administração pública · 3 evoluÇÃo da administraÇÃo pÚblica no brasil durante a maior...

14
www.acasadoconcurseiro.com.br Administração Pública Evolução da Administração Pública no Brasil Professor Rafael Ravazolo

Upload: hoangdan

Post on 08-Nov-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Administração Pública ·  3 EVOLUÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL Durante a maior parte do século XX, o Brasil empreendeu uma continuada tentativa de

www.acasadoconcurseiro.com.br

Administração Pública

Evolução da Administração Pública no Brasil

Professor Rafael Ravazolo

Page 2: Administração Pública ·  3 EVOLUÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL Durante a maior parte do século XX, o Brasil empreendeu uma continuada tentativa de
Page 3: Administração Pública ·  3 EVOLUÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL Durante a maior parte do século XX, o Brasil empreendeu uma continuada tentativa de

www.acasadoconcurseiro.com.br 3

EVOLUÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL

Durante a maior parte do século XX, o Brasil empreendeu uma continuada tentativa de moder-nização das estruturas e processos do aparelho de Estado.

Respondendo a transformações mundiais econômicas e sociais, esse esforço se desenvolveu ora de forma assistemática (ações pontuais), ora de forma mais sistêmica, por meio das refor-mas realizadas pelo governo federal.

Apesar de não haver unanimidade na literatura especializada, pode-se dizer, de maneira geral, que o Brasil passou por duas principais reformas administrativas, caracterizadas pela forte ten-tativa de mudança na forma de administração pública:

• A primeira buscou a transição do modelo Patrimonialista para o Burocrático.

• A segunda procurou evoluir do modelo Burocrático-Patrimonialista para o Gerencial.

Bresser-Pereira resume muito bem os sobressaltos das reformas administrativas brasileiras. A crise da administração pública burocrática começou ainda no regime militar, não apenas por-que este não foi capaz de extirpar o patrimonialismo que sempre a vitimou, mas também por-que esse regime, ao invés de consolidar uma burocracia profissional no país, através da redefi-nição das carreiras e de um processo sistemático de abertura de concursos públicos para a alta administração, preferiu o caminho mais curto do recrutamento de administradores através das empresas estatais.

Esta estratégia oportunista do regime militar, que resolveu adotar o caminho mais fácil da con-tratação de altos administradores através das empresas, inviabilizou a construção no país de uma burocracia civil forte, nos moldes que a reforma de 1936 propunha. A crise agravou-se, entretanto, a partir da Constituição de 1988, quando se salta para o extremo oposto e a admi-nistração pública brasileira passa a sofrer do mal oposto: o enrijecimento burocrático extremo. As consequências da sobrevivência do patrimonialismo e do enrijecimento burocrático, muitas vezes perversamente misturados, são o alto custo e a baixa qualidade da administração pública brasileira.

2.1. Reforma Burocrática

O período a partir de 1930 período marca a implantação do modelo burocrático no Brasil, em meio a um ambiente de forte intervenção do Estado nos setores produtivo e de serviços, nacionalismo econômico e desenvolvimento (econômico, social, incipiente capitalismo industrial).

Administração Pública

Page 4: Administração Pública ·  3 EVOLUÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL Durante a maior parte do século XX, o Brasil empreendeu uma continuada tentativa de

www.acasadoconcurseiro.com.br4

Entender as transformações do Estado brasileiro exige, previamente, saber o contexto geral do período pré-1930:

• Economia mercantil-agrária (produtos primários para exportação);

• Política oligárquica (política dos governadores, coronelismo);

• Administração patrimonialista (nepotismo, clientelismo, prebendas etc.) com alguns traços liberais.

Este modelo patrimonialista de Estado começou a ruir devido a uma sucessão de acontecimen-tos no final da década de 1920:

• A crise de 1929 arruinou a maioria dos fazendeiros de café, fazendo-os perder força e, por consequência, diminuindo seu apoio ao governo;

• A quebra de lógica da “Política Café com Leite”;

• O assassinato do Presidente da Paraíba, João Pessoa;

• A Revolução de 30 que levou Getúlio Vargas ao poder.

A Revolução de 1930 quebrou o paradigma das oligarquias regionais e teve como desdobramento o início da implantação de um quadro admi-nistrativo burocrático pelo governo ditatorial de Vargas.

