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Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 02A3446 Nº Convencional: JSTJ000 Relator: RIBEIRO COELHO Nº do Documento: SJ200212050034461 Data do Acordão: 05-12-2002 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recurso: T REL LISBOA Processo no Tribunal Recurso: 719/02 Data: 21-03-2002 Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA. Sumário : Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A" pediu em acção declarativa proposta no Tribunal Judicial de Benavente a condenação de B - SOCIEDADE DE DESENVOLVIMENTO E INVESTIMENTO, S. A. a pagar-lhe 9.700.000$00 a título de indemnização por danos patrimoniais por lucros cessantes e mais 20.000.000$00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, tudo porque a ré tem procedido à venda em Portugal de produtos de uso veterinário que a autora comercializa em Portugal depois de ter obtido autorização da Direcção-Geral de Veterinária. A ré contestou no sentido da improcedência da acção, seguindo-se réplica, saneamento, condensação e audiência de julgamento, após a qual foi proferida sentença que absolveu a ré do pedido de indemnização por danos patrimoniais e, quanto aos não patrimoniais, a condenou a pagar o que em liquidação preliminar à execução de sentença viesse a ser apurado. Ambas as partes apelaram, vindo a Relação de Lisboa a proferir acórdão em que alterou a sentença no sentido de condenar também a ré a pagar à autora, como indemnização por danos patrimoniais, a quantia que em liquidação preliminar à execução de sentença viesse a ser apurada, no mais mantendo o decidido. Daqui trouxe a ré este recurso de revista em que, pugnando pela sua absolvição do pedido, formula as seguintes conclusões ao alegar: 1. Atenta a matéria de facto assente, a autora não logrou cumprir o ónus de provar que, por qualquer acto imputável à ré, ora recorrente, a sua credibilidade comercial tenha ficado abalada. 2. A resposta "não provado" ao quesito 9º condensa de modo decisivo, imutável e incontornável, a clara demonstração de que a autora não logrou evidenciar a ocorrência de quaisquer factos em que se pudesse fundar uma condenação da ré em danos morais. 3. Ao assim não ter entendido, o douto acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 668º nº 1 al. c) do CPC e 496 do CC. 4. Por tal razão deve ser substituído por outro que absolva a ré quanto à condenação em danos morais. 5. Por outro lado, a autora não dispunha de qualquer direito que pudesse

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Page 1: Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça ... · saneamento, condensação e audiência de julgamento, após a qual foi proferida sentença que absolveu a ré do pedido

Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de JustiçaProcesso: 02A3446

Nº Convencional: JSTJ000

Relator: RIBEIRO COELHO

Nº do Documento: SJ200212050034461

Data do Acordão: 05-12-2002

Votação: UNANIMIDADE

Tribunal Recurso: T REL LISBOA

Processo no Tribunal

Recurso:

719/02

Data: 21-03-2002

Texto Integral: S

Privacidade: 1

Meio Processual: REVISTA.

Sumário :

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

"A" pediu em acção declarativa proposta no Tribunal Judicial de Benavente a

condenação de B - SOCIEDADE DE DESENVOLVIMENTO E

INVESTIMENTO, S. A. a pagar-lhe 9.700.000$00 a título de indemnização

por danos patrimoniais por lucros cessantes e mais 20.000.000$00 a título deindemnização por danos não patrimoniais, tudo porque a ré tem procedido à

venda em Portugal de produtos de uso veterinário que a autora comercializa em

Portugal depois de ter obtido autorização da Direcção-Geral de Veterinária.

A ré contestou no sentido da improcedência da acção, seguindo-se réplica,

saneamento, condensação e audiência de julgamento, após a qual foi proferidasentença que absolveu a ré do pedido de indemnização por danos patrimoniais

e, quanto aos não patrimoniais, a condenou a pagar o que em liquidação

preliminar à execução de sentença viesse a ser apurado.

