ajuste fiscal no brasil

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O AJUSTE FISCAL NO BRASIL Rodrigo Dugnani Se não houver grandes mudanças no atual quadro eleitoral, os dois principais candidatos a presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, e Geraldo Alckimim, do PSDB, devem apresentar um discurso semelhante sobre a “melhor” e “mais adequada” política econômica para os próximos anos. A política econômica em questão deve ser uma espécie de continuidade de um projeto iniciado nos primeiros anos da década de 90, quando começaram as reduções gradativas das tarifas de importação durante, o curto mandato do ex- presidente Fernando Collor de Mello; seguida pela implantação do Plano Real, ainda durante o governo do ex-presidente Itamar Franco; plano este continuado e ajustado durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e mantido com alguns novos ajustes durante o atual mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Apesar da possibilidade de “mais do mesmo”, independente do vencedor das eleições presidenciais, uma das questões mais importantes a ser enfrentada pelo próximo mandatário diz respeito às necessidades de ajuste fiscal do governo. Entretanto, este tema espinhoso para o próximo presidente não deve ser tratado com a devida profundidade durante a campanha. O discurso do candidato a reeleição pelo PT, Luiz Inácio Lula da Silva, deve se encaminhar na tentativa de convencimento da população de que seu atual governo é comedido 1

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Análise crítica sobre ajuste fiscal

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Page 1: Ajuste Fiscal No Brasil

O AJUSTE FISCAL NO BRASIL

Rodrigo Dugnani

Se não houver grandes mudanças no atual quadro eleitoral, os dois principais

candidatos a presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, e Geraldo

Alckimim, do PSDB, devem apresentar um discurso semelhante sobre a “melhor” e

“mais adequada” política econômica para os próximos anos.

A política econômica em questão deve ser uma espécie de continuidade de

um projeto iniciado nos primeiros anos da década de 90, quando começaram as

reduções gradativas das tarifas de importação durante, o curto mandato do ex-

presidente Fernando Collor de Mello; seguida pela implantação do Plano Real, ainda

durante o governo do ex-presidente Itamar Franco; plano este continuado e ajustado

durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e mantido com

alguns novos ajustes durante o atual mandato do presidente Luiz Inácio Lula da

Silva.

Apesar da possibilidade de “mais do mesmo”, independente do vencedor das

eleições presidenciais, uma das questões mais importantes a ser enfrentada pelo

próximo mandatário diz respeito às necessidades de ajuste fiscal do governo.

Entretanto, este tema espinhoso para o próximo presidente não deve ser tratado

com a devida profundidade durante a campanha.

O discurso do candidato a reeleição pelo PT, Luiz Inácio Lula da Silva, deve

se encaminhar na tentativa de convencimento da população de que seu atual

governo é comedido nos gastos públicos a ponto de ter conseguido manter superávit

primário durante os quatro anos de seu mandato, contribuindo para a quitação de

grande parte da dívida externa brasileira. Já o candidato da oposição pelo PSDB,

Geraldo Alckimim, deve tentar desqualificar a capacidade administrativa do atual

presidente, indicando que a dívida pública interna brasileira se encontra em nível

elevadíssimo e que, independente do superávit primário, o governo tem colecionado

déficits nominais por ser gastador e ineficiente. Em resposta, Lula tentará diminuir o

discurso de Alckimim, dizendo ter recebido uma “herança maldita”, mostrando

índices que indiquem problemas fiscais desde 1994 até 2002, durante todo o

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mandato do governo anterior, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do

mesmo PSDB de Alckimim.

Independentemente do candidato que conquistar o posto de presidente, os

desafios econômicos para os próximos anos passam por temas como redução das

taxas de juros, desvalorização cambial, controle da inflação e ajustes fiscais. Este

último com relativo destaque, uma vez que é praticamente um consenso entre os

analistas econômicos que os atuais impasses da economia brasileira perpassam

pelo desequilíbrio fiscal do setor público.

O DILEMA DO SUPERÁVIT, DO AJUSTE FISCAL E DOS INVESTIMENTOS

A discussão sobre ajuste fiscal, que tem relação direta com o alcance dos

superávits primários, tem conquistado mais espaço entre os analistas econômicos e

dentro do próprio governo desde 2005.

Basta lembrar quando, em meados de novembro do ano passado, o Palácio

do Planalto foi palco de uma dura batalha entre dois ministros do governo Lula, que

debateram de forma acalorada suas posições a respeito do índice mais apropriado

de superávit primário da economia brasileira naquele ano. O “fogo amigo” se

deflagrou entre o ex-ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e a ministra da Casa

Civil, Dilma Roussef. De um lado, a posição do ministro Palocci em querer aumentar

o superávit primário de 4,25% do PIB (produto interno bruto) em 2005 para a casa

dos 6%. De outro, a idéia da ministra Dilma Roussef em manter o superavit primário

no patamar que havia sido estabelecido para esse ano, 4,25% do PIB.

