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CENÁRIOS MACROECONÔMICOS E AJUSTE FISCAL: A ECONOMIA BRASILEIRA, 1996-2005 Regis Bonelli * INTRODUÇÃO Uma das conseqüências do processo de estabilização da economia brasileira, que se inicia com a implementação do Plano Real, é o aumento do grau de previsibilidade e do horizonte de planejamento tanto em nível micro- econômico quanto macroeconômico. Hoje, muito mais do que há dois ou três anos, parece viável quantificar e analisar aspectos da evolução futura da economia. Isso estimula a elaboração de estudos de caráter prospectivo e as tentativas de “pensar o longo prazo”, que haviam ficado encobertas ou invia- bilizadas pelas dificuldades de curto prazo que caracterizaram a economia brasileira de forma praticamente ininterrupta ao longo de pelo menos as du- as últimas décadas. Esse renovado esforço de imaginação pode ser auxilia- do pela construção de modelos. Em termos gerais, é possível distinguir duas vertentes principais de modelagem. Uma primeira baseia-se na construção de cenários com o míni- mo de base empírica necessário para prover consistência e credibilidade aos resultados. Uma segunda consiste em usar um modelo econométrico com- pleto. Dessa forma, seria possível dispor de mais informação e melhores respostas analíticas em relação às perspectivas de longo prazo da economia, explicitando-se os trade-offs relevantes e as opções de política econômica de forma teórica e empiricamente mais defensável. No entanto, a mudança no regime de política econômica observada no último par de anos, à qual se adicionam os efeitos da liberalização comer- cial e financeira da economia brasileira desde o começo da década de 90, faz com que seja difícil obter estimativas confiáveis dos parâmetros, elastici- dades e coeficientes que seriam requeridos para uma modelagem macroe- conômica abrangente, dado o pequeno número de observações disponíveis para estimação de modelos econométricos. A esse aspecto soma-se a co- nhecida defasagem na apuração e na divulgação de estatísticas primárias e de contabilidade nacional no Brasil. ______________ * Da Diretoria de Pesquisa do IPEA — Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Este traba- lho beneficiou-se da colaboração de Eduardo Fiuza e Robson Gonçalves e dos comentários de Armando Castelar Pinheiro, Eustáquio Reis e Fernando Rezende a uma versão anterior.

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CENÁRIOS MACROECONÔMICOS E AJUSTE FISCAL:

A ECONOMIA BRASILEIRA, 1996-2005

Regis Bonelli*

INTRODUÇÃO

Uma das conseqüências do processo de estabilização da economiabrasileira, que se inicia com a implementação do Plano Real, é o aumento dograu de previsibilidade e do horizonte de planejamento tanto em nível micro-econômico quanto macroeconômico. Hoje, muito mais do que há dois ou trêsanos, parece viável quantificar e analisar aspectos da evolução futura daeconomia. Isso estimula a elaboração de estudos de caráter prospectivo e astentativas de “pensar o longo prazo”, que haviam ficado encobertas ou invia-bilizadas pelas dificuldades de curto prazo que caracterizaram a economiabrasileira de forma praticamente ininterrupta ao longo de pelo menos as du-as últimas décadas. Esse renovado esforço de imaginação pode ser auxilia-do pela construção de modelos.

Em termos gerais, é possível distinguir duas vertentes principais demodelagem. Uma primeira baseia-se na construção de cenários com o míni-mo de base empírica necessário para prover consistência e credibilidade aosresultados. Uma segunda consiste em usar um modelo econométrico com-pleto. Dessa forma, seria possível dispor de mais informação e melhoresrespostas analíticas em relação às perspectivas de longo prazo da economia,explicitando-se os trade-offs relevantes e as opções de política econômicade forma teórica e empiricamente mais defensável.

No entanto, a mudança no regime de política econômica observadano último par de anos, à qual se adicionam os efeitos da liberalização comer-cial e financeira da economia brasileira desde o começo da década de 90,faz com que seja difícil obter estimativas confiáveis dos parâmetros, elastici-dades e coeficientes que seriam requeridos para uma modelagem macroe-conômica abrangente, dado o pequeno número de observações disponíveispara estimação de modelos econométricos. A esse aspecto soma-se a co-nhecida defasagem na apuração e na divulgação de estatísticas primárias ede contabilidade nacional no Brasil.

______________* Da Diretoria de Pesquisa do IPEA — Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Este traba-

lho beneficiou-se da colaboração de Eduardo Fiuza e Robson Gonçalves e dos comentáriosde Armando Castelar Pinheiro, Eustáquio Reis e Fernando Rezende a uma versão anterior.

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Uma forma de superar esse problema é pela construção de cenários.Essa técnica, relativamente pouco desenvolvida no Brasil no que diz respeitoà avaliação de cenários macroeconômicos de longo prazo, tem a vantagemde depender menos da estimação de modelos formais do que de métodosalternativos. Tem a desvantagem, por outro lado, de depender excessiva-mente do arbítrio de quem elabora os cenários e das hipóteses adotadas noque diz respeito às variáveis exógenas. Sua aceitação como instrumento deanálise, portanto, dependerá grandemente da credibilidade que consigaacumular a partir do realismo das hipóteses e da não violação da intuiçãoeconômica e senso comum do eventual leitor. Dependerá também da rele-vância e da oportunidade dos temas de política econômica envolvidos naanálise. A relação entre ajuste fiscal e equilíbrio macroeconômico enquadra-se perfeitamente nesse caso.

Nesse contexto, este trabalho discute dois cenários macroeconômicoscaracterizados por diferentes hipóteses de ajuste fiscal para a economia bra-sileira durante a década 1996-2005. Pretende-se, assim, relacionar dois te-mas da pauta corrente de política econômica: crescimento sustentado delongo prazo (a precondição do) e ajuste das contas públicas.

As projeções apresentadas procuram em alguma medida levar emconta a crítica à falta de formalização (ou excessiva arbitrariedade), freqüen-temente levantada em relação à técnica de cenários, ao estarem baseadasem um modelo econométrico — embora extremamente simplificado. Obvia-mente, não se pretende cobrir todas as áreas e variáveis relevantes. Comoem todo cenário, é necessário um considerável grau de arbítrio para o fe-chamento dos resultados. Espera-se, no entanto, não ferir demasiadamentea intuição econômica do leitor com as aproximações realizadas e as hipóte-ses adotadas.

A organização do trabalho é a seguinte. Na seção 1 apresentam-sebreves comentários sobre a construção de cenários e as variáveis relevantespara o crescimento de longo prazo. Na seção 2 discutem-se as perspectivasda economia mundial e a dificuldade de incorporar projeções do nível de ati-vidade internacional em um trabalho deste tipo. A partir daí sugere-se umaforma, extremamente simplificada, de lidar com essa questão para efeito doscenários apresentados. A seção 3 discute esquematicamente os dois cenári-os, enquanto as duas seções seguintes apresentam e detalham os resulta-dos. A seção 6 conclui o trabalho, e o Apêndice descreve brevemente o mo-delo utilizado.

1. A CONSTRUÇÃO DE CENÁRIOS DE LONGO PRAZO: REFLEXÕES

Entender os processos de crescimento econômico ou, melhor ainda,identificar as “forças motrizes” do crescimento econômico não é tarefa fácilnem teoricamente — como se depreende do debate teórico entre neoclássi-cos, novos teóricos e representantes de outras vertentes — nem a partir deexperiências nacionais específicas. Além disso, não é fácil projetar cenários

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de longo prazo para um país como o Brasil, no qual as transformações eco-nômicas vêm ocorrendo com impressionante rapidez.

Um problema estreitamente relacionado ao anterior é o de qual o pa-pel da política econômica na promoção do desenvolvimento. Se, como fre-qüentemente se alega, uma menor ingerência do governo sobre a atividadeeconômica tem sempre um resultado positivo para o crescimento, como in-duzir o sistema econômico a adotar determinadas ações e formatos instituci-onais que conduzam ao crescimento sem a ação direta do governo? Impos-sível não aceitar que cabe precisamente à política econômica governamentalo papel de orientar o sistema econômico na direção desejada. Mas qual é,precisamente, essa direção? Concretamente, o que é que os governos têmde fazer para promover o crescimento sustentado a longo prazo? Que papelcabe ao Estado brasileiro na promoção do crescimento em um contexto,além do mais marcado por profunda desigualdade econômica e social?

Do ponto de vista mais teórico, cabe notar que o conjunto das eco-nomias que mais cresce no mundo atualmente (processo que já dura déca-das, em alguns casos) é composto de um pequeno grupo de países de ex-cepcional desempenho macroeconômico no grupo dos países em desenvol-vimento. De forma alguma são países ricos. Em algumas teorias modernas,aliás, esperar-se-ia que esse desempenho favorável fosse típico dos paísesmais ricos. Por outro lado, as implicações da teoria neoclássica quanto àconvergência de renda per capita entre países sugerem que os países po-bres como um todo deveriam ter um desempenho melhor do que o dos ricos— o que não é absolutamente verdade, como se sabe. Versões teóricasmais modernas — e mais realistas — colocam as políticas econômicas e asinstituições no centro do palco, não esquecendo das questões da eficiênciacom que são usados os recursos e a dos desperdícios — isto é, a habilidadede usar correta e eficientemente os recursos disponíveis. Isso tudo é da mai-or relevância para a construção de cenários para o Brasil.

Uma idéia de como articular a discussão do crescimento de longoprazo é a de, heuristicamente, apoiar-se nos resultados dos estudos empíri-cos das chamadas “novas teorias do crescimento econômico”. Essencial-mente, o que os estudos empíricos nessa área postulam1 é a existência deuma relação entre, de um lado, a taxa de crescimento da renda ou produtoper capita e, de outro, um conjunto de variáveis (não tão exógenas quantogostaríamos) que são associadas ao crescimento da renda por habitante.Está explícita na teoria a idéia de causalidade — embora a “empiria” nãoseja capaz de distinguir entre causa e efeito, mas simplesmente identificar aassociação. Mas isto é só o que basta: que exista uma associação. Eviden-temente, num país em que as disparidades sociais são tão marcantes, comoo nosso, é preciso adicionar fatores que usualmente não fazem parte do rolde preocupações dos “novos teóricos”. Parte-se do pressuposto de que o______________1 Na realidade, esses estudos estão embasados em construções teóricas que demonstram

que o crescimento do produto real é endógeno, ou seja, a taxa de crescimento é gerada en-dogenamente nesses modelos.

