abandono escolar na adolescÊncia fatores comuns e trajetórias multiplas

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REVISTA PORTUGUESA DE PEDAGOGIA, ANO XXXIV, 1, 2 & 3, 1999 341- 403 ABANDONO ESCOLAR NA ADOLESCÊNCIA: FACTORES COMUNS E TRAJECTÓRIAS MÚLTIPLAS * Michel Janosz ** Marc Le Blanc *** Resumo Este artigo trata da problemática relativa à desistência escolar, focando em particular as investigações efectuadas no contexto norte-americano. Os autores discutem, em primeiro lugar, o problema da definição da desistência escolar e o impacto da sua operacionalização sobre a prevalência do fenómeno. Em segundo lugar, traçam um quadro dos diversos factores determinantes do abandono dos estudos, tendo em conta os aspectos sociais, organizacionais, familiares ou interpessoais e, ainda, pessoais. Em terceiro lugar, abordam a questão da predição do abandono e também a da despistagem de potenciais desistentes. Por último, os autores referem-se aos estudos que têm vindo a analisar o problema da heterogeneidade dos alunos desistentes e das suas implicações no desenvolvimento de uma prática de intervenção diferencial. Introdução A criminologia abordou historicamente a questão do abandono escolar como factor associado a comportamentos desviantes, tais como o consumo de psico- trópicos e a delinquência. Há quem se tenha perguntado se o consumo de drogas e a delinquência conduziriam ao abandono prematuro dos estudos (Bachman, Green * Tradução de Maria da Conceição Taborda Simões, Faculdade de Psicologia e de Ciência da Educação, Universidade de Coimbra ** École de psychoéducation, Université de Montréal. *** École de psychoéducation et École de Criminologie, Université de Montréal.

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ABANDONO ESCOLAR NA ADOLESCÊNCIA Fatores Comuns e Trajetórias Multiplas

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  • REVISTA PORTUGUESA DE PEDAGOGIA, ANO XXXIV, N 1, 2 & 3, 1999 341-

    403

    ABANDONO ESCOLAR NA ADOLESCNCIA:

    FACTORES COMUNS E TRAJECTRIAS MLTIPLAS*

    Michel Janosz**

    Marc Le Blanc***

    Resumo

    Este artigo trata da problemtica relativa desistncia escolar, focando em particular

    as investigaes efectuadas no contexto norte-americano. Os autores discutem, em

    primeiro lugar, o problema da definio da desistncia escolar e o impacto da sua

    operacionalizao sobre a prevalncia do fenmeno. Em segundo lugar, traam um quadro

    dos diversos factores determinantes do abandono dos estudos, tendo em conta os aspectos

    sociais, organizacionais, familiares ou interpessoais e, ainda, pessoais. Em terceiro lugar,

    abordam a questo da predio do abandono e tambm a da despistagem de potenciais

    desistentes. Por ltimo, os autores referem-se aos estudos que tm vindo a analisar o

    problema da heterogeneidade dos alunos desistentes e das suas implicaes no

    desenvolvimento de uma prtica de interveno diferencial.

    Introduo

    A criminologia abordou historicamente a questo do abandono escolar como

    factor associado a comportamentos desviantes, tais como o consumo de psico-

    trpicos e a delinquncia. H quem se tenha perguntado se o consumo de drogas e

    a delinquncia conduziriam ao abandono prematuro dos estudos (Bachman, Green

    * Traduo de Maria da Conceio Taborda Simes, Faculdade de Psicologia e de Cincia da

    Educao, Universidade de Coimbra ** cole de psychoducation, Universit de Montral. *** cole de psychoducation et cole de Criminologie, Universit de Montral.

  • 2

    & Wirtanen, 1971; Elliot & Voss, 1974; Fagan & Pabon, 1990; Farrington, 1995;

    Friedman, Bransfield & Kreisher, 1994; Friedman, Glickman & Utada, 1985;

    Janosz, Le Blanc, Boulerice & Tremblay, 1997; Kaplan & Liu, 1994; Krohn,

    Thornberry, Collins-Hall, & Lizotte, 1995; Newcomb & Blenter, 1986; Weng,

    Newcomb & Blenter, 1988). Em geral, estas pesquisas confirmam o elo preditivo

    entre problemas de comportamento e o afastamento da escola. Outros autores pre-

    feriram investigar as consequncias da desistncia escolar verificadas ao nvel das

    condutas desviantes e criminais ulteriores (Farrington, 1995; Hartnagel & Krahn,

    1989; Jarjoura, 1993, 1996; Krohn et al., 1995; Pronovost & Le Blanc, 1979,

    1980; Thornberry, Moore & Christenson, 1985). Os resultados destes estudos

    demonstram que o abandono escolar est positivamente relacionado com o con-

    sumo de psicotrpicos e com a criminalidade. Todavia, a causalidade destas rela-

    es no est totalmente esclarecida e o impacto da desistncia sobre a inadapta-

    o social varia conforme o motivo invocado para ter abandonado os estudos

    (Jarjoura, 1993; 1996), ou a capacidade do aluno desistente em investir no mer-

    cado de trabalho (Pronovost & Le Blanc, 1979; 1980).

    O estudo sobre a desistncia escolar centrado nas relaes deste fenmeno

    com o consumo de psicotrpicos ou com as condutas desviantes, apesar de em si

    mesmo ser legtimo, apresenta-se algo limitado, dada a complexidade da proble-

    mtica. Note-se que este tema atrai a ateno de investigadores e pensadores de

    vrias disciplinas das Cincias humanas e sociais. Enquanto que em psicopatologia

    do desenvolvimento se d maior nfase s caractersticas pessoais, interpessoais e

    familiares do aluno desistente (Cairns, Cairns & Neckerman, 1989; Hymel,

    Comfort, Schonert-Reichl, & McDougall, 1996; Rumberger, Ghatak, Poulos &

    Dornbusch, 1990; Rumberger, 1995), os socilogos preferem adoptar uma viso

    mais distanciada do indivduo, interessando-se pelas instituies e pelas polticas

    socioeducativas (Bertrand & Valois, 1992; Gleeson, 1992). Por outro lado, no

  • 3

    domnio da educao, vrios so aqueles que se debruam sobre as prticas

    educativas e pedaggicas mais susceptveis de favorecer o sucesso escolar

    (CRIRES-FECS, 1992). claro que esta diviso arbitrria. Ao invoc-la, o que

    se procura, sobretudo, sublinhar o facto de serem mltiplos e complementares os

    ngulos a partir dos quais se pode abordar o abandono escolar, bem como o facto

    deste abandono poder ser estudado de variadas maneiras. Alm disso, a

    complexidade do problema no pode ser ignorada numa poca em que emerge a

    questo da preveno da desistncia escolar na adolescncia.