Não há dúvidas que existe uma real necessidade do governo brasileiro em

enxugar os gastos públicos para reduzir os déficits nominais e conduzir a um ajuste

fiscal de longo prazo, para que seja possível alcançar o tão desejado déficit nominal

zero das contas públicas, idéias estas defendidas anteriormente por Antonio Palocci,

ainda no Ministério da Fazenda. Todavia, não restam dúvidas sobre a vital

importância do governo brasileiro em promover investimentos nas áreas sociais e de

infraestrutura, para que o país possa ter melhores condições de crescimento

econômico, visão que foi defendida por Dilma Roussef, no Ministério da Casa Civil.

Entretanto, a discussão deveria ir além do gastar ou não gastar. A questão é:

Como gastar?

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Em função de todos os problemas que envolvem a economia brasileira há

tantas gerações, o país passou por um processo crescente de endividamento,

principalmente após a crise do petróleo na década de 70, que culminou em uma

gigantesca dívida externa.

Para cumprir os compromissos da dívida – serviços e amortizações – o país

precisa crescer e ainda economizar recursos. Essa tarefa não é nada fácil,

principalmente para um país subdesenvolvido que almeja manter e acelerar o ritmo

de crescimento da economia.

Uma das maneiras do governo honrar seus compromissos se dá através do

estabelecimento de um superávit primário. Com ele, é possível reduzir aos poucos a

relação dívida/PIB, que em 2005 encerrou em cerca de 51,6% do produto interno

bruto. Entretanto, mesmo com sacrifício econômico e um superávit primário

considerado alto, o déficit nominal do governo foi elevado, fechando acima dos R$

40 bilhões ano passado.

A solução desse impasse se faz possível através da manutenção do superávit

primário e da redução do déficit nominal através de um ajuste fiscal. De preferência,

estes mecanismos devem ser aplicados de forma equilibrada. A manutenção do

superávit primário durante anos seguidos deve ser promovida sem exageros que

comprometam os investimentos, o mesmo deve acontecer em relação à redução do

déficit nominal.

É neste ponto de equilíbrio que se encontra a maior dificuldade, sendo

extremamente complexa a tarefa de economizar para honrar os compromissos e, ao

mesmo tempo, realizar investimentos necessários para o crescimento econômico.

Qual a solução? Economizar mais e gastar menos? Gastar mais com investimentos

para gerar mais crescimento econômico e aumento da arrecadação? Gastar ou não

gastar? Eis a questão.

Se o dilema a ser resolvido ficar entre as idéias de gastar ou não gastar, não

haverá solução. A questão a ser debatida dentro do governo é: Como gastar?

Segundo a avaliação do ex-diretor do Banco Central Gustavo Loyola, o que

se vê atualmente é uma sucessão de medidas equivocadas, cujo resultado tem sido

a piora simultânea do déficit público e da qualidade das despesas do governo. “Os

agentes econômicos fizeram do superávit primário de 4,25% o totem e o tabu da

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política fiscal. Totem porque consideram esse porcentual como único símbolo de

política fiscal responsável e de garantia de uma boa dinâmica da dívida pública.

Tabu porque o julgam intocável e inquestionável”, ressalta Loyola. Para o ex-diretor

do BC, o conceito mais relevante de desempenho fiscal é o de resultado nominal e

não o primário.

Para o economista Ilan Goldfajn, enquanto o Brasil caminha a passos largos

para abater a dívida externa e virar grau de investimento, o governo caminha na

direção oposta, aumentando o ritmo dos gastos a uma taxa de crescimento de 10%

ao ano acima da inflação. Esse ritmo, segundo o economista, é insustentável pois

em 10 anos a carga tributária alcançaria quase 60% do PIB ou, alternativamente, a

relação dívida/PIB atingiria os intoleráveis 140% do PIB.

O economista Rogério L. Furquim Wernek acredita que o principal desafio

com que hoje se defronta o País é conseguir reordenar e redimensionar a extração e

o uso dos recursos fiscais, que já correspondem a cerca de 40% do PIB. “Trata-se

de tarefa imensa que põe à prova a capacidade de ação coletiva da sociedade

brasileira”, comenta. “Terá o Brasil possibilidade de enfrentar com sucesso esse

desafio já a partir do próximo mandato presidencial? Está é a pergunta-chave que, a

menos de seis meses das eleições, vai se tornando cada vez mais importante”,

conclui o economista.

