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9 RESUMO Rev. Sociol. Polít. , Curitiba, 16, p. 9-29, jun. 2001 ESTADO E ESPAÇO URBANO: REVISITANDO CRITICAMENTE AS EXPLICAÇÕES SOBRE AS POLÍTICAS URBANAS 1 Este artigo analisa as políticas de infra-estrutura urbana em São Paulo entre 1978 e 1998. Partindo de dados primários, o estudo reconstrói os investimentos públicos e a sua distribuição espacial na cidade, usando uma base construída a partir de indicadores sociais. Esse procedimento permite discutir os aspectos distributivos da política e o seu impacto sobre os habitantes do Município de São Paulo. Os resultados problematizam hipóteses presentes nas literaturas de Sociologia e estudos urbanos. PALAVRAS-CHAVE: políticas urbanas; produção do espaço urbano; Sociologia Urbana; infra-estrutura urbana; São Paulo. I. INTRODUÇÃO Este trabalho analisa os padrões estatais de intervenção em infra-estrutura urbana no município de São Paulo, entre 1978 e 1998. São analisados os aspectos temporais, sócio-espaciais e distributivos dos investimentos da Secretaria de Vias Públicas da Prefeitura de São Paulo. As informações aqui apresentadas são originárias de uma pesquisa em andamento no CEBRAP, financiada pela FAPESP, que analisa diversos aspectos da política daquela Secretaria partindo de um amplo levantamento de informações primárias relativas a contratações entre a Secretaria e empresas privadas, publicadas no Diário Oficial do Município de São Paulo, sendo pesquisados todos os extratos de contratos da Secretaria, dia a dia, entre 1978 e 1998. O material coletado permitiu analisar as dimensões temporal, espacial e de poder presentes na política de infra-estrutura na cidade de São Paulo. Essas informações foram complementadas por uma série de entrevistas com técnicos do setor. A investigação representa, em vários aspectos, uma continuação de pesquisa similar sobre políticas de infra-estrutura de saneamento no Rio de Janeiro, consubstanciada em Marques (2000). Considerando que se tratam de duas políticas altamente espacializadas, executadas diretamente por empreiteiras inseridas em comunidades de engenheiros das duas mais importantes cidades brasileiras, são inúmeros os possíveis pontos de comparação, que serão estabelecidos sempre que relevantes. O presente trabalho discute uma série de resultados parciais da pesquisa, o que nos permite problematizar afirmações das literaturas de Sociologia e estudos urbanos. Este exercício é fundamental para que possamos iniciar a construção de um novo quadro conceitual coerente analiticamente para o estudo do urbano brasileiro, que incorpore os constrangimentos estruturais, a herança histórica das relações e instituições brasileiras, mas que deixe espaço para a análise dos atores e agentes sociais. Após uma rápida discussão da literatura, realizada na primeira e na segunda seções, iniciamos a apresentação dos resultados pela descrição da alocação dos investimentos ao longo do tempo. A dinâmica mais geral da política no tempo, assim como a caracterização das administrações municipais, já foram abordadas por nós em outro trabalho (MARQUES & BICHIR, DOSSIÊ CIDADE E PODER Eduardo Cesar Marques Universidade de São Paulo Renata Mirandola Bichir Universidade de São Paulo 1 Artigo originalmente apresentado na sessão “Investimento público e produção do espaço” durante o Simpósio Cidade e poder, realizado entre 23 e 24 de abril de 2001 na Universidade Federal do Paraná, promovido pela Revista de Sociologia e Política e pelo Grupo de Estudos Cidade, Poder e Sociedade, sob coordenação do Prof. Dr. Nelson Rosário de Souza.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 16: 9-29 JUN. 2001

RESUMO

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 16, p. 9-29, jun. 2001

ESTADO E ESPAÇO URBANO:REVISITANDO CRITICAMENTE AS EXPLICAÇÕES

SOBRE AS POLÍTICAS URBANAS1

Este artigo analisa as políticas de infra-estrutura urbana em São Paulo entre 1978 e 1998. Partindo dedados primários, o estudo reconstrói os investimentos públicos e a sua distribuição espacial na cidade,usando uma base construída a partir de indicadores sociais. Esse procedimento permite discutir os aspectosdistributivos da política e o seu impacto sobre os habitantes do Município de São Paulo. Os resultadosproblematizam hipóteses presentes nas literaturas de Sociologia e estudos urbanos.

PALAVRAS-CHAVE: políticas urbanas; produção do espaço urbano; Sociologia Urbana; infra-estruturaurbana; São Paulo.

I. INTRODUÇÃO

Este trabalho analisa os padrões estatais deintervenção em infra-estrutura urbana nomunicípio de São Paulo, entre 1978 e 1998. Sãoanalisados os aspectos temporais, sócio-espaciaise distributivos dos investimentos da Secretaria deVias Públicas da Prefeitura de São Paulo. Asinformações aqui apresentadas são originárias deuma pesquisa em andamento no CEBRAP,financiada pela FAPESP, que analisa diversosaspectos da política daquela Secretaria partindode um amplo levantamento de informaçõesprimárias relativas a contratações entre a Secretariae empresas privadas, publicadas no Diário Oficialdo Município de São Paulo, sendo pesquisadostodos os extratos de contratos da Secretaria, dia adia, entre 1978 e 1998. O material coletado permitiuanalisar as dimensões temporal, espacial e de poderpresentes na política de infra-estrutura na cidadede São Paulo. Essas informações foramcomplementadas por uma série de entrevistas comtécnicos do setor.

A investigação representa, em vários aspectos,uma continuação de pesquisa similar sobre políticasde infra-estrutura de saneamento no Rio deJaneiro, consubstanciada em Marques (2000).Considerando que se tratam de duas políticasaltamente espacializadas, executadas diretamentepor empreiteiras inseridas em comunidades deengenheiros das duas mais importantes cidadesbrasileiras, são inúmeros os possíveis pontos decomparação, que serão estabelecidos sempre querelevantes.

O presente trabalho discute uma série deresultados parciais da pesquisa, o que nos permiteproblematizar afirmações das literaturas deSociologia e estudos urbanos. Este exercício éfundamental para que possamos iniciar aconstrução de um novo quadro conceitual coerenteanaliticamente para o estudo do urbano brasileiro,que incorpore os constrangimentos estruturais, aherança histórica das relações e instituiçõesbrasileiras, mas que deixe espaço para a análisedos atores e agentes sociais.

Após uma rápida discussão da literatura,realizada na primeira e na segunda seções,iniciamos a apresentação dos resultados peladescrição da alocação dos investimentos ao longodo tempo. A dinâmica mais geral da política notempo, assim como a caracterização dasadministrações municipais, já foram abordadas pornós em outro trabalho (MARQUES & BICHIR,

DOSSIÊ CIDADE E PODER

Eduardo Cesar MarquesUniversidade de São Paulo

Renata Mirandola BichirUniversidade de São Paulo

1 Artigo originalmente apresentado na sessão “Investimentopúblico e produção do espaço” durante o Simpósio Cidade epoder, realizado entre 23 e 24 de abril de 2001 na UniversidadeFederal do Paraná, promovido pela Revista de Sociologia ePolítica e pelo Grupo de Estudos Cidade, Poder e Sociedade, sobcoordenação do Prof. Dr. Nelson Rosário de Souza.

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2001), e serão apenas rapidamente descritas naterceira seção do artigo. Em seguida, a quarta seçãoapresentará a distribuição dos investimentos noespaço urbano paulistano, usando para tal umabase espacial construída pela agregação dosdistritos censitários segundo suas característicassócio-econômicas em 1997. A dinâmica dosinvestimentos em cada um desses espaços ao longodo tempo e por administração municipal permiteproblematizar hipóteses presentes na literatura,assim como impressões do senso comum sobre apolítica. Ao final do artigo, sumariamos osprincipais resultados e apresentamos nossasconclusões.

II. PERIFERIAS, ESTADO E PRODUÇÃO DOESPAÇO

As literaturas sociológica e urbana dos anos1970 e 1980 caracterizaram as periferiasmetropolitanas brasileiras pela completa ausênciado Estado, exceto pelos empreendimentoshabitacionais massificados implantados a partir dofinal dos anos 1960. Nossos espaços metro-politanos se caracterizariam por um gradientedecrescente de condições de vida, inserção nomercado de trabalho e acesso à renda do centropara as periferias. Os espaços periféricos seriamos mais distantes e de menor renda diferencial,ocupados pela população de mais baixa renda einserida de menaira mais precária no mercado detrabalho (KOWARICK, 1979; BONDUKI &ROLNIK, 1979).

De uma forma geral, o padrão espacial dascarências e da segregação social teria estabelecidoum sólido e identificável “modelo metropolitanobrasileiro”, construído nos anos 1960 no Rio deJaneiro e exportado para o resto do Brasil em uma“moda metropolitana” (SANTOS & BRONSTEIN,1978). Para outros, o centro irradiador dessepadrão de produção do espaço estaria nas franjasdos espaços mais dinâmicos da “metrópole dosubdesenvolvimento industrializado” (KOWARICK& CAMPANÁRIO, 1988), espaço central nosprocessos de reprodução da “industrialização debaixos salários” (MARICATO, 1996).

Se havia consenso com relação às péssimascondições de vida nas periferias e, em termos maisgerais, aos conteúdos concretos de cada espaçoda metrópole, os processos produtores do espaçoeram objeto de descrições diversificadas e nemsempre compatíveis. Para alguns autores, aausência de intervenções públicas nos espaços

periféricos seria produto de mecanismos estru-turais ligados à dinâmica mais geral do sistemaeconômico (KOWARICK, 1979; BONDUKI &ROLNIK, 1982), seguindo a literatura internacionalde então, que derivava diretamente as principaiscaracterísticas do espaço, assim como as con-dições de vida nas periferias, das dinâmicas maisgerais da acumulação (LOJKINE, 1981;CASTELLS, 1983).