Ambas as partes apelaram, vindo a Relação de Lisboa a proferir acórdão em

que alterou a sentença no sentido de condenar também a ré a pagar à autora,

como indemnização por danos patrimoniais, a quantia que em liquidação

preliminar à execução de sentença viesse a ser apurada, no mais mantendo o

decidido.Daqui trouxe a ré este recurso de revista em que, pugnando pela sua absolvição

do pedido, formula as seguintes conclusões ao alegar:

1. Atenta a matéria de facto assente, a autora não logrou cumprir o ónus de

provar que, por qualquer acto imputável à ré, ora recorrente, a sua credibilidade

comercial tenha ficado abalada.

2. A resposta "não provado" ao quesito 9º condensa de modo decisivo,

imutável e incontornável, a clara demonstração de que a autora não logrou

evidenciar a ocorrência de quaisquer factos em que se pudesse fundar uma

condenação da ré em danos morais.

3. Ao assim não ter entendido, o douto acórdão recorrido violou o disposto nos

arts. 668º nº 1 al. c) do CPC e 496 do CC.4. Por tal razão deve ser substituído por outro que absolva a ré quanto à

condenação em danos morais.

5. Por outro lado, a autora não dispunha de qualquer direito que pudesse

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invocar contra a ré relativo à exclusividade da comercialização dos produtos emquestão.

6. A prática de eventuais contra-ordenações por parte da ré é irrelevante para a

apreciação do litígio dos autos entre a autora e a ré.

7. O tribunal comum é incompetente em razão da matéria para apreciar a

existência de eventuais contra-ordenações, sendo certo até que nos autos não

está feita a demonstração de confirmação por decisão transitada em julgado,

emanada de autoridade administrativa ou jurisdicional competente, da dita

prática.

8. O que a ré fez foi vender nas suas lojas um produto livremente importado,

vendido directamente pelo fabricante/exportador, e ignorando se entre este e a

autora havia ou não algum contrato ou exclusivo de comercialização.9. Além do mais não foi feita qualquer demonstração do nexo de causalidade

entre as quebras de vendas da autora e a actuação da recorrente.

10. O comportamento da ré não é subsumível à previsão normativa do art. 260º

do CPI, o qual constitui assim a norma substantiva violada pelo douto acórdãode que se recorre.

Houve resposta em que a recorrida defendeu a improcedência do recurso.Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Não sendo questionados os factos que vêm dados como apurados, e visto que

os mesmos não levantam problemas que devam ser oficiosamente abordados,remete-se, quanto à sua enunciação, para a sentença da 1ª instância, nos termos

dos arts. 713º, nº 6 e 726º do CPC - diploma do qual serão os preceitos quedoravante referirmos sem outra identificação -, já que de igual faculdade usou o

acórdão recorrido.Consistem, no essencial, no seguinte:1. A autora comercializa desde 1993 produtos de uso veterinário da marca

Canitex - anti-parasitários de uso externo para cães e gatos - que registou naDirecção-Geral de Veterinária, a qual só à autora concedeu autorização, única

no mercado português, para a respectiva venda; 2. Os clientes da autora sabiam que só esta é titular de autorização para

introdução dos produtos em causa no mercado português;3. Entre Abril de 1996 e Junho de 1997 a ré vendeu os mesmos produtos,

importados directamente da Bélgica;4. Por causa desta prática foram instaurados à ré pelo menos dois processos de

contra-ordenação;5. A ré obteve daquela Direcção-Geral informação sobre o número eidentificação do proprietário da autorização de venda desses produtos no

mercado português, apondo essas mesmas indicações nas embalagens;6. Os produtos em causa surgiram nos estabelecimentos da ré na altura em que

os clientes fazem habitualmente as encomendas destes produtos, que sãosazonais, com utilização nas épocas mais quentes;

7. Em consequência directa da actuação da ré vários clientes da autora, em1996 e 1997, cancelaram encomendas já feitas;

8. Nesses anos diminuíram as receitas da autora, que por isso deixou de ganharquantia que não foi possível apurar;

9. Relativamente ao champô anti-parasitário, a ré pô-lo à venda para cães e

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gatos com o rótulo dizendo que a autora é a responsável pela sua introdução nomercado, sendo certo que a autora apenas detém, quanto a ele, autorização

para cães.