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Estado brasileiro, após a implementação de reformas estruturais, tem condi-ções mínimas (e vontade política) de lidar com as questões de redução dasdesigualdades sociais.

A lista de variáveis mais relevantes nos modelos referidos inclui (deonde se vê que nenhuma é puramente exógena2):

1) Variáveis demográficas, pela sua influência sobre a evolução daforça de trabalho (urbana e rural) e perspectivas de emprego, sobre as ne-cessidades do sistema de seguridade social, e outros aspectos. São as maisexógenas das variáveis aqui contempladas.

Nos estudos empíricos, uma das variáveis demográficas mais impor-tantes é a expectativa de vida ao nascer. Note que as equações desses es-tudos não são para explicar o nível de renda per capita — em cujo caso aassociação com a expectativa de vida é mais óbvia, e não se sabe mesmo oque é exógeno — e sim a taxa de crescimento. Sugere-se que, além de indi-cador da boa qualidade da saúde da população, a expectativa de vida é umaproxy para características desejáveis em uma sociedade (melhores hábitosde trabalho e melhor skill da força de trabalho dado o nível de escolaridade).Outras variáveis usadas são a taxa de fertilidade e a própria taxa de cresci-mento populacional (ambas negativamente relacionadas ao crescimento).

2) Poupança e investimento: necessidades, produtividade, alocaçãosetorial, fontes, mecanismos de captação de poupança interna e externa sãoos temas principais, além do poder de indução da política governamental.A promoção da poupança doméstica é tarefa prioritária em todas as econo-mias em desenvolvimento. O sucesso dos tigres asiáticos tem sido atribuídoprecisamente às altas taxas de poupança e investimento — e o insucesso docaso mexicano na crise recente aos perigos de apoiar-se demasiadamenteem recursos externos voláteis para viabilizar o aumento da taxa de formaçãode capital.

Entre os fatores capazes de liberar recursos para investimento, espe-cial atenção tem sido dada aos esforços de eliminar o déficit do governoconsolidado, aspecto central à nossa preocupação neste trabalho. O papeldas taxas de juros é da maior relevância neste contexto. Taxas de juros reaisestão associadas à magnitude da poupança privada, em condições normaisde operação da economia. E embora a evidência em favor da existência derelação entre taxas de juros reais e poupança privada não esteja claramenteestabelecida para os países muito pobres, trabalho recente do FMI mostraque para os países em desenvolvimento, não tão pobres quanto os do grupodos subdesenvolvidos, existe uma relação positiva a longo prazo3.

Nos estudos empíricos, a variável relevante é a taxa bruta de investi-mento (público e privado). Observe-se, porém, que o efeito da causalidade

______________2 A variável endógena nos estudos empíricos é, na grande maioria dos casos, o crescimento

da renda per capita. Entre as explicativas destaca-se a própria renda per capita em algumano no passado (período base). Obviamente, essa associação não é o que interessa aqui.

3 Ver, a propósito, IMF Staff Papers, março de 1996, “Saving behavior in low — and middle-income developing countries: a comparison”.

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pode apontar na direção contrária: do crescimento para a taxa de investi-mento. De qualquer maneira, a associação existe e é importante. Outro temapara o qual não há consenso é o da dicotomia investimento público versusinvestimento privado: não é claro se predomina o papel de complementari-dade ou o efeito de crowding out.

3) Variáveis educacionais, refletindo o capital humano, treinamento epreparação da mão-de-obra; têm enorme impacto sobre a questão das pers-pectivas de evolução do emprego e da incorporação de tecnologia. Todos osestudos enfatizam a necessidade de políticas educacionais e tecnológicas, amaioria destacando o papel do setor público nesse contexto.4

4) Necessidades em termos de infra-estrutura econômica: a discussãoteórica inclui propostas no que toca a setores, ao papel da privatização e dasconcessões e ao papel do investimento público. No nosso caso, é uma dasáreas de maior interesse, inclusive pelas implicações quanto à redução docusto Brasil e melhoria de eficiência sistêmica.

5) Papel do Estado na provisão de infra-estrutura social: educação,saúde, saneamento, habitação (têm imbricações com privatização e conces-sões de serviços públicos). No Brasil, além disso, este tema envolve ques-tões complexas de articulação e divisão de encargos entre os três níveis degoverno (Federação, estados e municípios).

6) Variáveis relacionadas às reformas institucionais: todos os estudosteóricos e empíricos enfatizam a necessidade de funcionamento adequadode instituições e mercados como precondição (ou condição simultânea) parao crescimento sustentado. Nesse sentido, os pontos fundamentais são pro-postas de reforma do mercado de trabalho, privatização e política de con-cessões, política de desenvolvimento regional, política industrial e de comér-cio exterior, incluindo as necessidades de desregulamentação, por um lado,e ações positivas de regulação, defesa da concorrência e defesa comercial,por outro.

7) O gasto corrente do governo (deduzido o gasto com educação):nos estudos empíricos, a participação do consumo do governo no produto éuma das poucas variáveis negativamente relacionadas à taxa de crescimentoda renda per capita. Em geral, o crescimento econômico depende negativa-mente de variáveis que refletem o tamanho e as distorções introduzidas pelogoverno. A única exceção é o dispêndio em educação por parte do governo.

8) Os termos de troca (variação dos): influência nítida sobre a capaci-dade para importar, uma das variáveis de maior impacto sobre o crescimen-to. Em que medida o crescimento econômico pode ser acelerado por umamelhoria (construída) nos termos de intercâmbio? E como consegui-la? Além

______________4 Nos estudos empíricos, as variáveis educacionais mais importantes são o número médio de

anos de escola secundária e superior, tanto de homens quanto de mulheres, em períodospassados. A variável relacionada à educação primária não tem relação com os diferenciaisde crescimento entre países. Outra variável relevante é o gasto educacional do governo emrelação ao produto agregado. Sugere-se nos estudos empíricos que ele é uma proxy para aqualidade da educação.

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disso, alguns estudos também incluem as tarifas médias de importação so-bre bens de capital e intermediários e barreiras não tarifárias como variáveisdo setor externo. A associação estatística dessas variáveis com o cresci-mento econômico é negativa.

Além dessas, os estudos empíricos incluem outras variáveis que con-viria mencionar pelo que representam em termos de funcionamento das ins-tituições: o prêmio do câmbio negro em relação ao oficial (tido como proxypara distorções que o governo introduz nos mercados; obviamente tem sinalnegativo); variáveis representativas de instabilidade política (proxies para aprobabilidade de ameaças aos direitos de propriedade pela via do tumultopolítico: mais instabilidade política diminui o incentivo de investir em váriasatividades); direitos civis e liberdade política; qualidade das instituições políti-cas (corrupção no governo, qualidade da burocracia pública, repúdio decontratos pelo governo, prevalência da “regra da lei”, risco de expropriação,etc.); sofisticação dos mercados financeiros; spillover effects dos países vizi-nhos (Hong Kong sobre o sul da China é um exemplo freqüentemente lem-brado). De alguma forma, vários desses podem ser classificados junto com oitem 6 acima.

O importante a notar desse ponto é que, como se depreende da aná-lise de vários dentre os itens acima, o equilíbrio das contas públicas é umacondição necessária (e crucial) para o crescimento a longo prazo. Isso apa-rece não só na associação negativa entre gasto corrente do governo e taxade crescimento do PIB a longo prazo, mas também, implicitamente, no papeljogado por variáveis, tais como poupança (pública) e canalização de recur-sos para investimento, papel da infra-estrutura econômica e social e refor-mas institucionais que cabe ao setor público propor e implementar.

Finalmente, outra importante questão a discutir na elaboração de ce-nários diz respeito à articulação das medidas, questões e propostas de curtoprazo — aquelas da pauta de política econômica quotidiana — e as pers-pectivas de mais longo prazo que se pretende analisar. Assim, por exemplo,como tratar seqüencialmente questões como déficit público, reformas tributá-ria, administrativa e previdenciária e outras constitucionais e infraconstitucio-nais? A ligação entre curto e longo prazos é tudo, menos fácil. Obviamente,não será tentada aqui.

2. O CONTEXTO MUNDIAL

Por mais difícil que seja, qualquer cenário prospectivo da economiabrasileira deve levar em conta os desenvolvimentos mais prováveis da eco-nomia mundial e seus desdobramentos sobre nossa economia. Essa tarefa éespecialmente difícil dadas as intensas transformações que têm caracteriza-do a economia internacional e a incerteza quanto à continuidade dessastransformações. Assim é que, por exemplo, sabe-se que o nível de atividadeda economia mundial tem forte influência sobre a performance das exporta-ções brasileiras via comércio mundial, mas a estabilidade das elasticidades

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relevantes é problemática para uso em projeções. Da mesma forma, o efeitoda abertura comercial sobre o desempenho das importações é fenômenoprecariamente quantificado: certamente não é razoável usar as estimativashistóricas, dada a mudança de regime pós-1990. Por outro lado, a mudançaé tão recente que desafia a obtenção de boas estimativas.

Do ponto de vista das transformações em nível microeconômico e or-ganizacional, é desnecessário enfatizar aqui a importância das mudançasque vêm ocorrendo na direção de um novo paradigma empresarial de des-envolvimento, baseado na flexibilidade e na automação flexível, e seus efei-tos sobre o desempenho da economia brasileira. Não há, até o momento,sinais de que esse processo esteja perdendo ímpeto em escala mundial.Sua difusão entre as empresas no Brasil alcançou até o momento apenasum segmento de grandes e organizadas firmas, especialmente as do setorformal.

