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Acórdãos TRP Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 201/10.3TTVCT.P1 Nº Convencional: JTRP000 Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA Descritores: PRÉMIO DE ANTIGUIDADE RETRIBUIÇÃO Nº do Documento: RP20120109201/10.3TTVCT.P1 Data do Acordão: 09-01-2012 Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) Área Temática: . Sumário: Um prémio de antiguidade, dependente desta, pago mensal e regularmente em valor fixo e proporcional ao tempo de trabalho efetivamente prestado constitui retribuição e beneficia da garantia de irredutibilidade desta. Reclamações: Decisão Texto Integral: Processo nº 201/10.3TTVCT.P1 Apelação Relator: Eduardo Petersen Silva (reg. nº 115) Adjunto: Desembargador Machado da Silva Adjunto: Desembargadora Fernanda Soares Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório B…, residente na Rua …, bl. ., ent. ., …, …, Viana do Castelo, veio intentar a presente ação de processo comum emergente de contrato individual de trabalho contra “C…, Ltª.”, sociedade comercial com sede na …, …, Viana do Castelo, pedindo a sua condenação no pagamento de todas as diferenças de retribuição resultantes da eliminação de todos os prémios, nomeadamente do prémio de antiguidade Alegou, em síntese, que foi admitida ao serviço da R. em 13/5/91 e que para além da sua remuneração base sempre auferiu três prémios de antiguidade, assiduidade e de produção sendo um fixo e os outros dois variáveis; desde agosto de 2008, a R. deixou de lhe pagar esses prémios. A R. apresentou contestação, na qual alegou, em síntese, que até janeiro de 2007, nenhum dos prémios era autónomo, mas sim variáveis porque dependentes e que depois, todos esses prémios ficaram dependentes da produtividade; a A. nunca atingiu, desde agosto de 2008, os objetivos de produção necessários para a atribuição dos prémios. Procedeu-se à realização de audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferido despacho de decisão da matéria de facto, que não sofreu reclamações, e seguidamente proferida sentença cuja parte decisória é a seguinte: Julgar a presente ação parcialmente procedente, por provada, e em consequência, condenar a R. a pagar à A. todos os prémios de antiguidade desde agosto de 2008, acrescidos dos juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal”. Inconformada, interpôs a Ré o presente recurso, apresentando a final as

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Acórdãos TRP Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 201/10.3TTVCT.P1

Nº Convencional: JTRP000 Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA Descritores: PRÉMIO DE ANTIGUIDADE

RETRIBUIÇÃO

Nº do Documento: RP20120109201/10.3TTVCT.P1 Data do Acordão: 09-01-2012 Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC Texto Integral: S Privacidade: 1

Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) Área Temática: .

Sumário: Um prémio de antiguidade, dependente desta, pago mensal e regularmente em valor fixo e proporcional ao tempo de trabalho efetivamente prestado constitui retribuição e beneficia da garantia de irredutibilidade desta.

Reclamações:

Decisão Texto Integral: Processo nº 201/10.3TTVCT.P1 Apelação Relator: Eduardo Petersen Silva (reg. nº 115) Adjunto: Desembargador Machado da Silva Adjunto: Desembargadora Fernanda Soares Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório B…, residente na Rua …, bl. ., ent. ., …, …, Viana do Castelo, veio intentar a presente ação de processo comum emergente de contrato individual de trabalho contra “C…, Ltª.”, sociedade comercial com sede na …, …, Viana do Castelo, pedindo a sua condenação no pagamento de todas as diferenças de retribuição resultantes da eliminação de todos os prémios, nomeadamente do prémio de antiguidade Alegou, em síntese, que foi admitida ao serviço da R. em 13/5/91 e que para além da sua remuneração base sempre auferiu três prémios – de antiguidade, assiduidade e de produção – sendo um fixo e os outros dois variáveis; desde agosto de 2008, a R. deixou de lhe pagar esses prémios. A R. apresentou contestação, na qual alegou, em síntese, que até janeiro de 2007, nenhum dos prémios era autónomo, mas sim variáveis porque dependentes e que depois, todos esses prémios ficaram dependentes da produtividade; a A. nunca atingiu, desde agosto de 2008, os objetivos de produção necessários para a atribuição dos prémios. Procedeu-se à realização de audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferido despacho de decisão da matéria de facto, que não sofreu reclamações, e seguidamente proferida sentença cuja parte decisória é a seguinte: “Julgar a presente ação parcialmente procedente, por provada, e em consequência, condenar a R. a pagar à A. todos os prémios de antiguidade desde agosto de 2008, acrescidos dos juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal”. Inconformada, interpôs a Ré o presente recurso, apresentando a final as

seguintes conclusões: A. A R. em 1999, com o intuito de compensar os seus trabalhadores quanto à sua antiguidade, assiduidade e produtividade, institui três prémios que embora autónomos eram, entre si, dependentes B. Prémios que, em 2007, foram reformulados no que cabe à sua forma de atribuição - Doc.1- contestação. C. E, em fevereiro de 2009, sem retirar qualquer um dos fatores/vertentes atribuídos no sistema de recompensas, a R., voltou a introduzir-lhes modificações. D. Para conhecimentos dos interessados foi afixado o Regulamento de Atribuição. E. Sem que qualquer reparo, ou observação da A. F. O prémio de antiguidade sub judice reclamado não deve ser considerado como uma diuturnidade. G. E, ao contrário do que a A. alega, não lhe foi retirado. H. Tão somente englobado no prémio de produtividade conforme ficou assente no item 9 os "Facto Provados". I. Ou seja, foi reestruturado e integrado sendo certo que quanto á sua determinação jamais fora independente dos demais prémios. J: Sempre o prémio de antiguidade dependeu da assiduidade que, por sua vez, condicionava a produtividade. K. Pelo que não é correto afirmar-se que houve uma descaracterização do prémio de antiguidade tornando-o só então dependente de fatores incertos. L. Pois sempre assim sucedeu. M. Logo, o prémio de antiguidade não foi retirado mas apenas integrado. N. E, por assim ter sido, como foi, nada, a tal titulo, é devido à A. pela R. Contra-alegou a A. pugnando pela manutenção da sentença. O Exmº Senhor Procurador Geral Adjunto nesta Relação emitiu parecer no sentido do recurso não merecer provimento. Corridos os vistos legais cumpre decidir. II. Matéria de facto A matéria de facto dada como provada na 1ª instância – e que este tribunal mantém, porque a matéria de facto não foi impugnada e porque os elementos do processo não impõem decisão diversa, nem foi admitido documento superveniente com virtualidade para infirmar aquela decisão (artigo 712º, nº 1 do CPC) – é a seguinte: 1 – A A. foi admitida ao serviço da R. em 13/5/91 para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, exercer as funções correspondentes à categoria de operador de acabamento de 1ª. 2 – Auferia, em 2007, o salário base mensal de €453,00 e, a partir de agosto de 2008, de €470,00.

3 – Até fevereiro de 2007, a R. pagava aos seus funcionários, para além da retribuição base, três prémios autónomos: - prémio de assiduidade; - prémio de produção; - prémio de antiguidade. 4 – O prémio de assiduidade tinha o valor de €13,22 mensais, que não seria pago se o trabalhador faltasse trinta minutos ou mais no mês. 5 – O prémio de produção tinha um valor variável mensal, estando dependente da produtividade do trabalhador definida de acordo com os parâmetros fixados pela R. 6 – O prémio de antiguidade dependia, quanto ao seu valor, da antiguidade do trabalhador na empresa, sendo que no caso da A. tinha o montante de €50,00 por mês. 7 – Em caso de faltas do trabalhador, o prémio de antiguidade era pago proporcionalmente ao tempo de trabalho efetivo (ex: trabalhador que faltasse metade do mês recebia apenas metade do prémio devido). 8 - A partir de fevereiro de 2007, a R. passou a pagar os prémios de assiduidade e antiguidade apenas àqueles trabalhadores que atingissem 60 minutos de produção/hora em média mensal. 9 – A partir de janeiro de 2009, a R. passou a pagar dois prémios – de assiduidade e produtividade (englobando neste último o anterior prémio de antiguidade) -, sendo que ambos ficaram dependentes da produtividade do trabalhador. 10 – A A. esteve de baixa médica de 9 de novembro de 2007 a 15 de julho de 2008, tendo-lhe sido atribuída a IPP de 3% por doença profissional. 11 – Desde agosto de 2008, a R. deixou de pagar à A. qualquer prémio. III. Direito Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do disposto nos artigos 1º, nº 2, al. a), e 87º do Código de Processo do Trabalho, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, a questão a decidir é saber se não são devidos à recorrida os prémios de antiguidade. A sentença recorrida mostra-se elaborada de modo completo, coerente, sintético e eficaz e nela se lê: “A questão colocada pela A. é de enorme singeleza na sua formulação: os prémios de produção, assiduidade e antiguidade que lhe eram pagos pela R. fazem ou não parte integrante da sua retribuição, sendo por isso ilícita a conduta da empresa ao deixar de os pagar por ter alterado o seu critério de atribuição. Como é sabido, vigora no direito laboral, como principio fundamental constitutivo da retribuição, o da sua irredutibilidade (cfr. atual artº. 129, nº. 1, d), do C.T.), com isto querendo significar que é proibido ao empregador diminuir a retribuição dos seus trabalhadores. Por isso, caso se entenda que os prémios em causa fazem parte integrante da retribuição da A., então necessário será concluir que a R. não tinha legitimidade para deixar de os pagar. O que tudo nos reconduz à análise, sempre espinhosa, do conceito de retribuição. Dispõe o art.º 258 do C Trabalho.: “1 – Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho. 2 – A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou espécie.

3 - Presume-se constituir retribuição qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador". Resulta daqui que a retribuição do trabalho é "o conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da atividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida)", integrando a mesma não só a remuneração de base como ainda outras prestações regulares e periódicas, feitas direta ou indiretamente, quando as mesmas, sendo de caráter regular e periódico, criem no trabalhador a convicção de que elas constituem um complemento do seu salário - cfr. Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, Vol. 1º, 10ª ed., pág. 395 e pág. 410). Ficam, desta forma, excluídas do conceito de retribuição todas as prestações de caráter esporádico, atípico, anormal ou problemático que, por isso mesmo, não podem ser computadas no rendimento com que, regularmente, o trabalhador pode contar. Ou seja, são de excluir todas as prestações que dependam da verificação de um facto que não é certo ou seguro, como acontece com a atribuição de um determinado montante pela bom desempenho do trabalhador ou pela sua assiduidade (circunstâncias que podem ou não verificar-se num determinado período). Vejamos então o que se passa no nosso caso, pelo período anterior a fevereiro de 2007. Até fevereiro de 2007, a R. pagava aos seus funcionários, para além da retribuição base, três prémios autónomos: - prémio de assiduidade; - prémio de produção; - prémio de antiguidade. O prémio de assiduidade tinha o valor de €13,22 mensais, que não seria pago se o trabalhador faltasse trinta minutos ou mais no mês. Por seu lado, o prémio de produção tinha um valor variável mensal, estando dependente da produtividade do trabalhador definida de acordo com os parâmetros fixados pela R. Por fim, o prémio de antiguidade dependia, quanto ao seu valor, da antiguidade do trabalhador na empresa, sendo que no caso da A. tinha o montante de €50,00 por mês. Em caso de faltas do trabalhador, o prémio de antiguidade era pago proporcionalmente ao tempo de trabalho efetivo (ex: trabalhador que faltasse metade do mês recebia apenas metade do prémio devido). Resulta daqui, e compaginando estes dados com o que supra fica dito, que desde logo se deverá excluir do conceito de retribuição o prémio de produção, pois que, como se viu, este dependia da ocorrência de uma circunstância que não era de verificação indiscutível: o da trabalhadora ter tido a produtividade que a empresa fixava. Mas igualmente será de não atribuir aquela qualidade ao prémio de assiduidade, na medida em que igualmente este ficava dependente de um fator de verificação não previsível: que o trabalhador não faltasse trinta minutos ou mais no mês. Conclusão diversa, porém, se chega quanto ao prémio de antiguidade, pois que este reúne todos os requisitos para ser qualificado como parte integrante da retribuição: era um montante fixo, sendo certo e periódico o seu pagamento. Aliás, este prémio de antiguidade, tal como então se encontrava definido pela R., consubstancia claramente uma diuturnidade nos termos que se encontram estabelecidos no artº. 262, nº. 2, b), do C. Trabalho. Ora, é liquido, segundo julgamos, quer na jurisprudência quer na doutrina, que as diuturnidades fazem parte integrante da retribuição. É certo que a R. alegava que este prémio não era verdadeiramente um

prémio fixo, pois que dependeria igualmente da assiduidade. Afigura-se-nos que existe aqui um manifesto equívoco de raciocínio. É evidente que se o trabalhador tivesse faltas num determinado mês, o prémio lhe seria reduzido de forma proporcional. Mas isto não lhe confere um caráter variável. Pelo contrário, apenas o torna exatamente equivalente à retribuição base, que também só é paga de acordo com o tempo de trabalho efetivamente prestado pelo trabalhador. Aquele prémio de antiguidade era reduzido, em caso de faltas, nos mesmos exatos termos em que era reduzida a sua retribuição. Caso bem diferente, como vimos, era o do prémio de assiduidade, o qual era de todo retirado caso o trabalhador faltasse trinta minutos ou mais no mês. Concluí-se, assim, que o prémio de antiguidade – o qual, como vimos, apesar de ter esta designação, configura uma verdadeira diuturnidade – fazia parte da retribuição dos trabalhadores da R. e, como tal, está sujeito aos mesmos exatos princípios, dos quais se destaca, como vimos logo no início, a sua irredutibilidade. Pois bem, a partir de fevereiro de 2007, a R. passou a pagar o prémio de antiguidade, que é o único que agora nos interessa, apenas àqueles trabalhadores que atingissem 60 minutos de produção/hora em média mensal. Mais tarde, a partir de janeiro de 2009, e para o que aqui nos interessa, manteve basicamente esse sistema, ou seja, trabalhador que não atingisse aquele nível de produção não tinha direito a nenhum prémio, incluindo o de antiguidade. Ora, ao descaracterizar dessa forma o prémio de antiguidade/diuturnidade, tornando-o dependente de um fator que é incerto, a R. claramente violou o princípio da irredutibilidade da retribuição, como aliás se constata com o caso da A., que pura e simplesmente deixou de o receber desde agosto de 2008, por não conseguir atingir a produtividade exigida. Esse prémio/diuturnidade, que apenas depende da antiguidade do trabalhador na empresa, não pode agora ficar subordinado a qualquer outra exigência que atinja a possibilidade do trabalhador o receber com a mesma periodicidade e certeza com que ele lhe era pago até então. Significa isto que a ação interposta pela trabalhadora terá que proceder no que se refere a este prémio de antiguidade, o qual lhe é devido desde agosto de 2008, nos mesmos termos em que era pago pela R. até à alteração que se produziu em fevereiro de 2007”. Nada temos a apontar à sentença recorrida, com a qual se concorda. Cumpre dizer que a recorrente continua, nas alegações de recurso, a insistir na sua defesa, ou seja, a insistir na dependência do prémio de antiguidade da assiduidade, e por via desta, da produtividade, isto é, na sempre ocorrida dependência entre os prémios, e desta dependência da produtividade faz decorrer o caráter não retributivo e a possibilidade de livremente alterar as condições dos prémios. E continua ainda a referir que a A. não recebeu prémios por não atingir a produtividade. Simplesmente, a recorrente não pediu a reapreciação da matéria de facto, que se encontra definitivamente fixada, e dela decorre, no que toca ao prémio de antiguidade, por efeito do facto nº 7, exatamente o contrário do que a recorrente defende. Concordando-se inteiramente com o juízo que o Mmº Juiz a quo fez sobre a não dependência do prémio de antiguidade, anteriormente a 2007, da assiduidade, concorda-se também com a conclusão de que os factos referidos em 8 e 9 revelam alterações não consentidas pela lei no que toca ao mesmo prémio. Por último, se a recorrente pretendia demonstrar que a recorrida não tinha direito ao prémio de antiguidade por ter faltado, tal constituía matéria de exceção que lhe incumbia provar. Desse modo, e na

sequência do facto nº 11, a condenação resulta evidente. Nestes termos, e seguindo de perto a disciplina dos artº 713º nº 5 e 6 do CPC, confirma-se a sentença recorrida. IV. Decisão Nos termos supra expostos acordam negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida. Custas pela recorrente. Porto, 9.1.2012 Eduardo Petersen Silva José Carlos Dinis Machado da Silva Maria Fernanda Pereira Soares (vencida por considerar que como questão prévia o recurso não é admissível por falta de alçada e vencimento em montante superior à alçada do Tribunal, conforme já relatado noutro processo da Ré) _______________ Sumário: Um prémio de antiguidade, dependente desta, pago mensal e regularmente, em valor fixo, e proporcionalmente aos dias trabalhados se o trabalhador faltar, constitui retribuição e beneficia da garantia de irredutibilidade desta. Eduardo Petersen Silva (Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artigo 138º nº 5 do Código de Processo Civil).

Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 188/07.TTCTB.C1.S1

Nº Convencional: 4ª SECÇÃO Relator: PEREIRA RODRIGUES Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO

VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA

PRESTAÇÃO AGRAVADA

Data do Acordão: 06-12-2011 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1

Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA

Sumário : I. O artigo 18.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, reporta-se

a duas situações distintas: a primeira à de o acidente ter sido

provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou

seja, à de ter sido produzido por actuação dolosa — directa ou

eventual — daquelas entidades; a segunda à do acidente ter

resultado de falta de observação das regras sobre segurança,

higiene e saúde no trabalho — actuação meramente culposa —

por parte das mesmas entidades.

II. No primeiro caso o acidente é querido ou admitido como

resultado possível de conduta assumida voluntariamente; no

segundo não se respeitam regras de segurança adequadas a

prevenir o acidente, quer estas decorram dos deveres gerais de

diligência, quer de estipulações decorrentes da lei ou contidas

em directivas da entidade empregadora. Num caso como noutro

a entidade empregadora sempre responderá pelas prestações

agravadas, quer a conduta lhe seja imputável directamente, quer

a quem no acto a represente.

III. À entidade empregadora, que possuía normas internas de

segurança destinadas à realização de trabalhos na via férrea,

competia-lhe implementar no terreno as condições para o

cumprimento de tais normas, bem assim os cuidados gerais

para acautelar a produção de acidentes com os trabalhadores

envolvidos nos mesmos trabalhos.

IV. Não decorrendo dos factos que a entidade empregadora

tenha estabelecido na concreta situação as condições

necessárias ao cumprimento das normas de segurança internas,

nem das gerais impostas pelo dever de elementar diligência,

tem de ser responsabilizada pelo pagamento de prestações

agravadas, devidas como reparação por acidente de trabalho

sofrido, por trabalhador ao seu serviço, em consequência da

violação de tais normas.

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE

JUSTIÇA

I. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A

SOLUCIONAR.

Os presentes autos, com processo especial, emergentes de

acidente de trabalho, originados na morte do sinistrado AA,

iniciaram-se mediante participação ao Ministério Público junto

do Tribunal do Trabalho de Castelo Branco, sendo depois

remetidos ao Tribunal do Trabalho da Covilhã (territorialmente

competente) onde correu a sua fase conciliatória.

A aludida fase findou nos termos do auto de não conciliação do

qual, em resumo, decorre que:

- A beneficiária BB, invocando a culpa da empregadora, Refer -

Rede Ferroviária Nacional, EP., reclamou o pagamento, por

esta e a título principal, das prestações agravadas;

- A seguradora aceitou a caracterização do sinistro e a sua

responsabilidade pelo pagamento das prestações legais (não

agravadas);

- A empregadora, por sua vez, aceitando igualmente a

caracterização do acidente e a transferência de

responsabilidade, declinou qualquer responsabilidade na

reparação, por considerar que a mesma se encontrava

totalmente transferida para a seguradora.

Assim, terminada a primeira fase do processo, iniciou-se a fase

contenciosa através de petição inicial, apresentada pela

beneficiária BB.

A beneficiária, demandando a empregadora, alegou, em

resumo, que:

- É viúva da vítima mortal de um acidente de trabalho, ocorrido

em 01.08.2007, pelas 15H45, ao Km. 140,65, direcção Castelo-

Branco/Fundão, da linha da Beira--Baixa, quando o sinistrado

se encontrava sob as ordens, direcção e fiscalização da

empregadora, tendo a categoria de operador de via e estava

integrado na equipa de via que pertence ao Centro de

Manutenção da Guarda;

- Nesse dia, hora e local, o sinistrado executava o nivelamento

da via, operando com um vibrador, martelo pneumático, em

trabalhos que não se encontravam programados pelo Centro de

Manutenção da Guarda, mas aos quais foi decidido dar

prioridade;

- No decurso do seu trabalho, a vítima foi colhida pelo comboio

n.° 5679, e, em consequência, projectada três metros, sofrendo

lesões que foram determinantes para a sua morte;

- O acidente verificou-se pela inobservância das normas

relativas à prevenção e segurança no trabalho, pois que, para

além do carácter excepcional dos trabalhos, também as normas

relativas à segurança na obra foram ignoradas: as internas, que

regulam o comportamento a observar na execução dos

trabalhos de manutenção correctiva de infra-estrutura

(Instrução de Exploração Técnica n.° 77 e o seu ponto 9.5

Condições Gerais de Aplicação determina que "a velocidade de

circulação deve ser igual ou a inferior a 60km por hora");

- A limitação referida, não foi estabelecida, sendo que esse

procedimento passa por efectuar um pedido, antes do início dos

trabalhos, pelo responsável pela execução, ao Chefe da Estação

anterior, em impresso próprio, com a indicação da hora prevista

para o seu início, local e tempo de duração e a velocidade de

60km por hora não foi implementada;

- O ponto 5.1, com a epígrafe Anúncio e Aviso de

Aproximação de Circulações a fls. 12, determina que

previamente ao início dos trabalhos deve ser colocado o sinal S

- "Atenção aos Trabalhos", e o ponto 5.2 estabelece "a

obrigatoriedade de selecção e a correcta utilização de um

sistema de anúncio e aviso adequado para os trabalhos

autorizados a realizar em plena via", não foram observados;

- Para além do desacatamento das regras de segurança interna,

também não foram acatadas pela ré diversos dispositivos legais;

assim, a norma contida no artigo 20.°, alínea d) do Decreto-Lei

n.° 273/2003 foi desprezada, como foi incumprido o

estabelecido nas alíneas d) e n) do n.° 2 do artigo 273.° do

Código do Trabalho e, ainda, foi infringida a norma do n.° 2 do

artigo 15.° do Decreto-lei n.° 182/2006;

-A ré não levou em linha de conta a prescrição legal e, por

consequência, os operadores de via trabalhavam protegidos

com os protectores auditivos, aumentando o risco de segurança;

- O sinistrado executava o trabalho com os protectores

auditivos, o que não lhe permitiu ouvir a aproximação da

automotora;

- Apesar das normas relativas à segurança no trabalho serem

incumpridas, também o chefe de via/encarregado, CC

descuidou o seu dever em cumprir as prescrições de segurança

e higiene no trabalho, conforme alínea i) do artigo 121.° do CT;

- Acresce que esse trabalhador, como chefe de via/encarregado,

tem a responsabilidade de promover a vigilância e protecção

dos seus trabalhadores, tendo em vista a prevenção de acidentes

de trabalho;

- Momentos antes do acidente, tinha passado na linha o

comboio Intercidades; minutos antes dessa passagem, o chefe

de via deu instruções directas para que os três operadores (DD,

EE e o AA) suspendessem a execução dos trabalhos, mas, após

a sua passagem, ordenou que retomassem os trabalhos, sabendo

que dentro de um curto espaço de tempo, sensivelmente quinze

minutos, iria passar um outro comboio e, depois, descurou

totalmente o seu dever de vigilância.

- Tem direito a uma pensão anual e vitalícia no montante de €

16.573,20, bem como aos subsídios de férias e de Natal, ao

subsídio por morte no montante de € 4.836, e às despesas de

funeral, no montante de € 1.612;

- A FF SA é responsável subsidiariamente pelas prestações

normais previstas, sem o agravamento.

- Atendendo ao circunstancialismo do acidente, tem ainda

direito a uma compensação por danos morais, por força do

disposto no n.° 2 do artigo 18.° da Lei n.° 100/97;

- Para além das circunstâncias que causaram o acidente, é

necessário atender a que o sinistrado tinha 50 anos de idade, era

um homem saudável, apto para o trabalho, feliz, alegre,

comunicativo, e um bom colega;

- Morreu em idade jovem, atendendo à esperança média de

vida, ainda lhe restavam pelo menos vinte 25 anos de vida;

tinha um grande apego ao seu núcleo familiar, à sua mulher e

aos seus dois filhos, que, apesar de maiores de idade,

dependiam muito do seu pai, tanto a nível emocional, como

económico;

- A autora fica privada da companhia do seu marido aos 46

anos de idade e privada, depois de 24 anos de casamento, da

comunhão de vida com ele e, por força das circunstâncias, vê-

se obrigada a suportar sozinha todos os encargos familiares,

que até ao dia da morte partilhava com o marido;

- A morte de AA mergulhou a autora e os seus filhos numa

profunda dor e tristeza, devido à morte trágica e sem aviso do

seu ente querido. Em face do vertido, tem direito a que sejam

fixados os seguintes montantes: - indemnização pela perda do

direito à vida - € 80,000; - compensação pelos danos morais

sofridos - € 50,000.

Concluiu pedindo:

O pagamento de uma pensão anual vitalícia no montante de €

16.573,20, com início no dia 02.08.2007; pagamento do

subsídio por morte no montante de € 4.836 (quatro mil

oitocentos e trinta e seis euros); das despesas de funeral no

montante de € 1.612 (403,00x4), das relativas à deslocação no

dia 01.04.2008 ao Tribunal do Trabalho da Covilhã, para a

Tentativa de Conciliação, e de uma indemnização por danos

não patrimoniais no valor de € 130.000.

A Rede Ferroviária Nacional-Refer, EP, citada, contestou,

alegando, em síntese, que:

- Desconhece os factos que lhe não são pessoais e não aceita

que o acidente tenha sido directamente causado pela falta de

observância do cumprimento das normas relativas à prevenção

(e, muito menos, por sua culpa);

- Invoca a inaplicabilidade ao caso da alínea d) do artigo 20.°

do Decreto-Lei n.° 273/2003, bem como de todo o regime

contido nesse diploma, apenas aplicável a situações "onde

sejam intervenientes várias entidades'', quando os trabalhos de

nivelamento da via onde ocorreu o acidente eram trabalhos cuja

execução estava directa e exclusivamente assegurada, mediante

o recurso aos meios materiais e humanos da ré e eram trabalhos

de carácter imprevisto e excepcional, mas sem embargo de ter

observado as suas obrigações em matéria de segurança no

trabalho, designadamente o actual artigo 273.° do CT, em

observância do qual promoveu a implementação da Instrução

de Exploração Técnica n.° 77;

- Não é admissível sustentar que a supressão excepcional da

protecção auditiva, usada para interditar a audição do ruído

produzido pelo martelo pneumático, possibilitaria ao sinistrado

a audição de fosse o que fosse, já que apenas lhe permitiria

ouvir o barulho, quase ensurdecedor, daquele equipamento, ou

seja, o uso da protecção auditiva não contribuía para agravar os

riscos de segurança;

- A violação das normas de segurança, implementadas pela

própria ré, ocorreu devido aos comportamentos omissivos dos

trabalhadores, junto com o sinistrado, constituintes da equipa

de trabalho;

- Os trabalhadores eram experimentados e, relativamente ao

trabalhador CC, era óbvio que o dever de vigilância que devia

exercer sobre os trabalhadores da sua equipa era-lhe imposto

pelo mais elementar sentido de prudência;

- No contexto dos autos, os identificados colegas do sinistrado

não podem ser considerados como representantes da ré para

efeitos de aplicação do artigo 18.°, n.° 2 da Lei 100/97, pois o

conceito de representante, previsto nesse preceito, abrange

apenas as pessoas que gozem de poderes de representação da

entidade empregadora e actuem nessa qualidade, o que não

acontecia;

- No entanto, ainda que assim não fosse, a autora não

demonstra que as condutas negligentes dos identificados

trabalhadores (que não se contesta violaram regras de

segurança) tenham de per si tido por consequência, directa e

necessária, o acidente dos autos;

- A queda ou falta de colocação do sinal "S- Atenção

Trabalhos" ou de outro alternativo, não se apurou que tivesse

ficar a dever-se ao incumprimento de regras de segurança por

parte do trabalhador DD.

Oportunamente o processo foi saneado, fixados os factos

assentes e elaborada base instrutória. Foi ordenada uma perícia

de especialidade e a empregadora requereu a intervenção da

seguradora FF, SA, o que foi determinado.

A seguradora contestou, aceitando vários factos alegados pela

recorrente e reafirmando o que já tinha aceitado em sede de

conciliação, mas acrescentando que a análise dos relatórios

aponta para erro humano e que não pode, por isso e ainda que

tal a beneficiasse, acompanhar a tese da beneficiária.

Em suma, aceitou assumir a responsabilidade pelo

ressarcimento dos danos, mas diz que estes não podem

contemplar qualquer compensação a título de danos não

patrimoniais ou indemnização pela perda do direito à vida.

O processo prosseguiu os seus termos e teve lugar a audiência

de julgamento, sendo depois proferida sentença, cujo segmento

decisório foi seguinte:

1- Condenar a interveniente "FF, S.A." no pagamento à autora

BB:

- da pensão anual e vitalícia de € 4.971,96 (quatro mil e

novecentos e setenta e um euros e noventa e seis cêntimos),

devida a partir do dia 02-08-2007, até atingir a idade de

reforma por velhice, e de € 6.629,28 (seis mil e seiscentos e

vinte e nove euros e vinte e oito cêntimos) de aí em diante,

acrescida dos respectivos juros de mora, contados desde a

referida data e até integral e efectivo pagamento, computados

à taxa legal de 4% ao ano;

- do montante de € 4.836 (quatro mil e oitocentos e trinta e seis

euros), a título de subsídio por morte, acrescido dos

respectivos juros de mora., contados desde o dia 08-06-2009 e

até integral e efectivo pagamento, computados à taxa legal de

4 % ao ano;

- do montante de € 1.612 (mil e seiscentos e doze euros), a

título de subsídio por despesas de funeral, acrescido dos

respectivos juros de mora, contados desde o dia 08-06-2009 e

até integral e efectivo pagamento, computados à taxa legal de

4% ao ano;

2- Absolver a interveniente "FF, S.A. " do demais pedido;

3- Absolver a ré "Rede Ferroviária Nacional REFER, E.P. " do

pedido.

A beneficiária não se conformou com a sentença e recorreu,

tendo os autos subido ao Tribunal da Relação, onde se

constatou que um dos pedidos formulados por aquela (pedido

com reflexo no recurso, na previsão da sua eventual

procedência) carecia de acompanhamento (para quanto a ele a

Recorrente poder ser parte legítima), pelos demais titulares

necessários desse direito.

Em conformidade, depois de cumprido o contraditório, foi

notificada a Recorrente para suprir por chamamento, a

ilegitimidade decorrente da preterição do litisconsórcio

necessário. E, subsequentemente, pedida a intervenção, foram

chamados os filhos do falecido sinistrado.

Os intervenientes expressamente aceitaram fazer seus os

articulados apresentados pela recorrente e todos os termos e

actos já processados.

Finalmente o Tribunal da Relação veio a julgar procedente a

apelação nos seguintes termos:

«Por tudo quanto se deixa dito, acorda-se na secção Social do

Tribunal da Relação de Coimbra em julgar procedente a

presente apelação, interposta por BB contra a REFER - Rede

Ferroviária Nacional (e no qual intervieram GG e HH) e, em

conformidade, condena-se a recorrida no pagamento à

recorrente:

1- Da pensão anual, vitalícia e actualizável, devida desde

2.08.2007, no montante correspondente à retribuição anual, ou

seja, 16.573,206 (dezasseis mil quinhentos e setenta e três

euros e vinte cêntimos), a pagar em catorze prestações anuais e

acrescida dos juros legais (artigo 135.° do CPT) sobre as

prestações em atraso;

2- Do subsídio por morte, no montante de 4.836,006 (quatro

mil oitocentos e trinta e seis euros)

3- Das despesas de funeral, no montante de 1.612,006 (mil,

seiscentos e doze euros).

4- Da quantia de 30.000,006 (trinta mil euros) a título de

indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos

E no pagamento à recorrente e aos intervenientes, global e

conjuntamente:

5- Da quantia de 60.000,006 (sessenta mil euros) a título de

indemnização pelo dano da morte».

Inconformada, agora, a Recorrida REFER interpôs a

mesma recurso de Revista para este STJ, apresentando doutas alegações, com as seguintes CONCLUSÕES:

«A. A natureza de pessoa colectiva da R., ora Recorrida,

estando sempre dependente da sua representação mediante

intervenção de pessoas físicas para levar a cabo a prática dos

actos materiais que caracterizam o seu escopo (o que,

concordamos, ir muito além dos titulares dos seus órgãos

sociais de direcção), não permite de per se que um seu

trabalhador colocado, ou não, na linha hierárquica seja, sem

mais, qualificado de seu representante para os efeito do artigo

18°, n° 1, da LAT, sob pena de por excesso também cairmos

em "... situações em tudo desconformes à natureza ficcional da

pessoa colectiva ..." (2°§, fls. 30, do acórdão) que a Veneranda

Relação entendeu salvaguardar por considerar por defeito o

entendimento da sentença da l.ª instância.