Não se fez constar acima, a propósito da autorização concedida à autora pelaDirecção-Geral de Veterinária, uma asserção feita nas instâncias, segundo a

qual sem essa autorização não poderia ser feita a venda dos produtos em causa.Na verdade, esta afirmação corresponde a uma questão de direito, por isso

devendo ser tida como não escrita; só os factos está este STJ obrigado arespeitar e considerar, sendo livre quanto à selecção, interpretação e aplicaçãodo direito.

Como é orientação constante e pacífica, em sede de recurso o tribunal "adquem" apenas tem que tratar das questões que esgotam a delimitação objectiva

feita pelas partes quanto ao âmbito do recurso, expressa, seja nas matérias queo recorrente leva às conclusões, seja nas que o recorrido aborde ao abrigo do

art. 684º-A, nº 1 e 2.Só as questões assim enunciadas poderão levar a que em recurso se revogue ou

altere a decisão recorrida, ressalvada, porém, a possibilidade de tal ter aindalugar por virtude da apreciação de outras questões que, não tendo sido

suscitadas pelas partes, o tribunal "ad quem" possa abordar oficiosamente.Assim, temos que apreciar a objecção que contra a condenação emindemnização por danos não patrimoniais vem levantada com base na falta de

verificação de abalo na credibilidade comercial da recorrida - conclusões 1ª a4ª - e, quanto à condenação em indemnização por danos patrimoniais, quatro

objecções: a inexistência de qualquer direito exclusivo da recorrida àcomercialização dos produtos em causa, a irrelevância de eventuais contra-

ordenações, a incompetência do tribunal para afirmar a existência destas e afalta de nexo de causalidade entre as quebras de vendas que sofreu e a conduta

da recorrente - conclusões 5ª a 10ª.Nas conclusões 1ª a 4ª a recorrente sustenta não estar provado que a recorridatenha visto a sua credibilidade comercial abalada por virtude do comportamento

da recorrente, designadamente por força da resposta negativa dada ao quesito

9º, daí extraindo impor-se a sua absolvição quanto ao pedido de indemnizaçãopor danos não patrimoniais.

Refere, a este propósito, ter sido violado o disposto nos arts. 496º do CC e

668º, nº 1, al. c).

Na base instrutória foi incluído um quesito - o 9º - onde se perguntou se emconsequência da actividade da ré a credibilidade da autora no mercado ficou

fortemente abalada.

Teve este quesito a resposta de "não provado"; como fundamentação, no

despacho respectivo disse-se que "... do depoimento dos clientes da A. resultouque a actividade da A. não pôs em causa a sua credibilidade, apenas porque as

condições de mercado não eram vantajosas deixaram de lhe adquirir os

produtos". Esta resposta foi já no acórdão recorrido rectificada no sentido derespeitar à "actividade da R." a referência por evidente lapso material nela feita à

"actividade da A.".

Na sentença disse-se, a propósito dos danos não patrimoniais, que a ré usara

abusivamente o nome da A., responsabilizando-a pela comercialização de umproduto para o qual a A. não dispunha de autorização e criando confusão junto

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produto para o qual a A. não dispunha de autorização e criando confusão junto

da clientela desta, que viu abalada, assim, a sua credibilidade comercial.E, perante a objecção levantada contra isso na apelação da ora recorrente, o

acórdão recorrido entendeu que "... a normatividade impõe discriminar os factos

«provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes»,simultaneamente na «fundamentação da sentença, o juiz tomará em conta os

factos admitidos por acordo, provados por documento e os que o tribunal

colectivo deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe

cumpre conhecer ... . ... Sendo, pois, notório que se a credibilidade não foiabalada perante as testemunhas «clientes da A.», como se expõe na motivação,

ela foi mesmo abalada em termos de mercado e de prejuízo sofrido, como é

convicção postulada pelo exame crítico a respeito".

A este respeito há que fazer duas ordens de considerações.Fazendo uma clara distinção entre sentença injusta e sentença nula, José Alberto

dos Reis escreveu em Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pg. 122, que

aquela "... enferma de erro de julgamento ..." e que esta "... enferma de erro deactividade (erro de construção ou formação)".