    O presente trabalho inscreve-se decididamente no contexto da pesquisa norte-

    americana. Por esta razo, o leitor no ficar surpreendido ao verificar que as

    nossas referncias tericas e empricas se encontram, profunda mas no

    exclusivamente, marcadas pelos trabalhos realizados no Canad e nos Estados-

    Unidos. O texto que se segue est dividido em trs grandes seces. Num primeiro

    momento, abordamos o problema da definio da desistncia escolar e o impacto

    da sua operacionalizao na prevalncia do fenmeno. Num segundo momento,

    traamos um quadro das diferentes determinantes do abandono escolar de acordo

    com o relevo que nelas assumem os aspectos sociais, organizacionais, familiares ou

    interpessoais e pessoais. Em terceiro lugar, abordamos a questo da predio do

    abandono escolar e da despistagem dos potenciais desistentes. Por ltimo,

    referimos de forma breve os estudos que tratam do problema da heterogeneidade

    escolar e psicossocial dos alunos desistentes e das suas implicaes no

    desenvolvimento da interveno diferencial.

  • 4

    1. Definio

    1.1 Da construo social da problemtica sua operacionalizao

    O abandono prematuro dos estudos nem sempre foi considerado um problema

    social e o facto de algum se afastar do sistema escolar nem sempre constituiu um

    acto desviante ou inquietante aos olhos da sociedade (Rivard, 1991; Schreiber,

    1969). H apenas 30 ou 40 anos, um adolescente podia muito bem deixar a escola

    sem diploma, encontrar um emprego e ocupar, em pleno, o seu lugar na sociedade.

    A passagem de um comportamento meramente andino a um comportamento

    sintomtico de inadaptao social no , pois, estranha s mudanas econmicas e

    culturais que modificaram as sociedades ocidentais nos ltimos decnios (ver

    Erpicum & Murray, 1975; Rivard, 1991; Schreiber, 1969). A necessidade de estar

    melhor preparado para gerir a complexidade crescente das sociedades ocidentais e

    a elas se adaptar, o estrangulamento do mercado de trabalho e a especializao da

    mo-de-obra, bem como a ausncia de centros de recreio e de lazer para os

    adolescentes fora da escola so outros tantos factores que progressivamente

    levaram a associar a desistncia escolar ao problema da adaptao.

    Voltaremos, mais frente, s determinantes da desistncia escolar e noo

    de inadaptao. Por agora, insistimos apenas no facto de a preocupao

    relacionada com a desistncia escolar estar intimamente ligada a um determinado

    contexto social e econmico. Se at h bem pouco tempo a desistncia escolar no

    suscitava seno escassa inquietao, a verdade que essa desistncia hoje se

    apresenta como um problema individual ou social. Dito isto, para se proceder ao

    estudo cientfico da desistncia escolar, convm operacionalizar antes a definio

    do conceito. Importa, desde j, aceitar, por um lado, algum reducionismo em

    relao ao prprio conceito e, por outro, aceitar os enviesamentos sistemticos no

    nosso conhecimento sobre a prevalncia do fenmeno.

  • 5

    1. 2 Efeitos da definio sobre a prevalncia da desistncia escolar

    A capacidade de determinar qual o nmero de alunos desistentes numa dada

    sociedade, numa certa poca, est intimamente relacionada com a

    operacionalizao do fenmeno. Primeiro, a partir de que nvel de afastamento

    devemos falar de desistncia escolar? Sero considerados desistentes os alunos que

    faltam escola durante algumas semanas, alguns meses ou que a deixam para

    sempre? Assim, alguns autores propem reter o nmero de trs semanas de

    ausncias contnuas e no-justificadas para identificar um aluno desistente

    (Morrow, 1986). Evidentemente, uma tal definio implica que um jovem possa,

    durante o mesmo ano escolar, ser identificado como aluno regular, desistente ou

    como tendo regressado escola. Esta estratgia coloca problemas especficos para

    estabelecer a prevalncia do fenmeno, uma vez que quase impossvel munir-se

    de um sistema de identificao to preciso, numa to larga escala. Um segundo

    problema reside na natureza da passagem ao acto: o estatuto de desistente

    assentar tanto quele que deixa deliberadamente a escola, como quele que dela

    expulso? Esta questo pressupe o problema da inteno, uma noo qual

    voltaremos mais frente, mas que levanta tambm o problema da atribuio causal

    e da heterogeneidade do grupo de jovens classificados como desistentes:

    deveremos colocar no mesmo grupo os alunos que j no querem prosseguir os

    seus estudos ou que j no podem continu-los, ou que no tm recursos pessoais

    ou ambientais para responder s exigncias escolares? Este problema de inteno

    no deixa de colocar dificuldades na identificao dos alunos desistentes. Quem,

    com efeito, duvidaria das hesitaes que os administradores escolares poderiam

    sentir em divulgar o nmero de alunos que se tornaram desistentes porque foram

    expulsos da escola, sinal de uma certa incapacidade desta para responder s

  • 6

    necessidades dos jovens? Tanto quanto sabemos, um nico estudo emprico

    longitudinal reconheceu explicitamente esta diferena (Elliott & Voss, 1974) no

    estatuto dos alunos desistentes sem, no entanto, ir mais alm na investigao das

    caractersticas especficas destas duas categorias de desistentes (pushout

    dropouts).

    A soluo habitualmente retida no plano epidemiolgico para contornar os

    problemas precedentes e para estudar a prevalncia da desistncia escolar consiste

    em utilizar a obteno de um diploma como critrio de classificao (i.e.

    diplomado ou desistente). Esta soluo no est, contudo, por completo, isenta de

    confuso, primeiro no plano conceptual e, depois, no operacional. No plano

    conceptual, torna-se profundamente reducionista propor uma equivalncia entre a

    obteno de um diploma e o facto de no continuar os estudos (voluntariamente

    ou no) tal como prescrito pela lei ou pelas convenes sociais (Roy, 1992). No

    plano operacional, os riscos de confuso residem principalmente nos mltiplos

    mtodos de clculo, o que torna muito difceis as comparaes entre os diferentes

    pases, as diferentes provncias ou mesmo as diferentes comisses escolares

    (Hammack, 1986; Roy, 1992). Por exemplo, Demers (1992) afirma que a taxa de

    abandono escolar no Qubec seria a mais elevada do Ocidente com 35,7%,

    enquanto que esse valor no atinge seno 2% no Japo, 15% na Sucia, 30% nos

    Estados-Unidos e 28% no Canad ingls. Contudo, Diambomba e Ouellet (1992)

    indicam que a taxa de abandono no Qubec seria comparvel ou mesmo inferior

    de outros pases industrializados. Numa excelente anlise estatstica sobre

    desistncia escolar, Roy (1992) nota a quase futilidade de tais comparaes, tendo

    em conta a diversidade das formas de clculo, das definies que as sustentam e

    dos sistemas escolares prprios s diferentes provncias ou pases.