Quanto às relações comerciais, a tendência mundial é no sentido daformação de grandes blocos regionais, com redução do protecionismo tarifá-rio e não tarifário inter e intra blocos sob os auspícios da Organização Mun-dial do Comércio (OMC). A crescente importância do Mercosul para o comér-cio exterior brasileiro e as possibilidades seja de sua ampliação pela inclusãode novos países parceiros seja pela associação com outros blocos comerci-ais (Nafta ou União Européia) destaca a relevância do papel a ser jogadopela integração via comércio exterior em qualquer estratégia de desenvolvi-mento que se pretenda bem-sucedida no futuro.

A partir da evolução observada na economia mundial durante 1990-1995 e, sobretudo, do comportamento de algumas variáveis-chave no últimopar de anos, é possível afirmar que a economia global reúne hoje um con-junto de características que autorizam expectativas de uma expansão sus-tentada ao longo dos próximos dez anos. A produção mundial e, sobretudo,os fluxos de comércio e capitais devem seguir uma trajetória bastante dife-rente da observada durante os anos 1970 e 1980, quando flutuações cíclicase pressões inflacionárias ocuparam lugar de destaque.

Desde 1994 que uma redução significativa das taxas de juros reais ea manutenção de baixos índices de inflação nos países industriais vêm con-formando um horizonte de crescimento moderado, porém firme. No entanto,as taxas esperadas de crescimento mostram a manutenção de importantesdisparidades inter-regionais.

Segundo estimativas do Banco Mundial,5 a taxa de crescimento doProduto Mundial Bruto entre 1996 e 2005 ficará na casa dos 3,5% ao ano.Em relação aos países desenvolvidos e à América Latina, as taxas projeta-das são 2,8% e 3,8%, respectivamente; o melhor desempenho deve ficar porconta dos países asiáticos: 7,9% ao ano em média, resultado para o qualdevem colaborar decisivamente não apenas os “Tigres Asiáticos” de primeira

______________5 Ver World Bank, Global economic prospects and the developing countries, Washington, DC,

1996.

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ou segunda geração, mas, também, a economia chinesa. A taxa de cresci-mento do comércio mundial, estimada como a soma dos fluxos de exporta-ções e importações, deverá alcançar os 6,3% anuais, ainda segundo o Ban-co Mundial.

Mas não é apenas a trajetória esperada de crescimento que pode serclassificada de moderadamente otimista: as flutuações em torno da tendên-cia de crescimento também devem ser bem menos pronunciadas do que asobservadas durante as duas últimas décadas, ao menos no que se refereaos países desenvolvidos. Isso deve ocorrer por conta de três fatores cen-trais, relacionados ao comportamento de preços e juros.

Em primeiro lugar, não se esperam choques de oferta significativos,como os ocorridos nos anos 1970. Muito ao contrário, o comportamento dospreços dos produtos primários deverá ser de reversão em relação à alta re-cente, mantendo-se uma tendência de estabilidade em patamares mais bai-xos do que os observados nos últimos anos. Algo semelhante é esperadopara os produtos semimanufaturados. Quanto ao preço do petróleo e deriva-dos, a despeito de sua maior sensibilidade a condicionantes políticos, não seesperam choques significativos. Além disso, a matriz energética em escalamundial é hoje menos sensível aos preços desses produtos do que em dé-cadas passadas.

As expectativas de inflação baixa são reforçadas pela manutenção deníveis adequados de utilização da capacidade instalada, sobretudo na Euro-pa e no Japão, e pela intensificação da concorrência, por conta da aceleradaintegração dos mercados em nível mundial.

Por fim, os avanços em termos de um maior equilíbrio fiscal nos paí-ses do Primeiro Mundo favorecem a manutenção de baixas taxas de juros amédio e longo prazos, fato esse reforçado pela ausência de pressões inflaci-onárias. No caso das economias da América Latina e do Caribe, o fato maismarcante no período recente refere-se à rápida superação dos reflexos dacrise mexicana de dezembro de 1994. Os efeitos de propagação mais gra-ves (como fuga de capitais e especulação contra as moedas nacionais, so-bretudo na Argentina e no Brasil) permaneceram restritos ao primeiro se-mestre de 1995. Já em meados de 1995, os problemas enfrentados por Bra-sil e Argentina prendiam-se muito mais a questões não diretamente ligadas àcrise do México, mas vinculadas a problemas tais como a estabilidade dosrespectivos sistemas financeiros nacionais e o desequilíbrio fiscal.

A recuperação das economias latino-americanas contribuiu para a re-cente expansão dos influxos de capitais externos e o resultante acúmulo dereservas internacionais. Isso permitiu amortecer o impacto da instabilidadedo cenário internacional pós-crise mexicana sobre os mercados domésticos.Já em 1995, o ingresso de capitais privados nos países em desenvolvimentoatingiu a cifra recorde de mais de US$160 bilhões, superando a marca já

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elevada de cerca de US$154 bilhões, de 1994.6 Dentre os fatores explicati-vos mais importantes para esse fato não se encontram apenas os diferenci-ais de taxas de juros: existe também uma tendência marcante ao longo dapresente década, que é o avanço das estratégias de diversificação nas apli-cações de capitais de portfólio oriundos dos países industriais, fator que temse mostrado fundamental na constituição dos chamados “mercados emer-gentes” em todo o mundo.

Há ainda diversos elementos que permitem afirmar que a penetraçãodo investimento estrangeiro direto apresenta-se como um fator fundamentalpara o sucesso de estratégias de integração com a economia mundial. Issoporque se observa uma importância crescente das transações intrafirma noâmbito das relações internacionais de comércio, fato esse potencializadopela tendência declinante dos custos de transporte e comunicações e pelaconseqüente viabilização de estratégias globais de investimento produtivo.

A reunião de todos esses elementos relativos às perspectivas de evo-lução da renda mundial e à importância crescente dos fluxos de comércio ecapitais permite esperar um cenário de crescimento das transações comerci-ais bem mais intenso do que a expansão da produção.

Outro fator é a esperada ampliação nos fluxos de comércio entre paí-ses em desenvolvimento. Para isso colaborarão um maior nível de diversifi-cação das relações comerciais dos países ex-socialistas, a expansão dasexportações do Leste Asiático para outros países em desenvolvimento(como para a própria América Latina) e as iniciativas de promoção de acor-dos regionais de comércio entre esses países, a exemplo do Mercosul.

Em suma, as perspectivas para os próximos dez anos para a econo-mia mundial permitem antecipar um quadro de crescimento estável e mode-rado, sem pressões significativas em termos de inflação e taxas de juros. Osmovimentos de capitais devem seguir uma trajetória marcada pela diversifi-cação de mercados (no âmbito financeiro) e pelas estratégias globais de in-vestimento (no âmbito produtivo). Os fluxos de comércio devem expandir-sea taxas nitidamente mais elevadas que a renda mundial, no bojo dos movi-mentos de integração comercial regionalizada, mas também dos próprios flu-xos de capitais produtivos, com uma participação expressiva do comérciointrafirmas. O engajamento dos países em desenvolvimento nesse ciclo vir-tuoso permanece vinculado aos avanços em termos da definição de um am-biente de crescimento que não ponha em risco a estabilidade interna e ex-terna (vale dizer, com o mínimo de pressões inflacionárias e com relativoequilíbrio do balanço de pagamentos), capaz de favorecer o investimento(incluindo a penetração de capitais de risco estrangeiros) e uma crescenteintegração com a economia mundial.

______________6 A se confirmarem as previsões para o desempenho da economia mundial, e persistindo os

avanços em termos de crescimento da renda e de integração econômica externa (liberaliza-ção dos fluxos de comércio e de capitais), espera-se que os países em desenvolvimentocontinuem ampliando sua participação nos movimentos de capitais produtivos.

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Os cenários a seguir levam em conta a evolução provável da econo-mia mundial de forma bastante simplificada e restrita a poucas variáveis: ocenário mais otimista tem implícita uma evolução mais rápida da economia edo comércio internacional; o menos otimista, um desempenho menos satis-fatório da economia mundial, com impacto negativo sobre as perspectivasbrasileiras de desempenho macroeconômico.

Do ponto de vista de crescimento do produto e do comércio mundial amédio prazo não há, em fins de 1996, sinais de desaquecimento. A recessãodo começo da década de 90 é dada como terminada até mesmo em relaçãoao Japão — o último dos países do mundo desenvolvido a recuperar-se darecessão mundial de 1990-1992. As previsões da OECD para 1997 são detaxas de crescimento moderadas, mas que de forma alguma podem ser con-sideradas “recessivas”.

Sob o ponto de vista quantitativo, o que discrimina os dois cenários aseguir é unicamente o crescimento do comércio mundial, o qual reflete dire-tamente o nível de atividade da economia mundial e a inflação norte-americana. No cenário 1, as importações mundiais, nossa proxy para a ativi-dade comercial da economia internacional, crescem à taxa média anual de5,5%, que é aproximadamente a taxa observada no período 1985-1995 paraas importações mundiais totais (a preços constantes de 1980). No cenário 2,projeta-se uma taxa menor, de 3,0% ao ano, para todo o período 1996-2005.A inflação norte-americana (preços no atacado) é de 1,5% anuais no cenário1 e de 2,5% ao ano no cenário 2.

3. O CONTEXTO NACIONAL

Nossa hipótese central é a de que as reformas constitucionais pro-postas pelo governo poderão agir no sentido de aumentar a capacidade demobilizar instrumentos de política econômica de regulação e incentivo à ativi-dade produtiva privada enquanto se processa em definitivo a estabilizaçãono Brasil. Isso contribuirá para acelerar o ritmo de desenvolvimento econô-mico a longo prazo. Antes, porém, será preciso romper obstáculos e promo-ver ajustes que condicionam a trajetória de crescimento acelerado. Aceita-seexplicitamente que o objetivo central da política econômica é o crescimentosustentado a longo prazo.