B. O que a ora Recorrente sustenta (e sustentou) é o conceito de

representação, a ter em conta para efeito da aplicação do artigo

18°, n° 1, da LAT, ser mais amplo do que o nexo de

representação social advindo do mandato dos titulares dos

órgão sociais permanecendo, contudo, aquém dos meros

poderes de representação funcional que necessariamente

emergem da execução do contrato de trabalho que lhe

subordina todos os seu trabalhadores entre si vinculados.

C. Ao contrário do acórdão recorrido, não cremos por isso que

sejam invocáveis tout court os princípios gerais da

responsabilidade civil próprios da relação entre comitente e

comissário para preencher o conceito de representante contido

na LAT, porquanto, é a própria natureza especial do regime da

responsabilidade infortunística que os afasta, como bem soube

notar a lição de VlTOR RIBEIRO ao esclarecer, a propósito da

homóloga disposição da pretérita Lei n° 2127 que "... os

diplomas que fixam tal regime não se limitam a remeter para os

termos gerais de direito, os caso de envolvência culposa da

entidade patronal ou de terceiro." (vide "Acidentes de Trabalho

Reflexões e Notas Prática", Rei dos Livros, 1984, p. 226).

D. Se o nexo de representação considerado na doutrina e

jurisprudência, relativas à relação de comissão fosse decalcado

e tido em conta no âmbito da relação de responsabilidade

infortunística agravada, a nosso ver, é evidente que na

esmagadora maioria dos casos, perante os sinistrados, todo os

trabalhadores seriam representantes do empregador, por força

da sua ligação funcional àquele, o que evidentemente não pode

proceder, desde logo pela separação de domínios estabelecida

entre si pelas previsões do artigo 18° e 31°, da LAT.

E. O critério de representante exposto e aplicado pelo acórdão

em recurso, é excessivo porque permitiria de per se que um

trabalhador colocado, ou não, na linha hierárquica seja, sem

mais, qualificado de "representante" para os efeito do artigo

18°, n° 1, da LAT, sempre que leve a cabo a prática de um

qualquer acto material (cometido por função, ordem ou

instrução) que implique a participação de outros trabalhadores

na tarefa (o que, aliás, quase sempre sucede ou não fosse a

empresa uma organização de meios).

F. Por essa razão se invocou (e invoca) a jurisprudência do

acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14.11.2007, em

caso análogo ao dos autos, onde se considerou que os

companheiros de trabalho do sinistrado que estavam a dirigir as

manobras de formação e deformação de comboios não se

tornavam por força do exercício dessa funções representantes

do empregador, uma vez que o poder de direcção funcional,

resultante da categoria ou função na empresa, não contém em si

mesmo poderes de representação jurídica que é a modalidade

tida em conta para os efeitos do artigo 8°, da LAT.

G. No caso dos autos, resultou provado que as três regras de

segurança cuja violação ocorreu por omissão, com relevância

causal para o sinistro, foram os pontos 9.5, 5.1 e 5.2, das

"Normas de Segurança para Protecção das Equipas em

Trabalho na Via" (cfr., respectivamente, os números 13 a 16,

dos factos apurados, a fls. 18, do acórdão recorrido), conforme

se declarou na sentença e se aceitou no acórdão da Relação.

H. Resultou provado que era sobre o encarregado de via, o

senhor CC, que impendia a obrigação de adoptar o

procedimento de segurança referido na regra do ponto 5.2 da

norma de segurança (i.e., a adopção de um sistema de anúncio e

aviso manuais, à falta de automático, de molde a que a

velocidade das circulações não excedesse 60 km/hora) e

resultou provado que não se encontrava implementado no local

qualquer sistema de vigilância (cfr., respectivamente, os

números 5 e 6, dos factos apurados).

I. Ora, no que releva de facto apurado para decisão de Direito:

sobre o identificado encarregado de via impendia o dever de

obediência àquela regra, a cujo cumprimento se encontrava

adstrito em razão da identificada instrução da entidade

empregadora, o que não fez negligenciando, consequentemente,

a colocação de dois homens, um em cada extremidade do local

onde decorriam os trabalhos, para alertarem da aproximação de

alguma circulação.

J. Ora, se tal regra tivesse sido observada nenhuma culpa

haveria na existência do nexo de representação funcional da R,

ora Recorrente, na pessoa daquele trabalhador, infelizmente, o

que ficou demonstrado foi a total inobservância dessa regra de

segurança não tendo, por outro lado, a A. ora Recorrida,

alegado e demonstrado o assentimento ou o conhecimento de

tal omissão pelo empregador, não traduzindo a falta daquele

encarregado um acto comandado pela R. de modo a que lhe

seja devolvida a respectiva culpa.

K. Assim (mesmo não se aderindo à jurisprudência acima

identificada), tendo o identificado trabalhador da ora

Recorrente omitido o seu dever de observância da regra de

segurança 5.2 e, portanto, tendo agido objectivamente à

margem dos poderes--deveres de direcção que lhe foram

conferidos e sem o assentimento ou o conhecimento do seu

empregador, não deverá ser tido como seu "representante" para

o propósito do artigo 18°, da LAT mas como "outro

trabalhador" ou "terceiro" para o efeito do artigo 31°, daquele

diploma (vide, a este propósito, VlTOR RIBEIRO in

"Acidentes de Trabalho Reflexões e Notas Prática", Rei dos

Livros, 1984, p. 232).

L. Cremos, contudo, que a aludida omissão até nem é o facto

determinante da fatal consequência, pois, a essa omissão é

concomitante a omissão das regras de segurança presentes sob

os pontos 9.5. e 5.1 da respectiva regulamentação, sem que dos

autos conste qualquer prova da sua autoria, para que se possa

definir justamente da verificação e extensão da muito provável

concorrência de culpas dos demais trabalhadores participantes

na eclosão do sinistro (cfr. os números 13 a 16, dos factos

apurados, a fls. 18, do acórdão);

M. A nosso ver o facto determinante da eclosão do lamentável

acidente até sucede por acção e a posteriori da inobservância

daquelas regras de segurança: dúvidas subsistissem e seriam

afastadas perante o teor do facto apurado sob ponto 12, do

acórdão, onde se lê "Após a passagem do comboio

"Intercidades", o chefe da via CC ordenou os três operadores de

via que retomassem os trabalhos, sabendo que dentro de quinze

minutos iria passar outro comboio". O que vêm depois está

sobejamente sabido.

N. Consequentemente, no que toca ao trabalhador CC, resulta

dos factos provados forçoso qualificar a sua conduta como

objectivamente alheia aos poderes-deveres de que estava

funcionalmente investido pelo empregador, em razão da sua

função, ao momento dos factos (quer por acção, ao ordenar a

retoma dos trabalhos, quer por omissão, ao violar a regra de

segurança 5.2), assim não devendo ser considerado como

representante do empregador para os efeito do artigo 18°, da

LAT, ademais, quando não se alegou e provou que tais

condutas mereciam o assentimento ou sequer o conhecimento

da sua empregadora, ora Recorrente.

O. Por outro lado, perante os trabalhadores envolvidos, ainda

que subjectivamente assistisse ao chefe de equipa as vestes de

"encarregado" do empregador, dificilmente se compreende que

no exercício da sua função nele reconhecessem um fiel

representante da vontade da Recorrida, pois, sendo

trabalhadores experimentados sabiam, pelo menos, que não

estava a ser observada a regra de segurança 5.2 que obrigava

ordenar a dois homens que se colocassem um em cada

extremidade do local onde decorriam os trabalhos para

alertarem da aproximação de alguma circulação que transitasse

em qualquer um dos sentidos (vide o ponto 4 do factos

apurados, a fl. 17, do acórdão).

P. Nunca a A. reclamou ao longo do seu articulado quaisquer

factos atinente ao encarregado de via ou aos operadores de via

que os qualificassem de representantes da empresa fosse

relativamente ao teor de suas funções ou a qualquer ordem (por

acção ou omissão) que houvessem recebido e transmitido.

Nestes termos e nos demais de Direito aplicável, sem prescindir

do douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao

presente recurso e, em consequência, ser revogado o Acórdão

proferido e, consequentemente, ser, a final, a Recorrente

absolvida dos correspondentes pedidos contra ela formulados,

repristinando-se a sentença proferida pelo tribunal do Trabalho

da Covilhã».

A A. contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão

recorrida e concluindo:

«I- O acidente ocorrido no dia 01 de Agosto de 2007, que

vitimou AA, ocorreu por inobservância das regras de

segurança, encontrando-se preenchida a segunda parte do n.° 1

do artigo 18.° da LAT.

II- As regras relativas à segurança encontram-se descritas na

IET n.° 11, as quais eram desconhecidas dos trabalhadores.

III- A ausência de conhecimento das referidas regras de

segurança ficou a dever-se ao facto da REFER, E.P.E., não as

ter implementado junto dos seus trabalhadores sendo que só o

fez após a ocorrência do acidente.

IV- Também se encontra preenchida a previsão da primeira

parte do n.° 1 do artigo 18.° da LAT, na medida em que o chefe

de via se considera representante legal da recorrente, conforme

o entendimento da Relação de Coimbra e ainda do defendido

pelo autor Carlos Alegre, in "Acidentes de Trabalho e Doenças

Profissionais - Regime Jurídico anotado – 2.ª reimpressão,

2001" onde diz " (...) que o conceito de representante da

entidade patronal - seja ela, pessoa individual ou colectiva -

pode ser alargado a outras pessoas físicas que, de algum modo,

actuem em representação daquela entidade seja porque detém

um mandato específico para tanto, seja porque age sob as

ordens directas da entidade patronal, como é o caso de qualquer

pessoa colocada na escala hierárquico-laboral de uma

empresa."

V- Ora, no dia do acidente (01.07.2007) o encarregado de via

era o trabalhador encarregado de coordenar os trabalhos,

segundo as determinações da recorrente.

VI- O encarregado da via acatou as determinações da

recorrente, ao proceder aos trabalhos urgentes na via, no dia

01.08.2007, apenas com quatro trabalhadores, em vez dos

habituais seis.

VII- Sendo que o facto de não ter o cuidado de implementar as

regras relativas à segurança deve-se sobretudo à omissão da

REFER, E.P.E, por não ter implementado e transmitido as

normas de segurança constantes na IET.

VIII- Recaindo sobre a Recorrente um especial dever de

implementação das regras de segurança, que passa pela sua

transmissão e formação dos seus trabalhadores.

IX- Assim, no caso dos presentes autos a recorrente é

responsável pela produção do acidente, com a agravação

configurada na lei, na medida que recaía sobre si o dever de

observar determinadas regras de comportamento, cuja

observância, teria impedido o acidente do dia 01 de Agosto de

2007.

X- Pelo que forçoso será concluir que a previsão do artigo 18.°

n.° 1 da LAT está preenchida na sua plenitude (primeira e

segunda parte), recaindo sobre a recorrente a responsabilidade

agravada pela produção do acidente que vitimou AA.

XI- Nestes termos, requer-se que o douto acórdão do Tribunal

da Relação de Coimbra seja confirmado, e a final imputada a

responsabilidade pela reparação do acidente à recorrente,

REFER, E.P.E., no pagamento aos recorridos das seguintes

prestações:

1- Da pensão anual, vitalícia e actualizável, devida desde

02.08.2007, no montante correspondente à retribuição anual, ou

seja, € 16.573,20 (dezasseis mil e quinhentos e setenta e três

euros e vinte cêntimos), a pagar em catorze prestações anuais e

acrescida de juros legais (artigo 135.° do CPT) sobre as

prestações em atraso;

2- Do subsídio por morte, no montante de €4.836,00 (quatro

mil oitocentos e trinta e seis euros);

3- Das despesas de funeral, no montante de € 1.612,00 (mil

seiscentos e doze euros);

4- Da quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros) a título de

indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos.

E no pagamento à recorrente e aos intervenientes, global e

conjuntamente:

5- Da quantia de € 60.000,00 (sessenta mil euros a título de

indemnização pelo dano morte.

Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com mui

douto suprimento de V. Excelências deve ser confirmado o

acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, e em

consequência a recorrente condenada no pagamento das

prestações fixadas».

A Exma. Procuradora-Geral-Adjunta emitiu douto parecer

no sentido da negação da Revista, ao qual a Recorrente

apresentou resposta, manifestando a sua discordância.

Foram colhidos os legais vistos, pelo que cumpre enunciar a

questão que se coloca à apreciação, que é a de saber se a

Recorrente (entidade empregadora) é responsável pela

violação das regras de segurança, que foram causa do

acidente.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO.

Os factos considerados provados nas instâncias são os

seguintes:

1 - No dia 1 de Agosto de 2007, pelas 15 horas e 45 minutos,

no sítio do Adnouro, ao quilómetro 140,650, e no sentido

ascendente (Castelo Branco-Fundão) da linha ferroviária da

Beira Baixa, AA, com a categoria profissional de operador de

via, e a integrar uma equipa de via do Centro de Manutenção da

Guarda da Unidade Operacional do Centro da ré "Rede

Ferroviária Nacional - REFER, E.P.", foi colhido pelo comboio

n° 5679, rebocado pela Allan 363;

2 - A equipa de via aludida no ponto anterior era constituída,

para além do sinistrado, por um encarregado de via, CC (na

altura a exercer as funções de chefe de equipa), e por mais dois

operadores de via, o DD e o EE, tendo como tarefa proceder ao

nivelamento da via com recurso a equipamento ligeiro, sob as

ordens, direcção e fiscalização da ré "Rede Ferroviária

Nacional — REFER, E.P.”;

3 - A execução da aludida tarefa - regularização dos defeitos da

via através de nivelamento - naquele local não se encontrava

inicialmente programada pelo Centro de Manutenção da

Guarda, tendo contudo sido decidido, face às altas temperaturas

que nessa época do ano se registavam, dar-lhe prioridade;

4 - Os três trabalhadores referidos no ponto 2. eram

trabalhadores experimentados;

5 - Impendia sobre o chefe de via CC a obrigação de adoptar o

procedimento aludido no ponto 5.2 das "Normas de Segurança

para Protecção das Equipas em Trabalhos na Via";

6 - Não se encontrava implementado no local qualquer sistema

de vigilância;

7 - Nas circunstâncias aludidas no ponto 1., o AA, para além de

outro equipamento de segurança, utilizava protecção auditiva e

operava com um vibrador/martelo pneumático "Cobra";

8 - O facto de o AA executar o seu trabalho com os protectores

auditivos não lhe permitiu ouvir a aproximação da automotora;

9 - O ambiente em que o sinistrado prestava a sua actividade

era bastante ruidoso, dado o funcionamento do martelo

pneumático "Cobra";

10 - Momentos antes do acidente aludido no ponto 1. ocorrer,

tinha passado na linha da Beira Baixa, ao quilómetro 140,650, o

comboio "Intercidades";

11- Momentos antes da passagem do comboio "Intercidades", o

chefe da via deu instruções directas para que os três operadores

de via (o DD, o EE e o AA) suspendessem a execução dos

trabalhos;

12 - Após a passagem do comboio "Intercidades", o chefe da

via CC ordenou aos três operadores de via que retomassem os

trabalhos, sabendo que dentro de quinze minutos iria passar um

outro comboio;

13 - Os relatórios da Autoridade Para as Condições do Trabalho

- Unidade Local da Covilhã, e da Direcção de Segurança da ré

"Rede Ferroviária Nacional - REFER, E.P.", sobre a análise

desse acidente e das suas causas prováveis, concluíram que o

mesmo ficou a dever-se ao facto de não terem sido observadas

as seguintes normas internas da "Instrução de Exploração

Técnica n° 77 - Normas e Procedimentos de Segurança em

Trabalhos de Infra-estruturas", nas vertentes de risco, categorias

de risco, distâncias de segurança, entre outras, e constantes do

Anexo II, pp. 277 e ss., sob a epígrafe "Normas de Segurança

para Protecção das Equipas em Trabalhos na Via'':

a) ponto 9.5 (Condições Gerais de Aplicação), a fls. 214, que

determina que a velocidade das circulações deve ser igual ou

inferior a 60 Km./hora;

b) ponto 5.1 (Anúncio e Aviso de Aproximação de

Circulações), a fls. 212, que estabelece "que previamente ao

início dos trabalhos deve ser colocado o sinal S - Atenção aos

Trabalhos";

c) ponto 5.2 da mesma epígrafe, e em que se estabelece "a

obrigatoriedade de selecção e à correcta utilização de um

sistema de anúncio e aviso adequado para os trabalhos

autorizados a realizar em plena via", impõem a obrigatoriedade

de adopção de um sistema de preferência automático e, não

sendo este possível, um sistema de anúncio e aviso manuais, e

de molde a que a velocidade das circulações não exceda os 60

Km/hora;

