administração pública - administração (1)

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livro sobre admistração pública

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Page 1: Administração Pública - Administração (1)
Page 2: Administração Pública - Administração (1)

Administração Pública

Elizabeth Rosa

Page 3: Administração Pública - Administração (1)

Jouberto Uchôa de MendonçaReitor

Amélia Maria Cerqueira UchôaVice-Reitora

Jouberto Uchôa de Mendonça JuniorPró-Reitoria Administrativa - PROAD

Ihanmarck Damasceno dos SantosPró-Reitoria Acadêmica - PROAC

Domingos Sávio Alcântara MachadoPró-Reitoria Adjunta de Graduação - PAGR

Temisson José dos SantosPró-Reitoria Adjunta de Pós-Graduaçãoe Pesquisa - PAPGP

Gilton Kennedy Sousa FragaPró-Reitoria Adjunta de Assuntos Comunitários e Extensão - PAACE

Jane Luci Ornelas FreireGerente do Núcleo de Educação a Distância - Nead

Andrea Karla Ferreira NunesCoordenadora Pedagógica de Projetos - Nead

Lucas Cerqueira do ValeCoordenador de Tecnologias Educacionais - Nead

Equipe de Elaboração e Produção de Conteúdos Midiáticos: Alexandre Meneses Chagas - Supervisor Ancéjo Santana Resende - CorretorAndira Maltas dos Santos – DiagramadoraBruno Costa Pinheiro - WebdesignerClaudivan da Silva Santana - DiagramadorEdilberto Marcelino da Gama Neto – DiagramadorEdivan Santos Guimarães - DiagramadorFábio de Rezende Cardoso - WebdesignerGeová da Silva Borges Junior - IlustradorMárcia Maria da Silva Santos - CorretoraMatheus Oliveira dos Santos - IlustradorMonique Lara Farias Alves - WebdesignerPedro Antonio Dantas P. Nou - WebdesignerRebecca Wanderley N. Agra Silva - DesignerRodrigo Otávio Sales Pereira Guedes - WebdesignerRodrigo Sangiovanni Lima - AssessorWalmir Oliveira Santos Júnior - Ilustrador

Redação:Núcleo de Educação a Distância - NeadAv. Murilo Dantas, 300 - FarolândiaPrédio da Reitoria - Sala 40CEP: 49.032-490 - Aracaju / SETel.: (79) 3218-2186E-mail: [email protected]: www.ead.unit.br

Impressão:Gráfi ca GutembergTelefone: (79) 3218-2154E-mail: grafi [email protected]: www.unit.br

Banco de ImagensShutterstock Copyright © Sociedade de Educação Tiradentes

R788a Rosa, Elizabeth Administração pública / Elizabe-th Rosa. – Aracaju: UNIT, 2011.

190 p.: il. : 22 cm.

Inclui bibliografia

1. Administração pública. 2. Gestão pública. I. Universidade Tiradentes – Educação a Distância II. Título.

CDU: 351

Page 4: Administração Pública - Administração (1)

Apresentação

Prezado(a) estudante, A modernidade anda cada vez mais atrelada ao

tempo, e a educação não pode ficar para trás. Prova disso são as nossas disciplinas on-line, que possibi-litam a você estudar com o maior conforto e comodi-dade possível, sem perder a qualidade do conteúdo.

Por meio do nosso programa de disciplinas on-

line você pode ter acesso ao conhecimento de forma rápida, prática e eficiente, como deve ser a sua forma de comunicação e interação com o mundo na mo-dernidade. Fóruns on-line, chats, podcasts, livespace, vídeos, MSN, tudo é válido para o seu aprendizado.

Mesmo com tantas opções, a Universidade Tiraden-

tes optou por criar a coleção de livros Série Bibliográfica Unit como mais uma opção de acesso ao conhecimento. Escrita por nossos professores, a obra contém todo o con-teúdo da disciplina que você está cursando na modalida-de EAD e representa, sobretudo, a nossa preocupação em garantir o seu acesso ao conhecimento, onde quer que

você esteja.

Desejo a você bom aprendizado e muito sucesso!

Professor Jouberto Uchôa de Mendonça

Reitor da Universidade Tiradentes

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Page 6: Administração Pública - Administração (1)

SumárioParte 1: Elementos da Administração Pública e

Modelos de Gestão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

Tema 1: A Administração Pública em Sentido Amplo e

em Sentido Estrito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

1.1. Estado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14

1.2. Governo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

1.3. Administração Pública . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36

1.4 Políticas Públicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47

Tema 2: Modelos de Gestão Pública e o Processo de

Reforma do Estado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57

2.1. Patrimonialismo, Burocracia e Gerencialismo . . . . . . . . . 58

2.2. O Processo de Reforma do Estado e a Nova Administração

Pública . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68

2.3. Os Modelos de Gestão Pública e o Processo de Construção

do Estado no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77

2.4. Tendências da Gestão Pública Contemporânea . . . . . . . 88

Parte 2: Princípios, Controle e Atividades Financeirasna Administração Pública Brasileira . . . 99

Tema 3: Princípios Gerais e Controle da Administração Pública

no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101

3.1. Ética e Princípios da Administração Pública . . . . . . . . . 102

3.2. Controle na Administração Pública . . . . . . . . . . . . . . . . . 112

3.3. A Lei de Responsabilidade Fiscal . . . . . . . . . . . . . . . . . . .124

3.4. As Agências Reguladoras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .132

Tema 4: Atividade Financeira do Estado Brasileiro . . . . . . . . . . . . 143

4.1. O Poder de Compra do Estado e o Processo de Licitação 144

4.2. As Finanças Públicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 154

4.3. O Processo Orçamentário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 164

4.4. A Contabilidade Pública e a Auditoria Pública . . . . . . . .176

Bibliografi a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 187

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Ementa

Elementos da Administração Pública e Mode-los de Gestão. A Administração Pública em Senti-do Amplo e em Sentido Estrito: Estado; Governo; Administração Pública; Políticas Públicas. Modelos de Gestão Pública e o Processo de Reforma do Estado: Patrimonialismo, Burocracia e Gerencialismo; O Pro-cesso de Reforma do Estado e a Nova Administração Pública; Os Modelos de Gestão Pública e o Processo de Construção do Estado no Brasil; Tendências da Gestão Pública Contemporânea. Princípios e Ferra-mentas de Gestão da Administração Pública Brasi-leira. Princípios Gerais da Administração Pública no Brasil: Ética e Princípios da Administração Pública; Controle na Administração Pública; A Lei de Respon-sabilidade Fiscal; As Agências Reguladoras. Ativida-de Financeira do Estado Brasileiro: Patrimonialismo, Burocracia e Gerencialismo; As Finanças Públicas; O Processo Orçamentário; A Contabilidade Pública e a Auditoria Pública.

Objetivos

Geral

Oferecer ao aluno uma ampla visão da Adminis-tração Pública, explicitando a sua permanente interlo-cução com outros campos do conhecimento, como a Ciência Política, a História e a Sociologia. E também a sua interrelação com a Administração de Empresas, particularmente no que se refere às ferramentas de gestão. O aluno deve sair do curso com uma visão ampla acerca da discussão sobre o papel do Estado; a relação entre Administração Pública, política e socie-dade; o processo de formação do Estado no Brasil e as tendências da gestão pública contemporânea.

Concepção da Disciplina

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Específicos

• Esclarecer as diferenças entre os conceitos de Estado, Governo e Administração Pública.

• Explicitar a complexidade do processo de construção das políticas públicas.

• Apresentar os 3 modelos de gestão pública já experimentados no mundo.

• Discutir como um dos 3 modelos de gestão – o gerencialismo – emerge no contexto da re-forma do Estado, a partir da década de 1990.

• Mostrar o processo de construção do Estado no Brasil.

• Discutir os princípios gerais da Administração Pública no Brasil.

• Apresentar os conceitos centrais da atividade financeira do Estado no Brasil.

Orientação para Estudo

A disciplina propõe orientá-lo em seus procedi-mentos de estudo e na produção de trabalhos cien-tíficos, possibilitando que você desenvolva em seus trabalhos pesquisas, o rigor metodológico e o espírito crítico necessários ao estudo.

Tendo em vista que a experiência de estudar a distância é algo novo, é importante que você observe algumas orientações:

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• Cuide do seu tempo de estudo! Defina um horário regular para acessar todo o conteúdo da sua disciplina disponível neste material impresso e no Ambiente Virtual de Aprendi-zagem (AVA). Organize-se de tal forma para que você possa dedicar tempo suficiente para leitura e reflexão;

• Esforce-se para alcançar os objetivos pro-postos na disciplina;

• Utilize-se dos recursos técnicos e huma-nos que estão ao seu dispor para buscar esclarecimentos e para aprofundar as suas reflexões. Estamos nos referindo ao con-tato permanente com o professor e com os colegas a partir dos fóruns, chats e encontros presenciais. Além dos recursos disponíveis no Ambiente Virtual de Apren-dizagem – AVA.

Para que sua trajetória no curso ocorra de forma tranquila, você deve realizar as atividades propostas e estar sempre em contato com o professor, além de acessar o AVA.

Para se estudar num curso a distância deve-se ter a clareza que a área da Educação a Distância pau-ta-se na autonomia, responsabilidade, cooperação e colaboração por parte dos envolvidos, o que requer uma nova postura do aluno e uma nova forma de con-cepção de educação.

Por isso, você contará com o apoio das equipes pedagógica e técnica envolvidas na operacionalização do curso, além dos recursos tecnológicos que contri-buirão na mediação entre você e o professor.

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ELEMENTOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E MODELOS DE GESTÃO

Parte 1

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1A Administração Pública em Sentido Amplo e em Sentido Estrito

Definir o que é Administração Pública não consiste em tarefa fácil. O termo pode ser usado em sentido amplo, quando nos refe-rimos à sua abrangência ou ao seu significado enquanto campo de estudo. Mas também pode ser empregado em sentido estrito, quando temos como foco a execução das atividades administrativas no setor público.

Em sentido amplo, a Administração Pública não pode ser des-vinculada do estudo da política, do Estado e do Governo. Neste tema, vamos procurar apreender o sentido de cada uma dessas expressões, bem como entender o ciclo de construção das políticas públicas, quando fica clara a interseção entre os conceitos abordados. Em sen-tido estrito, como veremos, a administração pública se aproxima mais das ferramentas de gestão e tendências de organização utilizadas no setor privado.

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Administração Pública14

1.1. EstadoNo nosso cotidiano, falamos correntemente

sobre o Estado, seu papel, suas deficiências. Mas você já parou para pensar no significado do ter-mo? Auxiliá-lo nesta tarefa é a primeira proposta do nosso curso. Pronto para começar os estudos? Vamos, então, tentar compreender o significado da expressão Estado, central para o entendimento da Administração Pública em sentido amplo?

Originada do latim status, a palavra Estado de-signa uma sociedade política organizada, dotada de autoridade e munida de uma série de regras destina-das a garantir a convivência entre seus integrantes. Com sentido próximo a este, o termo foi introduzido na literatura política no período da Renascença. Isso por meio da obra “O Príncipe”, de autoria de Nicolau Maquiavel (1469-1527), publicada pela primeira vez em 1531 (MATIAS-PEREIRA, 2009; MENEZES, 1994).

Hoje, quando empregamos o termo Estado, re-ferimo-nos a um ordenamento político, social e jurí-dico obrigatoriamente constituído por 03 elementos: o Governo, o povo e o território. De forma resumida, esses conceitos podem ser definidos assim:

Governo: é o somatório de todas as pessoas e órgãos encarregados de exercer o poder dentro de um Estado e de gerir a coisa pública. Compreende os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Engloba pessoas como o Presidente da República, os minis-tros, os juízes e todos os demais agentes encarrega-dos de auxiliá-los e assessorá-los em um conjunto de ações voltadas para o planejamento, a implantação e o acompanhamento das políticas públicas.

povo: é representado pela sociedade como um todo, pela população, pelo conjunto de cida-dãos que, com igualdade de direitos e deveres pe-rante a lei, encontram-se submetidos à autoridade suprema do Estado.

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15Tema 1 | A Administração Pública em Sentido Amplo e em Sentido Estrito

território: é a base geográfica sobre a qual o Estado exerce sua soberania (autoridade supre-ma). Podemos dizer que o território compreende “o solo, rios, lagos, mares interiores, águas adjacen-tes, golfos, baías e portos”, bem como “a parte ju-ridicamente atribuída a cada Estado sobre os rios, lagos e mares contíguos”. Abrange, ainda, “o espa-ço aéreo [...] até a altura determinada pelas neces-sidades da polícia e segurança do país”. Devemos, também, incluir no território “os navios de guerra, onde quer que se encontrem, e os navios mercan-tes em alto-mar ou em águas nacionais” (BUARQUE DE HOLANDA, 1986, p. 1669).

Quadro I - Elementos constitutivos do Estado

Elemento Definição

Governo soberano

Pessoas e órgãos institucio-nalmente encarregados de exercer o poder de forma so-berana e que detêm a auto-ridade para definir o ordena-mento jurídico.

Povo

Conjunto de cidadãos sub-metidos às mesmas regras, leis e ao poder soberano do Estado.

Território

Base geográfica do Estado, formada por solo, rios, la-gos, mares interiores, águas adjacentes, golfos, baías e portos, espaço aéreo, navios de guerra e navios mercantes em alto-mar ou em águas nacionais

Fonte: adaptado de Alexandrino e Paulo (2007), Buarque de Holanda (1986) e Madeira (2010).

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Administração Pública16

As definições até aqui colocadas são utili-zadas para esclarecer o sentido adquirido pela palavra Estado a partir do advento do Estado moderno, que surgiu em meados do século XV, com o advento das monarquias constitucionais. Primeiro, na França, Inglaterra e Espanha. De-pois, em diversos outros países europeus, afir-mando-se, então, ao longo do século XVI, quan-do se disseminou por outras partes do mundo.

Mas a noção de Estado existe desde a An-tiguidade. Só que utilizada sob diferentes de-nominações. Ela está presente, por exemplo, no conceito grego de polis, empregado, na época, para definir a sociedade circunscrita aos limites urbanos. Ou seja, algo semelhante ao que, hoje, chamamos de cidade. Também pode ser encontra-da nas ideias romanas de civitas – conjunto dos habitantes – e de res publica – coisa comum à coletividade (MENEZES, 1994).

Na verdade, ao longo da história, tivemos diversas formas de Estado anteriores à do Esta-do moderno, algumas mais primitivas, outras mais sofisticadas. Todas, porém, tratando de algum tipo de organização destinada a ordenar a convivência, em grupo, dos integrantes de dada sociedade, em um determinado território, por meio de regras a serem acatadas pela coletividade. Mas, por que diferentes sociedades buscaram essa forma de or-ganização coletiva?

Tendo-se como referência o uso do termo em perspectiva histórica mais ampla, encontra-mos várias teorias sobre as razões para o surgi-mento do Estado. Na impossibilidade de resumir aqui a ampla literatura acerca do tema, vamos nos debruçar sobre as 3 correntes apontadas por Bresser-Pereira (2005b) como as linhas básicas de interpretação sobre o assunto em questão.

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17Tema 1 | A Administração Pública em Sentido Amplo e em Sentido Estrito

Corrente histórica: inicia-se em Aristóteles (384 a.C – 322 a.C) e agrega outros estudiosos, como Hegel (1770-1831), Marx (1818- 1883) e En-gels (1820-1895). Defende que o Estado tem sua origem ligada à criação de um excedente de pro-dução. Determinados grupos teriam percebido a oportunidade de se apropriar desse excedente, por dois caminhos principais: impondo a ordem pela via da força e/ou cobrando impostos e or-ganizando um sistema de administração e de co-municações capaz de tornar mais racionais a pro-dução e a distribuição do excedente ao longo de determinado território.

Corrente contratualista: seus maiores re-presentantes são Hobbes (1588-1679), Locke (1632-1704), Rousseau (1712-1778) e Kant (1724-1804). Para essa escola, os homens viviam origi-nalmente em um chamado “estado de natureza”. Nesta situação, cada indivíduo encontrava-se em guerra permanente contra o outro, de forma a conseguir fazer valer o seu próprio interesse. No “estado de natureza”prevaleciam, apenas, a for-ça e a inteligência. Não havia qualquer respeito às noções de justiça e propriedade. A origem do Estado, assim, estaria em um contrato so-cial, voluntariamente celebrado pelos homens, com o objetivo de fugir dos riscos e ameaças permanentes a que então se encontravam sub-metidos. Por meio de tal contrato eles abriram mão da liberdade individual, recebendo, como contrapartida, a proteção do monarca.

Corrente normativa: associada à tradição repu-blicana oriunda de Cícero (106 a.C – 43 a.C), passa por autores, como Maquiavel, Montesquieu (1689-1755) e Madison (1751- 1836). Sua maior preocu-pação não era exatamente explicar o Estado, mas definir como ele e o Governo devem ser exercidos.

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Administração Pública18

Essas correntes nos ajudam a entender o conceito de Estado desde a sua forma mais primiti-va de organização. Espero que tenham contribuído para deixarmos mais claro que, em diferentes fases históricas, o termo Estado foi usado para definir formas distintas de organização social para a vida em grupo. Vamos, agora, tentar entender a unidade e a federação, as duas formas escolhidas pelos Es-tados atuais para organizar o seu território?

Formas de Estado

O Estado unitário é aquele em que, consti-tucionalmente, existe apenas um poder político central, cuja competência se estende por todo o território e por toda a população. Embora haja possibilidade de transferência do poder político para outros níveis, como as prefeituras, esse po-der se concentra no nível federal. Normalmente, o modelo de Estado unitário é adotado em países de menores dimensões territoriais, como a Fran-ça e a Itália. Mas isso não é uma regra rígida. A China, por exemplo, é o terceiro maior país do mundo em extensão territorial e se organiza po-liticamente assim.

Os Estados federados, por sua vez, normal-mente são um modelo de organização caracteri-zado pela coexistência de uma dupla soberania, concentrada nas mãos da União e dos Estados (no caso brasileiro, por exemplo, São Paulo, Mi-nas Gerais, Bahia, etc.). Com autonomia política e administrativa, essas subunidades mostram-se mais flexíveis do ponto de vista da gestão, pois dividem as responsabilidades em um conjunto de ações afeitas à esfera do Estado. O modelo de federação é geralmente adotado por países de grande extensão territorial, como o Brasil e

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19Tema 1 | A Administração Pública em Sentido Amplo e em Sentido Estrito

os Estados Unidos. Isso porque a delegação de poder para as subunidades facilita não apenas a gestão pública, mas também a vocalização de demandas e o controle do Estado e do Governo por parte da sociedade.

O sistema Federalista surgiu nos EUA, no final do século XVIII e, posteriormente, estendeu--se para as outras colônias americanas, como o Brasil, o México, a Venezuela e a Argentina. Atu-almente, é o modelo de organização adotado por 22 países, abrangendo cerca de 57% da popula-ção mundial (CAMARGO, 2003). Como nos explica esta última autora:

Na prática, a aplicação do Federalismo se dá por meio de 3 dimensões: i) a distribuição legal e constitucional de competências e responsabilidades en-tre os entes federados, no campo da legislação e das políticas públicas; ii) a repartição das responsabilidades fi-nanceiras e das fontes de receita de cada um dos entes; e iii) a definição de competências do Executivo, do Legisla-tivo e do Judiciário em cada esfera de Governo – a federal, a estadual e, no caso brasileiro, a do Distrito Federal e a municipal.

Cabe, aqui, uma importante observação. O Brasil, a partir da Constituição de 1988, tornou--se o único país do mundo a ter os municípios como um dos entes federados. Com essa mu-dança, os municípios brasileiros não só am-pliaram sua autonomia política, administrativa e financeira, como também assumiram novas responsabilidades quanto à implementação, no

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Administração Pública20

âmbito local, de políticas públicas elaboradas na esfera da União.

Isso se deu principalmente a partir de meados da década de 1990, quando novas re-gras e repasses de recursos federais para os municípios permitiram que os governos locais assumissem a responsabilidade pela provisão de serviços essenciais como os de saúde e edu-cação fundamental.

Poderes do Estado

Na explicação sobre o Federalismo, disse-mos que, no plano concreto, uma das suas di-mensões consiste na definição de competências do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, em cada esfera de Governo. Pois quando usamos es-ses termos, referimo-nos à divisão dos poderes do Estado, que se apoia no modelo clássico proposto por Montesquieu (1689 – 1755), em seu livro “O Espírito das Leis”.

A função típica de cada um dos poderes é definida pela Constituição Federal. De forma resumida, podemos dizer que ao Legislativo com-pete a função de elaborar as leis. Ao Judiciário, a de aplicar as leis e dirimir os litígios criados em torno delas. Por fim, o Executivo tem a função administrativa de colocá-las em prática. Embora independentes um do outro, os três Poderes de-vem atuar de forma harmônica entre si. Ou seja, nenhum deles pode agir com desrespeito às leis ou à Constituição, nem invalidar as decisões a cada um atribuídas.

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21Tema 1 | A Administração Pública em Sentido Amplo e em Sentido Estrito

QUADRO II – Divisão dos Poderes do Estado no Brasil – Esfera da União

Poder Função Integrantes

Legislativo

Elaborar as leis.

No âmbito federal, te-mos um sistema bicame-ral, formado pela Câmara dos Deputados e o Se-nado. A primeira repre-senta o povo, enquanto o segundo representa os estados. Juntos, formam o Congresso Nacional.Aqui também se incluem os Tribunais de Contas, encarregados de auxiliar o Legislativo quanto à fiscalização da contabi-lidade, das finanças, da operação e do patrimô-nio dos órgãos e entes que integram a União.

Judiciário

Zelar pelo c u m p r i -mento das leis e resol-ver os con-flitos sur-gidos na sociedade quanto à sua imple-mentação.

Supremo Tribunal Fede-ral; Conselho Nacional de Justiça; Superior Tri-bunal de Justiça; Justiça Federal; Tribunais Re-gionais Federais e juí-zes federais; Tribunais e juízes do Trabalho; Tribunais e juízes elei-torais; Tribunais e juí-zes militares; Tribunais e juízes dos estados e do Distrito Federal.

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Administração Pública22

Executivo

Planejar e implemen-tar as po-líticas de Estado e as políticas de Gover-no. Aplicar o disposto pelas leis promulga-das pelo Congresso.

Tem como chefe má-ximo o Presidente da República e é formado pelos órgãos da admi-nistração pública direta (ministérios, secreta-rias, etc.) e da adminis-tração pública indireta (autarquias, fundações, empresas públicas e empresas de economia mista). É também inte-grado pelo Ministério Público Federal, a Ad-vocacia Pública e a De-fensoria Pública.

Fonte: adaptado de Madeira (2010)

Mas precisamos ficar atentos a uma questão: o poder do Estado é uno. Quando adotamos a divisão proposta no modelo de Montesquieu, estamos ape-nas buscando resolver uma questão operacional. Isso porque a concentração de poder daria margem para a prática de uma série de abusos. A função da divi-são de poderes é encontrar um ponto de equilíbrio, de forma que a balança não penda a favor dos mais fortes e dos mais bem organizados (MADEIRA, 2010).

Não podemos, também, confundir o fim do Estado com as suas competências. O fim maior do Estado é apenas um: atingir o bem público. Mas, para alcançar esse objetivo, ele precisa desenvolver variadas competências.

Uma das competências do Estado é recorrer ao seu poder político para impor condutas, definin-do o que se pode, ou não, fazer. É a essa compe-tência, exercida por meio da elaboração de regras

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23Tema 1 | A Administração Pública em Sentido Amplo e em Sentido Estrito

jurídicas válidas para todos aqueles submetidos à autoridade suprema do Estado, que damos o nome de função legislativa.

O fato, porém, é que nem todos cumprem, voluntariamente, as regras e condutas estabelecidas pela lei, seja por impossibilidade, má fé ou questio-namentos acerca da sua legitimidade1. Isso cria uma série de litígios que cabe ao Estado solucionar. E é ao Judiciário que compete essa função de resolver os conflitos de interesses surgidos na sociedade, tendo como referência as normas e as leis.

A última competência do Estado é transpor da teoria para a prática as políticas definidas na Cons-tituição e nas leis. Essa tarefa é de responsabilida-de do Executivo, também encarregado da gestão do conjunto de recursos estatais, representados por elementos como disponibilidades financeiras, bens e recursos humanos associados à área pública.

Ficou claro para você que, embora Legis-lativo, Executivo e Judiciário tenham cada um as suas funções típicas, a soma de suas ações equivale a um único Poder Estatal? Sua divisão entre órgãos inde-pendentes entre si, convém reforçar, é apenas uma maneira de estabelecer um sistema de freios e contrapesos, coibin-do o uso abusivo desse poder (MADEIRA, 2010).

INDICAÇÃO DE LEITURA COMPLEMENTAR

Para ampliar seus conhecimentos sobre as diferen-tes interpretações acerca do surgimento do Estado, leia o texto: Teorias sobre a origem do Estado. No capítulo 2 da Parte I (p. 16-30) do livro de:

1 O conceito de legitimidade encontra-se ligado ao reconhecimento da validade daquilo que é estabelecido. À existência de um grau de consenso capaz de garantir a obediência às decisões sem necessidade de se recorrer ao uso da força.

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Administração Pública24

MATIAS-PEREIRA, José. Curso de Administração Pú-blica: foco nas instituições e ações governamen-tais. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

Neste capítulo, José Matias-Pereira nos dá uma ampla visão de como autores clássicos, como Maquiavel, Hobbes, Rousseau (1712-1778), Hegel (1770-1831) e Marx (1818-1883) abordam o tema em questão. A leitura nos permite compreender melhor o Estado como fenômeno histórico e sua interseção com a política, a sociedade e o poder político e econômico.

Para se aprofundar sobre as características do Fe-deralismo no Brasil, leia o texto: Atualidade do federalismo: tendências internacionais e a experi-ência brasileira. No segundo artigo da Parte I (p. 39-46) do livro de:

VERGARA, Sylvia Constant; CORRÊA, Vera Lúcia de Almeida (org). Propostas para uma gestão pública municipal efetiva. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003.

No artigo, Aspásia Camargo nos mostra como o fe-deralismo municipalista foi abordado na Constitui-ção brasileira de 1988. A autora aborda uma série de ambiguidades presentes na nossa forma de or-ganização do território, ressaltando suas desigual-dades espaciais e regionais.

PARA REFLETIR

Como vimos até aqui, o fim maior do Estado é atingir o bem público, atender aos interesses da

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25Tema 1 | A Administração Pública em Sentido Amplo e em Sentido Estrito

coletividade. Observe as diferentes condições de vida das pessoas que vivem na sua cidade, no seu estado e no país como um todo. Será que o nosso Estado, de fato, cumpre essa finalidade? Será que, muitas vezes, os interesses da cole-tividade não são deixados em segundo plano, por causa das diferentes capacidades de acesso (políticas, econômicas e sociais) ao sistema de Estado? Compartilhe essas reflexões com seus colegas no ambiente AVA.

1.2. Governo

É comum haver confusão entre os termos Estado e Governo, muitas vezes usados como se fossem sinônimos. Como veremos mais à frente, a mesma confusão se dá em torno do uso das ex-pressões Governo e Administração Pública. Portan-to, devemos ficar atentos: embora interrelaciona-dos, os três conceitos têm significados bastante distintos.

Lembra-se de que na discussão do primei-ro conteúdo do nosso curso apontamos o Go-verno como um dos componentes fundamentais do Estado, juntamente com o povo e o terri-tório? Dissemos, então, que o termo Governo contemplava o somatório de todas as pessoas e órgãos institucionalmente encarregados de exer-cer o poder dentro de um Estado e de gerir a coisa pública.

Logo, o Estado consiste em um todo social, político e jurídico. O Governo é apenas parte do todo, um de seus elementos de composição. Na verdade, ele é o responsável por exercer a função política do Estado. Como bem define Motta (1991 apud Matias-Pereira, 2009, p. 61):

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Administração Pública26

“Governar significa tomar decisões sobre alternativas de ação para a sociedade”. Decisões que envolvem tanto o poder Executivo quanto os poderes Legislativo e Judiciário.

Uma distinção importante entre Governo e Es-tado reside na questão da temporalidade. O Estado, embora sujeito às transformações inerentes ao seu caráter de fenômeno histórico, é uma instituição perene. O Governo não. Ele tem como característica ser passageiro, pois, em ambientes democráticos, muda conforme o resultado das eleições. Ou seja, estabelece-se na base do exercício de mandatos. Em ambientes não-democráticos, convém ponderar, a mudança pode se dar por outros mecanismos, como os golpes políticos e as revoluções.

Políticas de Estado e Políticas de Governo

Outra distinção importante para o entendi-mento dos dois termos até agora estudados diz respeito às características que envolvem as suas políticas. Isso porque temos políticas de Estado e políticas de Governo. As duas expressões podem ser diferenciadas a partir das conceituações apre-sentadas a seguir.

Políticas de Estado: são definidas por lei ao longo de todo o processo que abrange as ativi-dades do Legislativo e do Executivo. Sua função é deixar claras as premissas e os objetivos que, em um contexto histórico específico, o Estado con-sidera importantes para orientar o funcionamento de certos setores econômicos e sociais. De caráter estruturante, tendem a ser estáveis, com alterações normalmente vinculadas à necessidade de ajustes

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27Tema 1 | A Administração Pública em Sentido Amplo e em Sentido Estrito

a mudanças contextuais. A Constituição Brasilei-ra define como políticas de Estado, por exemplo, a adoção de um conjunto integrado de ações no campo da seguridade social, da saúde, do direito à educação e do fomento ao desporto.

Políticas de Governo: dizem respeito aos objeti-vos de quem se encontra no poder. Normalmente, são apresentadas à sociedade já no plano do candidato durante o pleito eleitoral, devendo, posteriormente, ser implantadas ao longo do exercício do mandato do vencedor. Abrangem diferentes esferas da vida econômica e social, norteando os rumos políticos e governamentais que se pretende dar a determinados setores. Embora distintas das políticas de Estado, de-vem ser definidas e implementadas em harmonia com estas últimas (MATIAS-PEREIRA, 2009).

De forma sintética, pode-se afirmar que as políticas de Estado tendem a incor-porar um caráter de continuidade, uma perspectiva estruturante de longo pra-zo. Elas procuram se apoiar em pactos e consensos, não se esgotando em um único mandato eleitoral. Já as políticas de Governo tendem a se resumir a inter-venções pontuais, moldadas segundo os pontos de vista do grupo que se encon-tra no poder. Ou seja, sua aplicabilidade, geralmente, tem como norte o período de duração de um ou alguns mandatos políticos.

Políticas de Governo, é importante ressaltar, podem assumir o caráter de políticas de Estado, desde que incorporem essa perspectiva temporal de longo prazo, orientada para o interesse da so-ciedade.

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QUADRO III – Diferenças entre Estado e Governo

Quanto a Estado Governo

SignificadoConsiste em um todo sócio-jurídi-co.

É parte do todo. É a expressão po-lítica do Estado.

Políticas

Têm caráter es-truturante e pers-pectiva temporal de longo prazo.

No r m a l m e n t e orientadas pela duração de um ou alguns mandatos eleitorais.

Duração

Embora sujeito às transformações decorrentes do processo históri-co, é uma institui-ção perene.

Estabelece-se na base de manda-tos eleitorais.

Fonte: Elaborado pela autora a partir de Alexandrino e Paulo (2007) e Matias Pereira (2009)

Espero que tenha ficado clara a distinção en-tre os dois tipos de política. Vamos, agora, passar a uma outra questão? Assim como temos formas de Estado – unitário e federativo – contamos, também, com diferentes formas de Governo. A definição des-tas últimas, porém, é assunto bastante polêmico, pois não há convergência quanto às corretas divi-sões nem mesmo entre os autores clássicos como Aristóteles, Maquiavel e Montesquieu. É este, ago-ra, o nosso próximo foco de discussão.

Monarquia X República

Embora, historicamente, haja divergência quanto às formas de Governo, o que acabou por prevalecer foi a classificação proposta por Maquia-

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29Tema 1 | A Administração Pública em Sentido Amplo e em Sentido Estrito

vel. Ou seja, as formas de Governo, no entendi-mento atual, encontram-se restritas à monarquia e à república.

O conceito de monarquia deriva dos ter-mos monos (só) e arkhein (comando). E é usa-do, hoje, para descrever uma forma de Governo marcada pelo caráter hereditário e vitalício da autoridade suprema do monarca. E, também, pela existência de cortes ou classes de nobreza com algum poder de interferir nos negócios do Estado.

A segunda forma de Governo, como vimos na discussão sobre a existência de noções de Estado anteriores à do Estado moderno, tem origem na concepção de res publica (coisa co-mum à coletividade). As duas principais carac-terísticas da forma republicana são: o acesso ao poder político se dá pela via eleitoral, e não hereditária, e o mais alto escalão do Governo tem caráter periódico. Ou seja, os mandatos são limitados por uma perspectiva temporal e uma única pessoa não pode se perpetuar no poder (MENEZES, 1994).