    At ao final dos anos 80, era usual descrever o aluno desistente do Qubec

    como aquele que pe termo, voluntria ou involuntariamente, temporria ou

  • 7

    definitivamente, ao seu programa de estudos e que se retira, de forma clara, do

    sistema escolar antes da obteno do seu diploma (Erpicum & Murray, 1975;

    Morrow, 1986; Roy, 1992). As comisses escolares eram responsveis pela

    identificao, em cada ano, do nmero de abandonos nas respectivas escolas. O

    clculo da taxa de desistncia correspondia, ento, relao entre o nmero total

    de alunos desistentes identificados e o nmero total de alunos inscritos nesse ano.

    Entre 1972 e 1980, as taxas de abandono variaram entre os 10 e os 14% no

    Qubec (Roy, 1992).

    Desde o incio dos anos 90, os demgrafos do Ministrio da Educao do

    Qubec (MEQ) renem os diferentes ndices relativos ao abandono escolar,

    eliminando os problemas de operacionalizao e de enviesamentos operacionais.

    Agora, comum encontrar a seguinte definio para identificar o aluno desistente:

    O aluno est inscrito no sector dos jovens (i.e. no liceu) no incio do ano lectivo,

    j o no est no ano seguinte, no titular de um diploma de estudos secundrios e

    continua a residir no Qubec no ano seguinte. As sadas ligadas a fenmenos extra-

    escolares (mortalidade e sada do Qubec) no esto includas no nmero de

    abandonos (MEQ, 1991).

    O nico critrio retido para definir o aluno desistente agora o da no

    obteno de um diploma ao nvel do ensino secundrio. Este critrio tem como

    consequncia alargar a esfera dos indivduos identificados como desistentes. Com

    efeito, como bem o sublinha Roy (1992), a antiga definio era mais marcada e

    inspirada pela manifestao de indcios concretos de inadaptao social. Esta

    nova definio corresponde tambm a uma nova maneira de contabilizar a

    prevalncia da desistncia, caracterizada por uma abordagem prospectiva

    longitudinal e probabilstica. Trata-se, neste caso, de seguir um grupo de jovens

    que comeam os seus estudos secundrios em simultneo e de registar o nmero

    de abandonos num perodo de cinco ou mais anos. Este mtodo de clculo permite

  • 8

    falar no tanto de percentagem de desistncia, mas antes de probabilidade de

    abandonar sem diploma. assim que os demgrafos do Ministrio do MEQ

    (1991) estabelecem agora as probabilidades de abandonar a escola. Enquanto que

    a probabilidade de abandonar a escola se situava volta dos 48% em 1976, a

    mesma foi diminuindo progressivamente at atingir os 28% em 1986. Entretanto,

    os riscos de abandonar escolar aumentam a partir do ano seguinte e, desde ento,

    mantm-se volta dos 32% (MEQ, 1991). O aumento repentino verificado depois

    de 1986 geralmente atribudo alterao da nota necessria para transitar de ano

    que aumentou de 50% para 60%. Mais uma vez, os nmeros acima avanados so

    relativos. Assim, numa recente nota oficial, o MEQ (1998) indica que se a

    probabilidade de desistir em 1996-1997 era de 33% para o sector dos jovens, esta

    probabilidade diminui para 30% se forem includos os jovens entre os 15 e os 19

    anos inscritos no sector dos adultos e para 17,6% se forem includos todos aqueles

    que obtiveram um diploma depois dos 20 anos.

    Roy (1992) lembra no s que o mtodo de clculo longitudinal conduz,

    necessariamente, a valores superiores ao do clculo simples das percentagens, mas

    tambm que esse mtodo no se refere mesma realidade. Enfim, o autor sublinha

    que o mtodo probabilstico, apesar de aceite no Qubec, est longe de ter sido

    adoptado noutros locais (ex: Ontario, Estados-Unidos), o que limita

    consideravelmente as comparaes possveis (ver Diambomba & Ouellet, 1992,

    para algumas comparaes). Acresce que a definio estabelecida no Qubec

    utiliza o critrio da obteno de um diploma num sistema escolar em que o ensino

    secundrio se escalona em cinco ou mais anos, o que no o caso nem de Ontario,

    nem dos Estados-Unidos.

    2. Factores determinantes do abandono escolar

  • 9

    Como antes foi mencionado, no cremos ser possvel prevenir o abandono

    escolar sem primeiro reconhecer a complexidade da problemtica. Diferentes

    factores, pertencendo a diferentes dimenses da experincia humana, influem nesta

    complexidade. Procuraremos de forma breve mostrar como as leituras sociolgica

    e psicolgica permitem dar conta das numerosas determinantes do abandono

    escolar. Mais do que opor estes nveis de anlise (social, organizacional, familiar,

    interpessoal, intrapessoal), os mesmos devem ser considerados complementares

    (Janosz & Le Blanc, 1996). Apesar de imbricados uns nos outros, o certo que

    cada nvel possui a sua prpria dinmica permanecendo, ao mesmo tempo,

    dependente dos outros nveis de experincia.

    2. 1 Determinantes sociais

    Uma anlise social e institucional da problemtica esclarece o impacto das

    ideologias, das polticas e da sua operacionalizao atravs das instituies sobre a

    experincia escolar. Mais precisamente, uma tal leitura permite compreender como

    que os sistemas socioeducativos podem tornar-se um factor de risco estrutural da

    desistncia escolar para algumas categorias de alunos. No geral, o sistema escolar

    pode gerar falta de motivao, insucesso e desistncia quando os seus objectivos, a

    sua estrutura e os seus mtodos pedaggicos conduzem ausncia ou perda de

    sentido e de valor da escolaridade. O sistema educativo pode tambm favorecer a

    desistncia escolar quando as vantagens ou os benefcios da escolaridade repousam

    previamente sobre aptides ou recursos pessoais e ambientais que no so

    distribudos igualmente por todos os alunos de uma mesma sociedade.

    Da dominncia do paradigma industrial.

  • 10

    Bertrand e Valois (1992) interessam-se pela natureza das relaes que unem

    sociedade e escola. O seu quadro de anlise baseia-se, por um lado, numa viso

    sistmica das organizaes insistindo na dialctica dos sistemas e, por outro, na

    noo de paradigmas socioculturais e educativos. Estes autores concebem o

    funcionamento da sociedade de forma dialctica. Por um lado, as orientaes

    gerais da sociedade (campo paradigmtico) traduzem-se no plano poltico pelo

    enunciado de normas, leis e regras (campo poltico) que as organizaes

    transformam nas suas prticas (campo organizacional). Por outro lado, as

    organizaes podem, de igual forma, influenciar as polticas e as orientaes de

    uma sociedade.