14 - A limitação de velocidade a que alude o ponto 9.5 das

"Normas de Segurança para Protecção das Equipas em

Trabalhos na Via" não foi implementada, sendo que tal

procedimento passaria por um pedido a efectuar antes do início

dos trabalhos pelo responsável pela execução dos trabalhos ao

Chefe da Estação anterior, em impresso próprio, com a

indicação da hora prevista para o seu início, local e tempo de

duração;

15 - O sinal S - "Atenção aos Trabalhos" referido no ponto 5.1

das "Normas de Segurança para Protecção das Equipas em

Trabalhos na Via" não foi colocado no sentido descendente e,

no sentido ascendente, o dito sinal foi colocado, caiu e não foi

reposto;

16 - Não foi adoptado o sistema, de preferência automático, ou

o sistema de anúncio e aviso manuais, de molde a que a

velocidade das circulações não excedesse os 60 Km/hora, tal

como aludido no ponto 5.2 das "Normas de Segurança para

Protecção das Equipas em Trabalhos na Via";

17 - Em consequência do acidente aludido no ponto 1., o AA

sofreu as lesões descritas no relatório de autópsia de fls. 43 a

49, as quais determinaram a sua morte, ocorrida no próprio dia,

e verificada pelas 16 horas;

18- O AA era um homem saudável, apto para o trabalho, feliz,

alegre, comunicativo, e um bom colega;

19- O AA tinha um grande apego ao seu núcleo familiar, à sua

mulher e aos seus dois filhos;

20 - Os filhos, apesar de maiores de idade, dependiam do pai,

tanto a nível emocional como económico, uma vez que são

jovens recém-licenciados;

21- O AA acompanhava os filhos nas candidaturas a empregos,

e financiava todas as despesas que lhes eram inerentes;

22 - O AA contribuía com o seu sustento para as despesas dos

filhos, sobretudo as que respeitam aos alimentos, vestuário e

casa;

23 - A autora ficou privada da comunhão de vida com o AA,

depois de 24 anos de casamento;

24 - Após o acidente, é a autora quem suporta sozinha todos os

encargos familiares;

25 - A morte do AA mergulhou a autora e os seus filhos numa

profunda dor e tristeza;

26 - Na data do acidente, o AA auferia a retribuição anual

global de 16.573,20, composta pelo vencimento base de €

843,89 (x 14), acrescido do subsídio de alimentação de €

237,82 (x 11), e de outras remunerações de € 178,56 (x 12);

27 - A ré "Rede Ferroviária Nacional - REFER, E.P."

tinha a responsabilidade infortunística por acidentes de trabalho

integralmente transferida para a interveniente "FF, S.A.",

através da apólice n° 1500291100250;

28- Na tentativa de conciliação realizada na fase conciliatória

destes autos, a interveniente "FF, S.A." aceitou pagar à autora a

pensão anual de € 4.971,92, com início em 02-08-2007, e

subsídio por morte de € 4.836, e o subsídio de funeral de €

1.612;

29- O falecido AA tinha, à data do acidente, 50 anos de idade, e

era casado com a autora.

30 - Conforme fls. 781 a 830, para onde se remete, foi junta aos

autos, já em sede de recurso, uma certidão emitida pelo 1.°

Juízo do Tribunal Judicial do Fundão, que corresponde ao

despacho final, proferido na Instrução do Processo n.°

386/07.6GBFND, que assim decide (fls. 829): "Em face do

exposto, decide-se proferir despacho de não pronúncia dos

arguidos II e CC, quanto à prática, pelos mesmos, em co-

autoria, de um crime de violação das regras de segurança, p. e

p. pelas disposições conjugadas dos artigos 152.°-B, ns.° 1, 2 e

4, ais. a) e b) do Código Penal".

III. FUNDAMENTOS DE DIREITO.

As obrigações gerais em matéria de segurança, para a entidade

empregadora, decorrem, nomeadamente, do artigo 120.º do CT

de 2003 (art. 127.º do CT 2009) que diz que são deveres do

empregador, entre outros, os de «proporcionar boas condições

de trabalho, tanto do ponto de vista físico como moral»;

«prevenir riscos e doenças profissionais, tendo em conta a

protecção da segurança e saúde do trabalhador, devendo

indemnizá-lo de acidentes de trabalho» e «adoptar, no que

respeita à higiene, segurança e saúde no trabalho, as medidas

que decorram, para a empresa, estabelecimento ou actividade,

da aplicação das prescrições legais e convencionais vigentes»

[alíneas c), g) e h)].

Estes deveres da entidade empregadora em matéria de

segurança, higiene e saúde no trabalho, enunciados no Código

do Trabalho, foram mais amplamente tratados no Decreto-Lei

n.º 441/91, de 14 de Novembro [revogado e substituído pela Lei

de 102/2009, de 10 de Setembro], designadamente quanto à

prevenção dos riscos, adopção de medidas, informação,

instrução, consulta e formação dos trabalhadores.

Temos, assim, que em face das disposições legais, o

empregador se mostra adstrito por força do vínculo laboral à

observância das normas em matéria de segurança, higiene e

saúde no trabalho, com vista a prevenir os riscos emergentes da

violação dessas regras.

Deste modo, para a violação das regras de segurança pelo

empregador estabelece o artigo 18.º da Lei n.º 100/97, de 13 de

Setembro (ainda aplicável ao caso dos autos) o seguinte:

«1 – Quando o acidente tiver sido provocado pela entidade

empregadora ou seu representante, ou resultar de falta de

observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no

trabalho, as prestações fixar-se-ão segundo as regras seguintes:

a) Nos casos de incapacidade absoluta, permanente ou

temporária, e de morte serão iguais à retribuição;

b) Nos casos de incapacidade parcial, permanente ou

temporária, terão por base a redução de capacidade resultante

do acidente.

2 – O disposto no número anterior não prejudica a

responsabilidade por danos morais nos termos da lei geral nem

a responsabilidade criminal em que a entidade empregadora, ou

o seu representante, tenha incorrido.

3 – Se, nas condições previstas neste artigo, o acidente tiver

sido provocado pelo representante da entidade empregadora,

esta terá direito de regresso contra ele».

Reporta-se o preceito a duas situações distintas: a primeira à de

o acidente ter sido provocado pela entidade empregadora ou seu

representante, ou seja, à de ter sido produzido por actuação

dolosa — directa ou eventual — daquelas entidades; a segunda

à do acidente ter resultado de falta de observação das regras

sobre segurança, higiene e saúde no trabalho — actuação

meramente culposa — por parte das mesmas entidades.

Quer dizer: no primeiro caso o acidente é querido ou admitido

como resultado possível de conduta assumida voluntariamente;

no segundo não se respeitam regras de segurança adequadas a

prevenir o acidente, quer estas decorram dos deveres gerais de

diligência, quer de estipulações decorrentes da lei ou contidas

em directivas da entidade empregadora.

Num caso como noutro a entidade empregadora sempre

responderá pelas prestações agravadas, quer a conduta lhe seja

imputável directamente, quer a quem no acto a represente.

Note-se que, conforme entendimento defendido por Carlos

Alegre [in "Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais -

Regime Jurídico anotado – 2.ª reimpressão, 2001"] «(...) o

conceito de representante da entidade patronal - seja ela, pessoa

individual ou colectiva - pode ser alargado a outras pessoas

físicas que, de algum modo, actuem em representação daquela

entidade, seja porque detém um mandato específico para tanto,

seja porque age sob as ordens directas da entidade patronal,

como é o caso de qualquer pessoa colocada na escala

hierárquico-laboral de uma empresa».

No mesmo sentido diz Luís Menezes Leitão [in "A Reparação

dos Danos Emergentes de Acidentes de Trabalho”, Temas

Laborais, Volume I, Almedina, 2006, pág. 47] que "o que está

em causa quando a lei fala de "representante" não parece ser

uma verdadeira representação em sentido jurídico mas antes o

facto de a entidade patronal admitir outra pessoa a exercer os

poderes de autoridade e direcção a que o trabalhador se

subordinou pelo contrato de trabalho".

No caso dos autos resultou provado que o acidente que vitimou

o sinistrado verificou-se na situação de não terem sido

observadas as seguintes normas internas da "Instrução de

Exploração Técnica n° 77 - Normas e Procedimentos de

Segurança em Trabalhos de Infra-estruturas", nas vertentes de

risco, categorias de risco, distâncias de segurança, entre outras,

e constantes do Anexo II, sob a epígrafe "Normas de Segurança

para Protecção das Equipas em Trabalhos na Via'':

a) ponto 9.5 (Condições Gerais de Aplicação), que determina

que a velocidade das circulações deve ser igual ou inferior a 60

Km./hora;

b) ponto 5.1 (Anúncio e Aviso de Aproximação de

Circulações), que estabelece "que previamente ao início dos

trabalhos deve ser colocado o sinal S - Atenção aos Trabalhos";

c) ponto 5.2 da mesma epígrafe, e em que se estabelece "a

obrigatoriedade de selecção e à correcta utilização de um

sistema de anúncio e aviso adequado para os trabalhos

autorizados a realizar em plena via", impõem a obrigatoriedade

de adopção de um sistema de preferência automático e, não

sendo este possível, um sistema de anúncio e aviso manuais, e

de molde a que a velocidade das circulações não exceda os 60

Km/hora.

Na verdade, resultou, concretamente, provado que:

- A limitação de velocidade a que alude o ponto 9.5 das

"Normas de Segurança para Protecção das Equipas em

Trabalhos na Via" não foi implementada, sendo que tal

procedimento passaria por um pedido a efectuar antes do início

dos trabalhos pelo responsável pela execução dos trabalhos ao

Chefe da Estação anterior, em impresso próprio, com a

indicação da hora prevista para o seu início, local e tempo de

duração;

- O sinal S - "Atenção aos Trabalhos" referido no ponto 5.1 das

"Normas de Segurança para Protecção das Equipas em

Trabalhos na Via" não foi colocado no sentido descendente e,

no sentido ascendente, o dito sinal foi colocado, caiu e não foi

reposto;

- Não foi adoptado o sistema, de preferência automático, ou o

sistema de anúncio e aviso manuais, de molde a que a

velocidade das circulações não excedesse os 60 Km/hora, tal

como aludido no ponto 5.2 das "Normas de Segurança para

Protecção das Equipas em Trabalhos na Via".

Quando o acidente teve lugar o sinistrado trabalhava em

equipa, que era constituída, para além do sinistrado, por um

encarregado de via, CC (na altura a exercer as funções de chefe

de equipa), e por mais dois operadores de via, impendendo

sobre o chefe de via a obrigação de adoptar o procedimento

aludido no ponto 5.2 das "Normas de Segurança para Protecção

das Equipas em Trabalhos na Via".

Momentos antes do acidente ocorrer, tinha passado na linha da

Beira Baixa, no local do acidente, o comboio "Intercidades",

sendo que momentos antes da sua passagem o chefe da via deu

instruções directas para que os três operadores de via

suspendessem a execução dos trabalhos;

Porém, após a passagem do comboio "Intercidades", o chefe da

via CC ordenou aos três operadores de via que retomassem os

trabalhos, sabendo que dentro de quinze minutos iria passar um

outro comboio.

Não se encontrava então implementado no local qualquer

sistema de vigilância, nem foi adoptado o sistema, de

preferência automático, ou o sistema de anúncio e aviso

manuais, de molde a que a velocidade das circulações não

excedesse os 60 Km/hora, tal como aludido no ponto 5.2 das

"Normas de Segurança para Protecção das Equipas em

Trabalhos na Via".

Acresce que o sinistrado, para além de outro equipamento de

segurança, utilizava protecção auditiva e operava com um

vibrador/martelo pneumático "Cobra", o que não lhe permitiu

ouvir a aproximação da automotora, pela qual foi colhido,

sofrendo lesões que lhe determinaram morte.

Ora, no caso em apreço decorre à evidência que o acidente dos

autos decorreu da violação de regras de segurança, o que a

Recorrente nem questiona. O que pretende é fazer convencer

que a violação de tais regras é de imputar ao chefe da equipa

onde o sinistrado se encontrava integrado e que este não pode

ser considerado como seu representante ao assumir o

comportamento que assumiu.

Porém, os factos não conduzem a tal conclusão.

À Recorrente, que até possuía normas internas de segurança

destinadas à realização de trabalhos na via férrea, competia-lhe

implementar no terreno as condições para o cumprimento de

tais normas, bem assim os cuidados gerais para acautelar a

produção de acidentes com os trabalhadores envolvidos nos

trabalhos da via, incluindo o próprio chefe de equipa.

E dos factos não resulta que tenha estabelecido no caso as

condições necessárias ao cumprimento das normas de

segurança internas, nem das gerais impostas pelo dever de

elementar diligência.

É certo que tinha lá um encarregado, um chefe de equipa, que

até tomou medidas cautelosas aquando da passagem de um

comboio, mandando suspender os trabalhos, mas que da

passagem de outro (o sinistrizante), por razões que não se

apuraram, não tomou semelhante cautela e o sinistro verificou-

se.

O certo é que se desconhece quais foram as instruções em

matéria de segurança — se é que tenham existido — que a

Recorrente deu ao chefe da equipa com vista a adoptá-las nos

trabalhos que estavam a ser executados.

Apenas se considerou provado que impendia sobre o chefe de

via CC a obrigação de adoptar o procedimento aludido no

ponto 5.2 das "Normas de Segurança para Protecção das

Equipas em Trabalhos na Via”, o que é pouco para daí se poder

inferir que competia àquela ter tomado todas as medidas de

segurança que na situação se impunham.

Contudo, mesmo que se tivesse provado que ao chefe de equipa

cabia no caso tomar as medidas adequadas a fazer cumprir as

normas e cuidados de segurança que eram na situação de

adoptar para evitar a produção de acidentes com os

trabalhadores envolvidos nos trabalhos e que no caso não foram

adoptadas, sempre aquele teria de ser havido como

representante da Recorrente, responsabilizando esta pelas

consequências do sinistro verificado.

Alega a Recorrente que era sobre o encarregado de via, o

senhor CC, que impendia a obrigação de adoptar o

procedimento de segurança referido na regra do ponto 5.2 da

norma de segurança i.e., a adopção de um sistema de anúncio e

aviso manuais, à falta de automático, de molde a que a

velocidade das circulações não excedesse 60 km/hora e que

resultou provado que não se encontrava implementado no local

qualquer sistema de vigilância e que sobre o identificado

encarregado de via impendia o dever de obediência àquela

regra, a cujo cumprimento se encontrava adstrito em razão da

identificada instrução da entidade empregadora, o que não fez

negligenciando, consequentemente, a colocação de dois

homens, um em cada extremidade do local onde decorriam os

trabalhos, para alertarem da aproximação de alguma circulação.

Sucede que não está provado que tenha sido pela violação desta

norma de segurança que o acidente se verificou, pois nem tão-

pouco está demonstrado que o comboio circulasse a velocidade

que excedesse 60 km/hora.

Por outro lado, quanto ao facto de não se encontrar

implementado no local qualquer sistema de vigilância e à não

colocação de dois homens, um em cada extremidade do local,

onde decorriam os trabalhos, para alertarem da aproximação de

alguma circulação, omissões que a Recorrente pretende imputar

ao identificado encarregado de via, os factos não facultam tal

imputabilidade e, por isso, esta só pode ser assacada à própria

Recorrente.

Na verdade, não está provado que a Recorrente tivesse

incumbido o chefe da equipa de promover no local qualquer

sistema de vigilância nem de colocar dois trabalhadores para

alertarem da aproximação de alguma circulação. Nem sequer é

verosímil a alegação da Recorrente, pois se a equipa de trabalho

era apenas constituída pelo chefe respectivo e mais três

trabalhadores, não tendo a Recorrente feito deslocar para os

trabalhos outros agentes, como é que o chefe de equipa podia

colocar dois trabalhadores de vigilância?

Aliás a Recorrente bem reconhece a fragilidade da sua

alegação, pois que acrescenta que a aludida omissão até nem é

o facto determinante da fatal consequência, pois, a essa omissão

é concomitante a omissão das regras de segurança presentes sob

os pontos 9.5. e 5.1 da respectiva regulamentação.

Mas quanto à omissão destas regras de segurança diz que dos

autos não consta qualquer prova da sua autoria, para que se

possa definir justamente da verificação e extensão da muito

provável concorrência de culpas dos demais trabalhadores

participantes na eclosão do sinistro.

Acontece que, no caso, a violação das regras de segurança, é,

antes de mais, da sua responsabilidade. Não basta que a

entidade empregadora tenha estabelecido normas de segurança

nos seus regulamentos internos, carecendo também de as

aplicar e de as fazer cumprir no terreno.