Uma das precondições para isso — de resto, ressaltada por dez entrecada dez analistas da cena econômica brasileira — é o equacionamento emdefinitivo das contas públicas. O ajuste fiscal é também fundamental para aconsolidação da estabilização de preços. Como vem sendo fartamente enfa-tizado, o ajuste fiscal é simultaneamente instrumento de estabilização e decrescimento. Ele permite a redução dos juros sobre a dívida interna (logo,sobre a estrutura dos juros em geral), o que não só diminui o impacto daconta de pagamento de juros nos gastos do governo como também aumenta

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o rol de oportunidades de investimento, abrindo espaço para o aumento doinvestimento privado. Ao reduzir os gastos com menores despesas (com ju-ros e outras), o Estado pode aumentar os gastos com inversões em capitalsocial básico.

Concretamente, existe a possibilidade de atender à demanda nacionalpor estabilidade com crescimento por intermédio da estabilização propiciadapelo Plano Real. Essa é uma aposta que parece factível em termos de pos-sibilidade de êxito. Isso porque a estabilização e o processo de aberturaeconômica têm se traduzido em sucessivos desafios, mas que foram en-frentados com sucesso até o presente. Isso não implica que as reformas es-truturais não sejam mais necessárias: elas facilitam o processo de mudançano papel do Estado, particularmente no que toca à necessidade de melhoraros mecanismos de regulação e recuperação da infra-estrutura econômica esocial, destacando-se aqui a necessidade de elevar o nível educacional damão-de-obra, como fator de competitividade sustentada no futuro, e a cons-trução de nova infra-estrutura.

Uma marca central tem caracterizado a estabilização brasileira desdeo início da implantação do Plano Real: a mudança do regime de política eco-nômica. De sua continuidade depende o cenário 1, particularmente no quetoca à adoção da idéia de completar a desindexação dos contratos e reajus-tes de preços básicos da economia. Do ponto de vista da competitividade daprodução, esse ponto é fundamental, especialmente para o futuro da com-petitividade dos tradables. A desvinculação da evolução da taxa de câmbiodo ritmo de elevação dos preços internos, a “política do Real forte”, coloca,sem sombra de dúvida, delicado desafio para o comércio exterior. A linha depolítica econômica que vem sendo seguida implica uma taxa cambial apenasparcialmente limitada pela evolução dos preços no atacado (isto é, dos tra-dables), descontada a inflação externa e a elevação da produtividade, en-quanto se ganha tempo e espaço político para a redução do custo Brasil.

Em ambos os cenários isso exigirá da política econômica de médio elongo prazos o esforço de neutralizar os aumentos dos custos unitários deprodução passados e futuros sobre a competitividade, seja pela reduçãodesses custos (pela redução do custo Brasil, por exemplo) seja pelo uso demecanismos de defesa comercial que impeçam uma competição predatóriaem relação à indústria e à agricultura brasileiras por parte de importações desle-ais.

No cenário 1, necessita-se de alguns anos de ajuste das contas dogoverno antes de alcançar taxas de crescimento mais elevadas. Isso implicacrescer menos no médio prazo de dois a três anos, enquanto se processa oajuste. Implica também maior ênfase nos instrumentos do setor externo, pelaliberalização comercial e financeira e pela aceitação da poupança externacomo variável de peso em complemento à poupança privada doméstica, en-quanto não se recuperar plenamente a capacidade de poupança e investi-mento do setor público (aos níveis da década de 70, por exemplo).

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Em boa medida, o sucesso desse cenário é dependente de um des-envolvimento sem sobressaltos da economia mundial na medida em que senecessita de substanciais montantes de capital do exterior, tanto de riscoquanto de empréstimo, para financiar déficits em transações correntes daordem de 2 a 3% do PIB em alguns anos. Obviamente, não será possívelcontar com taxas de juros reais domésticas muito elevadas para atrair recur-sos externos de curto prazo, como em 1995, sob o risco de asfixiar a ativida-de econômica doméstica a médio e longo prazos. Sobressaem a importânciacomplementar da abertura comercial e a crescente credibilidade da políticaeconômica e das instituições brasileiras nesse contexto, para consolidar aconfiança dos investidores estrangeiros e os influxos de capital externo derisco e empréstimo.

Portanto, são características do cenário 1: 1) taxas médias de cresci-mento real elevadas — mas não muito altas nos anos iniciais, enquanto seimplementam as reformas visando à modernização econômica e à recupera-ção de condições de governabilidade e poder de administração do Estadobrasileiro; 2) intensificação dos investimentos em infra-estrutura para a redu-ção do custo Brasil, o que implica um papel de destaque não só para a in-dústria da construção como para a demanda de bens de investimento emgeral; 3) maior integração comercial e financeira com a economia mundial,sem perda da multilateralidade comercial; 4) juros reais em queda, mas nãomuito abrupta, enquanto se processa o ajuste fiscal necessário; 5) fluxoscrescentes de investimento direto do exterior em montante capaz de financi-ar uma parte substancial dos déficits em transações correntes, ao lado deempréstimos e de financiamentos. Complementa esse cenário uma evoluçãosem sobressaltos da economia mundial, conforme já assinalado.

Contra esse caso pode-se contrapor um cenário em que a estabiliza-ção não progride tão rapidamente quanto no caso anterior, e onde a aberturaeconômica avança mais devagar. Além disso, aceita-se: 1) um pouco maisde inflação a médio prazo, o que impede que ganhos salariais se traduzamintegralmente em ganhos reais; 2) a conseqüente aceitação de níveis maiselevados de déficit público a curto e médio prazos; 3) um retorno ao proteci-onismo para incentivar a indústria e a agricultura comercial antes que secomplete o processo de modernização (com resultado de menores ganhosde eficiência e produtividade a longo prazo, mas maiores ganhos dos níveisde emprego e produção a curto e médio prazos); 4) menos ênfase nos me-canismos de mercado externo quanto a comércio, financiamento e investi-mentos concomitantemente ao relativo “fechamento econômico”; 5) um pou-co mais de desvalorização cambial real com a aceitação de índices de infla-ção mais elevados do que no cenário anterior a médio prazo, já que a des-valorização é feita em um contexto em que a atividade econômica está maisaquecida do que no outro caso — o que implica uma transmissão mais pró-xima de seus efeitos para os preços domésticos.

A retomada do crescimento acontece rapidamente no triênio inicial deprojeções segundo esse cenário, impulsionada pelos investimentos gover-

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namentais em capital fixo e pelo déficit governamental dos três níveis da Fe-deração, já que, por razões políticas e de coerência quanto à estratégiaadotada, o governo central tolera (ou não tem como impedir o contrário) umdesempenho orçamentário semelhante ao seu por parte dos demais níveisda Federação. Na tentativa de conter uma reaceleração mais forte do pro-cesso inflacionário, o governo lança mão de um instrumento tradicionalmenteutilizado no passado: uma política de rendas tal que os reajustes de preços etarifas de serviços públicos (já que a privatização marcha mais lentamentenesse cenário do que no anterior) segurem a inflação. O resultado é de mo-derado sucesso a médio prazo, mas às custas de elevação no déficit consoli-dado do setor público. Os juros reais não caem rapidamente nos anos inici-ais de projeção. O desestímulo ao ingresso de capitais de empréstimo dadopela ausência de ajuste fiscal (e sinal de que os fundamentos da políticaeconômica estão errados) obriga o governo a desvalorizar mais rapidamenteo câmbio na tentativa de preservar o equilíbrio do balanço de pagamentos.Isso também prejudica as perspectivas para o ingresso de capitais externosde risco e empréstimo, além de um contexto internacional caracterizado pormenores taxas de crescimento do comércio mundial.

O efeito sobre a inflação doméstica, como vimos, é mais intenso dadoo estado da demanda relativamente mais aquecida, a médio prazo, do queno cenário anterior. O determinante principal do rumo da inflação será dado,neste caso como no anterior, pela evolução do processo de desindexação.Admite-se que, como uma parte deste processo estará completada a médioprazo, as chances dentro desse cenário são de uma reindexação apenasparcial.

Esses traços compõem o cenário 2, ou cenário alternativo. Nele, oBrasil perde um pouco de sua atratividade para o capital internacional a mé-dio prazo, reduzem-se as possibilidades de integração e acentua-se o dua-lismo econômico a mais longo prazo porque o ajuste fiscal e macroeconômi-co demora mais a acontecer. A tendência da trajetória de crescimento é in-versa, em relação à do cenário anterior: crescimento mais acelerado nosanos iniciais (1997-1999) do que nos anos finais do período de projeção(2002-2005), com uma forte desaceleração nos anos intermédios, caracteri-zados por uma recessão de dois a três anos.

Qualquer que seja o cenário que se adote como mais provável, asdiferenças entre eles são mais acentuadas na primeira metade do períodode projeções. Acredita-se que o primeiro cenário seja mais provável do que osegundo: isso implica que as linhas de política econômica que vêm sendoatualmente seguidas pelo governo tenham continuidade. Boa parte delas,aliás, identifica-se com as do cenário 1. As injunções políticas a partir dissosão relativamente óbvias: no caso de continuidade da política econômicaatual, os traços principais do cenário 1 ganham uma sobrevida, que projetasua sombra pelos primeiros anos do século XXI.

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O horizonte de projeção cobre o período de 1996 a 2005.7 O memo aseguir resume os dados do ano-base, estando todos os valores monetáriosexpressos em bilhões de reais ou de dólares de 1995. As diferenças entre osdois cenários refletem, obviamente, as diferenças nas variáveis exógenas.Note que as projeções para 1996 são iguais para os dois cenários, dado queseria difícil discriminar entre eles quando da elaboração deste texto (outubrode 1996).