A criação desse Estado Administrativo se deu através de dois mecanismos típicos da adminis-tração racional-legal: estatutos e órgãos (normativos e fiscalizadores). Exemplo: em 1930 foi criada a Comissão Permanente de Padronização com atribuições voltadas para a área de mate-rial e, no ano seguinte, a Comissão Permanente de Compras.

Esses estatutos e órgãos criados por Vargas incluíam três áreas temáticas que até hoje estrutu-ram a organização pública: Materiais, Finanças e Pessoas (servidores).

Áreas objeto de intervenção governamental:

• Administração de pessoal (criação das primeiras carreiras burocráticas);

• Administração de materiais;

• Orçamento como plano de administração;

• Revisão de estruturas administrativas;

• Racionalização de métodos.

Os primeiros anos de Vargas no poder foram, portanto, voltados para estabelecer princípios e regras e padronizar os procedimentos a serem adotados.

Ao mesmo tempo, Vargas procurou aproximar-se do proletariado urbano com sua legislação trabalhista que incorporava antigas reivindicações operárias. A Constituição de 1934 represen-tou grandes e importantes novidades: o direito de voto das mulheres, a legislação trabalhista, o salário mínimo, a criação da Justiça Eleitoral etc.

Page 5: Administração Pública ·  3 EVOLUÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL Durante a maior parte do século XX, o Brasil empreendeu uma continuada tentativa de

Administração Pública – Evolução da Administração Pública no Brasil – Prof. Rafael Ravazolo

www.acasadoconcurseiro.com.br 5

Somente em 1936, com a criação do Conselho Federal do Serviço Público Civil e de Comissões de Eficiência em cada ministério, houve a primeira reforma significativa na busca de sair do mo-delo patrimonialista, que perdurava desde os tempos do Brasil colônia.

Seguindo as tendências europeias e americanas (que já haviam feito suas reformas no século anterior – civil service reform), o modelo de administração estatal pretendido pela reforma de 1936 foi a burocracia, nos moldes weberianos.

Em 1937, Getúlio instituiu o Estado Novo: fechou o Congresso; dissolveu os partidos políticos; outorgou nova Constituição e passou a governar de modo ditatorial até o final da Segunda Guerra Mundial, em 1945. A ditadura de Vargas foi um período de grande expansão, com refor-mas impostas “de cima para baixo”.

O grande marco dessa reforma administrativa foi a criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), pelo decreto-lei n. 579 de 1938. As principais atribuições eram:

• Realizar estudos detalhados de repartições, departamentos e estabelecimentos públicos para determinar as modificações a serem feitas em vários campos: dotação orçamentária, distribuição, processos de trabalho, relações entre os órgãos e relações com o público.

• Fiscalizar a execução do orçamento, juntamente com o presidente da República.

• Organizar anualmente a proposta orçamentária a ser enviada à Câmara dos Deputados.

• Cuidar da organização dos concursos públicos para cargos federais do Poder Executivo.

• Aperfeiçoar os servidores civis da União.

• Auxiliar o presidente no exame dos projetos de lei submetidos à sanção

• Fixar padrões para os materiais usados no serviço público.

O DASP deveria ser um órgão normativo, de coordenação e controle, encarregado de univer-salizar procedimentos, mas enfrentou problemas, entre eles o fato de o Estado ser visto como oportunidade de empregos com vagas preenchidas por meio de indicações pessoais.

Apesar dos esforços de Vargas e de diversas melhorias implantadas, a lógica clientelista dos empregos públicos nunca foi totalmente erradicada. Em suma, o Estado brasileiro se moderni-zava administrativamente, mas continuava carregando antigas práticas patrimonialistas.

Ao longo do período entre 1930 e 1945 fortaleceu-se a tendência de centralização na adminis-tração do País (poder da União sobre os estados). Após 1937, o Estado passou a assumir feições ainda mais intervencionistas (Estado interventor). Além de sua expansão e ação centralizadora, houve a criação de autarquias* (Institutos de Aposentadoria e Pensões – IAPs) e de empresas que definiram a base futura para o estado desenvolvimentista.

* Pode parecer um paradoxo, mas alguns autores consideram a criação dessa au-tarquia um primeiro sinal de administração Gerencial, em pleno período de reforma burocrática, pois uma autarquia representa a descentralização do poder do Estado.