    Uma sociedade pode ser atravessada por vrios paradigmas socioculturais,

    mas apenas um ser verdadeiramente dominante. De cada paradigma sociocultural

    decorre um paradigma educativo que traduz, no plano da educao, as linhas

    directoras daquele, assegurando, ao mesmo tempo, a sua conservao e

    reproduo. Para Bertrand e Valois (1992), o paradigma sociocultural dominante

    no Ocidente o paradigma industrial. A este esto ligados dois paradigmas

    educativos: o paradigma racional, centrado na transmisso dos conhecimentos e

    dos valores dominantes, e o paradigma tecnolgico, preocupado com a eficcia da

    comunicao. Mas uma sociedade nunca est sujeita a um s paradigma

    sociocultural, por mais dominante que ele seja. Assim, ao paradigma industrial

    opem-se contra-paradigmas que veiculam diferentes projectos de sociedade: o

    paradigma sociocultural existencial, que valoriza acima de tudo o crescimento e o

    bem-estar afectivo das pessoas e cujo paradigma educativo o paradigma

    humanista; o paradigma da dialctica social, que visa mudanas sociais atravs da

    reorganizao da sociedade e cujo paradigma educativo sociointeraccional visa a

    abolio das desigualdades e da explorao humana; enfim, h o paradigma

    simbiossinrgico que repousa sobre uma viso social, ecolgica e espiritual da

  • 11

    sociedade e que o paradigma educativo inventivo procura promover atravs da

    criao de comunidades.

    Segundo Bertrand e Valois (1992), o paradigma industrial caracteriza-se,

    globalmente, por um modo de conhecimento que valoriza a objectividade e o

    conhecimento cientfico. A pessoa considerada na sua lgica e na sua

    racionalidade. A experincia afectiva superficial e transitria. A sociedade est

    centrada no desenvolvimento econmico e tecnolgico. Assim, o paradigma

    educativo racional tem por funo transmitir um saber e valores previamente

    determinados, transmisso essa que assumida pelo professor. A escola deve

    ento: valorizar a produo de uma pessoa bem adaptada sociedade industrial,

    eficaz e que no contestar as regras do jogo da livre empresa. O estudante quer-

    se socializado pela aquisio dos conhecimentos que lhe foram trans-

    mitidos para assim desenvolver atitudes pertinentes a um funcionamento

    normal numa sociedade regularizada pelo paradigma industrial (Bertrand&

    Valois, 1992, p.93).

    Esta maneira de ver a educao tem como consequncia estabelecer uma

    modalidade pedaggica centrada no professor (responsvel pela transmisso dos

    conhecimentos, pela motivao dos alunos, pela sua avaliao e pelo seu controlo).

    Neste sistema de educao, o aluno deve submeter-se a um processo idntico para

    todos, centrado nas capacidades cognitivas e que orienta o domnio das emoes,

    da imaginao e da sensibilidade. Para estar adaptado a este sistema, o aluno deve

    poder produzir os comportamentos esperados e mostrar-se um receptor eficaz do

    conhecimento pr-determinado: assistir s aulas, ouvir o professor, responder s

    questes adequadamente. Ser, ento, avaliado com base no seu grau de

    normalidade em relao aos conhecimentos adquiridos pelo conjunto dos

    adolescentes da sua idade, bem como a partir do seu grau de conformidade face

    aos comportamentos necessrios ao bom andamento de um sistema que reproduz a

  • 12

    organizao da sociedade. No mbito de uma tal estrutura, torna-se fcil atribuir

    os problemas de adaptao s caractersticas individuais (i.e. ele/ela incapaz de

    aprender ou de se comportar como os outros). A adaptao ou inadaptao sero

    avaliadas por comparao com as normas aceites pela maioria, embora muitas

    vezes dependentes da apreciao dos professores.

    Para melhor ilustrar a forma como um paradigma educativo pode

    circunscrever as causas da inadaptao escolar, descrevamos sucintamente o

    sistema educativo proveniente do contra-paradigma educativo humanista. Neste

    paradigma, o sistema educativo no est centrado na preparao especfica do

    indivduo para o mercado de trabalho transmitindo conhecimentos e normas de

    conduta, mas sim no desenvolvimento da pessoa em todas as suas dimenses

    (cognio, afectividade, intuio, criatividade). Reconhece-se ao aluno toda a

    capacidade de aprender por si prprio interagindo com o seu ambiente. O

    professor j no um fornecedor de conhecimentos, mas sim o acompanhante de

    um ser que dirige as suas aprendizagens de acordo com o seu prprio ritmo e em

    funo das suas necessidades. A escola, como a sociedade, constitui um meio e um

    contexto para favorecer o desenvolvimento pessoal. Assim, pelo menos

    teoricamente, torna-se difcil para uma criana ou um adolescente estar inadaptado

    escola devido s suas caractersticas individuais (excepto nos casos de deficincia

    extrema), uma vez que esta organizao existe especificamente para permitir o seu

    desenvolvimento. Dir-se- ento que a escola que est inadaptada porque no

    responde e no se adapta s necessidades dos jovens (Caouette, 1992).

    Poderamos parafrasear afirmando que a escola que abandona os jovens e no o

    inverso.

    A vulnerabilidade dos meios desfavorecidos.

    Walgrave (1992) e Gleeson (1992) insistem nas vulnerabilidades estruturais

  • 13

    das famlias provenientes de meios desfavorecidos face cultura escolar

    dominante. Gleeson (1992) oferece uma anlise socio-histrica consistente em que

    a instruo obrigatria e a no frequncia da escola aparecem como dois

    fenmenos intimamente ligados um ao outro. O autor comea por lembrar que a

    escolaridade obrigatria se encontra na confluncia de numerosas influncias e

    ideologias que visam o mesmo objectivo: transformar os hbitos de vida, as

    atitudes e crenas da classe operria. Primeiro que tudo, a escolaridade obrigatria

    mostra-se interessante para os promotores da industrializao do ltimo sculo que

    pretendiam disciplinar os trabalhadores, demasiado inclinados a deixarem-se viver

    ao ritmo das estaes e das festas. Contudo, bem depressa tambm a classe mdia,

    em crescimento, se escandaliza com esta classe trabalhadora, que explora e

    esquece as crianas e que parece ainda constituir um foco propcio ao

    desenvolvimento da criminalidade, da pobreza, da insalubridade, da doena, etc.

    Encorajado por diferentes movimentos de cariz religioso e moralizador,

    procurando salvar as crianas dos erros dos seus pais, o poder poltico v na

    instruo obrigatria a possibilidade de aumentar o seu controlo sobre a classe

    trabalhadora. Este controlo ser exercido atravs da identificao dos adolescentes

    que no frequentam a escola, quando o deveriam fazer.