Apesar de ser importante entendermos a distinção entre monarquia e república, convém recorrer à seguinte reflexão: no mundo atual, ob-servamos grande variedade de regimes autoritá-rios, totalitários e de poder concentrado em um partido político.

Assim, é mais produtivo nos atermos às formas de Governo encontradas nos Estados democráticos – a parlamentar e a presidencial2 – procurando apreender como operam e se or-ganizam os sistemas partidários nelas presentes (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO,1992). É isso que nos propomos a esclarecer, logo a seguir.

2Para alguns autores, quando nos referimos ao parlamentarismo e ao presidencialismo, falamos não de formas, mas de Sistemas de Gover-no. Aqui, contudo, manteremos a deno-minação usada por Bobbio, Matteucci e Pasquino (1992).

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Formas de Governo no Estado democrático

Como nos ensinam esses últimos autores, a distinção clássica entre as formas de Governo baseia--se na oposição entre Governo parlamentar e Gover-no presidencial. Embora o presidencialismo só exista no sistema republicano, o Governo parlamentar pode ocorrer tanto neste último quanto na monarquia.

A mais antiga distinção entre parlamentaris-mo e presidencialismo remonta a Walter Bagehot (1865-1867), que se debruçou, respectivamente, sobre as formas de Governo do Reino Unido3 (uma monarquia parlamentarista) e dos EUA (uma repú-blica presidencialista). Os casos britânico e norte-americano, ainda hoje, aparecem como principais modelos para os dois tipos de sistema.

O primeiro serviu como inspiração para o Governo parlamentar de vários países de emigra-ção europeia de língua inglesa, como a Austrália, o Canadá e a Nova Zelândia. Já o modelo america-no difundiu-se por praticamente todos os países latino-americanos, incluindo o Brasil.

No modelo orientado pela tradição britâni-ca, há uma distinção entre o Chefe de Estado, que pode ser o Monarca ou o Presidente, e o Chefe de Governo, representado pelo Primeiro Ministro. O Chefe de Estado não tem o poder de interferir nas decisões políticas, delegadas ao Primeiro Ministro, que fica à frente do Poder Executivo.

No parlamentarismo, o Chefe de Estado tem, basicamente, uma autoridade mo-ral. Ele dá conselhos sobre a política e a administração, mas estas competem, de fato, ao Primeiro Ministro. Porém, quem indica o Chefe de Governo é o Chefe de Estado. (MENEZES, 1994)

3O Reino Unido é uma divisão política. Envolve todos os países da Grã-Bretanha, divisão geográfi ca correspondente à ilha onde se encon-tram a Inglaterra, a Escócia e o País de Gales. Mas abarca, também, a Irlanda do Norte. Todos os integrantes do Reino Unido são regidos por uma mesma democracia parlamentar monárquica (http://super.abril.com.br/superarquivo/1998/conteudo_58691.shtml, acesso em 23/09/2010).

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31Tema 1 | A Administração Pública em Sentido Amplo e em Sentido Estrito

O Primeiro Ministro, naturalmente, é escolhi-do em função da distribuição, entre os partidos, das cadeiras disponíveis no Parlamento. Ele sempre estará ligado a uma maioria parlamentar, pois sua confirmação no cargo depende de aprovação do Legislativo.

Depois de aprovado, o Primeiro Ministro não tem mandato com duração definida. Pode ser destituído do cargo por meio de um voto de desconfiança4, acatado pela maioria do Parla-mento. O Primeiro Ministro pode, ou não, aceitar a indicação do Legislativo para formação de um novo Governo. Mas tem a prerrogativa de propor a dissolução do Parlamento5 e convocar novas eleições gerais. Isso quando vê necessidade de ampliar sua maioria na casa, ou quando recebe um voto de desconfiança, mas acredita que é o Parlamento, e não ele, quem já não atende à vontade da maioria da população.

Neste caso, portanto, a resolução do impasse fica por conta do eleitorado. Se, nas novas eleições, o Primeiro Ministro reconstrói sua maioria no Legis-lativo, o Governo prossegue. Se não reconstrói, o Gabinete (inclui também os ministros) é dissolvido. No caso britânico, este é sempre o líder do partido que garantiu a maioria no Parlamento.

O sistema partidário é decisivo na definição das características dos diferentes tipos de Governo parlamentar encontrados no mundo. O ambiente tende a ser mais sólido quando existem apenas 2 partidos, ou quando, nas eleições, somente um partido assegura a maioria absoluta das cadeiras disponíveis no Parlamento. (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1992).

Em quadros marcados pela necessidade de coalizões partidárias6, o Governo parlamentar tende a ser menos estável. Isso porque a forma-

4O voto de descon-fi ança se dá quando o Primeiro Ministro perde o apoio da maioria parlamentar.

5O Primeiro Ministro não pode, por uma mesma razão, dissolver duas vezes o Parlamento.

6Coalizões partidárias são acordos e alianças para acomodação de interesses, em troca de apoio aos pro-gramas e projetos do Governo.

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ção de maioria no Parlamento exige uma série de articulações entre os diferentes partidos, com o objetivo de criar um ambiente mais estável e durável. É o que se verifica, por exemplo, em países como a Itália e a Alemanha. Isso não im-pede, contudo, que a existência de partidos de oposição contribuam para melhorar a qualidade do parlamentarismo.

Já no modelo presidencialista, orientado pela tradição norte-americana, o Presidente, eleito por meio do sufrágio universal é, ao mesmo tempo, o Chefe de Governo e o Chefe de Estado. Com prazo definido para o exercício do mandato – não pode se perpetuar no cargo por várias eleições – é ele quem traça as diretrizes do poder Executivo. Embora a elaboração das leis seja de responsabilidade do Legislativo, o presidente tem poder de veto sobre decisões tomadas por essa esfera do poder estatal.

No caso norte-americano, o Presidente acu-mula grande poder em relação às demais forças e instituições políticas existentes no país. Como es-colhe, pessoalmente, seus ministros e demais as-sessores em cargos de confiança encarregados da gestão da coisa pública, pode demiti-los segundo sua avaliação pessoal.

Além disso, ele é o representante da nação nas relações internacionais. Embora necessite da anuência do Senado, tem o poder, por exemplo, de definir os tratados internacionais e declarar a guerra contra uma ou mais nações. Seu poder, contudo, é dividido com a Câmara, encarregada, juntamente com o Senado, de apreciar o progra-ma legislativo presidencial (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO,1992). Observe, contudo, que, a exem-plo do verificado no parlamentarismo, os governos presidencialistas se organizam de forma particular em cada país.

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33Tema 1 | A Administração Pública em Sentido Amplo e em Sentido Estrito

QUADRO IV - Formas de Governo e suas Caracterís-ticas Principais (casos britânico e norte-americano)

Formas de Governo

Características

Monarquia • O poder do soberano tem caráter here-ditário e vitalício.

• Cortes ou classes de nobreza têm poder para interferir nos negócios do Estado.

República • O acesso ao poder se dá pela via demo-crática, e não hereditária.

• O mais alto escalão do Governo tem caráter periódico. Ocorre com base no exercício de mandatos.

Parlamen-tarismo

• Pode existir tanto na Monarquia quanto na república.

• O Chefe de Estado é o Monarca ou o Presidente.

• O Chefe de Governo é o Primeiro Mi-nistro.

• O Chefe de Estado não pode interferir nas decisões políticas.

• O Primeiro Ministro é sempre o líder do partido da maioria e não tem mandato com período definido de duração.

• A política e o comando do Executivo fi-cam a cargo do Primeiro Ministro, que divide seu poder com o Parlamento.

• O primeiro Ministro pode ser destituído do cargo, por meio de um voto de des-confiança aprovado pela maioria parla-mentar.

• O primeiro Ministro pode pedir a disso-lução do Parlamento e convocar novas eleições gerais.

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Pres iden-cialismo

• Só existe na República• O Presidente é, ao mesmo tempo, o Chefe de Estado e o Chefe de Governo.

• O Presidente tem sua permanência no cargo atrelada a um ou mais manda-tos eleitorais. Não pode se perpetuar no cargo.

• O presidente não pode ser destituído do cargo por desconfiança dos parla-mentares, a não ser em processos de impeachment.

• O presidente traça as diretrizes do Exe-cutivo, mas a elaboração de leis é de responsabilidade do Legislativo.

• O presidente tem poder de veto sobre as decisões tomadas pelo Legislativo.

Fonte: Elaborado pela autora, a partir de Menezes (1993) e Bobbio, Matteucci e Pasquino (1992).

Uma crítica comum ao Governo Presiden-cialista é que, em ambientes multipartidários, a divisão dos poderes entre o Executivo e o Legislativo tende a resultar em uma paralisia do sistema. Isso porque, raramente, o partido que vence as eleições presidenciais consegue fazer uma maioria na Câmara e no Senado.

Como a avaliação negativa do presidente não interfere na duração do mandato de deputados fede-rais e senadores, os parlamentares de oposição não teriam incentivos para cooperar com o Executivo na aprovação das suas decisões vinculadas à aprecia-ção legislativa (LIMONGI; FIGUEIREDO, 1998).

A experiência brasileira nos mostra, porém, que, nestes casos, a exemplo do que se observa na forma de Governo parlamentar, a tendência é de estabelecimento de um presidencialismo de coalizão.

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35Tema 1 | A Administração Pública em Sentido Amplo e em Sentido Estrito

INDICAÇÃO DE LEITURA COMPLEMENTAR:

Para uma análise crítica dos governos de coalizão, leia o texto: Presidencialismo de Coalizão, publica-do na edição 1677 da revista Veja, de 29 de novem-bro de 2000. Disponível em <http://veja.abril.com.br/291100/em_foco.html>. Acesso em 12 out. 2010.

No artigo, o cientista político Sérgio Abranches faz uma análise de como os governos de coalizão se manifestam no Brasil, particularmente a partir da década de 1980. Mostra que, desde o governo do ex-presidente José Sarney (1985-1990), esse tipo de arranjo se perpetua no Brasil, a exemplo do que acontece em outros países latino-americanos. E que talvez precisemos pensar em formas de geren-ciá-lo adequadamente, dado parecer impossível a construção de maiorias parlamentares em diversas nações.

Para uma discussão mais abrangente sobre monar-quia e república, leia o texto: Formas de Governo. No capítulo IX (p. 207-216) do livro de:

MENEZES, Anderson de. Teoria geral do Estado. Rio de Janeiro: Forense, 1994.

Neste capítulo, o autor faz uma análise mais mi-nuciosa de como o tema foi abordado por autores clássicos como Maquiavel e Montesquieu. Explica como chegamos à divisão bipartite entre Monar-quia e República, detalhando as suas diferentes formas de manifestação.

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PARA REFLETIR

Vamos compartilhar com os colegas, no ambien-te AVA, uma reflexão acerca do que acabamos de estudar? Há mais de uma década, são discutidas propostas para limitar o número de partidos políti-cos no Brasil. Imagina-se que isso contribuiria para melhorar a qualidade das decisões que envolvem apreciação legislativa, pois o Executivo teria que negociar com um número menor de siglas. Será, porém, que isso não limitaria as oportunidades de expressão das minorias?

1.3. Administração Pública

Vimos, no nosso curso, que, enquanto campo de estudo e expressão em sentido amplo, a Admi-nistração Pública não pode ser dissociada do Esta-do. Vimos, também, que o Estado consiste em um todo, responsável pela promoção do bem comum. Já o conceito de Governo abrange um conjunto de poderes e órgãos encarregados de exercer a fun-ção política do Estado, tomando decisões acerca de uma série de alternativas de ação capazes de traduzir o bem comum em benefícios para a socie-dade. Vamos, agora, tentar entender o significado de administração pública em sentido estrito?

De forma resumida, podemos dizer que, em sentido amplo, a Administração Pública abrange tanto “os órgãos governamentais (Governo)” encar-regados de “traçar os planos e diretrizes de ação, quanto os órgãos administrativos, subordinados7”, [...] responsáveis pela execução desses planos (ALEXANDRINO; PAULO, 2007, p. 14).

7Como veremos mais à frente, ministérios, secretarias, etc. desdobram-se em uma série de órgãos encarregados do planejamento e execução das po-líticas de Estado e de Governo. Assim, os órgãos “subordi-nados” a que nos referimos aqui são aqueles que não se encontram no topo da hierarquia, ou seja, que se encar-regam, apenas, de garantir a execução das ações decididas pelos organismos superiores aos quais estão vinculados.

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37Tema 1 | A Administração Pública em Sentido Amplo e em Sentido Estrito

É no segundo elemento que encontramos o sentido estrito de administração pública, encarnado na ideia de execução das atividades administrati-vas. Neste caso, portanto, quando recorremos ao termo, não nos referimos a qualquer função política de Governo. Contemplamos, apenas, as tarefas ad-ministrativas realizadas pelos órgãos e entidades que integram a máquina do Estado.

Fica claro, portanto, que a função admi-nistrativa encontra-se ligada a colocar em prática, ou transpor para a realidade con-creta, as políticas definidas de forma abs-trata na Constituição, nas leis e no pró-prio processo eleitoral? (MADEIRA,2010)

Não nos esqueçamos, ainda, de que ela (a função administrativa) também diz respeito à ges-tão de uma série de recursos existentes no âmbito do Estado, distribuídos pelas áreas humana, finan-ceira e econômica. Vamos tentar entender, agora, como se dá a distribuição de tarefas dentro da má-quina administrativa?

Administração Direta e Indireta

A função administrativa contempla grande va-riedade de atividades, de naturezas bastante diver-sas. Por isso, as tarefas precisam ser distribuídas entre diferentes órgãos e entidades, alocados no âmbito de cada Poder (Executivo, Legislativo e Ju-diciário), bem como no de cada esfera de Governo (União, Estados e Municípios).

Esses órgãos e entidades são organizados de forma hierarquizada, respeitando-se, principal-mente, o seu tipo de capacidade técnica. Tomemos como exemplo o Ministério da Fazenda, pertencen-

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te à União, para entendermos o significado de hie-rarquia aqui empregado.

Ele (ministério) é formado por diversas Se-cretarias, como a Secretaria da Receita Federal. Esta, por sua vez, é composta por uma série de Delegacias, que se desdobram em diferentes De-partamentos, integrados, por sua vez, por distin-tas Agências. Organização semelhante se verifica na função administrativa realizada pelos estados e municípios, contemplando uma longa cadeia que vai desde a mais alta cúpula até as “portarias dos edifícios onde toda essa estrutura funciona” (MA-DEIRA, 2010, p.6).

A descrição que acabamos de ver se dá no âmbito da Administração Pública Direta. No Bra-sil, no nível federal, a Administração Pública Direta, segundo o Decreto-Lei nº 200, de 1967, abrange os “serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios”. E, considerando-se todas as esferas de Governo, pode ser compreendida como:

O conjunto de órgãos que in-tegram as pessoas políticas do Estado (União, Estados, Distri-to Federal e Municípios), aos quais foi atribuída a compe-tência para o exercício, de for-ma centralizada, de atividades administrativas (ALEXANDRINO; PAULO, 2007, p.18).

Mas, nem sempre, é possível prestar bem os serviços que cabem ao Estado e ao Governo por meio da Administração Pública Direta. Por isso, os diferentes entes da federação (União, estados e municípios) criam outras pessoas ju-rídicas, com o objetivo de transferir para elas determinadas competências alusivas ao Estado.

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39Tema 1 | A Administração Pública em Sentido Amplo e em Sentido Estrito

É quando surge a Administração Pública Indire-ta, que, conforme definido no art. 4 º do Decreto Lei nº 200, de 25/02/1967, podem ser, apenas: autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas. Dotadas de personalidade jurídica própria, essas entida-des podem ser definidas da seguinte forma (MA-DEIRA, 2010):

• autarquias: pessoas jurídicas de Direi-to Público. São criadas por lei especí-fica e desempenham funções próprias e típicas do Estado, porém sem caráter industrial ou econômico. Embora dete-nham direitos e obrigações próprias, distintas daqueles atribuídos aos en-tes responsáveis por sua criação, en-contram-se sujeitas ao controle destes, do ponto de vista do cumprimento das suas atividades fim. Têm autonomia administrativa, mas não podem criar regras jurídicas de autoadministra-ção, devendo se pautar pelas regras previstas na lei que as instituiu. São exemplos de autarquia o Banco Central (BACEN), a Comissão de Valores Mobi-liários (CVM) e o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS).

• empresas públicas: pessoas jurídicas de direito privado. Precisam de auto-rização de lei específica para serem instituídas pelo Poder Público. Embora seu capital seja exclusivamente públi-co, destinam-se tanto à prestação de serviços públicos quanto à exploração de atividades econômicas. Exemplos:

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Caixa Econômica Federal (CEF) e Servi-ço Federal de Processamento de Dados (SERPRO).

• sociedades de economia mista: enti-dades jurídicas de direito privado. São instituídas pelo Poder Público, via au-torização legal. Têm sempre a forma de sociedades anônimas8 e conjugam capi-tal público e capital privado, exploran-do atividades de natureza econômica ou prestando serviços públicos. Exem-plos: Banco do Brasil (BB) e Petróleos Brasileiros S/A (PETROBRAS).

• fundações públicas: de Direito Privado (questão controversa entre os juristas), são instituídas pelo Poder Público, via autorização legislativa. Sempre reali-zam atividades de natureza coletiva, concentrando-se na prestação de servi-ços de interesse público, como ações educacionais e de assistência social. De natureza não-lucrativa, não podem ter objetivos comerciais. Exemplos: Funda-ção Nacional do Índio (FUNAI) e Funda-ção Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Em resumo, quando, utilizamos a ex-pressão Administração Pública Indireta, referimo-nos ao “conjunto de pessoas administrativas que, vinculadas à Admi-nistração Direta, têm a competência para o exercício, de forma descentralizada, de atividades administrativas” do Estado (ALEXANDRINO; PAULO, 2007, p.18).

8Sociedades anônimas consistem em uma forma de organização empresarial em que o capital social não é atribuído a um nome específi co, ao contrário do que acontece nas So-ciedades Limitadas. Nas Sociedades Anônimas há muitos acionistas e as ações são negocia-das nas Bolsas de Valores.Fontehttp://www.brasiles-cola.com/economia/sociedade-anonima.htm

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41Tema 1 | A Administração Pública em Sentido Amplo e em Sentido Estrito

Você observou que ao definirem o concei-to de Administração Pública Indireta os autores falaram no exercício, de forma descentralizada, das atividades administrativas? Pois também há muitas confusões acerca do significado de des-centralização e desconcentração, termos sobre os quais nos deteremos a seguir. Devemos ficar aten-tos a essa distinção, pois as duas expressões são, muitas vezes, erroneamente, empregadas como se tivessem o mesmo significado.

Descentralização e Desconcentração

Quando abordamos a repartição das tarefas atribuídas à Administração Pública Direta entre os órgãos integrantes do Estado, em uma mes-ma esfera de Governo, referimo-nos a um proces-so de desconcentração. Porém, quando o foco é a transferência do controle, da execução ou do financiamento das políticas públicas do ní-vel central para o nível intermediário ou local, referindo-nos, respectivamente, à União, aos es-tados e aos municípios, temos um processo de descentralização.

Neste último caso, a descentralização se ca-racteriza pela divisão de custos e benefícios entre diferentes níveis de Governo. E permite que as su-bunidades da federação (estados ou municípios) ampliem seu poder e sua autonomia de decisão e de gestão quanto a determinados serviços.

No Brasil, um exemplo claro de descentra-lização se deu no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), criado na Constituição Federal de 1988. Desde então, foi eliminada a relação hierár-quica entre a União, os estados e os municípios na área. Os entes federados negociam e pactuam entre si como serão desenvolvidas as ações e

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serviços, bem como a organização do atendimen-to à população.

A União arca com cerca de 50% dos custos do sistema, cabendo a outra metade aos Estados e Municípios. Embora o Ministério da Saúde continue planejando políticas para a área, a implementação das ações fica a cargo das subunidades, que têm autonomia para gerir os recursos e decidir a melhor forma de organização do sistema.

Fiquemos atentos: a descentralização diz respeito tanto à transmissão de tarefas da União para os Estados e Municípios quanto da Admi-nistração Pública Direta para os integrantes da Administração Pública Indireta. Sua característi-ca central é o envolvimento de pessoas jurídicas distintas.

Já a desconcentração pode se dar tanto na Administração Pública Direta quanto na Indireta, mas só ocorre no interior de uma mesma pessoa jurídica. Um exemplo de desconcentração dentro da Administração Pública Direta é a distribui-ção de competências da União entre diferentes órgãos da sua própria estrutura, como Ministé-rios e Secretarias. Para entender a desconcen-tração dentro da Administração Pública Indireta, podemos recorrer a uma sugestão de Madeira (2010): pense em um banco estatal que cria, internamente, uma série de superintendências, departamentos e seções, atribuindo a cada um tarefas específicas, com o objetivo de melhor desempenhar as suas funções.

Em resumo, como nos lembra o autor, a desconcentração nada mais é do que uma téc-nica administrativa de distribuição interna de funções, com vistas a aumentar a agilidade e a qualidade da prestação do serviço.

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43Tema 1 | A Administração Pública em Sentido Amplo e em Sentido Estrito

QUADRO V – Administração Pública Direta e Indire-ta – Descentralização e Desconcentração

Termos Características

Administração Pública Direta

• Formada por diferentes ór-gãos e entidades alocadas no âmbito de cada Poder (Execu-tivo, Legislativo e Judiciário).

• A esse conjunto de órgãos foi atribuída competência para exercer as atividades admi-nistrativas, de forma centra-lizada.

• Esses órgãos possuem sub-divisões internas para facili-tar a distribuição de tarefas: o Ministério se desdobra em Secretarias; as Secretarias em Delegacias; as Delegacias em Departamentos; os Departa-mentos em Agências e assim por diante.

Administração Pública Indireta

• São pessoas jurídicas criadas pelos entes da Federação, com o objetivo de assumir determinadas competências alusivas ao Estado.

• Podem ser autarquias, em-presas públicas, sociedades de economia mista e funda-ções públicas.

• Exercem, de forma descentra-lizada, atividades administra-tivas vinculadas ao Estado.

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Descentralização • Transmissão de comando, execução ou financiamen-to das políticas públicas do nível central (União) para o nível intermediário (estados) ou local (municípios).

• Envolve, também, a transmis-são de tarefas da Adminis-tração Pública Direta para os integrantes da Administração Pública Indireta.

• Sempre envolve pessoas jurí-dicas distintas.

Desconcentração • Ocorre tanto na Administração Pública Direta quanto na Ad-ministração Pública Indireta.

• É apenas uma técnica admi-nistrativa de distribuição in-terna de funções, com vistas a aumentar a agilidade e a qualidade da prestação do serviço.

• Sempre se dá no interior de uma única pessoa jurídica.

Fonte: Elaborado pela autora, a partir de Alexandrino e Paulo (2007); Binotto et all (2010) e Madeira (2010).

Será correto afirmarmos que, quando falamos de Administração Pública Direta e Indireta, referi-mo-nos, obrigatoriamente, à prestação de serviços públicos? Ocorre que não há, entre os juristas, con-ceito em torno do significado da expressão. Parti-cularmente, quanto à sua distinção em relação a certas atividades econômicas destinadas a prover serviços essenciais à sociedade.

Assim, vamos recorrer à definição de Madei-ra (2010). Os serviços públicos são representados

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45Tema 1 | A Administração Pública em Sentido Amplo e em Sentido Estrito

pelo conjunto de atividades voltadas para a satis-fação de necessidades essenciais ou secundárias para o conjunto da sociedade, ou que atendem à conveniência do Estado. São prestados pela Ad-ministração Pública Direta e Indireta, sempre sob normas e controle estatais. E sempre objetivam o interesse geral, atuando sob regime total ou parcial de Direito Público.

INDICAÇÃO DE LEITURA COMPLEMENTAR

Para uma abordagem mais detalhada sobre as dis-tinções entre Estado, Governo e Administração Pú-blica, leia o texto: Administração Pública Direta e Indireta. No capítulo 1 (p. 1-5) do livro de:

MADEIRA, José Maria Pinheiro. Administração Públi-ca - tomo II. 11. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.

Nesta parte do livro, José Maria Madeira nos dá uma série de esclarecimentos sobre o sentido dos três termos, abordando desde a origem do Poder do Estado até as suas funções atuais. Explica, tam-bém, o papel da Constituição na regulação desse Poder e realiza uma minuciosa comparação entre os aspectos envolvidos nas expressões Governo e Administração Pública.

Para um entendimento mais profundo da importân-cia da descentralização, leia: SOUZA, Donaldo de e FARIA, Lia de. Reforma do Estado, descentralização e municipalização do ensino no Brasil: a gestão política dos sistemas públicos de ensino pós LDB 9.394/96. In Aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.12, n.45, p. 925-944, out./dez. 2004.

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No artigo, Donaldo de Souza e Lia de Faria fazem uma análise do processo de municipalização do en-sino no Brasil. Mostram como a descentralização verificada na área foi influenciada pelo receituário de organismos internacionais e pelo refortalecimen-to do sistema federativo no país. Possibilitam, as-sim, que façamos uma análise política dos proces-sos de descentralização.

PARA REFLETIR

A descentralização de atividades e serviços do nível federal para os estados e municípios é normalmen-te vista de forma positiva, pois ajuda a fortalecer o nosso sistema federalista. Mas, seria ela benéfi-ca em todos os setores? Pense, por exemplo, nas políticas ambientais voltadas para a proteção e re-composição de áreas de mata nativa degradadas. Descentralizar essa política não poderia facilitar a captura dos Estados e Municípios pelos interesses das elites locais e regionais? Podemos, mesmo, pensar em processos radicais de descentralização? Esta é uma reflexão que você pode fazer juntamen-te com os seus colegas no AVA.

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47Tema 1 | A Administração Pública em Sentido Amplo e em Sentido Estrito

1.4 Políticas Públicas

Na Introdução ao Tema I vimos que a Admi-nistração Pública não pode ser dissociada da polí-tica. O porquê disso começou a ficar claro quando discutimos que o termo contempla o Governo (ex-pressão política do Estado). Pois, agora, vamos nos aprofundar um pouco no assunto, ao discutirmos as políticas públicas.

A partir do que nos conta RUA (1997), podemos começar da seguinte forma. A existência de diversos tipos de conflito entre as pessoas – de interesses, de opinião, de ideologias – é uma característica inerente à vida em sociedade. Para manter os conflitos den-tro de limites administráveis, de forma a garantir a sobrevivência da sociedade, o principal instrumento de intervenção de que dispomos é a política. Funda-mentalmente ligada às relações de poder, a política compreende uma série de procedimentos utilizados para que conflitos em torno de bens públicos sejam resolvidos de forma pacífica.

Devemos, aqui, esclarecer uma questão: po-lítica pública e decisão política são conceitos dis-tintos entre si. Uma política pública, normalmente, envolve um determinado assunto para o qual existe um leque de alternativas de solução, debatidas e negociadas, em momentos diversos, por diferentes atores sociais. Logo, ao longo do seu processo de construção e implementação, ela demanda uma série de decisões políticas envolvendo a escolha, dentre as alternativas disponíveis, daquelas consideradas mais viáveis para o enfrentamento de uma questão.

Se toda política pública pressupõe a tomada de várias decisões políticas, a recíproca não é ver-dadeira. Ou seja, nem toda decisão política chega a se constituir como uma política pública. Tomemos como exemplo duas situações. Na primeira, vamos

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usar a emenda constitucional que autorizou a ree-leição para Presidente da República no Brasil. Foi uma decisão política, mas não uma política pública. A privatização e a reforma agrária, por seu turno, demandam uma série de decisões políticas e se caracterizam como políticas públicas.

Para esclarecer ainda mais essa questão, po-demos recorrer à explicação de Easton (1970), ci-tado por Rua (1997). Segundo o autor, as políticas públicas nada mais são do que o resultado do pro-cessamento, pelo processo político, de dois tipos de demanda e de suporte: os originados na socie-dade (inputs) e os surgidos no interior do próprio sistema político (withinputs).

Quando falamos em sistema político, refe-rimo-nos aos integrantes do Executivo nacional, como ministros e burocratas (integrantes da carrei-ra pública, cujo cargo não se vincula a um mandato eleitoral), bem como aos governadores de Estado, deputados, senadores e agentes do Poder Judiciá-rio, dentre outros.

O conceito de demanda, explica a mesma autora, envolve questões como a reivindicação de bens e serviços como saúde, educação, moradia, transportes e previdência social; o reconhecimento do direito de voto dos analfabetos, o controle da corrupção, entre outros. Já o suporte diz respeito, por exemplo, ao cumprimento de leis e regulamen-tos e à participação na implementação de certos programas governamentais.

Dimensões das Políticas Públicas

Embora a política não se restrinja aos esforços do Governo para satisfazer os inputs e withinputs, esses esforços representam parte significativa de sua atividade. E é no campo específico das políticas

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públicas, como nos detalha Frey (1999), que a políti-ca se manifesta em três dimensões, melhor apreen-didas se recorremos aos termos em inglês9.

Dimensão material: definida como policy, contempla o conteúdo prático das políticas públi-cas. Ou seja, como são desenhadas e moldadas as concepções e as ações previstas nos programas políticos, quais são as prescrições para solução dos problemas técnicos.

Dimensão processual: usamos, aqui, o ter-mo politics. Nosso foco é o processo político em si, naturalmente marcado pelo conflito. Conside-ramos os diferentes embates políticos travados em torno de qual seria melhor decisão para o en-frentamento de determinados problemas públicos, aos objetivos a que a política pública deve aten-der, às ações específicas para se alcançar esses objetivos e ao público final que será beneficiado pela decisão pública.

Dimensão institucional: definida a partir do termo polity, refere-se ao ambiente do sistema po-lítico, à ordem definida pelo sistema jurídico, à es-trutura existente no sistema político-administrativo.

Essas dimensões, como veremos a seguir, manifestam-se de forma mais explícita ao longo do Ciclo das Políticas Públicas.

O Ciclo das Políticas Públicas

Em uma perspectiva mais conservadora, o Ciclo das Políticas Públicas era visto como um pro-cesso unidirecional, composto pelas fases de de-senho, implementação e avaliação das decisões. Contemporaneamente, porém, há um consenso de que, na realidade, as suas diferentes fases se inter-relacionam de forma circular e são mais amplas do que o originalmente previsto.

9Em português, temos uma única palavra para os vocábulos ingleses policy, polity e politics: política. Em função disso, os autores trabalham com os termos em inglês.

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Considera-se, hoje, que esse ciclo abrange: o reconhecimento do problema, quando se define como ele será percebido pela sociedade e os agentes go-vernamentais; a construção da agenda, ou agenda setting, quando se decide se o tema será incluído, ou não, entre as prioridades a serem enfrentadas pelo Governo/Estado; o desenho (ou formulação), caracte-rizado pela escolha de uma ou algumas opções den-tre um leque de alternativas disponíveis para resolver a questão; a implementação, marcada pela transpo-sição das ações do plano abstrato para a realidade concreta; e a avaliação, importante para medir os re-sultados práticos da ação pública. (FREY, 1999)

A Visão Conservadora do Ciclo das Políticas Públicas

O Ciclo das Políticas Públicas no Entendimento Atual

Os grandes embates políticos, que constro-em a ponte entre a Administração Pública e ou-tros campos do saber como as Ciências Políticas, costumam se concentrar nas duas fases iniciais do ciclo – reconhecimento do problema e formação da agenda de governo.

É nessas duas etapas que os diferentes ato-res sociais procuram capturar a atenção dos agen-

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tes públicos, convencê-los da importância de incluir o problema na lista de prioridades do Governo/Estado e fazer com que as alternativas escolhidas para enfrentá-los incorporem os seus interesses e pontos de vista.

Os atores envolvidos nas disputas, como de-fine Rua (1997), podem ser públicos ou privados. No primeiro caso, temos os atores políticos e os burocratas. Atores políticos são aqueles que têm a sua posição pública atrelada a mandatos eleitorais, como deputados, senadores, governadores e pre-feitos. Burocratas, por sua vez, como vimos antes, situam-se em um sistema de carreira pública, ocu-pando cargos que demandam conhecimentos técni-cos/especializados.

Já os atores privados costumam ter como des-taque os empresários, pelos recursos econômicos concentrados em suas mãos. Mas também incluem, dentre outros, os trabalhadores, os integrantes de Organizações Não-governamentais (ONGs) e os mo-vimentos sociais, representados, por exemplo, pe-los Sem-terra.

Devemos ficar atentos, ainda, à importância adquirida nas políticas públicas pelos agentes in-ternacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (Bird). Aos atores transna-cionalizados, como as empresas financeiras e de telecomunicações, que atuam em escala global, de-tendo grande poder de pressão sobre os Governos nacionais. E, por fim, ao papel desempenhado pela mídia na concepção das políticas públicas, dado que ela é formadora de opinião e tem grande ca-pacidade de interferir na percepção da sociedade sobre determinados problemas públicos e de mobi-lizar outros atores para a ação política (RUA, 1997).

