passado". Os tericos da escolha racional

    conceituam informao imperfeita por meio da distino

    entre "incerteza" e "risco", introduzida pela primeira vez

    por Keynes (1921) e Knight (1921). Enfrentando risco, as

    pessoas so capazes de atribuir probabilidades aos vrios

    resultados, ao passo que, confrontadas com situaes de

    incerteza, no so capazes de faz-lo. Os tericos da

    escolha racional tendem a se concentrar em situaes de

    risco por duas razes: eles podem afirmar que as situaes

    de incerteza no existem; ou podem sustentar que se elas

    existissem a teoria da escolha racional seria incapaz de dar

    conta da ao dos indivduos. A teoria da escolha racional,

    enfim, assume que as pessoas so capazes de calcular a

    "utilidade esperada" ou o "valor esperado" de cada ao

    quando enfrentam risco. Para obter a "utilidade esperada"

    necessrio, primeiro, multiplicar para cada resultado, Xi,

    a sua utilidade Ui pela sua probabilidade de ocorrncia Pi. A

    utilidade esperada, ento, corresponde soma destas

    multiplicaes: U1.P1 + U2.P2 + ... + Ui.Pi + ... +

    Un.Pn (com n representando o nmero de possveis

    resultados).3

    Escolhas interdependentes e estratgicas

    Com exceo dos dois tipos de "contradies sociais"

    descritas anteriormente (que so indicativas de escolhas

    interdependentes ou estratgicas), a anlise se concentrou,

    at o momento, em "escolhas paramtricas". Escolhas

    paramtricas se referem s escolhas que indivduos devem

    tomar quando confrontados com um ambiente

    independente das suas escolhas. Comportamento subtimo

    e contrafinalidade so exemplos de escolhas estratgicas

    nas quais os indivduos levam em conta as escolhas de

    outros antes de decidir sua prpria linha de ao. Pessoas

    que compram e vendem aes na bolsa de valores, para dar

    um outro exemplo, tendem a considerar as escolhas dos

    outros antes de tomarem suas prprias decises. No

    interior da teoria da escolha racional, a teoria dos jogos trata

    da formalizao de escolhas estratgicas ou

    interdependentes por meio da construo de modelos

    ideais tpicos. Estes jogos antecipam a deciso racional de

    cada jogador em jogos nos quais os demais jogadores

    tambm tomam decises e em que cada jogador precisa

    levar em conta as escolhas dos outros.

  • ALGUMAS LIMITAES DAS EXPLICAES DA ESCOLHA RACIONAL NA CINCIA... Exemplos de aplicaes da escolha racional

    Tendo as noes bsicas da teoria da escolha racional em

    mente, apresento agora exemplos de suas aplicaes na

    Sociologia e na Cincia Poltica. Selecionei para este

    propsito quatro livros que, em momentos diferentes,

    contriburam para uma abordagem econmica mais

    sofisticada e aumentaram a sua aceitao na Cincia Poltica

    e na Sociologia. Um dos primeiros livros de teoria da

    escolha racional a explorar aplicaes na Cincia Poltica

    foi An economic theory of democracy (1957), de Anthony Downs.

    O livro The logic of collective action, de Mancur Olson Jr. (1965),

    tentou utilizar a mesma perspectiva para compreender

    organizaes. Em Economic approach to human behavior (1976),

    Gary Becker agrupou artigos que tentavam demonstrar a

    ampla aplicabilidade do enfoque econmico a uma grande

    variedade de fenmenos, abrangendo desde consumo de

    drogas at casamentos. Finalmente, Foundations of social

    theory (1990), de James Coleman (1990), uma contribuio

    teoria social de uma perspectiva da teoria da escolha

    racional. Cada uma dessas obras ser discutida

    separadamente.

