agricultura: entraves ao desenvolvimento … · brasileiro e para a balança de pagamentos. mais...

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AGRICULTURA: ENTRAVES AO

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Antonio Carlos de Mendes Thame

2014

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A agricultura brasileira é um dos setores mais

dinâmicos de nossa economia. Produz 1/4 do PIB

nacional e gera aproximadamente 1/5 dos

empregos formais do país. Estima-se que o valor

bruto da produção (VBP) das 20 principais

lavouras chegam perto de R$ 300 bilhões (safra

2012/13.

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A modernização da agricultura brasileira vem da

década de 1960, com a implantação de um

modelo lastreado no tripé: crédito rural

subsidiado, extensão rural e pesquisa

agrícola promovida por instituições públicas.

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Mudanças institucionais, durante a década de

1990, corrigiram parte dos bloqueios ainda

existentes: implanta-se, desde então, um novo

padrão de financiamento da agricultura (com

crescentes recursos privados) e uma nova

política cambial que, a partir de 1999, tornou os

produtos de exportação mais competitivos.

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Além disso, influíram decisivamente os incentivos

destinados pelo governo Fernando Henrique

Cardoso (1995/2002). O primeiro incentivo

começou em 1996, com a repactuação das

dívidas de produtores rurais, abrangendo mais

de 9.000 operações bancárias, por prazos de até

20 anos, perfazendo quase R$ 6,5 bilhões. Eram

dívidas contraídas no período de superinflação,

quando os indexadores econômicos corrigiram os

débitos em percentuais acima da variação dos

valores recebidos pela venda da produção,

gerando um descasamento que tornava

impagáveis os empréstimos. Pressionados pelas

dívidas e sem acesso a novos financiamentos, os

produtores não conseguiam investir e ampliar as

lavouras, o que mantinha a safra brasileira

estagnada.

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O segundo incentivo foi o Programa de

Modernização da Frota Agrícola (Moderfrota),

linha de financiamento com juros subsidiados,

que permitiu a aplicação de R$ 5,6 bilhões na

aquisição de um “exército” de máquinas: quase

50 mil tratores e mais de 12 mil colheitadeiras.

Os gastos do governo com subsídios, em torno

de R$ 191 milhões, foram largamente

compensados não apenas pelo aumento da

oferta agrícola, mas também pelo aumento do

salário real dos trabalhadores. Bastaria, para

justificar a importância do Moderfrota, o aumento

da safra agrícola de 83 milhões de toneladas, em

1999/2000, para 122 milhões, em 2003, bem

como o crescimento da produtividade, com

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enormes benefícios para o comércio exterior

brasileiro e para a balança de pagamentos. Mais

que isso, o programa se justificou também sob a

ótica fiscal, pois a arrecadação do Imposto sobre

Produtos Industrializados (IPI) incidente sobre

tratores, colheitadeiras, cultivadores motorizados

e retroescavadeiras cresceu 390%, evoluindo de

R$ 31 milhões para R$ 152 milhões, segundo

dados da Secretaria da Receita Federal. Esse

aumento da receita do IPI quase compensou os

R$ 191 milhões de subsídios ao crédito

concedidos aos agricultores, pois atingiu 80%

dos gastos governamentais com equalização dos

juros.

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O terceiro estímulo foi a intensificação da

pesquisa agrícola, conduzida em boa parte por

instituições e órgãos públicos. Na realidade, a

pesquisa agrícola tem sido sustentáculo do

desenvolvimento da nossa agricultura, desde

meados do século passado. Não fosse ela, nossa

poderosa indústria citrícola não existiria: pomares

teriam sido destruídos pela “tristeza”, nos anos

40. Nossa indústria de açúcar também não seria

a de hoje: canaviais teriam sido eliminados pelo

“carvão” e pelo “mosaico”, nos anos 50. Cafezais

teriam sido dizimados pela ferrugem, nos anos

60.