No ambiente conflituoso das disputas, os di-ferentes atores sociais recorrem a diferentes arenas

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e estratégias para tentar fazer com que, nas políti-cas públicas, prevaleçam os seus interesses e pon-tos de vista. Como arenas, podemos citar a própria mídia, as ruas, o Congresso e as cortes de Justiça. Como estratégias, as campanhas publicitárias, a vi-sita a parlamentares, o lobby10 e o envio de cartas a formadores de opinião. O grau de competição e de interação entre os atores sociais, veremos a seguir, dependente fundamentalmente do tipo de política pública em discussão.

Os Tipos de Política Pública

Frey (1999) distingue quatro tipos de polí-ticas públicas, que apresentam variações quanto à sua forma e quanto aos efeitos dos modos de implantação. E também quanto ao conteúdo e ao nível de conflito gerado ao longo do seu processo de construção. São eles:

políticas distributivas11: são voltadas para determinados segmentos ou regiões, sem preo-cupação de abranger a sociedade em sua totali-dade. Costumam beneficiar um grande número de pessoas, porém em escala relativamente pequena. São geralmente marcadas por um baixo nível de conflito, pois procuram criar vantagens para alguns destinatários, sem custos ou perdas explícitas para os demais.

políticas redistributivas: procuram deslocar recursos financeiros, direitos ou outros valores de uma camada social para outra. Como as perdas são claras para alguns, caracterizam-se, geralmente, por elevado grau de conflito político.

políticas regulatórias: envolvem ordens, proibições, decretos e portarias. Podem ter cus-tos e benefícios específicos para determinados segmentos, ou atingirem a coletividade. Geral-

10O termo lobby não deve ser confundido nem com corrupção nem com pressão sobre o Executivo e o Legislativo. Presente na política norte-americana desde o fi nal do século XIX, ele é, na verdade, uma prática legítima, que contempla uma série de ações, como coleta de informações, acertos e acordos para a conquista de aliados, concepção de projetos políticos e elaboração de documentos que deem sustentação a alguma proposta, dentre outras. A pressão é apenas a etapa fi nal do lobby, que, caso recorra à corrupção, torna-se uma ilegalidade (GRAZIANO, 1997).

11Alguns autores não fazem distinção entre políticas dis-tributivas e políticas redistributivas, o que torna difícil recorrer a exemplos para explicá-las. Na ausência de consenso quanto às distinções entre os 2 termos, manteremos, aqui, a classifi cação utilizada por Frey (1999).

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mente, envolvem conflitos, com os interessados procurando fazer prevalecer seus interesses por meios de parcerias e tentativas de construção de consensos em torno de determinadas ideias e pontos de vista.

políticas constitutivas: determinam as regras do jogo para a negociação das políticas distributi-vas, redistributivas e regulatórias. Interferem dire-tamente na estrutura e no processo dos conflitos políticos.

Implementação, Monitoramento e Avaliação

Como vimos, o conflito político é indissociá-vel do processo de construção das políticas públi-cas. Mas não podemos reduzir o Estado ao resulta-do dos conflitos gerados na sociedade. Ao fazerem suas escolhas, os gestores públicos também levam em conta diversos aspectos racionais:

Os Estados são produtos histó-ricos de suas sociedades, mas isso não signifi ca que sejam meros peões no jogo social de outros atores. Mesmo que sejam moldados por estes, os Estados devem ser tratados como insti-tuições e atores sociais em si, com poderes de infl uir no curso das mudanças econômicas e so-ciais (EVANS, 2004, p. 44).

Embora fundamental desde o início da for-mação da agenda de governo, a racionalidade da decisão pública se manifesta, principalmente, nas fases de implementação, monitoramento e avalia-ção das Políticas Públicas. É nesses momentos que se amplia o papel dos burocratas, encarregados de transpor, para o mundo real, as decisões tomadas

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no plano abstrato da política.Hoje, observa-se particular preocupação com

o desenvolvimento de ferramentas que nos permi-tam monitorar e avaliar as políticas públicas. Essas ferramentas dependem, particularmente, da defini-ção prévia dos indicadores a serem considerados para verificar se as políticas públicas atingiram os objetivos de eficiência, eficácia e efetividade, que devem estar na essência da ação estatal.

Por eficiência entendemos a boa utilização dos recursos, de modo a maximizar os resultados da ação pública e minimizar os meios utilizados para a sua consecução.

A eficácia, por sua vez, diz respeito à relação entre os resultados esperados e aqueles realmen-te atingidos, levando-se em conta a relação custo-benefício.

Já a efetividade consiste na mensuração do resultado da ação pública, procurando-se verificar em que grau ela atingiu os objetivos previamente traçados e atenderam às necessidades e expectati-vas da sua clientela.

É importante frisar que, embora sigam mui-tos dos parâmetros adotados no setor privado, as ferramentas instrumentais de gestão não podem ser simplesmente transpostas para a administração pública. Ao recorrermos a elas, precisamos levar em conta as especificidades do Estado, do Governo e da política.

INDICAÇÃO DE LEITURA COMPLEMENTAR

Para melhor entender a diversidade de conceitos interrelacionados com as políticas públicas, leia o texto: Análise de Políticas Públicas: Conceitos Bá-sicos, em:

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RUA, Maria das Graças. Análise de Políticas Pú-blicas: Conceitos Básicos. Washington, Indes/BID, 1997, mimeo. <HTTP://adesgbahia.org/GEPEM2007/AulasProfPestana/PoliticasPublicas.htm>. Acesso em 15 mai. 2010.

Neste texto introdutório para o estudo das políticas públicas, Maria das Graças Rua apresenta os prin-cipais conceitos e teorias que nos ajudam a com-preender o tratamento dado ao tema na pesquisa acadêmica. De forma didática, ela nos ensina como se dá o processo de formação da agenda de gover-no, constituída por aqueles temas que os gestores consideram prioritários para serem enfrentados pe-los Estado/Governo.

Para tornar mais claro o conflito político existente ao longo de todo o ciclo das políticas públicas, leia o texto: Formação da Agenda Governamental, em:

CAPELLA, Ana Cláudia Niedhardt. Formação da Agenda Governamental: Perspectivas Teóricas; XXIX Encontro Anual da Anpocs, 2005.

No texto, a autora nos apresenta as características de dois dos modelos mais empregados, em âmbito mundial, para análise do processo de construção das políticas públicas. O Modelo das Correntes Múl-tiplas e o Modelo do Equilíbrio Pontuado. A leitura nos permite compreender como agem os diferentes atores para tentar fazer com que seus interesses prevaleçam nas políticas públicas.

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PARA REFLETIRAs fases de Implantação e Avaliação das políticas públicas são, normalmente, associadas ao caráter de tecnicidade e neutralidade. Mas será que buro-cratas são neutros? Ao longo dessas fases do ciclo, eles não tomam uma série de decisões, muitas ve-zes influenciadas por seus pontos de vista e pre-ferências? Não têm poder para interferir de forma significativa na condução e no resultado final da ação pública? Vamos discutir isso com os colegas, no ambiente AVA?

RESUMO

Neste tema, apresentamos as principais caracterís-ticas e distinções entre Estado, Governo e Adminis-tração Pública. Mostramos que o seu entendimento não pode prescindir de permanente diálogo com outros campos de estudo, como a Ciência Políti-ca, a Sociologia e a Administração de Empresas. Resumimos, ainda, as principais características das políticas públicas, que são a forma concreta de o Estado, o Governo e a administração pública en-trarem em ação. Mostramos que essas políticas se encontram fundamentalmente ligadas ao processo político, presente, também, na definição dos Mode-los de Gestão Pública, o próximo Tema do nosso curso.

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Modelos de Gestão Pública e o Processo de Reforma do Estado2

Neste Tema, vamos estudar os principais modelos de gestão pública já utilizados no mundo – o patrimonialismo, a burocracia12 e o gerencialismo. Vamos entender as diferenças entre cada um desses tipos de administração, procurando contextualizar como a sua emer-gência encontra-se ligada a uma série de transformações históricas, econômicas, políticas e sociais.

Vamos nos deter, ainda, sobre como esses modelos foram abor-dados no recente processo de reforma do Estado, desencadeado em diferentes países a partir do final dos anos de 1980. E, também, como se apresentam no processo de construção do Estado brasileiro. Para finalizar, discutiremos as principais tendências da gestão pública no mundo contemporâneo.

12Com o passar dos anos, o termo burocracia assumiu o sentido pejorativo de morosidade, fi las e excesso de papeladas. Mas, como veremos aqui, a burocracia, na verdade, é uma forma racional de organização da administração, tanto pública quanto privada.

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2.1. Patrimonialismo, burocracia e gerencialismo

Para entendermos os três principais modelos de gestão pública até hoje utilizados – patrimonia-lismo, burocracia e gerencialismo – é fundamental nos atermos, inicialmente, aos 3 tipos ideais13 de autoridade definidos pelo sociólogo Max Weber. São eles que fundamentam a dominação e a legi-timidade de quem está no poder, ou seja, o reco-nhecimento da sua autoridade e a obediência às suas decisões.

Autoridade tradicional: tem sua origem liga-da à crença nos costumes, na tradição. As pessoas acreditam que quem está nos postos de comando tem direito a ocupá-los porque, tradicionalmente, a dominação foi exercida daquela forma. Podemos tomar como exemplo o caso em que o poder se transfere de pai para filhos ou é automaticamente conferido ao integrante mais velho de dada comu-nidade e/ou sociedade.

Autoridade carismática: a legitimidade encon-tra-se ligada às características e habilidades pesso-ais do líder. De caráter afetivo, está normalmente relacionada a algum aspecto revolucionário. O líder é visto como alguém excepcional, às vezes, assu-mindo aspectos de santidade. Como se baseia em qualidades especiais atribuídas a alguém, a lealda-de a ele devotada é de cunho pessoal. Logo, esse tipo de dominação tende a ser passageira. Caso se perpetue no tempo, o normal é assumir a forma de autoridade tradicional ou racional-legal.

Autoridade racional-legal: baseia-se na cren-ça no estatuto da lei, na validade de regras racio-nalmente estabelecidas. É regida por uma ordem de caráter impessoal e universal.

Os 3 tipos weberianos de autoridade/legiti-midade, veremos a seguir, são determinantes para

13Os tipos ideais não têm sentido valora-tivo. Dito de outra forma, ideal não quer dizer que seja bom. Trata-se, ape-nas, de um recurso metodológico, des-tinado a explicitar de forma extremada as características de determinado fenômeno. Os tipos ideais não são encontrados em sua forma pura na realidade.Fonte: http://www.culturabrasil.pro.br/weber.htm. Acesso em 18/10/2010

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os modelos de gestão pública que iremos estudar a partir de agora. A emergência desses modelos, alerta-nos Matias-Pereira (2009), ocorre concomi-tantemente com o surgimento do Estado moderno – em meados do século XV, lembra-se?

Originalmente, diz o autor, tivemos uma or-ganização sob o modelo patrimonialista. Do início do século XIX até quase o final do século XX, pas-samos ao modelo burocrático. Desde então, a ten-dência é a gestão pública se organizar sob a forma gerencial. Vamos, então, estudar as especificidades de cada modelo?

Patrimonialismo

Característica dos Estados Absolutistas14 que se conformaram na Europa entre os séculos XV, XVI e XVII, a administração de cunho patrimonialista tem como marco central a confusão entre o pa-trimônio privado e o patrimônio público. Dito de outra forma, o aparelho de Estado se apresenta como uma extensão do poder do rei, ou, como ve-remos mais à frente, ao abordar o caso brasileiro, de quem se encontra direta ou indiretamente nos postos de comando. Sua autoridade é do tipo tra-dicional.

Nesse modelo de gestão, como define Weber (1989), citado por Batista (2010), quem está no po-der toma decisões ao sabor de suas preferências e interesses particulares. Não podemos falar da exis-tência de um corpo de administração pública como o que conhecemos hoje.

Na organização patrimonial, os cargos funcionam como recompensas ou troca de favores e são ocupados por pesso-as ligadas por dependência pessoal ao

14Os Estados Absolu-tistas surgiram na Europa no período de transição do feudalismo para o capitalismo. São marcados pela ampliação do poder dos monarcas e crescente enfraquecimento da infl uência dos senhores feudais.

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gestor, como parentes e aliados, ou que tenham com ele algum vínculo de lealda-de. Desprofissionalizada, a organização funcional do Estado atende muito mais a interesses particulares do que ao inte-resse público.

Mas como se dá a ascensão e o declínio des-se modelo público de gestão? Como as transfor-mações ocorrem ao longo de um extenso processo histórico, podemos dizer que, no decorrer dos sé-culos XIV, XV e XVI, o mundo assistiu a uma paula-tina substituição do modo feudal de produção pelo capitalismo mercantil15. Nesse período, a ideia de que o poder do Estado advinha de alguma atri-buição divina deslocou-se progressivamente para a percepção do Estado como organização responsá-vel pela realização do bem comum.

Inicialmente, porém, o controle patrimonia-lista do Estado apenas se transferiu das mãos dos senhores feudais para a dos reis. O monarca e a nobreza real continuaram a tratar o Estado como propriedade particular, comportando-se como “donos” de tudo que se encontrava dentro do seu território, como as pessoas e os bens (BATISTA, 2010).

A partir do século XVII, com a ascensão da burguesia16, particularmente na Inglaterra, e o advento da Sociedade Industrial17, o mundo começou a se dar conta de que o patrimonia-lismo não mais se adequava ao ambiente em conformação. As pessoas perceberam, então, a necessidade de que fossem estabelecidas regras claras e impessoais, capazes de criar um am-biente favorável à reprodução do capital. Nes-te momento, como veremos a seguir, o mundo começou a se inclinar na direção de uma nova

15O Mercantilismo, “é uma teoria econômica que acompanhou o absolutismo na Euro-pa nos séculos XVI, XVII e XVIII (...) Na teoria mercantilista, a base de sustentação da economia eram os estoques de ouro e prata, o comércio e a indústria. A nação que não tivesse minas, deveria obter aqueles metais preciosos através do comércio. O país devia buscar exportar mais do que importar. As colônias deveriam ser mantidas como consumidoras dos produtos da metró-pole e, ao mesmo tempo, fornecedoras de matéria prima para a metrópole.”Fontehttp://www.cobra.pages.nom.br/ft--mercantilismo.html

16A burguesia é uma “classe social que surge na Europa em fi ns da Idade Média, com o desenvolvi-mento econômico e o aparecimento das cidades, e que vai, gradativamente, infi ltrando-se na aristocracia, e passa a dominar a vida política, social e econômica a partir da Revolução Francesa, fi rmando-se no correr do século XIX”.FonteBuarque de Holanda (1986, p.294).

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forma de organização da gestão pública, a buro-cracia, que viria a se firmar como modelo quase dois séculos depois.

Burocracia

Introduzido de forma mais generalizada a partir da segunda metade do século XIX, o mode-lo burocrático de gestão pública tem como base o pensamento de 3 autores principais: Max Weber, Woodrow Wilson (1856 – 1924) e Frederick Taylor (1856-1915). São eles, como veremos agora, que fornecem as bases do que chamamos Paradigma Clássico da Administração Pública.

Os três, por caminhos diversos, trabalharam na tentativa de separar a administração pública da política, de forma que ela agisse de maneira racional e impessoal. Na verdade, a grande preo-cupação dos autores era a forma de organizar e operacionalizar as atividades administrativas, de modo a criar em torno delas uma capa de prote-ção contra as ingerências políticas e ampliar sua eficiência.

Wilson (1955), em ensaio que se tornou um texto clássico para a área, abordou diretamente a questão. Sua filosofia era que à política deve-ria caber a elaboração das propostas do Estado/Governo. A administração pública ficaria encarre-gada, apenas, da sua implementação. Lembra-se de que discutimos, no tema I, a impossibilidade prática dessa separação? Pois Wilson foi um dos principais norteadores do debate em torno da questão.

Já Taylor não escreveu diretamente sobre a administração pública. O que aconteceu, na ver-dade, foi uma tentativa de incorporar a ela alguns princípios da Teoria da Administração Científica18,

17A Sociedade Industrial surge com a Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra, em meados do Século XVII, caracterizada por grandes transformações tecnológicas no processo produtivo das empresas.

18A Teoria da Admi-nistração Científi ca, desenvolvida por Taylor, procurava conferir mais racionalidade ao trabalho, por meio da repartição de tarefas e do estudo dos tempos e movimentos.Fontehttp://www.htmlstaff.org/xkurt/projetos/portaldoadmin/mo-dules/news/article.php?storyid=29

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desenvolvida pelo autor com foco no setor priva-do. Dentre os princípios, podemos apontar como mais relevantes o da divisão de tarefas como me-canismo de ampliação da eficiência e o da exis-tência de um the best way, ou seja, de um cami-nho melhor que poderia ser sempre percorrido da mesma forma no desenvolvimento de alguma atividade ou função.

Mas será que o the best way é mesmo uma vantagem para a administração? Ele não pode, na realidade, inibir a criativi-dade, a iniciativa e a inovação? Este é um dos maiores questionamentos às teorias de Taylor.

Embora Wilson e Taylor tenham sido im-portantes na definição dos parâmetros da bu-rocracia pública, a principal contribuição teóri-ca para esse modelo de gestão, certamente, foi dada por Weber.

Desde o século XVI, os princípios da buro-cracia já eram aplicados, com variados graus de in-tensidade, nas administrações públicas europeias, bem como nas instituições religiosas e militares da-quele continente. Mas foi apenas após “Economia e Sociedade”, publicado depois a morte de Weber, que se concretizou a construção das bases teóricas sobre as quais se assenta o modelo burocrático. Vamos, então, nos deter um pouco sobre a contri-buição do autor?

O modelo weberiano de burocracia

Na sua Teoria da Burocracia, Weber aponta a autoridade/dominação do tipo racional-legal – discutimos o conceito no início deste conteúdo

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– como característico dessa forma de se organi-zar a administração (pública e privada). Ou seja:

Na organização burocrática, “o poder emana das normas, das instituições for-mais, e não do perfil carismático ou da tradição” (SECCHI, 2009, p.351).

Na concepção weberiana, a organização buro-crática se orienta por três características principais: a formalidade, a impessoalidade e o profissiona-lismo. Características que podem ser entendidas a partir das explicações apresentadas a seguir.

Formalidade: pressupõe que os integrantes de uma organização têm deveres e responsabili-dades a cumprir. E que esses deveres e responsa-bilidades estão explicitamente escritos em regras; pautam-se por uma hierarquização de cargos e funções; baseiam-se em uma distribuição clara das tarefas de cada um. Seu objetivo é garantir que o trabalho seja realizado de forma contínua e padro-nizada, evitando-se ao máximo a necessidade da tomada de decisões individuais.

Impessoalidade: consiste no princípio de que a autoridade dos integrantes da organização encontra-se ligada ao cargo, e não à pessoa que o ocupa. É uma forma de tentar evitar que alguém se aproprie individualmente do poder, do prestígio e de vários benefícios associados ao cargo. Ou seja, se a pessoa deixar a organização, automaticamen-te, tudo se transfere para quem a substituir no pos-to por ela ocupado até então.

Profissionalismo: baseado no pressuposto do mérito para a distribuição de cargos e recom-pensas. Ou seja, as pessoas devem ascender aos postos mais cobiçados da organização por meio de uma competição justa, que leve em conta os

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seus conhecimentos, a sua capacitação técnica, a sua experiência e demais qualidades exigidas pelo cargo. É uma tentativa de evitar o patrimonialismo na administração.

Em resumo, a teoria weberiana nos diz que a burocracia é uma forma racional de organizar a administração. Ela possi-bilita uma melhor adequação dos meios aos fins, questão fundamental quando se considera que os recursos são sempre escassos frente ao volume de serviços a prestar.

Mas a burocracia, como reconhecido pelo próprio Weber, pode apresentar algumas disfun-ções, ou seja, alguns resultados inesperados. Como exemplos, podemos citar o apego exces-sivo às normas, em detrimento dos objetivos a serem alcançados; a resistência a mudanças por parte dos integrantes da organização e a utilização da sua formalidade e impessoalidade para beneficiar os integrantes do serviço públi-co, quando a meta era proteger a administração (SECCHI, 2009). Essas disfunções forneceram os principais argumentos para a proposta de um novo modelo de gestão pública, o gerencialismo, nosso próximo foco de discussão.

O Modelo Gerencial de Gestão

O modelo gerencial, introduzido em diversos países a partir da década de 1980, surge como uma proposta de adoção, pela administração pública, de práticas de gestão utilizadas no setor privado. Ancorado no argumento de que a burocracia de-saguara em engessamento da máquina pública,

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tornando-a morosa e pouco eficiente, propõe que o foco da administração seja deslocado do processo para os resultados.

Mas, o quê, exatamente, significa isso? Para os gerencialistas, como nos explica Chiavenato (2006), ampliar a eficiência da máquina pública implicava definir objetivos a serem atingidos pelo gestor na unidade ou função sob sua responsabi-lidade; dar ao gestor mais autonomia para tomar decisões envolvendo os diferentes recursos à sua disposição (humanos, financeiros, materiais, etc.) e criar mecanismos de controle que permitissem à administração verificar, a posteriori, se os resulta-dos alcançados, de fato, condizem com os objeti-vos traçados. Mas, como nos esclarece o mesmo autor...

O gerencialismo não propõe uma destrui-ção da burocracia. Sugere, apenas, uma flexibilização de seus critérios. Que não sejam tão rígidas, por exemplo, as nor-mas de contratação e de premiação dos servidores públicos. Que os níveis hierár-quicos sejam reduzidos, para tornar mais ágil a gestão.

Bresser-Pereira (2005) aponta 4 característi-cas básicas do modelo gerencial de gestão: 1) foco no cidadão e nos resultados; 2) grau limitado de confiança nos políticos e servidores públicos; 3) uso intensivo da descentralização e do estímulo à criatividade e à inovação; e 4) utilização do con-trato de gestão19 para controle do desempenho dos administradores públicos. Observemos, no Quadro VI, as principais características que, sob o ponto de vista do autor, distinguem os modelos burocrático e gerencial.

19O contrato de gestão consiste em uma espécie de termo de responsa-bilidade, por meio do qual os adminis-tradores públicos se comprometem a atingir determinadas metas e resultados.

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Quadro VI - Diferenças entre a Administra-ção Pública Burocrática e Administração Pública

Gerencial

Administração Pública Burocrática

Administração Pública Gerencial

i) Votada para o pro-cesso.

ii) Procura combater o nepotismo e a corrup-ção via controle do processo, sem levar em conta a alta inefi-ciência daí resultante.

iii) Preocupa-se em de-finir procedimentos para a contratação de pessoal e a compra de bens e serviços.

iv) Como considera di-fícil punir os desvios, adota controles pre-ventivos, aplicados a priori.

v) É autorreferente. Ou seja, concentra-se nas suas próprias necessi-dades e perspectivas.

i) Voltada para o resul-tado.

ii) Acredita que é preci-so combater o nepo-tismo e a corrupção, mas isso não deman-da procedimentos tão rígidos.

iii) Defende a descen-tralização; a amplia-ção da autoridade e da responsabilidade do gestor público.

iv) Defende o controle do desempenho, a ser medido via indicado-res, acordados e co-locados em contratos.

v) É orientada para as necessidades e pers-pectivas do cidadão/consumidor.

Fonte: Elaborado pela autora, a partir de Bresser Pereira (2005)

Em resumo, os defensores do modelo ge-rencial argumentavam que a administração pública deveria ter mais liberdade para tentar reduzir cus-tos e ampliar a qualidade dos serviços prestados à população. Mas as concepções destacadas pelos gerencialistas, como veremos no nosso próximo

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67Tema 2 | Modelos de Gestão Pública e o Processo de Reforma do Estado

conteúdo, não podem ser dissociadas de uma série de transformações econômicas, políticas e sociais. Transformações que, a partir dos anos de 1980, desencadearam um amplo processo de reforma do Estado em diferentes partes do mundo.

INDICAÇÃO DE LEITURA COMPLEMENTAR:

Para compreender melhor as diferenças entre os três modelos de gestão pública, leia: SECCHI, Le-onardo. Modelos Organizacionais e reformas da administração pública. Revista de Administração Pública (RAP), Rio de Janeiro, N. 43, V. 2, 2009, p. 347-369.

No artigo, Leonardo Secchi apresenta uma ampla pesquisa bibliográfica, feita em trabalhos clássi-cos e recentes realizados nos Estados Unidos e na Europa, comparando modelos de gestão que influenciaram a administração pública. Embora o autor apresente outros 2 modelos não abordados no nosso curso, faz uma boa contextualização e estabelece um confronto claro entre a burocracia e o gerencialismo. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/rap/v43n2/v43n2a04.pdf>. Acesso em 09 out. 2010.

A Teoria da Burocracia é central para a compreen-são de como evolui a forma de organização da ad-ministração pública. Para conhecer um pouco mais sobre o tema, leia o texto: Teoria da Burocracia, no Capítulo 7 (p. 52-56) de:

MATIAS-PEREIRA, José. Curso de Administração Pú-blica: foco nas instituições e ações governamen-tais. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

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No capítulo, José Matias Pereira explica os principais conceitos presentes na teoria weberiana. Aborda, também, o sentido pejorativo assumido pelo termo burocracia e as principais vantagens do modelo.

PARA REFLETIR

A busca pela eficiência na administração pública é uma constante desde o início do século XIX. Mas será que essa eficiência depende fundamentalmen-te do uso de ferramentas mais adequadas de ges-tão ou encontra-se ligada a outros fatores, como a política e a nossa forma de ver o papel do Estado? Compartilhe suas reflexões com os colegas, no am-biente AVA.

2.2. O Processo de Reforma do Estado e a Nova Administração Pública

Quando falamos nos modelos de gestão públi-ca e abordamos a passagem da burocracia para o ge-rencialismo, podemos incorrer no equívoco de pensar em uma “evolução” das práticas de gestão. Não nos deixemos enganar: o discurso da eficiência incorpora-do pelo modelo é fortemente influenciado pela forma que tem a sociedade de ver o papel do Estado.

Na discussão sobre a divisão dos Poderes, vimos ser a promoção do bem comum o fim maior do Estado. A grande questão é: como atingir esse fim? A pergunta, invariavelmente, remete-nos a uma reflexão sobre como deve atuar o Estado nos cam-pos da economia e do bem estar social.

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Na esfera econômica, a história nos mostra períodos de alternância entre dois modelos de atu-ação: o Estado liberal e o Estado interventor. Va-mos, então, nos deter um pouco sobre o sentido dessas 2 concepções?

Comecemos pelo liberalismo econômico. An-corado nos estudos de autores como Adam Smith (1723-1790), J.B. Say (1767-1832), J. S. Mill (1806-1873) e D. Ricardo (1772-1823), o conceito de Es-tado liberal tem como eixo central a ideia de auto--regulação dos mercados. Nessa concepção, para alcançar o desenvolvimento, bastaria deixar que as engrenagens do capitalismo funcionassem sem maiores amarras. Ao Estado caberia, apenas, asse-gurar as condições para que isso ocorresse.

Para os liberais extremados, mesmo questões eminentemente sociais, como educação, habitação e qualificação pro-fissional, devem ser discutidas, priorita-riamente, pela ótica do mercado.

No liberalismo, verifica-se uma tendência de percepção do mercado como sinônimo de socieda-de. Não apenas no campo econômico. É como se o que estivesse em jogo fosse apenas a questão da competitividade econômica. Vistas por esse pris-ma, as políticas e a alocação dos recursos públi-cos passam a ser avaliadas apenas pelo critério de eficiência, em detrimento de outros, como os de equidade20 e de justiça social. Legitima-se, assim, a noção que é o mercado, eficiente, e não o Governo, sujeito aos condicionantes da política, quem me-lhor aloca os recursos disponíveis.

Em sentido oposto temos o modelo de Estado interventor, ou desenvolvimentista, inspirado, prin-cipalmente, nas ideias do economista britânico John

20Equidade consiste em garantir a todos direitos iguais, procurando-se eliminar possíveis desigualdades decorrentes, por exemplo, de raça e condição social.

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Maynard Keynes (1883-1946). Partindo da premissa de que o Estado deve funcionar como motor do de-senvolvimento, o intervencionismo defende que a sua atuação não deve se limitar à administração da coisa pública, como defesa, justiça, saúde e educação. E nem à simples regulação das atividades privadas.

Nesta concepção, cabe ao Estado o papel de participar diretamente da produção. Isso por meio da criação de empresas estatais e da ampliação dos seus gastos em políticas e programas capa-zes de alavancar a economia. O modelo de Estado interventor incorpora, também, uma visão positiva sobre práticas protecionistas, como a criação de barreiras à entrada de produtos estrangeiros que possam colocar em risco as empresas nacionais (LADEROZZA, 2003).

Ficou clara a discussão sobre Estado X mer-cado; liberalismo X intervencionismo? Passemos, então, ao conceito de Estado do Bem Estar Social ou Estado Providência. Usamos o termo para nos referir a uma tendência, firmada a partir de 1945, fim da Segunda Guerra Mundial, particularmente no continente europeu.

Tendência caracterizada pela implementação, por parte do Estado, de diversas políticas voltadas para o suprimento, à população, de benefícios em áreas como seguro-desemprego, moradia, saúde e educação. O Estado Providência, como veremos a seguir, desenvolveu-se em sintonia com a afirma-ção do desenvolvimentismo e do modelo burocráti-co de gestão pública.

Burocracia, Desenvolvimentismo e Estado do Bem Estar Social

Como dissemos anteriormente, com a Revo-lução Industrial Inglesa, ocorrida por volta de 1750,

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verificou-se uma ascensão econômica e social da burguesia, que provocou profundas transformações no continente europeu, ao longo dos séculos XVIII e XIX. Nesse período histórico, observamos uma pro-gressiva tendência de implantação do modelo de Estado liberal, que só viria a ser posto em cheque a partir de 1929, com a grande quebra da Bolsa de Nova Iorque21. Com a crise financeira desencadeada a partir de então, começou-se a questionar se o discurso do livre mercado resistiria a um confronto concreto com a realidade.

A partir da quebra, verificou-se um período de grande depressão, tanto nas economias dos países centrais quanto na dos países periféricos. A crise se traduziu em níveis alarmantes de de-semprego, falência em massa de empresas, queda nos preços e compressão do comércio mundial. Onde estava, então, o ponto de equilíbrio, que, segundo os defensores do liberalismo econômico, o mercado auto-regulado era capaz de garantir?

A quebra da Bolsa foi acompanhada do surgimento de governos totalitários, como os de Hitler, na Alemanha; e de Mussolini, na Itá-lia. Difundiu-se, então, o receio de que, sem uma intervenção mais efetiva do Estado nos campos econômico e social, a própria democracia poderia ser posta em risco.

Paralelamente, a União Soviética, surgida da Revolução Russa de 1917, que combinava o modo de produção socialista22 com uma forte tradição de planejamento estatal, parecia se ressentir menos dos efeitos da crise mundial. Sua economia, com baixo grau de desenvolvimento no início do século XX, em poucas décadas ganhara um ritmo acelera-do de industrialização. Começou-se, então, a criar um consenso em torno dos benefícios do modelo de Estado interventor e planejador.

21Os ganhos elevados com os investi-mentos em ações, sustentados durante anos, levaram os norte-americanos a investimentos maciços no mercado de ações, muitas vezes custeados via empréstimos bancários. Em outubro de 1929, sem explicações claras para a ques-tão, um frenesi de vendas se espalhou pelo mercado. Ocorreu, então, uma quebra da Bolsa de Nova Iorque, que levou no rastro da crise o restante da economia dos EUA e do mundo.Fonte:http://veja.abril.com.br/historia/crash--bolsa-nova-york/especial-quebrou--panico-acoes-wall--street.shtml

22Em oposição ao capitalismo, o modo socialista de produção propõe a planifi cação e a coletivização dos meios de produção.

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A partir daí, e particularmente após o final da Segunda Guerra Mundial, difundiu-se pelo conti-nente europeu um modelo de Estado que combina-va a burocracia, como forma de organização admi-nistrativa; o desenvolvimentismo e a planificação, como estratégia econômica e a promoção do bem estar social, como compromisso com a ampliação dos direitos à cidadania, fundamental para enfren-tar os desamparos criados pela crise de 1929.

Essas mudanças fizeram com que, até 1970, o mundo experimentasse um período dourado do capitalismo, marcado por uma prosperidade nunca vista antes, e por resultados expressivos no cam-po da inclusão social (LADEROZZA, 2003). Porém, como veremos a seguir, os progressos tendem a ser cíclicos e os consensos instáveis, particularmente em períodos de grandes mudanças.

O ressurgimento do liberalismo e o processo de reforma do Estado

O consenso criado em torno do modelo de Estado interventor, burocrático e do bem estar so-cial começou a ser rompido na década de 1970. Nessa época, mais uma vez, o mundo passou por um significativo processo de transformação.

Desta vez, a crise fora desencadeada por fa-tores diversos como: grandes mudanças tecnológi-cas; esgotamento do modelo fordista de produção23 e emergência da organização flexível; crise fiscal do Estado, que passou a ter dificuldades para financiar os seus déficits e arcar com as dispendiosas políti-cas implementadas no campo do bem estar social.