INVESTIMENTOS DE QUALIDADE

As pressões de certos setores do governo para que haja a liberação de mais

recursos para investimentos e a recusa da abertura dos cofres de maneira imediata

por parte da equipe do Ministério da Fazenda e do Planejamento, já podem ser

considerados indícios de amadurecimento da discussão sobre a necessidade de

ajuste fiscal e de promover gastos governamentais com mais qualidade, ainda mais

em se tratando de ano eleitoral. Fazer investimentos de qualquer maneira pode

parecer tentador, mas é uma atitude nada promissora.

A busca por um Estado eficiente passa pela discussão de como se promover

gastos públicos de maior valor agregado, numa relação verdadeira de

custo/benefício. Essa seria uma maneira harmoniosa de conduzir uma política fiscal

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e monetária que permitiria, inclusive, uma redução gradual das taxa de juros básicos

e o controle da inflação.

Com a melhoria da qualidade dos gastos públicos o governo poderia obter

maior resultado com a mesma quantia desembolsada, reduzir o déficit nominal e

também diminuir a necessidade de superávit primário muito elevado.

A maneira de se escolher os investimentos deve focar num retorno de longo

prazo. Para isso, o governo deve lançar mão de técnicas administrativas que

possibilitem decisões mais acertadas. Bons estudos preliminares de um projeto

podem ainda encurtar o tempo de sua realização.

Não adianta querer investir em projetos que não sejam realmente eficientes e

úteis. A falta de capacidade para executar planos, os obstáculos burocráticos e

judiciais e até mesmo a ausência de projetos em determinadas áreas são alguns dos

problemas relacionados à questão da ineficiência de investimentos de qualidade.

AMADURECIMENTO DO AJUSTE FISCAL

Além do embate sobre as metas de superávit primário ocorrido no final de

2005, o ex-Fazenda, Antonio Palocci, e a Ministra da Casa Civil, Dilma Roussef,

divergiram também em relação a divulgação por parte dos Ministérios do

Planejamento e da Fazenda de um plano de ajuste fiscal mais ambicioso para os

próximos anos, com o objetivo de reduzir de forma mais intensa a proporção entre a

dívida pública e o tamanho da economia. Na época, a ministra Dilma Roussef reagiu

de forma dura, classificando a proposta como rudimentar. “Isso é como enxugar

gelo”, disse na época.

Ao mesmo tempo em que alguns ministros insistem no aumento dos gastos

públicos, principalmente nesse momento em que os debates eleitorais de 2006

começam a se intensificar, membros dos ministérios do Planejamento e da Fazenda

– não necessariamente o atual ministro Guido Mantega – buscam a manutenção do

superávit primário em níveis elevados nos próximos anos como uma das formas de

reduzir a relação PIB/dívida pública. O governo aproveitou a Lei de Diretrizes

Orçamentárias (LDO) para indicar que a meta de superávit primário deve continuar

em 4,25% do PIB até 2009.

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Page 6: Ajuste Fiscal No Brasil

O economista da Mauá Investimentos, Caio Meghali, considera que a

indicação da manutenção da meta é positiva. Mesmo assim, Meghali afirma que,

mais do que a definição da meta de superávit primário, os investidores analisam a

sustentabilidade da meta. “No atual ritmo de crescimento das despesas, só será

possível cumprir essa meta daqui a algum tempo com o aumento da carga tributária,

o que a sociedade já não aceita. Mais interessante seria o governo falar em controle

do nível de gastos.”

Para a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

(OCDE), o governo brasileiro deve manter suas metas do superávit para honrar seus

compromissos em relação às suas dívidas. Em seu estudo semestral, “Perspectivas

Econômicas”, a OCDE afirma que o gerenciamento macroeconômico prudente

precisa continuar ancorando as expectativas do mercado. Para a entidade, a queda

da inflação abriu caminhos para o atual processo de declínio dos juros, e a meta

inflacionária para o fim deste ano poderá ser atingida. Para a OCDE, a performance

fiscal continua forte, beneficiando-se de vigorosa arrecadação, e uma queda maior

da relação dívida/PIB entre 2006 e 2007 é bastante desejável.

O ideal seria que houvesse competência de planejar e gastar bem os

escassos recursos que são liberados, e que não houvesse sacrifícios além do

considerado saudável para manter um superávit primário suficiente para honrar os

compromissos do país.

Mas a questão do ajuste fiscal como medida mais importante para o futuro da

política econômica não é uma unanimidade entre os economistas de todas as

correntes de pensamento.

Para o professor da Unicamp e especialista em política fiscal Francisco

Lopreato, a indicação para 2009 mostra que o governo está sendo coerente com a

política atual, cujo objetivo é reduzir a relação dívida/PIB com altos superávits. Mas,

para ele, o debate mais importante é se a saída para o problema fiscal e da dívida

está no mero corte de gastos ou na mudança do nível de juros.

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