Alega mais a Recorrente, e para concluir, que o facto

determinante da eclosão do acidente até sucedeu por acção e a

posteriori da inobservância daquelas regras de segurança, por o

chefe da equipa ter ordenado aos três operadores de via que

retomassem os trabalhos, sabendo que dentro de quinze

minutos iria passar outro comboio, sendo forçoso qualificar a

sua conduta como objectivamente alheia aos poderes-deveres

de que estava funcionalmente investido pelo empregador, em

razão da sua função, ao momento dos factos, assim não

devendo ser considerado como representante do empregador

para os efeito do artigo 18°, da LAT, ademais, quando não se

alegou e provou que tais condutas mereciam o assentimento ou

sequer o conhecimento da sua empregadora, ora Recorrente.

Também nesta parte carece a Recorrente de razão.

Com efeito, os factos não esclarecem por que é que o chefe da

via mandou suspender os trabalhos em curso aquando da

passagem do primeiro comboio e, tendo mandado retomar os

trabalhos, não os logrou suspender antes da passagem do

segundo, que passava dentro de quinze minutos.

Nada indicando que tenha actuado com a intenção dolosa de

contrariar instruções recebidas da entidade empregadora e de

ocasionar a provocação do acidente, mas admitindo-se a sua

eventual negligência por não ter assumido comportamento que

lhe era exigível em matéria de prevenir a verificação do

acidente, sempre as consequências deste são da

responsabilidade da Recorrente, por aquele ter actuado na

situação como seu representante.

Tanto mais que não resultou provado que o chefe da equipa

tenha no caso contrariado instruções recebidas da Recorrente

relativamente a medidas de segurança a adoptar no local.

Sabe-se apenas que houve, na realidade, a violação de regras de

segurança, que foram causa determinante do acidente e que

essa violação não pode deixar de ser imputada à Recorrente em

face de quanto se deixa exposto.

Deste modo, o acórdão do Tribunal da Relação tem de ser

confirmado, ainda que com a fundamentação que se deixa

exarada.

Improcedem, por isso, as conclusões do recurso, sendo de

manter a decisão recorrida.

IV. DECISÃO:

Em conformidade com os fundamentos expostos, nega-se a

Revista e confirma-se a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 6 de Dezembro de 2011.

Pereira Rodrigues (Relator) ; Pinto Hespanhol ; Fernandes da

Silva

Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 2158/07.9TTLSB.L1.S1

Nº Convencional: 4ª SECÇÃO Relator: PEREIRA RODRIGUES Descritores: CONTRATO DE TRABALHO

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO

ÍNDÍCIOS DE SUBORDINAÇÃO JURÍDICA

Apenso: Data do Acordão: 12-01-2012 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1

Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA

Sumário : I. São elementos indiciadores da existência de um contrato de

trabalho: o compromisso da prestação de uma actividade,

realizada em regime de exclusividade e em prestações

duradouras e de execução continuada; mediante instruções e

fiscalização do empregador; em local de pertença ou

determinação deste; dentro de um horário pré-estabelecido;

mediante remuneração, certa, variável ou mista, mantida com a

mesma “regularidade” e “periodicidade” e acompanhada de

subsídios complementares; com os riscos, ligados ao exercício

da actividade desenvolvida, por conta do dador de trabalho e

com pertença deste dos instrumentos de trabalho e das

matérias-primas, para além da dos produtos acabados; com o

trabalhador integrado na hierarquia da empresa ou exercendo a

sua actividade formando equipa com outros trabalhadores

subordinados ou com sujeição a prestar o seu trabalho nas

mesmas condições daqueles; com a obrigação de o trabalhador

justificar as suas ausências e a possibilidade de exercício do

poder disciplinar sobre o mesmo e com a responsabilidade do

empregador pelos encargos com os regimes fiscais, de

segurança social e de seguro obrigatório.

II. Terão de ser havidos como mais relevantes os índices que

manifestem com maior perceptibilidade a existência da

subordinação jurídica do trabalhador ao dador de trabalho, que

deverá considerar-se afastada se tais índices apontarem mais

convincentemente para a presença de um contrato de prestação

de serviço;

III. Exercendo o trabalhador, por força do vínculo contratual, a

função de “perito auto”, mediante o pagamento de honorários,

pela empregadora, por cada peritagem realizada e a emissão de

recibos verdes por aquele, que se mostrava inscrito na

Segurança Social e colectado nas Finanças como trabalhador

independente, sem receber qualquer quantia quando faltava ou

quando estava de férias, sem cumprimento de horário,

utilizando viatura própria nas deslocações para executar a sua

actividade, suportando as despesas com a mesma, sem ter que

apresentar justificação das faltas e podendo escolher os

períodos em que gozava as férias e sem que a empregadora lhe

tivesse pago subsídio de férias e subsídio de Natal e sem que o

trabalhador também tivesse reclamado o gozo de 22 dias úteis

de férias, retribuição de férias, subsídio de férias, subsídio de

Natal, diuturnidades e subsídio de almoço, há elementos

indiciadores bastantes da existência de um contrato de

prestação de serviço.

IV. Não obstando para tanto que a actividade, de “perito auto”,

do trabalhador fosse exercida em regime exclusividade e que

para a executar este tivesse de visitar oficinas de automóveis

nos locais indicados pela empregadora, a elas tendo de se

deslocar durante o seu período normal de funcionamento e que

para a execução das suas tarefas utilizasse instrumentos de

trabalho fornecidos pela mesma empregadora e desta recebesse

orientações sobre a execução do trabalho e o pagamento das

despesas com as deslocações, uma vez que os índices

insinuativos do contrato de trabalho menos relevam que os que

prognosticam a existência de um contrato de trabalho

autónomo.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A

SOLUCIONAR.

No Tribunal do Trabalho de Lisboa, AA instaurou a presente

acção declarativa de condenação, com processo comum, contra

BB, SA, pedindo se declare a ilicitude do seu despedimento e

que a Ré seja condenada a pagar-lhe a indemnização por

antiguidade e demais créditos, que indica e reclama.

A Ré contestou, concluindo pela sua absolvição.

Prosseguindo os autos os seus trâmites, foi proferido despacho

saneador, especificada a matéria assente e elaborada a base

instrutória e, por fim, procedeu-se a audiência de discussão e

julgamento, sendo proferida sentença condenando a Ré no

pedido.

Inconformada com esta decisão, dela recorreu a Ré, vindo a ser

proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no qual

aquela veio a ser absolvida do pedido.

Inconformado, agora, o Autor interpôs recurso de Revista

para este STJ, apresentando alegações, com as seguintes

CONCLUSÕES:

«a. A RECORRIDA beneficiou em exclusivo da actividade do

RECORRENTE, no período compreendido entre 01/03/2003 e

06/02/2007, (que para ela laborava, conforme lhe foi exigido,

em condições de absoluta exclusividade).

b. Os profissionais liberais não exercem a sua actividade em

regime de exclusividade para uma entidade, sendo que o que

constitui a "pedra de toque”, característica essencial da

profissão liberal, como o seu nome indica, é a liberdade do

profissional, que não está económica nem juridicamente

dependente de uma determinada entidade, muito pelo contrário,

é livre e auto-determinada, podendo o prestador escolher as

pessoas ou empresas a quem vai prestar serviços, sem que

qualquer uma delas possa interferir nessa decisão.

c. Do ponto de vista económico, o RECORRENTE dependia

em absoluto da RECORRIDA (face a exigência de

exclusividade por parte desta), sendo que no decurso do vínculo

contratual, não desempenhou para qualquer outra entidade, quer

a actividade profissional de "perito averiguador", quer outra

remunerada, recebendo apenas dela (RECORRIDA) a

retribuição com que subsistiu e fez face às necessidades do seu

agregado familiar.

d. No recurso do vínculo contratual dos autos, coube à

RECORRIDA (sempre e sem excepção), determinar o local de

trabalho do RECORRENTE, o que fez, primeiro (e em

abstracto), quando definiu ou unilateralmente alterou a "zona"

geográfica de trabalho deste; segundo, quando comunicou ao

RECORRENTE, em cada uma das "peritagens", o local da sua

execução; terceiro, quando ordenou ao RECORRENTE,

deslocações diárias às suas instalações, para entregar e receber

trabalho, local onde este dispunha de um espaço físico para

efectuar esse serviço, além de diverso equipamento por ela

fornecido, pese embora o RECORRENTE desempenhasse as

suas funções essencialmente no exterior, face às características

da sua actividade.

e. O horário de trabalho do RECORRENTE, de 2.ª a 6.ª Feira,

correspondia ao horário de funcionamento das oficinas que a

RECORRIDA lhe indicava (em cada uma das "peritagens"),

embora em tal período este se encontrasse condicionado às

instruções da RECORRIDA, com vista à realização de

peritagens com dia e hora marcada e assim impedido de planear

quando ou em que momento (dias e horas) executaria as tarefas

necessárias a cada uma delas e pese embora desempenhasse as

suas funções sujeito a um horário de trabalho não determinado

mas determinável, face às características próprias da actividade

de "perito averiguador" que desempenhava, numa situação

equiparável à de "isenção de horário de trabalho", tal

circunstância é compatível, como se sabe, com a manutenção

de uma relação de trabalho subordinado.

f. O RECORRENTE, recebia mensalmente da RECORRIDA

uma retribuição variável quanto ao quantitativo, mas regular

quanto ao momento da sua liquidação, nos primeiros dias de

cada mês, pagando-lhe ainda a RECORRIDA, uma quantia

destinada a despesas com alimentação.

g. Enquanto ao serviço da RECORRIDA, o RECORRENTE,

auferiu mensalmente, a título de "honorários" e "quilómetros"

quantias substancialmente inferiores às que teria auferido caso

fosse considerado (pela RECORRIDA) um "perito do "quadro".

h. A opção da RECORRIDA, em manter o RECORRENTE no

exercício de funções num regime simulado de prestação de

serviços, mascarado com a emissão dos denominados "recibos

verdes", deveu-se a fins de contenção de custos, traduzindo

uma mera intenção de obter mão-de-obra mais barata.

i. Relativamente ao critério actividade versus resultado, os

elementos já adiantados e supra expostos, no tocante ao horário

de trabalho e à remuneração, ao que acresce que o facto do

RECORRENTE ter a seu cargo uma multiplicidade de tarefas,

fazem concluir, que dele não se esperava apenas o resultado

final (relatório de peritagem), inferindo-se da factualidade

provada, que o RECORRENTE colocou à disposição da

RECORRIDA o exercício da sua actividade como "perito

avaliador" por tempo indeterminado e não apenas em função de

uma tarefa concreta ou um resultado do trabalho a que se

obrigara (v.g. avaliar um veículo da RECORRIDA até à sua

reparação), sendo que a autonomia de que gozava, releva da

autonomia técnica própria da sua profissão, sem prejuízo da

subordinação jurídica no que respeita aos demais aspectos da

sua actividade.

j. A excepção do veículo automóvel - à semelhança do "peritos"

com que a RECORRIDA aceita ter celebrado contrato de

trabalho - as ferramentas de trabalho do RECORRENTE, eram

todas elas propriedade ou foram-lhe por ela facultadas, tendo

esta colocado à sua disposição, tudo o mais necessário a

concretização da prestação de trabalho.

k. O RECORRENTE estava inserido numa estrutura produtiva

que era da RECORRIDA, em situação equiparável aos

trabalhadores "peritos avaliadores" com quem esta admite ter

celebrado contrato de trabalho.

1. O RECORRENTE estava perante a RECORRIDA numa

situação de subordinação jurídica, traduzida no poder dela

(RECORRIDA) conformar, através de ordens, directivas e

instruções, a prestação a que ele (RECORRENTE) se obrigou,

sendo a RECORRIDA quem programava, organizava e dirigia,

quer a montante quer a jusante, a actividade do

RECORRENTE, incumbindo-lhe (a ela RECORRIDA) não

apenas distribuir as tarefas a realizar, mas ainda fiscalizar a sua

execução e resultado, definindo e programando o como,

quando, onde e com que meios as devia executar em cada

momento o RECORRENTE e cada um dos restantes

trabalhadores.

m. O RECORRENTE estava sujeito ao poder disciplinar da

RECORRIDA, fazendo-lhe os superiores hierárquicos

(supervisores desta), chamadas de atenção, quando porventura

entendiam que no seu trabalho existiam aspectos a corrigir,

podendo sanciona-lo com dias de suspensão, dirigindo-lhe

comandos imperativos relacionados com obrigatoriedade de

comparência em acções de formação, fiscalizando, analisando e

supervisionando toda a actividade por si executada.

n. Não estava na disponibilidade do RECORRENTE fazer-se

substituir por outra pessoa por si indicada, sendo que na

disponibilidade da RECORRIDA estava a possibilidade de

fazê-lo substituir quando e por quem bem entendesse.

o. A relação laboral subordinada caracteriza-se em função do

seu conteúdo e da sua dinâmica, e não em função do recibo,

nem da actividade em que o trabalhador está colectado, que

muitas vezes, não passam de um mero artifício para iludir as

disposições que regulam o contrato de trabalho, como acontece

e resulta provado no caso dos presentes autos.

p. A RECORRIDA, desvaloriza, relativamente à

função/profissão "perito averiguador" a sujeição a horário de

trabalho ou a determinação de um local de trabalho preciso e

previamente determinado, tendo inclusivamente actuado de

forma a obstar que sobre os "peritos averiguadores" quer em

regime de "recibos verdes" quer do "quadro", pudesse ser

exercido qualquer controlo relativamente ao cumprimento de

horário de trabalho, criando as necessárias condições para que

assim acontecesse.

q. Os critérios i) local de trabalho e ii) horário de trabalho,

comummente aceites e utilizados pela doutrina e jurisprudência

como indiciadores da relação trabalho subordinado, não

poderão na demanda sub judice, ser utilizados, por um lado,

face às características próprias da função/profissão do

RECORRIDO, por outro, face à desvalorização desses critérios

faz a RECORRIDA, na concepção do conteúdo da relação de

trabalho relativa à função/profissão de "perito averiguador".

r. E característica da função/profissão "perito averiguador" a

não sujeição a horário de trabalho, assim como a inexistência

de determinação de local de trabalho previamente definido,

embora determinável, sendo que a concepção que a

RECORRIDA faz da função/profissão ''perito averiguador"

dispensa a sujeição aos requisitos horário de trabalho e local de

trabalho previamente definido ou determinado.

s. Balanceados dos indícios recolhidos, considera-se verificada

a presunção a que acima aludimos, de que entre

RECORRENTE e RECORRIDA vigorou, efectivamente, um

contrato de trabalho, afastada, como acima exposto, a

necessidade de preenchimento dos requisitos do local e do

horário de trabalho, face à especificidade da função/profissão

de "perito averiguador".

t. Perspectivada a factualidade assente e sendo certo que o que

releva é o conteúdo da relação estabelecida e não a forma que

lhe deu corpo ou o estatuto formal que o trabalhador detinha no

exercício das suas funções, conclui-se, que a actividade

desenvolvida pelo RECORRENTE ao serviço da

RECORRIDA, plenamente enquadrada numa estrutura e numa

organização criada e controlada por esta, o foi ao abrigo de um

vínculo que se deve qualificar como uma relação de trabalho

subordinado.

u. O RECORRENTE estava subordinado, para com a

RECORRIDA, por um típico e característico contrato de

trabalho, só podendo ser despedido verificando-se justa causa e

precedência de processo disciplinar, o que não aconteceu.

v. Mediante a relação contratual que celebrou com a

RECORRIDA o RECORRENTE ficou juridicamente

subordinado a esta, que lhe indicava as perícias que devia fazer,

pedia-lhe esclarecimentos se necessário, podia dirigir-lhe

directivas, controlava o tempo gasto na realização das perícias,

atribuía-lhe os "instrumentos de trabalho, fazia-lhe descontos

na retribuição, enfim, moldava a actividade do RECORRENTE

consoante as exigências próprias da actividade da

RECORRIDA e de acordo com a organização de meios por esta

delineados.

w. Entre RECORRENTE e RECORRIDA, no período

compreendido entre 01/03/2003 e 06/02/2007, vigorou um

contrato de trabalho.

x. Tendo a RECORRIDA promovido a sua cessação ao arrepio

dos normativos legais aplicáveis, a sua decisão e comunicação

com essa finalidade, consubstanciam um despedimento ilícito,

nos termos da alínea a), do Artigo 429.° do Código do

Trabalho, (então em vigor).

y. A cessação ilícita do contrato de trabalho, confere ao

RECORRENTE o direito de invocar despedimento ilícito,

consequentemente, de peticionar a condenação da

RECORRIDA em indemnização por danos não patrimoniais,

pagamento de compensação por antiguidade em substituição da

sua reintegração, proporcionais de férias, subsídio de férias e de

Natal, referentes aos anos em que ela trabalhou, as prestações

vincendas até final e juros de mora, vencidos e vincendos.

z. Conclui-se assim, com o devido respeito, que é muito, que

Tribunal a quo interpretou incorrectamente, à luz do Artigo

1154.º do Código Civil, os indícios emergentes da matéria de

facto provada, quando optou por conceder provimento ao

Recurso de Apelação, decidindo pela inexistência de contrato

de trabalho.

aa. Fundamento pelo qual, se pretende seja dado provimento ao

presente recurso de REVISTA, anulando-se a decisão ora

RECORRIDA e substituindo-a por outra que determine que

entre RECORRENTE e RECORRIDA, no período

compreendido entre 01/03/2003 e 06/02/2007, vigorou

um contrato de trabalho, assim se aplicando as normas

previstas, no Artigo 1152.º do Código Civil e Artigo l.º do

Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho - LCT.,

aprovado pela Decreto-Lei n.ºs 49408, de 24/11/1969,

posteriormente no Artigo 10.º do Código do Trabalho,

aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, em vigor à

data da cessão do vinculo, normas que no entender do

RECORRENTE, constituindo fundamento jurídico da

decisão, foram correctamente aplicada na Sentença

proferida em 1.- Instância pelo Tribunal do Trabalho de

Lisboa, esta incorrectamente revogada pelo Acórdão proferido

em 2.- Instância pelo Tribunal da Relação de Lisboa, de que ora

se recorre.