Segundo esse modelo teórico, entãoamplamente hegemônico no campo dos estudosurbanos, o Estado seria o responsável pelareprodução geral da dinâmica capitalista, tarefa queele cumpriria através de investimentos produtivospara auxiliar a acumulação (viabilizando tanto areprodução do capital quanto a do trabalho) e, aomesmo tempo, através de gastos públicos quelegitimassem a sociedade capitalista, ocultando oseu caráter de classe. As políticas públicas urbanasrepresentariam investimentos produtivos, já queauxiliariam a reprodução da força de trabalho,viabilizada através do provimento dos chamadosbens (ou equipamentos) de consumo coletivo.Entretanto, essas mesmas políticas tambémincluiriam gastos improdutivos legitimadores daordem social, na medida em que ultrapassassemo patamar de condições de vida necessário para areprodução dos trabalhadores. Como os gastoscom a legitimação envolveriam um volume derecursos marginal e os investimentos para areprodução da força de trabalho tenderiam a cairmuito em momentos de crise, as condiçõesurbanas de vida para os trabalhadores quasesempre deixariam a desejar. Os conflitos causadospor este baixo padrão de vida seriam insolúveis nasociedade capitalista, constituindo-se emcontradições do funcionamento do próprio siste-ma. Ao contrário da contradição principal,entretanto, essas contradições urbanas oporiamtrabalhadores e Estado, ocultando o caráter declasse do conflito mas politizando-o de maneiraconcomitante.

O rebatimento nacional dessa perspectiva, queencontrou em Kowarick (1979) a sua versãomais bem construída em termos teóricos, integrouuma explicação para o surgimento do regimeautoritário, assim como para a manutenção depatamares de pauperização muito elevados no país,mesmo em momentos de expansão econômicaacelerada, como durante o milagre econômico. NoBrasil, assim como em tantos outros países decapitalismo tardio, a acumulação seria possível

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apenas através da manutenção de um vastoexército industrial de reserva, que, ao contráriode ser marginal, no sentido do debate sobredesenvolvimento e marginalidade dos anos 1960,representaria um elemento indispensável em nossopadrão de acumulação. Esse processo apresentariacontornos tão selvagens que, para usarmos aexpressão de Kowarick (1979, p. 59), apenas umregime político autoritário poderia sustentá-lo. Osistema só poderia funcionar submetendo oconjunto da força de trabalho a padrões constantesde superexploração e espoliação urbana, sendo estaúltima entendida como a sistemática exclusão dascamadas populares do acesso aos serviços deconsumo coletivo. As periferias seriam o territórioda espoliação, e seriam construídas e recons-truídas pelo Estado e pela própria dinâmica daacumulação.

Em um nível menos estrutural, outraspesquisas destacaram a luta concreta entre osconsumidores do ambiente construído pelo acessoa seus benefícios (HARVEY, 1982), e as açõesconcretas de empreendedores privados e domercado de terras (RIBEIRO, 1997). Mesmo paraessa literatura, entretanto, a luta política acabavapor ser determinada pelas estruturas, já que, emmomentos de acirramento da luta política, o Estadoseria acionado (pelas estruturas) para garantir amanutenção do sistema, agir no interesse do“capital em geral” ou mesmo de determinadasfrações hegemônicas.

As raras abordagens amplas não estruturalistastambém mobilizaram mecanismos econômicos.Para Vetter (1975), por exemplo, a lógica daspolíticas públicas urbanas estaria ligada àassociação entre poder econômico e político nasociedade, levando a uma circularidade das açõesdo Estado. A produção do ambiente construído,portanto, seria fortemente influenciada pelalocalização dos diversos grupos sociais na cidade,assim como pela sua capacidade diferencial deinfluenciar as ações do Estado. Outros destacaramas estratégias (econômicas) dos própriosocupantes de loteamentos que, antecipandoprocessos de valorização da terra, atuariam comoocupantes da fronteira urbana, expandindo acidade continuamente (SANTOS, 1982).

De uma forma ou de outra, portanto, todas ascorrentes dessa literatura da Sociologia e dosestudos urbanos dos anos 1970 e início dos 1980mobilizaram mecanismos estruturais e/ou de

natureza econômica para explicar a conformaçãoda cidade e as políticas estatais, seja ligando-as aomodo de produção, em sua versão influenciadapelo marxismo estruturalista francês, sejaassociando-as ao comportamento econômico deagentes sociais.

Ao longo da década de 1980, essa literaturafoi sucedida por um outro conjunto de trabalhos,que se tornaram crescentemente predominantes.Esses novos estudos escolheram combater aparalisia analítica advinda dos determinismosmacroestruturais, através da realização de ummergulho quase antropológico na direção do nívelmicro, à procura dos atores, destacando ocotidiano, a experiência e a construção deidentidades como base de ações coletivas emobilizações. Esse deslocamento, apesar de terproduzido importantes avanços e estudos deexcelente qualidade, especialmente sobremovimentos sociais (como Sader, 1988), acabouconduzindo a um novo impasse analítico, pelareprodução de estudos localizados e muito poucogeneralizáveis. Nas palavras de Kowarick (2000),a estrutura sem sujeitos dos estudos dos anos 1970foi substituída, em sua versão mais extrema, peloestudo de sujeitos liberados de qualquerconstrangimento estrutural ao longo da década de1980.

Durante todo esse longo percurso, os pontoscegos da literatura sempre foram a política,entendida como campo onde se desenrolam lutas,estratégicas e conflitos reais de resultadocontingente, assim como o Estado, quase nuncatratado na sua complexidade de conjuntoheterogêneo de instituições dotadas de história,estrutura, identidade e interesses próprios2. Essalacuna tem ficado cada vez mais evidente emperíodo mais recente, quando vários estudos têmdemonstrado empiricamente processos nãoprevistos, e em alguns casos em flagrantedesacordo com a literatura destacada acima. Apartir do início dos anos 1990, estudos demons-traram a presença de intervenções públicas nada

2 Para uma discussão crítica detalhada dos olhares sobre aspolíticas estatais das literaturas marxista, neo-institucionalistae da análise setorial, ver Marques (1997). A referência éimportante pois vários dos elementos presentes (e ausentes)do debate urbano são derivados do enfoque das perspectivassobre a natureza do Estado e suas ações.

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desprezíveis, não apenas nos anos 1990(D’ALESSANDRO, 1999), mas já no final dosanos 1970 (JACOBI, 1989; WATSON, 1992;MARQUES, 2000; BUENO, 2000). Essesinvestimentos não foram suficientes para invertero perfil tradicional dos investimentos públicos nadireção das periferias, mas indicaram que osespaços periféricos não foram totalmentedesprovidos de intervenções públicas, como seconsiderava anteriormente3.

A primeira reação a essas evidências foi adefesa cega de pontos do paradigma anterior ou,principalmente, a colagem conceitualmentedesarticulada de novos elementos e processos, taiscomo burocracia, hierarquias e quadro legal, aconceitos que derivam as condições de vida dedinâmicas sistêmicas. Não queremos dizer comisso que seja possível, ou desejável, abandonar osconstrangimentos sistêmicos para a explicação darealidade urbana, mas destacar, ao contrário, anecessidade de integrar de modo analiticamentecoerente a estrutura com a agência, tomando comobase as características constituidoras do Estado eda sociedade brasileiros. Essa tarefa obviamenteé de grande envergadura, e embora já tenha sidodestacada anteriormente por autores comoKowarick (2000), não foi ainda enfrentada pelaliteratura. Só pode ser encarada como uma agendacoletiva de pesquisa e, portanto, não é ambiçãodo presente artigo esgotá-la. Acreditamos,entretanto, que a política e o Estado no nívelurbano, compreendidos em sua complexidade,podem ser excelentes pontos de partida para taltarefa, inclusive por terem sido escassamenteexplorados. É nesse sentido que a apresentação e

a problematização dos resultados da pesquisa quedá origem a este artigo podem contribuir para aconstituição de tal debate.

III. MECANISMOS NA LITERATURA: CON-FLITOS, ELEIÇÕES E POLÍTICAS DOESTADO

Se concordarmos com a existência deintervenções estatais anteriores ao previsto pelaliteratura, a principal questão analítica a responderdiz respeito aos mecanismos que levaram o Estadoa alterar o seu padrão histórico de investimentoou, em um sentido mais amplo, quais osmecanismos que estimularam o Estado a executardeterminadas políticas, em detrimento de outras.

As literaturas de Sociologia e estudos urbanosmobilizaram basicamente dois tipos de explicaçãopara a alteração dos padrões de investimentopúblico urbano nos anos 1980. No primeiro, quepodemos denominar de modelo do conflito, osmovimentos sociais surgidos nos anos 1970 e 1980teriam pressionado o Estado por investimentos e,obtendo sucesso, teriam alterado o seu modo deproceder (GOHN, 1991). Em uma versão maissofisticada do modelo, autores como Jacobi(1989) e Sader (1988) destacaram a importânciade agentes pastorais, ou mesmo técnicos estataisde esquerda, como mediadores na construção detais mobilizações, assim como ressaltaram asmudanças no ambiente político mais amploocorridas no período, em parte produzidas e emparte produtoras de mobilizações e movimentos.Entretanto, mesmo nessa versão mais elaborada,o Estado é movimentado basicamente pelasmobilizações populares.