Dados estimados para o ano-base (1995):

Taxa de câmbio média anual: 0,918 R$/US$População: 154,8 milhõesPIB a preços de mercado: R$ 630 bilhões, equivalentes a US$ 688 bilhõesPIB per capita: US$ 4.444Participação relativa no PIB a preços de mercado (componentes da deman-da agregada):

% Consumo pessoal = 63,6% Consumo do governo = 16,2 (não inclui previdência e juros)% Formação bruta de capital fixo = 21,6 (a preços de 1980 a % é de

15,9)% Exportações menos importações de bens e serviços não fatores = (-)

1,4

A trajetória do PIB é dada exogenamente em ambos os cenários, deacordo com o conjunto de hipóteses anteriormente apresentado. Dessa for-ma, pode-se entender os resultados como um conjunto de projeções con-sistentes com as trajetórias. Da mesma forma, em ambos os cenários as im-portações de bens e serviços não fatores são determinadas residualmente,dados o PIB e os demais componentes da demanda agregada, estes esti-mados pelo modelo macroeconômico.

4. CENÁRIO 1: ESTABILIZAÇÃO E CRESCIMENTO

Este primeiro cenário projeta a continuidade do sucesso do programade estabilização em curso, no qual a estratégia macroeconômica repousasobre a manutenção de uma política cambial não indexada — isto é, semvínculo direto com a evolução dos preços internos — acompanhada de res-trição monetária, expressa por taxas de juros reais ainda elevadas em 1996-1997 (embora não tanto como em 1995) e manejo dos agregados financeiros

______________7 Como para o ano de 1995 ainda não se dispõe de informações das contas nacionais, as

estimativas adotadas para esse último ano são preliminares. As sumárias contas nacionaisapresentadas a seguir, em particular, são preliminaríssimas. Estão baseadas em estimati-vas do Banco Central, do IBGE e do próprio autor, a partir de estimativas do GAC — Grupode Análise Conjuntural, da Diretoria de Pesquisa do Ipea.

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e do crédito bancário, sempre que necessário, para monitorar o nível de ati-vidade e evitar a elevação das taxas de inflação.

A taxa de crescimento do PIB, após alcançar 2,8% em 1996, passa a4,2% em 1997 e acelera para 5,0% no ano eleitoral de 1998. Este é o tempopara que tenham lugar as reformas que irão permitir um ciclo de crescimentoacelerado e sustentado a partir da virada do século. A retomada do cresci-mento terá lugar em decorrência da aprovação das reformas constitucionaise de um maior êxito no programa de privatização, que ocorreriam com maiorrapidez neste cenário do que no cenário alternativo. Acompanhando isso,maior ênfase nos investimentos em infra-estrutura para evitar o apareci-mento de pontos de estrangulamento e elevar a eficiência geral da econo-mia.

A consolidação das reformas exigirá ainda um par de anos na novaadministração — isto é, em 1999-2000 — com o PIB crescendo 5,0% anuais.A partir daí tem-se uma fase de crescimento acelerado do nível de atividadeem que o PIB cresce a 6% em 2001 e 7% anuais de 2002 a 2005. Neste úl-timo ano, o PIB alcançaria cerca de US$ 1,2 trilhão (em dólares de 1995),daí resultando um PIB per capita de aproximadamente US$ 6.830, dada apopulação residente estimada de 175,66 milhões de pessoas em 2005. Ocrescimento médio anual do PIB é de 5,7%, ao passo que para o PIB percapita a taxa média é de 4,3% entre 1995 e 2005.

Para projetar o comportamento dos preços básicos da economia —juros e câmbio — são necessárias hipóteses adicionais sobre o processo deestabilização que constituem pressuposições deste cenário. As hipótesesaqui adotadas são as seguintes:

a) a taxa de câmbio continuará a ser utilizada como âncora para aestabilização de preços em 1996, 1997 e 1998, realinhando parcialmentepara levar em conta o aumento nos preços no atacado (diferencial entre in-ternos e externos) e os ganhos de produtividade a partir daí;

b) a política de juros reais elevados e de limitações ao crédito serásubstancialmente suavizada em relação a 1995 e 1996, mas mantida comintensidade progressivamente menor e em caráter suplementar.

Essas hipóteses são compatíveis com uma avaliação realista dasperspectivas de aprovação e implementação das reformas constitucionais einfraconstitucionais propostas pelo governo ao longo do triênio 1996-1998,com mais intensidade em 1997 do que nos demais anos. Assinale-se, adici-onalmente, que os efeitos dessas reformas não se farão sentir de imediatodada a inevitável defasagem de tempo na implementação e na regulamenta-ção. Esse é, especialmente, o caso das medidas e reformas tendentes a re-duzir o custo Brasil. De fato, é mais provável que se façam sentir durante aadministração que começa em 1999.

Com base nessas hipóteses, a trajetória de crescimento para o PIB eas previsões para a evolução dos preços básicos da economia são as da fi-gura e da tabela a seguir.

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Figura 1

Trajetórias de Algumas Variáveis Exógenas

0

2

4

6

8

10

12

14

16

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

Anos

%

99

101

103

105

107

1995

= 1

00

Tx. de Inflação Tx. Cresc. PIB

Câmbio Real

Tabela 1 - Câmbio, produtividade, PEA e inflação no cenário 1

1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

A utilização do câmbio como âncora básica da estabilização faz comque a taxa se mantenha aproximadamente constante, em termos dos preçosno atacado e descontada a inflação externa, na média dos dois próximosanos. Observe que a taxa média nominal de câmbio passou de R$0,918/US$ em 1995 para (projetados) R$1,01 em 1996. Isso embute umadesvalorização real de cerca de 3%, dada a evolução dos preços no ataca-do.

Faz-se, dessa forma, uma desvalorização cambial bastante suave se-gundo este cenário, tendendo-se a reverter, embora parcialmente, o queocorreu entre a implantação do Plano Real e o segundo trimestre de 1995,época de auge do “Real forte”. Essa desvalorização, associada às medidasde desoneração das exportações, aos ganhos de produtividade na produçãode tradables e a um cenário internacional caracterizado por crescimento do

Câmbio real (95=100) 103,00

103,50

104,00

104,00

104,00

105,00

105,00

105,00

106,00

106,00

Var. câmbio real 3,00 0,49 0,48 0,00 0,00 0,96 0,00 0,00 0,95 0,00

Inflação EUA 1,50 1,50 1,50 1,50 1,50 1,50 1,50 1,50 1,50 1,50

Inflação Brasil 11,00 9,50 8,00 8,00 7,00 7,00 6,00 6,00 6,00 6,00

Tx. crescim. PEA 2,50 2,45 2,40 2,35 2,30 2,25 2,20 2,15 2,10 2,05

Var. produtividade 0,30 1,75 2,60 2,65 2,70 3,75 4,30 4,85 4,90 4,95

Var. câmbio nominal 12,20 6,74 4,38 3,85 2,80 2,71 0,20 -0,35 0,55 -0,45

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comércio mundial, resultam em desempenho exportador bastante favorávelem relação ao observado recentemente.

A taxa de juros real básica nas operações do setor privado (taxa deempréstimo), após atingir 25% na média do ano de 1995, declinaria de formaacelerada no triênio 1996-1998 (atingindo 15, 12 e 10% em 1996, 1997 e noano eleitoral de 1998, respectivamente). Isso ocorre à medida que o ajustefiscal vai sendo efetivado. O comportamento da taxa de juros incidente sobreo estoque da dívida pública, apresentado na tabela a seguir, é um pouco di-ferente. Em primeiro lugar, parte da dívida pública onerosa é constituída porcréditos externos, sobre os quais se pagam juros substancialmente mais bai-xos que os internos. Além disso, sobre os juros pagos sobre os títulos públi-cos no mercado interno incide um spread não desprezível no caso brasileiro,o qual explica a distância entre essas taxas e as taxas de empréstimo.Neste cenário, embora favorável ao crescimento a longo prazo, não se espe-ra um ajuste muito brusco das contas públicas. Na verdade, elas irão melho-rar e consolidar a estabilização apenas depois de 1998, já na nova adminis-tração.

O quadro seguinte é um resumo do ajuste fiscal do cenário 1, con-substanciado na redução da proporção do consumo do governo (G/Y, excetojuros e previdência; ver adiante) ao longo do período de projeção. Isso tem,obviamente, o efeito de diminuir o valor do multiplicador dos gastos. Adotou-se ainda neste cenário a hipótese de que a carga tributária (T/Y) permanece-rá constante ao longo do tempo, em 29% do PIB. Isso resultaria da combina-ção de isenções, alívio e simplificação fiscal, ao lado de melhoria no aparatoarrecadador e ampliação da base de tributação.

Tabela 2 - Variáveis fiscais (em % do PIB)

VARIÁVEIS FISCAIS 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Consumo do governo 16,20 16,20

15,50

14,80

14,10

13,40

12,70

12,00

11,40

10,80

10,20

Arrecadação total 29,00 29,00

29,00

29,00

29,00

29,00

29,00

29,00

29,00

29,00

29,00

Estoque dívida pública* 31,75 33,00

33,50

34,00

34,50

35,00

35,50

36,00

36,50

37,00

37,00

Taxa de juros real (%)** 17,50 10,00

8,00 6,00 8,00 8,00 6,50 6,50 6,00 6,00 6,00

* Dívida onerosa líquida interna e externa.** Taxa de juros real incidente sobre o estoque total da dívida pública onerosa líquida.

A trajetória do ajustamento fiscal e a composição dos gastos do governo(excluindo o setor produtivo estatal) são apresentadas nos gráficos a seguir.É importante observar que a melhora significativa do resultado primário dogoverno explica a tendência de queda nas taxas de juros incidentes sobre oestoque da dívida pública vista acima. Já o estoque da dívida onerosa seamplia lentamente ao longo do período, atingindo um limite máximo em

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2004-2005, correspondente a 37% do PIB. Passa-se neste cenário de umdéficit de 4% do PIB em 1996 para o equilíbrio fiscal em 2000, atingindo-sesuperávits de 0,8% do PIB no triênio 2003-2005. Isso é possível mesmo comaumento dos gastos de investimento de 2,9% do PIB em 1996 para 6,6% em2005 graças, essencialmente, ao esforço de redução dos gastos de consu-mo corrente (G/Y).