    Gleeson (1992) argumenta tambm que o problema da frequncia escolar,

    como forma de excluso social escolhida ou suportada ... no poder ser separado

    das formas mais vastas de estratificao racial, econmica e sexual vividas pelos

    jovens, em particular nas reas economicamente mais carenciadas, onde bolsas de

    absentismo escolar, de tipo persistente e intermitente, permanecem historicamente

    altas. (p. 479). Por esta razo, a escola nunca conheceu uma idade de oiro de

    acessibilidade e xito universal. Nenhum sistema escolar soube at hoje reduzir as

    desigualdades sociais ou ainda oferecer-se sem descriminao, por forma a que

    nenhum sub-grupo ou nenhuma sub-cultura da populao fique em posio

  • 14

    desfavorecida.

    Walgrave (1992) admite, por seu lado, as vantagens da escolaridade que

    descreve como sendo a oferta escolar. Para alm de ser um lugar de

    aprendizagem centrado no desenvolvimento cognitivo, no alargamento dos

    conhecimentos e na preparao para o mercado de trabalho (ou numa escolaridade

    mais exigente), a escola proporciona tambm o desenvolvimento, a

    experimentao, a descoberta e a afirmao de uma panplia de competncias e de

    papis sociais. A escola oferece um contexto privilegiado de aprendizagens e de

    socializao. No entanto, esta oferta est sempre condicionada pela capacidade de

    se submeter s diferentes exigncias impostas pela escola: preciso submeter-se

    disciplina escolar, aceitar o funcionamento hierrquico, as contedos no

    interessantes, as interaces dominadas pela competio e a tica do trabalho ,

    nica via que pode acarretar mritos... A escola valoriza menos a inteligncia

    concreta e de realizao que a inteligncia abstracta. Rejeita as expresses fsicas e

    directas como impertinentes e perturbadoras. (...) A falta de destreza no

    manuseamento dos instrumentos intelectuais, como os livros ou o material para

    escrever, torna o sucesso ainda mais difcil (Walgrave, 1992, p.70). claro que,

    para Walgrave, as crianas das classes trabalhadoras e das classes mais

    desfavorecidas no esto to bem equipadas para responder a estas exigncias de

    oferta escolar. Walgrave (1992) fala de vulnerabilidade social para descrever esta

    falta de ajustamento entre a cultura dominante e a classe trabalhadora quanto s

    aspiraes individuais e colectivas, assim como quanto s capacidades e modos de

    vida.

    Por outras palavras, a escolaridade obrigatria da juventude comporta em si

    mesma o problema da frequncia e do abandono escolar, sendo incapaz de

    responder ou de se ajustar s aspiraes e necessidades do conjunto da populao.

    O paradigma educativo dominante numa sociedade baliza a responsabilidade

  • 15

    individual e organizacional no que diz respeito ao sucesso educativo. Num

    paradigma industrial racional, a responsabilidade individual dominante uma vez

    que o conhecimento est fixado e determinado, do mesmo modo que os seus

    objectivos. Com o intuito de beneficiar deste conhecimento, cujas vantagens so

    inegveis para a entrada no mercado do trabalho e para enfrentar os desafios do

    sc. XXI, o aluno deve submeter-se a um processo de escolaridade normativo que

    deixa pouco espao s diferenas e vulnerabilidades individuais. Neste sentido,

    concordamos com Gleeson (1992) quando sublinha que a escola, nos moldes

    actuais, favorece intrinsecamente o abandono escolar daqueles jovens que no

    dominam os pr-requisitos comportamentais, cognitivos ou mesmo familiares

    necessrios integrao no sistema escolar.

    Refira-se ainda que, num paradigma sociocultural industrial, o abandono

    prematuro dos estudos constitui naturalmente um problema social importante, uma

    vez que pe em perigo o desenvolvimento econmico e tecnolgico colectivo.

    Num paradigma existencial, a responsabilidade do sucesso educativo ainda mais

    imputvel qualidade do ambiente educativo e, portanto, queles e quelas que

    tm o dever de implantar e de alimentar este ambiente. Dado aceitar-se que a

    curiosidade, o desejo de aprender e de dominar o seu ambiente so necessidades

    intrnsecas e inatas (Skinner, 1995), ento cabe aos agentes de educao suportar o

    desenvolvimento holstico da criana. Em tal contexto, a desistncia escolar traduz

    a incapacidade de um sistema em responder s necessidades de desenvolvimento

    dos jovens e em tirar partido da sua motivao intrnseca. Resumindo, no se pode

    falar de inadaptao ou de desis-

    tncia escolar sem ter em conta que as concepes do papel da educao na

    sociedade moldam a concepo de inadaptao e determinam a partilha das

    responsabilidades.

  • 16

    2. 2 Determinantes organizacionais

    Alguns autores tentaram demonstrar que a escola, pela sua estrutura,

    organizao do currculo ou atmosfera geral, influenciava a experincia escolar dos

    adolescentes (Bos, Ruijters & Visscher, 1990; Brookover, Beady, Flood,

    Schweitzer & Wisenbaker, 1979; Entwisle, 1990; Gottfredson & Gottfredson,

    1985; Gottfredson, 1986; Hallinan, 1987; Lindstrom, 1992; Purkey & Smith, 1983;

    Rutter, Maughan, Mortimore, Ouston & Smith, 1979). Ainda que poucos estudos

    tenham aprofundado especificamente o efeito do meio escolar sobre a desistncia,

    existe j um conjunto de conhecimentos que permite sustentar a tese de que a

    escola contribui de forma notria para a experincia escolar e, por conseguinte,

    influencia a qualidade da adaptao e da perseverana escolar.

    Uma variabilidade importante entre escolas

    A percentagem de abandonos, a qualidade das aprendizagens e das condutas

    sociais diferem de escola para escola. Na Gr-Bretanha, Rutter et al. (1979)

    mostraram que a proporo de absentismo variava entre os 6% e os 26% conforme

    as escolas. Na Finlndia, Bos et al. (1990) observaram variaes entre 0,2% e

    13,8% no absentismo e entre 0% e 29,6% na desistncia em 36 escolas

    secundrias. No Qubec, Hrimech Thoret, Hardy e Gariepy (1993) encontraram

    flutuaes comparveis, mas observaram tambm uma forte relao entre o meio

    socioeconmico dos alunos e a percentagem de obteno de diplomas: os alunos

    provenientes de meios mais desfavorecidos frequentavam em maior nmero as

    escolas que tinham as percentagens mais baixas de obteno de diplomas. Em

    contrapartida, o inverso no era assim to notrio. Os alunos oriundos de famlias

    mais favorecidas tinham tendncia para frequentar escolas mais cotadas, mas uma

    proporo no negligencivel destes alunos (entre 13,6% e 44,9%, conforme as

  • 17

    escolas) frequentava escolas cuja percentagem de obteno de diplomas se situava

    dentro da mdia.