Nestes termos, e nos demais de direito, com o sempre mui

douto suprimento de V. Exas., deverá conceder-se total

provimento ao presente Recurso, revogando-se em

consequência o Acórdão recorrido proferido pelo Tribunal da

Relação de Lisboa, condenando-se a RECORRIDA em tudo o

que se encontra peticionado na Petição Inicial, como fez

acertadamente, o Tribunal do Trabalho de Lisboa, assim se

fazendo, serena, sã e objectiva Justiça».

A R. contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão

recorrida ou, quando assim se não entenda, diz que deve

julgar-se procedente a reforma da douta sentença da 1.ª

instância e o pedido reconvencional deduzido pela ora

Recorrida.

A Exma. Procuradora-Geral-Adjunta emitiu douto parecer

no sentido da negação da Revista.

Foram colhidos os legais vistos, pelo que cumpre enunciar a

questão que se coloca à apreciação, que é a de saber se entre

RECORRENTE e RECORRIDA, no período compreendido

entre 01/03/2003 e 06/02/2007, vigorou um contrato de

trabalho subordinado, cuja cessação determinada pela Ré

integra um despedimento ilícito, devendo a Ré ser

condenada na indemnização de antiguidade e demais

créditos reclamados pelo Autor.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO.

Os factos considerados provados nas instâncias são os

seguintes:

1 – A Ré exercia, e exerce, a actividade de peritagem de

avaliação e de peritagem de averiguação (dos art. 8º da resposta

à contestação e art. 2º da resposta à contestação e acordo das

partes).

2 – No mês de Janeiro do ano de 2003, em reunião com o então

administrador da Ré — Eng.º CC —, foi celebrado um acordo

verbal entre o Autor e a Ré em virtude do qual, mediante o

pagamento de honorários pela Ré e emissão de recibos verdes

pelo Autor, este passou a efectuar, a partir de 1 de Março de

2003, a avaliação dos estragos em viaturas automóveis

resultantes de acidentes de viação e a elaborar os respectivos

orçamentos.

3 – Para executar essa actividade de peritagem, o Autor visitava

oficinas de automóveis na região de Lisboa até Aveiras de

Cima e no distrito de Setúbal até Águas de Moura.

4 – O Autor recebia da Ré diariamente, de Segunda a Sexta-

feira, a informação sobre os veículos e respectivas matrículas,

[para peritagem] no dia útil seguinte, com indicação das partes

danificadas no sinistro, bem como o nome e localização da

oficina onde os veículos se encontravam.

5 – Para fazer as peritagens dos veículos nas oficinas, o Autor

tinha de se deslocar a estas durante o seu período normal de

funcionamento, de Segunda a Sexta--feira.

8 – O Autor e todos os restantes peritos tinham de realizar a

peritagem no dia indicado pela Ré e se o não fizesse tinha de o

justificar.

9 – O Autor e os restantes peritos tinham de avisar com

antecedência de 30 dias que iriam faltar se fosse previsível a

ausência para não lhes ser distribuído serviço e no caso de ser

uma falta inesperada mesmo assim tinham de comunicar à Ré

para que o serviço fosse entregue a outro perito.

10 – O Autor e os restantes peritos em regime de recibos verdes

não tinham de apresentar justificação das faltas.

11 – O Autor e todos os restantes peritos incluindo os que

estavam integrados no quadro da Ré só podiam fechar os

orçamentos até ao montante de € 5.000, sendo que acima desse

valor era necessária a aprovação do supervisor.

12 – O Autor e todos os restantes peritos do quadro e em

regime de recibos verdes tinham de solicitar a intervenção dos

supervisores quando tinham dúvidas na avaliação dos danos ou

quando tinham dificuldade em negociar com as oficinas os

orçamentos.

13 – Para a execução da sua actividade de perito, a Ré forneceu

ao Autor os seguintes equipamentos:

a) Computador portátil Compaq Tablet, modelo TC 1000, com

o n.º de série KRD 32202 HZ;

b) Fax, de marca Cânon, modelo B-160, com o n.º de série ETV

13106;

c) Impressora portátil, de marca HP, modelo n.º 350, com o

número de série SG 2C112;

d) Máquina fotográfica, de marca Sony, modelo n.º P-32, com o

nº de série 748444;

e) Impressora fixa, de marca Kyocera, modelo PS 1000, com o

n.º de série XAG1332888.

14 – Até meados de 2003, o Autor deslocava-se diariamente às

instalações da Ré, na Rua … em Lisboa, a fim de receber da Ré

a indicação do serviço a realizar e de proceder à inserção dos

relatórios das peritagens num computador.

15 – Desde meados de 2003, o Autor e todos os restantes

peritos — quer os do quadro quer os que eram remunerados em

regime de recibos verdes — deixaram de ter um espaço físico

nas instalações da Ré para aí receber e entregar o serviço pois

isso passou a ser feito informaticamente para o que a Ré

instalou em casa de todos os peritos uma linha RDIS custeada

pela Ré, bem como fax.

16 – A Ré forneceu ao Autor e a todos os demais peritos

avaliadores — do quadro e em regime de recibos verdes — um

computador portátil com software instalado para a execução

das peritagens denominado A....

17 – A Ré pagou a formação ao Autor para saber trabalhar com

o programa informático A..., quer inicialmente quer ao longo

do tempo em que o Autor exerceu a sua actividade para a Ré,

formação essa que era obrigatória e se o Autor faltasse a Ré

poderia deixar de lhe distribuir serviço por não ter os

conhecimentos técnicos para o fazer com os meios informáticos

cuja utilização a Ré exigia.

18 – O A... é um programa informático de orçamentação criado

pela empresa A..., usado também por outras empresas que se

dedicam à actividade de peritagem de avaliação de danos no

ramo automóvel, que contém os preços das peças e os tempos

previstos para a sua substituição.

19 – O Autor e todos os demais peritos da Ré — do quadro e

em regime de recibos verdes — tinham de utilizar o programa

A... por a Ré assim o ter imposto com vista a facilitar o trabalho

dos peritos e a torná-lo mais objectivo e credível por ali estarem

indicados os preços das peças e os tempos previstos para a sua

substituição, mas nesse programa não consta qualquer

informação sobre se a peça deve ser substituída ou reparada e

quem decide isso é o perito de acordo com as regras e manuais

de procedimentos existentes na Ré sendo que a Ré tem como

primeira opção a reparação como consta no documento 10 de

fls. 179 […].

20 – A Ré forneceu também ao Autor e a todos os demais

peritos um canal informático de transmissão denominado

INPER, através do qual é efectuada a transmissão de dados,

possibilitando assim aos peritos receber o serviço que lhes é

distribuído pela Ré e o envio do relatório de peritagem à Ré por

via electrónica sem terem de se deslocar às instalações da Ré.

21 – A Ré forneceu um fax ao Autor e aos demais peritos para

que recebessem em casa os pedidos da Ré para realização de

pré-vistorias.

22 – A impressora portátil fornecida pela Ré permitia ao Autor

deixar nas oficinas um impresso do relatório de peritagem que

tinha efectuado.

23 – A máquina fotográfica fornecida pela Ré ao Autor tinha de

ser por este utilizada pois a Ré exigia-lhe que tirasse fotografias

dos veículos [a que fazia peritagem].

24 – O Autor e os restantes peritos do quadro e em regime de

recibos verdes tinham de executar as peritagens incluindo a

elaboração dos orçamentos seguindo as orientações técnicas

dos supervisores dos peritos e bem assim os procedimentos

indicados pela Ré por escrito, verbalmente, por telemóvel ou

por e-mail, sendo o cumprimento dessas orientações e

procedimentos bem como a qualidade do trabalho controlado e

fiscalizado pelos supervisores dos peritos, que chamavam a

atenção ao Autor bem como aos restantes peritos no caso de

estes não cumprirem, podendo os supervisores sancionar, como

já aconteceu, os peritos em regime de recibos verdes que não

cumprissem as orientações e procedimentos ou que não

executassem o serviço com qualidade através da não atribuição

de serviços durante um ou mais dias com o consequente não

recebimento de honorários.

25 – O Autor utilizava viatura própria nas deslocações para

executar a sua actividade de perito, suportando as despesas com

a viatura.

26 – Mas a Ré pagava ao Autor as despesas com as deslocações

para a execução da actividade de perito referentes a portagens e

quilómetros.

27 – Inicialmente a Ré pagava ao Autor e aos demais peritos

em regime de recibos verdes uma quantia referente a despesa

com almoços quando fazia peritagens fora de Lisboa, mas, a

partir de data não apurada do ano de 2006, a Ré deixou de fazer

esse pagamento mas aumentou o valor dos honorários por cada

peritagem.

28 – O Autor era remunerado por cada peritagem de acordo

com a tabela de honorários fixados pela Ré e as quantias que a

esse título recebia mensalmente variavam consoante o número

de peritagens que fazia, não recebendo qualquer quantia quando

faltava ou quando estava de férias.

29 – A Ré pagou ao Autor as quantias a que se referem os

documentos 1 a 9 de fls. 12 a 17 e 1 a 47 de fls. 75 a 121

vulgarmente designados por «recibos verdes» […], os

documentos 49 a 52 de fls. 128 a 131 e os documentos de fls.

256 a 259.

30 – Desde data não concretamente apurada a Ré fazia os

pagamentos ao Autor através de transferência bancária para

conta de que este é titular.

31 – A Ré efectuava os pagamentos dos honorários e despesas

ao Autor mensalmente nos primeiros dias de cada mês pois até

ao dia 28 ou 29 do mês anterior o Autor tinha de entregar na Ré

um registo com o número de serviços que tinha feito e as

despesas efectuadas, tendo a Ré emitido as regras para a

emissão de recibos verdes referentes a honorários, quilómetros

e portagens que constam nos documentos 3 de fls. 299, 27 de

fls. 328 e 66 de fls. 404/405 […].

32 – O Autor estava inscrito na Segurança Social e colectado

nas Finanças como trabalhador independente, tendo declarado o

início de actividade em 1/2/2003 e fazia constar nos recibos que

emitia que exercia a actividade de «perito auto».

33 – O Autor, tal como os restantes peritos, indicava aos

supervisores dos peritos, inicialmente por escrito e mais tarde

por via informática, até final de Março de cada ano, os períodos

em que pretendia fazer férias cabendo aos supervisores

autorizar as férias nos períodos escolhidos após verificarem se

havia ou não inconveniente para o serviço de peritagens tendo

em consideração os períodos de férias indicados pelos demais

peritos; se os supervisores entendessem que o número de

peritos em férias em simultâneo era inconveniente para o

serviço diziam ao Autor e aos demais peritos para combinarem

entre si os períodos de férias de forma a garantir que as

peritagens fossem asseguradas e só depois de ser feita a

conciliação dos períodos de férias é que estas eram autorizadas.

34 – A Ré elaborava um mapa que afixava na empresa com a

indicação dos períodos de férias de todos os peritos do quadro e

em regime de recibos verdes, bem como dos supervisores dos

peritos, no qual também era incluído o Autor, para se saber

quais os peritos a quem não se podia distribuir serviço por

estarem ausentes por motivo de férias.

35 – A Ré nunca pagou ao Autor subsídio de férias e subsídio

de Natal.

36 – O Autor tinha de exercer a sua actividade de perito para a

Ré em exclusividade, tendo sido essa uma exigência do então

administrador CC quando acordou com o Autor a sua

contratação.

37 – A Ré tinha cerca de 6 ou 7 peritos do quadro e entre 140 a

150 peritos em regime de recibos verdes, sendo que alguns dos

peritos do quadro tinham pertencido aos quadros de

Companhias de Seguros, como foi o caso do trabalhador DD,

que veio da Companhia de Seguros EE e como foi o caso do

trabalhador FF, que veio da Companhia de Seguros GG.

38 – Os peritos integrados no quadro da Ré recebiam e recebem

um salário fixo, ao contrário dos peritos contratados em regime

de recibos verdes, pois estes recebem mensalmente um valor de

honorários que varia em função do número de peritagens que

efectuam, recebendo o valor por inteiro quando as peritagens

ficam completas e recebendo metade do valor por cada

diligência de peritagem caso esta não fique completa num só

dia.

39 – A Ré não fixou nem acordou com o Autor qualquer

horário de trabalho para executar a sua actividade de perito,

mas o Autor só podia fazer as peritagens dentro do horário de

funcionamento das oficinas e nos casos de peritagens em

veículos de características especiais como ambulâncias, táxis

ou veículos de médicos a Ré indicava ao Autor a hora em que a

peritagem tinha de ser realizada, sendo também previamente

marcada a hora para a realização de pré-vistorias.

40 – Os peritos integrados no quadro da Ré utilizavam viatura

própria e recebiam da Ré quantias referentes a despesas com as

deslocações pelos quilómetros percorridos e portagens mas,

desde Fevereiro de 2007, passaram a utilizar viaturas fornecidas

pela Ré suportando esta todas as despesas com essas viaturas.

41 – O Autor jamais possuiu uma secretária/mesa em exclusivo

para si nas instalações da Ré, pois quando tinham de se

deslocar aí para receber e entregar o serviço, quer os peritos

integrados no quadro quer os que estavam em regime de

recibos verdes, apenas dispunham de uma sala onde estavam

juntas várias mesas com computadores e telefone que eram por

todos os peritos utilizados.

42 – A Ré não se obrigou a atribuir ao Autor determinado

número de peritagens por mês ou por semana e o número de

serviços diários distribuídos a cada perito depende do número

de pedidos das Seguradoras.

43 – O Autor nunca reclamou: o gozo de 22 dias úteis de férias,

retribuição de férias, subsídio de férias, subsídio de Natal,

diuturnidades e subsídio de almoço.

44 – Para passar a exercer a sua actividade de perito para a Ré

nem posteriormente o Autor efectuou qualquer entrevista pelos

serviços de pessoal nem exames médicos nem psicotécnicos.

45 – Os peritos contratados pela Ré em regime de recibos

verdes nunca constaram no mapa de pessoal da Ré, ao contrário

dos peritos integrados no quadro da Ré.

46 – Os peritos integrados no quadro da Ré recebiam o seu

salário mensalmente em dia fixo.

47 – O vencimento mensal que a Ré pagou aos peritos

integrados no seu quadro nos anos de 2003, 2004, 2005, 2006 e

2007 foi, respectivamente, de € 1.221,38, € 1.247,03, € 1.278, €

1.312,30 e € 1.347.

48 – O Autor era convidado pela Ré para encontros anuais e

para a festa de Natal.

49 – A Ré celebrou um protocolo com a Vodafone pelo qual o

Autor só pagava as chamadas de telemóvel que ultrapassassem

um determinado plafond.

50 – No dia 6/2/2007, a Ré comunicou ao Autor, através do

escrito junto como documento 11 de fls. 19, [o seguinte]:

«Assunto: Cessação de prestação de serviço

Exmo. Senhor

Confirmando o que pessoalmente já lhe foi transmitido,

informamos V. Exa de que o Conselho de Administração da BB

SA deliberou a extinção da relação de prestação de serviço de

peritagens relacionadas com a sinistralidade automóvel que tem

vindo a ser executada entre V. Exa. e esta empresa.

A cessação da prestação de serviços tem efeitos imediatos.»

51 – O Autor teve de devolver à Ré os equipamentos

identificados no documento 10 de fls. 18, em 06/02/2007.