    An economic theory of democracy, de Anthony Downs

    A premissa de Downs que polticos e eleitores agem

    racionalmente. As motivaes dos polticos so desejos

    pessoais, tais como renda, prestgio e poder derivados dos

    cargos que ocupam. Como estes atributos no podem ser

    obtidos sem que eles sejam eleitos, as aes dos polticos

    tm por objetivo a maximizao do apoio poltico e suas

    polticas so orientadas meramente para este fim. Os

    eleitores estabelecem preferncias entre partidos

    competidores baseados em uma comparao entre: (a) a

    "renda de utilidade" das atividades do atual governo e (b) a

    renda de utilidade se os partidos de oposio estivessem no

    governo. A escolha de um partido pelos eleitores toma

    como base esta ordem de preferncias, assim como

    caractersticas do sistema eleitoral. Em um sistema de dois

    partidos, os eleitores simplesmente votam no partido que

    preferem. Em um sistema multipartidrio, no entanto, os

    eleitores tm de levar em conta a preferncia dos outros

    eleitores. Por exemplo, se o partido que ele ou ela preferem

    no tem chances de vencer, ento ele ou ela votam em

    outro partido que pode ter a possibilidade de manter o

    partido que ele ou ela tm mais averso fora do poder.

    Por sua vez, argumenta Downs, os governos ganham votos

    com gastos pblicos e os perdem se aumentam os

    impostos. Eles continuaro aumentando o gasto at

    quando o ganho marginal de votos decorrente dos gastos

    igualar perda marginal de votos pelo aumento de

    impostos necessrio para financiar aqueles gastos. O ganho

    ou a perda de votos dependem da renda de utilidade de

    todos os eleitores e das estratgias dos partidos de

    oposio. O trabalho de Downs marcou a penetrao da

    abordagem econmica em algumas reas da Cincia

    Poltica.

    The logic of collective action, de Mancur Olson Jr.

    O que Downs conseguiu fazer na Cincia Poltica, Olson

    fez na teoria das organizaes. Olson trabalhou com as

    organizaes que tratam dos interesses comuns de seus

    membros. Todos os membros de um sindicato, por

    exemplo, tm o interesse comum em melhores condies

    de trabalho ou maiores salrios (pp. 6 e ss.). O autor

    enfocou os "bens pblicos", isto , aqueles bens que, uma

    vez alcanados por uma ou vrias pessoas em um grupo,

    no podem ser negados ou retirados dos demais membros

    do grupo (pp. 14 e ss.). Nestes casos, observou o seguinte

    problema: suponha-se que todos os membros de um

    grande grupo esto interessados na obteno de um

    determinado bem pblico. A obteno do bem, no entanto,

    consome tempo e energia, e portanto, cada membro no

    tem interesse em contribuir com seu esforo pessoal e

    prefere deixar que outros membros o faam, j que, uma

    vez obtido o bem, ele estar disponvel para todos. Alm

    disto, em grupos grandes o esforo individual

    freqentemente tende a no fazer diferena. No entanto, se

    todos agirem desta forma, ningum obter o bem pblico.

    Portanto, apesar de ser do interesse de todos obter o bem,

    o grupo no necessariamente o obtm. Isto explica por que

    grupos grandes tendem a empregar incentivos e sanes

  • REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 12 N35 para fazer com que as pessoas contribuam para a obteno

    dos bens pblicos (pp. 22-52).

    Economic approach to human behavior, de Gary Becker

    Este livro encerra um conjunto de artigos com uma

    introduo provocativa e de destaque. Todo o trabalho

    informado pela convico de que o que distingue a

    Economia de outras disciplinas das cincias sociais no o

    objeto, mas a abordagem (pp. 3-5). O objetivo de Becker

    demonstrar que o que ele denomina de "abordagem

    econmica" extremamente poderosa e pode ser aplicada

    para um amplo conjunto de fenmenos. Outros autores

    tm demonstrado a utilidade dessa abordagem para a

    explicao da vida econmica, mas Becker toma como sua

    a tarefa de mostrar a aplicabilidade da abordagem

    econmica a um amplo leque de comportamentos no

    econmicos. Ele o mais claro expoente do "imperialismo

    econmico", pois vai longe o bastante para afirmar que a

    abordagem econmica "[...] fornece uma valiosa estrutura

    de conceitos unificada para o entendimento de todoo

    comportamento humano" (pp. 14; grifo no original).

    Becker prope as seguintes premissas como centrais para a

    "abordagem econmica": primeiro, as preferncias dos

    indivduos so relativamente estveis e no diferem

    substancialmente entre diferentes culturas e sociedades;

    segundo, as pessoas tentam maximizar suas preferncias

    tendo como base uma quantidade tima de informao; em

    terceiro lugar, os mercados existem e coordenam as aes

    das pessoas envolvidas e a consistncia mtua de seus

    comportamentos (pp. 5-7 e 14). A fora do trabalho de

    Becker est na sofisticao tcnica do tratamento do seu

    material emprico.