Os novos desafios enfrentados pelo Estado tiveram dentre seus efeitos mais marcantes o re-nascimento das ideias liberais, que haviam sido crescentemente abandonadas, a partir da grande crise de 1929.

23O modelo fordista se baseia na produção em massa de produtos padronizados, destinada a garantir economias de escala. Contrapõe-se ao modelo de organização fl exível, baseado em produ-tos diferenciados, na especialização e na redução dos estoques, capazes de garantir ganhos de escopo.

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73Tema 2 | Modelos de Gestão Pública e o Processo de Reforma do Estado

Na área econômica, o ressurgimento do li-beralismo se manifestou centrado na bandeira de redução do tamanho do Estado. Foi o período da defesa do Estado-mínimo. Por todo o mundo, dis-seminaram-se políticas como: privatização de em-presas estatais; transferência de diversos serviços para o setor privado; estabelecimento de parcerias público-privadas; abandono de políticas como a de substituição de importações24, abrindo-se os mercados para a livre – ou maior – concorrência com os produtos estrangeiros.

No campo do bem estar, a ideia era de que os programas de inclusão social haviam criado um ônus insuportável para a capacidade de financia-mento do Estado. Era preciso, então, rever idades mínimas para aposentaria; limitar benefícios como o seguro-desemprego; flexibilizar as regras de con-tratação de pessoal no setor privado, restringindo os direitos trabalhistas; reduzir os programas foca-lizados em parcelas da população mais carentes de redes de proteção social.

Por fim, as dificuldades enfrentadas pelo Es-tado no cenário de transformações se traduziram na percepção de que boa parte da crise devia-se à rigidez do modelo burocrático de administração. A máquina pública teria ficado pesada e ineficien-te demais para dar respostas ao novo mundo em conformação, devendo, portanto, ser reestruturada segundo os princípios de uma gestão gerencial.

Espero que você tenha entendido o contex-to que levou a um processo mundial de reforma do Estado, principalmente a partir da década de 1990. Processo que se desenrolou de forma im-bricada com a reforma da administração pública, marcada pela tentativa de flexibilizar a burocracia, via introdução de um modelo gerencial de gestão. Essa conjugação de mudanças conformou o que

24A substituição de importações é uma estratégia econômi-ca de fazer com que produtos comprados no exterior sejam fabricados dentro do próprio país. Essa meta é alcançada por meio de medidas como subsídios e criação de barreiras à entrada de produtos importados.

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se chama, hoje, de New Public Management, ou Nova Administração Pública. Vamos, então, tentar entender as experiências que deram origem a essas transformações?

As experiências do Reino Unido e dos Estados Unidos

Dois casos foram emblemáticos para os pro-cessos de reforma do Estado e da administração pública que marcaram mundialmente a década de 1990: a experiência britânica, no governo da Primei-ra Ministra Margareth Thatcher, e a norte-americana, nas administrações de Ronald Reagan (1911-2004) e Bill Clinton. Vamos ver o que nos conta Paula (2005) sobre esses dois casos?

No Reino Unido, um relatório publicado na década de 1960 indicou já haver, naquela época, uma maléfica centralização do poder nas mãos dos ministérios, com os servidores públicos sendo tra-tados, como meros conselheiros políticos, e não como administradores. Empenhada em mudar a si-tuação, Thatcher, que foi Primeira Ministra da Ingla-terra entre 1979 e 1990, tomou medidas duras no sentido de reduzir o custo e o tamanho da máquina administrativa. Além disso, implantou a avaliação de desempenho para os servidores públicos e des-centralizou as atividades do Estado via criação de agências executivas25 e a terceirização de vários serviços públicos.

As reformas introduzidas pela Primeira Mi-nistra contemplaram, também, a privatização de estatais atuantes em áreas que, na época, eram consideradas estratégicas para o país, como aço, carvão e transporte aéreo. Ela, ainda, transferiu para o setor privado algumas companhias con-centradas em setores até então tratados como

25“As agências execu-tivas são unidades que implementam políticas públicas governamentais não-terceirizáveis, sendo organizadas em torno de obje-tivos e conduzidas por pessoal com perfi l gerencial. Essas agências fazem parte do governo, mas funcionam sob um contrato de gestão que estabelece suas metas e as res-ponsabilidades dos atores envolvidos.”Fonte:Paula (2005, p.47)

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monopólios naturais26. Como exemplo, podemos citar os setores de gás, eletricidade e telefonia. Todo esse processo foi acompanhado da criação de organismos encarregados de regular os servi-ços privatizados, ou seja, de estabelecer as nor-mas a serem seguidas na sua prestação.

Por fim, Thatcher adotou medidas para es-timular que serviços considerados fundamentais para a sociedade, como saúde e educação, fossem também providos pelo setor privado ou não-lucra-tivo. Na área trabalhista, procurou incorporar ao setor público a flexibilização dos contratos e das jornadas tipicamente adotados pelas empresas e organizações privadas.

Nos Estados Unidos, onde era bem menos significativa a tradição da presença do Estado na economia e no bem estar social, as reformas con-centraram-se no culto às ideias do gerencialismo. Nesse aspecto, não fugiram muito do padrão britâ-nico de estímulo ao empreendedorismo, buscando reforçar no imaginário social a filosofia de sucesso e progresso sustentado pela iniciativa individual.

O movimento gerencialista norte-americano começou no setor privado e depois foi transferido para outros domínios da vida social, como a ciên-cia e o governo. No último caso, difundiu-se pela administração pública durante os mandatos dos ex-presidentes Ronald Reagan e Bill Clinton, que go-vernaram os Estados Unidos, respectivamente, de 1981 a 1989, e de 1993 a 2001.

A influência mostrou-se mais marcante na dé-cada de 1990, com o movimento “reinventando o governo”, comandado pelos consultores David Os-borne e Ted Gaebler. A partir do trabalho desses autores, difundiu-se a ideia de que era necessário promover a competição entre os prestadores de serviços públicos; transferir o controle de ativida-

26O termo monopólios naturais é usado em referência a setores considerados fundamentais para a sociedade, mas que apresentam custos fi xos muito eleva-dos, independente da quantidade de clientes. Essa situ-ação inviabilizaria que um número maior de empresas disputasse o mercado.Fonte:http://vento-sueste.blogspot.com/2009/06/os-monopolios--naturais.html

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des públicas para a comunidade e orientar a admi-nistração pública para objetivos e resultados.

INDICAÇÃO DE LEITURA COMPLEMENTAR

Para entender melhor como a emergência do mode-lo gerencial na Administração Pública encontra-se ligada a fatores políticos e ideológicos, leia: PAULA, Ana Paula Paes de. Por uma nova gestão pública: limites e potencialidades da experiência contempo-rânea. Rio de Janeiro: FGV, 2005.

Nesta obra, Ana Paula Paes de Paula faz uma análise crítica dos pressupostos do New Public Management. Mostra que, na verdade, o discur-so sobre a ampliação da eficiência do Estado e da administração pública encontra-se fortemente atrelado à reemergência do pensamento liberal e à difusão de uma série de modismos gerenciais no setor privado, principalmente a partir dos anos de 1980 e 1990.

Para saber como se processou a reforma do Estado e da Administração Pública em diferentes países, leia: PEREIRA, Luiz Carlos Bresser; SPINK, Peter Ke-vin (org). Reforma do Estado e administração públi-ca gerencial. tradução Carolina Andrade. 6. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2005.

O livro traz uma coletânea de 11 artigos, assinados por diferentes autores, que nos permitem uma com-preensão mais profunda da imbricação entre a refor-ma do Estado e a reforma da administração pública. Permite-nos, também, conhecer como essas transfor-mações se processaram em diferentes países, como o Reino Unido, a Nova Zelândia e o Brasil.

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PARA REFLETIR

Desde as primeiras décadas do século XIX até os dias atuais, assistimos a um embate entre libe-ralismo x intervencionismo, ou entre mercado X Estado. Será que essas duas dimensões da vida social são, de fato, opostas uma à outra? Qual é o papel do mercado e qual é o papel do Es-tado? Seria impossível conciliar uma convivência mais harmônica entre essas forças aparentemente opostas? Como definir os limites de atuação de cada uma delas? Seria possível construir um con-senso social em torno da questão? Compartilhe suas reflexões com os colegas no AVA.

2.3. Os Modelos de Gestão Pública e o Processo de Construção do Estado no Brasil

Os três principais modelos de gestão aqui apresentados foram utilizados no Brasil. E, ainda hoje, seus traços se apresentam entrelaçados na forma de organização da administração pública na-cional. Isso, veremos mais à frente, porque, embora mude o modelo de gestão, características arraiga-das na cultura e na política brasileira subsistem às tentativas de modernização.

A tradição patrimonialista brasileira remonta ao período colonial, quando o aparelho adminis-trativo do Estado colocava-se a serviço do rei e dos seus conselheiros, sem qualquer atenção ao interesse da coletividade. Naquela época, na verda-de, não havia regras, normas e competências clara-mente definidas que servissem como norte para a administração pública.

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Mas o auge do patrimonialismo se deu no período republicano, mais precisamente no que se denomina Primeira República ou República Ve-lha, momento histórico compreendido entre 1889 e 1930. Nesse intervalo, conformou-se no país o coronelismo, sistema político marcado pela existên-cia de uma ampla rede de favores e compromissos que mantinha conectados desde o Presidente da República e os governadores dos Estados até os mandões locais, informalmente responsáveis pela condução da política nos Municípios.

O “coronel” era, normalmente, um grande la-tifundiário, encarregado de arregimentar votos de cabresto para as eleições nacionais e estaduais. Em troca, recebia dos mandantes oficiais o direito de fazer uma série de coisas para reforçar o seu po-der local. Às vezes, assumia até mesmo prerrogati-vas típicas do poder estatal, como a expedição de documentos, a nomeação de pessoas para cargos públicos e o exercício de atividades características da polícia, além de assegurar impunidade para os capangas que cometiam atos ilícitos a seu mando (LEAL, 1993; CARVALHO, 1997).

Nesse período, os votos eram fraudados e os deputados eleitos precisavam ter confirmada a sua nomeação para os cargos. O que, naturalmente, só acontecia se o vencedor nas urnas estivesse afinado com os interesses dos poderes estadual e central. Ou seja, tínhamos, apenas, uma democracia de fachada.

Diante do exposto, podemos concluir que, ao longo do sistema coronelista, experimentamos, aqui, a manifestação do tipo weberiano de do-minação tradicional. Lembra-se que esse tipo de autoridade não se pauta por regras e determina-ções legalmente instituídas? Pois, como veremos a seguir, a tentativa de introdução dessas regras na administração pública brasileira só se deu a partir

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de 1930, com a ascensão de Getúlio Vargas (1882-1954) ao poder.

A construção do Estado Burocrático

Como sabemos, Vargas chegou ao poder por meio de um golpe de Estado, comumente intitulado “a Revolução de 1930”. A partir da sua ascensão, teve início um longo período de construção do Es-tado brasileiro. Com base em um resumo do que nos conta Nunes (2003), vamos tentar compreender como se dá o processo de construção do Estado burocrático no Brasil? Qual o porquê de o projeto iniciado por Vargas nunca ter chegado a ser imple-mentado em sua plenitude? Como a introdução da burocracia se dá de forma simultânea com a cen-tralização política, o desenvolvimentismo e alguns ensaios em direção ao Estado do bem estar social?

O que pretendia Vargas com essas medidas? Do ponto de vista da centralização política, ele bus-cava colocar fim ao patrimonialismo que caracteri-zara a República Velha, tirando o poder das mãos das oligarquias regionais.

Lembra-se de que, ao estudarmos o federa-lismo, dissemos que a sua característica central era a autonomia administrativa, política e decisória dos entes federados? Pois a centralização promovida por Vargas desferiu um golpe contra o federalismo brasileiro que, na época, tinha como entes apenas a União e os Estados. O federalismo passou a exis-tir apenas no papel. Todas as decisões dependiam do Governo Federal.

Minar as bases do patrimonialismo era, tam-bém, um dos objetivos da introdução do modelo burocrático de gestão, que teve como marco central a criação, em 1937, do Departamento Administrati-vo do Serviço Público (DASP).

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Encarregado de reorganizar de forma racio-nal a administração pública do país, o DASP tinha como principais atribuições exatamente introduzir o universalismo de procedimentos e regras claras de contratação e promoção de pessoal, baseadas no mérito, e não nas indicações políticas. Enfim, seu papel era o de buscar a formalidade, a impessoa-lidade e o profissionalismo preconizados na teoria weberiana da burocracia.

Por meio dessas medidas, esperava-se que o DASP conseguisse concretizar o insulamento buro-crático do serviço público. Lembra-se do que sig-nifica isso? Abordamos o tema quando falamos da proposta de Woodrow Wilson, nos primórdios do pensamento de uma Ciência da Administração. O insulamento é a tentativa de fazer com que a ad-ministração pública se paute por normas técnicas, claras e racionais, mantendo-se distante dos condi-cionantes da política.

Embora não tenha conseguido cumprir plena-mente sua missão, o DASP representou um passo importante na profissionalização e na racionaliza-ção da administração pública brasileira. Foi a partir da sua instituição que se estabeleceu no país uma longa tradição de criação de agências técnicas e de formação de um corpo funcional mais profissiona-lizado no serviço público, recrutado via concursos ou por critérios técnicos de capacitação.

A tentativa de desmontar o poder das eli-tes locais e regionais, contudo, fracassou. Como não dispunha de uma facção hegemônica para dar sustentação ao Governo, Vargas acabou por criar aquilo que Nunes (2003) define como um “Estado de compromisso”. O que veio a ser isso?

O “Estado de compromisso” foi uma tentati-va de acomodar no governo os interesses de dife-rentes grupos com objetivos muitas vezes antagô-

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nicos. Grupos representados, por exemplo, pelos enfraquecidos latifundiários, os industriais em pro-cesso de formação, as classes médias urbanas en-tão emergentes e os próprios trabalhadores. Logo, o clientelismo27 típico da Primeira República não desapareceu. Ele apenas se transferiu das mãos das oligarquias locais/regionais para o controle do governo federal.

A situação se agravou após o golpe de 1937, quando Vargas instituiu a ditadura do Estado Novo. Pressionado pela necessidade de conter as reações regionais e locais, o presidente teve de recorrer a uma série de medidas não-universalistas para ten-tar formar uma base de apoio. Isso quando o uni-versalismo de procedimentos, uma característica da burocracia, encontrava-se no cerne da sua proposta de introduzir o Estado burocrático no país.

Vamos ver, agora, como se desenvolveu a tradição de Estado desenvolvimentista no Brasil a partir da era Vargas e como se deram alguns pas-sos em direção à construção de um Estado do bem estar social.

O Estado Desenvolvimentista e os Passos em Direção ao Bem Estar Social

Ainda a partir do que nos conta Nunes (2003), podemos dizer que, no campo social, nunca chegou a se configurar no Brasil um Estado do bem estar nos moldes europeus. Porém, devemos a Vargas a introdução de uma série de benefícios sociais para a população, como a criação da carteira de trabalho e a instituição do salário mínimo.

Já a intervenção do Estado na economia, ini-ciada no seu primeiro governo, manifestou-se de 3 formas distintas: na criação de agências e políticas regulatórias; na criação de institutos e agências es-

27O clientelismo, “de modo geral, indica um tipo de relação entre atores polí-ticos que envolve concessão de bene-fícios públicos, na forma de empregos, benefícios fi scais, isenções, em troca de apoio político, sobretudo na forma de voto.”FonteCarvalho (1997, p.3)

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tatais encarregados de atuar na defesa econômica de certos setores e indústrias; e na criação de di-versas empresas estatais e de autarquias.

O grande objetivo de Vargas era transportar o país de uma ordem agro-exportadora, assentada no campo, para uma situação de economia industrial, baseada nas cidades. Começou-se, então, a implan-tar no país um modelo de substituição de importa-ções, que persistiria até a década de 1980, quando se notaram os primeiros sinais de esgotamento do modelo varguista de desenvolvimento.

Em 1942, a administração pública direta já contava com várias empresas e indústrias estatais, como a Casa da Moeda, a Fábrica Nacional de Mo-tores, o Departamento dos Correios e Telégrafos, bem como diferentes estradas de ferro e institu-tos de pesquisa. Na administração pública indireta, já havia a Caixa econômica Federal, o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) e o Banco do Brasil.

A política desenvolvimentista se estendeu até o final da ditadura militar, introduzida no Brasil com o golpe de 1964. Embora tenha deixado heranças indesejáveis como o aumento da dívida pública, o crescimento da inflação e a falta de competitivida-de em vários setores empresariais, foi importante para modernizar a economia e criar uma base in-dustrial no país.

Apesar das dificuldades enfrentadas em várias áreas, quando Vargas deixou o poder, em 1945, o Es-tado brasileiro era extremamente mais sofisticado e bem aparelhado do que aquele encontrado em 1930 (ver Quadros VII e VIII). Mas a herança getulista do clientelismo estendeu-se naturalmente aos governos instalados entre 1946 e 1964, quando o país viven-ciou um curto período de democratização.

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83Tema 2 | Modelos de Gestão Pública e o Processo de Reforma do Estado

QUADRO VII- Indústrias e Serviços Perten-centes ao Estado e Administrados pela Burocracia Estatal, 1942 (também chamado em jargão daspia-

no, “Administração Direta”

Fonte: DASP, Relatório, Presidência da República, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1943, p.60 – Extraído de Nunes (2003: 58).

QUADRO VIII - Indústrias e Serviços Perten-centes ao Estado e Não-Administrados pela Buro-cracia Estatal, 1942 (também chamado em jargão

daspiano, “Administração Indireta”

Fonte: DASP, Relatório, Presidência da República, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1943, p.69 – Extraído de Nunes (2003: 59).

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Após o fim do Estado Novo, os partidos aban-donaram o universalismo de procedimentos, levando as elites modernizantes a elegerem o insulamento burocrático como principal arma de enfrentamento das práticas políticas tradicionais. Nesse sentido, as agências técnicas se difundiram na década de 1950, tanto no governo democrático de Vargas (1951-1954) quanto no de Juscelino Kubitschek28 (1956-1961).

Mas o clientelismo passou a ser utilizado por uma extensa rede personalista, que perpassava os partidos políticos e a burocracia. Esta última passou a ser utilizada como uma espécie de complemento ao sistema partidário, configuração que se fazia pre-sente desde os altos escalões do poder central até o âmbito local. Situação que, mais uma vez, seria alvo de ataques a partir da década de 1990, quando teve lugar a adoção do modelo gerencial de gestão e o início do processo de reforma do Estado no Brasil.

O Modelo Gerencial e o processo de reforma do Estado no Brasil

Do mesmo modo que o mundo, no Brasil, na década de 1990, disseminou-se pela sociedade a ideia de que a organização burocrática era mui-to lenta, pesada e autorreferente, preocupando-se mais em proteger privilégios do funcionalismo pú-blico do que em atender aos interesses dos cida-dãos. É que o Estado tornara-se pesado demais para fazer frente às novas exigências criadas pela recente aceleração do processo de globalização.

Iniciou-se, então, no governo Collor (1990-1992), um processo simultâneo de reforma do Estado e de reforma da administração pública. Reforma que, no úl-timo caso, ao longo dos 8 anos da gestão de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), caminhou mais expli-citamente em direção ao modelo gerencial de gestão.

28JK nasceu em 1902 e morreu em 1976.

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Collor, na verdade, diante da reduzida dura-ção do seu mandato, encurtado pelo processo de impeachment29, concentrou seus esforços na redu-ção do tamanho da máquina estatal. O Governo procurou promover esse enxugamento via demis-são de servidores, muitas vezes de forma não-legal, extinção sumária de alguns órgãos e instituições públicas e um acentuado achatamento salarial do funcionalismo.

Deu, também, passos importantes na direção da abertura do mercado interno à concorrência es-trangeira, por meio da extinção de subsídios e bar-reiras protecionistas. O que promoveu, porém, na avaliação de diferentes autores, foi um inadequado processo de desmonte e de enfraquecimento do aparelho de Estado no Brasil.

As reformas foram retomadas no governo de Fer-nando Henrique Cardoso (FHC), e tiveram como prin-cipal mentor o ex-ministro da Administração Federal e da Reforma do Estado, Luiz Carlos Bresser Pereira. Na verdade, no governo FHC, houve uma tentativa de con-jugação entre a reformas do Estado, a reforma fiscal, a reforma previdenciária e a reforma econômica.

Ao longo dos 8 anos de mandato do ex-presi-dente, contudo, o que se observou foi a implemen-tação efetiva e integral apenas das reformas econô-micas. Nesse período, houve uma maciça privatização de estatais, corte de subsídios e renúncias fiscais, derrubada de barreiras a investimentos estrangeiros e eliminação do monopólio público em setores como o de telecomunicações. A reforma fiscal esbarrou em dificuldades políticas, enquanto ficaram incompletos os programas de reforma do Estado e da Previdência.

No caso específico de implantação do mode-lo gerencial de gestão, foram criadas agências exe-cutivas e organizações sociais e institucionalizado o contrato de gestão. A flexibilização pressuposta no

29O impeachment, ou impedimento, do ex-presidente Fernando Collor, solicitado por causa de denúncias envolvendo um forte esquema de corrupção, foi apro-vado pela Câmara dos Deputados, em 29 de setembro de 1992. Collor renunciou ao cargo em 2 de outubro de 1992, antes que o pedido de impeachment come-çasse a ser julgado pelo Senado.

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modelo foi contemplada, também, com a terceirização de uma série de serviços, a abertura da possibilidade de contratações temporárias de pessoal técnico para projetos do governo, via processo seletivo simplifi-cado, e a formação de parcerias com Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs). As reformas, contudo, ficaram incompletas, não sendo possível falar em uma efetiva substituição do modelo burocrático pelo modelo gerencial no Brasil.

INDICAÇÃO DE LEITURA COMPLEMENTAR

Para ampliar seus conhecimentos sobre o processo de construção do Estado no Brasil, leia o texto: A Construção do Insulamento Burocrático e do Cor-porativismo e a Nacionalização do Clientelismo, no Capítulo 3 (p. 47-65) do livro de:

NUNES, Edson. A Gramática Política no Brasil: clien-telismo e insulamento burocrático. 3. ed. Brasília, DF: ENAP, 2003.

Neste capítulo do livro, fruto da tese de doutora-mento do autor, Edson Nunes faz uma minuciosa análise das reformas introduzidas no país a partir da era Vargas. Aborda o casamento entre as pro-postas de burocratização da administração pública, intervencionismo estatal na economia e centrali-zação política. E nos ajuda a compreender como características da nossa cultura e da nossa política estabelecem uma permanente convivência entre o atraso e as propostas de modernização do país.

Para um balanço do ainda recente programa de reforma do Estado e da Administração Pública no Brasil, leia o texto: A reforma do Estado no Brasil:

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uma visão crítica e heterodoxa. Reforma do Estado e administração pública gerencial, apresentado no IX Congresso Internacional del CLAD sobre la Refor-ma Del Estado y de La Administración Pública, Ma-drid, España, 2004. Disponível em <http://www.iij.derecho.ucr.ac.cr/archivos/documentacion/inv%20otras%20entidades/CLAD/CLAD%20IX/documentos/holanda.pdf>. Acesso em 02 out. 2010.

No artigo, o autor faz uma avaliação dos avanços e equívocos cometidos nos programas de deses-tatização e de reforma do Estado no Brasil, parti-cularmente ao longo dos 8 anos de mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Mostra, também, que as propostas de reforma antecedem a década de 1990, deixando flagrantes as dificulda-des encontradas pelo Brasil nas tentativas de dife-rentes tipos de reforma, como a da administração pública em direção ao modelo gerencial de gestão.

PARA REFLETIR

Desde a década de 1930, assistimos a constan-tes tentativas de proteger a Administração Pública brasileira contra os vícios do patrimonialismo. No noticiário atual, contudo, continuamos a encontrar denúncias permanentes de tentativas de apropria-ção do público pelo privado. Será que não con-seguimos avançar em termos de profissionalização da nossa administração pública? Ou a persistência de traços do patrimonialismo é consequência “na-tural” da nossa cultura? Vamos debater o assunto com os colegas, no ambiente AVA?

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2.4. Tendências da Gestão Pública Contem-porânea

O gerencialismo, como nos lembra Abrúcio (2005), foi importante para tornar o Estado mais preocupado com o aspecto financeiro da administra-ção, deixando-o mais atento ao custo das políticas públicas. Essa preocupação foi incorporada por pra-ticamente todos os governos que se enveredaram pela reforma administrativa gerencial, ampliando a noção de que é preciso ter responsabilidade fiscal30.

Contudo, a exemplo do que se verificou com o modelo burocrático de gestão, a proposta ge-rencialista também esbarrou em uma série de limi-tações. Embora tenham se observado avanços na direção planejada, as reformas implementadas não conseguiram atingir o objetivo de garantir eficiên-cia à máquina pública.

O gerencialismo puro, característico do pe-ríodo inicial de implantação das reformas, defron-tou-se com os problemas gerados pela ênfase quase que exclusiva na questão da eficiência e da avaliação de desempenho. Esqueceu-se de que, no setor público, ao contrário do verificado no privado, as ações dos gestores devem se guiar também por outros critérios, como o de equidade e de justiça social.

A ênfase por demais acentuada na eficiên-cia cria problemas no próprio campo da gestão, na verdade muito parecidos com aqueles associados ao modelo burocrático. Empenhados, prioritaria-mente, em fazer o máximo possível com o mínimo de recursos, os gestores acabam engessados pelas limitações financeiras, que inibem sua flexibilidade para decidir e inovar. Percebeu a contradição?

30De forma sintética, podemos dizer que responsabilidade fi scal é não realizar despesas incompa-tíveis com as fontes de receitas a elas atreladas.

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Ao dar demasiada importância à questão da eficiência, o modelo gerencial acabou por provocar resultado contrário ao espe-rado. Ele trouxe de volta o velho dilema da burocracia: a falta de capacidade de se adaptar às mudanças conjunturais e estruturais. Ou seja, caiu na mesma ar-madilha que se propunha a desarmar.

Abrúcio (2005) também chama a atenção para o fato de que o modelo gerencial subestimou o conteúdo político inerente à administração públi-ca. Isso porque, quando falamos em efetividade, quem tem que avaliar a qualidade da ação pública são os usuários (a população) e não os agentes governamentais.

A princípio, contudo, o gerencialismo foi apresentado como uma proposta de neutralidade, ou como um modelo técnico que seria capaz de transformar o funcionamento e a própria cultura do setor público. Os governos de diferentes países introduziram as reformas como se o setor público fosse uma organização homogênea, e não um sis-tema complexo e multifacetado em termos de exe-cução de tarefas, sempre em processo de interação com a política.

Para superar as deficiências iniciais, o pró-prio gerencialismo procurou se transformar. A ên-fase, então, foi transferida da eficiência para a qualidade, tendo-se como foco o consumidor. O caminho escolhido foi a celebração de contratos com o setor privado e o setor voluntário não--lucrativo, a fim de que estes assumissem parte da provisão dos serviços públicos, promovendo uma competição entre aqueles encarregados de oferecê-los à população.

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Pense um pouco: será que no mercado de serviços públicos podemos falar em consumidor? Ou a clientela final seriam os cidadãos? O mo-delo de decisão de compra, válido para o setor privado, pode simplesmente ser transferido para o setor estatal? Hospitais e serviços policiais, por exemplo, envolvem escolhas ou têm caráter com-pulsório? São reflexões que Abrúcio (2005) nos sugere fazer.

Paula (2005), por sua vez, nos leva a ques-tionar se a experiência britânica, apontada como exemplo virtuoso do gerencialismo, pode, de fato, ser avaliada assim. De acordo com a autora, a des-peito dos esforços para diminuir o tamanho da má-quina do Estado, a Inglaterra não conseguiu reduzir os gastos públicos de forma significativa.

Argumenta, ainda, que a redução do poder dos sindicatos e a flexibilização das leis do traba-lho aumentaram a desigualdade econômica por lá. E que isso deixou o Reino Unido em posição de desvantagem em relação a outros países europeus no campo do bem estar social.

Terá sido o resultado diferente nos Esta-dos Unidos, apontado no nosso curso como outro exemplo emblemático do gerencialismo? A mesma autora nos responde que não. Segundo ela, en-tre 1980 e 1985, o gasto federal norte-americano cresceu cerca de 30%. Como isso pôde acontecer se houve um enxugamento da máquina estatal? Simplesmente, os fundos sociais foram transferidos para o setor militar.

Diante de tantas contradições, como sugere Abrúcio (2005), hoje, para pensar a gestão pública, devemos nos confrontar com uma pergunta crucial: qual é o tipo de Estado que queremos construir para o século XXI?

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Em Busca de um Modelo de Estado

Como já vimos ao longo do estudo, desde a década de 1970, encontram-se em curso diversas transformações que vêm estimulando a instaura-ção de uma nova ordem econômica mundial. Dife-rentes autores denunciam nessa nova ordem uma prevalência da ideia de que o progresso econômico seria capaz, por si mesmo, de promover a inclusão social, tornando desnecessárias as intervenções estatais destinadas a adequar o ritmo e o curso das mudanças à capacidade de resposta de cada sociedade.

Contudo, como nos adverte Polanyi (1980), ao contrário do advogado pelos liberais, o mercado não é uma tendência natural do progresso, mas sim, uma construção histórica da humanidade. O autor aponta uma contradição inerente ao liberalis-mo econômico: de um lado, os capitalistas tentam impor à sociedade um sistema de mercado autor-regulado; do outro, grupos ameaçados pelos riscos da autorregulação pressionam o Estado a adotar mecanismos de proteção social capazes de minimi-zar suas fragilidades.

Nesse embate de forças, não parece ter prevalecido na nova ordem mundial o receituário neoliberal na sua forma genuína, que não admite sequer a intervenção do Estado na área social, a não ser em casos de riscos extremos. Parece cres-cente, hoje, a ideia de que os governos têm, sim, um papel fundamental para o equilíbrio da relação entre Estado, economia e sociedade.

Um papel de ordem mais qualitativa, espe-cialmente exercido por meio de duas formas de intervenção: i) as políticas sociais destinadas a amenizar o descompasso entre o ritmo das trans-formações e a capacidade de adesão da socieda-

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de às novas exigências, e ii) as reformas voltadas para a modernização da infraestrutura e do próprio aparato estatal. Portanto, não nos deixemos mais confundir.

Embora as experiências do setor privado sejam úteis para guiar a organização e a operacionalização da administração pú-blica, mercado e Estado são instâncias distintas. Enquanto o primeiro visa ao lu-cro, o último tem uma função social que não podemos negligenciar.

Essa distinção é decisiva para a nossa forma de pensar a administração pública. Parece consen-sual a ideia de que, como os recursos são escassos e as demandas crescentes, qualquer modelo ado-tado deve incorporar a lógica fiscal, buscando a contenção dos custos. Mas tem que levar em conta, também, a busca simultânea de efetividade da ges-tão. Em outras palavras, não se pode perder de vis-ta que o foco central da ação pública é o cidadão.

Como reflete Abrúcio (2005), não se trata de tarefa fácil, particularmente para países não--centrais como o Brasil, onde o modelo weberia-no de burocracia nunca atingiu a sua plenitude. Deparamo-nos, então, com o desafio de ingressar em um novo estágio administrativo sem, na verda-de, termos concluído a construção de um Estado moderno.

As práticas gerenciais de gestão continuam a se difundir pelo mundo, mas a tendência mais marcante parece ser a tentativa de construção de um modelo de Estado e de administração pública que contemple, também, as dimensões política e societal. Como defende Nogueira (1995), citado por Paula (2005, p.155-156)

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[...] mais importante do que difundir no setor público uma parafernália de “novas tecnolo-gias gerenciais”, muitas vezes tomadas de empréstimo do mundo dos negócios e leve-mente adaptadas, é fazer com que se consolide uma nova perspectiva, quer dizer, uma nova maneira de compreender o Estado e de atuar com o Es-tado nesse momento da histó-ria e em um país como o nosso.

Caminha-se, portanto, rumo à percepção de que a burocracia precisa ser profissionalizada; ter foco nos resultados; ampliar sua flexibilidade e par-ticipação no processo decisório; guiar-se por metas cujos efeitos, posteriormente, possam ser men-surados via instrumentos eficientes de avaliação. Mas a grande tendência parece ser a de conjugar esses mecanismos instrumentais de gestão com a dimensão política e social da ação pública. Ten-dência que, no caso brasileiro, manifesta-se, prin-cipalmente, no âmbito dos governos locais, como discutimos a seguir.

Canais de Participação nos Governos Locais

Do ponto de vista local, onde, pelo menos no Brasil, parecem ter sido menos enfatizados os preceitos da Nova Administração Pública, há cerca de 30 anos observam-se movimentos no sentido da democratização do poder. Movimentos que acaba-ram por assumir 3 formas principais: o Orçamento Participativo (OP), os Conselhos Municipais de Po-líticas e o Plano Diretor.