O segundo mecanismo mobilizado pelaliteratura se relaciona com o vínculo eleitoral(FIZSON, 1990; AMES, 1995). Segundo essemodelo, os níveis dos investimentos, e mais aindaos investimentos direcionados para os pobres,tenderiam a ser mais elevados nos momentosanteriores a eleições. Os autores que utilizam essevínculo explicativo partem de dois pressupostos.O primeiro sustenta que o comportamentopredominante dos políticos é a maximização desuas chances de reeleição, obtendo prestígio erecursos políticos, quando bem-sucedidos. Osegundo passo necessário para o argumento tersentido identifica os interesses dos políticos e asações do Estado. Caso essa identidade não exista,não há como garantir que os primeiros setransformem nas segundas. Nesse ponto, fica

3 Na verdade, essa questão insere-se no debate mais amplo,e até certo ponto já superado, sobre a década perdida e seusindicadores sociais (FARIA, 1992; GUIMARÃES &TAVARES, 1994). Em termos espaciais, entretanto, a questãoainda se apresenta pela significativa mudança no tecidoperiférico, que se tornou bastante heterogêneo.Aparentemente, a maior parte desses espaços vivenciou nosúltimos 10 anos uma generalizada melhora dos indicadoressociais médios, com a manutenção de patamares muito ruinsde condições de vida e acesso a serviços públicos em espaçosmuito localizados, mas bastante distribuídos no território.Embora a comparação seja difícil, as condições de vida nasperiferias hoje parecem ser muito piores que as das “periferiasda espoliação” dos anos 1970, talvez indicando a existênciade “hiperperiferias” em nossas metrópoles (TORRES &MARQUES, 2001).

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evidente a influência dos pluralistas, para os quaiso Estado não existiria como construção histórica,representando apenas um espaço vazio a serocupado pelos grupos de interesse vitoriosos. Nocaso específico do Brasil, o retorno das eleiçõespara os executivos locais (governadores, em 1982e Prefeitos de capitais, em 1985) teria levado aum aumento dos investimentos.

Sob o nosso ponto de vista, mesmo quepossamos aceitar o primeiro pressuposto, emboracom ressalvas, não podemos concordar com osegundo. Políticas são implementadas por técnicosque retiram seu poder tanto do conhecimentotécnico e do funcionamento da máquina estatalquanto de vínculos que estabelecem com políticoseleitos. Os políticos necessitam desses técnicos(e de seus saberes) para realizar bons governos,independente de suas diretrizes de política, poismesmo o mais maximizador dos políticos precisadas organizações do Estado e de seus funcionáriospara implementar algo. Por essa razão, o modelodo vínculo eleitoral ilumina um importantemecanismo presente no comportamento de umimportante ator, mas não consegue prever as açõesdo Estado.

Assim, mesmo em nível teórico, a existênciade vínculos mecânicos entre eleições einvestimentos deve ser afastada. Isso é corro-borado pelas informações empíricas descritas aseguir. Entretanto, como veremos, podemos tirarproveito analítico do cálculo político dos gover-nantes, assim como da mudança de regimepolítico, se o mediarmos e associarmos a outrosprocessos. Em Marques (2000), mostramos ainsuficiência desses mecanismos como elementoscausais isolados das ações estatais locais. Aqueleestudo demonstrou a existência de significativosinvestimentos em saneamento nas periferiascariocas no final dos anos 1970. Esses não podemser creditados a conflitos, já que precederam aorganização da população na região. O casocarioca ganha sentido se considerarmos a dinâmicainstitucional da então concessionária estatal dapolítica: a CEDAE. Essa empresa tinha sido criadaem 1975 pela fusão de três empresas estatais desaneamento distintas. O grupo que exerceu ahegemonia na fusão (originário da empresa deáguas da Guanabara – CEDAG), encarou a fusãocomo a incorporação de uma periferia totalmentedesassistida (a Baixada Fluminense) ao territórioda sua antiga concessão (o Município do Rio deJaneiro). Nos primeiros anos da concessão, uma

das diretrizes da política disse respeito a elevar opatamar do seu atendimento ao das periferias jáintegradas aos sistemas da CEDAG. Esses espaçoseram servidos precariamente, com padrõestecnológico e operacional inferiores, mas mesmoassim atendidos.

Na construção desse padrão inferior deatendimento merecem destaque duas dinâmicas.A primeira delas, desconsiderada pela literaturacrítica, diz respeito à motivação que leva ostécnicos estatais a expandir serviços públicos paraas periferias. Como nos lembraram recentementeos neoinstitucionalistas, a reprodução simples ouampliada dos burocratas depende dodesdobramento das políticas implementadas porseus órgãos (AMENTA & SKOCPOL, 1986).Assim, a expansão das políticas de infra-estruturapara novas fronteiras interessa a burocracias eagências, se consideramos simplesmente suasmotivações4.

Por outro lado, o conteúdo e a qualidade daspolíticas desenvolvidas nas periferias nos anos1970 foram limitados pela segunda dinâmica adestacar, também escassamente considerada pelaliteratura. Trata-se de um elemento constitutivoda cultura técnica da comunidade profissional, quedenominamos de “seletividade hierárquica daspolíticas” (MARQUES, 2000). Esse mecanismonão se origina das estruturas da sociedade, comoa “seletividade estrutural do Estado” do marxismoestruturalista, mas do “referencial” presente nosetor, no sentido de Jobert e Muller (1987). Esteexpressa o conjunto de idéias, crenças e visões desociedade, explícitas ou implícitas, comungadaspela maior parte dos membros da comunidadeprofissional das políticas urbanas. Esse conjuntode idéias influencia fortemente os enquadramentosdas políticas, fazendo que os conflitos que definemquem serão os beneficiários das políticas não sedêem apenas em torno das políticas propriamente

4 Um contra-argumento poderia ser a afirmação de que osprestadores não expandiam os serviços pelo baixo poderaquisitivo da população periférica, o que tornaria os sistemasna periferia não viáveis economicamente Essa hipótese,bastante difundida na literatura (e baseada em parte naliteratura estruturalista), não encontra fundamento empírico.A partir do final dos 1980, tanto as coberturas quanto astarifas dos serviços urbanos foram sistematicamenteaumentadas, e nem por isso os serviços enfrentaram problemasinsolúveis de inadimplência nas áreas metropolitanas.

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ditas, mas também a respeito de visões de mundo,do Estado e de suas ações.

Acreditamos que o referencial do setor e dasociedade predominante entre os engenheiros dossetores de infra-estrutura urbana considera queas prioridades estatais devem seguir a estruturasocial, oferecendo os serviços primeiro (e commelhor qualidade) para os grupos sociais maisricos e escolarizados. Essa visão é generalizada eestá certamente presente há muito tempo nestessetores de política, mesmo no setor saneamento(caso estudado no Rio de Janeiro), que inclui aspolíticas de infra-estrutura de maior impactosocial. A origem dessa visão talvez esteja, emprimeiro lugar, na matriz positivista da engenharianacional (FERREIRA, 1993), que a afastou dediscussões sobre política ou a associou, nomáximo, à promoção do “desenvolvimento”pensado de forma abstrata, acrítica, e certamenteideológica5. A isso se soma o fato da engenhariaconsiderar tradicionalmente a sua atividade comoa “transformação de sonhos em realidade” quandoage sobre “a matéria bruta e domina as forças danatureza”6. Trata-se de uma relação entre o gênioda técnica e a natureza indomada, sem a presençade nenhum elemento humano. Quando este éincluído, aparece da forma mais abstrata edesencarnada possível – como humanidade. Aparticular combinação do positivismo com aausência do campo do social levou historicamenteos engenheiros à construção de uma visão dasociedade e dos seus objetos de intervenção

extremamente tecnocrática e ingênua, terreno fértilpara vários tipos de conservadorismo. As cliva-gens existentes na sociedade, por exemplo entrericos e pobres, são encaradas tradicionalmentecomo elementos naturais e completamenteexternos ao objeto da sua prática profissional.Nessa visão, a intervenção em quaisquer dessasordens “naturais” obviamente não deve fazer partedas atividades dos engenheiros.

Essas características foram todas reforçadasdurante o regime militar, quando as políticasestatais tinham-nas como ponto de partida. Nessesentido, talvez o mais importante efeito dasmobilizações populares e dos movimentos sociaisde período recente tenha sido alterar, através desuas lutas, os patamares de direitos reconhecidossocialmente. Esse deslocamento no conjuntomínimo de serviços e bens sancionado pelasociedade como justo certamente influenciou oreferencial dos engenheiros, mesmo queindiretamente. Entretanto, a seletividade hierárquicaainda está presente hoje nas políticas, tanto pormotivos geracionais e pelo caráter relativamenteconservador da comunidade dos engenheiros,quanto pela inércia das organizações estatais nasquais ela se inscreveu ao longo do tempo.

Com relação ao vínculo eleitoral, as políticasdo Rio de Janeiro estudadas por Marques (2000)apontaram resultados similares aos apresentadosneste artigo. Aquela pesquisa não encontrou umarelação estatística significativa entre anos deeleições, em vários níveis (ou anteriores a pleitos),e volumes de investimentos em saneamento. Aausência de uma relação direta entre esses proces-sos não significa que a existência de eleições livrese regulares não esteja correlacionada com níveismais altos de gastos sociais, ou com maior respon-sabilização política dos governantes pelos gover-nados, em um sentido mais geral. Como veremos,a questão do regime político, entendido como oconjunto de regras que estruturam a luta pelo poder,é extremamente importante, principalmente pelaconformação do ambiente político no qual estãoinseridos os atores.

A independência entre investimentos e eleiçõestambém não impede a existência de obras

5 É interessante observar que os engenheiros representaramum papel importante na montagem do Estado brasileiro,participando com destaque, inclusive, de inúmerosministérios importantes na primeira metade do século XX(GOMES, 1994). Além disso, inúmeros políticos de expressãonacional se formaram em engenharia, embora não tenhamexercido a profissão. Contudo, a visão predominante nacomunidade é de que os engenheiros nunca, ou quase nunca,fizeram ou se envolveram com política.