III. FUNDAMENTOS DE DIREITO.

Como acima se deixou enunciado, a questão colocada pelo

Recorrente é a de saber se entre este e Recorrida, no período

compreendido entre 01/03/2003 e 06/02/2007, vigorou um

contrato de trabalho subordinado, cuja cessação determinada

pela Ré integra um despedimento ilícito, devendo a Ré ser

condenada na indemnização de antiguidade e demais créditos

reclamados pelo Autor.

Para responder a esta questão, importa estabelecer a distinção

entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço.

Mas antes cabe anotar que nos termos do art. 8º/1 da Lei n.º

99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho

de 2003, «ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho os

contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação

colectiva do trabalho celebrados ou aprovados antes da sua

entrada em vigor [01.12.2003], salvo quanto às condições de

validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente

passados anteriormente àquele momento».

Em face do estatuído neste normativo, a qualificação do

vínculo contratual do Recorrente com a Recorrida terá de ser

feita à luz do direito anterior, ou seja, do Regime do Contrato

Individual de Trabalho, aprovado pelo DL 49.408, de

24/11/1969 [LCT], enquanto o eventual incumprimento

contratual da segunda, porque ocorrido na vigência da nova lei,

deve ser apreciado de acordo com o regime por esta

estabelecido.

Diga-se, todavia, que no que se refere à qualificação jurídica do

contrato, a aplicação de um ou de outro regime não apresenta

qualquer relevância prática, na medida em que a definição

introduzida pelo art. 10º do Código do Trabalho de 2003

corresponde, no essencial, à que já constava do art. 1.152º do

Código Civil e do art. 1º da Lei do Contrato de Trabalho.

Na verdade, estatui o art. 1.152º do Código Civil, reproduzido

no art. 1º, do regime jurídico instituído pelo DL 49.408, de

24.11.69 (LCT), que o contrato de trabalho «é aquele pelo qual

uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua

actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a

autoridade e direcção desta».

Também o Código do Trabalho de 2003, diz, no artigo 10.º, que

«contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga,

mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou

outras pessoas, sob a autoridade e direcção destas».

E este diploma estabelece ainda, no art. 12.º, uma presunção da

existência do contrato de trabalho nos seguintes termos:

“Presume-se que existe um contrato de trabalho sempre que o

prestador esteja na dependência e inserido na estrutura

organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua

prestação sob as ordens, direcção e fiscalização deste,

mediante retribuição”.

Por seu lado, o art. 1.154º do Código Civil diz que «contrato de

prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga

a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho

intelectual ou manual, com ou sem retribuição».

Tem sido entendimento da doutrina, que a jurisprudência tem

perfilhado, o de que o elemento caracterizador do contrato de

trabalho é a subordinação jurídica, ou seja, como diz Abílio

Neto, «a relação de dependência em que o trabalhador se coloca

por força da celebração do contrato, ficando sujeito, na

prestação da sua actividade, às ordens, direcção e fiscalização

do dador do trabalho».

Para que se dê a subordinação jurídica - acrescenta A. Neto -

«basta que o trabalhador se integre, de algum modo, em maior

ou menor escala, no círculo de esfera de domínio ou autoridade

de uma entidade patronal, sendo suficiente que esta possa dar-

lhe ordens, dirigir ou fiscalizar o seu serviço, não se exigindo

que de facto e permanentemente o faça» [in Contrato de

Trabalho, Suplemento do BMJ, 1979, pag. 170].

Para Menezes Cordeiro, a subordinação jurídica «analisa-se, em

termos técnicos, numa situação de sujeição em que se encontra

o trabalhador de ver concretizada, por simples vontade do

empregador, numa ou outra direcção, o dever de prestar em que

está incurso» [in Manual do Direito de Trabalho, pag. 535].

Igualmente Mário Pinto, Furtado Martins e Nunes de Carvalho

opinam que «a situação de subordinação do trabalhador, e a

investidura da entidade patronal, perante ele, nos poderes de

direcção e disciplinar, traduzem o efeito principal,

caracterizador, da celebração do contrato de trabalho.

Encontrando aí a sua origem, é também no negócio celebrado

entre o trabalhador e a entidade patronal, e no programa nele

envolvido (do qual fazem parte não apenas os elementos

directamente postos pelas partes, como os que são inseridos

injuntivamente pela lei ou por outras fontes de regras jurídicas

reconhecidas pelo ordenamento) que encontramos as balizas

destas posições jurídicas. A faculdade de emitir directivas

vinculativas para o trabalhador e o poder de as tornar efectivas,

o dever de acatar estas directivas e a sujeição ao poder

sancionatório patronal, resultam da celebração do contrato de

trabalho e aí encontram os seus primeiros e fundamentais

limites» [in Comentário às Leis do Trabalho, pg. 26].

Mas, segundo Galvão Telles, «o requisito da subordinação

jurídica tem de definir-se com bastante latitude e flexibilidade

de modo a abranger as variadíssimas graduações de que é

susceptível. O trabalhador subordinado pode ser um empregado

altamente qualificado e com funções directivas ou um operário,

que realize labor predominantemente manual; pode estar

submetido a estrita direcção ou gozar de autonomia técnica;

trabalhar em exclusivo para uma entidade patronal ou para

várias; achar-se ou não sujeito a horário, etc..

Com a evolução do direito do trabalho, cada vez a subordinação

jurídica apresenta maior gama de cambiantes e se maleabiliza

mais no seu conteúdo» [apud A. Neto, ob. cit., pag.171].

Sucede que frequentemente a subordinação jurídica existe, mas

não transparece a uma primeira análise, tornando-se necessário

recorrer a elementos concretos, que constituam indícios da

ocorrência daquela subordinação.

Vejamos, pois, quais são os índices da presença do contrato de

trabalho.

No contrato de trabalho, o prestador de trabalho obriga-se a

prestar a sua actividade laboral, o trabalho em si mesmo, e não

propriamente um preciso resultado do trabalho.

Havendo contrato de trabalho, normalmente, os instrumentos de

trabalho e as matérias-primas, para além dos produtos

acabados, serão pertença do dador de trabalho e os riscos

inerentes à utilização dos mesmos correrão por conta daquele.

Se o local de trabalho se situar em estabelecimento pertença do

empregador ou em local por este determinado há indício de se

tratar de contrato de trabalho.

Outro tanto se diga da existência de um horário, dentro do qual

a actividade deva ser exercida, que é um elemento que, por

regra, não deixa de estar presente quando se está em face de um

contrato de trabalho, pese embora uma certa flexibilidade que

neste campo, por vezes se consente.

Acresce que havendo contrato de trabalho o modo de

cumprimento do contrato realiza-se em prestações duradouras e

de execução continuada, ainda que, em certos casos, submissas

a certos limites temporais.

Além disso, os riscos ligados ao exercício da actividade

desenvolvida, no caso de contrato de trabalho, correm por conta

do dador de trabalho, o que já não se verifica no trabalho

prestado fora de tal condicionalismo.

Indicativo da existência de contrato de trabalho é ainda o facto

de o prestador de trabalho exercer em regime de exclusividade,

para uma determinada entidade, a sua actividade laboral.

Também a observância dos regimes fiscais, de segurança social

e de seguro obrigatório, próprios do trabalhador por conta de

outrem, são indicações da presença de contrato de trabalho.

Como dificilmente se pode conceber que não exista contrato de

trabalho se o trabalhador exerce a sua actividade formando

equipa com outros trabalhadores subordinados ou estando

sujeito a prestar o seu trabalho nas mesmas condições dos

primeiros.

Indicação mais segura da existência do contrato de trabalho

será a possibilidade de exercício do poder disciplinar sobre o

trabalhador, tanto mais se alguma vez exercido.

O mesmo sucede se a remuneração for estipulada em função de

determinada unidade de tempo - mês, semana, dia, hora, etc. —

e se a mesma for devida em quantitativo certo, variável ou

misto, permanentemente assegurado e acompanhado de

subsídios complementares.

Haverá indício bastante de contrato de trabalho, se a obrigação

retributiva se mantiver com a mesma “regularidade” e

“periodicidade”, nomeadamente, durante o período de uma

eventual suspensão do contrato de trabalho por facto respeitante

à entidade empregadora.

E ainda se a remuneração, certa, variável ou mista [arts. 83º da

LCT e 251º do CT de 2003] for recebida pelo trabalhador, em

cada mês de trabalho, em montante não inferior ao da

retribuição mínima garantida aplicável [art. 252º/4, do CT de

2003].

Nas situações opostas àquelas que se deixam descritas, e sem

necessidade de expressamente se chamarem a discurso, teremos

indicações premonitórias de um contrato de prestação de

serviço.

Sobre o método de índices para testar a existência de uma

situação de autonomia ou de subordinação expende Lobo

Xavier pertinentes considerações (in Curso do Direito de

Trabalho, 2.ª ed. pg. 302).

Ora, no caso vertente, os factos dados como assentes são

predominantemente no sentido de que o contrato firmado e

mantido entre as partes foi um contrato de prestação de serviço.

Na verdade, quando no mês de Janeiro do ano de 2003, foi

celebrado o acordo verbal entre o Autor e a Ré em virtude do

qual, mediante o pagamento de honorários pela Ré e emissão de

recibos verdes pelo Autor, este passou a efectuar, a partir de 1

de Março de 2003, a avaliação dos estragos em viaturas

automóveis resultantes de acidentes de viação e a elaborar os

respectivos orçamentos, parece ter sido intenção das partes a

celebração de um contrato de prestação de serviço e não um

contrato de trabalho subordinado, pois que, de contrário, não

teriam acertado o pagamento mediante a passagem de recibos

verdes.

E a intenção de o Autor prestar trabalho para a Ré mediante

uma prestação de serviço sai reforçada do facto de se ter

inscrito na Segurança Social e colectado nas Finanças como

trabalhador independente, sendo que declarou o início de

actividade em 01/02/2003, fazendo constar nos recibos por si

emitidos que exercia a actividade de «perito auto».

E o modo como se veio a desenvolver a prestação do trabalho

corrobora a existência de um contrato de prestação de serviço.

Com efeito, o Autor não tinha de apresentar justificação das

faltas. E no tocante a férias era ele que indicava os períodos em

que as pretendia gozar, apenas tendo de as conciliar com as

férias dos outros peritos, elaborando depois a Ré o respectivo

mapa em conformidade com as indicações fornecidas.

O Autor utilizava viatura própria nas deslocações para executar

a sua actividade de perito, suportando as despesas com a

mesma viatura.

No que concerne à remuneração, o Autor era pago por cada

peritagem de acordo com a tabela de honorários fixados pela

Ré e as quantias que a esse título recebia mensalmente

variavam consoante o número de peritagens que fazia, não

recebendo qualquer quantia quando faltava ou quando estava de

férias. Contrariamente, os peritos integrados no quadro da Ré

recebiam e recebem um salário certo, pago mensalmente e em

dia fixo.

Acresce que a Ré nunca pagou ao Autor subsídio de férias e

subsídio de Natal e o Autor também nunca reclamou o gozo de

22 dias úteis de férias, retribuição de férias, subsídio de férias,

subsídio de Natal, diuturnidades e subsídio de almoço.

Por outro lado, a Ré não fixou nem acordou com o Autor

qualquer horário de trabalho para este executar a sua actividade

de perito. E também não se obrigou a atribuir ao Autor

determinado número de peritagens por mês ou por semana,

sendo que o número de serviços diários distribuídos a cada

perito depende do número de pedidos das Seguradoras.

Ora, os factos descritos apontam firmemente no sentido de que

o contrato que existiu entre as partes foi um contrato de

prestação de serviço e não um contrato de trabalho

subordinado.

É certo que outros factos se provaram que, aparentemente,

poderiam sugerir a prestação de trabalho em termos

subordinados, sendo, todavia, que não são decisivos, por

também se compatibilizarem com um contrato de trabalho

autónomo.

Assim, para executar a sua actividade de peritagem o Autor

visitava oficinas de automóveis nos locais indicados pela Ré,

recebendo diariamente, de Segunda a Sexta- -feira, a

informação sobre os veículos e respectivas matrículas para

peritagem no dia útil seguinte, com indicação das partes

danificadas no sinistro bem como o nome e localização da

oficina onde os veículos se encontravam. E para fazer as

peritagens dos veículos nas oficinas o Autor tinha de se

deslocar a estas durante o seu período normal de

funcionamento, de Segunda a Sexta-feira. O Autor tinha de

realizar a peritagem no dia indicado pela Ré e se o não fizesse

tinha de o justificar.

Quer dizer: o Autor carecia de prestar a sua actividade em local

determinado, em dia também estabelecido e durante as horas de

funcionamento das oficinas onde os veículos se encontravam.

Porém, assim teria de acontecer por imposição das

circunstâncias em que o trabalho poderia ser prestado com

normalidade, quer o contrato fosse de trabalho quer fosse de

prestação de serviço.

Deste modo se compreendendo que o Autor só pudesse fazer as

peritagens dentro do horário de funcionamento das oficinas e

nos casos de peritagens em veículos de características especiais

como ambulâncias, táxis ou veículos de médicos, a Ré

indicasse ao Autor a hora em que a peritagem tinha de ser

realizada e fosse também previamente marcada a hora para a

realização de pré-vistorias.

Certo é também que para a execução da sua actividade de perito

a Ré forneceu ao Autor: Computador; Fax; Impressora portátil;

Máquina fotográfica; Impressora fixa; Computador portátil com

software instalado, etc.. E pagou a formação ao Autor para

saber trabalhar com o programa informático A..., programa que

o Autor tinha de utilizar para cumprir as suas tarefas, sendo

que, com a cessação do contrato, o Autor teve de devolver à Ré

os equipamentos recebidos.

Além disso, o Autor tinha de executar as peritagens incluindo a

elaboração dos orçamentos seguindo as orientações técnicas

dos supervisores dos peritos e bem assim os procedimentos

indicados pela Ré por escrito.

Devendo aceitar-se que sendo os meios ou instrumentos de

trabalho pertença do empregador é mais frequente que tal se

verifique no âmbito de um contrato de trabalho subordinado,

certo é também que nada impede que o mesmo se verifique

num contrato de prestação de serviço, tudo dependendo da

conveniência e acordo das partes.

Por outro lado, o facto de o Autor receber orientações dos

respectivos supervisores também não releva em sentido de

afastar o contrato de prestação de serviço, porque também em

sede deste contrato se justificam tais orientações, porque não se

pode conceber qualquer resultado a atingir que não seja de

acordo com determinações e orientações emanadas do dador de

trabalho.

De nenhum significado parece ser o facto de a Ré pagar ao

Autor as despesas com as deslocações para a execução da

actividade de perito referentes a portagens e quilómetros, por

afinal ser apenas mais uma modalidade de pagamento do

serviço prestado.

Mais relevante é o facto de o Autor ter exercido a sua

actividade de perito para a Ré em regime exclusividade, o que

normalmente apenas sucede no contrato de trabalho

subordinado e raramente no contrato de trabalho autónomo.

No caso o regime de exclusividade foi uma exigência do então

administrador da Ré quando acordou com o Autor a sua

contratação, exigência que o Autor aceitou e que é, no entanto,

compatível com o contrato de prestação de serviço, sendo certo

que o facto de as partes nela terem acordado até dá indicação de

que estas estavam cientes da verdadeira natureza do contrato

que se encontravam a celebrar, pois que no âmbito do contrato

de trabalho subordinado não seria necessário acautelá-la.

Do que só se pode concluir que o contrato que vigorou entre as

partes foi um verdadeiro contrato de prestação de serviço pelo

que bem se decidiu na Acórdão recorrido ao julgar-se a acção

improcedente com a absolvição da Ré do pedido.

Improcedem, por isso, as conclusões do recurso, sendo de

manter a decisão recorrida.

IV. DECISÃO:

Em conformidade com os fundamentos expostos, nega-se a

Revista e confirma-se a decisão recorrida.

Custas, nas instâncias e no Supremo, pelo recorrente.

Lisboa, 12 de Janeiro de 2012.

Pereira Rodrigues (Relator)

Pinto Hespanhol

Fernandes da Silva

Acórdãos TRC Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra

Processo: 222/11.9T4AVR.C1

Nº Convencional: JTRC

Relator: MANUELA FIALHO

Descritores: ASSÉDIO NO TRABALHO

CONTRA-ORDENAÇÃO MUITO GRAVE

Data do Acordão: 23-11-2011

Votação: UNANIMIDADE

Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE AVEIRO

Texto Integral: S

Meio Processual: RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO

Decisão: CONFIRMADA

Legislação Nacional: ARTºS 29º, Nº 1, E 129º, Nº 1, ALS. A) E B) DO CÓDIGO DE TRABALHO

Sumário: I – O tipo legal de assédio no trabalho é de formação

complexa, exigindo a verificação de vários pressupostos de

facto – um comportamento indesejado, praticado no local de

trabalho, com um objectivo ou efeito determinado: o

constrangimento, a hostilização, a afectação da dignidade da

pessoa, a desestabilização.