Essas novas instâncias, criadas com o objeti-vo de ampliar o acesso do cidadão comum ao pro-

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cesso público decisório local, foram consagradas na Constituição de 1988 e consolidadas ao longo da década seguinte. Particularmente por causa da conquista por partidos de esquerda de uma série de prefeituras municipais.

Das novas instâncias participativas, a que mais se consolidou foi certamente o OP, que reser-va parcela dos recursos para investimentos a obras escolhidas como prioritárias pela população. Prio-ridades que são definidas a partir de uma série de consultas feitas à comunidade, envolvendo grande contingente de atores sociais.

Já os Conselhos Municipais de Políticas são normalmente constituídos por exigência da legis-lação federal – neste caso há sanções para as ad-ministrações que se omitirem na sua criação – ou de programas de financiamento das agências mul-tilaterais31. Os conselhos municipais se organizam em torno de políticas específicas, como saúde e educação.

Esses conselhos são criados por iniciativa do Estado e possuem desenhos institucionais centrados no compartilhamento do poder entre a administração municipal e representantes da sociedade civil. Mas envolvem um número re-duzido de atores quando comparados ao OP e assumem formatos diferenciados quanto ao mo-delo de participação.

Em alguns casos, esta se limita à possi-bilidade que têm os representantes da comu-nidade local de vocalizar suas demandas, sem qualquer interferência no processo decisório e/ou de implementação das políticas. Em outros, embora outras instâncias se encarreguem da to-mada de decisão, os representantes da socie-dade civil podem participar de alguma forma da gestão da política, mesmo que seja fiscalizando

31“As agências multilaterais são organismos com representantes de vários países que fi nanciam projetos de desenvolvimento ou fornecem ajuda a nações em difi -culdade fi nanceira. Os exemplos mais famosos são o Fundo Monetário Nacional (FMI), o Banco Mundial (Bird) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).”Fontehttp://comexgui.wordpress.com/2009/03/06/crise-resgata-papel--de-agencias-multi-laterais-diz-futuro--vice-presidente-do--banco-mundial/

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a implementação das decisões e a conduta dos gestores públicos.

Em suas diferentes modalidades, trata-se de uma instância de participação já bastante difundida no país: em 2001, o IBGE contabilizou em todo o Brasil mais de 22 mil conselhos municipais, con-centrados, principalmente, nas áreas de saúde, as-sistência social, direitos das crianças e adolescen-tes e educação (SOUZA, 2005).

O último canal de participação aqui apon-tado se materializou a partir da aprovação do Estatuto da Cidade32. Trata-se do Plano Diretor, criado com a finalidade de estabelecer as estra-tégias e os objetivos a serem perseguidos pelo município ao longo de determinado período, de forma a permitir que a cidade cumpra a sua fun-ção social33. A partir do Estatuto da Cidade, o Plano Diretor tornou-se obrigatório para todos os municípios com mais de 20 mil habitantes. Embora sua elaboração esteja a cargo do gover-no local, ele deve ser referendado pela popula-ção da cidade, por meio de audiências públicas destinadas a debater o conteúdo das diretrizes nele traçadas.

As experiências de participação no governo local são ainda relativamente recentes e apresen-tam graus diferenciados de maturação, dependen-do de cada município e de cada região do país. Mas nos dão um bom exemplo de como as di-mensões política e societal tendem, agora, a ser incorporadas à gestão pública, associadas a fer-ramentas de gestão tecnicamente mais eficientes. Mostram-nos, enfim, como a Administração Públi-ca não pode ser dissociada do Estado, do Gover-no, da Política e da Sociedade, conforme discuti-mos no Tema I do nosso curso.

32O Estatuto da Cidade é uma Lei federal, em vigor desde 10 de outubro de 2001. Traz normas a serem seguidas pelas administrações públicas locais, nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, contem-plando, também, a participação da sociedade nas decisões públicas.Fonte: http://www.crea-mg.org.br/imgs/cart_es-tat_cidade_CD.pdf

33De acordo com o Artigo 39 do Esta-tuto da Cidade, “a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigên-cias fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas”.

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INDICAÇÃO DE LEITURA COMPLEMENTAR

Para uma discussão mais ampla sobre as tendên-cias da gestão pública no Brasil atual, leia o livro: MARTINS, Paulo Emílio Matos; PIERANTI, Octavio Pena. (org). Estado e gestão pública: visões do Bra-sil contemporâneo. Rio de Janeiro: FGV, 2007.

No livro, em 17 artigos, assinados por diferentes autores, são discutidos aspectos complementa-res da gestão pública brasileira atual. Nos artigos, abordam-se, por exemplo, questões como o tec-noglobalismo e o trabalho; o conceito de gestão social; as condicionantes da reforma do Estado no Brasil e novas propostas para a educação.

Para se aprofundar sobre as tendências da gestão pública municipal no Brasil, leia o livro: VERGARA, Sylvia Constant; CORRÊA, Vera Lúcia de Almeida (Org). Propostas para uma gestão pública munici-pal efetiva. Rio de Janeiro: FGV, 2003.

O livro traz uma coletânea de artigos discutindo os impactos do mundo contemporâneo sobre a gestão dos municípios; os novos desafios para o desen-volvimento local; a democratização do poder local. Entra, também, em aspectos mais específicos da gestão, abordando o gerenciamento dos processos de contratação e analisando a geração de receitas tributárias no nível municipal.

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PARA REFLETIR

Algumas questões para compartilhar com seus cole-gas no AVA: as instâncias de participação da socie-dade no processo público decisório foram uma das grandes conquistas da Constituição de 1988. Mas, até que ponto essas instâncias criam, de fato, pos-sibilidades efetivas de participação popular? Será que em municípios onde os movimentos sociais são menos organizados, essas instâncias não po-dem promover uma participação de fachada, sendo apropriada pelas elites locais e pelos integrantes mais ativos da administração municipal, como pre-feitos e vereadores?

RESUMO DO TEMA

Neste tema, vimos que os modelos de gestão públi-ca refletem condições históricas, políticas, econômi-cas e sociais de cada época. Não podem, portanto, ser compreendidos como mero aprimoramento das práticas de gestão, como muitos teóricos parecem querer sugerir. Essa lição parece ter sido incorpora-da nas novas formas de se pensar o papel do Esta-do e a organização da administração pública, cada vez mais inclinadas a conjugar a dimensão política e a dimensão societal. Isso, naturalmente, sem dei-xar de levar em conta que a administração pública não pode prescindir de ferramentas eficientes de gestão, como veremos na Parte II do nosso curso.

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PRINCÍPIOS, CONTROLE E ATIVIDADES FINANCEIRAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA

Parte 2

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Princípios Gerais e Controle da Administração Pública no Brasil3

Neste tema, vamos abordar diversos assuntos ligados à ética, à honestidade e à transparência na Administração Pública brasileira. A tentativa de fazer com que ela caminhe nessa direção, veremos aqui, se dá por mecanismos diversos, como o estabelecimento de Princí-pios Fundamentais a serem respeitados pelos agentes públicos; a criação de instrumentos de controle interno, externo e societal; a Lei de Responsabilidade Fiscal e as Agências Reguladoras. Muitos desses mecanismos são conquistas afirmadas a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 e, como vamos discutir, têm dado gran-de contribuição para o aumento da accountability na Administração Pública nacional.

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3.1. Ética e Princípios da Administração Pública

Ética e moral são conceitos distintos. A últi-ma se refere a um conjunto de práticas legitima-das pelo costume e pela sociedade. Já a primeira, aos princípios teóricos que dão fundamentação à moral. Mas não vamos enveredar pela discussão filosófica. Em termos concretos, quando falamos sobre ética na Administração Pública, referimo-nos a um quadro bastante abrangente de questões. No nosso campo específico de estudo, o administrador fere os princípios éticos quando desrespeita a lei, os procedimentos, os princípios ou as normas pre-viamente estabelecidas.

Para uma postura ser considerada antiética, não é preciso, necessariamente, que o agente te-nha descumprido a lei. Basta, simplesmente, que tenha adotado uma conduta imprópria, incoerente com o princípio de busca do bem público inerente ao fim maior do Estado.

Para orientar essa conduta, o administrador deve ficar atento aos Princípios da Administração Pública. Alguns deles encontram-se expressos na Constituição ou nas leis, ou seja, estão previstos de forma taxativa em uma norma jurídica que alcança todas as esferas de Governo – federal, distrital, es-tadual e municipal. Esses princípios são os da le-galidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Mas há, também, princípios implícitos. Estes últimos, embora previstos na norma jurídica, não o estão de forma taxativa, ou seja, não são nominalmente citados.

Pronto para começar a entender o sentido de alguns dos princípios fundamentais da nossa Administração Pública? Ao estudá-los, lembre-se, apenas, de que não há en-

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103Tema 3 | Princípios Gerais e Controle da Administração Pública no Brasil

tre eles qualquer relação hierárquica. Explí-citos ou implícitos, todos se encontram em um mesmo patamar, não havendo, portan-to, princípios superiores ou inferiores.

Princípio da Legalidade

A origem do princípio da legalidade encontra-se ligada à separação dos poderes e à necessidade de tornar o governante subordinado ao ordena-mento jurídico. Ou seja, de coibir decisões moti-vadas por favoritismos ou preferências pessoais. Obedecendo-se à Administração, substitui-se a au-toridade passageira de quem se encontra nos pos-tos de comando pela autoridade emanada da lei.

Trata-se de um princípio com acepções distin-tas para administrados e administradores. No primeiro caso, o princípio se traduz na ideia de que ninguém é obrigado a fazer alguma coisa, a não ser em função daquilo legalmente estabelecido. Já no caso dos ad-ministradores, de que eles só podem praticar atos e medidas que não firam o determinado nas normas e na lei e que nela estejam expressamente previstos. A Administração Pública não pode ir contra a lei e nem além do que ela estabelece (MADEIRA, 2010).

Conseguiu entender a diferença da apli-cação do princípio da legalidade para administrados e administradores? Isso acontece porque o cidadão comum dis-põe daquilo a que chamamos “autono-mia da vontade”. Ninguém pode impedi-lo de fazer algo não proibido pela lei. Já a Administração Pública, que não dispõe de vontade autônoma, fica impedida de agir se não tiver autorização legal para fazê-lo (ALEXANDRINO; PAULO, 2007).

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Recorramos a um exemplo dado por Madeira (2010) para deixar isso mais claro. Uma secretaria pública decide renovar a sua frota, dando os carros usados como parte do pagamento pelos veículos novos. Não lhe parece lógico sob o ponto de vista do negócio, sob a ótica empresarial? Mas ela não pode tomar tal decisão.

Não pode por quê? Porque a lei exige que os veículos usados sejam vendidos sob a forma de licitação. Não existe, na lei, qualquer autorização para que o gestor público promova essa operação casada de compra e venda. Logo, ele não tem au-tonomia para tomar esse tipo de decisão.

Princípio da Moralidade

Temos, aqui, um princípio que pode ser des-dobrado em 3 vertentes. A primeira delas encon-tra-se ligada à questão da ética na Administração Pública. Neste caso, a moralidade significa que o agente público precisa agir com probidade, ou seja, ele deve adotar sempre um comportamento ético e honesto, agindo com decoro, sem prejudicar o ad-ministrado por meio de fraude ou má-fé, por exem-plo. A má-fé pode estar presente em uma simples sonegação de informações, que traga prejuízos aos administrados

Como esclarecem Alexandrino e Pau-lo (2007, p.120), seguindo o Código de Ética do Servidor Público Federal, este deve “decidir não somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conve-niente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas principalmente entre o honesto e o desonesto”.

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105Tema 3 | Princípios Gerais e Controle da Administração Pública no Brasil

Mas o princípio da moralidade contempla uma segunda interpretação. A de que o agente pú-blico não deve se limitar ao cumprimento formal daquilo estabelecido na lei. Ele deve se preocupar, também, em fazer com que os valores nela consa-grados sejam, efetivamente, concretizados.

Por fim, em uma terceira acepção, moralidade significa estar atento aos costumes administrativos, não desrespeitar as regras informalmente estabele-cidas que foram legitimadas, ao longo do tempo, na conduta da Administração. Tais regras conformam aquilo que chamamos de moral administrativa.

Ficou claro, então, que o princípio da mo-ralidade prevê que o agente público observe, si-multaneamente, a letra e o princípio da lei, mas, também, o que é mais ético para o atendimento da finalidade do Estado?

Não é um princípio de fácil aplicação, pois, além das diferentes acepções pelas quais pode ser entendido, encontra-se ligado, a análises contextu-ais. Em períodos de crise econômica e social, por exemplo, uma compra dispendiosa e desnecessá-ria pode ferir o princípio da moralidade, ainda que ela seja realizada estritamente de acordo com as normas legais. Isso porque, dependendo das cir-cunstâncias, nem tudo o que é legal pode ser mo-ralmente considerado honesto.

Princípio da Impessoalidade

Determina que o gestor público deve sempre agir no sentido de atender ao interesse público. Em condições jurídicas semelhantes, ele precisa se pautar pelo tratamento isonômico (em condições de igualda-de) a todos os administrados, sendo-lhe vedado o direito de favorecer algumas pessoas, em detrimento de outras. Isso porque qualquer tipo de ação nesse

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sentido adquire caráter discriminatório e reflete a pre-valência de algum interesse privado sobre o interesse público, que é a finalidade do Estado.

Isso não impede, contudo, que, em algumas situações, verifique-se uma coincidência entre o in-teresse público e o interesse de particulares. É o caso, como nos exemplifica Madeira (2010), de atos administrativos negociais e contratos públicos, em que ambos os interesses podem ser conjugados.

Mas vejamos um exemplo contrário, dado pelo mesmo autor. O agente político que, no final do mandato, permite a entidades ou particulares a construção de suas sedes em bens imóveis públicos, pode estar ferindo o princípio da impessoalidade.

Isso porque sua decisão beneficiou uma par-cela restrita da população, sem levar em conta que, no futuro, aqueles locais poderiam ser utilizados para a construção de escolas, hospitais, postos de saúde ou outras unidades de interesse coletivo. Ou seja, o agente não levou em conta o interesse pú-blico maior, mas, apenas o de um pequeno grupo de pessoas.

Um caso em que fica bastante claro o senti-do de impessoalidade do princípio constitucional é aquele relativo à propaganda oficial de governo. Já reparou que das placas anunciando obras, progra-mas, serviços e campanhas não constam o nome do governante? É porque o princípio da impessoa-lidade determina que tais anúncios devem ter cará-ter educativo, informativo ou de orientação social. Não podem ser usados para a promoção pessoal do político ou gestor.

Princípio da Publicidade

Também pode ser entendido em 2 acepções distintas. Na primeira, significa que o gestor deve

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107Tema 3 | Princípios Gerais e Controle da Administração Pública no Brasil

divulgar oficialmente os atos administrativos, seja via publicação no Diário Oficial, seja por meio da sua afixação em locais como a sede das Prefei-turas e das Câmaras de Vereadores. Um ato não fere o princípio da publicidade quando ainda não foi publicado, mas só passa a ter eficácia direta a partir do momento em que o gestor toma essa providência.

O princípio da publicidade não se aplica a todos os tipos de atos, mas somente àqueles de caráter geral, com destinatários indeterminados; os que provoquem efeitos externos, alcançando os ad-ministrados; ou que onerem o patrimônio público, criando, por exemplo, obrigações de pagamento para a Administração Pública ou permitindo a um particular o uso privativo de um bem público.

O princípio da publicidade é uma forma de facilitar o controle interno e externo da Adminis-tração Pública. Mas devemos ficar atentos às exce-ções. Alguns atos administrativos podem gozar do direito de sigilo legal. Isso quando a sua publici-dade cria riscos de lesão à finalidade do interesse público a ser atingido por meio da ação estatal. É o que acontece, por exemplo, em alguns atos envolvendo a segurança nacional ou algum tipo de investigação criminal.

Em uma segunda acepção, o princípio da pu-blicidade refere-se à transparência, ou seja, à obri-gação que tem a Administração Pública de fornecer aos administrados informações solicitadas às quais eles tenham direito de acesso. Como define a Cons-tituição Federal, todo cidadão tem direito a receber dos órgãos públicos informações que sejam do seu interesse particular ou de interesse geral ou coletivo.

O princípio da publicidade deve ser obser-vado por todos os Poderes de Estado – Executi-vo, Legislativo e Judiciário. E também por todas

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as esferas de Governo – federal, estadual, distrital e municipal –, abrangendo todos os órgãos inte-grantes da Administração Pública Direta e Indireta (MADEIRA, 2010).

Princípio da Eficiência

Incluído na Constituição Federal por meio de emenda da Reforma Administrativa, encontra-se as-sociado à ideia de que o agente público deve atuar com rapidez e precisão, de modo a produzir resul-tados capazes de atender aos interesses da po-pulação. Procura combater algumas características normalmente associadas à Administração Pública, como a morosidade, o descaso e a negligência.

Incorpora princípios oriundos da administra-ção gerencial, procurando associar à Administração Pública instrumentos jurídicos como a descentrali-zação, a desconcentração e o contrato de gestão. E promover uma atuação mais rápida e tecnicamente adequada por parte do gestor, via instituição de alguns instrumentos como a avaliação periódica e especial de desempenho.

Por meio da avaliação de desempenho, es-pera-se que a Administração Pública faça mais com menos, evitando desperdícios. Já os contratos de gestão visam a uma ampliação da autonomia ge-rencial, orçamentária e administrativa, possibilitan-do-se ao Estado firmar parcerias público-privadas ou delegar a terceiros parte da prestação ou execu-ção dos seus serviços.

De forma resumida, pode-se afirmar que, diante da ciência de que os recursos são escassos para fazer frente às demandas, sejam eles financeiros, materiais ou hu-manos, o princípio da eficiência procura

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induzir a Administração Pública a otimi-zar a sua aplicação. Ou seja, a empregar os recursos de forma equitativa no aten-dimento de várias finalidades voltadas para o interesse público.

Princípios da Razoabilidade e da Proporciona-lidade

Aplicáveis particularmente a atos discricioná-rios, ou seja, que envolvem algum tipo de deci-são do gestor, dentro da margem de atuação a ele concedida pela legislação. Decorrente do princípio do devido processo legal, procura assegurar a legi-timidade desses atos, que, seguindo os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, só podem ser anulados pelo Poder Judiciário34.

Seu objetivo é coibir excessos na decisão dos agentes públicos, de forma que eles se guiem sempre pelos interesses da coletividade, pela legi-timidade e pela economicidade35. Da mesma forma, procura coibir restrições desnecessárias, adotadas pelo administrador em função dos seus valores pessoais.

Madeira (2010) nos oferece um bom exemplo do que significa ser razoável, ao contar a história de um candidato a Oficial da Polícia Militar do Rio de Ja-neiro, que, aprovado em todas as etapas do concur-so público, foi eliminado no final por ter apenas 1,67 m e meio de altura. Embora a altura mínima exigida no edital fosse de 1,68 m, a decisão contraria o bom senso, soando como um exagerado apego à norma. Afinal, meio centímetro de altura teria alguma inter-ferência no desempenho do candidato como policial militar? A decisão talvez seja legal, já que se atém às normas do edital. Mas não lhe parece realmente pouco razoável e desproporcional?

34A própria Admi-nistração Pública tem o poder de extinguir um ato se considerá-lo inadequado aos princípios da razoabilidade e da proporcionali-dade. Neste caso, contudo, estará agindo de acordo com o princípio da autotutela a ser explicitado mais à frente. Na realidade, somente os atos comprovadamente absurdos devem ser controlados pelo Judiciário (MADEIRA, 2010).

35“a economicidade traduz o esforço empreendido para que todos os recursos necessários – fi nanceiros, hu-manos ou materiais – sejam adquiridos pelo menor custo e no momento mais adequado”. (RUEDIGER; ROSA; RICCIO, 2008, p.3)

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Princípio da Supremacia do Interesse Público e da Indisponibilidade do mesmo pela Administração

Princípio fundamental do regime jurídico ad-ministrativo, em sua primeira acepção, refere-se à supremacia do interesse público sobre o interesse privado. Isso significa que, quando age em prol do interesse público, a Administração encontra-se em posição superior à do administrado.

Recorramos a um exemplo para entendermos melhor o sentido dessa primeira acepção. É prerro-gativa do Poder Público, por exemplo, desapropriar uma fazenda privada para fins de reforma agrária. Isso porque o interesse coletivo se sobrepõe ao di-reito privado do proprietário da terra, resguardan-do-se, naturalmente, as condições impostas pela legislação para que a Administração Pública leve tal ato a efeito. Ficou claro? Vamos, então, nos ater agora à questão da Indisponibilidade da Suprema-cia do interesse Público?

Nessa segunda acepção, o princípio significa que a Administração Pública não pode deixar de exercer os poderes e deveres a ela concedidos para alcançar uma finalidade estabelecida a priori: mais uma vez, referimos-nos, aqui, à defesa do interes-se público, à busca do bem comum para toda a coletividade. Se não exercer os poderes e deveres a ela atribuídos, a Administração pode ser conde-nada por omissão. Se exercê-los cometendo exces-sos, isso pode ser caracterizado como ação abusiva (MADEIRA, 2010).

Princípio da Autotutela

Consiste em uma espécie de autocontrole da Administração Pública. Com base nesse princípio, ela tem a possibilidade de anular atos ilegais dos

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gestores ou revogar aqueles considerados incon-venientes ou inoportunos, sem a necessidade de recorrer ao Poder Judiciário

Quando envolve terceiros, esse princípio deve, necessariamente, ser conjugado com as ga-rantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, integrantes do processo legal. Um contrato de prestação de serviço celebrado com particular, por exemplo, não pode ser anulado por simples vontade da Administração, sem garantir ao agente privado o direito constitucional de se defender e de apresentar as suas provas e pontos de vista acerca do litígio em questão.

Princípio da Continuidade dos Serviços públicos

Procura garantir a não interrupção dos servi-ços públicos considerados essenciais, como trans-porte e energia elétrica. Estes devem ser prestados de forma regular, podendo a sua interrupção de-sembocar em um processo de apuração da respon-sabilidade do Estado.

A descontinuidade na prestação de serviços essenciais só é admitida em 2 circunstâncias: a) em situação de emergência, previamente avisada, por razões técnicas ou de segurança das instalações; ou b) em situação de inadimplência do usuário, que deve ser cobrado por meios ordinários, e não coercitivos.

Em função desse princípio, uma concessio-nária de serviços públicos36 não pode suspender a prestação dos serviços sob sua responsabilidade, mesmo que o poder concedente venha, de forma continuada, descumprindo as normas contratuais. Parece estranho? Mas é assim. Em casos como este, o concessionário só pode suspender a prestação do serviço sob amparo de decisão judicial.

36O concessionário é um particular a quem foi contratu-almente delegada a prestação de algum serviço público.

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É também em decorrência desse princípio que a lei veda o direito de greve em serviços con-siderados essenciais ou fundamentais para o de-senvolvimento e a segurança da sociedade. O caso se aplica, por exemplo, aos militares, cujo direito de greve é expressamente vedado na Constituição Federal (MADEIRA, 2010).

INDICAÇÃO DE LEITURA COMPLEMENTAR

Para uma análise abrangente dos Princípios da Administração Pública, leia o texto: Princípios da Administração Pública, no Capítulo 1 (p. 1- 172) do livro de:

MADEIRA, José Maria Pinheiro. Administração pú-blica. Tomo I. 11. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.

Neste capítulo, José Antônio Madeira vai muito além da definição dos princípios explícitos e implícitos que devem ser observados pelos políticos e gestores pú-blicos no Brasil. O autor apresenta um histórico dos conceitos e faz uma série de análises sobre discus-sões empreendidas no âmbito judicial acerca do seu entendimento. Essas análises nos ajudam a compre-ender toda a complexidade dos Princípios da Admi-nistração Pública brasileira, cujo conteúdo varia de acordo com grande multiplicidade de interpretações.

Para conhecer melhor o enfoque dos Princípios Ad-ministrativos sob a ótica do direito, leia o texto: Princípios Fundamentais da Administração Pública, no capítulo 5 (p. 117- 132) do livro de:

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito ad-ministrativo. 13. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2007.

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Nesta parte do livro, Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo nos mostram como os conceitos envolvidos nos Princípios da Administração Pública podem ter entendimento variado, segundo o ramo do Direi-to em que se analisa a sua aplicação. Trazem-nos, também, o entendimento de grandes juristas brasi-leiros sobre o significado desses princípios.

PARA REFLETIR

Você já deve ter ouvido falar muitas vezes sobre os malefícios do lobby no Brasil. Isso porque, como a ati-vidade não é regulamentada no nosso País, o lobby acaba assumindo, aqui, uma conotação de jogo de pressões de entidades diversas para fazer com que seus interesses particulares prevaleçam sobre os inte-resses públicos. Dessa forma, contribui para a fragili-zação de muitos dos Princípios da Administração Pú-blica brasileira. Como tornar o lobby um instrumento legítimo de representação, e não um estímulo à burla de princípios como o da legalidade e da moralidade? Discuta isso com os seus colegas no AVA.

3.2. Controle na Administração Pública

Os Princípios da Administração que acaba-mos de discutir são uma das formas de se estabe-lecer parâmetros legais para o controle das ações de políticos e gestores públicos no País. Mas, como veremos aqui, eles precisam ser associados a ou-tros mecanismos institucionais de controle interno e externo da Administração Pública.

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Primeiro, porém, vamos tentar compreender como a ideia de controle encontra-se fundamental-mente ligada ao conceito de accountability, hoje amplamente discutido nos trabalhos acadêmicos envolvendo o nosso campo de estudo? Comecemos com a definição do que vem a ser accountability.

Oriundo da administração pública norte-ame-ricana, o termo não tem tradução precisa para o português. Porém, em sentido genérico, refere-se à responsabilidade que têm os agentes públicos, sejam eles eleitos, indicados ou concursados, de responder, explicar e justificar ações específicas – ou a ausências delas – perante a sociedade (BEHN, 2001). Em outras palavras, a accountability encon-tra-se essencialmente vinculada à questão da res-ponsabilidade e da transparência na Administração Pública.

Na definição de Uhr (2001), ela pode ser entendida como um conjunto de práticas e meca-nismos que permitem aos cidadãos verificar se os agentes públicos estão, de fato, fazendo aquilo que afirmam fazer. Esse acompanhamento é importante para garantir à sociedade governos mais abertos e honestos. O objetivo maior da accountability, se-gundo o autor, é lembrar aos agentes públicos que as suas ações e decisões devem incorporar o ponto de vista e os interesses da sociedade.

De forma sintética, podemos afirmar que a accountability se traduz na ideia da ne-cessidade de se proteger o cidadão da má conduta burocrática. Isso por meio da criação de mecanismos de controle das ações oriundas do corpo político e da Administração Pública, bem como do próprio aperfeiçoamento das práticas ad-ministrativas (CAMPOS, 1990).

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Nas últimas décadas, difundiu-se pelo mun-do a ideia de que esse controle deve ser exer-cido não apenas pelos órgãos oficiais, mas pela própria sociedade. Contudo, como ressalta Melo (2001), os eleitores não têm acesso a todas as informações importantes para julgamento dos atos dos governantes eleitos. Pense, por exem-plo, na política monetária. Todas as informações a ela inerentes podem ser tornadas públicas? A resposta é não, pois isso poderia comprometer os resultados esperados.

Outra questão proposta pelo autor: será que o eleitor tem preferências claras em uma série de matérias técnicas? Novamente, a resposta é negati-va. Logo, defende ele, o grau de responsabilidade de um governante seria proporcional à coincidência entre suas escolhas e as escolhas que o eleitor faria caso tivesse acesso a todas as informações importantes para avaliar a qualidade de uma deci-são pública.

Por isso, é importante haver mecanismos de controle da sociedade sobre a Administração Públi-ca. Hoje, esse controle é exercido, principalmente, por intermédio de instituições como as associações de cidadãos, os movimentos sociais e a mídia, que procuram interferir na agenda pública, via exposi-ção das ações governamentais. Embora seu poder de controle seja apenas simbólico, as instituições empenhadas em garantir a accountability societal mostram-se eficientes para pressionar mudanças institucionais (PINTO, 2001).

Há de se destacar, também, a criação de ouvi-dorias em diversos órgãos da administração públi-ca, as quais pretendem funcionar como uma ponte entre o cidadão e o Estado. Nos últimos anos, es-sas ouvidorias se disseminaram por áreas distintas como saúde, justiça e segurança, apresentando-se

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como mecanismos mais diretos para que a socieda-de explicite suas dúvidas, sugestões e reclamações ao Poder Público.

Mas, e do ponto de vista formal e institu-cional? Nas duas últimas décadas, o Brasil expe-rimentou uma série de transformações políticas e institucionais que favoreceram o fortalecimento da accountability no País. A ideia de que a transparên-cia reside na publicidade – ou publicização – das informações relativas aos atos do Governo fez com que à estrutura estatal fossem incorporadas diver-sas agências encarregadas não apenas de supervi-sionar e de aplicar sanções, mas, também, de ofe-recer à sociedade informações relativas à conduta dos gestores públicos.

No caso brasileiro, essas agências são repre-sentadas por órgãos como o Ministério Público, o Poder Judiciário e os Tribunais de Contas. Estes fo-ram alçados à condição de agências de accounta-bility, especialmente a partir da Lei de Responsabi-lidade Fiscal, em vigor desde 04 de maio de 2000 (FIGUEIREDO, 2002).

Vamos verificar, então, como o exercício da accountability se manifesta no controle interno e externo da Administração Pública?

Controle Interno da Administração Pública

O controle interno, como definem Alexan-drino e Paulo (2007, p.522) “é aquele exercido dentro de um mesmo Poder, automaticamente ou por meio de órgãos integrantes da sua própria estrutura”. Dessa forma, exemplificam os autores, abrange o controle das chefias sobre os atos dos subordinados no interior de um órgão público; o controle do Conselho de Contribuintes do Ministé-rio da Fazenda sobre as decisões das Delegacias

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de Julgamento da Secretaria da Receita Federal; o controle do Ministério da Previdência sobre atos administrativos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), e assim por diante.

O controle pode ocorrer previamente, ao longo dos atos e ações, ou a posteriori. Deve ser exercido com um mínimo de autonomia e independência e não se restringe ao controle orçamentário e legal. Dentre as competências dos órgãos, pessoas e entidades encarregados do exercício dessa função, está, também, a pos-sibilidade de emitir opiniões sobre a conveniên-cia ou oportunidade de realizar determinado ato administrativo.

Observa-se uma importante iniciativa ocorri-da em 2003, no início do primeiro governo do ex--presidente Luís Inácio Lula da Silva: a criação da Controladoria Geral da União (CGU), encarregada do combate à corrupção no âmbito da Administração Pública, da defesa do patrimônio público e da ini-bição de desvios e desperdícios dos recursos fe-derais.

Quando a CGU foi criada, o ambiente era mar-cado por fortes denúncias de corrupção no âmbito do governo federal. Assim, ela nasceu com o ob-jetivo de acelerar os processos administrativos de averiguação de irregularidades. O intuito foi punir os responsáveis em tempo hábil, de forma a evitar lesões ao patrimônio do Estado, ou garantir, caso elas já tivessem se concretizado, o devido ressarci-mento dos prejuízos aos cofres públicos.

Mas como a CGU age para evitar a corrup-ção? Como ela exerce o seu controle direto sobre a Administração Pública? Os mecanismos por ela utilizados para cumprir as suas funções são as au-ditorias, as fiscalizações, a análise e a apuração de denúncias. Mas ela exerce, também, um trabalho

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de caráter preventivo, procurando implementar po-líticas que possam inibir a corrupção e estimular a promoção da transparência na Administração Públi-ca (MATIAS-PEREIRA, 2009).

Quer conhecer melhor a atuação da CGU nesta última direção? Faça uma visita ao site www.portaldatransparencia.gov.br. Lá, você poderá verificar, por exemplo, uma ampla descrição da destinação dos recursos públicos: quem recebeu o quê, quanto, quando e com qual finalidade. E confirmar que esta é uma das importan-tes iniciativas surgidas, nos últimos anos, para abrir um canal direto de comunicação entre o governo federal e a sociedade.

A CGU assume diretamente a responsabili-dade pelo controle correcional de irregularidades. Mas tem na sua estrutura a Secretaria Federal de Controle Interno, encarregada da realização de au-ditorias e acompanhamento de projetos, sob uma ótica preventiva. Ou seja, com o seu trabalho, a Secretaria tenta se antecipar aos atos irregulares. A CGU engloba, ainda, a Comissão de Coordenação de Controle Interno e a Ouvidoria-Geral. Esta última tem a função tanto de receber denúncias quanto de informar aos envolvidos e/ou interessados o an-damento das ações exercidas pelo órgão no campo do controle e da correção.

Mas o combate à corrupção, naturalmente, não é feito de forma isolada pela CGU. Ela age em parceria com outros órgãos que desempenham ati-vidades afins, como o Tribunal de Contas da União (TCU), o Ministério Público, a Polícia Federal e a De-legacia da Receita Federal, dentre outros (MATIAS-PEREIRA, 2009).