6 A primeira referência é originária de um poema de autoriado Eng. Billings, principal executivo da Light and Power nasprimeiras décadas do século, intitulado Profissão de fé doengenheiro. Os versos começam com: “Tiro partido da visãoque me traz o devaneio. Aplico num passe de mágica, ciênciae matemática” e termina com “Eu sou o engenheiro. Eusirvo à humanidade, transformando sonhos em realidade”(Billings, apud TELLES, 1984). A segunda referência é oriundade um editorial da revista O engenheiro de 1955 (idem, p. 724).

7 Cf. Marques (2000) sobre o segundo programa carioca defavelas, por exemplo.

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realizadas com objetivos eleitorais, especialmenteem áreas de baixa renda7. A independência entreos processos indica apenas que as obras “eleito-rais” não são predominantes nas ações deorganizações estatais complexas, como asorganizações locais de cidades grandes como oRio de Janeiro e São Paulo.

Observemos agora de que forma os investi-mentos em São Paulo confirmam essas hipóteses.

IV. OS INVESTIMENTOS DA SECRETARIADE VIA PÚBLICAS

A Secretaria de Vias Públicas é um dosprincipais órgãos da Prefeitura paulistana. Suaimportância se expressa, primeiramente, pela suahistórica influência na estruturação do espaçopaulistano8. Além disso, sua importância seexpressa pela sua centralidade nos projetospolíticos de vários Prefeitos do período, tanto pelarealização de obras de visibilidade, quanto peloselevados valores contratados que, como tem sidodocumentado pela imprensa, estão associados afinanciadores de campanha e esquemas decorrupção. No período estudado, as intervençõesda SVP consumiam 13% do orçamento municipal,chegando a totalizar 27% do gasto em 1993, oque correspondeu a cerca de R$ 2,5 bilhões (dedezembro de 1999)9.

Os investimentos analisados incluem 3 350contratos, além de aditamentos, retificações eaprovações de preços. Esses contratos foramvencidos por 355 empreiteiras, somando um valorglobal de 8,2 bilhões de reais. Uma parte expressivadesse valor foi repassado para a EmpresaMunicipal de Urbanização (EMURB)10, que apartir do repasse contratou obras e serviços comempresas privadas. Infelizmente, para esseconjunto de recursos (cerca de R$ 3,5 bilhões,

42% dos investimentos), não contamos, até omomento, com informações que permitamcaracterizar detalhadamente as intervençõescontratadas. Por essa razão o presente artigoanalisa apenas os investimentos contratadosdiretamente pela Secretaria.

Entretanto, podemos tecer algumas conside-rações sobre essas inversões realizadas através daEMURB a partir de dados agregados, de modo aavaliar o efeito que as informações teriam emnossas conclusões, se já estivessem disponíveis.Quase a totalidade dos repasses para a EMURBocorreu em quatro governos: R$ 940 milhões naadministração Reynaldo de Barros, R$ 945 milhõesno governo Jânio Quadros, R$ 1,3 bilhão naadministração Maluf e cerca de R$ 200 milhõesna administração Celso Pitta. Esses recursosforam utilizados em obras de grande vulto,contratadas com empreiteiras de grande porte,tendo sido intensamente aditadas. Como veremosa seguir, os demais contratos apontam as mesmascaracterísticas como altamente representativasdesses governos. Em termos espaciais, por outrolado, a maior parte desses repasses foi utilizadaem obras na região habitada pelos grupos sociaisde maior renda e escolaridade11. Como veremosna próxima seção, esse padrão espacial deinvestimento também é característico dos demaiscontratos dos governos citados acima. Portanto,caso as informações sobre esses contratosrealizados através da EMURB estivessemdisponíveis, as tendências gerais por administraçãoobservadas no restante do texto não sofreriamalteração significativa, ou, se o sofressem, astendências observadas se tornariam ainda maisintensas.

Embora a dinâmica temporal dos investimentosseja analisada detalhadamente em Marques e Bichir(2001), é relevante resumir aqui os resultados.Naquele trabalho analisamos os condicionantesdos investimentos anuais, comparando o perfil de

8 Vários técnicos e gestores oriundos da Secretaria tiveramgrande importância na estruturação do urbanismo paulistano(LEME, 1991; 1999; SIMÕES JR., 1991; OSTROWSKI,1989). Para uma rápida história institucional do órgão, verMarques e Bichir (2001).

9 Essa é a data de referência da pesquisa (e deste artigo),para a qual foram transportados todos os valores, depois deconvertidos e atualizados financeiramente.

10 Trata-se de uma empresa pública criada nos anos 1970para gerenciar obras e serviços de engenharia para a Prefeiturapaulistana.

11 Estão incluídas na lista dos contratos realizados com osrepasses para a EMURB: 1) Túnel sob o rio Rinheiros ecomplementos (zona sudoeste); 2) túneis sob a av. SantoAmaro e Parque do Ibirapuera e complementos (zonasudoeste); 3) mini-anel viário e obras associadas (zonasudeste); 4) estrada Jacu-Pêssego e obras associadas (zonaleste); 5) Águas Espraiadas e obras complementares (zonasudoeste); 6) Vale do Anhangabaú e obras associadas (centro).

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ESTADO E ESPAÇO URBANO

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inversões com o ciclo eleitoral, os recursos anuaisdo orçamento e variáveis políticas. Confirmandoos resultados de Marques (2000) para o Rio deJaneiro, os dados mostram uma completaindependência dos investimentos com relação aociclo eleitoral, não havendo relação significativaestatisticamente, seja com eleições locais,nacionais ou anos pré-eleitorais.

Diferentemente, encontramos associaçõesentre os investimentos e o nível da receita daPrefeitura, a proporção do orçamento gasto na SVPe a inclinação ideológica do prefeito12. A primeirarelação é negativa, enquanto as duas seguintes sãopositivas13. O sentido da primeira relação éabsolutamente contra-intuitivo, embora a força darelação não seja muito grande, o que indica quedevemos considerar a relação com cautela14. Osnúmeros indicam que o nível de investimentos daSVP é maior quando os recursos da Prefeiturasão menores, o que desmonta qualquer explicaçãodos investimentos baseada na disponibilidade derecursos15. O fenômeno ainda será explorado norestante da pesquisa, mas adiantamos aqui ainterpretação com a qual estamos trabalhando. Arelação é inversa porque a SVP é estratégica paraa maior parte dos prefeitos do período e porque asua burocracia conseguiu imprimir um caráterinercial a seus gastos ao longo do tempo. Assim,

os elementos limitadores dos investimentos daSecretaria são apenas as escolhas políticas dosdirigentes e as dinâmicas internas ao processo dedecisão, ao contrário do restante da Prefeitura,que passa a poder gastar mais apenas quando ovolume de receitas se eleva.

As relações entre o volume de investimentos eas variáveis políticas são de mais fácilinterpretação, além de serem mais sólidas emtermos estatísticos. Ambas as variáveis indicamou relacionam-se com escolhas. A primeira delasé do eleitorado, que ao votar em candidatos dedireita ou esquerda pode prever o conjunto depolíticas que eles implementarão, uma vez nopoder. Restaria saber se as preferências de políticados eleitores são compatíveis com as políticasimplementadas, o que foge ao escopo destetrabalho16. De qualquer forma, está comprovadaa previsibilidade para o eleitor do conteúdo daspolíticas a partir dos posicionamentos políticosmais amplos dos candidatos na arena eleitoral,contrariamente ao que sustentam uma partesignificativa da literatura e o senso comumpredominante na sociedade. A segunda relaçãoencontrada demonstra a importância dosprocessos de escolha no Executivo, apenasparcialmente previsíveis a partir de posiciona-mentos ideológicos mais amplos: a proporção doorçamento que o Prefeito e seus secretários,consultados seus apoios no ambiente político maisamplo, repassam para a Secretaria17.

Como o perfil político-ideológico do Prefeitoé um dos condicionantes dos investimentos,devemos acompanhar detalhadamente ascaracterísticas das administrações municipais. Osdados mostram que Prefeitos de direita – Maluf,Reynaldo, Jânio, Pitta e Setúbal – caracterizam-se por grandes volumes de investimentosconcentrados em contratos de grande porte, que

12 Consideramos como de direita as administrações OlavoSetúbal, Reynaldo de Barros, Salim Curitati, Jânio Quadros,Paulo Maluf e Celso Pitta (da Arena, PDS, PTB, PPB ePTN, respectivamente) e não de direita Mário Covas e LuízaErundina (do PMDB e do PT). As três variáveisconjuntamente explicam cerca de 62% da variância medidapelo r2. Os resultados são significativos a 99%.

13 Embora haja autocorrelação entre as três variáveisindependentes, as correlações sofrem um efeito muitopequeno pelo seu controle. Para informações estatísticasmais detalhadas, ver Marques e Bichir (2001).

14 Embora a correlação parcial entre os investimentos e oorçamento ainda seja de 0,55, quando controlada pelaclivagem direita/esquerda e pela proporção da SVP noorçamento, o intervalo de confiança do coeficiente destavariável em uma regressão multivariada quase toca o valorzero, variando de 0,044 a 0,005.

15 Esse resultado também deve ser considerado com cautelapela ausência dos investimentos da EMURB. Como aconfiabilidade da relação não é muito grande, o resultadopode desaparecer quando incluirmos os dados dos contratosrealizados através da EMURB.

16 Para isso seria necessário comparar informações a respeitodas preferências de política das parcelas do eleitorado quevotam em candidatos de diferentes inclinações ideológicas eas políticas implementadas por estes, em uma linha maispróxima ao excelente artigo de Soares (2000) do que daadotada aqui.

17 Vale destacar que ambas as variáveis comprovam umacomplexidade e uma heterogeneidade do Estadoincompatíveis com a maior parte da literatura de estudosurbanos.