    Foundations of social theory, de James Coleman

    Assim como Social systems de Parsons (1951), Social theory and

    social structure de Merton (1957) eConstitution of society de

    Giddens (1984), Foundations of social theory objetiva

    desenvolver um tratado de teoria social. Como Merton,

    Coleman baseia sua teoria em pesquisa emprica, o que

    objetiva demonstrar a utilidade de seu programa de

    pesquisa. Como Parsons e Giddens, o autor tenta

    transcender oposio tradicional entre os nveis macro e

    micro da sociedade (pp. 6 e ss.). A sua contribuio teoria

    social opera em trs nveis: (a) tenta explicar como as

    propriedades do nvel sistmico afetam o nvel individual;

    (b) tenta dar conta do que ocorre no nvel individual, e (c)

    trabalha as formas pelas quais as aes das pessoas afetam

    o nvel sistmico (pp. 8 e ss.). A idia bsica simples: a

    cultura gera valores especficos nas pessoas envolvidas, que

    agem na busca destes valores e, fazendo isto, afetam a

    sociedade. A elaborao aprofundada desta proposio

    complexa e tomaria quase mil pginas.

    Especialmente importante para a sua pesquisa a noo de

    ao racional e direcionada a fins. Para Coleman, as pessoas

    no apenas agem intencionalmente; elas tambm escolhem

    aes ou bens que maximizem sua utilidade (p. 14). O autor

    apresenta duas razes para explicar por que toma como

    premissa que as pessoas tentam maximizar suas

    preferncias. Primeiro, uma teoria que assuma que as

    pessoas maximizam sua utilidade tem maior poder de

    previso do que uma teoria que simplesmente postule

    intencionalidade. Segundo, assumir que as pessoas

    maximizam sua utilidade aumenta a simplicidade da teoria

    (pp. 18-19). Igualmente importante a noo do autor de

    que a ao direcionada a fins afeta o nvel macro. Coleman

    presta ateno especial no papel das conseqncias no

    intencionais. As pessoas agem direcionadas a fins, mas

    podem ser produzidos resultados que elas no buscavam

    ou que no conseguiam prever. Algumas vezes estes efeitos

    podem at contrariar as intenes iniciais (pp.19 e ss.).

    Problemas com a teoria da escolha racional

    A distino entre agir como se fosse racional e agir racionalmente

    Os tericos da escolha racional freqentemente defendem

    suas teorias argumentando que a idia de que as pessoas

    agem racionalmente confirmada por descobertas

    empricas. Mas importante entender o que esses tericos

    tm em mente com a noo de corroborao ou

  • ALGUMAS LIMITAES DAS EXPLICAES DA ESCOLHA RACIONAL NA CINCIA... confirmao emprica. Para justificar sua perspectiva, eles

    se referem com freqncia ao fato de que o modelo que

    resulta de sua perspectiva permite previses precisas sobre

    as aes das pessoas e sobre os efeitos destas aes. Por

    trs deste raciocnio est a premissa epistemolgica de que

    a validade de uma teoria depende de seu poder de previso.

    Entretanto, a coerncia entre o modelo e a realidade no

    suficiente para corroborar as teorias da escolha racional que

    formam a base do modelo. Em primeiro lugar,

    desenvolvimentos recentes na filosofia da cincia

    enfraquecem a noo de que a fora de uma teoria depende

    do seu poder de predio. Dado que os sistemas sociais

    tendem a ser abertos, a corroborao e a falsificao de uma

    teoria no so relevantes porque elas podem ser devidas a

    outros mecanismos que podem potencialmente

    intervir.4 Em segundo lugar, h uma distino entre agir

    racionalmente e agir como se fosse racional. Da observao

    da congruncia entre o modelo e a realidade (e do poder de

    predio resultante da teoria), pode ser legtimo inferir que

    as pessoas geralmente agem de acordo com os princpios

    bsicos da racionalidade, mas seria errado tomar tal

    congruncia como evidncia emprica de que as pessoas

    normalmente agem racionalmente. Para que os indivduos

    ajam como se eles fossem racionais no h necessidade de

    que ocorra nenhum processo de deciso racional

    remotamente similar ao atribudo aos indivduos pela teoria

    da escolha racional.