Essa redução do consumo do governo, somada à contração dos gas-tos previdenciários, que é resultado do avanço das reformas, abre um espa-ço significativo para a zeragem do déficit operacional em um horizonte tem-poral razoavelmente curto. Note que o aumento do investimento público nãose refere ao setor produtivo estatal, mas tão-somente às administrações pú-blicas, envolvendo gastos de investimento em funções típicas de governo.

Figura 2

Composição da Despesa do Governo e Déficit Operacional(% PIB)

0

3

6

9

12

15

18

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

Anos

Des

pes

as

-1,5

-0,5

0,5

1,5

2,5

3,5

4,5

Déf

icit

Consumo

Previdência

Investimento

Juros

Déficit Operacional

Como em toda estabilização bem-sucedida, os salários reais médiostendem a crescer sistematicamente — mas a velocidade de crescimento é,obviamente, bem menor do que nos dois primeiros anos de implantação doReal. Mesmo porque, com a redução do desemprego nas faixas salariais debase, a tendência do salário médio é no sentido de crescer menos do quequando há queda nos níveis de emprego (caso, por exemplo, das recessõesde 1990-1992 e 1981-1983). Dadas as estimativas para os preços básicos,para as contas públicas e as taxas de crescimento do PIB, obtêm-se nas ta-belas e na figura a seguir o desempenho dos agregados macroeconômicos:

Tabela 3 - Resultados para o cenário 1

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Crescimento %

X 7,53 10,44 10,49 10,42 10,25 10,09 9,88 9,64 9,43 9,20

M 1,58 1,41 8,94 8,66 8,41 9,78 11,21 10,84 10,38 10,11

C 1,51 6,73 4,07 4,86 4,53 5,26 6,12 6,12 6,31 6,34

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I 6,69 1,74 6,49 6,65 8,62 10,74 13,09 13,90 13,71 13,19

Y 4,20 2,80 4,20 5,00 5,00 5,00 6,00 7,00 7,00 7,00 7,00

Valores de1995 (R$ bi-lhões)

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

X (US$ bilhões) 46,50 48,54 53,35 58,66 64,77 71,41 77,87 85,56 93,81 101,68 111,03

M (US$ bi-lhões)

49,70 50,48 50,94 55,23 60,02 65,06 70,75 78,68 87,21 95,36 105,01

C 432,50 439,00 468,60 487,60 511,30 534,50 562,60 597,00 633,60 673,60 716,30

I 99,80 107,10 109,00 116,00 123,80 134,40 148,90 168,40 191,80 218,10 246,90

Y 631,70 649,40 676,70 710,50 746,00 783,30 830,30 884,30 946,20 1012,40 1083,30

I/Y (em %) 15,80 16,50 16,11 16,34 16,60 17,17 17,94 19,05 20,28 21,55 22,79

Figura 3

Cenário 1Agregados Macroeconômicos e Taxa de Investimento

0

250

500

750

1000

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

Anos

R$

bilh

ões

de

1995

15

17

19

21

23

% P

IBC

I

Y

I/Y

O PIB, depois de ter crescido 4,2% em 1995, desacelera para 2,8%em 1996. A retomada do crescimento dá-se com mais vigor a partir de 1997,quando o PIB cresce 4,2% impulsionado pelo setor industrial — emboradentro deste o comportamento mais dinâmico seja dos segmentos produto-res de serviços industriais de utilidade pública e de construção. Isso está deacordo com a ênfase projetada para os investimentos em infra-estrutura quese seguirão à privatização e/ou concessão desses serviços à iniciativa priva-da, processo que deverá ganhar momento a partir de 1997.

O cenário 1 tem uma hipótese razoavelmente otimista para o com-portamento da taxa de investimento da economia medida em dólares de1995, que atingiria quase 23% do PIB no ano final de projeção. Espera-seque a evolução da taxa a preços constantes de 1980 (seguindo a metodolo-gia das contas nacionais) aproximaria gradualmente as taxas a preços cor-rentes e a preços constantes ao longo do tempo. Isso viria do barateamento

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relativo dos bens de investimento (construção, produção e importações debens de capital) em relação ao nível geral de preços na economia trazidopela estabilização.

Esse barateamento age no sentido de reverter o forte encarecimentodesses bens a partir da segunda metade dos anos 80 por razões associadasao recrudescimento do processo inflacionário (e o conseqüente temor de queo governo atrasasse ou mesmo não honrasse seus compromissos contratu-ais nas obras executadas, dado o regime de superinflação em que então vi-víamos), ao maior peso relativo da construção pesada na formação bruta decapital fixo (onde a importância do fator acima assinalado é presumivelmentemaior) e à menor participação relativa e absoluta dos equipamentos importa-dos no investimento total (categoria que poderia ter contribuído para o bara-teamento do investimento dado o câmbio imperfeitamente indexado do perí-odo de superinflação e o fato de serem os importados mais baratos do queos equipamentos nacionais). O resultado disso tudo foi que a relação de pre-ços entre bens de investimento e o nível geral de preços na economia pas-sou de aproximadamente 1,0 no início dos anos 80 para cerca de 1,4 no co-meço dos anos 90. Em outras palavras, tornou-se relativamente mais caroinvestir do que consumir no Brasil.

Com a estabilização da economia e com a expansão das importaçõesde bens de capital, máquinas, partes e componentes, é de se esperar que ospreços relativos dos bens de investimento venham a diminuir — como, aliás,já vem ocorrendo há um par de anos. Essa redução será tanto maior no futu-ro quanto maior for a credibilidade e a sustentabilidade do programa de es-tabilização, quanto menor for a taxa de juros relevante para os empréstimose financiamentos de investimento e quanto mais importante for a penetraçãodos bens importados e seus efeitos positivos sobre o investimento e sobre aprodução doméstica de máquinas e equipamentos.

O gráfico a seguir detalha as projeções da balança comercial, desta-cando-se o fato de que neste cenário se conseguem superávits comerciais jáa partir de 1997.

Figura 4

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139

Cenário 1Comércio Exterior

40

50

60

70

80

90

100

110

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Anos

US

$ b

i de

1995

X M

O que explica a obtenção de superávits comerciais já em 1997 —contrariamente a praticamente todas as projeções existentes no último tri-mestre de 1996 (exceto as elaboradas no âmbito do governo) — e nos anosseguintes é o somatório de três fatores. Em primeiro lugar, a trajetória sus-tentada de crescimento da renda mundial. Em segundo, as taxas de cresci-mento mais moderadas do PIB brasileiro no início do período de projeções.Em terceiro, uma suave tendência de desvalorização do câmbio. Cabe assi-nalar, no entanto, que a participação dos fluxos de comércio no PIB ao finaldo período de projeções é de cerca de 18% — isto é, da ordem de grandezada observada no Brasil na década de 70. Nesse sentido, o avanço da aber-tura externa na próxima década não significaria mais do que fazer retornar oindicador (X+M)/PIB aos níveis de duas décadas atrás.8

5. CENÁRIO 2: ALTERNATIVO

O segundo cenário supõe uma resistência maior do processo inflacio-nário, com taxas anuais de inflação crescentes em 1996-1998, chegando a25% neste último ano, e declinando para 10% anuais a longo prazo. Os me-canismos de indexação são parcialmente reintroduzidos na economia em1997-1998, e as reformas constitucionais e o processo de privatização sãomais lentos. Uma estabilização sustentada não é alcançada antes do come-ço da próxima década porque o ajuste fiscal é mais lento do que no cenárioanterior. Para manter a competitividade das exportações, o governo aceleraas desvalorizações cambiais e adota medidas protecionistas que têm como

______________8 En passant, observe-se que os saldos comerciais nos anos finais de projeção implicam défi-

cits em conta corrente do balanço de pagamentos de pequena magnitude e, portanto, per-feitamente financiáveis por recursos externos, dada a evolução provável da conta de jurosem um cenário sem sobressaltos na economia mundial.

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uma das principais conseqüências a redução dos ingressos de capital exter-no de empréstimo, além do retorno parcial da inflação.

Assim, com a inflação relativamente mais alta, o governo é obrigado aalterar freqüentemente a banda cambial para evitar que ocorra uma sobre-valorização que poria em risco o saldo comercial. Devido à ausência de ins-trumentos fiscais, o governo é também obrigado a insistir na utilização dataxa de câmbio e da taxa de juros como elementos indispensáveis para evi-tar o retorno da inflação a taxas mais elevadas. O resultado líquido é umapequena desvalorização adicional do câmbio nos anos de 1997 e 1998, coma taxa de câmbio começando a se recuperar mais fortemente a partir de1999/2000. O gráfico e as tabelas a seguir resumem os preços básicos e asvariáveis exógenas utilizados para a construção deste cenário.

Tabela 4 - Câmbio, produtividade, PEA e inflação no cenário 2

1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Ind. câmbio real 103,0

0

104,0

0

105,0

0

106,0

0

107,0

0

108,0

0

109,0

0

110,0

0

111,0

0

112,0

0

Var. câmbio real 3,00 0,97 0,96 0,95 0,94 0,93 0,93 0,92 0,91 0,90

Inflação EUA 2,50 2,50 2,50 2,50 2,50 2,50 2,50 2,50 2,50 2,50

Inflação Brasil 11,00 20,00 25,00 20,00 18,00 15,00 13,00 12,00 11,00 10,00

Tx. crescim. PEA 2,50 2,45 2,40 2,35 2,30 2,25 2,20 2,15 2,10 2,05

Var. produtividade 0,30 3,05 4,50 -1,45 -0,40 1,65 2,70 3,85 3,90 3,95

Var. câmbio nominal 11,20 15,42 18,96 19,90 16,84 11,78 8,73 6,57 5,51 4,45

Figura 5

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141

Trajetór ias de Algumas Variáveis Exógenas

0

5

10

15

20

25

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005A n o s

%

100

102,5

105

107,5

110

112,5

1995

= 1

00

Tx. de Inflação Tx. Cresc. PIB

Câmbio Real

Tabela 5 - Variáveis fiscais (em % do PIB)

VARIÁVEIS FISCAIS 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Consumo do governo 16,20 16,20

16,50

16,50

15,70

14,90

14,10

13,30

12,50

11,70

11,00

Arrecadação total 29,00 29,00

29,00

29,00

29,00

29,00

29,00

29,00

29,00

29,00

29,00

Estoque dívida públi-ca*

31,750

33,00

33,70

34,40

35,80

36,50

37,20

37,20

37,20

37,20

37,20

Taxa de juros real(%)**

17,50 10,00

9,50 9,00 8,00 8,00 8,00 7,00 7,00 7,00 7,00

* Dívida onerosa líquida interna e externa.** Taxa de juros real incidente sobre o estoque total da dívida pública onerosa líquida.