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Como bem nos lembra O’Donnell (1998), a efe-tividade das agências encarregadas do controle da ação pública depende da sua atuação em sistema de redes com outras agências que possuem responsa-bilidades similares. Isoladamente, diz ele, é possível até gerar comoção da opinião pública, mas não se consegue que os procedimentos tenham resultados efetivos, capazes de ampliar o grau de accountability de um governo ou de um país.

Ficou mais clara a relação entre controle e accountability? Pronto para estudar, agora, como se dá o controle externo da Administração Pública? Este é o nosso próximo foco de discussão.

Controle Externo da Administração Pública

No Brasil, por determinação da Constitui-ção Federal, o controle externo da Administração Pública está a cargo do Poder Legislativo, por meio de comissões criadas no Congresso Nacio-nal e do auxílio prestado pelos Tribunais de Con-tas. Estes últimos, certamente, são os mais im-portantes mecanismos de controle externo, dado a amplitude das suas competências. A partir de Noronha (2003) e Matias-Pereira (2009), tendo-se como referência o Tribunal de Contas da União, criado em 1890, essas competências podem ser resumidas assim:

a) apreciar, anualmente, as contas prestadas pelo Poder Executivo;

b) verificar as contas dos administradores e outros responsáveis pela gestão dos recursos públicos – dinheiro, bens e valores – bem como daqueles que cometerem atos ou irregularidades capazes de causar prejuízos ao Estado;

c) conferir a legalidade dos atos de admissão de pessoal;

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d) realizar inspeções e auditorias contábil, fi-nanceira, orçamentária, operacional e patrimonial;

e) fiscalizar os recursos repassados pela União aos estados, municípios e ao Distrito Federal;

f ) aplicar sanções aos responsáveis por ilega-lidades ou irregularidades de contas;

g) determinar a correção de ilegalidades e irregularidades em atos e contratos públicos;

h) apurar denúncias sobre ilegalidades na aplicação de recursos federais.

Desde a Constituição de 1988, procura-se ampliar o controle externo da Administração Pú-blica da simples fiscalização financeira e orça-mentária em direção à fiscalização contábil, ope-racional e patrimonial da União. E mais ainda: prescreve-se que esse controle deve levar em conta não apenas a legalidade, mas também a legitimidade, a economicidade e a correta aplica-ção dos recursos.

Há um entendimento generalizado, porém, de que os Tribunais de Contas brasileiros ainda se encontram muito restritos à verificação da legalidade dos atos e das contas apresentadas pelos gestores públicos, atendo-se a aspectos contábeis e orçamentários. De que não há, ain-da, um esforço mais concreto para que sua pers-pectiva de accountability se estenda em outras direções, como a eficiência e a efetividade dos gastos.

Behn (2001) observa ser natural que as agências encarregadas do controle e fiscalização dos atos do governo se atenham ao processo, e não ao resultado, pois a nossa expectativa de accountability financeira é muito mais clara do que a nossa expectativa de accountability de desempenho.

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A despeito das dificuldades de mensura-ção desta última, é importante frisar que a pos-tura meramente legalista vem-se distanciando do debate contemporâneo sobre accountability, cuja aferição deve levar em conta uma série de outros fatores, como: a economia de recursos públicos; a eficiência; a honestidade; a qualida-de dos serviços; a forma como os serviços são prestados; o uso do critério de justiça na distri-buição dos benefícios e dos custos econômicos, sociais e políticos dos serviços prestados e dos bens produzidos; e o grau de adequação dos resultados dos programas às necessidades do público ao qual se destinam (CAMPOS, 1990).

Como bem define Figueiredo:

A sociedade não apenas quer saber se os recursos públicos foram geridos conforme a lei, mas, sobretudo, se foram em-pregados da melhor maneira possível, maximizando a re-lação custo-benefício e tendo por objetivo o atendimento dos seus anseios. (FIGUEIRE-DO, 2002, p. 6)

Alguns Tribunais de Contas caminham nes-sa direção, mas a experiência ainda parece pouco incipiente. Em pesquisa realizada por Guerreiro e Martinez (2006) junto a 24 Tribunais de Contas es-palhados pelo país, nas três esferas de Governo – União, Estados e Municípios – 50% deles admitiram se limitar ao controle de conformidade. Ou seja, que verificaram, apenas, se os atos da administra-ção por eles analisados estão de acordo com as normas e as leis. A tendência, porém, é que, de forma crescente, eles ampliem suas análises nas direções aqui indicadas.

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QUADRO IX – Fontes de Controle da Administração Pública – Poderes Legislativo/Executivo

Legislativo Executivo

União

Comissões do Congresso Nacio-nalTCU

CGUAuditorias inter-nas na adminis-tração indireta

Estados e DF

Comissões das Assembleias Le-gislativas e da Câmara DistritalTCE

Controladorias dos Estados e do Distrito Fe-deralAuditorias inter-nas na adminis-tração indireta

Municípios

Comissões das Câmaras de ve-readoresTCM

Controladorias municipaisAuditorias inter-nas na adminis-tração indireta.

Fonte: TCU (2005), extraído de Matias-Pereira (2009, p.194).

INDICAÇÃO DE LEITURA COMPLEMENTAR

Para entender melhor a relação entre accountability e controle da Administração Pública, leia o texto:

RUEDIGER, Marco Aurélio; ROSA, Elizabeth; RICCIO, Vicente. O papel do tribunal de contas na percep-ção de gestores públicos de municípios do estado do Rio de Janeiro. In: Encontro Nacional da ANPAD, 32. ed., 2008, Rio de Janeiro.

No artigo, os autores discutem a tendência mun-dial de ampliação do controle exercido pelos Tri-bunais de Contas, no sentido de incorporar a ele

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princípios além da legalidade. E refletem sobre a atuação dos Tribunais de Contas brasileiros, a partir da análise de uma série de entrevistas re-alizadas junto a gestores públicos de municípios fluminenses.

Para ampliar seus conhecimentos acerca dos meca-nismos institucionais de controle interno e externo, leia o texto: Controle dos atos da Administração Pública, no capítulo 8 (pp. 485 - 762) do livro de:

MADEIRA, José Maria Pinheiro. Administração pú-blica. Tomo II. 11. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.

No Capítulo, José Antônio Madeira faz uma análi-se mais pormenorizada dos mecanismos de con-trole existentes no Brasil, historiando a origem desse princípio e sua inserção na discussão so-bre a separação dos poderes de Estado – Exe-cutivo, Legislativo e Judiciário. Mostra, ainda, que é importante distinguir o controle político, abordado no direito constitucional, e o controle administrativo, que se dá no âmbito do direito administrativo.

PARA REFLETIR

No Brasil, parece prevalecer a ideia de que a so-ciedade é pouco participativa, sem tradição de ação coletiva. Até que ponto mecanismos de participação popular criados pela Constituição Federal de 1988, como os conselhos municipais de saúde, educação, etc. contribuem para maior

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controle da ação pública pela sociedade no nos-so País? Como evitar, por exemplo, que esses espaços sejam apropriados por pessoas inte-ressadas em promoção política, perdendo a sua função original? Compartilhe sua reflexão com os colegas, no AVA

3.3. A Lei de Responsabilidade Fiscal

Como vimos nos dois assuntos anteriormente abordados neste tema, quando falamos em Princí-pios da Administração e em mecanismos internos e externos de controle, estamos, essencialmente, preocupados com a honestidade e a responsabili-dade na Administração Pública. Essa orientação foi reforçada a partir de maio de 2000, com a aprova-ção da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), ou Lei Complementar nº 101.

É bastante provável que você já tenha ouvido falar muito sobre essa lei. Nos últimos anos, seus benefícios foram amplamente abordados na mídia nacional. Mas, sabe exatamente no que consiste a LRF? Vamos tentar esclarecer isso a partir de ago-ra? Esta Lei tem outros desdobramentos, particular-mente sobre o campo orçamentário, que veremos mais à frente do curso. No momento, vamos nos deter sobre a sua relação com os princípios de con-trole e de responsabilidade na Administração Públi-ca, está bem?

A LRF, como nos explicam Nascimento e De-bus (2001), nasceu com o objetivo principal, se-gundo o seu artigo 1º, de estabelecer “normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal”. Mas qual vem a ser o sentido de responsabilidade nela definido? Podemos nos ater a 3 acepções principais:

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1) garantir que os governantes ajam de forma planejada e transparente;

2) atuar preventivamente, de forma a redu-zir riscos, e corretivamente, quando forem obser-vados desvios capazes de comprometer as contas públicas;

3) zelar pelo equilíbrio das contas públicas, buscando eliminar o descompasso entre receitas e despesas. De que forma? Por meio do estabeleci-mento de limites e condições a serem observados pelos poderes públicos em ações relativas a re-núncias fiscais; gastos com pessoal e seguridade; contração de dívidas; realização de operações de crédito; concessão de garantias e inscrição em res-tos a pagar37.

Por que tanta preocupação com os gastos públicos? Porque o Brasil, assim como diversos outros países, vinha, historicamente, apresentando uma perniciosa relação de desequilíbrio fiscal. Ou seja, de realização de despesas sem a correspon-dente receita em caixa. E qual era o efeito desse desequilíbrio para o País? Fácil de imaginar, não? Falta de recursos para prover à população serviços básicos em áreas como educação, saúde e segu-rança. Como definem Nascimento e Debus, a LRF é fruto de um ambicioso projeto de acabar com:

Os gastos sem propósitos cla-ros, carentes de qualquer plane-jamento objetivo e competente; o endividamento para muito além de limites toleráveis e a má gestão de recursos, em des-pesas não condizentes com as atividades fi nalísticas do Esta-do; o dinheiro público desviado

37“Consideram-se Restos a Pagar as despesas empenha-das, mas nãopagas até o dia 31 de dezembro do mesmo exercício, distinguindo-se as processadas das não processadas. Como restos a pagar de despesas processadas, entende-se as despesas empenha-das e liquidadas, faltando apenas realizar-se o paga-mento. Despesas de restos a pagar não processados são aquelas ainda não realizadas, ou seja, despesas empenha-das que não foram liquidadas nem pagas até o dia 31 de dezembro.”

Fonte: http://www.sefi n.fortaleza.ce.gov.br/apresentacoes/ge-rados/cartilha_lrf_fi -nal_revisada01.pdf

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através de esquemas de fraudes e corrupção, que prosperaram, de forma quase sempre impune, pelo País afora (NASCIMENTO; DEBUS, 2001, p. 5).

Fica claro, então, que a LRF mantém es-treita relação como o princípio de accountability discutido quando abordamos a função de con-trole da Administração Pública? Na verdade, ela é uma espécie de código conduta, válido para orientar as ações dos Poderes Executivo, Legis-lativo e Judiciário, nas esferas da União, dos Estados e dos Municípios, incluindo os Tribunais de Contas.

Ela também deve ser obedecida por todos os órgãos da administração indireta, como os fundos, as autarquias, as fundações e as estatais que rece-bem do ente controlador recursos financeiros para fazer frente às despesas com pessoal, de custeio, ou de capital.

O que a LRF pretende fazer é com que todos os gestores públicos sejam obrigados a obedecer a algumas normas e a respeitar alguns limites na ad-ministração das finanças38. Isso além de prestarem contas à sociedade de onde e como estão gastan-do os recursos financeiros a serem administrados pelo Governo.

Diversos mecanismos estão previstos na LRF para que ela atinja esse objetivo de dar maior transparência às contas públicas. Ou seja, para que as informações sejam amplamente divulgadas para a população. Dentre esses mecanismos, como nos aponta Kelles (2010), podemos citar:

a) elaboração de planos e projetos com par-ticipação popular;

38Antes da LRF, a chamada Lei Rita Camata II já estipulava, por exemplo, limites para os gastos com pessoal. Mas suas disposições, ao contrário do que se verifi ca com a LRF, não alcançavam os poderes Legislativo e Judiciário.

Fonte: (UFAL, 2010).

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127Tema 3 | Princípios Gerais e Controle da Administração Pública no Brasil

b) colocação das contas à disposição da população, para que ela possa fazer consultas e apreciações, ao longo de todo o exercício de uma administração. Por exemplo: através da internet.

c) elaboração periódica de relatórios de ges-tão fiscal e de execução orçamentária, também dis-poníveis ao acesso por parte do cidadão.

Na realidade, a LRF se apoia em 4 eixos prin-cipais:

1) o planejamento: feito através do estabe-lecimento de metas, limites e condições para a renúncia de receita, bem como para a realização de despesas, como aquelas relativas a gastos com pessoal e seguridade e aquelas associadas à con-tração de dívidas, operações de crédito e oferta de garantias.

2) a transparência: manifesta-se na ampla di-vulgação de relatórios de acompanhamento da ges-tão fiscal, de forma a tornar possível a identificação de receitas e despesas.

3) o controle: ligado a uma atuação mais fir-me dos Tribunais de Contas, de forma a ampliar a transparência e a qualidade das informações.

4) a responsabilização: sempre que os ges-tores descumprirem as regras, estarão sujeitos às sanções previstas na lei que trata da respon-sabilidade fiscal. Além disso, terão suspensas as transferências voluntárias, as garantias e as autorizações para a contratação de operações de crédito.

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Vamos nos ater, agora, ao que deve ser con-templado no Relatório de Gestão Fiscal (RGF), o ins-trumento previsto pela LRF para assegurar a trans-parência dos gastos públicos?

O Relatório de Gestão fiscal

A LRF, conforme informações disponibilizadas no site http://bit.ly/relatorio_gestao_fical, determina que seja emitido e publicado, até 30 dias depois do final de cada quadrimestre, o Relatório de Gestão Fiscal, trazen-do alguns demonstrativos. Embora os listados a seguir se refiram às obrigações das gestões municipais, são eficientes para nos mostrar os aspectos de responsabi-lidade fiscal que a LRF se propõe a contemplar.

Despesas com pessoal: a despesa com pesso-al não pode ultrapassar 60%39 da Receita Corrente Líquida40. Esses percentuais encontram-se divididos entre o Executivo e o Legislativo, nos limites de 54% e 6%, respectivamente. Toda vez que os gastos atin-gem 48,6% da RCL, o Tribunal de Contas é acionado para avisar aos gestores sobre o “limite de alerta”. Há, também, um chamado “limite prudencial”. Se o governante perceber que chegou a 51,3% da RCL, precisa tomar providências, no prazo de 8 meses41, para não correr o risco de ultrapassar o limite legal.

Da dívida consolidada líquida: os governan-tes devem deixar transparentes as obrigações con-traídas ao longo do exercício de um mandato. E devem levar em conta a compatibilidade entre a dívida e a sua capacidade de pagamento.

Das garantias e contragarantias de valores: as garantias correspondem à adimplência (manu-tenção dos compromissos em dia) das obrigações financeiras e contratuais. Já as contragarantias en-contram-se vinculadas às receitas tributárias arreca-dadas de forma direta.

39Esse percentual é de 50% para a União e de 60% para os Estados.

40“Receita Corrente Líquida é a Receita Corrente menos a contribuição dos servidores para a previdência e assistência social e menos as receitas da compensação fi nanceira da contagem recíproca do tempo de contribuição para a aposentadoria na administração pú-blica e na atividade privada. Nela estão compreendidas as transferências constitucionais (...) A Receita Corrente Líquida será apu-rada das receitas arrecadadas no mês em referência enos 11 meses anteriores, excluídas as duplicidades. Quanto mais crescer a RCL, mais se expandirão os limi-tes das despesas que estão a ela referenciadas.”

Fonte:Lei de Respon-sabilidade Fiscal: Guia Prático para o Cidadão, disponível no site http://www.sefi n.fortaleza.ce.gov.br/apresen-tacoes/gerados/cartilha_lrf_fi nal_re-visada01.pdf, acesso em 12/12/2010.

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Das operações de crédito: referem-se a com-promissos financeiros diversos. A título de exem-plo, podemos citar a aquisição de bens por finan-ciamento, a abertura de crédito e a emissão de títulos. Os empréstimos encontram-se limitados a despesas com investimentos. E as receitas de ope-rações de crédito não poderão atingir montante superior aos das Despesas de Capital previstas na Lei orçamentária. O limite de endividamento para Operações de Crédito internas e externas não pode ultrapassar 16% da Receita Corrente Líquida.

Da disponibilidade de caixa: consiste em um mix entre disponibilidades financeiras e parcelas comprometidas com Restos a Pagar de despesas não liquidadas. São limitadas pela capacidade que tem a administração de, a curto prazo, fazer frente aos compromissos assumidos.

Dos restos a pagar: nos dois últimos quadri-mestres do último ano de mandato, o governante não pode contrair dívidas que não tenha condições de pagar no mesmo exercício. Caso o faça, precisa-rá comprovar a existência de caixa para o exercício seguinte.

Dos limites: o governante deve, em um de-monstrativo único e simplificado, explicitar todos os limites de comprometimento incluídos nos De-monstrativos de Gestão Fiscal.

A LRF, certamente, não é capaz de, sozinha, mudar séculos de cultura marcada pela má admi-nistração dos recursos públicos. Muitas são as crí-ticas à sua efetividade, pois, para alguns autores, ela acabou por se prender muito a aspectos pres-critivos, sem uma real preocupação em incorporar à responsabilidade fiscal os princípios norteadores da administração pública brasileira.

Mas devemos ver a LRF como um mecanismo ainda em fase de consolidação. E reconhecer os

41Oito meses é o prazo máximo, ou seja, o prazo-limite.

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seus méritos quanto à implantação de pelo menos uma semente de nova cultura na gestão dos recur-sos públicos, marcada pela preocupação com a res-ponsabilidade, o combate à corrupção, a busca de um equilíbrio mais permanente nas contas estatais. É certo que ela gerou um ambiente mais favorável à assimilação do preceito de que os recursos pú-blicos precisam ser controlados para serem geridos de forma mais eficiente (MATIAS-PEREIRA, 2009).

A LRF talvez tenha sido o mais destacado marco fiscal regulatório brasileiro. Antes da regula-mentação da lei, poucos eram os gestores públicos que se valiam de ferramentas de política fiscal para trabalhar o ciclo orçamentário de forma coerente e estruturada, procurando estabelecer uma relação mais harmônica entre os programas e as ações. A cena nacional, até então, sempre fora marcada por irresponsabilidade fiscal e déficits descontrolados, orientados por políticas de caráter clientelista e eleitoreiro. Com a LRF, enfim, começa-se a se esta-belecer no País uma cultura de que as dívidas no setor público só podem ser contraídas mediante a existência de lastros que lhes deem sustentação (KELLES, 2010).

INDICAÇÃO DE LEITURA COMPLEMENTAR

Para saber um pouco mais sobre a LRF e a sua importância no controle e na transparência da Ad-ministração Pública, leia os textos: Controle Social (p. 44 – 62) e Acompanhando as contas Públicas (p. 63 – 67), no livro de:

MINISTÉRIO DA FAZENDA. Gestão democrática e controle social dos recursos públicos/programa na-cional de educação fiscal. 4.ed. Brasília: Esaf, 2009.

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Nestes 2 capítulos, você encontra explicações didáticas sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal, o conceito de dívida pública e a forma e os mecanismos de exercício do controle social sobre Administração Pública. En-contra, ainda, considerações sobre mecanismos demo-cráticos de envolvimento do cidadão na definição das políticas públicas, como os orçamentos participativos, adotados de forma crescente por municípios brasilei-ros. E aprende de que forma acompanhar a prestação de contas públicas e, se for o caso, denunciar alguma irregularidade na gestão dos recursos estatais.

Para uma explicação simples e direta sobre a LRF, leia o texto: Lei de Responsabilidade Fiscal: Guia Prático para o Cidadão. Disponível em <http://bit.ly/relatorio_gestao_fical>. Acesso em 14 dez. 2010; e no AVA.

Preparado pela Secretaria da Fazenda do Município de Fortaleza, o texto esclarece, sob a forma de per-gunta e resposta, os aspectos mais importantes da LRF, permitindo ao leitor se inteirar, por exemplo, das suas determinações quanto aos limites dos gastos com pessoal, a dívida pública e as metas fiscais. Explica quais são as exigências específicas nos anos eleitorais e os tipos de sanção a que se encontram sujeitos os gestores flagrados em ações que contrariam as suas diretrizes.

PARA REFLETIR

De acordo com Soares (2009), em 2005, cerca de 50% dos Municípios brasileiros não cumpriram as determinações da Lei de Responsabilidade Fiscal.

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Pense nos pequenos municípios do país, especial-mente aqueles localizados distante dos grandes centros. Será que essas administrações municipais têm gestores tecnicamente capacitados para aten-derem aos princípios da LRF? Até que ponto o des-respeito aos dispositivos legais decorre da má for-mação do quadro de servidores da Administração Pública? Compartilhe sua reflexão com os colegas, no AVA.

3.4. As Agências Reguladoras

Falamos, até aqui, de diferentes formas de controle interno e externo da Administração Pú-blica no Brasil, bem como da importância da Lei de Responsabilidade Fiscal para garantir que estes mecanismos sejam, de fato, aplicados, tornando os governos mais accountables. Pois, na verdade, as Agências Reguladoras são, também, autarquias es-peciais de Direito Público, encarregadas do controle das atividades privadas na execução de serviços que possuem caráter público. E exercem esse con-trole por meio do planejamento e da definição de normas. Vamos entender como elas surgiram, como operam e quais são as suas funções essenciais?

Primeiramente, é preciso esclarecer que ór-gãos e entidades reguladores, não sob a denomi-nação de agências, existem no Brasil pelo menos desde o início do século passado. A título de exem-plo, recorrendo a Grotti (2006), podemos citar o Comissariado de Alimentação Pública (1918), o Ins-tituto Permanente de Defesa do Café (1923) e o Instituto Nacional do Mate (1938). A novidade, ago-ra, é que temos agências setoriais de regulação, autônomas e especializadas, criadas sob a forma de autarquias especiais.

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133Tema 3 | Princípios Gerais e Controle da Administração Pública no Brasil

No Brasil, esse tipo de agência surgiu duran-te o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, como resultado do Programa Nacional de Desestatização, iniciado em 1991. Esse programa transferiu para o setor privado a operação e o con-trole de antigos monopólios naturais existentes em setores de infraestrutura. Monopólios que atingiam, por exemplo, os setores de energia elétrica, teleco-municações e petróleo e gás. Vamos ver como fun-cionava a regulação dos monopólios naturais antes da desestatização?

Do velho ao novo modelo

Naquela época, antes das privatizações, os monopólios naturais encontravam-se organi-zados sob a forma de holdings42 de capital aber-to, que funcionavam como empresas de econo-mia mista. E a atividade de regulação ficava a cargo dos departamentos ou órgãos da própria burocracia executiva.

Antes da desestatização, já tínhamos, tam-bém, a regulação de outros setores, que ficava a cargo do Banco Central e do Conselho Adminis-trativo de Defesa Econômica (CADE), cada um em sua área específica de atuação. No caso da política agrícola e dos tributos, essa atividade se dava via utilização dos estoques reguladores do Governo. No campo dos mercados de títulos e contratos de investimentos coletivos, a regulação, a fiscalização e a supervisão ficavam a cargo da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

As agências não-independentes, que conti-nuam a existir, são encarregadas de decisões en-volvendo conhecimentos técnicos muito específi-cos. Muitas vezes, elas precisam tomar decisões impopulares ou que se encontram sujeitas a erros

42A holding é uma sociedade que administra um conglomerado de empresas.

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capazes de gerar custos políticos muito elevados (MELO, 2002). O fato, porém, é que não falamos aqui de órgãos reguladores independentes, como as autarquias criadas após a desestatização.

A partir dos anos de 1990, como vimos no nosso estudo sobre o processo de reforma do Es-tado no Brasil, começou uma paulatina redução do intervencionismo estatal na economia. As entida-des independentes de regulação só começaram a ser criadas a partir de 1997, quando os monopólios naturais foram transferidos para o setor privado (MADEIRA, 2010).

A partir de então, surgiram a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) e a Agência Nacional do Petróleo (ANP), dentre outras. O objetivo maior dessas agências era ampliar a credibilidade do pro-cesso regulatório e oferecer garantias àqueles que investiram recursos na privatização. Garantias de que haveria respeito aos contratos firmados, sem mudanças nas regras do jogo que pusessem em risco os recursos aplicados nas empresas privati-zadas. Que mudanças poderiam acarretar esses ris-cos? Programas de re-estatização, congelamento de preços e manipulação das tarifas com interesses políticos, por exemplo.

Mas as atuais Agências Reguladoras, figuras de direito público, naturalmente, não têm como foco apenas o mercado. Também é sua função ga-rantir que os serviços serão prestados pelo setor privado de forma contínua e em conformidade com as regras do jogo. E, sem cometer abusos de poder de mercado capazes de prejudicar os consumidores ou inibir a concorrência, criando barreiras à entrada de novos competidores.

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135Tema 3 | Princípios Gerais e Controle da Administração Pública no Brasil

As agências reguladoras independentes possuem uma dupla função: elas preci-sam buscar a harmonia entre os interes-ses do consumidor e os interesses do mercado. No primeiro caso, zelando pela qualidade e preços dos serviços. No se-gundo, cuidando de manter um ambiente favorável à viabilidade do negócio, es-sencial para garantir que os serviços se-jam prestados de forma contínua.

A regulação, na verdade, envolve três atores: o prestador do serviço, o usuário e também o Po-der Público, a quem cabe a titularidade de produ-ção ou exploração da utilidade pública.

É importante ressaltar que o Plano Diretor, na época da desestatização, distinguia três níveis de atividade do Estado. O primeiro era o Estratégico, encarregado de formular as políticas públicas. O segundo representado pelas agências autônomas – Executivas e Regulatórias – era responsável pelas atividades exclusivas do Estado. E o terceiro dizia respeito aos serviços não-exclusivos, que poderiam ser realizados por organizações sociais.

Como nos esclarece Melo (2002), no caso específico das agências, previa-se que as Execu-tivas seriam mais ligadas a garantir flexibilidade à gestão de organismos encarregados de funções ex-clusivas do Estado. Já as Regulatórias deveriam se encarregar da regulação estatal dos serviços públi-cos e das atividades econômicas transferidas para o setor privado.

As últimas demandavam mais autonomia, dado não serem um braço para a execução de polí-ticas estatais, mas sim, um instrumento de garantia de mercados competitivos e serviços de qualidade.

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Vamos, então, nos ater um pouco aos poderes es-pecíficos das Agências Reguladoras independentes?

Poderes das Agências Reguladoras

As Agências Reguladoras, embora indepen-dentes, assim como as demais entidades de Di-reito Público, precisam se submeter aos Tribunais de Contas e ao Ministério Público, além de serem controladas pelo Executivo em suas atividades fins. Também estão sujeitas ao controle do Le-gislativo, do Judiciário e dos organismos da so-ciedade civil.

Elas também não deixam de ser uma forma de intervenção do Estado na economia. Só que o fazem de maneira diversa daquela verificada na época do modelo estatizante. A intervenção, agora, é mais de mediação do que de imposição de obje-tivos via autoridade do Estado.

Para garantir sua autonomia em relação aos interesses políticos (públicos e privados), as agên-cias reguladoras detêm uma série de poderes. Afi-nal, como dissemos anteriormente, não consistem em braços do Estado para a execução de políticas públicas definidas pelo Governo. Seus direitos es-peciais, a partir do que nos conta Madeira (2010), podem ser resumidos assim:

a) fiscalização das empresas: caso um pres-tador de serviços na sua área de jurisdição viole normas ou deixe de cumprir obrigações específicas, ela pode impor sanções.

b) regulação: elas podem definir normas váli-das para fatos e atos próprios relacionados às ativi-dades inseridas no âmbito da sua jurisdição.

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137Tema 3 | Princípios Gerais e Controle da Administração Pública no Brasil

c) formulação: caso percebam uma necessi-dade, têm a prerrogativa de apresentar discussões de políticas específicas para a área sob sua jurisdi-ção, as quais podem ser transformadas em normas ou, se for o caso, votadas pelo Congresso Nacional.

Como as agências necessitam de indepen-dência para atuar de forma eficaz, elas também dispõem de outras prerrogativas, como:

a) têm ampla autonomia técnica, adminis-trativa e financeira. Este foi um cuidado tomado quando da sua concepção, com o objetivo de criar em torno delas uma capa de proteção contra as interferências político-partidárias, bem como contra entraves burocráticos e escassez das verbas orça-mentárias, imprescindíveis ao exercício das suas funções;

b) para estarem aptas a acompanhar o desen-volvimento tecnológico e as variações de demanda dos usuários, podem expedir normas operacionais e de serviços;

c) para garantir agilidade de resposta às re-clamações apresentadas pelos usuários e exigên-cias dos próprios serviços, podem aplicar sanções de forma rápida;

d) têm o poder de incluir a população no controle da fiscalização dos serviços.

Essa independência é possível porque as agên-cias foram criadas como autarquias especiais, com poderes mais amplos e um pouco diversos daqueles conferidos às autarquias convencionais. Sua indepen-dência manifesta-se em 4 diferentes dimensões.

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Independência decisória: seus dirigentes e associados, indicados pelo Executivo e submetidos à apreciação do Legislativo, têm mandatos fixos, que não coincidem com o ciclo eleitoral. É uma for-ma de criar uma barreira às investidas dos grupos de interesse, das indústrias reguladas e do próprio Governo.

Independência de objetivos: devem ter obje-tivos restritos em termos de número e amplitude, de forma a não perderem de vista o foco no bem estar do consumidor dos serviços regulados.

Independência de instrumentos: refere-se ao seu poder de escolher os instrumentos que consi-derarem mais adequados à sua atividade de regu-lação, de forma a torná-la o mais eficiente possível.

Independência financeira: contam com recur-sos financeiros e humanos próprios, em quantida-de e qualidade compatível com o eficiente exercício das suas atividades regulatórias.

Uma questão importante a ser esclarecida é que os dirigentes das agências reguladoras são es-colhidos e nomeados pelo Presidente da República, após passarem pelo crivo do Senado Federal. Uma vez aprovados, não podem ser demitidos por de-cisão do Presidente. Só podem perder o mandato antes do prazo fixado se cometerem faltas funcio-nais comprovadas mediante processo administra-tivo disciplinar ou se tiverem condenação judicial transitada em julgado (MADEIRA, 2010).

Percebeu, então, que esses dirigentes gozam de estabilidade por tempo limitado? Além disso, o prazo dos seus mandatos não é fixado em lei, mas no ato que institui a sua nomeação. Ou seja, pode se estender para além da duração do mandato do Presidente que os indicou.

Está claro para você que as medidas destina-das a garantir a autonomia das agências regulado-

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139Tema 3 | Princípios Gerais e Controle da Administração Pública no Brasil

ras têm como uma das suas principais metas inibir a “captura” desses entes pelo Governo e pelas in-dústrias reguladas? Mas será que essas medidas são suficientes para eliminar os riscos?

Naturalmente que não. Muitas vezes, a indús-tria regulada tem conhecimentos tecnológicos su-periores aos da agência, o que lhe garante margem para manipulações; muitos servidores das agências são oriundos do setor ou das indústrias reguladas; os dirigentes das agências podem ter interesses em cargos futuros nessas indústrias... enfim, os riscos podem ser minimizados, mas não eliminados (PRE-SIDÊNCIA DA REPÚBLICA; CASA CIVIL, 2003). Lem-bra-se de que, no início do nosso curso, falamos da impossibilidade de total separação entre Política e Administração? Pois é isso: a “zona cinzenta” de convivência entre as áreas permeia todas as faces da ação pública.

Outra questão a ser salientada é que, em-bora importante, a autonomia também apresenta alguns riscos. Dentre eles, convém destacar: a) se exacerbada, ela pode dificultar o controle social, colocando em xeque a legitimidade democrática; b) podem ocorrer atrasos eventuais em mudanças es-truturais; c) pode haver prejuízos para a coerência do conjunto de políticas governamentais. Ou seja, é preciso haver um equilíbrio entre a autonomia e a perspectiva de efetividade dos serviços públicos regulados.

INDICAÇÃO DE LEITURA COMPLEMENTAR

Para detalhes sobre a regulação, leia o livro: SCHA-PIRO, Mario Gomes (Cord.). Direito econômico: di-reito de economia na regulação setorial. São Paulo: Saraiva, 2009.

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A obra, uma coletânea de artigos assinados por diferentes autores, traz análises específicas sobre a regulação nos mais diversos setores: de energia elétrica, de telecomunicações, de transporte terres-tre, de transporte aéreo de saneamento básico e de saúde pública. Indicada para esclarecer particulari-dades específicas da regulação em cada uma des-sas áreas, bem como da sua relação com fatores como a concorrência, atritos da interface público--privado e a propriedade intelectual.

Para entender a regulação via estudo de um caso específico, leia o texto: Agências Reguladoras, no Capítulo 40 (p. 434-447), no livro de:

CHIAVENATO, Idalberto. Administração geral e pú-blica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.