As nulidades previstas no art. 668º, excepção feita à falta de assinatura, são

vícios que afectam de modo intolerável a clareza e o rigor lógico do raciocínio

do julgador, ou que o levam a não cumprir aquilo que é seu dever face aoprincípio do dispositivo, que é dominante no nosso direito processual: decidir

tudo aquilo que, e também apenas aquilo que, lhe é pedido pelas partes.

Por isso, o eventual desacerto do julgador que se não integre numa das

nulidades que a lei taxativamente indica pode determinar um erro de julgamentomas não é enquadrável em termos de teoria das nulidades.

O acórdão recorrido aceitou a afirmação, constante da sentença, segundo a

qual a credibilidade comercial da ora recorrida fora abalada pela conduta da orarecorrente. E por isso, coerentemente, pôde partir desse abalo para dar como

verificados danos não patrimoniais merecedores de indemnização.

Este raciocínio mostra, com toda a evidência, que se não vislumbra no mesmo

acórdão qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão; o que sucede,diversamente, é que a recorrente entende que um dos fundamentos - a

existência real daquele abalo da credibilidade da recorrida - se não verifica e

que, por isso mesmo, a decisão é contrária ao que, na sua perspectiva, devia

ser. Mas os fundamentos, designadamente os de facto, a considerar na ópticada nulidade por contradição de uma decisão final de mérito são os que nela são

feitos constar, e não os que figuram numa outra decisão de onde possam provir

- nomeadamente o despacho proferido na 1ª instância com as respostas à baseinstrutória.

Se o acórdão recorrido teve como assente aquele abalo na credibilidade da

recorrida - no que seguiu o que foi dito na sentença - e assim se distanciou do

que fora consagrado nas respostas à base instrutória, pode ter cometido comisso um erro de julgamento, mas não a nulidade que vem arguida.

Mas a regularidade processual assim por nós afirmada nesta perspectiva não

resolve, por si, o outro enquadramento que importa analisar.

O acórdão recorrido aceitou que a afirmação da realidade do abalo dacredibilidade da recorrida tivesse sido resultante do exame crítico das provas a

que na sentença se teria procedido.

Saliente-se que no texto da sentença nada revela que tal se tenha feito, já que asobredita afirmação não surge na sequência de considerações feitas sobre o

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sobredita afirmação não surge na sequência de considerações feitas sobre o

conteúdo de quaisquer provas.Nem seria, a nosso ver, correcto que a este propósito tivesse operado nesta

fase um exame crítico de provas produzidas em audiência.

Como se assinalou no acórdão recorrido, em dois momentos processuais

diversos a lei de processo manda que o juiz proceda ao exame crítico dasprovas.

O primeiro é o previsto no art. 653º, nº 2, que se refere ao exame crítico das

provas que tem lugar quando, finda a produção de prova em audiência, seprocede à sua valoração para daí se partir para a decisão sobre o que está ou

não está provado; este exame não deverá, porém, recair sobre provas que

tenham força plena, já que, de acordo com o art. 646º, nº 4, se terão por não

escritas as respostas dadas sobre factos que estejam plenamente provados.O segundo é o previsto no art. 659º, nº 3; na fundamentação da sentença,

fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpra conhecer, o juiz tomará

em consideração, além dos factos admitidos por acordo e dos provados por

documentos ou por confissão reduzida a escrito, também aqueles que foramdados como provados em sede de respostas à base instrutória.

Assim, estes dois exames críticos divergem quanto ao seu objecto; por um lado,

naquele primeiro momento esse exame incide sobre as provas sujeitas à livreapreciação do juiz; por outro lado, no segundo momento tal exame incide

apenas sobre as provas de valor imperativamente fixado - alguns documentos e

confissão reduzida a escrito -, já que só estas estão por apreciar e o podem ser

com pleno conhecimento do seu teor.Afasta-se, pois, da realidade o acórdão recorrido quando considerou que a

afirmação daquele abalo na credibilidade da recorrida proviera de um exame

crítico de provas feito na sentença; nem desta se vê que tal exame tenha sido

feito com esse resultado, nem o poderia ter sido, dada a circunstância de nãoestarem então presentes perante o juiz as provas que em audiência haviam sido

produzidas.

E também nunca esse exame crítico poderia ter incidido sobre as provas que noproferimento da sentença podem ser sopesadas, dada a sua inexistência.