Em suma, a reforma administrativa do Estado Novo foi o primeiro esforço sistemático de su-peração do patrimonialismo. Foi uma ação deliberada e ambiciosa para burocratizar o Estado brasileiro, que buscava introduzir no aparelho administrativo do país a centralização, a impes-soalidade, a hierarquia, o sistema de mérito, a separação entre o público e o privado. Visava

Page 6: Administração Pública ·  3 EVOLUÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL Durante a maior parte do século XX, o Brasil empreendeu uma continuada tentativa de

www.acasadoconcurseiro.com.br6

constituir uma administração pública mais racional e eficiente, que pudesse assumir seu papel na condução do processo de desenvolvimento.

É importante ressaltar, no entanto, que a implementação dos princípios do modelo burocrático nunca foi completa. A burocracia cumpriu o papel de frear a lógica patrimonialista, porém, não conseguiu acabar de vez com suas práticas.

Os dois modelos passaram a coexistir, pois o Estado ainda fazia concessões ao velho patrimonialismo, que na democracia nascente assumia a forma de clientelismo.

2.2. Décadas de 50 a 90

Desde o final do governo Vargas havia o entendimento de que a uti-lização dos princípios rígidos da administração pública burocrática constituía um empecilho ao desenvolvimento do país. Juscelino Ku-bitschek criou a COSB (Comissão de Simplificação Burocrática) e a CEPA (Comissão de Estudos e Projetos Administrativos), em 1956, buscando realizar reformas globais para modernizar o Estado brasi-leiro. Esse período de JK se caracteriza por uma crescente cisão en-tre a administração direta – rígida e clientelista – e a administração descentralizada – autarquias, empresas, institutos e grupos espe-ciais – dotada de maior autonomia gerencial e que podia recrutar seus quadros sem concursos, remunerando-os em termos compatíveis com o mercado. Constituíram-se, assim, ilhas de exce-lência no setor público.

Após o golpe militar de 1964, o governo Castelo Branco instituiu a Comestra – (Comissão Espe-cial de Estudos da Reforma Administrativa), com o objetivo de proceder ao exame e à prepara-ção de projetos para aumentar o rendimento e produtividade da administração federal.

Do trabalho dessa comissão resultou a edição do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, até então o mais sistemático e ambicioso empreendimento para a reforma da administração fe-deral, conduzido pela SEMOR – Subsecretaria de Modernização e Reforma Administrativa.

Reconhecendo que a burocracia rígida constituía um obstáculo ao desenvolvimento quase tão grande quanto as distorções patrimo-nialistas e populistas, a reforma procurou substituir a administração pública burocrática por uma “administração para o desenvolvimento”.

Bresser-Pereira afirma que a reforma operada em 1967 pelo Decreto-Lei 200 constitui um mar-co na tentativa de superação da rigidez burocrática, podendo ser considerada como um primei-ro momento da administração gerencial no Brasil. Mediante o referido decreto-lei, realizou-se a transferência de atividades para autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, a fim de obter-se maior dinamismo operacional por meio da descentralização funcional.

Os cinco princípios fundamentais previstos no DL 200 são:

Page 7: Administração Pública ·  3 EVOLUÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL Durante a maior parte do século XX, o Brasil empreendeu uma continuada tentativa de

Administração Pública – Evolução da Administração Pública no Brasil – Prof. Rafael Ravazolo

www.acasadoconcurseiro.com.br 7

I – Planejamento.

II – Coordenação.

III – Descentralização.

IV – Delegação de Competência.

V – Controle.

O DL 200/67 era uma espécie de lei orgânica da administração pública, fixando princípios, es-tabelecendo conceitos, balizando estruturas, determinando providências e definindo preceitos claros de organização e funcionamento da máquina administrativa.

Os principais pontos da DL 200/67 são:

• Instituição dos princípios do planejamento, da coordenação, da descentralização, da dele-gação de competência e do controle;

• Definição de programas de duração plurianual e do orçamento-programa anual como ba-ses para a atividade do Estado.

Art. 15. A ação administrativa do Poder Executivo obedecerá a programas gerais, se-toriais e regionais de duração plurianual, elaborados através dos órgãos de planeja-mento, sob a orientação e a coordenação superiores do Presidente da República.