Neste capítulo, o autor apresenta um texto compilado da Lei 9.427, de 26 de dezembro de 1996, que ins-tituiu a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Por meio da lei, podemos acompanhar as disposições iniciais da regulação do setor, mas também mudanças realizadas ao longo do tempo para aprimorar o tra-balho da ANEEL. Podemos nos informar, ainda, sobre a composição de receitas dessa agência, bem como sobre o regime econômico e financeiro dos serviços das concessões de serviços públicos no setor.

PARA REFLETIR

Nossa Constituição só prevê que estejam livres da possibilidade de exoneração de cargo público ser-

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141Tema 3 | Princípios Gerais e Controle da Administração Pública no Brasil

vidores concursados. Mas os diretores das agên-cias regulatórias não podem ser exonerados. Se pudessem ser, que implicações isso teria para a autonomia do papel de regulação por elas exerci-do? Compartilhe sua reflexão com os colegas, no ambiente AVA.

RESUMO DO TEMA

Neste tema, tivemos como foco as diferentes formas disponíveis para o exercício do controle dos atos da Administração Pública, por meio de mecanismos institucionais e societais. Procuramos mostrar que a ideia de controle não se manifesta apenas no papel desempenhado por órgãos especializados como os Tribunais de Contas. Ela permeia diferentes inicia-tivas adotadas no âmbito do Estado para garantir a ética, a transparência, a honestidade, o respeito a princípios como eficiência e economicidade na gestão dos recursos públicos. Na realidade, nossa discussão se prolonga para o tema a seguir – Ativi-dade Financeira do Estado Brasileiro – no qual nos atemos a leis e processos efetivos em que esse controle é demandado.

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Atividade Financeira do Estado Brasileiro4

Neste tema, vamos nos ater ao estudo da atividade econômica e financeira do Estado brasileiro. Vamos começar pela discussão do seu poder de compra, procurando entender as normas que regem o processo de licitação pública. Vamos estudar, também, os conceitos fundamentais que envolvem as finanças públicas – receitas e des-pesas – e as principais espécies de tributos existentes no País, bem como a sua distribuição entre os entes da federação. Analisaremos, ainda, as três peças orçamentárias instituídas a partir da Constituição Federal de 1988 – o PPA, a LDO e a LOA – e alguns conceitos e princí-pios da contabilidade e da auditoria interna no setor público.

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4.1. O Poder de Compra do Estado e o Processo de Licitação

Você já deve ter ouvido falar muitas vezes so-bre a voracidade tributária do Estado brasileiro. Ou, em outras palavras, sobre sua predisposição para cobrar impostos, taxas e contribuições. Esta é uma discussão que envolve diferentes pontos de vista. Mas, independente de acharmos se a tributação é excessiva, ou não, precisamos levar em conta que ela é a principal fonte de recursos para financia-mento do Estado no desempenho das suas funções. Logo, os tributos também têm uma função social.

Mas os tributos são apenas uma das fontes de renda constitucionalmente garantidas ao Esta-do no Brasil. Eles se incluem dentre as chamadas receitas correntes, formadas, também, pelos recur-sos provenientes da venda de produtos e serviços incluídos nas atividades operacionais do Estado. Outra fonte de renda do Poder Público são as re-ceitas de capital, compostas por recursos finan-ceiros obtidos por meio de dívida, amortização de financiamento, empréstimo e alienação de bens (MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2009).

Está claro, portanto, que as fontes de re-cursos disponíveis garantem ao Estado um grande poder de compra? Logo, elas também fazem com que os cofres públi-cos sejam alvo de condutas antiéticas e de práticas de corrupção. Então, para garantir que esses recursos sejam efeti-vamente utilizados no cumprimento da função social do Estado, é preciso contar com normas e leis que imponham limites ao poder de decisão do político ou gestor.

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145Tema 4 | Atividade Financeira do Estado Brasileiro

No Brasil, a normatização se dá por meio da Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993, que regu-lamenta as compras governamentais. Essa lei de-termina que, no âmbito de todos os Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Mu-nicípios, as compras sejam feitas por meio de pro-cesso de licitação pública, assegurando-se a todos os concorrentes igualdade de condições.

É importante ressaltar, como nos alerta Ma-deira (2010), que a exigência do processo licita-tório não se dá somente com o intuito de inibir a corrupção. Como acontece em qualquer tipo de negócio, o Estado espera, ao adquirir produtos e serviços, encontrar a melhor proposta para as suas necessidades. E, dessa forma, atender a prin-cípios inerentes à ação pública aqui já discutidos, como a eficiência e a eficácia. Vamos, então, co-nhecer um pouco sobre essa lei, tão importante para resguardar a ética e o bom desempenho da Administração Pública no Brasil?

As Etapas e as Normas Legais do Processo de Licitação

No Brasil, as compras governamentais se dão por meio de um processo licitatório composto por 5 fases diferentes e que pode obedecer a 7 diferen-tes modalidades, definidas em função dos valores e objetos envolvidos no contrato. A partir do que nos conta Matias-Pereira (2009), as 5 fases podem ser resumidas como se explica a seguir.

Preparação – é quando o órgão público en-carregado da licitação elabora os documentos téc-nicos e os termos de referência que irão orientar o edital. Deste (o edital) devem constar os detalhes da compra ou contratação, como objeto, requisi-tos a serem atendidos pelos fornecedores, critérios

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para avaliação das propostas e possíveis recursos a serem apresentados pelos participantes.

Convocação – nesta fase, ocorre a divulgação do processo licitatório, mediante a obrigatória pu-blicação de aviso na imprensa oficial.

Habilitação – aqui, o órgão público que re-aliza a licitação verifica se o participante tem, de fato, condições de participar da disputa, cumprindo os requisitos constantes do edital. Neste momento, são analisados os aspectos jurídicos, econômicos, financeiros e fiscais dos concorrentes.

Competição – equivale à etapa de aber-tura, exame e julgamento das propostas apre-sentadas pelos participantes do processo. As propostas são classificadas de forma ordenada, mas o vencedor só terá direito efetivo ao con-trato ou à venda se atender às exigências da fase de habilitação.

Contratação e execução – momento final do processo, é quando se dá a assinatura do contra-to e a entrega do bem ou serviço adquirido pelo órgão público. Denominada empenho, a ordem de pagamento também é dada neste momento, com a liquidação do contrato se processando sob a forma de crédito bancário.

Entendeu todas as fases que precisam ser cumpridas ao longo do processo licitatório? Agora, então, vamos cuidar de esclarecer as modalidades em que esse processo pode se desenvolver. Essas modalidades, segundo Madeira (2010), podem ser conceituadas conforme se resume a seguir.

Concorrência – é normalmente utilizada para contratações de alto valor, compra ou alienação de imóveis ou aquisições envolvendo fornecedores in-ternacionais. Pode participar do processo qualquer interessado comprovadamente possuidor dos re-quisitos mínimos previstos no edital.

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147Tema 4 | Atividade Financeira do Estado Brasileiro

Tomada de preços – indicada para contratos de médio valor. Ao contrário do que se verifica na concorrência, a competição não é aberta a todos os interessados. Só podem participar da disputa os con-correntes cadastrados ou que atendam a todos os pré-requisitos necessários para cadastro até o 3º dia anterior à data-limite para entrega das propostas.

Convite – geralmente indicado para contrata-ções de menor valor. Não inclui edital, mas apenas uma “carta-convite” aos fornecedores. Dessa mo-dalidade pode participar qualquer interessado, seja ele cadastrado ou não, sendo necessário haver, no mínimo, 3 concorrentes convidados.

Concurso – adequado para a contratação de trabalho técnico, científico ou artístico, estabele-cendo-se, previamente, prêmios ou remuneração aos vencedores. Pode participar qualquer um que tenha interesse em entrar na disputa.

Leilão – empregado em processos que en-volvem venda de bens móveis inservíveis ou de produtos apreendidos ou penhorados segundo as normas legais. Qualquer interessado pode partici-par da disputa, sendo vencedor aquele que ofere-cer o lance maior.

Pregão – a disputa entre os concorrentes se dá por meio de lances e propostas, feitos em ses-são pública presencial ou por via eletrônica. Pode ser utilizado nas demais modalidades de licitação e é indicado para a contratação de bens e serviços comuns43, discriminados no Decreto nº 5.450/2005. Vence a disputa o concorrente que faz a oferta do material ou do serviço pelo menor valor.

Pregão eletrônico – nesta modalidade de lici-tação, todo o processo se dá via portal eletrônico de compras governamentais, o Comprasnet, admi-nistrado pelo Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais (Siasg). O portal é utilizado da

43Como esclarece Matias-Pereira (2009, p. 204), são considerados bens e serviços comuns “aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente defi nidos pelo edital, por meio de especifi cações usuais do mercado”.

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compra até a liquidação do contrato, inibindo as possibilidades de corrupção. Pode ser empregado em processos de licitação nos quais todos os pro-cedimentos exigidos em um pregão presencial en-contrem-se adaptados à Tecnologia da Informação.

QUADRO X - Valores limites por modalidade

Compras e ServiçosObras e Serviços de

Engenharia

ConviteAté R$ 80.000,00

ConviteAté R$ 150.000,00

Tomada de Preço

Até R$ 650.000,00

Tomada de Preço

Até R$ 1.500.000,00

Conco r-rência

Acima de R$ 650.000,00

Concor-rência

Acima de R$ 1.500.000,00

Fonte: lei nº 8.666/1993 – Extraído de Matias Pereira (2009, p.204)

Em resumo, a diferença entre uma modali-dade e outra de licitação está no tipo de procedi-mento adotado em cada uma delas. A concorrência é uma modalidade mais complexa; a tomada de preços se dá mediante habilitação prévia; no pre-gão, a habilitação ocorre após o julgamento das propostas (MADEIRA, 2010). Vamos agora estudar um pouco os diferentes tipos de licitação, para dei-xar claro que esse conceito não se confunde com o de modalidades que acabamos de discutir?

Os tipos de licitação

Se na modalidade o que nos interessa são os procedimentos, quando falamos em tipos de licita-ção, nosso foco se transfere para os critérios utiliza-dos no julgamento das propostas. Muitos pensam, erroneamente, que vence uma disputa como essa aquele que apresentar o preço mais baixo. Muitas

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vezes, porém, para definir o que é melhor, o Estado precisa levar em conta outros fatores, como a tec-nologia, a qualidade e a capacidade dos produtos e serviços de atender de forma mais abrangente a todas as necessidades implicadas na aquisição. Vejamos, então, o que nos conta Madeira (2010) sobre os tipos de licitação.

Menor preço: normalmente adotada quando a Administração Pública precisa contratar produtos e serviços que não envolvem especificações técnicas muito relevantes. Apesar do nome, o critério de jul-gamento nesse tipo de processo licitatório não se restringe ao preço, devendo-se levar em conta qual é a proposta mais vantajosa para a Administração. Ou seja, aquela que, juntamente com a questão do preço, atende às demais exigências especificadas no edital ou no convite.

Melhor técnica: neste tipo de licitação, embora o critério mais relevante de julgamento seja a técni-ca, a Administração Pública precisa especificar, no ato convocatório do processo, o preço máximo a ser pago pelo produto ou serviço a ser contratado. E devem ser observadas várias etapas procedimentais. Na primei-ra, ocorre a avaliação das propostas técnicas, que são classificadas em ordem decrescente – da melhor até a pior. Na segunda fase, dá-se a abertura dos envelopes com as propostas de preço. Mas só são consideradas as de concorrentes que, na primeira etapa, tiveram sua proposta entendida como detentora de um grau mínimo de suficiência técnica. Parte-se, então, para um processo de negociação com o fornecedor classi-ficado em primeiro lugar na primeira fase da licitação. Ou seja, procura-se fazer com que o detentor da me-lhor técnica proceda a um ajustamento de preços, ten-do como referência os preços propostos pelos demais interessados classificados nas posições seguintes. Se a negociação der certo, o processo encerra-se aqui.

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Se não, a Administração Pública tenta negociar com o segundo colocado na avaliação da proposta técnica, fazendo isso, sucessivamente, até chegar a um resul-tado viável para a contratação. Na realidade, nesse tipo de licitação, a tendência é de não se privilegiar excessivamente a questão técnica, mas sim, buscar uma solução intermediária. Ou seja: uma proposta que conjugue preço bom com qualidade razoável.

Técnica e preço: nesse tipo de licitação, a Administração Pública estabelece uma avaliação técnica e uma avaliação econômica das propostas apresentadas, definindo a pontuação de cada uma nos 2 critérios de julgamento. A partir daí, tendo como norte os pesos previamente estabelecidos no edital, faz a média ponderada obtida por cada pro-posta. Para definir o que será mais importante na sua oferta – técnica ou preço – o concorrente deve-rá observar os pesos respectivamente atribuídos a cada um no instrumento de convocação.

Maior lance ou oferta: neste caso, a proposta mais vantajosa, como o nome indica, será sempre a que oferecer um preço mais elevado. Até porque esse tipo de licitação se dá em modalidades des-tinadas à alienação de bens ou à concessão, pela Administração pública, do direito real de uso dos seus bens por um ente privado.

Não é possível estabelecer uma relação precisa entre a modalidade e o tipo mais adequado de licitação. Mas, a partir das normas existentes, pode-se afirmar: i) os tipos de melhor técnica e técnica e preço só são válidos para contratos envolvendo objetos que tenham natureza predomi-nantemente intelectual; ii) o tipo técnica e preço deve, obrigatoriamente, ser adotado quando a licitação envolver bens e produ-

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tos de informática.; e iii) na modalidade pregão, só pode ser adotada a licitação do tipo menor preço (MADEIRA, 2010).

Vamos, então, concluir nosso estudo sobre o processo de compras governamentais abordando os casos em que pode haver dispensa de licitação? Este é o nosso assunto a seguir.

Dispensa de licitação

A licitação é constitucionalmente exigida por cau-sa das ideias de que os bens públicos são de proprie-dade do povo, devendo-se dar a todos oportunidades iguais para deles usufruir, e de que o Estado precisa se guiar pelo princípio da economicidade em suas con-tratações. Mas, em alguns casos, ela pode ser dispen-sada. Isso ocorre quando, por questões de interesse público, a disputa é considerada inconveniente, seja por motivos de custo ou de emergência da situação.

Não se exige licitação, por exemplo, em casos de dação em pagamento. Ou seja, quando alguém aceita receber algum bem em troca de crédito que tenha com o Estado. Trata-se de um caso de licitação inexigível, dado que não envolve nenhum processo de disputa. O mesmo ocorre em situação de doação, permitida ape-nas entre órgãos ou entidades da própria Administra-ção Pública. Também se verifica a inexigibilidade de licitação em casos de permuta de um imóvel por outro. Mas a Administração Pública só pode fazê-la mediante prova de que o bem recebido é indispensável, por ca-racterísticas como localização, e tem valor de mercado compatível com o que ofereceu em troca, de acordo com avaliação previamente realizada.

Nos casos de investidura, a dispensa de licitação ocorre em situações de alienação de imóveis cuja área, remanescente ou resultante

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de obra pública, seja considerada inservível pela Ad-ministração. É o caso, por exemplo, de uma área existente entre 2 terrenos ocupados pelo Estado, que não vê condições de aproveitá-la. Mas aplica-se, também, a imóveis para fins residenciais construídos em núcleos urbanos anexos a usinas hidrelétricas, que podem ser alienados aos seus legítimos possui-dores diretos ou a órgãos do Poder Público.

A licitação pode, ou não, ser utilizada no caso de venda de imóveis envolvendo 2 órgãos ou en-tidades da Administração Pública. Já em situações de legitimação de posse, verificadas quando o ocu-pante do imóvel tem licença de ocupação da área, observados os critérios previstos em lei, o portador da licença tem preferência na aquisição do bem.

A Legislação prevê, ainda, dispensa de licita-ção por outras razões que seria impossível resumir aqui, como valor do contrato; urgência na contra-tação e outros motivos inconvenientes. No último caso, a título de exemplo, podem ser citadas as si-tuações em que a União precisa intervir no domínio econômico com a finalidade de regular preços ou normalizar o abastecimento (MADEIRA, 2010).

INDICAÇÃO DE LEITURA COMPLEMENTAR

Para aprofundar seus conhecimentos sobre o pro-cesso de compras governamentais, leia o texto: Li-citações e contratos administrativos. No capítulo 4 (pp. 247- 373) do livro de:

MADEIRA, José Maria Pinheiro. Administração Pú-blica. Tomo I. 11. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.Neste capítulo, José Maria Madeira faz um minucioso detalhamento de todos os aspectos que envolvem o processo de licitação pública no Brasil. E analisa

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outros itens da Lei de Licitações não abordados no nosso curso, como os Princípios da Administração a serem observados nas compras governamentais, bem como as particularidades de contratações de fornecedores internacionais.

Para se inteirar sobre a utilização de novas tec-nologias da informação no processo de compras governamentais, leia o texto: O Poder de Compra do Estado, no capítulo 27 (p. 200-208) do livro de:

MATIAS-PEREIRA, José. Curso de administração pú-blica: foco nas instituições e ações governamen-tais. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

Neste capítulo, José Matias-Pereira nos dá algumas informações sobre o Comprasnet e suas principais funcionalidades. Faz, também, uma rápida análise da experiência internacional de compras públicas por meio eletrônico.

PARA REFLETIR

Com a privatização das estatais brasileiras, na dé-cada de 1990, vários serviços essenciais, como te-lefonia, deixaram de ser providos pelo Estado. E esses serviços foram ampliados e modernizados, beneficiando a sociedade em geral.Por que nem sempre o processo licitatório consegue levar as estatais e o Poder Público a atingirem objetivos assim, em prazos tão curtos, como ocorre no setor privado? Discuta isso com os seus colegas, no AVA.

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4.2. As Finanças Públicas

Posicionadas entre a economia e a política, as finanças públicas referem-se à relação entre des-pesas e receitas governamentais. Ou, como concei-tua Matias-Pereira, elas englobam:

A atividade fi nanceira do Esta-do direcionada para a obten-ção e o emprego dos meios materiais e de serviços para a realização das necessidades da coletividade, de interesse geral, satisfeitas por meio do proces-so do serviço público (MATIAS-PEREIRA, 2009, p.214).

Diversos aspectos inerentes à atividade fi-nanceira do Estado fazem com que ela se apresente como processo de elevada complexidade. A quais aspectos nos referimos aqui?

i) as dificuldades econômicas de fazer frente às demandas com recursos geralmente escassos;

ii) a interação entre política e sociologia veri-ficada ao longo do processo, dado que os recursos são administrados por um governo e suas decisões interferem sobre a vida de toda a sociedade;

iii) a necessidade de permanentes desemba-raços jurídicos, pois as decisões precisam ser am-paradas e traduzidas em atos legais;

iv) a necessidade de respeito à ética, uma vez que as receitas e despesas públicas devem ser, tam-bém, uma forma de melhor distribuir as riquezas;

v) as dificuldades de ordem contábil, já que as mesmas precisam ser registradas e classificadas.

A complexidade dessa atividade se desenvolve em quatro áreas básicas: a receita pública, a ser obti-da; a despesa pública, a ser despendida; o orçamento

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público, a ser gerido; e o crédito público, a ser criado. Esses termos podem ser definidos da seguinte forma:

receita pública – é representada pelos recur-sos que ingressam no patrimônio público. Podem ser originárias, quando decorrem dos produtos e serviços gerados pelos bens e as empresas inte-grantes do Estado; ou derivadas, termo aplicado às receitas obtidas por meio de impostos, taxas, contribuições, etc.

despesa Pública – definida pelo somatório de dispêndios do Estado, bem como de outras pes-soas do direito público, com a finalidade de garan-tir a operacionalização dos serviços públicos.

orçamento público – normalmente com vali-dade de um ano, é o ato de aprovação antecipada da previsão governamental sobre as despesas e receitas públicas a serem realizadas e geradas ao longo de determinado período.

crédito público – referem-se aos empréstimos obtidos pelo Estado, que terão, obrigatoriamente, que ser reembolsados.

O fundamental, quando falamos em finanças pú-blicas, é ter em mente que a grande preocupação refe-re-se à obtenção de uma receita pelo menos suficiente para cobrir as despesas. Quando o Governo consegue gastar menos do que arrecada, ele tem superávit. Se os gastos forem maiores do que a receita, entramos em uma indesejável situação de déficit. Vamos, então, nos deter um pouco sobre o exame dos conceitos en-volvidos nas receitas e nas despesas públicas?

As Receitas Públicas

As receitas públicas já foram discutidas no nosso assunto anterior, lembra-se? Foi quando dis-semos que elas podem ser receitas correntes, deriva-das da cobrança de tributos e dos recursos advindos

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da venda de produtos e serviços incluídos nas ativi-dades operacionais do Estado. Ou então, receitas de capital, representadas pelos recursos decorrentes de dívida, amortização de financiamento, empréstimo e alienação de bens (MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2009).

Vamos nos ater, aqui, às receitas tributárias, pela sua importância para o entendimento de como funcionam as finanças públicas. A Constituição Federal prevê 5 espécies de receita tributária: os impostos44, as taxas, as contribuições de melhoria, os emprésti-mos compulsórios e as contribuições especiais e pa-rafiscais. Vamos ver como essas espécies tributárias são definidas pelo Ministério da Fazenda (2009)?

Os impostos, a serem pagos por pessoas fí-sicas ou jurídicas, equivalem à parcela de dinheiro legalmente exigida pelo Poder Público sobre fatos geradores45 como renda e venda de produtos e ser-viços. Eles podem ser diretos ou indiretos, progres-sivos ou regressivos, como se observa no Quadro XI, apresentado a seguir.

QUADRO XI- Classificação dos impostos

IMPOSTOS

DIRETO PROGRESSIVO

É aquele em que a pessoa que paga (contribuinte de fato) é a mes-ma que faz o reco-lhimento aos cofres públicos (contribuin-te de direito).

E x e m p l o s : IRPJ, IRPF, IPVA e IPTU

O tributo é progres-sivo com relação à renda quando sua alíquota au-menta em razão do cresci-mento do valor do objeto tributado, ou seja, o valor aumenta de acordo com a capacidade econômica do contribuinte.

Existem alíquotas di-ferenciadas, que aumentam à medida que os rendimen-tos ficam maiores.

Exemplos: IRPF e IRPJ

44No Brasil, os principais impostos são:IRPJ: Imposto sobre a Renda – Pessoa Jurídica.IRPF: Imposto de Renda – Pessoa FísicaIPVA: Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automo-toresIPTU: Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial UrbanaICMS: Imposto sobre Circulação de Mercadorias e ServiçosIPI: Imposto sobre Produtos Industria-lizadosISS: Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza

Fonte: Ministério da Fazenda (2009, p.25)

45Fato gerador “é uma situação pre-vista em lei que, se acontecer, provoca o nascimento da obri-gação tributária”.Fonte: Ministério da Fazenda (2009, p.26)

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INDIRETO REGRESSIVO

É aquele em que o contribuinte de fato não é o mes-mo que de direito. O exemplo clássico é o ICMS. É falsa a ideia de que o co-merciante é sempre quem paga esse im-posto; em geral, ele simplesmente rece-be do consumidor e recolhe ao Estado o imposto que está embutido no preço da mercadoria ven-dida.

E x e m p l o s : ICMS, IPI e ISS.

O tributo é regressi-vo em relação à renda do contribuinte quando a pro-porção entre o imposto a pagar e a renda decresce com o aumento do nível de renda, ou seja, não con-sidera o poder aquisitivo nem a capacidade econô-mica do contribuinte.

A regressividade é uma característica dos im-postos indiretos, como aqueles que incidem sobre o consumo, onde as alí-quotas dos impostos são as mesmas para todos os indivíduos independente-mente dos níveis de renda individuais.

Exemplo: ICMS

Fonte: Ministério da Fazenda (2009, p. 25).

Esses impostos devem ser repartidos entre a União, os Estados e os Municípios, o que pode se dar de forma direta ou indireta. Na repartição indireta das receitas tributárias, convém destacar que, no caso do ICMS, tributo estadual, 25% do total arrecadado deve ser repassado aos Municí-pios, tendo-se como critério a sua movimentação econômica. Já 48% do IR e do IPI, arrecadados pela União, devem ser distribuídos da seguinte forma:

i) 21,5% vão para o Fundo de Participação dos Estados (FPE), sendo, depois, divididos entre esses en-tes da federação segundo os critérios previstos em lei;

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ii) 22,5% destinam-se ao Fundo de Participa-ção dos Municípios (FPM) e depois são distribuídos também segundo alguns critérios legais. Esta é a principal fonte de arrecadação da maior parte dos Municípios brasileiros;

iii) 3,0% destinam-se aos programas de fi-nanciamento do setor produtivo das regiões Nor-te, Nordeste e Centro Oeste. No caso específico do Nordeste, 50% dos recursos repassados devem ser destinados ao semi-árido;

iv) No primeiro decênio do mês de dezembro de cada ano, mais 1% do valor total arrecadado deve ser repassado ao FPM;

v) 10% do IPI é repassado pela União aos Estados, de forma proporcional à participação de cada um deles nas exportações de produtos indus-trializados, respeitando-se o limite máximo de 20% por cada unidade federativa. Os Estados, por sua vez, repassam 25% do valor recebido aos seus res-pectivos Municípios, seguindo os mesmos critérios adotados para divisão do ICMS.

Quanto à repartição direta dos impostos, a legislação determina o seguinte: i) o produto da arrecadação do IRFF sobre os rendimentos pagos pelos Estados e Municípios, suas autarquias e fun-dações devem ser restituídos aos dois entes fede-rativos; ii) 50% do que for arrecado pela União de Imposto sobre a Propriedade Territorial (ITR) devem ser repassados aos Municípios onde se localiza o imóvel; e iii) 50% do que os Estados arrecadam com o IPVA devem ser repartidos entre os Municí-pios onde o veículo foi emplacado.

Conhecer a origem e a repartição dos impos-tos é importante para compreendermos a autono-mia de cada ente no nosso sistema de Federação. Lembra-se de que discutimos no início do curso que é assim que o Brasil organiza politicamente

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o seu território? Espero, então, que tenham ficado claros os tipos de imposto e a sua repartição entre a União, os Estados e os Municípios. Vamos, agora, nos ater a uma breve definição das demais espé-cies de tributo previstas na Constituição Federal?

Taxas, Contribuições de Melhoria, Empréstimos Compulsórios e Contribuições Especiais ou Pa-rafiscais.

As taxas, de acordo com o artigo 77 do Códi-go Tributário Nacional (CTN) “têm como fato gera-dor o exercício regular do poder de polícia46, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição”.

Podem se apresentar em 2 modalidades: taxas de fiscalização e taxas de serviços. As pri-meiras derivam do poder de polícia do Estado e incluem, por exemplo, taxas de localização de esta-belecimentos comerciais e taxas de licença para a construção de imóveis. As segundas têm como fato gerador o uso de determinados serviços públicos, podendo-se citar, a título de exemplo, as taxas co-bradas sobre a emissão de passaportes e as taxas de coleta de lixo.

A contribuição de melhoria, por sua vez, é instituída quando o Estado realiza obras públicas que valorizam imóveis de particulares. Pode ser co-brada por qualquer um dos entes tributantes. Tem como limite total a despesa realizada. E, como li-mite individual, o cálculo que se faz do valor acres-cido a cada imóvel beneficiado pela obra pública.

Já as contribuições especiais ou parafiscais só podem ser instituídas pela União47. Dividem-se entre contribuições sociais, interesses de categorias pro-fissionais e interesses de categorias econômicas.

46Poder de Polícia é o “poder que o Estado tem de fi scalizar e limitar a liberdade dos particulares tendo em vista o interesse público. Trata-se de um poder disciplinador, que lhe permite intervir nas atividades dos seus cidadãos para garantir a ordem e a segurança, de sorte a tornar viável a vida em sociedade”. Fonte: Ministério da Fazenda (2009, p.26)

47Temos, aqui, uma única exceção. Es-tados e Municípios podem instituir contribuição social, a ser cobrada dos seus servidores, para fi ns de custeio de sistemas de previdência e assistência social criados em benefício de tais servidores.

Fonte: Ministério da Fazenda (2009)

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A contribuição social é usada para financiar o sistema de seguridade social, que contempla as previdências sociais, a assistência à saúde e a as-sistência social. No caso brasileiro, podemos des-tacar, dentre elas: i) a contribuição previdenciária, paga por empregados, empregadores e autônomos ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), de acordo com a sua remuneração; o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS); o Programa de Integração Social (PIS); o Programa de Forma-ção do Patrimônio do Servidor Público (PASEP); a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins); e a Contribuição Social sobre o Lu-cro Líquido (CSLL).

As contribuições de interesse de categorias profissionais são destinadas ao custeio das ati-vidades de controle, fiscalização e disciplina do exercício profissional. Incluem, por exemplo, as anuidades cobradas pelos Conselhos Federais de engenheiros, médicos, advogados, etc.

Já as contribuições de interesse de categorias econômicas têm caráter compulsório, sendo cobra-das de empregados e empregadores para repasse aos seus órgãos de representação de interesses, como sindicatos e entidades empresariais setoriais.

Chegamos, por fim, à última espécie tributá-ria prevista na Constituição Federal: os emprésti-mos compulsórios. Estes só podem ser instituídos pela União, e somente com 2 finalidades: i) fazer frente a despesas extraordinárias, geradas por fa-tores como calamidade pública e guerra; e ii) gerar recurso para investimentos públicos considerados urgentes e de relevância nacional. Na realidade, o fato gerador do empréstimo não está explicitado na Constituição Federal. Mas ele deve, em algum momento, obrigatoriamente, ser restituído ao con-tribuinte (MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2009).

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Se é bastante complexa a estrutura de forma-ção das receitas públicas, no caso das despesas, assunto que discutiremos a seguir, o fundamental é compreender a necessidade de reduzi-las para o equilíbrio das contas públicas. O Estado tem uma série de gastos com pessoal, saúde, educação, segurança, obras, etc., necessários para o cumpri-mento das suas finalidades e operacionalização dos serviços públicos. Vamos, então, nos deter so-bre uma breve reflexão acerca do comportamento desses gastos?

As despesas públicas

Os gastos públicos, incluídos na política or-çamentária, a ser discutida no nosso próximo as-sunto, apresentam, em todo o mundo, uma ten-dência histórica de aumento da sua participação no Produto Interno Bruto48 (PIB) de diversos países. Isso se deve a fatores como o envelhecimento da população, que eleva as despesas, por exemplo, com a previdência social e os serviços de saúde, e as necessidades criadas pelo aceleramento do processo de urbanização. Normalmente, para fazer frente a esse crescimento, os governos recorrem à elevação das cargas tributárias, que, no caso bra-sileiro, segundo Giacomoni (2009), geram receitas equivalentes a cerca de 35% do nosso PIB.

Como observa o autor, no Brasil, as despesas públicas começaram a crescer a partir da Segunda Guerra Mundial. Sua participação no PIB nacional, de 17% em 1947, em 1969 já havia se elevado para 25%. Entre o final da década de 1970 e o início da de 1980 houve aumentos e reduções, com esse per-centual subindo para 33,43%, em 1979, e 38,3%, em 1980. Depois, caíram para 37,59%, em 1981, e 36,97%, em 1982.

48“O Produto Interno Bruto é o principal medidor do crescimento econômico de uma região, seja ela uma cidade, um estado, um país ou mesmo um grupo de nações. Sua medida é feita a partir da soma do valor de todos os serviços e bens produzidos na região escolhida em um período determinado”. O PIB é medido a partir do seguinte cálculo: consumo privado + investimentos totais feitos na região + gastos do governo + exportações – importações.

Fonte: http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/pergun-tas_respostas/pib/produto-interno--bruto-pib.shtml

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Foi o grande período do Estado intervencio-nista e desenvolvimentista, que viria, depois, ser colocado em xeque ao longo da década de 1990. Lembra-se de termos estudado, no início do nosso curso, que, a partir daí, foram desencadeados os processos voltados para a redução do tamanho do Estado e para a orientação da Administração Públi-ca no sentido gerencial?

Matias-Pereira (2009) localiza em 1982, quan-do tivemos a grande crise da dívida externa, um processo de transformação das finanças públicas no Brasil. A partir deste ano, diz o autor, fenômenos como o retorno da democracia e a maior autonomia financeira conferida a Estados e Municípios pela Constituição Federal de 1988 reduziram substan-cialmente a possibilidade de controle das políticas de contenção fiscal por parte da União.

Verificou-se então, diz ele, um processo de fragilização do endividamento público. Paralela-mente, como a redemocratização ampliou o espaço para atendimento das demandas sociais reprimidas ao longo dos governos militares instalados no País. A partir do golpe de 1964, foram inibidos os estí-mulos ao desenvolvimento de uma cultura de res-ponsabilidade fiscal entre os políticos e gestores públicos brasileiros.

Porém, como já vimos na nossa discussão sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal, e nos apro-fundaremos a seguir, ao estudar o processo orça-mentário atual, nos últimos anos, diversos avan-ços foram registrados nessa direção. Lembra-se de termos visto como a LRF foi um mecanismo fun-damental para orientar a ética, a honestidade e a responsabilidade na gestão dos recursos públicos no Brasil?