    Tomemos por exemplo uma teoria rival T', segundo a qual

    (a) os indivduos tacitamente adquirem habilidades e

    prticas e (b) estas habilidades e prticas so, em mdia,

    racionais. Se M o modelo derivado da teoria da escolha

    racional e M' o modelo derivado da teoria rival, ento M

    idntico a M' porque a teoria da escolha racional

    e T' diferem apenas na forma como levam em conta a ao

    humana, como clculo consciente ou conhecimento tcito.

    Isto significa, entretanto, que as mesmas evidncias

    empricas que foram utilizadas para apoiar a teoria da

    escolha racional podem ser igualmente usadas para

    demonstrar a teoria rival T', ou, em outras palavras:

    se M fornece predies acuradas, ento M' tambm o far.

    Problemas com o contra-argumento "externalista"

    Alguns tericos da escolha racional podem, claro,

    responder que sua verso particular da teoria da escolha

    racional uma verso "externalista" (por exemplo,

    Friedman, 1953; Becker, 1976; Posner, 1980). Ao contrrio

    dos "internalistas", os externalistas abandonam a premissa

    da intencionalidade. Becker, por exemplo, afirma que sua

    abordagem econmica "[...] no considera que as unidades

    de deciso sejam necessariamente conscientes de seus

    esforos para maximizar, ou sejam capazes de verbalizar

    ou, ao contrrio, descrevam as razes para os padres

    sistemticos no seu comportamento" (Becker, 1976, p.

    112). Esta postura externalista introduz uma perspectiva

    terica que afirma que: (a) as pessoas geralmente agem

    racionalmente e (b) elas fazem isto porque adquirem

    tacitamente habilidades e prticas (que tm uma

    racionalidade) ou porque estas habilidades e prticas so

    produto de um clculo consciente.

    Vejo trs problemas neste contra-argumento. Primeiro,

    dado que o requisito do (necessrio) clculo racional foi

    abandonado, esta postura externalista (T'') torna-se muito

    similar s perspectivas rivais como T'; desse modo, seria to

    justificvel chamar T'' de uma perspectiva da escolha

    racional quanto batizar T' como tal. A nica justificativa

    para isto talvez seja que T'' deixa aberta a possibilidade de

    as habilidades e prticas das pessoas serem produto de

    clculo racional, ao passo que T' as v exclusivamente em

    termos de conhecimentos adquiridos tacitamente.

    Entretanto, uma vez que se deixa o domnio das teorias

    artificiais (como T'), possvel notar que as perspectivas

    tericas rivais (que partem de conhecimento tcito ou

    prtico) nem mesmo excluem a possibilidade de

    intencionalidade. Elas simplesmente negam a regularidade

    ou o carter tpico da sua ocorrncia.

    Tomemos por exemplo a perspectiva de Bourdieu de teoria

    social. Bourdieu (1977, p.199) sustenta que: (a) o "habitus"

    das pessoas ajustado s condies objetivas nas quais elas

    esto situadas e (b) o "habitus" no tipicamente adquirido

    de forma consciente. Bourdieu no exclui o fato de que o

    "habitus" incorporado ocasionalmente de forma

  • REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 12 N35 consciente, mas apenas nega que esta seja a norma. No

    pretendo defender a identidade entre o formato explicativo

    de Bourdieu e o dos externalistas, mas afirmar apenas que

    eles no so substancialmente diferentes com respeito

    premissa de que as prticas sociais so um produto do

    clculo consciente. Colocando de forma concisa, no h

    razes bvias que justifiquem incluir a perspectiva

    externalista, mas no a de Bourdieu, dentre as perspectivas

    da escolha racional. Entretanto, plenamente desprovido

    de sentido chamar a teoria de Bourdieu de teoria da escolha

    racional, e portanto igualmente absurdo denominar a

    viso dos externalistas de teoria da escolha racional.