De tudo isto importa concluir que, não tendo esse facto sido regularmente

adquirido no processo, é legítima a reacção da recorrente quando diz que se

trata de facto a respeito do qual a recorrida não satisfez o ónus de prova quesobre ela recaía, como resulta do art. 342º, nº 1 do CC.

Não estando, assim, comprovado esse facto, desaparece a base em que

assentou a condenação proferida nas instâncias em indemnização por danos não

patrimoniais, que importa revogar.A propósito dos danos patrimoniais defende a recorrente, em primeiro lugar,

que a recorrida não era titular do exclusivo da comercialização dos produtos em

causa.E, na verdade, não era.

A ideia de exclusivo para a distribuição de determinado produto no mercado

envolve a existência de um acordo pelo qual ao distribuidor foi garantida essa

exclusividade por quem estava em condições de o fazer, nomeadamente o seufabricante, que assim fica obrigado a, no âmbito geográfico acordado, os não

facultar a outra entidade.

Nada disto foi alegado pela recorrida.

O que se passa é diferente, consistindo em a recorrida ser a única entidade que

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O que se passa é diferente, consistindo em a recorrida ser a única entidade que

da Direcção-Geral de Veterinária obteve autorização para vender tais produtosno mercado português.

E nada mostra que a recorrente a não pudesse também ter obtido dessa

entidade.

Ao tornar-se o único operador a conseguir tal autorização a recorrida nãoobteve um exclusivo comercial; apenas terá sido a única entidade a habilitar-se a

desenvolver dentro da legalidade uma determinada actividade comercial.

Quanto às contra-ordenações - segunda e terceira questões levantadas quanto à

condenação por danos patrimoniais -, apenas se sabe que a recorrente foi alvode dois processos, mas ignora-se a que conduziram.

E, embora ao tribunal se não pudesse negar competência para aqui apreciar o

cometimento dessa contra-ordenações - já que tal seria permitido porque se

situaria apenas na óptica da averiguação de factos com interesse para um juízo

sobre os direitos subjectivos aqui discutidos, e não da sua punição -, a verdadeé que se torna irrelevante e sem interesse essa perspectiva.

Está em causa saber se a recorrida é titular de um direito de crédito sobre a

recorrente advindo de responsabilidade civil em que esta teria incorrido por

violação de norma tuteladora de interesses alheios, e não por violação de um

direito absoluto daquela.

A proibição de venda de produtos de uso veterinário sem autorização da

Direcção-Geral de Veterinária consta de normas de perigo abstracto - cfr. art.18º do DL nº 62/91, de 1/2, e art. 26º do Regulamento do Fabrico,

Importação, Comercialização e Utilização de Produtos Biológicos para Uso

Veterinário, aprovado pelo DL nº 76/87, de 13//2, tendentes, como se vê do

preâmbulo do primeiro, a garantir a defesa do consumidor e a assegurar a

qualidade de vida das populações -, que visam a tutela de interesses gerais da

colectividade.

Nada tem que ver com a salvaguarda dos interesses dos comerciantes que

hajam obtido a autorização eventualmente necessária para a comercializarprodutos de venda legalmente condicionada, pelo que os interesses daqueles

comerciantes, prejudicados pela actuação concorrencial assim desenvolvida,

não podem ser tidos como directamente prejudicados pela sua violação.

A haver esses prejuízos, os mesmos não se registam no círculo de interesses

privados que a lei condicionadora visa tutelar - cfr. Antunes Varela, Das

Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª edição, pgs. 540-542 -; a sua causa

juridicamente relevante é aquela actuação concorrencial, e não a infracção aesta lei.

A quarta questão levantada a respeito dos danos patrimoniais - a da não

demonstração de nexo de causalidade - apresenta-se como infundada.

Na verdade, se por efeito directo da conduta da recorrente alguns clientes seus

cancelaram encomendas já feitas, é evidente que a recorrida deixou de alcançar

as receitas que a esses fornecimentos corresponderiam.

Em função dos valores reais dos montantes dos ganhos a que estes dariam lugare das quebras registadas em 1996 e 1997 - cujos valores se não conhecem

ainda -, a não ocorrência de tais cancelamentos sempre teria minorado ou, até,

impedido essas quebras.