Assim, o que talvez se precise ressaltar é que o Estado deve buscar uma adequação satisfatória

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entre receitas e despesas. Deve procurar combater seus déficits, sem, no entanto, perder de vista a sua finalidade de promoção do bem comum, es-sencialmente ligada à provisão de diferentes servi-ços sociais e econômicos. Como nos alerta Madeira (2010, p.230), é preciso planificar as despesas “em função das necessidades da sociedade, em vez de fazê-lo exclusivamente para atender aos recursos financeiros”.

INDICAÇÃO DE LEITURA COMPLEMENTAR

Para melhor entendimento do que acabamos de es-tudar, leia os textos: Atividade financeira do Esta-do, no capítulo 28 (p. 213-224) e Finanças Públicas Contemporâneas, no capítulo 29 (p. 225-230) do livro de:

MATIAS-PEREIRA, José. Curso de Administração Pú-blica: foco nas instituições e ações governamen-tais. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

Nestes 2 capítulos do livro, José Matias-Pereira apresenta uma série de conceitos e teorias aca-dêmicas sobre as finanças públicas. E faz um apa-nhado de como, contemporaneamente, esse tema é balizado pelas contribuições de autores clássicos da economia, como Adam Smith e John Maynard Keynes, além de abordar o debate recente sobre a política fiscal.

Para melhor se inteirar sobre os aspectos existen-tes no Sistema Tributário brasileiro, leia o livro: MINISTÉRIO DA FAZENDA. Função Social dos Tribu-tos/Programa Nacional de educação fiscal. 4. ed. Brasília: ESAF, 2009.

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Na obra, um dos cadernos do Programa Nacional de Educação Fiscal, a Escola de Administração Fa-zendária (ESAF), do Ministério da Fazenda, apresen-ta um quadro detalhado e em linguagem simples sobre o Sistema Tributário Nacional. Conta-nos, por exemplo, a origem dos tributos no Brasil e no mundo, explica a repartição das receitas tributárias entre os entes da federação e aborda as formas legais de se evitar o pagamento tributário.

PARA REFLETIR

Eis mais uma reflexão para você compartilhar com os colegas de turma, no ambiente AVA: sempre ou-vimos dizer que o Brasil precisa de uma reforma fiscal, com o objetivo de desonerar a produção e tornar nossa economia mais competitiva. Mas, como reduzir as receitas públicas e fazer frente às demandas sociais de um país com carências tão abrangentes como as nossas? Ou será que podería-mos equacionar o problema mediante uma melhor gestão dos recursos e das despesas públicas?

4.3. O Processo Orçamentário

No Brasil, podemos identificar diferentes marcos para o avanço do processo público orça-mentário. Primeiramente, em 1964, tivemos a Lei nº 4.320, chamada de “Lei de Finanças Públicas”, encarregada de fixar as normas gerais do proces-so. Nela foram estabelecidos os princípios básicos do orçamento público, válidos até os dias atuais,

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que são assim definidos pelo Ministério da Fazenda (2009).

Princípio da unidade – significa que cada uni-dade governamental deve ter um único orçamento.

Princípio da universalidade – é uma forma de garantir que todas as arrecadações envolven-do recursos financeiros, assim como sua posterior aplicação, submetam-se à apreciação e aprovação do Legislativo. Assim, do orçamento deve constar a totalidade de receitas e despesas previstas para certo período de tempo.

Princípio da exclusividade – a lei orçamentá-ria não pode tratar de outros assuntos que não a previsão de receitas e a fixação de despesas. A úni-ca exceção diz respeito à abertura de créditos su-plementares e contratação de operações de crédito.

Princípio da anualidade – estabelece que o orçamento deve compreender o exercício de um ano fiscal, cobrindo o período que vai de janeiro a dezembro.

Princípio do equilíbrio – determina que, no programa orçamentário, as despesas não podem ultrapassar as receitas.

Princípio da publicidade – estipula que ao or-çamento público deve ser dada ampla divulgação, com a publicação obrigatória em diário oficial.

Princípio da discriminação ou especialização – determina que, no orçamento, despesas e recei-tas sejam descritas de forma pormenorizada, deta-lhando a origem e a aplicação dos recursos.

Princípio do orçamento bruto – estipula que todas as receitas e despesas colocadas no orça-mento apareçam em seus valores brutos.

Posteriormente à Lei 4.320/64, veio o Decre-to-Lei nº 200, de 1967, que dividiu o aparelho do Estado entre Administração Pública direta e indire-

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ta. Embora o decreto tenha sido fundamental para reorganizar o aparelho estatal, o grande salto na área se deu mesmo a partir da Constituição Federal de 1988, que instituiu os 3 instrumentos centrais para o planejamento e o orçamento no Brasil: o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamen-tárias (LDO) e a Lei do Orçamento Anual (LOA), a serem elaborados e executados por cada esfera de Governo. São sobre esses instrumentos que passa-remos, agora, a concentrar o nosso estudo.

O Plano Plurianual (PPA)

Sintetizador dos esforços empreendidos no sentido de planejar toda a Administração Pública, o Plano Plurianual (PPA) serve como norte para a elaboração dos outros planos e programas de Go-verno, bem como do orçamento anual. Sua função básica é a de estabelecer as metas, objetivos e diretrizes da Administração, discriminando os pro-gramas por ela idealizados para atender às neces-sidades da população.

O PPA desdobra-se em uma série de ações, cujas despesas de capital e de custeio devem estar detalhadas, bem como as despesas dos programas de duração continuada. Neste último conceito se enquadram, por exemplo, os programas voltados para a manutenção de hospitais e postos de saúde, equipamentos de segurança, etc.

Tomemos como exemplo o caso em que o Governo pretende promover a expansão da rede escolar. No PPA, devem ser descritas não apenas as receitas e despesas previstas para o projeto, mas, também, todas aquelas envolven-do construções, compras de equipamento e os custos com a manutenção das novas unidades. Isso além de gastos tradicionais como aqueles

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destinados ao pagamento dos salários dos pro-fessores e aquisição de merenda e material di-dático, dentre outros itens (MINISTÉRIO DA FA-ZENDA, 2009).

Sempre que possível, essas despesas devem ser apresentadas de forma regionalizada, expressão ainda hoje de difícil entendimento, principalmente quando aplicada às esferas estadual e municipal49. O fundamental é que todas as ações estejam cor-relacionadas com suas respectivas fontes de fi-nanciamento. Mas esse instrumento orçamentário apresenta uma série de outras características, deta-lhadas no Quadro XII.

Quadro XII – características do PPA

Diretrizes Programas Objetivos Ações Metas

Conjunto de critérios de ação e de decisão que devem orientar e disciplinar o processo.

Identificam um conjunto de ações a serem implemen-tadas, cuja finalidade é buscar o atendimento das Diretri-zes.

Resultados que se buscam al-cançar com a realização das Ações propostas.

Representam os meios e instrumentos necessários para o aten-dimento do objetivo de um Progra-ma, devendo ser identi-ficadas por projetos, ati-vidades ou operações especiais.

Objetivos traduzidos em nú-meros, ou seja, quan-tidades de produto que se pretende alcançar com cada Ação.

Fonte: Ministério da Fazenda (2009, p. 21).

A ideia é que o PPA se encontre atrelado

aos programas apresentados por candidatos a Pre-sidente, Governador e Prefeito durante os pleitos

49Por que a regionalização é de difícil entendi-mento? Porque, em âmbito federal, ela se dá segundo o parâmetro Sudeste, Sul, Centro--Oeste, Norte, Nordeste. Estados e municípios, porém, não têm essa divisão tão demarcada assim. Em Minas Gerais, por exemplo, nem todos os municípios do Vale do Rio Doce encontram-se no Leste do Estado. Qual é a melhor regionalização? Sul, Leste, Norte ou Vale do Rio Doce, Zona Metalúrgica, etc.?

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eleitorais. Durante essas disputas, os candidatos não discutem com a sociedade e os seus concor-rentes os seus programas para áreas diversas, como saúde, educação e segurança? Pois um dos objetivos da Constituição Federal ao criar o PPA foi exatamente evitar a descontinuidade dos progra-mas e políticas governamentais em função de mu-danças de pessoas que se encontram nos postos de comando.

O PPA tem uma perspectiva temporal de longo prazo, cobrindo um período de 4 anos de duração, que vai do início do segundo ano do governante no poder ao primeiro ano do gover-no subsequente. Por qual razão ele se estende para além do mandato atual? Porque os Execu-tivos eleitos precisam de prazo para preparar o seu plano de ações. E não poderiam colocá-lo em prática sem, antes, submetê-lo à apreciação e aprovação dos seus respectivos Legislativos. Mas convém esclarecer que o sucessor, respei-tando alguns limites legais, poderá promover adaptações no plano relativo ao seu primeiro ano de governo.

Na realidade, o PPA deve ser avaliado e revi-sado anualmente, justamente para que se façam as necessárias adaptações. Mas, até a data de produ-ção deste curso, não havia sido aprovada nenhuma Lei Complementar para regular o assunto, conforme determina a Constituição Federal.

Cada ente federativo, portanto, vinha promo-vendo a seu modo as reavaliações anuais, impor-tantes para o aperfeiçoamento das ações previstas. Particularmente porque, como discutiremos a se-guir, o PPA orienta a elaboração da LOA e da LDO, os outros 2 instrumentos orçamentários à disposi-ção da Administração Pública no Brasil (MINISTÉ-RIO DA FAZENDA, 2009a).

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A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)

De caráter anual, a Lei de Diretrizes Orça-mentárias (LDO) tem o objetivo de definir priori-dades e metas fiscais que, posteriormente, irão nortear a elaboração da proposta orçamentária. Ela alterou fundamentalmente o modelo em vi-gor até a Constituição Federal de 1988, ao per-mitir a participação do Legislativo nos critérios de elaboração do Orçamento. Limitados durante o regime militar a examinar as propostas pron-tas encaminhadas pelo Executivo, os parlamen-tares, a partir da instituição da LDO, passaram a ter possibilidades efetivas de debater essas propostas.

A LDO, de acordo com o determinado pela Constituição Federal, deverá: i) definir as metas e prioridades da Administração Pública, incluin-do as despesas de capital a serem realizadas no ano posterior à sua aprovação; ii) orientar a elaboração da Lei Orçamentária Anual (LOA); iii) dispor sobre possíveis mudanças na legislação tributária; e iv) definir como as agências finan-ceiras oficiais de fomento irão aplicar os seus recursos.

Tem, ainda, a incumbência de disciplinar ou-tros assuntos fundamentais para a Administração, como os parâmetros a serem observados para es-tabelecimento das remunerações no âmbito do Le-gislativo; os limites para as propostas orçamentá-rias do Poder Judiciário e do Ministério Público; e a concessão de benefícios, vantagens e aumentos de remuneração para pessoal dos órgãos integrantes da Administração Pública direta e indireta (GIACO-MONI, 2009).

É também à LDO que cabe a explicitação das metas e prioridades relativas ao desdobramen-

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to de ações previstas no PPA. Recorramos a um exemplo do Ministério da Fazenda (2009a) para entender melhor essa relação entre a LDO e o PPA. Imaginemos que deste último constem programas com as seguintes ações e metas, especificadas no Quadro XIII.

Quadro XIII – Simulação de programas e metas de um PPA

Programa Meta

Melhoria no Atendimen-to da Saúde

Construção de 10 pos-tos de saúde

Moradia Popular Construir 2 mil unidades

Recuperação das vias urbanas

Pavimentar 50 Km de vias

Fonte: Elaboração da autora, a partir de Ministério da Fazenda (2009a)

É a LDO que, efetivamente, irá definir quais dessas metas e ações devem ser tidas como prio-ritárias, bem como o quanto de cada meta deverá ser executado no Orçamento do ano seguinte. Ela é que determinará, por exemplo, se a prioridade é construir os postos de saúde ou executar as obras de pavimentação. Caso opte pela segunda proposta, por exemplo, dirá quantos quilômetros de rua deverão, efetivamente, ser pavimentados, quantidade que não precisa, obrigatoriamente, ser aquela prevista no PPA.

A Lei Orçamentária Anual (LOA)

Também de competência do Poder Execu-tivo, a Lei Orçamentária Anual (LOA) é um ins-trumento autorizativo, que traz a estimativa de receita e a discriminação da despesa apreciada e aprovada pelo Legislativo. O que queremos

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dizer quando afirmamos que a LOA tem caráter autorizativo?

É que, embora depois de aprovada ela se transforme no Orçamento do ano seguinte, a despesa nela autorizada não precisa, obrigatoria-mente, ser realizada pelo Governo. A LOA apenas estipula o limite do gasto em cada ação. E impe-de que os recursos públicos sejam aplicados em outras ações não autorizadas, abrindo-se exce-ção, somente, para os casos de catástrofe.

Atrelada àquilo que foi aprovado na LDO, a LOA, na realidade, tem a função de quantificar os gastos que podem ser realizados pelo Go-verno no ano posterior à sua aprovação. É nela que se manifesta o princípio do equilíbrio entre receitas e despesas, ou seja, a determinação de que o gasto não pode superar a arrecadação. Na LOA, as despesas aparecem de forma discrimi-nada, indicando o órgão de Governo e a função em que ela será realizada, bem como qual a ori-gem de cada recurso a ser aplicado (MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2009a).

Prazos e Aprovação do Orçamento

O prazo para envio, apreciação, aprovação e vigência de cada um dos instrumentos de pla-nejamento orçamentário varia conforme o esta-belecido nas Constituições Federal e Estaduais e na Lei Orgânica dos Municípios. A título de exemplo, vamos observar o caso da União, ex-plicitado no Quadro XIII. No âmbito federal, se a LOA não for encaminhada ao Legislativo até 31 de agosto, o Presidente da República incorre em crime de responsabilidade.

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Quadro XIV: Prazos das Leis Orçamentárias

Lei Orça-mentária

Prazo de encami-

nhamento ao Legisla-

tivo

Prazo de devolução ao Execu-tivo para sanção e

publicação

Prazo de vigência

Plano Plurianual - PPA

31 de agosto do primeiro ano do mandato

15 de dezembro do primei-ro ano do mandato

4 anos, a contar do 2º de cada adminis-tração, até o 1º da seguinte, inclusive

Lei de Diretrizes Orçamen-tárias – LDO

15 de abril de cada ano

30 de junho de cada ano

Ano seguinte ao que é apresen-tado ao Legislativo

Lei Orça-mentária Anual - LOA

31 de agosto de cada ano

15 de de-zembro de cada ano

Ano seguinte ao que é apresen-tado ao Legislativo

Fonte: Ministério da Fazenda (2009 a, p.18)

Para encerrar nossa discussão e entendermos um pouco mais a complexidade do processo orça-mentário no Brasil, vamos verificar como se dá a sua elaboração, dividida em uma série de fases? Observe as características de cada uma dessas eta-pas no Quadro XV, tendo-se como referência o or-çamento da União.

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Quadro XV- Etapas do processo de elaboração da proposta orçamentária federal

Etapas Características

1ª - Planejamento do processo de ela-boração da proposta

• Define a estratégia do processo de elaboração da proposta, por meio da identificação de eta-pas, produtos e agentes responsáveis, bem como seus respectivos papéis.

• Estabelece-se a metodo-logia de projeção de re-ceitas e despesas, bem como o fluxo de elabo-ração da proposta orça-mentária.

2ª - Definição de macrodiretrizes

• Dá as diretrizes para a elaboração da proposta orçamentária, observan-do parâmetros macroeco-nômicos, metas e riscos fiscais e os objetivos das políticas monetária, cam-bial e de crédito.

• Faz os demonstrativos da expansão das despesas obrigatórias de caráter continuado, conforme de-terminação da LRF.

3ª - Revisão da es-trutura programática

• Ocorre a revisão, por meio de uma série de órgãos e entidades estatais, da es-trutura programática do PPA.

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4ª - Avaliação da Ne-cessidade de Finan-ciamento do Gover-no Central (NFGC)

• Verifica-se a avaliação e aprovação das estimati-vas e receitas previstas na NFGC.

5 ª - Estudo, defini-ção e divulgação de Limites para as pro-postas setoriais

• São estabelecidos os li-mites monetários para a apresentação da propos-ta orçamentária dos ór-gãos setoriais.

• Os órgãos setoriais estabe-lecem limites para as suas unidades orçamentárias.

6ª - Captação das propostas setoriais

• Ocorre o detalhamento das propostas pelas uni-dades orçamentárias e ór-gãos setoriais.

7 ª - Análise a ajuste das propostas seto-riais

• A Secretaria do orçamen-to federal (SOF) analisa, ajusta e define as propos-tas setoriais.

8 ª - Fechamento, compat ib i l i zação e consolidação da proposta orçamen-tária

• São indicadas as fontes de recursos da proposta orçamentária aprovada pelo Ministério do Plane-jamento e a Presidência da República.

• Essa proposta é consoli-dada e compatibilizada com a Constituição Fede-ral, o PPA, a LDO e a LRF.

9 ª - Elaboração e formalização da Mensagem Presiden-cial e do projeto de lei orçamentária

• São preparadas a Mensa-gem Presidencial e o tex-to do projeto de lei orça-mentária, a ser enviado ao Congresso Nacional até 31 de agosto de cada ano.

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10 ª - Elaboração e formalização das informações comple-mentares ao projeto de lei orçamentária

• Até 15 dias após o en-vio do projeto de lei or-çamentária, informações complementares são pre-paradas e encaminhadas ao Congresso Nacional.

Fonte: Elaboração da autora, a partir de Giacomoni (2009, p.240-242)

Deve-se observar que, no Legislativo, as propostas do Executivo seguem para as comis-sões de orçamento, onde as emendas de parla-mentares podem ser incorporadas ao projeto ori-ginal. Posteriormente, o projeto emendado pode ser total ou parcialmente vetado pelo Executivo. Em caso de veto, retorna às discussões no Le-gislativo, que pode, ou não, aceitar as recusas apresentadas.

INDICAÇÃO DE LEITURA COMPLEMENTAR

Para um entendimento amplo sobre o processo de planejamento e orçamento no Brasil, leia o livro: GIACOMONI, James. Orçamento público. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

Nesta obra, James Giacomoni faz uma análise abrangente do orçamento público, abordando desde as razões para a tendência de crescimento das despesas públicas no Brasil e no mundo, até os detalhes de cada um dos instrumentos orça-mentários apresentados no nosso curso: o PPA, a LDO e a LOA. Explica as características técnicas e políticas do processo orçamentário, com avalia-ções críticas acerca do seu desdobramento sobre os programas e ações governamentais.

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Para entender melhor a relação entre o orçamento público e a organização da sociedade, leia a obra: MINISTÉRIO DA FAZENDA. Gestão Democrática dos Recursos Públicos/Programa Nacional de Educação Fiscal. 4. ed. Brasília: ESAF, 2009a.

Neste 4º caderno do Programa Nacional de Edu-cação Fiscal, a Escola de Administração Fazendária (ESAF) faz uma descrição completa do ciclo orça-mentário, porém com linguagem simples e exem-plos que facilitam o nosso entendimento acerca do tema. E estimula uma discussão sobre como a so-ciedade pode acompanhar a prestação das contas públicas, mediante a atuação de diferentes organis-mos de representação popular.

PARA REFLETIR

Como evitar que os parlamentares brasileiros usem o orçamento com o objetivo de atender a necessi-dades específicas dos seus redutos eleitorais? Seria possível aperfeiçoar o processo orçamentário por meio de outros mecanismos operacionais, além dos já existentes? Ou a questão não passa por mais instrumentos de controle? Compartilhe sua reflexão com os colegas no AVA.

4.4. A Contabilidade Pública e a Auditoria Pública

Essencial como apoio ao processo decisório, bem como ao exercício das atividades de controle dos atos da Administração, a contabilidade pública assume crescente importância no Brasil. É por meio dela que o

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administrador consegue medir os custos e resultados das suas ações, sob o aspecto financeiro; prestar con-tas ao próprio Poder Público e à sociedade; e tornar disponíveis diversas informações importantes para a tomada de decisões no âmbito da Administração.

No Brasil, a contabilidade pública é regida pela Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, e pela Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (LRF). A primeira, voltada para a elaboração e o controle dos orçamentos e balanços da Adminis-tração Pública nas três esferas de Governo, cuida das normas gerais do direito financeiro. A segunda, como já estudamos no nosso curso, institui normas destinadas a aumentar a responsabilidade da Ad-ministração Pública em sua gestão fiscal.

Mas no que, exatamente, consiste a contabili-dade pública? Do ponto de vista científico, ela pode ser definida como uma disciplina voltada para regis-tro, controle e apuração dos atos e fatos administra-tivos e econômicos que envolvem o orçamento, as finanças e o patrimônio das entidades integrantes da Administração Pública (MATIAS-PEREIRA, 2009). Vamos verificar, então, quais são as suas funções?

Funções da Contabilidade Pública

Com base no definido pela Lei 4.320/64, Feijó (2007, p.4) resume, da seguinte forma, quais são as funções da contabilidade pública no Brasil:

i) registrar a previsão da receita e a fixação da despesa relativas ao Orçamento aprovado para o exercício;

ii) escriturar a execução orçamentária da re-ceita e da despesa;

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iii) confrontar a previsão das receitas com a realização das despesas;

iv) controlar as operações de crédito, a dívida ativa, os créditos e as obrigações;

v) revelar as variações patrimoniais e mostrar o valor do patrimônio.

Em linguagem mais simples, sem recorrer aos

por vezes inevitáveis jargões técnicos envolvidos na discussão do tema, Martins Silva (2004), citado por Matias-Pereira (2009, p.233), elenca como principais objetivos da contabilidade pública o fornecimento de dados acerca: da organização e execução orçamentá-ria; das normas instituídas para registro de entradas de receitas e desembolso de despesas; do registro, controle e acompanhamento de variações observadas no patrimônio público; de normas que orientem os responsáveis por bens e valores a procederem à pres-tação de contas; e o controle dos custos e do grau de eficiência atingido pelo setor público em suas ações.

A Operacionalização e os Dois Conceitos Cen-trais da Contabilidade Pública

No âmbito da União, a contabilização das operações se dá por intermédio do Sistema Integra-do de Administração Financeira do Governo Federal (SIAFI). Este é, na verdade, um sistema informati-zado, desenvolvido e operado pelo Serviço Federal de Processamento de Dados (SERPRO), e supervi-sionado pelo Ministério da Fazenda.

Por meio da instalação de terminais remotos nas unidades gestoras e repartições localizadas em diferen-tes Estados do País, o SIAFI possibilita a padronização de métodos e rotinas de trabalho. O mesmo objetivo se estende às outras esferas de Governo, que contam com

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um serviço informatizado instituído nos mesmos moldes do SIAFI, denominado Sistema Integrado de Administra-ção Financeira de Estado/Município (SIAFEM).

Nas demonstrações financeiras, dois concei-tos se mostram fundamentais: o de conta de ren-dimento e o de conta de capital (MATIAS-PEREIRA, 2009). Observemos, no Quadro XVI, o que cada uma dessas contas compreende, no capítulo de re-ceitas e no capítulo de despesas.

Quadro XVI – Conta de Rendimento e Conta de Capital

Conta No capítulo de ReceitasNo capítulo de

Despesas

De Rendimento • Lucros advindos da ven-da de bens e serviços do próprio setor público

• Transferências correntes de unidades econômi-cas, verificadas dentro do País

• Transferências provenien-tes do exterior

• Impostos

• Despesas correntes em bens e serviços

• Juros da dívida pública • Subvenções governa-mentais

• Transferências corren-tes à economia interna e ao setor internacional

• Parcela residual equiva-lente à poupança públi-ca

De Capital • Poupança do setor públi-co, como parcela do ajus-te da conta de rendimento

• Transferências de capital decorrentes de emprés-timos junto a economias domésticas (famílias e in-divíduos), empresas e ao exterior

• Impostos sobre os fun-dos ou patrimônios das economias domésticas e das empresas

• Formação bruta de ca-pital fixo

• Aumento dos estoques• Empréstimos e trans-ferências de capital a economias domésticas, a empresas e ao exte-rior.

Fonte: Elaborado pela autora, a partir de Matias-Pereira (2009, p.236 e 237).

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Embora as demonstrações contábeis sejam fundamentais para o controle da receita e da des-pesa pública, a partir da aprovação da Lei de Res-ponsabilidade Fiscal, elas também passaram a am-parar o conceito de accountability governamental, que já abordamos no nosso curso. Lembra-se?

Isso porque a LRF definiu a forma do Re-latório Resumido da Execução Orçamentária (seu conteúdo e as formas de dar publicidade às infor-mações), bem como o Relatório de Gestão Fiscal, que também abordamos anteriormente. Neste últi-mo documento, convém reforçar, demonstra-se se foram atingidas as metas e observados os limites definidos na LRF; se há correta vinculação entre receitas e despesas; o que já foi aplicado e se há algum saldo remanescente.

Percebeu, então, que a contabilidade pública é um instrumento de apoio à efetividade da Lei de Responsabilidade Fiscal? O mesmo acontece com a auditoria interna, assunto que discutimos a seguir.

A Auditoria Pública

Já falamos aqui sobre diversas formas de controle da Administração Pública: aquele realizado por órgãos como a Controladoria Geral da União e os Tribunais de Contas; pela Lei de Responsabilida-de Fiscal; pelos mecanismos integrantes do proces-so orçamentário e, finalmente, na nossa última dis-cussão, pelas próprias demonstrações contábeis. Pois o controle interno e a contabilidade caminham lado a lado com a auditoria interna do setor públi-co. São suas fontes indispensáveis de alimentação.

Podemos definir a auditoria interna no se-tor público como um “conjunto de procedimentos e técnicas, aplicados ao exame da regularidade, da economicidade, da eficiência e da eficácia dos atos

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e dos fatos administrativos praticados na gestão de bens públicos” (ALVES; REIS, 2005, p. 841).

Seu objetivo não é apenas corrigir erros, des-perdícios, negligências e omissões dos gestores públicos, mas sim, tentar se antecipar a esse tipo de problema. A finalidade da auditoria é exatamen-te deixar claro para os gestores se os procedimen-tos se dão em um nível adequado de regularidade e eficiência. De posse dessas informações, eles têm como orientar a gestão na direção da eficácia, me-lhorando seus resultados operacionais.

Tipos de Auditoria

A auditoria interna no setor público é reali-zada com finalidades diversas. A título de exemplo, podemos citar que elas são úteis para verificar a observância dos princípios já citados – economi-cidade, eficiência, etc. – na gestão orçamentária, financeira e patrimonial; para avaliar o desempe-nho administrativo e operacional das unidades da Administração e se há uma adequada utilização de bens e valores públicos. Quanto ao tipo, as audito-rias podem ser:

i) auditoria de gestão: verifica se contas, con-tratos, convênios e acordos foram realizados com honestidade. Dessa forma, examina se bens e valo-res envolvidos existem fisicamente, se está correta a documentação exigida nos atos e fatos adminis-trativos; se foram cumpridos os dispositivos previs-tos na legislação, etc.

ii) auditoria de programas: examina, avalia e observa se programas específicos estão sendo realizados adequadamente.

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iii) auditoria operacional: particularmente concentrada na avaliação da eficácia de resulta-dos quanto aos diferentes tipos de recurso públi-co disponíveis, concentra-se na análise de ações gerenciais. Destina-se, também, a verificar se os controles internos da gestão dos recursos públicos realizam-se segundo critérios de economicidade e eficiência.

iv) auditoria contábil: voltada para o controle do patrimônio, é realizada por meio da coleta e análise de um conjunto de informações em regis-tros e documentos.

v) auditoria de sistema: destinada a verificar a adequação e privacidade das informações oriun-das dos sistemas eletrônicos de processamento de dados.

vi) auditoria especial: solicitada por autorida-des como o Presidente da República e Ministros de Estado, examina fatos extraordinários ou incomuns (ALVES; REIS, 2005).

Percebeu que o conceito de auditoria interna se parece muito com o que abordamos na nossa discussão sobre o papel dos Tribunais de Contas no controle externo da Administração? O controle lá estudado, porém, costuma se dar a posteriori, ou seja, após a concretização do fato, no exame da prestação de contas por parte do político ou gestor.

No caso da auditoria interna o controle pode ocorrer, também, em dois outros momentos distin-tos: prévio e concomitante. Aquele realizado an-tes que o ato seja concluído ou operacionalizado, normalmente se aplica ao exame e avaliação das peças orçamentárias. O que se dá ao mesmo tempo

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da realização do ato é normalmente utilizado para monitoramento da execução dos serviços públicos. Por fim, o controle subsequente à realização do ato, a exemplo do verificado na atuação dos Tribu-nais de Contas, geralmente se destina à verificação da prestação de contas, de forma a comprovar se a ação pública atendeu a uma série de critérios técnicos, operacionais e legais.

A relação entre a Auditoria e a Lei de Respon-sabilidade Fiscal

Já está claro para você que, na Administração Pública, os diversos mecanismos e ferramentas dis-poníveis para a boa gestão dos recursos públicos não podem ser vistos isoladamente? Que a Lei de Responsabilidade Fiscal, por exemplo, tem influên-cia direta sobre o processo orçamentário, ao fixar limites a serem obedecidos por políticos e gestores e regras a serem respeitadas em relação ao equi-líbrio entre receitas e despesas? Pois, da mesma forma, a auditoria interna é peça fundamental para o cumprimento daquilo que a LRF determina.

A Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece uma série de penalidades para o ente que desres-peita os seus dispositivos. Ele fica proibido, por exemplo, de ter acesso às transferências voluntá-rias relativas aos impostos. A LRF tem, como instru-mento complementar, a Lei de Crimes Fiscais (Lei n. 10.028), na qual estão prescritas as penalidades para o gestor que descumprir as regras do jogo – perda do cargo, multas e prisão, por exemplo.

A auditoria interna no setor público desempenha papel auxiliar semelhante ao desta última lei, ajudando “o gestor no acompanhamento dos limites previstos, dos demonstrativos, dos balanços, além da análise dos relatórios” (SOARES, 2009, p.8). Ou seja, enquanto

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a Lei de Crimes Fiscais pune, a auditoria procurar orien-tar os gestores, a fim de que eles não incorram em er-ros, faltas e omissões. Juntos, portanto, como ressalta essa última autora, os 3 instrumentos se completam para garantir a eficiência e a transparência da gestão, ampliando a accountability governamental.

INDICAÇÃO DE LEITURA COMPLEMENTAR

Para uma análise mais detalhada da contabilidade pública, leia o texto: Contabilidade pública e con-trole na Administração Pública. No capítulo 30 (p. 231- 238) do livro de:

MATIAS-PEREIRA, José. Curso de administração pú-blica: foco nas instituições e ações governamen-tais. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

Nesta parte da obra, José Matias-Pereira estabelece uma relação entre a contabilidade e o controle no setor pú-blico, abordando, por exemplo, os tipos de fiscalização autorizados pela Constituição Federal. O autor também apresenta um interessante quadro síntese sobre o dis-ciplinamento do tema, que nos permite apreender seus principais conceitos, objetivos e campos de aplicação.

Para saber mais sobre a auditoria interna no Brasil, leia o texto: Auditoria Interna no Setor Público, de:

ALVES, Ana Lilian Zucareli Sousa; REIS, Jorge Augusto Gonçalves dos. Auditoria Interna no Setor Público. In: IX Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e V Encontro Latino Americano de Pós-Graduação Da Universidade do Vale do Paraíba, 2005. Disponível em <http://biblioteca.univap.br/dados/INIC/cd/inic/IC6%20anais/IC6-63.PDF>. Acesso em 27 out. 2010.

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185Tema 4 | Atividade Financeira do Estado Brasileiro

No artigo, bastante sucinto, os autores fazem uma ex-posição didática do conceito de auditoria, suas prin-cipais modalidades e as normas a serem seguidas na sua execução. Por meio do exemplo de um órgão do Comando da Aeronáutica, mostram o passo a passo a ser seguido para a instituição de exames de auditoria.

PARA REFLETIR

Temos, no setor público brasileiro, um sistema contábil que segue os padrões internacionais e uma série de normas para orientar a realização de auditorias inter-nas. Ou seja, uma série de instrumentos legais e fiscais para amparar o controle antes, durante e após a efe-tivação da ação pública. Por que, então, encontramos tanta dificuldade em mensurar critérios como eficiên-cia, eficácia e economicidade dos projetos e programas governamentais? Discuta com seus colegas no AVA.

RESUMO DO TEMA

Neste tema, procuramos nos inteirar acerca dos di-ferentes aspectos envolvendo a atividade financei-ra do Estado no Brasil. Quando examinamos as re-gras do processo de licitação, o orçamento público, as finanças, a contabilidade e a auditoria interna, pudemos verificar que, na verdade, todos esses as-suntos se encontram relacionados ao que discuti-mos no tema anterior: a necessidade da existência

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de uma série de mecanismos para controle da Ad-ministração Pública. Vimos assim, que, no nosso campo de estudo, aspectos políticos, econômicos, sociais e fiscais encontram-se entrelaçados quando queremos garantir uma boa gestão dos recursos estatais.

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187Tema 4 | Atividade Financeira do Estado Brasileiro

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