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Quando, nos anos 70, adveio a crise de petróleo,

o Brasil respondeu com uma fonte alternativa de

energia, advinda da biomassa. Não fosse a

pesquisa agrícola, porém, a produção de álcool

carburante não teria tido tamanhos ganhos de

produtividade que hoje permitem sua

sobrevivência, mesmo sem os subsídios que

viabilizaram sua implantação nos anos 70.

Não fosse a pesquisa agrícola, não teríamos

milho hibrido nem o melhoramento de algodão e

soja, nem seríamos um dos países com imensa

extensão de florestas plantadas. Também não

teríamos conseguido incorporar terras de

cerrados e estaríamos com a fronteira agrícola

esgotada. Cerrados que hoje ajudam a

transformar o Brasil na mais vigorosa agricultura

tropical do planeta.

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O quarto incentivo foi oferecer aos agricultores

relativa tranquilidade de que não teriam suas

terras desapropriadas com base em critérios

meramente políticos, o que foi alcançado, em

parte, graças: a) a vultosos investimentos (R$

13,2 bilhões) para desapropriar e retalhar 18

milhões de hectares (área maior que o Uruguai) e

neles assentar 525.000 famílias; b) à edição de

medida provisória, transformada em lei, para

impedir a desapropriação de áreas invadidas e

não assentar os invasores (que eram

cadastrados) em outras áreas; e c) ao

cumprimento das decisões judiciais para

reintegração de propriedades particulares

invadidas.

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Tais incentivos, que prenunciavam a criação de

uma nova ordem político-institucional, aliados

à absorção de conhecimentos tecnológicos por

agricultores preparados e somados aos estímulos

decorrentes da ampliação dos mercados externo

e interno, impulsionaram o processo

modernizante, que se espalhou rapidamente,

produzindo impactos em muitas regiões do

interior do país, nas quais se criaram vetores de

desenvolvimento social, tanto em territórios da

fronteira, como em áreas estagnadas de

ocupação agrícola antiga, que passaram por

virtuosa reestruturação.

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A partir de então, começam a ficar visíveis os

resultados desta nova fase da agricultura

brasileira: a produção agrícola, que durante

décadas não conseguia passar de 70 milhões de

toneladas de grãos, deslanchou nos últimos anos

do governo FHC, chegando, em 2003, a mais de

122 milhões de toneladas de grãos, cujo plantio

ocorreu quase todo em 2002. Em 2013,

atingimos o recorde de mais de 188 milhões de

toneladas de grãos e oleaginosas, sendo 82

milhões de toneladas de soja e 80 milhões de

toneladas de milho.

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Não se pode ignorar que esta expansão

produtiva recente é fruto de uma crescente

racionalidade gerencial. Também não se pode

omitir que, a partir do final da década de 1990, a

produção e a renda agropecuária passam a

depender crescentemente de investimentos em

tecnologia agrícola, infraestrutura, máquinas, na

qualidade da terra, no treinamento de capital

humano e na disponibilidade e preservação dos

recursos ambientais. Cresceu, por isso, a

necessidade de capital de giro para introduzir ou

continuar utilizando insumos que viabilizam as

inovações imprescindíveis para manter a

rentabilidade, em ambiente de intensa

concorrência.

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Nestas últimas três décadas, a impressionante

evolução da produtividade total de fatores (PTF)

foi determinante para que houvesse tal

crescimento da produção agropecuária, sem um

proporcional aumento da terra agricultável. Nas

últimas duas décadas, o Brasil apresentou os

maiores ganhos de produtividade total dos

fatores (terra, trabalho e capital) da agricultura no

planeta: 3,6% ao ano. O acréscimo na renda, por

sua vez, gerou vigorosos benefícios para a

economia brasileira, permitindo que, já a partir da

segunda metade dos anos 1990, o saldo na

balança comercial decorrente da produção

agropecuária ganhasse velocidade, subindo de

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12 para 20,3 bilhões de dólares, em 2003. A

partir de então, as taxas de crescimento anuais

se tornaram mais significativas, até atingir, em

2011, 77 bilhões de dólares, garantindo um

excepcional saldo positivo das relações

comerciais totais. O agronegócio gerou, em 2013,

um superávit na balança comercial agroindustrial

de quase US$ 83 bilhões. Além disso, evitou um

brutal déficit na balança comercial como um todo,

a qual, mesmo assim, apresentou, em 2013, o

menor superávit em 13 anos (US$ 2,56 bilhões),

pois o país nunca importou tanto como naquele

ano: quase US$ 240 bilhões.