Art. 16. Em cada ano, será elaborado um orçamento-programa, que pormenorizará a etapa do programa plurianual a ser realizada no exercício seguinte e que servirá de roteiro à execução coordenada do programa anual.

Art. 18. Toda atividade deverá ajustar-se à programação governamental e ao orça-mento-programa e os compromissos financeiros só poderão ser assumidos em conso-nância com a programação financeira de desembolso.

• Distinção entre a administração direta — os ministérios e demais órgãos diretamente su-bordinados ao presidente da República — e a indireta, constituída pelos órgãos descentra-lizados — autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista;

• Garantia de autonomia para as autarquias, sociedades de economia mista, fundações e empresas públicas.

• Fortalecimento e flexibilização do sistema do mérito – nas unidades descentralizadas foram utilizados empregados celetistas, submetidos ao regime privado de contratação de traba-lho (sem concurso).

• Fixação da estrutura do Poder Executivo federal, indicando os órgãos de assistência imedia-ta do presidente da República e distribuindo os ministérios entre os setores político, eco-nômico, social, militar e de planejamento, além de apontar os órgãos essenciais comuns aos diversos ministérios – reagrupamento de departamentos, divisões e serviços em 16 ministérios;

• Definição das bases do controle externo e interno.

• Estabelecimento de normas mais flexíveis de aquisição e contratação de bens e serviços;

Page 8: Administração Pública ·  3 EVOLUÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL Durante a maior parte do século XX, o Brasil empreendeu uma continuada tentativa de

www.acasadoconcurseiro.com.br8

• Desenho dos sistemas de atividades auxiliares – pessoal, orçamento, estatística, adminis-tração financeira, contabilidade e auditoria e serviços gerais.

Embora tenha se verificado um crescimento na administração direta, sobretudo com o aumen-to do número de ministérios que foram desmembrados de outros, a marca maior do modelo foi mesmo a expansão da administração indireta.

Essa expansão buscava maior agilidade e flexibilidade de atuação dessas entidades, melhor atendimento às demandas do Estado e da sociedade, facilidade de aporte de recursos e, natu-ralmente, facilidade de recrutamento, seleção e remuneração.

Isso resultou no fenômeno da dicotomia entre o “Estado tecnocrático e moderno” das instân-cias da administração indireta e o “Estado burocrático, formal e defasado” da administração direta.

Com a crise política e econômica de meados dos anos 70 e a transição democrática de 84, a re-forma ficou inacabada e, com isso, o Decreto-Lei no 200/67 deixou sequelas negativas.

Em primeiro lugar, o ingresso de funcionários sem concurso público permitiu a reprodução de velhas práticas patrimonialistas. Surgiu uma elite burocrática pública de alta qualidade – con-tratada principalmente através de empresas estatais-, bem preparada, bem paga, que teve um papel fundamental na execução dos projetos de desenvolvimento industrial.

Em segundo lugar, a negligência com a administração direta – rígida – que não sofreu mudan-ças significativas na vigência do decreto, deixou de realizar concursos e de desenvolver carrei-ras de altos administradores e, por consequência, enfraqueceu o núcleo estratégico do Estado.

Os militares abandonaram o poder deixando como saldo um país em crise.

Em setembro de 1985, é lançado o primeiro programa de reformas do governo Sarney, que tinha três objetivos prin-cipais: racionalização das estruturas administrativas, for-mulação de uma política de recursos humanos e conten-ção de gastos públicos.

Quanto à estrutura, o que se pretendia era fortalecer a ad-ministração direta com base na assertiva de que ela tinha sido negligenciada em detrimento da administração indi-reta. Foi criada, por exemplo, a Escola Nacional de Administração Pública (Enap), com o intuito de formar novos dirigentes.

Houve a tentativa de resgatar o sistema de mérito, elaboração um novo plano de carreira, uma revisão do estatuto do funcionalismo e um plano de retribuições. O governo, porém, fracassou em tais tentativas.

A Constituição de 1988 produziu avanços significativos, particularmente no que se refere à de-mocratização da esfera pública e aos avanços sociais. Atendendo aos clamores de participação nas decisões públicas, foram institucionalizados mecanismos de democracia direta, favorecen-do um maior controle social da gestão estatal, incentivou-se a descentralização político-admi-nistrativa e resgatou-se a importância da função de planejamento.