II – Preenche-se o tipo em causa quando um empregador,

após transferir uma trabalhadora para um local de

trabalho que dista da sua residência cerca de 70 kms,

alegadamente por dificuldades de relacionamento com a

equipa de trabalho, a coloca num local isolado, no qual a

mantém sentada, sem atender clientes nem exercer

qualquer actividade e virada para a parede durante vários

dias.

Decisão Texto Integral: A…, LDª interpôs recurso da sentença que, no âmbito de

impugnação judicial de contra-ordenação, lhe aplicou a coima

única de 6.500,00€.

Funda-se nas seguintes conclusões[1]:

Não se verificam os pressupostos previstos no Artº 29º/1 do

CT, com referência ao Artº 129º/1-a) e b), pelo que não há

fundamento para classificar o comportamento da

arguida/recorrente como contra-ordenação muito grave, pelo

que dera ser revogado.

O MINISTÉRIO PÚBLICO contra-alegou defendendo que

a sentença recorrida fez uma correcta apreciação dos elementos

dos autos, não se vislumbrando qualquer contradição ou erro na

formação da convicção do tribunal, e fez igualmente uma

correcta aplicação do direito aos factos, pelo que deverá ser

mantida nos seus precisos termos.

Junto desta Relação, o Ministério Público emitiu parecer

segundo o qual se deve confirmar a decisão impugnada.

*

Para melhor compreensão dos autos, eis um breve resumo.

Em processo de contra-ordenação foi aplicada pelo Centro

Local do Baixo Vouga da Autoridade para as Condições do

Trabalho – Aveiro, coima única no valor de € 6.500,00 (cúmulo

jurídico da coima de € 4.500,00, três coimas de € 250,00 e três

coimas de € 1.100,00) a “A…, Ldª”, que ficou também

obrigada a pagar a quantia de € 15,10 a trabalhadoras e a

quantia de € 5,90 à Segurança Social, sendo condenados como

responsáveis solidários no pagamento, …, como sócios e

gerentes da empresa arguida.

Foram imputadas as seguintes infracções, a título de

negligência:

1) situação de assédio sobre a trabalhadora C…, em violação do

disposto no artº 29º, nº 1, conjugado como o artº 129º, nº 1, als.

a) e b), ambos do Código do Trabalho, punível pelos Artºs. 29º,

nº 4 e 554º, nºs 1 e 4, al. c) do Código do Trabalho (contra-

ordenação muito grave).

2) falta de informação às trabalhadoras sobre a existência e

finalidade dos meios de vigilância utilizados no

estabelecimento onde prestam trabalho, não estando afixado em

local apropriado a informação com os seguintes dizeres «este

local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de

televisão, procedendo-se à gravação de imagem e som» seguido

de símbolo identificativo, em violação do disposto no artº 20º,

nº 3 do Código do Trabalho, punível pelos Artºs. 20º, nº 4 e

554º, nºs 1 e 2, al. a) ambos do Código do Trabalho (contra-

ordenação leve).

3) celebração de contrato de trabalho a termo certo com N…

sem obedecer ao legalmente previsto, não sendo reconhecido o

contrato ser sem termo após advertência da ACT, em violação

do disposto no artº 141º, nº 1, al. e), em conjugação com os

Artºs. 140º, nº 3 e 147º, todos do Código do Trabalho, punível

pelos Artºs. 141º, nº 4 e 554º, nºs 1 e 3, al. c) do Código do

Trabalho (contra-ordenação grave).

4) manteve ao seu serviço trabalhadoras – entre elas I… e N…

– sem cumprir a obrigação de pagar abono mensal de falhas

previsto em CCT, em violação do disposto no artº 521º, nº 2 do

Código do Trabalho, em conjugação com a cláusula 39ª do

CCT publicado no BTE nº 41, 1ª série de 08.11.2008 (com

Portaria de Extensão), punível pelos Artºs. 521º, nº 2 e 554º, nºs

1 e 2, al. a) do Código do Trabalho (contra-ordenação leve).

5) manteve ao seu serviço trabalhadoras sem ter elaborado

mapa de horário de trabalho, em violação do disposto no artº

215º, nºs 1, 2, 3 e 4 do Código do Trabalho, punível pelos Artºs.

215º, nº 5 e 554º, nºs 1 e 3, al. c) do Código do Trabalho

(contra-ordenação grave).

6) manteve ao seu serviço trabalhadoras sem ter elaborado e

mantido um registo dos tempos de trabalho, em local acessível

e por forma a que pernita a sua consulta imediata, em violação

do disposto no artº 202º, nºs 1 e 2 do Código do Trabalho,

punível pelos Artºs. 202º, nº 5 e 554º, nºs 1 e 2, al. b) do

Código do Trabalho (contra-ordenação grave).

7) manteve ao seu serviço trabalhadoras sem ter afixado no

estabelecimento onde as mesmas prestam trabalho o mapa de

férias, em violação do disposto no artº 241º, nº 9, em

conjugação com os Artºs. 237º, 238º e 239º, todos do Código

do Trabalho, punível pelos Artºs. 241º, nº 10 e 554º, nºs 1 e 2,

al. a) do Código do Trabalho (contra-ordenação leve).

Após impugnação judicial, procedeu-se à realização de

julgamento, na sequência do qual foi proferida sentença que

negou provimento à impugnação, mantendo a decisão

administrativa de aplicação da coima única no valor de €

6.500,00 pela prática das infracções supra referidas à

arguida/recorrente “A…, Ldª”, sendo responsáveis solidários

pelo pagamento os seus sócios e gerentes ...

Para apreciação neste recurso, e dado o despacho entretanto

proferido pela Relatora, que decidiu não conhecer do objecto

do recurso no que tange a seis contra-ordenações, resta apenas a

1ª das supra mencionadas contra-ordenações.

Das conclusões acima exaradas, extrai-se a seguinte questão

a decidir: não se verificam os pressupostos previstos no Artº

29º/1 do CT, pelo que não há fundamento para classificar o

comportamento da arguida como contra-ordenação muito

grave?

A matéria de facto cuja prova se obteve é a seguinte:

Detenhamo-nos, então, sobre a questão trazida a recurso – se

não se verificam os pressupostos previstos no Artº 29º/1 do CT,

pelo que não há fundamento para classificar o comportamento

como contra-ordenação muito grave.

A fundamentar esta conclusão a Recrte. limita-se apenas a

alegar que a situação concreta não poderá ser classificada como

de assédio no trabalho, por não se verificarem as condições

previstas no Artº 29º/1 do CT, com referência ao Artº 129º/1-a)

e b), já que, como consta da prova testemunhal produzida

nunca a trabalhadora esteve impedida de exercer a sua

actividade, assim o desejasse.

Os factos relevantes para a decisão são os que acima se

exararam sob as alíneas c), f), i), j), conjugados com os que

integram as alíneas l), m), n), t), u), z), e bb), factos estes que

constituem a base da discussão, visto, como se sabe, a Relação

não conhecer senão de matéria de direito (Artº 51º/1 da lei

107/2009 de 14/09). Ressalvam-se, é claro, as hipóteses

previstas no Artº 410º/2 do CPP, circunstância em que do texto

da decisão há-de resultar algum dos vícios ali enunciados, o

que, como veremos, não é o caso.

Da alegação da Recrte. parece resultar que não se preenchem

os elementos do tipo legal contra-ordenacional.

O Artº 29º/1 do CT dispõe que se entende por assédio o

comportamento indesejado... praticado... no próprio emprego...

com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a

pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente

intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou

desestabilizador.

Por sua vez, um tal comportamento, constitui contra-

ordenação muito grave (nº 4).

Na decisão sob recurso ponderou-se que se podem ali incluir

“situações em que o empregador exerça pressão sobre o

trabalhador para que actue no sentido de influir

desfavoravelmente nas condições de trabalho dele ou dos seus

companheiros, como situações em que obsta injustificadamente

à prestação efectiva de trabalho, que poderiam enquadrar-se

no nº 2 do artº 129º do Código do Trabalho, mas que pelo

contexto são de incluir nesta previsão legal. Isto é, situações

em que a factualidade típica não se resume à violação das

previsões do nº 1 do artº 129º do Código do Trabalho,

traduzindo-se num comportamento de “assédio”.

...No caso sub júdice, se dúvidas houvesse sobre a verificação

da infracção do nº 4 do artº 29º dúvidas não haveria da

verificação da infracção do nº 2 do artº 129º, ambos do Código

do Trabalho.

Todavia, a factualidade assente, permite concluir que, pelo

prolongar no tempo, mais que violação do dever de ocupação

efectiva se verificou uma situação de assédio: o

comportamento da empregadora de determinar que a

trabalhadora C… permanecesse no 1º andar numa secretária

que integrava a exposição de venda (a empregadora pode

vender esse modelo de secretária, mas uma coisa é utilizar no

desenvolvimento da actividade uma secretária cujo modelo

pode ser encomendado por cliente outra coisa completamente

diferente é estar sentada junto a uma secretária para venda)

visa manifestamente, como aconteceu, afectar a dignidade da

trabalhadora.

Nem se diga que a trabalhadora podia exercer plenamente a

sua actividade, recorrendo a um catálogo, pois parece

manifesto que a mesma foi retirada da estrutura organizativa

do estabelecimento, e mesmo que alguma actividade pudesse

ser realizadas não seria em condições normais de trabalho”.

O tipo legal em causa é de formação complexa, exigindo a

verificação de vários pressupostos de facto – um

comportamento indesejado, praticado no local de trabalho, com

um objectivo ou efeito determinado – o constrangimento, a

hostilização, a afectação da dignidade da pessoa, a

desestabilização...

De salientar, quanto a este último pressuposto, que se trata de

actuar com o objectivo – a finalidade de – ou tendo como efeito

um desvalor. Isto é muito importante na medida em que o

assédio tem a virtualidade de “transformar condutas

aparentemente conformes ao direito em ilícitas” (Rita Garcia

Pereira, Mobbing ou Assédio Moral no Trabalho, Coimbra

Editora, 117).

Associada à ideia de assédio está também a reiteração dos

actos, pelo que se revela importante perceber o encadeado de

factos que levam ao efeito desestabilizador.

Por último, na sua base, está sempre uma questão (violação)

de respeito pela dignidade do outro.

Relembremos, então, os factos.

No dia 29 de Setembro de 2009, a arguida/recorrente tinha ao

seu serviço, sob as suas ordens, autoridade e direcção, mediante

retribuição, a trabalhadora C...

Competia-lhe, no estabelecimento da A… do Retail Park

de …, o exercício de funções de Caixeira de 2ª: atendia os

clientes, mostrava os catálogos, promovia os produtos para

venda, fazia encomendas, procedia à venda dos mesmos,

recebia o seu pagamento, confirmava, telefonicamente após a

entrega dos produtos, a satisfação dos clientes, procurava a

actualização da informação aos clientes sobre as suas

encomendas, elaborava no computador os orçamentos,

introduzia no sistema informático através do computador

diversos registos, nomeadamente, eventos diários, fichas de

clientes, estatística de vendas e relatórios de stocks e, limpava a

loja.

Em 30 de Julho de 2009, a trabalhadora C… recebeu carta

enviada pela arguida/recorrente na qual lhe era comunicada a

sua transferência temporária de local de trabalho da loja da A…

do Retail Park de …, para a loja da A… de Aveiro, a partir de

11 de Agosto de 2009, por ter constatado que “a equipa de

trabalhadoras que assegura o seu funcionamento manifesta

muitas dificuldades de relacionamento, facto que se tem

repercutido negativamente quer no ambiente de trabalho quer

nos resultados das vendas, com as inerentes consequências para

esta empresa … não é possível manter esta situação.

Nesta data não havia sido instaurado qualquer procedimento

disciplinar.

Este local de trabalho dista cerca de 70Km da sua residência.

No dia 11 de Agosto de 2009, pelas 10 horas, a trabalhadora

apresentou-se no estabelecimento A… em Aveiro (sita …),

para prestar a sua actividade no âmbito de um horário de

trabalho das 10 horas às 19 horas, com um intervalo para

almoço das 12h 30m às 14 horas.

Assim que chegou ao mencionado estabelecimento, foi-lhe

dito pela sua colega de trabalho I…, a aprestar trabalho para a

arguida/recorrente no estabelecimento A… em Aveiro, que

tinha ordens da gerência para a trabalhadora C… se dirigir ao

primeiro andar do estabelecimento, sentar-se na cadeira frente à

secretária, sem atender clientes e ficar aí todo o dia no

cumprimento do seu horário de trabalho, o que aconteceu.

No dia 12 de Agosto de 2009 a trabalhadora C… deslocou-se

aos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC) com uma

crise nervosa, sendo-lhe atribuída baixa médica desde 12 de

Agosto de 2009 até 25 de Setembro de 2009.

No dia 26 de Setembro de 2009, finda a baixa médica, a

trabalhadora C…, apresentou-se para prestar serviço no

referido estabelecimento da A… de Aveiro.

Quando chegou ao seu local de trabalho, às 11 horas,

questionou a sua colega de trabalho, I…, no sentido de saber se

podia ficar no rés-do-chão ou não.

A trabalhadora I… comunicou-lhe que teria de ligar para a

gerência para saber quais as ordens a seguir.

Após conversa telefónica com a gerência, foi informada pela

colega I… que as ordens eram no sentido da manutenção do já

anteriormente comunicado: deveria dirigir-se ao andar de cima,

sentar-se na cadeira da frente à secretária que tinha ocupado

anteriormente, não atender quaisquer clientes e cumprir deste

modo o seu horário de trabalho.

No dia 29 de Setembro de 2009, pelas 16 horas, no

estabelecimento A… em Aveiro, a trabalhadora C…

encontrava-se no primeiro andar da loja, zona de exposição dos

produtos de venda, sentada em frente a uma mesa de exposição

/venda, virada para a parede.

Naquele local não havia qualquer instrumento de trabalho e

as luzes não estavam todas acesas.

A trabalhadora C… estava naquele local por ordens da

gerência da arguida/recorrente.

No dia 30 de Setembro de 2009, pelas 12 horas, foi verificado

pela Sr.ª Inspectora do Trabalho que as condições em que se

encontrava a trabalhadora C… se encontravam inalteradas:

continuava no primeiro andar do estabelecimento, sentada em

frente à mesa de exposição/venda, virada para a parede.

A representante legal da arguida explicou que a trabalhadora

C… lhe tem “feito a vida negra em … e em Aveiro” e que foi

transferida de … para Aveiro por “problemas de

relacionamento com as colegas e, mal chegou a Aveiro já

arranjou problemas”.

Resulta à evidência dos factos apurados que a Recrte. criou,

para a trabalhadora C…, todo um ambiente hostil no local de

trabalho, quando a colocou em Aveiro com a intenção,

declarada, de não lhe atribuir quaisquer funções. Tudo sob o

argumento de que a trabalhadora lhe fazia a vida negra. Porém,

sem dependência der algum procedimento disciplinar para

apuramento de responsabilidades desta!

A criação daquele ambiente começa, desde logo, com a

transferência dita temporária para um local que dista da

residência da trabalhadora cerca de 70Km, transferência essa

claramente não desejada (factos r e w), muito embora,

cumprida. Prossegue, depois, com a colocação da mesma num

local isolado do da outra trabalhadora ali em exercício, no qual

se teve que manter sentada numa cadeira, sem atender clientes,

e virada para a parede. E não cessa nem com a crise nervosa

que levou a trabalhadora ao Hospital, nem com a intervenção

da Autoridade para as Condições de Trabalho!

Por outro lado, que tal comportamento era motivado pelo

objectivo de perturbar a trabalhadora resulta à evidência das

próprias palavras da responsável empregadora para com a

inspectora do trabalho e do carácter punitivo que emana de

todas as atitudes - transferência e colocação na situação de

inactividade, quando se trata de trabalhadora cuja funções eram

o contacto com o público.

E, por fim, não só o comportamento teve tal desiderato, como

produziu o efeito perturbador – a criação do ambiente hostil e

humilhante.

Não se vê, assim, como não considerar preenchido o tipo

legal contra-ordenacional, porquanto se mostram preenchidos

todos os pressupostos enunciados no tipo legal, que, conforme

resulta do nº 4 do Artº 29º do CT, se classifica como de contra-

ordenação muito grave.

Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar o

recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela Recrte. (taxa de justiça – 4UC).

Notifique.

MANUELA BENTO FIALHO (Relatora)

LUÍS AZEVEDO MENDES

JOAQUIM JOSÉ FELIZARDO PAIVA

[1] Que se resumem à contra-ordenação pendente, visto,

conforme infra se explicará, das 7 contra-ordenações, resta

apenas uma para apreciação neste recurso.