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tenderam a ser aditados de maneira intensa, comvalores elevados de aditamentos individuais, na suamaioria excedendo os limites legais e acom-panhados de dispensas de licitação de valores muitoelevados. O capital médio das empreiteiras ven-cedoras nessas administrações também é sistemati-camente superior. O governo Curiati apresenta ca-racterísticas próximas a estes governos, mas comparticularidades que talvez se originem do seucaráter efêmero (permaneceu apenas 12 mesesno cargo). No outro extremo temos os governosCovas e Erundina, ambos com gastos anuaisinferiores, volumes significativos de obras peque-nas e médias pouco aditadas, que foram vencidaspredominantemente por empresas de menor porte.Pode-se afirmar, portanto, que prefeitos de direitae não direita diferenciam-se bastante quanto àforma de implementação de suas políticas, apesardas diferenças entre os administradores de cadagrupo (MARQUES & BICHIR, 2001).

O próximo elemento analisado diz respeito àconcentração das vitórias nas licitações. Os re-sultados permitem uma comparação direta comos obtidos por Marques (2000) para as políticascariocas. A política da SVP caracteriza-se por umpadrão muito fechado de vencedores, ainda maisrestrito que o já concentrado padrão carioca. Nocaso de São Paulo, a concentração nas 5 e 20%maiores vencedoras foi muito grande entre 1978e 1993 (e sempre maior no primeiro grupo que nosegundo), exceto pelos dois momentos em que aPrefeitura foi ocupada por prefeitos não de direita.A partir de 1994 (com governos de direta), aconcentração dos 5% maiores caiu, mas a fatiadas 50% menores a acompanhou, apontando parauma elevação da concentração em empresas demédias a grandes.

Esse padrão de concentração atenua-se apenasnos momentos de grande oferta de recursos,quando a diversidade das empresas vencedorasaumenta. Isso indica que apenas quando os ganhosdas maiores estão garantidos, as empresas daperiferia do mercado de obras públicas conseguemaumentar a sua proporção de vitórias. Esse resulta-do é idêntico ao encontrado em Marques (2000),e confirma a hipótese desenvolvida ali com relaçãoà existência de uma estruturação hierárquica domercado de obras públicas, com frações dominan-tes que abocanham a maior parte dos contratos (eprovavelmente apresentam maior lucratividade),e frações periféricas (quase certamente subordina-das no jogo do poder entre as empresas privadas),

que sobrevivem das “sobras” do mercado, quandoa oferta aumenta18.

Isso explica porque a distância entre aconcentração de vitórias de governos de direita enão de direita é menor do que a diferença dosdemais conteúdos já citados: as administrações demaior concentração de vitórias foram as de Pitta,Curiati, Reynaldo e Jânio, e os governos de menorconcentração foram os de Covas, Setúbal,Erundina e Maluf. Como são os governos de direitaque mais investem, e é nos momentos deabundância de recursos que as empresas nãocentrais no mercado conseguem aumentar a suafatia, governos de direita com padrãoextremamente concentrado de política, como aadministração Maluf (grandes investimentos empoucos contratos altamente aditados), aparecemem posição de maior dispersão de vitórias que seuspares.

Esses mecanismos são interessantes, nãoapenas analiticamente, mas em termos normativos,pois indicam a complexidade dos processospolíticos que operam no setor e demonstram asdificuldades em se democratizar as vitórias emlicitações. Não basta o interesse de desconcentrarvitórias por parte dos decisores públicos não dedireita19, já que a concentração se definesimultaneamente dentro do Estado e no interiordo setor privado, entre os empreiteiros. Assim,

18 Vale destacar o paralelo entre esse mecanismo e a hipóteseexpressa anteriormente com relação aos gastos dasSecretarias. Caso a hipótese esteja correta, haveria tambémnaquele caso uma hierarquia de agências na Prefeitura: aSVP, pelo seu peso político e pela capacidade de suaburocracia gastar, teria a sua fatia mínima assegurada,sobrando para as outras Secretarias um “resto” do orçamento,passível de elevação apenas quando a receita aumentasse.Essa lógica seria revertida apenas parcialmente quando oPrefeito pertencesse a um partido não de direita, já queapenas uma parte da correlação entre investimentos e fatiado orçamento gasto na SVP é explicada pela autocorrelaçãodessa última variável com a inclinação político-ideológicado Prefeito.

19 Podemos aceitar a existência desse interesse pelo discurso“nativo” de técnicos de destaque de governos não de direita,mas também pela posição estratégica ocupada por taisdecisores no jogo político: operando em um setor dehegemonizado pela direita (e que representa em grande parteo apoio financeiro de suas campanhas), as administraçõesnão de direita têm todo o interesse em transformar o campode poder do setor à medida que operam a política.

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alguns momentos podem ser marcados simulta-neamente pela concentração de vitórias e pelaimplementação de mecanismos democratizadoresdas licitações, por exemplo reduzindo capitaismínimos e outros “dirigismos”20. Isso aconteceriasempre que existisse um pequeno volume derecursos disponível em contratos, assim comoquando os atores hegemônicos do setor privadojogarem contra a política. Esses momentos sãocaracterísticos de administrações não de direita epodem ser marcados pela ocorrência de “grevesdo capital” contratista, no sentido de Block (1981).Como atestam entrevistas, essa situação caracte-rizou o início da administração Erundina.

As informações indicam ainda que a dinâmicada concentração das licitações da SVP tambémsofre a influência da legislação sobre licitações,como já verificado por Marques (2000). Aconcentração tendeu a ficar estável entre 1978 e1986, havendo uma tendência nítida de descon-centração a partir daquele ano, quando se promul-gou a primeira legislação federal sobre licitações.A próxima mudança do perfil de concentraçãoocorreu a partir de 1993, quando se promulgouum novo quadro legal sobre licitações e contratosdo setor público. O efeito dessa vez foi o aumentoda concentração, confirmando aparentemente ahipótese dos que sustentavam, à época, que ocaráter muito restritivo da nova legislação elitizariao mercado. O impressionante paralelismo entre oRio de Janeiro e São Paulo nos dois momentos demudança do quadro legal não deixa dúvidas deque o fenômeno interveniente é de naturezanacional e institucional (MARQUES, 2000, p. 197;MARQUES & BICHIR, 2001)21.

V. INVESTIMENTOS NO ESPAÇO

Para analisarmos os investimentos no espaço,necessitávamos de uma base espacial queordenasse a sua distribuição. Essa etapa

metodológica é necessária pela existência napesquisa de alguns milhares de contratos comabrangências espaciais distintas. Algumas dessascontratações incidem sobre espaços limitados eoutras atingem regiões inteiras da cidade, cujavisualização simultânea é virtualmente impossívelsem alguma forma de agregação e consolidação.Escolhemos construir uma base espacialespecialmente para o estudo, partindo da agregaçãode espaços pelas características sócio-econômicasdas suas populações, seguindo as recomendaçõesde Marques (1998). Esse procedimento tem porobjetivo escapar dos problemas metodológicos queadviriam da utilização de um modelo pré-concebidode distribuição dos grupos sociais no espaço,como um modelo radial-concêntrico, ao longo deeixos de transporte ou em setores circulares,induzindo o resultado final pela forma de agruparas informações. Os espaços descritos a seguir nãosão homogêneos socialmente, o que seria neces-sário para analisar a distribuição da estrutura socialno espaço. Entretanto, como a base é utilizada aquicomo mero passo metodológico para o estudo dosinvestimentos, podemos considerar que nossosespaços delimitam áreas de característicassuficientemente similares.

V.1. A BASE ESPACIAL

Para a construção da base espacial, partimosde informações sócio-econômicas disponíveis pelapesquisa de origem-destino (OD) de 1997 daCompanhia do Metrô. As informações foramagrupadas nos 96 distritos censitários utilizadospelo IBGE em 1991, usando para tanto ferramentasde Sistema de Informações Geográficas22.

Na construção da base, foram utilizadas asvariáveis que se encontram descritas no AnexoMetodológico, presentes na pesquisa OD ou obtidaspor manipulações algébricas a partir das variáveisda pesquisa, incluído informações referentes aestrutura etária, migração, ocupação, escolaridade,renda, estabilidade do vínculo empregatício e setorde atividade.

As informações dos distritos foram submetidasà análise fatorial por componentes principais,sendo utilizados os três primeiros fatores. Osfatores apresentam a seguinte descrição:

20 Para uma análise política dos vícios em licitações, verMarques (2000, cap. 5).

21 O coeficiente de correlação entre as duas curvas é de0,54, significativo a 5%, mas deixa de ser significativoquando controlado pelo tempo. As correlações entre as curvase o tempo (medido em anos) não são significativas entre oinício do período e 1986, mas entre 1986 e o final do períodosão significativas a 99% e iguais a -0,785 (SVP) e -0,562(CEDAE).

22 Para maiores detalhes, ver o anexo metodológico ao finaldo artigo.

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a) fator 1: Elitização (separa unidades compopulações nos extremos da estrutura social): épositivamente correlacionado com alta renda eescolaridade, idade média, presença de aposentadose pensionistas, emprego estável (ocupaçãoconstante e carteira assinada), especialmente nosetor de serviços creditícios e financeiros;profissionais liberais e empregadores; alta pro-porção de domicílios alugados, e é negativamentecorrelacionado com mão de obra industrial e daconstrução civil.

b) fator 2: Consolidação do distrito (separaunidades consolidadas de unidades de ocupaçãomais recente e de população jovem e em cres-cimento): é positivamente correlacionado comidade média, aposentados e pensionistas, mão deobra no setor de serviços, particularmente no setorde serviços creditícios e financeiros e ne-gativamente correlacionado com imigraçãorecente.

c) fator 3: Ocupação central (separa unidades compopulação precariamente inserida no mercado detrabalho, onde a ocupação segundo o modeloperiférico de produção do espaço não está pre-sente). O fator separa basicamente as unidadesdo centro da cidade de todas as demais, sendopositivamente correlacionado com domicíliosalugados, mão de obra no comércio, trabalhadoresautônomos, primeiro grau completo e negati-vamente correlacionado com mão de obra naconstrução civil e na agricultura.