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O principal fator para a obtenção de tamanho

sucesso na produção agrícola foi o

aperfeiçoamento contínuo de um “ambiente

de inovações, difundindo conhecimento e

novos padrões técnicos". Estes novos padrões

técnicos, que têm permitido um permanente

aumento da produtividade, acabam

condicionando novos comportamentos sociais ou,

em termos mais gerais, uma nova

sociabilidade, a qual irá ditar crescentemente as

práticas sociais — inclusive aquelas dos agentes

sociais não envolvidos diretamente com a

produção agrícola (STREECK, 2012).

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Há, porém, nuvens pesadas no horizonte: no

início deste ano, os fretes de soja para 2.200 km

de Mato Grosso aos portos de Santos(SP) ou

Paranaguá(PR) chegaram a US$ 150 por

tonelada, no pico da colheita. Em fevereiro de

2014, o frete de soja de Sorriso (MT) ao porto de

Santos já está em R$ 288,00 por tonelada, valor

que pode chegar a R$ 320,00 no pico da safra

(BIRKLAN, 2014). Além disso, estima-se que

entre 6 e 13% dos grãos de soja exportados são

perdidos no caminho entre a lavoura e o porto. É

importante destacar que esse valor de frete

"consome" 27% das receitas obtidas pelo

produtor brasileiro. Nos EE.UU., nosso principal

concorrente internacional, os modais mais

utilizados para a exportação de soja são o

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ferroviário e o hidroviário. Mesmo com a seca

severa que reduziu a capacidade da hidrovia do

Mississippi, em 2012, conseguiu-se movimentar

grãos a tarifas bem mais baixas do que as

nossas: de Twin Cities (MN) a New Orleans (LA),

pagaram-se US$ 39,62 por tonelada, para um

trajeto de 1.900 km. Esse valor representa 7% da

receita auferida pelo produtor americano

(LOVATELLI, 2013). Portanto, se por um lado,

para atender a crescente demanda mundial por

alimentos, nossa produção agropecuária ainda

precisa crescer muito, por outro lado, fica

evidente que, da porteira para fora, a logística

precária, o armazenamento insuficiente, as

rodovias sem manutenção e a burocracia nos

portos anulam grande parte das vantagens

comparativas auferidas pela produção agrícola.

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Isso tudo indica, inequivocamente, que os

investimentos públicos em transporte

hidroviário, ferroviário e dutoviário estão

atrasados e devem ser priorizados.

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Além disso, estamos perdendo excepcional

oportunidade de nos firmarmos como plataforma

produtora e exportadora de biocombustíveis. O

Estado deveria estar adotando medidas

tributárias e econômicas para incorporar as

vantagens (externalidades positivas) dos

biocombustíveis ao sistema de preços e

induzir investimentos em pesquisas para

desenvolvimento e introdução de novas

tecnologias, que viabilizem um salto de

produtividade e redução dos custos de

produção de biocombustíveis. Também

deveríamos estar priorizando os acordos

bilaterais de livre comercio, para facilitar a

exportação de nossos produtos agroindustriais,

reduzir tarifas de importação e eliminar barreiras

não tarifárias.

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Por outro lado, nosso atual sistema de

fiscalização sanitária permite a aberração de

milhares de fiscais de fábrica serem pagos pelas

próprias empresas, o que tira a credibilidade do

sistema fiscal público e nos deixa com o risco

crônico de assistir, a qualquer momento, à recusa

de produtos exportados brasileiros, por questões

sanitárias, como já ocorreu, no mercado norte-

americano, com nossa carne de aves.