    Em segundo lugar, o poder de explicao da perspectiva

    externalista pequeno. Deixem-me clarificar isto por meio

    da noo weberiana de que tanto a "adequao causal"

    como a "adequao de sentido" so condies sine qua

    non para a validade de uma explicao social. Enquanto a

    adequao causal preenchida, se e somente se, a

    explicao apresentada apoiada por regularidades

    observadas, a adequao de sentido preenchida, se e

    somente se, a explicao d sentido e torna inteligveis as

    regularidades observadas. Dado que as cincias sociais

    lidam com sistemas abertos, no atribuo tanta importncia

    s conjunes regulares como Max Weber. Da mesma

    forma, no pretendo me comprometer com as

    especificaes posteriores do autor no que diz respeito

    obteno da adequao de sentido a partir da Verstehen.

    muito difcil, no entanto, negar sua viso geral de que a

    adequao de sentido essencial nas explicaes na Cincia

    Poltica e na Sociologia. O ato de explicar , em realidade,

    o esforo de tornar os fenmenos observados inteligveis.

    exatamente neste ponto que as vises externalistas no

    vo muito longe. Apesar de avanarem muito na adequao

    de causalidade, os externalistas so fracos na adequao de

    sentido, pois no querem se comprometer a explicar como

    os padres observados surgiram.

    No surpreendente, portanto, que aqueles que se

    posicionam no campo externalista tendam a invocar

    intencionalidade e noes relacionadas (como

    conhecimento e previso) quando discutem os resultados

    de suas pesquisas. Tomemos por exemplo Becker (um

    externalista autodeclarado), que defende que as pessoas

    vivem um estilo de vida no salutar, no por ignorncia de

    suas conseqncias, mas porque outras coisas so mais

    importantes para elas do que maximizar a sua expectativa

    de vida. Fumar muito e trabalhar demais "[...] seriam

    decises desaconselhveis se o nico objetivo fosse uma

    longa vida, mas considerando que existem outras metas,

    elas poderiam ser informadas e neste sentido sensatas"

    (Becker, 1976, p. 114; destaque meu). Caso um autor se

    apege a uma viso externalista ( qual Becker adere em

    matria de teoria), noes como as de "objetivo", "decises

    informadas" e "decises sensatas" devem ser excludas. No

    entanto, considerando que no nvel da adequao de

    sentido o externalismo fraco, externalistas autodeclarados

    tm apenas duas opes: eles podem se firmar doutrina

    externalista, e ento no conseguem dizer nada alm de

    reafirmar que as pessoas geralmente agem como se fossem

    racionais, ou eles podem pular de volta para o internalismo

    na discusso de seus resultados. No admira que a maioria,

    como Becker, levada segunda opo (apesar de suas j

    mencionadas dificuldades).

    Explicaes a posteriori

    Os tericos da escolha racional, sejam eles externalistas ou

    internalistas, tendem a dar sentido s prticas sociais

    atribuindo a elas racionalidade ex post facto. Na verdade, eles

    consideram que sua tarefa demonstrar que as prticas

    sociais que so irracionais prima facie so na verdade

    racionais (ver, por exemplo, Coleman, 1990, p. 18; Becker,

    1976, pp. 13-14). Quanto mais as prticas parecem

    irracionais, mais significativo o esforo de demonstrar que

    elas so racionais. Por exemplo, apesar de irracional

    primeira vista, alguns psiclogos sociais, como Brown,

    utilizam a teoria dos jogos para demonstrar que o

    comportamento de pnico , afinal de contas, racional

    (Brown, 1965; ver tambm Coleman, 1990, pp. 203-211).

    Exemplos na Sociologia incluem as tentativas de mostrar

    que os padres de casamento e de comportamento

    criminoso operam de acordo com uma lgica econmica

    (Becker, 1976, pp. 39-88 e 205-250). interessante notar a

    analogia com o incio do funcionalismo. Se o funcionalismo

    tendia a atribuir retrospectivamente racionalidade social a

  • ALGUMAS LIMITAES DAS EXPLICAES DA ESCOLHA RACIONAL NA CINCIA... prticas que eram prima facieirracionais, as explicaes da

    escolha racional tentam dar sentido a prticas atribuindo

    racionalidade individual ex post facto. De forma similar

    tendncia do funcionalismo em seu perodo inicial de

    legitimar as prticas existentes, a teoria da escolha racional

    invocada freqentemente como deus ex machina, sugerindo

    que as pessoas vivem no "melhor de todos os mundos

    possveis" de Leibniz ou Voltaire (ou ao menos no mais

    racional).