Outro grande mérito foi a exigência de concurso público para entrada no serviço público, redu-zindo substancialmente o empreguismo que tradicionalmente caracterizou o Estado.

Page 9: Administração Pública ·  3 EVOLUÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL Durante a maior parte do século XX, o Brasil empreendeu uma continuada tentativa de

Administração Pública – Evolução da Administração Pública no Brasil – Prof. Rafael Ravazolo

www.acasadoconcurseiro.com.br 9

Apesar dos propalados avanços democráticos, autores consideram a Constituição de 1988 um retrocesso em termos de Administração Pública. O termo “novo populismo patrimonialista” descreve bem esse contexto.

Desde a década de 80 o modelo de Estado Burocrático já se encontrava completamente ar-caico. Chamada, economicamente, de “década perdida”, o crescimento econômico estagnou. Surgiu a consciência (neoliberal) de que este Estado deveria se tornar um Mínimo, mantendo apenas a ordem através da educação, da saúde e da segurança, e da justiça. Deveria, ainda, se adaptar às tendências competitivas globais, evidenciadas pela rápida abertura aos capitais e comércio internacionais, associada à privatização das empresas estatais e à redução do peso do Estado na economia.

A transição democrática brasileira, porém, havia ocorrido graças a uma aliança da burguesia (mais especificamente dos empresários industriais) com os grupos democráticos e de esquerda da classe média burocrática. Por exemplo: por pressão de interesses corporativos, as leis rela-tivas aos funcionários públicos estabeleciam mais de 100 direitos, uns dois ou três deveres e alguns poucos dispositivos sobre o processo disciplinar e as sanções cabíveis em caso de falta grave.

A ideologia dominante, além de nacional-desenvolvimentista, protecionista e estatista, preten-dia ser keynesiana (de bem estar social). Através do déficit público seriam combinados magica-mente desenvolvimento e distribuição de renda.

No anseio de reduzir as disparidades entre a administração central e a descentralizada, acabou por eliminar a flexibilidade da administração indireta que constituía o setor dinâmico da admi-nistração pública (apesar de casos de ineficiência, de excesso de autonomia às empresas esta-tais e de alguns abusos em termos de remuneração e empreguismo). Ela foi equiparada, para efeito de mecanismos de controle e procedimentos, à administração direta.

A aplicação de um regime jurídico único (RJU) a todos os servidores públicos abruptamente transformou milhares de empregados celetistas em estatutários, gerando um problema ainda não solucionado para a gestão da previdência dos servidores públicos, pois assegurou aposen-tadorias com salário integral para todos aqueles que foram incorporados compulsoriamente ao novo regime sem que nunca tivessem contribuído para esse sistema.

O RJU institucionalizou vantagens e benefícios que permitiram um crescimento fora de contro-le das despesas com pessoal, criando sérios obstáculos ao equilíbrio das contas públicas e aos esforços de modernização administrativa em todos os níveis de governo.

Em síntese, o retrocesso burocrático ocorrido no país entre 1985 e 1989 foi uma reação ao clientelismo que dominou o país naqueles anos, mas também foi uma afirmação de privilégios corporativistas e patrimonialistas.

Em vez de perceber que estava na hora de abrir a economia para torná-la mais competitiva e de reformar o Estado para reconstruí-lo, insistiu-se em lutar contra a abertura comercial e em se defender o estabelecimento de uma política industrial protecionista. Essa estratégia não fazia sentido para a nação, dada a crise do Estado e a dimensão da dívida externa. Como consequên-cia do agravamento da crise, abriu-se espaço para que as ideias neoliberais e entrassem forte-mente no país.

Page 10: Administração Pública ·  3 EVOLUÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL Durante a maior parte do século XX, o Brasil empreendeu uma continuada tentativa de

www.acasadoconcurseiro.com.br10

A crise do Estado pode ser vista sob distintas óticas:

1. Crise fiscal – devido ao excesso de gastos, o Estado passa a ser devedor e perde continua-mente crédito; consequentemente, falta dinheiro para investir em serviços.