Os Mapas 1, 2 e 3 a seguir apresentam adistribuição dos fatores por distrito. Comopodemos ver, a distribuição dos fatores apresentauma lógica espacial visível. O fator 1 apresentauma estrutura radial-concêntrica, embora nãoperfeita. Os fatores 2 e 3 apontam para fenômenosmais diretamente urbanos, sendo que o segundofator destaca basicamente os distritos de ocupaçãomais antiga e consolidada, e o terceiro separa asocupações mais centrais do restante da cidade23.

Mapa 1Distribuição do fator de elitização por distritos

23 Vale ressaltar que quase todas as variáveis de entrada daanálise fatorial se referiam a atributos da população moradorade cada local, e não do espaço em si. O fato de o resultadoapresentar um comportamento espacial regular apenascomprova a solidez da análise, assim como a relação entre osespaços da cidade e a estrutura social.

Mapa 2Distribuição do fator de consolidação por distrito

Legenda-10.00 to -0.72-0.72 to 0.000.00 to 1.121.12 to 10.00

Mapa 3Distribuição do fator de ocupação central

Legenda-10.00 to -1.00-1.00 to 0.000.00 to 1.001.00 to 10.00

Legenda-10.00 to -1.00-1.00 to 0.000.00 to 1.001.00 to 10.00

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alto no fator de elitização e valores médios baixosnos outros dois fatores.

O Mapa 4 a seguir apresenta a distribuição dosdistritos nos agrupamentos descritos acima. A suadistribuição tende ao radial-concêntrico, seguindoos fatores (Mapas 1 a 3). Os ricos se localizam asudoeste da área central e a classe média se distribuirelativamente ao seu redor. A classe média baixatende a se posicionar imediatamente a leste da áreacentral, embora existam distritos com conteúdossimilares a norte e a sul. Em uma coroa inter-mediária temos os distritos que alojam priorita-riamente pobres consolidados e, em uma coroaexterna a esses, os pobres em áreas recentes.

Esses três fatores foram submetidos à análisede cluster, que agregou os distritos em seis grupos,além de uma unidade isolada. Esta unidadeapresentou conteúdos muito diferentes de todasas demais, especialmente pela presença expressivade ocupados no setor agrícola – Marsilac, aunidade mais ao sul do Município. Por sertotalmente atípica e não apresentar especialinteresse para os investimentos e/ou para a política,a unidade foi retirada da análise. Os seis gruposde unidades foram caracterizados pelos seusfatores médios, representando o seguinte:

a) Grupo 1 – Centro (4 distritos, cerca de 150 milhabitantes). Esse é o único grupo construídopartindo não apenas dos conteúdos sociais dassuas unidades (todas com o fator de ocupaçãocentral muito alto), mas também das atividadesque lá ocorrem. Três das quatro unidades (Sé,Brás e Bom Retiro) apresentam conteúdos muitosimilares, e a quarta unidade (República) apresentaconteúdos sociais um pouco diferentes,especialmente pela presença de maior escolaridadee renda que as demais (fator de elitização elevado).Considerando que a importância desses espaçospara a cidade está muito mais relacionada com asatividades localizadas na região do que com a suapopulação, optamos por agregar as quatro unidadesem um único grupo.

b) Grupo 2 – Ricos (13 unidades, cerca de 1 milhãode habitantes). Esse grupo é caracterizado por umalto grau de elitização, uma vez que apresenta altovalor médio no fator de elitização e muito baixono fator de ocupação central.

c) Grupo 3 – Pobres em bairros consolidados (28unidades, cerca de 3 milhões de habitantes). Essecluster é caracterizado pela estabilidade daocupação e pela precária inserção social da suapopulação, uma vez que apresenta valor elevadono fator de consolidação e baixos valores médiosdos fatores de elitização e de ocupação central.

d) Grupo 4 – Classe média baixa (19 unidades,cerca de 1,5 milhão de habitantes). Valores altosno fator de consolidação do distrito e médios nofator de ocupação central.

e) Grupo 5 – Pobres em bairros recentes (18unidades, cerca de 2 milhões de habitantes).Apresenta valores baixos em todos os fatores, emespecial no de elitização.

f) Grupo 6 – Classe média (13 unidades, cerca de1 milhão de habitantes). Apresenta valor médio

Grupos de Distritos Rurais CentroTradicional Pobres em área rec. Pobres em área consol. Classe média baixa Classe média Ricos

Distribuição dos grupos de unidades – Municípiode São Paulo

V.2. DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DOS INVES-TIMENTOS POR ANOS (1978 A 1998)

A Tabela 1 seguir apresenta os investimentospor grupo. A distribuição espacial da política indicaque a maior proporção dos investimentos foidestinada aos espaços de pobres em bairros conso-lidados (R$ 12,2 mil per capita, cerca de 27% dototal), seguidos pelas áreas de classe média baixa(R$ 10,7 mil pc, 24%), classe média (R$9,2 milpc, 20%) e áreas de população pobre em bairrosrecentes (R$ 5,7 mil pc, 13%). Os menores inves-timentos per capita foram destinados para as áreascentrais e das classes altas, com aproximadamentea mesma participação (R$ 3,8 mil pc, tambémcerca de 8%). Essa distribuição dos investimentosentra em desacordo com a maior parte da literatura,para a qual as periferias, até recentemente, teriam

Mapa 4

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recebido muito menos investimentos per capitado que as áreas habitadas pela população de maiorriqueza.

Os investimentos também ocorrem antes doque considera a descrição clássica da literaturasobre as periferias, como podemos ver no Gráfico

1. Os investimentos em áreas pobres recentes fo-ram proporcionalmente os mais elevados entre1982 e 1985, enquanto que as áreas de pobresconsolidados recebem investimentos expressivosdesde 1978 (R$ 1 154,00 pc)24. Em termos per-centuais, os investimentos neste último setor ultra-passam 50% em 1989, 1990, 1993 e 1998.

Tabela 1Investimentos per capita por grupo de distritos e tipo de espaço (em reais de dezembro de 1999, porhabitante)

Fonte: Diários Oficiais do Município.

Gráfico 1Distribuição dos investimentos por tipo de espaço

Grupo Anos

1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 Total

Centrotradicional 216 596 142 282 16 1 0 0 433 594 991 - 13 1 0 2 26 116 47 - 8 - 3 484

Pobres embairros

recentes371 80 698 506 768 346 132 347 234 609 550 1 51 1 1 7 17 160 564 6 8 260 5 715

Pobres embairrosconsol.

1153 472 876 922 1245 129 155 433 837 1350 1021 16 522 33 9 136 149 634 1368 294 354 130 1 2227

Classemédia baixa 734 527 1022 730 649 634 41 368 1919 621 938 1 224 55 4 9 442 1280 392 28 89 52 10 759

Classemédia 442 1198 929 1532 810 79 14 103 437 227 156 3 29 51 8 23 32 455 1511 1077 80 49 9 245

Classe alta 810 212 250 171 50 47 13 57 73 328 318 8 179 4 12 67 181 630 236 38 93 35 3 811

Total 3726 3086 4214 4303 4678 1275 355 1316 3934 3729 3973 29 1019 145 34 244 846 3275 4118 1443 632 525 46 897

Espaçospolares Anos

1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 Total

Classesbaixas(pobre

recente econsol.)

1525 553 1574 1427 2012 475 287 779 1071 1959 1571 17 572 34 10 143 166 794 1932 300 362 390 17 942

Classesaltas

(alta emédia)

1252 1410 1179 1704 859 126 27 160 510 555 473 11 209 55 20 90 212 1085 1747 1115 173 84 13 056

24 Toda a questão dos investimentos poderia ser alteradacom a inclusão dos investimentos da EMURB, em especial a

-

200,00

400,00

600,00

800,00

1.000,00

1.200,00

1.400,00

1.600,00

1978

1980

1982

1984

1986

1988

1990

1992

1994

1996

1998

Anos

% d

o ga

sto

per c

apita

centro trad pobr. em bairro rec. pobr. em bairro cons..

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ESTADO E ESPAÇO URBANO

22

A precocidade dos investimentos nas periferiascolide com uma parte significativa da literatura.Ainda no regime militar, com eleições indiretas(para governadores) ou inexistentes (para Prefeitosde capitais) para os governos locais, as periferiasrecebiam investimentos vultosos, relativamente.As regiões mais beneficiadas foram as sul e leste,o que seria compatível com uma explicação ba-seada nos movimentos sociais. Essas regiões, deacordo com Gohn (1991), Jacobi (1989) e Sader(1988), abrigaram movimentos expressivos, em-bora localizados, já no início da década de 1970.Entretanto, como tomar mobilizações difusas edispersas – de clubes de mães a movimentos desaúde, passando por ocupações de terra e reivindi-cações de creches – como elemento explicativopara investimentos específicos em infra-estrutura,a maior parte deles localizados em outros bairrosda região? A compreensão mecânica do papel dosmovimentos não dá conta desses fenômenos. En-tretanto, se consideramos as mobilizações comoum dos elementos da mudança de ambiente polí-tico que emoldura a passagem do regime autoritáriopara o democrático, podemos obter maiores pro-gressos. Voltaremos a esse ponto mais adiante.

Por fim, vale dizer que não obtivemos resulta-dos significativos estaticamente de possíveis in-fluências, nos investimentos nos espaços polarese por grupo, da inclinação ideológica do Prefeito,do ciclo eleitoral, do orçamento na SVP e do orça-mento municipal.