A taxa de juros interna mantém-se acima de 15% ao ano em 1996 eem 1997, declinando lentamente a partir daí e atingindo 12% ao ano em2000-2002. Em seguida, os juros diminuem para 10% já no triênio final deprojeção. Mais uma vez, o comportamento da taxa de juros incidente sobre oestoque da dívida pública (mostrado na tabela acima) apresenta um com-portamento distinto, em função dos fatores já mencionados. Em relação aocenário anterior, a trajetória da taxa de juros sobre a dívida pública permane-ce em níveis mais elevados por conta do atraso na promoção do ajusta-mento fiscal e da persistência do déficit operacional até os últimos anos doperíodo. Por conseguinte, o estoque da dívida eleva-se mais rapidamente,mas não ultrapassa o teto de 37,2% do PIB, o qual é atingido mais cedo, jáem 2001.

O comportamento dos componentes das despesas do governo éapresentado no gráfico abaixo. Note-se que a redução mais lenta do consu-mo e dos gastos com previdência não apenas contribui para ampliar o déficitaté 1999 como também impede que o investimento do governo seja expan-dido. Em 1999, as políticas monetária e fiscal assumem um caráter forte-mente contracionista, dada a elevação dos índices de inflação, contribuindopara a redução da taxa de crescimento do PIB no biênio 1999-2000. O déficit

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operacional somente é zerado em 2004, chegando-se com atraso a uma si-tuação superavitária apenas em 2005. Por seu turno, a demora em abrir es-paço para o crescimento do investimento governamental explica parte docomportamento da taxa agregada de investimento, cuja trajetória será mos-trada na figura a seguir.

Figura 6

Composição da Despesa do Governo e Déficit Operacional(% PIB)

0

3

6

9

12

15

18

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

Anos

Des

pes

as

-1

0

1

2

3

4

5

Déf

icit

Consumo

Previdência

Investimento

Juros

Déficit Operacional

É possível especular que o salário real médio neste cenário crescemais rapidamente no começo do que no fim do período de projeção. A partirdo ano de 1999, ele ficaria praticamente estagnado ou levemente decres-cente até 2001, iniciando então sua recuperação, acompanhando a trajetóriade crescimento da economia. Essa relativa constância do salário real seriadevida ao ajuste macroeconômico, necessário neste cenário após os anosde crescimento relativamente mais acelerado (1996-1998) do que no cenárioanterior. Esse ajuste aconteceria após perda de reservas em 1997-1998,apesar da desvalorização cambial. Trata-se de uma situação em que a perdade credibilidade do governo, que se segue à dificuldade em realizar umajuste fiscal capaz de lidar decididamente com as suas contas, provoca otemor dos investidores estrangeiros e a fuga de capitais. A situação só é re-vertida no início da década seguinte. Devido a isso, o crescimento econômi-co só se acelera no século XXI, e assim mesmo seguindo uma trajetória gra-dual.

Como assinalado, este cenário tem uma simetria em relação ao pre-cedente. Aqui se tem taxas mais elevadas de crescimento a médio prazo, até1998, seguidas de ajuste com taxas mais lentas, e recuperação do cresci-mento mais adiante. Esse é um quadro compatível com uma situação tal queo atual governo começa a ceder à tentação de acelerar o crescimento após1996. A inflação ganharia aceleração. Com a indexação imperfeita, tem-se oresultado de perdas salariais no final da atual administração e aumento daincerteza, com reflexos sobre o clima geral de negócios.

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Qualquer que seja a composição do novo governo, a aposta que sefaz aqui é que ele não escapará da necessidade de fazer um forte ajuste fis-cal antes do final da década, ainda no começo da nova administração. Issoretardará a retomada do crescimento por alguns anos, necessitará novas ro-dadas de reformas constitucionais e terá um ônus em termos do salário realem prazo mais longo.

Após crescer 4,2% em 1995 e 2,8% em 1996, o PIB cresce rapida-mente nos dois anos seguintes devido ao sopro inflacionário característicodos anos iniciais deste cenário. Graças a ele, a retomada do crescimento dá-se com vigor em 1997 e em 1998, quando o PIB cresce impulsionado pelosetor industrial. Isso está de acordo com a esperada aceleração do cresci-mento neste biênio, com ênfase nos investimentos em infra-estrutura e naprodução da indústria da construção. A taxa média de crescimento do PIBpara todo o período de projeção é de cerca de 4,5 % anuais.

Tabela 6 - Resultados para o cenário 2

Crescimento % 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

X 7,53 8,69 8,42 8,22 8,06 7,92 7,80 7,69 7,59 7,48

M 1,58 11,72 5,23 9,15 5,23 4,52 5,54 5,99 7,26 8,05

C 1,51 6,97 6,04 2,11 1,92 3,40 4,37 5,30 5,51 5,57

I 6,69 1,54 5,48 1,31 1,49 4,76 7,82 10,73 11,87 12,11

Y 4,20 2,80 5,50 6,90 0,90 1,90 3,90 4,90 6,00 6,00 6,00

Valores de 1995 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

(R$ bilhões)

X (US$ bilhões) 46,50 48,54 52,50 56,65 61,30 66,24 70,81 76,34 82,21 87,61 94,17

M (US$ bilhões) 49,70 50,48 56,12 58,78 64,15 67,51 69,89 73,76 78,18 83,07 89,76

C 432,50 439,00 469,60 498,00 508,50 518,30 535,90 559,30 589,00 621,40 656,10

I 99,80 107,10 108,80 114,70 116,20 117,90 123,60 133,20 147,50 165,10 185,10

Y 631,70 649,40 685,10 732,40 739,00 753,00 782,40 820,70 870,00 922,20 977,50

I/Y em % 15,80 16,50 15,88 15,67 15,73 15,67 15,80 16,24 16,96 17,90 18,93

Este cenário também tem, a exemplo do anterior, uma hipótese razo-avelmente otimista para o comportamento da taxa de investimento da eco-nomia. Naturalmente, o aumento absoluto e relativo dos bens de capital im-portados no investimento total, a par da redução da parcela representadapela construção, tem o efeito de aumentar a produtividade marginal do capi-tal — isto é, a eficiência dos novos investimentos — e tornar a relação capi-tal—produto progressivamente menor neste cenário, como no anterior.

Quanto às variáveis da balança comercial, o gráfico a seguir ilustra os re-sultados.

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Figura 7

Cenário 2Comércio Exterior

40

50

60

70

80

90

100

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Anos

US

$ b

i de

1995

X M

Muito embora neste cenário ocorra uma desvalorização cambial maispronunciada do que no anterior, a balança comercial continua apresentandodéficit até o ano 2000. Isso ocorre tanto por causa das taxas de crescimentoda demanda doméstica mais altas no início do período de projeções (peloefeito do aumento das importações) quanto devido às taxas mais baixas decrescimento da renda mundial que caracterizam este cenário. O grau deabertura da economia, medido pela razão entre a soma de importações eexportações (FOB) e o PIB chega a 17% em 2005. O déficit em transaçõescorrentes seria, obviamente, mais elevado do que no cenário anterior.

CONCLUSÃO

Ao concluir este trabalho, é oportuno ressaltar uma vez mais o papeldo ajuste das contas públicas e sua inter-relação com as possibilidades al-ternativas de desempenho macroeconômico a longo prazo. A técnica utiliza-da para este propósito, de elaboração de cenários, conjugada à construçãode um modelo econométrico simples, permitiu desenvolver projeções paraum conjunto de variáveis macroeconômicas, qualificando essas projeçõescom especulações que são a própria base dos cenários. Isso permitiu expli-citar os nexos de maior interesse teórico e empírico — apesar do grau de ar-bitrariedade na definição de trajetórias para as variáveis exógenas, caracte-rístico da construção de cenários.

Nesse sentido, é importante destacar a consistência dada à vinculaçãoentre o comportamento das variáveis fiscais e o desempenho macroeconô-mico. Em particular, destacamos o contraste entre os dois cenários em ter-

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mos da sustentação de taxas de crescimento do PIB compatíveis com oequilíbrio interno e externo.

Assim, no cenário 1 observa-se uma tendência mais moderada decrescimento nos primeiros anos da projeção, acompanhada de um ajusta-mento fiscal mais rápido, equilíbrio na balança comercial a médio prazo equeda persistente da inflação desde o início do período. A soma desseselementos demonstra, entre outros fatores, o papel do equilíbrio fiscal napromoção de um crescimento consistente a longo prazo.

Em oposição, o cenário 2 explicita o ônus de postergar-se o ajustefiscal em benefício de aceleração da taxa de crescimento a curto e médioprazos. A tentativa de promover uma rápida expansão do PIB nos primeirosanos da década 1996-2005 implica relaxar a restrição fiscal no início do perí-odo. O ajustamento mais lento das contas públicas só seria implementadona nova administração que se iniciará em 1999. Somado a uma expansãomenos favorável do comércio mundial, esse quadro conduz à preservação detodo um conjunto de desajustes, que permitem caracterizar o crescimentoacelerado dos primeiros anos da projeção como não-sustentado: ele vemacompanhado de manutenção do déficit comercial até meados do período deprojeção, elevação do déficit público, recuperação mais lenta da taxa de in-vestimento — e, portanto, do crescimento agregado — e maiores pressõesinflacionárias resultando da reintrodução parcial da indexação de contratos.