2. Falência do modelo intervencionista do Estado, que deixa de atender às demandas sociais;

3. Ineficácia do sistema (burocrático) da Administração do Estado.

As reformas econômicas e o ajuste fiscal ganharam impulso no governo Collor. Esse governo foi contraditório: ao mesmo tempo em que iniciou as necessárias reformas orientadas para o mer-cado, foi equivocado na Administração Pública, ao confundir reforma do Estado com corte de funcionários, redução dos salários reais e diminuição do tamanho do Estado a qualquer custo.

Porém, na década de 90, as propostas de ajuste oriundas do modelo neoliberal de Estado mínimo mostraram-se irrealistas e houve a percepção de que a estagnação econômica era pro-vocada pela crise do Estado. Nesse momento, ganhou força o tema da reforma do Estado, ou então da sua reconstrução de forma que ele não apenas garantisse a propriedade e os con-tratos, mas também exercesse seu papel complementar ao mercado na coordenação da economia e na busca da redução das desigualdades sociais.

Segundo Bresser Pereira, se a proposta de um Estado mínimo não é realista, e se o fator básico subjacente à desaceleração econômica e ao aumento dos níveis de desemprego é a cri-se do Estado, a conclusão só pode ser uma: o caminho para resolver a crise não é provocar o definhamento do Estado, enfraquecê-lo ainda mais do que já está enfraquecido, mas reconstruí-lo, reformá-lo.

2.3. Reforma Gerencial

Em 1995, no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, houve aprofundamento dessa crise do Estado (principalmente fiscal e política) e emergência por reformas estruturais.

Em janeiro do mesmo ano foi criado o Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado – MARE, sob a responsabilidade do Mi-nistro Luiz Carlos Bresser Pereira, e instalada a Câmara da Reforma do Estado, instância interministerial deliberativa sobre planos e pro-jetos de implementação da reforma. O resultado foi a elaboração do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado – PDRAE.

O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado foi o documen-to orientador dos projetos de reforma. A partir de um diagnósti-co que apontou os principais problemas da administração pública brasileira nas dimensões institucional-legal, cultural e de gestão, ele propôs um novo modelo conceitual apoiado no Modelo Ge-rencial.

Page 11: Administração Pública ·  3 EVOLUÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL Durante a maior parte do século XX, o Brasil empreendeu uma continuada tentativa de

Administração Pública – Evolução da Administração Pública no Brasil – Prof. Rafael Ravazolo

www.acasadoconcurseiro.com.br 11

2.3.1. Setores do Estado

O PDRAE distinguia os quatro segmentos fundamentais da ação do Estado:

NÚCLEO ESTRATÉGICO: corresponde ao governo propriamente dito. É o setor que define as leis e as políticas públicas, e cobra o seu cumprimento. É, portanto, o setor onde as decisões estra-tégicas são tomadas. Corresponde aos Poderes Legislativo e Judiciário, ao Ministério Público e, no Poder Executivo, ao Presidente da República, aos ministros e aos seus auxiliares e assessores diretos, responsáveis pelo planejamento e formulação das políticas públicas.

ATIVIDADES EXCLUSIVAS: é o setor em que são prestados serviços que só o Estado pode rea-lizar. São serviços em que se exerce o poder extroverso do Estado – o poder de regulamentar, fiscalizar, fomentar. Como exemplos temos: a cobrança e fiscalização dos impostos, a polícia, a previdência social básica, o serviço de desemprego, a fiscalização do cumprimento de normas sanitárias, o serviço de trânsito, a compra de serviços de saúde pelo Estado, o controle do meio ambiente, o subsídio à educação básica, o serviço de emissão de passaportes etc.

SERVIÇOS NÃO EXCLUSIVOS: é o setor onde o Estado atua simultaneamente com outras orga-nizações públicas não estatais e privadas. As instituições desse setor não possuem o poder de Estado. Este, entretanto, está presente porque os serviços possuem alta relevância e envolvem direitos humanos fundamentais, como os da educação e da saúde. São exemplos desse setor: as universidades, os hospitais, os centros de pesquisa e os museus.

PRODUÇÃO DE BENS E SERVIÇOS PARA O MERCADO: corresponde à área de atuação das em-presas. É caracterizado pelas atividades econômicas voltadas para o lucro que ainda permane-cem no aparelho do Estado como, por exemplo, as do setor de infraestrutura. Estão no Estado seja porque faltou capital ao setor privado para realizar o investimento, seja porque são ativida-des naturalmente monopolistas, nas quais o controle via mercado não é possível, tornando-se necessária, no caso de privatização, a regulamentação rígida.