Sumariando, podemos dizer que o perfil de in-

vestimentos nas periferias apresenta uma duplatendência. A primeira envolve investimentos emáreas periféricas de ocupação mais recente, nãomuito elevados, mas mesmo assim expressivos.Estes ocorrem mais cedo do que se considera co-mumente, alguns deles ainda durante o regime mi-litar, antes das eleições para governadores (1980,1981 e 1982) e quando movimentos urbanos ex-pressivos já haviam surgido e se encontravam ati-vos, mas ainda não haviam se estruturado em asso-ciações mais amplas25. A segunda tendência atingeespaços pobres de ocupação mais consolidada eenvolve investimentos mais altos, que se iniciammais tarde, especialmente na segunda metade dadécada de 1980.

As áreas habitadas predominantemente porgrupos sociais mais bem inseridos socialmentetambém acrescentam informações interessantes,como podemos ver na Tabela 1 e no Gráfico 2.As áreas de classe média baixa apresentam valoresper capita elevados em 1980 (R$ 1 022,00), 1986(R$ 1 919,00) e 1995 (R$ 1 279,55). Em termosrelativos, os seus anos mais expressivos foram1983 com 49,72% dos investimentos, 1986 com48,78% e 1994 com 52,19 %. Os investimentosper capita em espaços de classe média tambémvariaram bastante. Merece destaque o ano de 1997,em que 74,66% dos gastos foram empregadosnestas áreas (R$ 1 077,00 per capita). As áreasde classe alta, apesar de não serem tão significa-tivas ao longo de todo o período (baixos valoresper capita), receberam 27,8% dos investimentosem 1989, 34,33% em 1992 e 27,43% em 1993.

distribuição dos investimentos para todo o período e os per-fis de investimentos por espaço depois de 1987, quando seiniciaram os repasses para a EMURB. Entretanto, o conjuntode investimentos em espaços periféricos no início do períodonão seria alterado, nem em termos absolutos nem relativos.

25 Testamos a coincidência entre a localização dos inves-timentos nos bairros e o início das mobilizações mais impor-tante descritas pela literatura, mas não obtivemos resultadosminimamente sólidos.

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500,00

1.000,00

1.500,00

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2.500,00

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Anos

gast

o pe

r cap

ita

classe média baixa classe média classe alta

Gráfico 2Distribuição dos investimentos por tipo de espaço

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 16: 9-29 JUN. 2001

Podemos analisar com mais clareza a tendênciadistributiva das políticas observando dois espaçospolares socialmente. Em um primeiro podemosagregar as áreas de pobres em bairros consoli-dados e recentes, denominando o espaço de

“classes baixas”. Em um pólo oposto, denominadode “classes altas”, podemos reunir os dados dosespaços das classes média e alta. Os investimentosnestes espaços polares também foram incluídosna Tabela 1, assim como no Gráfico 3.

Tabela 2Investimentos por administração e grupos espaciais

Essas informações confirmam a precocidadedos investimentos nas periferias: as inversões percapita em espaços de classes baixas superam osem áreas de classes altas em 1978, de 1980 a 1990,em 1993, 1996 e 1998, sendo que em 1984 asclasses baixas receberam 80,9% dos investi-mentos. A partir de 1989 surge uma tendência àelevação dos gastos per capita em áreas de classesaltas, com picos significativos em 1992 (58,19%)e 1997 (77,29%).

Em termos estatísticos, usando testes de mé-dias, correlações parciais e regressões, não épossível sustentar a existência de qualquer relaçãoentre os investimentos anuais por espaço de um

lado e, de outro, a inclinação ideológica do prefeito,o ciclo eleitoral, a proporção do orçamento muni-cipal gasto na SVP ou o nível global desse mesmoorçamento. Se aplicarmos os mesmos tipos deanálise quantitativa às proporções dos investi-mentos nos dois espaços polares, também obtere-mos resultados não significativos estatisticamente.

V.3. DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DOS INVES-TIMENTOS POR ADMINISTRAÇÃO

A dinâmica temporal pode ser reorganizada poradministração, de modo a caracterizar os governosem termos distributivos. Essa informação éapresentada na Tabela 2 a seguir.

Fonte: Diários Oficiais do Município.

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60,00

80,00

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Anos

% d

o to

tal i

nves

tido

classes baixas classes altas

Gráfico 3Distribuição dos investimentos por espaço

Administrações

Grupos Setúbal % Reynaldo % Curiati % Covas % Jânio % Erundina % Maluf % Pitta % Total %

Pobres embairros

recentes451,5 6,6 1 710,2 14,7 481,6 20,2 592,7 28,3 1 392,8 11,9 53,9 4,4 748,22 8,82 273,04 10,50 5 715,26 12,2

Pobres embairros

consolidados1 625,8 23,9 2 619,1 22,6 495,9 20,8 629,9 30,1 3 207,6 27,6 579,4 47,3 2 287,33 26,96 778,17 29,93 12 226,94 26,1

Classe médiabaixa 1 261,6 18,5 2 180,7 18,8 632,8 26,5 617,9 29,6 3 477,6 29,9 284,2 23,2 2 122,19 25,02 168,78 6,49 10 758,72 22,9

Classe média 1 639,8 24,1 2 995,8 25,8 319,6 13,4 142,8 6,8 820,1 7,1 91,4 7,5 2 021,23 23,83 1 206,25 46,39 9 245,42 19,7

Classe alta 1 021,9 15,0 454,1 3,9 47,5 1,9 85,6 4,1 718,9 6,2 202,9 16,6 1 113,09 13,12 165,68 6,37 3 810,58 8,1

Centro 812,1 11,9 434,7 3,8 6,1 0,3 0,4 0,0 2 018,0 17,3 14,1 1,2 190,60 2,25 8,27 0,32 3 484,40 7,4

Total 6 812,7 100 11 604,2 100 2 385,5 100 2 091,4 100 11 635,0 100 1 225,9 100 8 482,65 100 2 600,19 100 46 896,57 100

Espaços

Classesbaixas 2 077,3 30,5 4 329,3 37,3 977,5 40,9 1 222,6 58,5 4 600,4 39,5 633,28 51,7 3 035,55 35,79 1 051,21 40,43 17 942,21 38,3

Classes altas 2 661,7 39,1 3 449,9 29,7 367,1 15,4 228,4 10,9 1 538,9 13,2 294,25 24,0 3 134,32 36,95 1 371,93 52,76 23 814,72 50,8

Classesmédias baixas 1 261,6 18,5 2 180,7 18,8 632,8 26,5 617,9 29,6 3 477,6 29,9 284,24 23,2 2 122,19 25,02 168,78 6,49 10 758,72 22,9

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ESTADO E ESPAÇO URBANO

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Como podemos ver, o governo Olavo Setúbalapresenta um certo equilíbrio na distribuição dosinvestimentos, com gastos em áreas de classemédia e de pobres em bairros consolidados, comcerca de 24%, e classe média baixa e classe alta,entre 15 e 20%. Comparativamente, a suaadministração destacou-se pela elevada proporçãode investimentos para classe alta.

A administração de Reynaldo de Barroscaracterizou-se pelo alto investimento em espaçosde classe média, áreas de pobres em bairrosconsolidados, ambos com mais de 20%, e pelosinvestimentos em áreas de classe média baixa, com19%. Reynaldo apresentou ainda baixosinvestimentos em áreas da classe alta e no centrotradicional.

A maior proporção de investimentos per capitada administração de Salim Curiati ocorreu nas áreasde classe média baixa (26,5%). Sua curtaadministração caracterizou-se também pelosinvestimentos em áreas de pobres recentes econsolidados (em torno de 20%).

A administração Covas destacou-se por seucaráter redistributivo, com elevadas proporçõesdos investimentos destinados às periferias. Nessegoverno, cerca de 30% dos investimentos forampara áreas de pobres consolidados e para espaçosde classe média baixa e 28% para áreas de pobresem bairros recentes.

O centro tradicional recebeu os maioresinvestimentos relativos na administração JânioQuadros: 17,3%, R$ 2 018,00 pc. O governo deJânio também apresentou significativosinvestimentos pc em áreas de classe média baixae em áreas de pobres em bairros consolidados(entre R$ 3 000,00 e R$ 3 500,00 pc).

A exemplo do governo Covas, a administraçãoErundina destacou-se por um padrão distributivode inversões, com os maiores investimentosrelativos em áreas habitadas por pobres em bairrosconsolidados (47,3%). Os investimentos emespaços de classe média baixa também forambastante expressivos (23,2%, R$ 284,00 pc).

Os maiores investimentos per capita emespaços de ricos encontram-se na administraçãoMaluf (R$ 1 113,00 pc). A administração Malufapresenta percentagens equilibradas deinvestimentos em áreas de pobres consolidados(26,96%), em espaços de classe média baixa(25,0%), e em áreas de classe média (23,8%).

Considerando que essa administração apresentouelevados volumes de repasses para a EMURB(cerca de R$ 1,3 bilhão, 38% do total dosrepasses), e que sabemos que a maior parte dessesrecursos foi usada na região sudoeste, ocupadapredominantemente por ricos e classe média (verMapa 1), a concentração de seus investimentosem áreas de ricos seria ainda maior se tivéssemosacesso às obras da EMURB.

Por fim, a administração Pitta pode sercaracterizada pelos maiores investimentos relativosem áreas habitadas pela classe média: 46,4%, R$1 206,00 pc. Em segundo lugar, nos investimentosde Pitta, destacam-se os espaços de pobres embairros consolidados, com cerca de 30% do total,o que corresponde a R$ 778,00 pc.