É essencial assegurar a proteção da saúde dos

animais, a sanidade dos vegetais, a qualidade e

segurança higiênico-sanitária dos alimentos e

demais produtos agropecuários.

No Orçamento Geral da União, porém, o

programa “defesa agropecuária” está com

dotação de valor inferior ao orçamento aprovado

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para o ano anterior. Além disso, em 2013, foram

aplicados e pagos no programa apenas R$ 110,7

milhões dos R$ 419,3 milhões autorizados.

Esta execução pífia é decorrência do

contingenciamento imposto pela área econômica

do Governo Federal ao Ministério da Agricultura.

Penúria semelhante foi responsável pela volta da

febre aftosa, em 2005, com graves

consequências para a credibilidade internacional

da carne brasileira.

Para evitar crise previamente anunciada, é

preciso ampliar o orçamento da defesa

agropecuária, pois o atual pode implicar a

degeneração da balança comercial, menor

crescimento da economia e aumento dos preços

dos alimentos (BRANCO, 2013).

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Além disso, urge adotar mecanismos

facilitadores da tomada de crédito para

renovação e expansão de culturas agrícolas

destinadas à produção de biocombustíveis e sua

estocagem. Não é apenas no que refere às

possibilidades de exportação que estamos

deixando passar excepcionais oportunidades.

Também, no que diz respeito ao mercado interno,

não se compreende por que ainda não foi

aumentada a mistura de 25 para 27,5% de etanol

anidro à gasolina e de 5 para 7% de biodiesel ao

diesel mineral, com excepcionais vantagens

ambientais e ganhos econômicos.

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É imprescindível que a inovação tecnológica

prossiga. No entanto, a intensificação da

produção, apoiada no uso de sementes

melhoradas, insumos industriais, máquinas,

disponibilidade de água e gestão produtiva, não

foi neutra do ponto de vista social ou ambiental.

As críticas à agricultura moderna, como reação

ao uso em excesso de produtos químicos na

agricultura, feitas em diversos níveis sociais,

ganharam força com a emergência dos temas

ambientais e o fenômeno global das mudanças

climáticas.

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Por outro lado, a temática ambiental ajuda a

priorizar a opção pela energia alternativa

renovável da biomassa, com ênfase na advinda

da cana-de-açúcar. São conhecidos os

mecanismos que fazem esta planta transformar a

energia do sol em energia química, que tanto

pode gerar açúcar quanto energia. A cana-de-

açúcar é uma das maiores conversoras de

energia solar, caracterizando-se como verdadeira

fábrica de energia renovável e limpa.

O balanço energético dessa planta, na produção

de álcool, mostra que uma unidade de energia

utilizada neste processo gera de 8,3 a 10,3

unidades finais. Além disso, cada metro cúbico

de álcool sequestra, com a substituição da

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gasolina pelo álcool e do óleo combustível pelo

bagaço da cana, 2,6 toneladas equivalentes de

carbono. Ou mais: cada hectare com cana-de-

açúcar produz, em termos líquidos, 60 barris

equivalentes de petróleo, portanto, em 5,5

milhões de hectares colhidos atualmente, no

Brasil, têm-se 900 milhões de barris equivalentes

de petróleo/dia, o que corresponde a metade do

consumo diário total de petróleo no Brasil

(RODRIGUES e CARVALHO, 2005).

Além disso, destaca-se o fato de que nossa

matriz energética é composta de 44% de energia

renovável, enquanto que o índice mundial é 14%.

As emissões líquidas de CO² equivalentes

produzidas pela queima de um litro de etanol

perfazem 400 gramas, enquanto que um litro de

gasolina emite 5 vezes mais, chegando a 2220

gramas.