Cada um destes quatro setores referidos apresenta características peculiares, tanto no que se refere às suas prioridades, quanto aos princípios administrativos adotados. A seguir, uma tabe-la com o resumo dessas características, conforme a proposição do PDRAE.

Page 12: Administração Pública ·  3 EVOLUÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL Durante a maior parte do século XX, o Brasil empreendeu uma continuada tentativa de

www.acasadoconcurseiro.com.br12

2.3.2. Estratégias

O PDRAE abordava três dimensões estratégicas, as quais deveriam ser levadas em consideração simultaneamente para o sucesso da implantação do Modelo Gerencial:

1. Dimensão institucional-legal: alterar e/ou criar leis e instituições para adequar o Estado ao modelo gerencial. A operacionalização das mudanças pretendidas exige, a priori, o aper-feiçoamento do sistema jurídico-legal, notadamente de ordem constitucional, de maneira a remover os constrangimentos existentes que impedem a adoção de uma administração ágil e com maior grau de autonomia. Neste sentido, a reforma contempla a proposição de emendas constitucionais, como a reforma tributária e a reforma da previdência.

2. Dimensão cultural: sepultar de vez o patrimonialismo e passar por uma transição burocrá-tica–gerencial.

3. Dimensão gestão: colocar em prática as novas ideias gerenciais e oferecer à comunidade um serviço público mais barato, com um melhor controle e uma melhor qualidade (exce-lência no serviço público).

2.3.3. Alguns resultados

O Plano Diretor como um todo não foi implantado, uma vez que contou com a resistência dos servidores públicos, da população e dos partidos da oposição. No entanto, a essência do plano foi absorvida e gerou alguns frutos:

• quebra do monopólio no setor de energia, fundamental para a expansão dos investimentos em prospecção de petróleo, o que acabou permitindo ao Brasil alcançar a autossuficiência em produção petrolífera;

Page 13: Administração Pública ·  3 EVOLUÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL Durante a maior parte do século XX, o Brasil empreendeu uma continuada tentativa de

Administração Pública – Evolução da Administração Pública no Brasil – Prof. Rafael Ravazolo

www.acasadoconcurseiro.com.br 13

• dentro do Plano Nacional de Desestatização, foram vendidos diversos ativos de proprieda-de da União e outros com participação minoritária do Estado. Foram arrecadados US$ 78 bilhões com a venda, e transferidos US$ 15 bilhões de dívidas das empresas;

• para regular e fiscalizar as diversas empresas privatizadas, o governo criou as Agências Re-guladoras, como a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), a Agência Nacional de Petróleo e Gás (ANP), e a Agência Na-cional de Águas (ANA);

• no campo macroeconômico, o controle da inflação assumiu caráter estratégico – sistema de metas de inflação, acompanhado pelo Banco Central;

• lei de responsabilidade fiscal – fixou limites para gastos com pessoal e para o volume de endividamento e criou mecanismos de responsabilização penal para os administradores públicos que infringem a lei;

• Emenda Constitucional 19/98

• incluiu a Eficiência como princípio da Administração Pública no artigo 37 da Constituição Federal;

• avaliação e possibilidade de perda do cargo por insuficiência de desempenho

• reforma da Previdência – substituição da aposentadoria por tempo de serviço pela aposen-tadoria por tempo de contribuição, a instituição de limite de idade para a aposentadoria integral dos servidores públicos, aumento da idade mínima para aposentadoria dos traba-lhadores do setor privado, instituição do fator previdenciário. Assim, o valor do benefício passou a depender da idade, do tempo de contribuição e da expectativa de vida;

• no campo social, foram criados o Bolsa-Escola, o Auxílio gás, etc. Era um sistema de transfe-rência direta de renda condicionada à frequência escolar das crianças das famílias dos be-neficiários. Posteriormente os programas de proteção social foram unificados e ampliados através do programa Bolsa-Família.

Page 14: Administração Pública ·  3 EVOLUÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL Durante a maior parte do século XX, o Brasil empreendeu uma continuada tentativa de