    Como explicar tais diferenas entre estabelecimentos de ensino? Gottfredson

    e Gottfredson (1985) estudaram as caractersticas de mais de 600 escolas

    secundrias (junior e senior high-school) em relao com o nvel de

    vitimao dos alunos, dos professores e dos directores das escolas. As suas

    anlises mostram que a proporo de alunos provenientes de meios desfavorecidos

    afecta negativamente o nvel de vitimao na escola, o qual tambm mais elevado

    quando os professores preconizam uma abordagem punitiva, quando as suspenses

    so frequentes e quando a cooperao entre professores e direco reduzida.

    Estes problemas aumentam quando as regras so confusas, injustas aos olhos dos

    alunos e de aplicao no constante. A desordem tambm mais visvel nas

    escolas onde o clima social e educativo pobre, ou seja, onde os adolescentes se

    sentem pouco ligados sua escola, onde aderem a valores no convencionais, onde

    as relaes inter-tnicas so tensas, etc. Contudo, o sentido de todas estas relaes

    no claro. Por exemplo, o recurso mais frequente a condutas punitivas por parte

    dos professores ser consequncia de uma populao estudantil mais turbulenta ou

    ser o inverso? De facto, o problema est em determinar se as diferenas

    observadas entre escolas so realmente provocadas por factores escolares ou se

    elas reflectem antes as diferenas causadas pela composio do corpus de alunos,

    das suas caractersticas pessoais (capacidades cognitivas e interpessoais),

    familiares, culturais e socioeconmicas.

    Algumas consideraes metodolgicas.

    Os investigadores interessados nestas questes tentam geralmente comparar

    as escolas entre si, controlando as variveis individuais que podem estar na origem

    as variaes observadas. Foram utilizadas diferentes estratgias para controlar

  • 18

    estes efeitos. Assim, Reynolds, Jones, St-Lger e Murgatroyd (1980), aps terem

    controlado as capacidades cognitivas (Q. I.) dos alunos, notaram que as escolas

    secundrias variavam quanto aos problemas de absentismo, da delinquncia e da

    perseverana escolar. Contudo, aperceberam-se que, embora comparveis em

    termos de Q. I., os alunos se diferenciavam no que diz respeito a outras variveis

    tidas como cruciais na altura da sua entrada no ensino secundrio, tais como as

    suas capacidades lingusticas ou as suas capacidades em matemtica. Este tipo de

    lacuna justifica a grande importncia de escolher com cuidado as variveis de

    controlo. Rutter et al. (1979) avaliaram, por seu lado, os alunos no final do seu

    sexto ano de escolaridade (antes de iniciarem os estudos secundrios) de acordo

    com diferentes variveis: capacidades de raciocnio verbal, ocupao dos pais,

    qualidade dos comportamentos dentro da sala de aula e etnia. O controlo das

    variveis efectua-se, tambm neste caso, com apoio de anlises estatsticas, como

    na maioria dos estudos efectuados noutros lugares (Bos et al., 1990; Lindstrom,

    1992; Rutter, 1983). Tanto Rutter (1983) como Purkey e Smith (1983) fazem uma

    excelente reviso das consideraes metodolgicas associadas a este tipo de

    pesquisas. Rutter (1983) aborda, entre outros aspectos, a medida da amplitude dos

    efeitos das variveis escolares e a escolha das variveis dependentes. Por seu

    turno, Purkey e Smith (1983) mencionam toda uma srie de dificuldades

    metodolgicas associadas a este gnero de pesquisa: pequenas amostras, fraco

    controlo das caractersticas individuais, problema de agregao dos dados (i.e.,

    sub-grupos de alunos podem reagir de forma diferente a certas caractersticas da

    escola, mas essas diferenas perdem-se pela agregao de todos os alunos num

    mesmo grupo), comparaes imprprias (comparar as boas s ms escolas, em vez

    de comparar as boas escolas s escolas mdias), etc.

    No entanto, apesar das falhas metodolgicas, os resultados das investigaes

    sobre a escola apontam muitas vezes para os mesmos factores dominantes

  • 19

    susceptveis de explicar o sucesso educativo. Note-se que, excepo de alguns

    estudos (Bryk & Thum, 1989; McNeal, 1997; Rumberger, 1995; Wehlage &

    Rutter, 1986), a maioria das investigaes aprofundou sobretudo os efeitos do

    ambiente escolar em indiciadores da adaptao escolar, tais como o rendimento e o

    comportamento dentro da sala de aula, mais do que na desistncia. Iremos resumir

    os diferentes factores que caracterizam as boas escolas (sucesso educativo e

    comportamentos) no que se refere estrutura (nmero de alunos, agrupamento,

    etc.) e aos processos organizacionais (relaes interpessoais, ambiente, etc.).

    Estrutura organizacional.

    Um dos primeiros factores organizacionais a ser tomado em conta foi a

    dimenso das turmas e das escolas. Enquanto que algumas investigaes no

    encontram nenhuma relao entre a dimenso de uma escola e o rendimento

    escolar (Colemans, 1966; Rutter, 1983), outras sublinham o melhor desempenho

    das pequenas escolas do ensino secundrio que favorecem a participao dos

    alunos nas actividades extracurriculares e permitem um apoio mais flexvel e mais

    prximo por parte dos adultos (Bryk & Thum, 1989; Entwisle, 1990; McNeal,

    1997; Rumberger, 1995; Wehlage & Rutter, 1986). Excepto no que diz respeito s

    disciplinas de base durante o primeiro e o segundo anos do ensino primrio, Rutter

    (1983), por seu lado, encontra poucas diferenas nas turmas de 20 a 40 alunos,

    desde que o professor no privilegie uma abordagem tutelar e que a proporo de

    alunos com dificuldades de aprendizagem permanea reduzida.

    No que diz respeito ao currculo, parece que a excessiva diversidade de vias

    educativas no ensino secundrio (Bryk & Thum, 1989; Purkey & Smith, 1983) e a

    falta de nfase na aprendizagem da leitura, da escrita e da matemtica no ensino

    primrio afectam negativamente a escolaridade. O agrupamento dos alunos est

    intimamente ligado ao currculo, uma vez que se relaciona, por um lado, com o

  • 20

    modo como os alunos so agrupados para receber o conhecimento organizado

    pelo currculo e, por outro, com o ajustamento entre o conhecimento a transmitir e

    as capacidades de um adolescente para o receber. Quanto primeira dimenso,

    Caouette (1992) questiona mais a pertinncia do agrupamento dos alunos de

    acordo com a sua idade do que o estabelecimento de grupos multi-idades, mais

    naturais e susceptveis de estimular o desenvolvimento social dos adolescentes.