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Outro efeito positivo do movimento ambientalista

crítico foi induzir o processo de inovação

tecnológica a incorporar, além das “demandas

tradicionais” dos produtores (produtividade,

redução de custos e maior produção), também

respostas aos questionamentos ligados à

produção sustentável, visando a desmontar a

tese da correlação negativa entre agricultura

moderna (com seu insubstituível papel na

alimentação humana) e preservação ambiental.

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Se por um lado é plenamente possível superar tal

dicotomia entre moderna produção agrícola e

ambientalismo, por outro lado, não se pode

ignorar que se acentua uma profunda

diferenciação social, a qual promove intensa

seletividade entre os produtores rurais. Em

nenhum outro momento da história agrária

brasileira, estabelecimentos rurais de menor

porte econômico estiveram tão próximos da

marginalização.

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A imensa maioria (dois terços) dos

estabelecimentos rurais, correspondendo a

quase três milhões de unidades, ficam com

magros 3,3% do total da renda bruta agrícola,

enquanto menos de trinta mil estabelecimentos

rurais (0,62% do total geral) foram responsáveis

pela metade do valor da produção total (ALVES e

ROCHA, 2010).

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Enquanto se pode constatar um grupo reduzido

de produtores preparados para responder às

oportunidades de ampliação de suas atividades,

por outro lado, a vasta maioria dos agricultores

apresenta muito baixa renda, numa inegável

polarização que deixa explícita a necessidade de

políticas públicas para viabilizar economicamente

quase três milhões de estabelecimentos rurais,

os quais, de acordo com o Censo do IBGE de

2006, obtiveram naquele ano, em média, meio

salário-mínimo mensal por estabelecimento (não

por membro da família!).

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A marginalização social desses produtores

encontra pouca compreensão por parte do poder

público, e nenhum “escudo protetor” tem sido

erguido a favor das famílias rurais moradoras dos

pequenos estabelecimentos. Evidentemente, não

serão políticas assistencialistas que solucionarão

o desafio desses pequenos produtores, mas sim

uma política integradora, que facilite sua inclusão

nas cadeias produtivas, como no caso da

integração de aves e suínos, em Santa Catarina

e Rio Grande do Sul.

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Tudo indica que o caminho está num vigoroso

apoio ao associativismo e cooperativismo,

consubstanciado na regulamentação do Artigo

146 da Constituição Federal, consolidando, de

forma organizada e permanente, políticas

públicas de proteção a pequenos e médios

produtores. A agricultura moderna não pode

prescindir da participação das cooperativas,

desde o financiamento, assistência técnica,

prestação de serviços, estocagem e

comercialização.

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Podemos ser um pujante país agrícola,

assentado numa agricultura de bases

tecnologicamente modernas, operada não

apenas por unidades de larga escala, mas

também integrando parcela significativa dos

produtores médios e de menor porte econômico a

este extraordinário processo de transformação,

produtor de alimentos, insumos para a indústria e

de bioenergia. Para tanto, é urgente que se dê

prioridade a:

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a

investimentos públicos e privados para

eliminar graves gargalos na infraestrutura de

armazenagem (só temos capacidade de

armazenar 72% da safra de soja e milho, índice

que nos EE.UU. chega a 133%) e de transporte

de insumos e produtos agrícolas, com ênfase nos

modais hidroviário, ferroviário e dutoviário;

urge viabilizar uma nova logística de transporte

no Norte do País, com escoamento pelos portos

de Itacoatiara (Rio Madeira), Santarém (Rio

Amazonas), Marabá (Rio Tocantins), Mirituba

(Rios Teles Pires/Tapajós) e Vila do Conde

(confluência dos Rios Amazonas e Tocantins, no

Pará), o que implica a conclusão da

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pavimentação das rodovias BR-163 e BR158 e

das Ferrovias de Integração Norte-Sul (FNS),

Centro-Oeste (Fico), Oeste-Leste (Fiol) e

Transnordestina. Basta dizer que 60% da

produção de grãos se concentra nos cerrados,

que serão beneficiados pela nova logística, mas

só 14% dela é hoje escoada pelos portos do

Norte e Nordeste (JANK, 2013).