    Neste sentido, h problemas srios relacionados com esta

    teorizao feita a posteriori. O simples fato de que as prticas

    possam ser agrupadas sob um comportamento racional no

    representa a comprovao ou validao da teoria da escolha

    racional. A maioria das prticas, se no a sua totalidade,

    pode ser reconstruda desta forma, especialmente porque

    os tericos da escolha racional tendem a atribuir

    preferncias e convices que fazem encaixar a sua teoria

    nos seus projetos de pesquisa. Os tericos da escolha

    racional, na verdade, se baseiam em raciocnios ex post

    facto para imunizar suas teorias contra potenciais

    falsificaes. Em primeiro lugar, quando confrontam o fato

    de que as pessoas nem sempre ajustam seu comportamento

    a novas oportunidades, eles tendem a defender que "[...]

    como o ajustamento no ocorre sem custos, pode ser

    racional posterg-lo at que a pessoa saiba com certeza que

    a mudana durvel" (Elster, 1986b, p. 24). Em segundo

    lugar, confrontados com o fato de que as pessoas

    freqentemente contribuem mais para a obteno de bens

    pblicos do que o previsto pela teoria, os tericos da

    escolha racional tendem a argumentar que os indivduos

    envolvidos simplesmente superestimam o impacto de suas

    prprias aes (Hardin, 1982, pp. 115 e ss.).

    Em terceiro lugar, ocorre o bem conhecido "paradoxo do

    voto", isto , dado que votar toma tempo e que cada voto,

    individualmente, com muita probabilidade no ser

    decisivo, a teoria da escolha racional esperaria que as

    pessoas no fizessem o esforo para votar. No entanto, um

    nmero significativo de pessoas vota. Ao invs de tratar isto

    como uma falsificao, os tericos da escolha racional

    tendem a incluir este fenmeno no intuitivo em sua

    narrativa racional. Para eles, as pessoas votam porque

    superestimam o impacto de seus votos ou porque votar d

    a elas alguma satisfao psicolgica no considerada por

    tericos da escolha racional mais antigos como Downs.

    Elas obtm satisfao psicolgica expressando fidelidade a

    um sistema poltico ou contribuindo para um

    empreendimento potencialmente bem-sucedido (Riker e

    Ordershook, 1973, p. 62; Hinich, 1981; Schwartz, 1987;

    Coleman, 1990, pp. 290 e ss.).

    Em suma, existem dois problemas com este tipo de

    teorizao a posteriori. O primeiro deles que ela se apia

    em premissas a posteriori que no so validadas

    empiricamente (por exemplo, a premissa de que as pessoas

    superestimam o impacto de suas aes). Em segundo lugar,

    ela acomoda observaes mutuamente exclusivas (por

    exemplo, comportamento regulado e no regulado; ao

    cooperativa e defeco; absteno e voto), que, portanto,

    no permitem falsificao. Embora os tericos da escolha

    racional tendam a se situar na tradio dos estudos que

    pregam a possibilidade de falsificao, eles no admitem

    que reconstrues a posteriori no servem para confirmar

    empiricamente a sua teoria.

    Racionalidade e cultura

    Muitos tericos da escolha racional tendem a ignorar ou a

    igualar a diversidade cultural. Alguns deles afirmam que as

    preferncias so estveis entre culturas (Becker, 1976, pp. 5

    e ss.), o que se encaixa bastante bem com a tendncia de

    atribuir preferncias aos sujeitos envolvidos sem checar

    empiricamente se isto justificvel (se as preferncias so

    estveis, ento o pesquisador pode confiar em si mesmo

    para atribuir preferncias a outros).

    Vrias justificativas insatisfatrias so dadas para a

    afirmao de que as preferncias so estveis. A mais antiga

    delas a afirmao de que a economia sabe pouco a

    respeito da formao das preferncias, e que isto uma

    razo suficiente para se assumir as preferncias como

    invariantes (Becker, 1976, p. 5). O absurdo deste

    argumento bvio: a fragilidade da abordagem (sua

    inabilidade em considerar como as preferncias so

    formadas) usada na sua justificativa. Uma razo mais

  • REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 12 N35 convincente para considerar as preferncias fixas que esta

    premissa contribui para a simplicidade do modelo. Alm de

    testes empricos, os tericos da escolha racional utilizam

    freqentemente o critrio da simplicidade para julgar as

    teorias rivais (por exemplo, Coleman, 1990, p. 19). No

    entanto, apesar de se poder sustentar que a simplicidade

    desejvel, esta no deve ser obtida a qualquer custo,

    especialmente se para isto for necessrio adotar premissas

    empiricamente insustentveis ou at falsas. Este

    freqentemente o caso com a teoria da escolha racional.