O que patenteia um prejuízo adveniente da conduta da recorrente e que, se não

fora esta, se não teria registado.

Não pode negar-se, pois, aquele nexo de causalidade.

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Não pode negar-se, pois, aquele nexo de causalidade.

O que se disse acima quanto à questão da titularidade de um direito exclusivo

por parte da recorrida não resolve, porém, definitivamente as coisas no sentido

da procedência do presente recurso.

Veja-se, em esboço sintético, o que no acórdão recorrido se pensou apropósito da indemnização por danos patrimoniais:

- a autora vende produtos para uso veterinário, para o que tem autorização da

Direcção-Geral de Veterinária;

- só a autora tem, em relação a eles, essa autorização e o exclusivo da sua

comercialização;

- a ré passou a vender os mesmos produtos sem controlo veterinário,

importando-os directamente da Bélgica, e neles fez referência não autorizada àautora;

- esta actuação integra o conceito de concorrência desleal;

- dela resultou o cancelamento de encomendas já feitas à autora e a quebra das

suas receitas.

Como se viu, a argumentação da recorrente, tal como as suas conclusões a

resumem, não toca num ponto determinante do acórdão recorrido, que é o de arecorrente ter feito referência não autorizada à recorrida - numa manifesta

alusão ao facto de aquela ter aposto nas embalagens dos produtos a indicação

do número e identificação da autora - e de isso traduzir concorrência desleal.

A afirmação genérica, feita pela recorrente na conclusão 10ª, de que a sua

conduta não integra o conceito de concorrência desleal deve, pela sua

vaguidade, ser entendida como corolário do que se disse nas conclusões

anteriores; assim, não exprime nem explica uma discordância, por razões aindanão expostas, em relação ao referido ponto do acórdão recorrido; na verdade,

este ponto não é contrariado ou rebatido por nada do que nas conclusões - ou

no arrazoado que as antecede - da recorrente consta.

Assim, o raciocínio do acórdão recorrido nesta parte não pode, pois, ser aqui

criticado - nem haveria, de resto, razão para o ser, dada a confusão que assim

se estabeleceu com os produtos comercializados pela recorrida, cuja imagem

ficou, deste modo, associada a outros que com ela nada tinham que ver, e dada

a existência de uma menção ostensiva do nome da recorrida; relevaria aqui,também, a desnecessidade de no ilícito civil de concorrência desleal ser

dispensável a intenção de causar prejuízo ou alcançar benefício ilegítimo, como

diz Oliveira Ascensão, Concorrência Desleal, pgs. 181-182 e 215.

Assim se considera insusceptível de crítica a afirmação, pelo acórdão recorrido,

de que houve concorrência desleal, nos termos do art. 260º, al. a) e c) do CPI.

As práticas concorrenciais desleais são ilícitas, tendo dado lugar, no caso, a que

a recorrida tivesse sofrido prejuízos nos termos acima descritos.O que leva a concluir que o acórdão recorrido, nesta parte, é de confirmar pelas

razões apontadas.

Por tudo o que fica exposto, concedendo-se em parte a revista, decide-se:

A) revogar o acórdão recorrido e a sentença na parte em que condenaram a

recorrente a pagar à recorrida uma indemnização por danos não patrimoniais,

absolvendo-se a recorrente desse pedido;

B) confirmar o mesmo acórdão no tocante à condenação da recorrente a pagarà recorrida uma indemnização por danos patrimoniais.

As custas desta revista serão suportadas, quanto a dois terços do seu montante,

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As custas desta revista serão suportadas, quanto a dois terços do seu montante,

pela recorrida, que igualmente suportará nessa proporção as custas do

processamento das instâncias.

Quanto ao terço restante, e atenta a condenação proferida, quanto aos danos

patrimoniais, no que se liquidar em fase preliminar da execução, vão as partes

condenadas provisoriamente em metade para cada uma, com acerto final a fazer

após aquela liquidação e em função do vencimento que aí se verificar.

Lisboa, 5 de Dezembro de 2002Ribeiro Coelho

Garcia Marques

Ferreira Ramos