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b

mudanças na tributação, para incorporar ao

sistema de preços as vantagens (externalidades

positivas) dos biocombustíveis, e para induzir a

industrialização de produtos agrícolas, com

agregação de valor (hoje, café exportado em

grãos paga 8%; torrado paga 15% e café solúvel,

34%);

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c

estímulos ao desenvolvimento de tecnologia

agrícola adequada para países tropicais, onde

ainda há espaço para expansão da agricultura

sustentável, através do fortalecimento de

instituições públicas de pesquisa agrícola e

agroindustrial. Exemplos são o desenvolvimento

de variedades agrícolas para aumentar a

produtividade em regiões com restrições hídricas

e a busca pela melhora do desempenho dos

motores flex, quando abastecidos com etanol;

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d

a progressiva desoneração tributária dos

alimentos da cesta básica do trabalhador (bens

de salário), com a devida compensação aos

Estados produtores, além da padronização e

diminuição dos tributos estaduais incidentes

sobre biocombustíveis;

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e

uma eficaz, dinâmica e bem acompanhada

política de preços mínimos, para assegurar

aumento da produção de alimentos e de matéria

prima agrícola para o setor agroindustrial;

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f

a implantação de incentivos diferenciados

para a produção de máquinas e equipamentos

agroindustriais;

Afinal, a expansão da oferta setorial irriga toda

uma longa cadeia produtiva, com favoráveis

impactos na arrecadação de impostos em todos

os elos da sua cadeia, recuperando com sobras

as reduções de ICMS para o etanol (CARVALHO,

2013).

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g

acordos bilaterais que estimulem o comércio

internacional, com abertura de mercados, no

exterior, para produtos agroindustriais brasileiros

e imediata implementação do acordo

denominado Sistema Geral de Preferências

Comerciais entre países em Desenvolvimento,

assinado pelo Brasil no âmbito da UNCTAD;

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h

decisivo apoio ao associativismo e

cooperativismo;

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i

implantação do modelo de fiscalização

sanitária baseado na amostragem e em punições

severas, no caso de irregularidades constatadas

por ocasião da vistoria a estabelecimentos

produtivos;

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j

extensão do modelo da CNTBio (instância

colegiada multidisciplinar, que presta apoio

técnico consultivo e assessoramento ao Governo

federal na formulação, atualização e

implementação da Política de Biossegurança)

para defensivos, a fim de agilizar a aprovação de

inovações tecnológicas que visam a proteger os

produtores agrícolas de novas doenças e pragas

(que se desenvolvem com muito mais rapidez no

ambiente tropical), as quais lhes impõem perdas

vultosas a cada safra, por não disporem de novas

tecnologias de combate a insetos, bactérias,

vírus, fungos e ervas daninhas.

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Finalizamos com a citação de Ignacy Sachs: “A

biomassa é alimento, é ração animal, é

bioenergia, é adubo verde, é material de

construção, é matéria-prima para a indústria, é

química verde, farmacologia e cosmética.

Precisamos caminhar para a civilização da

biomassa, a fim de construir o século XXI bem

diferente dos dois anteriores, dominados pela

industrialização à base de energia fóssil. Ou

saberemos fazer isso, ou não teremos século

XXII”.

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Referências:

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BUAINAIN, A. M. e outros – Sete teses sobre o mundo rural

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RODRIGUES,R. e L.C.C. CARVALHO – Cana-de-açúcar, um ícone

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Antonio Carlos de Mendes

Thame é engenheiro

agrônomo e professor do

Departamento de economia da

escola Superior de Agricultura

“Luiz de Queiroz”/USP. É

advogado formado pela

Pontifícia Universidade Católica de Campinas

(PUCCAMP), e deputado federal (PSDB-SP). Foi

prefeito de Piracicaba e Secretário de Recursos

Hídricos do Estado de São Paulo

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