A Tabela 2 também apresenta os investimentosnos espaços polares socialmente. Podemos ver quenas administrações Setúbal, Maluf e Pitta as áreasque receberam os maiores investimentos foramas das classes altas. Nas administrações Reynaldo,Jânio e Curiati, o espaço que individualmente maisrecebeu investimentos foi o das classes baixas,mas a soma das classes altas com o espaço daclasse média baixa ultrapassou o destinado àqueleprimeiro. No governo Reynaldo, os investimentosem classes altas superaram os da classe médiabaixa, enquanto no governo Jânio a classe médiabaixa recebeu uma proporção mais elevada. Essafoi a administração a investir mais nesse tipo deespaço, o que é coerente com os seus vínculoseleitorais. No governo Curiati, a diferença entreos investimentos para classes baixas e para outrosespaços é mais significativa que nas administraçõesanteriores. As gestões Covas e Erundina, por fim,também investiram mais em espaços habitadospelas classes baixas, mas esse tipo de espaçorecebeu mais do que o destinado aos demais espa-ços somados. Apenas nesses dois governos osinvestimentos nas classes baixas foram predomi-nantes, superando 50% do total investido, o quenos permite sustentar o seu caráter distributivo.

As proporções de investimentos nos espaços,portanto, demonstram mais uma vez a importânciado perfil político-ideológico do prefeito. Emtermos estatísticos, não há diferenças significativasdas proporções investida em áreas das classes altase média-baixas por administrações de direita e nãode direita. Entretanto, a análise quantitativa indicaa existência de proporções mais altas de inves-timento em espaços das classes baixas em go-

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vernos não de direita do que em governos dedireita26. Isso confirma a impressão predominanteda descrição dos investimentos por governoapresentada na seção anterior, além de corroborara clivagem ideológica entre governos baseada nabusca da equidade.

VI. CONCLUSÃO

Podemos agora revisitar os elementos explica-tivos discutidos no início do artigo, à luz dasinformações da Secretaria de Vias Públicas.

Um primeiro conjunto importante de conclu-sões refere-se aos condicionantes dos volumesanuais de investimento. Inicialmente, descobrimosuma ausência de ligação entre o perfil geral deinvestimentos da SVP e o ciclo eleitoral. Por outrolado, foi encontrada uma importante relação entreo perfil político-ideológico do administrador e seupadrão de investimentos. Os maiores investimen-tos tendem a acontecer em administrações contro-ladas por partidos de direita, que tendem a investirmais em grandes contratos de elevado valor unitá-rio, aditá-los em valores mais altos, inclusive acimados limites legais, assim como contratar empresasde capital médio mais elevado. Além disso, há umasólida tendência dos governantes não de direita ainvestir mais, proporcionalmente, em espaçoshabitados por grupos sociais de piores condiçõessociais do que os governantes de direita. Em am-bos os casos, estamos diante da relevância do cam-po da política.

Em segundo lugar, inúmeras questões rele-vantes relacionam-se com a descoberta de investi-mentos precoces nas periferias. A existência des-ses investimentos contraria a lógica do Estadocapturado pelos interesses do capital, elementodestacado especialmente pela literatura marxistade corte estruturalista. De uma forma mais ampla,a precocidade desses investimentos problematizaa aplicação direta do modelo do conflito, segundoo qual as alterações do comportamento estatalseriam derivadas de pressões políticas dos mo-vimentos sociais. Os investimentos indicam queáreas habitadas por pobres em bairros recentesforam mais beneficiadas no início do período

estudado, quando a articulação política de base jáestava ativa, embora fosse localizada no espaço edispersa nas suas demandas. Isoladamente, esseelemento pouco esclarece. Como explicar que osinvestimentos tenham sido direcionados para umbairro, ao invés de outro? Assim como no casodo vínculo eleitoral, esse elemento pode (e deve)ser usado na explicação dos investimentos, masde maneira não mecânica.

Propomos aqui um mecanismo mais complexo.Acreditamos que mobilizações incipientes tenhamlevado a ações estatais também incipientes, quepotencializaram as mobilizações em ações coletivasmais amplas. Mais do que produto da ação demovimentos dispersos, mas crescentes, nas peri-ferias, os investimentos estatais estão relacionadosà interação entre mobilizações e ação do Estado.

Vale destacar que, apesar dos investimentosprecoces nas periferias, as áreas de classe altareceberam, no conjunto do período, investimentosmais volumosos do que os espaços das classesbaixas. Isso demonstra que a existência de investi-mentos expressivos nas periferias não significanecessariamente a reversão da segregação sócio-espacial. Um elemento central na perpetuaçãodesse padrão está ligado à cultura técnica do setor,e diz respeito à seletividade hierárquica das políticasdescrita anteriormente.

A questão central a considerar é que se tratade um momento de mudança do cálculo políticodos ocupantes de cargos públicos, com o cresci-mento da importância do vínculo eleitoral27, e oaumento da relevância de políticas redistributivasna construção das carreiras políticas. A mudançado ambiente incide fortemente sobre a forma comose constrói a agenda da classe política e das elitesburocráticas, assim como sobre o seu conteúdo.Como os cálculos desses atores estão informadospor um referencial fortemente conservador ehierárquico, está aberto o caminho para deslo-camentos na ação do Estado, mas não para areversão completa da produção estatal de segre-gação sócio-espacial.

Portanto, ao contrário do elo causal conside-

27 Embora, no Brasil, o vínculo eleitoral nunca tenha sidoquebrado completamente, a sua importância no cálculopolítica das elites certamente se reduziu durante o regimemilitar.

26 Usando testes de médias, as médias e os desvios padrõesdas proporções dos investimentos de governos de direita enão de direita para classes baixas são, respectivamente: 37,4e 3,9% e 55,1 e 4,8%. A significância é de 0,2%.

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Eduardo Cesar Marques ([email protected]) é Mestre em Planejamento Urbano pela UniversidadeFederal do Rio de Janeiro (UFRJ), Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas(UNICAMP), Pesquisador da FAPESP no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP) eProfessor convidado no Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP).

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rado comumente, o início dos anos 1980 nãoassiste a um cenário no qual política (mobilizações)produz políticas (ações do Estado) (SKOCPOL,1992). Em um ambiente político em transformação(e abertura), com a expectativa da expansão daseleições como forma de ascensão ao poder estatal,e sob crescente pressão vinda de baixo, as políticasgeraram política, que gerou mais políticas.

Todos esses dados corroboram a complexidadedo processo decisório das políticas da Secretaria.Como indicam as entrevistas realizadas comtécnicos do setor, uma série de fatores, aparente-mente contraditórios, porém articulados, contri-

buem para a fixação das diretrizes de ação. Conju-gados com a visão da cidade (e da sociedade) decada administrador público, encontram-sedefinições técnicas de intervenção, prioridadestraçadas por burocratas, pressões populares,lobbies de empreiteiras interessadas na utilizaçãode certas soluções etc. O peso relativo de cadaum desses elementos na efetivação das políticas émuito diferenciado em cada administração, deacordo com o seu perfil político-ideológico e asdecisões no seu interior, o que mais uma vez indicaa importância da política na produção do espaço.

Recebido para publicação em 10 de maio de 2001.

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Para proceder à distribuição dos investimentos,usamos uma base espacial que agrega espaçoshabitados por grupos populacionais similares, sobo ponto de vista sócio-econômico, seguindo asrecomendações de Marques (1998). Esse proce-dimento tem por objetivo escapar dos problemasmetodológicos que adviriam da utilização de ummodelo pré-concebido de distribuição dos grupossociais no espaço, como um modelo radial-concêntrico ou uma estruturação em setorescirculares, induzindo o resultado pela forma deagrupar as informações.

Para a construção dessa base espacial, partimosde informações sócio-econômicas presentes napesquisa de origem-destino (OD), realizada pelaCompanhia do Metrô, em 1997. Essa pesquisa temas informações coletadas agrupadas pelas cha-madas “Zonas OD”, que, no interior do municípiode São Paulo, totalizam 393. Considerando queos investimentos estudados não permitem umalocalização de tão grande detalhe, essas zonas fo-ram reagrupadas nos 96 distritos censitários utiliza-dos pelo IBGE em 1991, utilizando para tanto umprograma de informações geográficas (Maptitude).

Foram utilizadas as seguintes variáveis, presen-tes na pesquisa OD ou obtidas por manipulaçõesalgébricas a partir das variáveis da pesquisa:proporção da população do distrito habitante emfavelas; idade média da população; informaçõessobre escolaridade – proporção da população semescolaridade, com primeiro grau incompleto ou

OUTRAS FONTES

DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DE SÃOPAULO. 1978-1999. São Paulo: ImprensaOficial do Estado de São Paulo.

Entrevistas com técnicos da SVP. Jul.2000-jan.2001.

ANEXO METODOLÓGICO: PRODUÇÃO DA BASE ESPACIAL

completo; com segundo grau completo ou cursosuperior completo; Informações sobre ocupação–; proporção da população do distrito com ocupa-ção constante; com ocupação eventual; aposenta-dos e pensionistas; não ocupados; informaçõessobre estabilidade do vínculo – assalariados semcarteira; assalariados com carteira; funcionáriospúblicos; autônomos; empregadores; profissionaisliberais; informações da mão de obra ocupada porsetor – agrícola, construção civil, indústria,comércio, serviços em geral, serviços creditíciose financeiros, e administração pública; renda médiada população do distrito, proporção da populaçãoque habita domicílios próprios; proporção dapopulação que ocupa domicílios alugados, pro-porção dos habitantes que chegou ao bairro amenos de 10 anos e que chegou ao município hámenos de 10 anos.

As informações das zonas foram entãosubmetidas a análise fatorial por componentesprincipais. Os sete primeiros fatores apresentaramautovalores superiores a 1, e os três primeirossuperiores a 2,5, verificando-se a partir daí umaqueda nas diferenças entre os autovalores. Oscoeficientes de correlação entre os fatores rotadose as variáveis originais indicam que os trêsprimeiros fatores representam as característicasdescritas no corpo do artigo.

Os três fatores foram submetidos a análise decluster, que agregou as unidades em seis grupos euma unidade isolada. Essa unidade – Marsilac –

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 16: 9-29 JUN. 2001

foi retirada da análise por ser atípica e nãoimportante para a análise.

Os seis grupos-unidade foram caracterizados

pelos seus fatores médios, apresentando osconteúdos já descritos no corpo do artigo.