O confronto entre os dois cenários demonstra, assim, a importânciade se buscar criar condições para que o crescimento econômico desejadoseja apoiado em fundamentos capazes de lhe conferir um caráter sustentadoe equilibrado a longo prazo. E, dentre tais fundamentos, encontra-se, indis-cutivelmente, a promoção de um ajustamento fiscal que contribua para aconsolidação da estabilização com a constituição de um ambiente macroe-conômico favorável ao crescimento.

Uma das conseqüências da estabilização da economia brasileira é oaumento da previsibilidade e, conseqüentemente, do horizonte de planeja-mento, que têm estimulado a elaboração de estudos prospectivos de longoprazo. Espera-se ter mostrado neste trabalho que esse esforço de imagina-ção pode ser auxiliado pelo uso de modelos como aqueles aqui desenvolvi-dos.

Apêndice: um modelo econométrico simples para projeção dos agrega-dos macroeconômicos

Para modelar econometricamente os agregados macroeconômicos demaneira simples e, ao mesmo tempo, com poder explicativo, optamos porconstruir um modelo de equações simultâneas com um número reduzido devariáveis de demanda final. Este modelo incorpora correções capazes de li-dar com quebras estruturais observadas há pouco tempo e não captadaspela estimação econométrica usual. Entre estas destaca-se o uso de umspline nas equações de consumo e importação em 1994: isto é, uma dummyde quebra estrutural para o termo constante e para o coeficiente da renda,

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sujeita à restrição de que o gráfico da variável dependente versus renda sejacontínuo (sem dar saltos).9 Essa variável mostrou-se bastante significativanas regressões e permitiu um melhor ajuste das duas séries nos anos de1994 e 1995, quando as propensões marginais a investir e a importar obser-vadas sofreram um extraordinário incremento.

Os dados são anuais, de 1971 a 1995, e foram obtidos das ContasNacionais do Brasil (IBGE — Departamento de Contas Nacionais), exceto ataxa cambial e, o crescimento das importações mundiais Mw, e a taxa de in-flação ππt.. Os valores utilizados na estimação estão em Reais a preçosconstantes de 1980. O método de estimação utilizado foi o de Mínimos Qua-drados em Três Estágios.

As equações estimadas para os componentes da demanda final, comos desvios-padrão em parênteses sob os coeficientes, são as seguintes:

Yt = Ct + It + Gt + Xt - Mt (Identidade das Contas Nacionais)It = 0,15788 + 0,7648 It-1 + 0,12495 Yt - 0,12254 Yt-2 + 0,11889 Dt (Yt -

Y1993) (0,060867) (0,069944) (0,043325) (0,036331) (0,079773)Xt = 4,3287 + 0,86587 Xt-1 + 0,0057635 Mw(t) + 0,18067 et

(1,6167) (0,072565) (0,0015581) (0,066635)Mt = -7,8355 + 0,025549 Yt - 0,32995 et + 1,0012 Dt (Yt - Y1993) (1,8797) (0,016536) (0,075976) (0,15489)Ct = 0,53798 + 0,2091 Ct-2 + 0,54235 Yt - 0,23328 Tt - 0,055521 πt

(0,077757) (0,083803) (0,061598) (0,082758) (0,015104)

onde:

Yt = Produto Interno Bruto;Ct = Consumo final das famílias;It = Formação Bruta de Capital Fixo;Gt = Consumo final das administrações públicas;Xt = Exportações totais de bens e serviços não-fatores;Mt = Importações totais de bens e serviços não-fatores;Dt = Dummy Spline (= 1 se t>=1994; = 0 c.c.);Tt = Arrecadação total nacional de impostos diretos e indiretos;Mw(t) = Importações mundiais totais;e = Log da taxa de câmbio real em R$/US$;10

______________9 Para maiores detalhes sobre a fórmula do spline, consultar W. Greene (1993), Econometric

analysis, Londres/Nova York, Mac Millan, pp. 235-238.10 Para as projeções, esta variável pode ser interpretada como incorporando aumentos de

produtividade, o que significa que a variação do câmbio nominal deve estar abaixo da vari-ação prevista pela teoria da Paridade do Poder de Compra (PPC). A fórmula da PPC prevêque a variação do câmbio real é igual à variação do câmbio nominal, menos (aproximada-mente) a diferença entre a inflação brasileira e a dos EUA. Algebricamente:

êR = êN - () )p p− * )

Acontece que a inflação brasileira relevante para o cálculo acima é aquela que afeta oscustos das empresas. Esta pode ser obtida pela diferença entre a inflação nominal e oaumento de produtividade:

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πt = Log da taxa de inflação medida pelo IGP-DI da FGV.Cabem aqui os seguintes comentários. Em primeiro lugar, compreen-

de-se que a equação de consumo tenha como uma das variáveis explicati-vas o consumo defasado, o que está de acordo com a hipótese do consumopermanente. Pode causar estranheza, no entanto, o fato de esta variávelaparecer defasada de dois períodos, em vez de um. Na verdade, o queacontece é que parte da arrecadação de tributos refere-se à renda total (e,portanto, consumo) do período anterior. Com isso surge uma forte correlaçãoentre o comportamento de Tt e de Ct-1 (multicolinearidade). Como é necessá-rio referir o consumo presente ao consumo passado de alguma maneira(dado que há nitidamente uma correlação ao longo do tempo), optou-se poruma defasagem de dois períodos.

Quanto ao investimento, optamos por uma equação de acelerador fle-xível. Acontece que o acelerador também foi construído com uma defasagemde dois períodos porque com um período apenas a tendência seria de cres-cimento explosivo no futuro. Dada a mudança estrutural de 1994, o acelera-dor de um período apenas projetaria para frente as elevadas taxas recentes.A presença de Yt-2 suaviza essa tendência. Ao mesmo tempo o coeficientede Yt-1 torna-se não significativo, pois há multicolinearidade entre Yt-1 e Yt-2.Podemos interpretar esta equação como nos dizendo que as decisões deinvestimento têm um certo grau de irreversibilidade, e os investidores aguar-dam mais que um ano para avaliar a tendência de crescimento da renda.

Estimadas as equações acima, realizamos projeções para os anos de1997 a 2005, tendo adotado estimativas comuns aos dois cenários para oano de 1996. Há, porém, um problema em projetar com o uso das quatroequações C, G, X e M para os anos vindouros. Isso porque não há observa-ções suficientes após a quebra estrutural de 1994 (ano de estabilização damoeda) que nos permitam afirmar com segurança quais são as novas pro-pensões marginais a importar e a investir. Não se espera, por exemplo, queo coeficiente da renda na equação de importações continue sendo 1,026749(a soma dos coeficientes de Yt e da dummy) — que é mais de 30 vezesmaior que o valor histórico, pois isso indica uma trajetória explosiva depoisde 1995, que já não está se verificando em 1996 devido a restrições como aadoção de quotas, salvaguardas e elevações de tarifas para vários bens deconsumo. Por outro lado, espera-se, em cada cenário, que o boom de inves-timentos que se seguiu ao Plano Real dê lugar a um comportamento menosvolátil no futuro, com uma trajetória de crescimento mais sólida e consisten-te, embora com uma propensão marginal a investir um pouco menor.

______________) )p y= −π

onde )p é a inflação de custos, π é a inflação nominal (índice geral de preços) e

)y é a va-

riação de produtividade. Substituindo-se esta equação na anterior, conclui-se que, com umavariação positiva da produtividade, o reajuste do câmbio nominal necessário para umamesma taxa de variação do câmbio real é menor.

Page 30: CENÁRIOS MACROECONÔMICOS E AJUSTE FISCAL: A … · 120 Uma forma de superar esse problema é pela construção de cenários. Essa técnica, relativamente pouco desenvolvida no Brasil

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Além disso, a maior participação do setor privado nos investimentosprevista para o período de projeção, a maior mobilidade de capitais interna-cionais e o papel mais ativo da política monetária possibilitado pela quebrada inércia inflacionária — em comparação com o período amostral usadopara as estimações — implicam que a taxa de juros deverá ter um efeitomais sensível sobre os investimentos (e possivelmente sobre consumo) doque teve no passado. Os coeficientes da taxa de juros nas equações de in-vestimento estimadas não foram, porém, estatisticamente significativos.11

Ainda é cedo para avaliar se a taxa de juros interna está explicando o com-portamento do investimento após a estabilização ou não. Presume-se quesim; mas não há observações suficientes para prever em quanto. Substituir ataxa de juros real pela nominal melhora os resultados para o período amos-tral, mas concluímos que tal melhora se deve ao efeito (positivo) da quedada inflação sobre a incerteza do investidor. Isso explicaria a expansão dosinvestimentos a partir de 1994, mesmo com a elevação da taxa real: como aqueda das taxas de inflação em 1994 foi vertiginosa, o efeito da taxa nomi-nal sobre os investimentos fica magnificado. De qualquer maneira, espera-seque para o futuro quedas marginais na inflação afetem menos os investi-mentos do que no passado, ao mesmo tempo em que a taxa real de jurospassa a ter um papel relativamente mais importante.

Sendo assim, optou-se por uma solução intermediária para a proje-ção. Primeiro, adotou-se uma segunda quebra estrutural (ad hoc) no coefici-ente da renda no investimento para 1997 em diante, usando-se outro spline:desta vez forçou-se uma quebra contínua da propensão a investir para me-nos que a dos dois últimos anos — mas ainda resultando num coeficientesubstancialmente maior que o do período preestabilização. Segundo, pas-sou-se a projetar as importações totais como resíduo, dado que a trajetóriado PIB é exógena. Isso nos poupou do trabalho de recorrer ao mesmo artifí-cio realizado para o investimento, já que teríamos dois parâmetros paraajustar.

______________11 Deve-se ainda lembrar que as taxas de juros reais observadas em grande número de anos

da amostra foram negativas.