    Em algumas reas da economia as preferncias podem ser

    relativamente constantes, mas em muitas outras elas no o

    so. Assumir simplesmente que elas so constantes (e em

    alguns casos desprezar as evidncias empricas em

    contrrio) representa falta de honestidade intelectual.

    Mas a pressuposio que vai mais longe na teoria da escolha

    racional a de que, diante das mesmas situaes e

    assumindo as preferncias constantes, existe um nico

    "modo racional de agir", livre de qualquer especificao

    cultural. Por exemplo, os tericos da escolha racional

    introduzem a noo de "convico racional" sem levar em

    conta inteiramente que o contexto cultural no qual as

    pessoas se encontram afeta o que elas consideram ser ou

    no uma convico fundada na razo. O problema com a

    teoria da escolha racional que ela trabalha com convices

    sobre a relao entre ao e resultado, o que

    necessariamente se apia em noes culturalmente

    embebidas, por exemplo, com respeito a causalidade e ao

    social. um erro reduzir a causalidade ou a ao social a

    apenas uma destas noes, como faz a teoria da escolha

    racional. Tomemos, por exemplo, duas pessoas: A eB. Elas

    observam que a ao x tende a ser seguida pelo resultado y.

    A pessoa A tem uma noo de causalidade que leva em

    conta a regularidade, e a pessoa B tem uma noo realista.

    A pessoa A pode assumir que a observao evidncia

    suficiente (e necessria) para concluir que x causa y,

    mas B no far o mesmo. Entretanto, seria errado dizer que

    a noo de A mais racional que a de B, ou vice-versa,

    simplesmente tendo como base as noes particulares de

    causalidade que A e B tm. Isto especialmente verdadeiro

    considerando que, mesmo na literatura acadmica, no h

    consenso sobre a superioridade de uma noo

    relativamente outra (o que no quer dizer que A ou B no

    possam ter argumentos melhores para defender suas

    noes).

    importante mencionar que este segundo argumento pode

    tambm ser usado contra a teoria da deciso. Deixem-me

    relembrar o leitor que, como uma teoria normativa, a teoria

    da deciso indica o caminho racional de agir em uma

    situao especfica, isto , ela no parte do princpio de que

    as pessoas agem desta forma (e tambm no assume que as

    pessoas no agem desta forma). Minhas objees prvias

    teoria da escolha racional (o argumento contra o

    internalismo e o externalismo, o argumento contra a

    teorizao a posteriori) no afetam a validade da teoria

    normativa. Porm, o argumento de que a teoria da escolha

    racional se apia em uma noo equivocada de

    racionalidade, por consider-la livre de especificaes

    culturais, no ameaa apenas a teoria da escolha racional,

    mas tambm a teoria normativa.

    Concluso

    Ao invs de sumariar os pontos j apresentados, organizo

    a linha de raciocnio de meus argumentos sugerindo o

    esboo de um quadro conceitual alternativo. Este quadro

    tem em comum com os tericos da escolha racional a idia

    de que as pessoas so capazes de visualizar de fora as

    condies fundamentais e as conseqncias de suas aes.

    Entretanto, minha perspectiva difere da teoria da escolha

    racional de vrias formas.

    Em primeiro lugar, considerando que a noo de uma

    racionalidade livre da cultura altamente problemtica, eu

    sugiro a noo mais cautelosa de "auto-reflexo de segunda

    ordem". Esta auto-reflexo de segunda ordem diz respeito

    habilidade das pessoas em desenvolver conhecimento

    terico com respeito s condies e efeitos e s regras e

    premissas fundamentais de suas aes, fenmenos tomados

    como dados pela teoria da escolha racional. Em oposio,

    "auto-reflexo de primeira ordem" refere-se s habilidades

  • ALGUMAS LIMITAES DAS EXPLICAES DA ESCOLHA RACIONAL NA CINCIA... prticas compartilhadas mediante as quais as pessoas

    monitoram suas ao na vida diria. A comunicao

    comum, por exemplo, se baseia em auto-reflexo de

    primeira ordem. Partindo das atitudes dos outros, os

    indivduos so capazes de refletir sobre formas alternativas

    de expresso. Dado que as regras fundamentais e premissas

    da gramtica e do vocabulrio da lngua inglesa so

    compartilhados pelos indivduos envolvidos, eles

    conseguem antecipar o significado de suas expresses para

    outros, conseguindo acompanhar uma conversao. Se, no

    entanto, eles refletirem teoricamente sobre as regras

    fundamentais da gramtica ou do vocabulrio, a auto-

    reflexo de segunda ordem entra em jogo.