    As diversas experincias efectuadas sobre o ensino tutelar entre pares defendem a

    heterogeneidade do grupo de alunos j que, pelo menos no ensino primrio, tudo

    indica que esta modalidade pedaggica tem efeitos benficos nas aprendizagens e

    comportamentos, tanto junto dos tutores como dos tutelados (Coie & Krehbiel,

    1984; Greenwood, Carta & Vance Hall, 1988; Maheady & Sainato, 1985). Outros

    autores destacam os efeitos perversos e causadores de stress das mudanas

    relacionadas com a passagem do bsico para o secundrio, num momento em que

    o jovem entra na puberdade (Entwisle, 1990; Simmons & Blyth, 1987). Quanto

    segunda dimenso do agrupamento, ou seja, ao lugar previsto para os alunos que

    apresentam certas dificuldades escolares ou de comportamento, parece que as

    polticas que consistem em fazer repetir o ano e em distribuir os alunos por reas

    de acordo com as suas capacidades tm efeitos nefastos. Consideremos, em

    primeiro lugar, a situao do repetente que deve recomear o seu ano escolar

    porque no pde, atravs das diferentes avaliaes a que foi sujeito, demonstrar

    um domnio mnimo de certos conhecimentos. Na sua meta-anlise feita aos

    estudos longitudinais acerca da repetio do ano escolar, Holmes (1990) compara

    a adaptao escolar dos alunos que reprovaram daqueles que passaram de ano

    (sob condio) embora apresentando perfis escolares e comportamentais

    semelhantes. Os resultados indicam que os alunos que transitaram de ano, sob

    condio, no apresentam mais dificuldades subsequentes na sua escolaridade que

    os alunos reprovados. Sabendo, por exemplo, que os alunos que repetiram pelo

  • 21

    menos um ano correm mais riscos de virem a abandonar a escola (Bachman et al.,

    1971; Cairns et al., 1989; Violette, 1991), torna-se importante questionar esta

    prtica.

    A prtica que consiste em retirar do currculo normativo os alunos com

    dificuldades de aprendizagem ou problemas de comportamento no parece ser uma

    estratgia nem correcta nem necessria. Algumas investigaes mostram que as

    prticas de excluso (i.e. recurso a turmas especiais) no so mais eficazes do que

    as estratgias de integrao das crianas com dificuldade em turmas regulares

    (Rutter, 1983). Ademais, Garmoran e Mare (1989) demonstram, com base num

    estudo longitudinal sobre a escolaridade de 10 980 estudantes do ensino

    secundrio, que a distribuio por reas de acordo com as capacidades afecta o

    rendimento escolar na matemtica e aumenta os riscos de abandonar a escola. Mais

    precisamente, os autores demonstram que os alunos com sub-aproveitamento so

    tendencialmente provenientes de meios desfavorecidos e tendencialmente

    encaminhados para reas vocacionais ditas inferiores, enquanto que aqueles que

    tm aproveitamento, vindos sobretudo de meios favorecidos, so mais vezes

    encaminhados para reas vocacionais ditas superiores. O sistema de distribuio

    por capacidades acentua as diferenas entre estes tipos de alunos em termos de

    sucesso escolar e de probabilidades de obter um grau acadmico e, por isso,

    cristaliza as diferenas sociais. Estes mesmos investigadores verificam, no entanto,

    que os sistemas de distribuio por capacidades so positivamente enviesados a

    favor dos alunos de raa negra e das raparigas (i.e. um agrupamento enviesado

    para reas vocacionais normativas e superiores), o que diminui sensivelmente o

    efeito discriminatrio de tais sistemas para estes grupos de alunos. Sublinham

    tambm que os programas de reas mais ligeiras ou de orientao profissional no

    so mais eficazes que os das reas ditas normais para impedir os adolescentes de

    abandonar a escola(Entwisle, 1990; Glickman, 1992; Rutter, 1983).

  • 22

    Enfim, uma das crticas importantes ao agrupamento por capacidades tem a

    ver com os riscos de etiquetagem. O processo de etiquetagem, inspirado no

    interaccionismo simblico, contribuiu, particularmente no mbito as teorias da

    reaco social, para explicar os comportamentos desviantes (Palmer & Humphrey,

    1990). A etiquetagem operaria da seguinte forma: As pessoas responsveis pela

    etiquetagem esperam que os comportamentos futuros do indivduo etiquetado

    concordem com o papel desviante que lhe atribudo. Estas pessoas so mais

    susceptveis de dar reforos ao indivduo que se conforma com seu papel desviante

    e de punir aqueles que com o mesmo no se conformam. Por conseguinte, quando

    algum etiquetado como delinquente ou como tendo problemas de sade mental,

    ele ou ela mais susceptvel de ver reforados os comportamentos que se

    conformam com etiqueta desviante. Espera-se que este indivduo aceite a sua

    etiqueta e o papel que lhe atribudo e que integre uma imagem de si que traduza

    essa etiqueta. (Palmer & Humphrey, 1990: p.50).

    Alguns investigadores viram, assim, no princpio do agrupamento dos alunos

    menos capazes ou mais problemticos um procedimento de etiquetagem negativo

    capaz de conduzir delinquncia juvenil (percepo de si negativa, desistncia

    escolar, condutas desviantes, etc.). Contudo, os estudos longitudinais no

    conseguiram confirmar estes pontos de vista e a controvrsia permanece ainda em

    aberto (ver Le Blanc, Vallires & McDuff, 1992; Walgrave, 1992; Wilson &

    Herrnstein, 1985). As teorias da etiquetagem foram tambm objecto de numerosas

    crticas no que diz respeito ao seu determinismo e ao seu mutismo face aos

    comportamentos iniciais que conduzem reaco de etiquetagem (Gottfredson &

    Hirschi, 1990; Walgrave, 1992).

    Quanto ao plano da composio do corpus de alunos, vrios autores verifi-

    caram que as taxas de abandono so mais elevadas nas escolas com grande diver-

    sidade cultural e tnica, mesmo depois de terem sido considerados os efeitos do

  • 23

    estatuto socioeconmico (Bryk & Thum, 1989; McNeal, 1997; Rumberger, 1995).

    Por outro lado, Rutter et al. (1979) consideram que as escolas frequentadas por

    uma elevada proporo de alunos com fracas capacidades intelectuais apresentam

    ainda mais problemas de absentismo, de delinquncia e de insucesso escolar.

    As prticas educativas e a relao com o professor.