    Em segundo lugar, contrariamente viso internalista, a

    auto-reflexo de primeira ordem comum, mas a auto-

    reflexo de segunda ordem surge somente em algumas

    circunstncias. A auto-reflexo pode aparecer porque as

    pessoas descobrem os efeitos no previstos de aes

    prvias ou porque encontram formas de vida diferentes.

    Ela pode tambm surgir a partir de mudanas nas

    preferncias das pessoas ou devido a mudanas no

    ambiente, caso em que as prticas experimentadas

    anteriormente passam a ser consideradas fora de lugar com

    relao a desejos ou constrangimentos.

    Em terceiro lugar, parece no fazer sentido afirmar que as

    prticas das pessoas so de forma geral racionais, no

    sentido da otimizao ajustada ao ambiente. A viso de que

    existe uma, e apenas uma forma racional de agir enganosa;

    alm do que, a auto-reflexo de segunda ordem aparece

    somente em circunstncias particulares. As pessoas no

    verificam continuamente a racionalidade de suas aes,

    fazendo isto apenas quando confrontadas com

    conseqncias no intencionais, como j destacado.

    Em quarto lugar, a auto-reflexo de segunda ordem torna-

    se especialmente significativa sociologicamente por

    adquirir caractersticas pblicas e coletivas. Nestas

    circunstncias, ela se torna a fonte potencial para a

    mudana deliberada ou para a estabilidade deliberada. Na

    cincia, por exemplo, a auto-reflexo coletiva de segunda

    ordem pode levar a uma mudana nas regras e nas

    premissas do paradigma. Da mesma forma, a reflexo

    coletiva dos trabalhadores sobre as condies estruturais de

    suas aes pode culminar em tentativas de

    "reestruturao". As novas prticas que so ento

    introduzidas gradualmente se tornam latentes e parte

    integrante do conhecimento tcito, para serem

    questionadas apenas quando outras conseqncias no

    intencionais so encontradas.

    Em quinto lugar, torna-se possvel agora a criao de uma

    explicao alternativa para alguns dos sucessos empricos

    da teoria da escolha racional. Suponhamos que uma certa

    prtica (digamos, P) emergisse no interior de um grupo

    (digamos, G) como um resultado da auto-reflexo de

    segunda ordem no tempo t1. Suponhamos tambm que,

    em t2, P tenha se tornado latente e seja parte do

    conhecimento prtico de G. Finalmente, suponhamos que

    um observador tentasse dar sentido a P em t2. Caso as duas

    condies fossem satisfeitas (a) o observador

    compartilhar um nmero de noes centrais de

    racionalidade com G (por exemplo, o que torna racional

    uma certa convico) e (b) as preferncias de G no

    mudarem drasticamente entre t1 e t2 (e tampouco os

    constrangimentos ambientais) , o observador no teria

    muita dificuldade de atribuir algum tipo de racionalidade a

    estas prticas latentes em t2. Isto explica por que os tericos

    da escolha racional tm conseguido explicar especialmente

    os comportamentos das pessoas que tm padres culturais

    similares aos seus e atuam em reas da vida social nas quais

    as preferncias e os constrangimentos so relativamente

    constantes.

    NOTAS

    1. Srias objees tm sido levantadas reconstruo de

    Marx nesta direo (por exemplo, Cohen, 1982).

    2. Estudiosos j familiarizados com a teoria da escolha

    racional talvez possam seguir para a prxima seo.

  • REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 12 N35 3. Obviamente, quando existe incerteza, Pi no pode ser

    calculado e, conseqentemente, a utilidade esperada

    tambm indeterminada.

    4. Ver tambm Lawson (1989).

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    * Traduo de Eduardo Cesar Marques.

    I N. do T. Em diversos pontos do texto o autor incluiu

    expresses em francs, latim e alemo. Estas expresses

    foram deixadas de acordo com o original em ingls

    e grafadas em itlico.