    Entre os factores que melhor caracterizam as escolas mais conceituadas,

    encontra-se a valorizao do xito educativo ao nvel da turma e ao nvel da

    prpria escola (Entwisle, 1990; Purkey & Smith, 1983; Rutter, 1983), bem como a

    manuteno de expectativas elevadas e realistas face ao desempenho dos alunos

    (Bryk & Thum, 1989; Purkey & Smith, 1983; Rutter, 1983; Wiggins, 1989). O

    impacto das expectativas do professor foi exposto de forma particularmente

    eloquente no clebre estudo experimental de Rosenthal e Jacobson, publicado em

    1968 (cf. efeito pigmaleo ou self-fulfilling prophecy). Lembre-se que, neste

    estudo, os autores demonstraram que os alunos de professores a quem tinha sido

    dito que eram dotados obtiveram melhores avaliaes cognitivas e

    comportamentais que os alunos relativamente aos quais os professores tinham

    recebido uma descrio desfavorvel das suas capacidades (apesar de as crianas

    serem, partida, absolutamente comparveis). Embora as rplicas deste estudo no

    tenham seno oferecido escassos resultados, Wiggins (1989) insiste em lembrar

    que vrias outras pesquisas militam a favor de um efeito das expectativas do

    professor: as expectativas dos professores podem afectar e afectam os alunos,

    ainda que estas expectativas nem sempre se concretizem e possam diferir em grau

    e tipo (traduo livre, p. 167). O modo como as expectativas do professor

    afectam o rendimento do aluno assemelha-se ao processo de etiquetagem acima

    descrito.

    Num estudo retrospectivo realizado no Qubec sobre a desistncia escolar,

  • 24

    Violette (1991) nota que h mais alunos desistentes do que alunos finalistas do

    ensino secundrio a ter ms relaes ou relaes mais ou menos boas com o

    pessoal da escola. Fagan e Pabon (1990) confirmam esta observao, sublinhando

    que as relaes entre os alunos desistentes e os seus professores eram ainda piores

    que no caso das alunas desistentes. Eaton (1979) estudou os factores associados

    ao absentismo persistente em 190 alunos dos 9 aos 14 anos. As anlises de

    regresses mltiplas demonstraram que, para alm do estatuto socioeconmico

    dos pais, da estrutura familiar, da ansiedade do adolescente ou das suas

    capacidades intelectuais, so as relaes entre o aluno, os seus professores e os

    seus pares que melhor predizem a sua perseverana escolar. Mais precisamente,

    uma relao insatisfatria com os pares era o melhor preditor de absentismo dos

    mais novos, enquanto que uma relao insatisfatria com os professores era a

    varivel que melhor predizia o absentismo no ensino secundrio.

    O sistema de reconhecimento e a gesto da turma.

    Sabe-se desde h muito que a retroaco positiva ou o reforo constitui uma

    estratgia bem mais eficaz que a punio para aumentar a motivao e diminuir os

    comportamentos turbulentos (Archambault & Chouinard, 1996; Charles, 1997;

    Viau, 1994; Walker, Colvin & Ramsey, 1995). Apesar disso, foroso admitir a

    dificuldade dos educadores em aplicar este princpio no dia-a-dia das suas

    intervenes (Langevin, 1994). As investigaes demonstraram que as escolas que

    regularmente usam mais reforos positivos e encorajamentos do que punies

    registam menos problemas de comportamento. Um sistema de reconhecimento de

    qualidade recorre ao uso sistemtico de reforos sociais e materiais em relao aos

    indivduos e comunidade estudantil e a um uso parcimonioso da punio. A

    noo de reforo inclui a da recompensa, mas no se lhe restringe. Note-se que a

    recompensa comporta, por vezes, efeitos perversos sobre a motivao e que os

  • 25

    contextos e estratgias da sua aplicao exigem uma planificao minuciosa

    (Charles, 1997; Viau, 1994).

    Quantidade e qualidade do ensino.

    Por muito que se aplique mtodos pedaggicos eficazes junto dos alunos

    preciso ainda que estes possam deles tirar proveito. Os estudos mostram que nas

    escolas menos eficazes h muita perda de tempo antes e durante as aulas

    (Langevin, 1994; Rutter et al., 1979). Uma boa planificao das aulas e,

    sobretudo, a utilizao de boas estratgias de gesto da turma permitem evitar

    perdas de tempo (Gottfredson, 1984; Purkey et al., 1983; Walker, Colvin &

    Ramsey, 1995) que afectam no s a dosagem do ensino, mas tambm

    favorecem os tempos mortos de que os alunos mais turbulentos se aproveitam.

    Quanto mais os alunos estiverem concentrados nas suas actividades de

    aprendizagem, menos correm o risco de se envolverem em interaces

    inapropriadas. As boas escolas caracterizam-se por terem professores que sabem

    obter e manter a ateno dos alunos, maximizar o tempo de ensino, gerir com

    eficcia os problemas de disciplina, reforar os comportamentos adequados, etc.

    (Entwisle, 1990; Purkey & Smith, 1983; Rutter, 1983). Os professores mais

    eficazes interagem continuamente com toda a turma e evitam limitar a sua ateno

    a um nico aluno (Rutter et al., 1979).

    Para alm do apoio, uma grande parte da qualidade das aprendizagens

    relaciona-se com as estratgias de ensino. Mais uma vez se observa um fosso

    importante entre as aquisies da investigao cientfica acerca das prticas mais

    eficazes e as estratgias utilizadas no dia-a-dia da escola. Dito isto, nas melhores

    escolas sob o ponto de vista das aprendizagens e da motivao, os professores

    dominam as pedagogias de cooperao, tm em conta as estratgias de

    aprendizagem utilizadas pelos alunos, preocupam-se em neles estimular

  • 26

    sentimentos quer de controlo quer de competncia e procuram ainda desenvolver

    as suas capacidades metacognitivas. Enfim, estes professores so maleveis e

    fazem variar as suas estratgias pedaggicas para se adaptarem aos diferentes

    contedos, aos contextos de ensino e s necessidades dos alunos (Langevin, 1994;

    Solomon, 1996; Deci, Schwartz, Scheinman & Ryan, 1981; Protheroe, 1991;

    Skinner, 1995; Viau, 1994).

    As oportunidades de investimento.

    A escola, sobretudo ao nvel do ensino secundrio, algo mais vasto que um

    restrito ambiente de aprendizagem escolar. As boas escolas oferecem aos

    adolescentes mltiplas ocasies de descobrir os seus interesses, as suas

    capacidades desportivas e artsticas, bem como de se desenvolver nos planos

    pessoal (autonomia) e social (amizades, competncia social) (Finn, 1989;

    McNeal, 1995; Rutter et al., 1979). As actividades extracurriculares e as

    actividades escolares complementares favorecem contactos diferentes com os

    adultos da escola assegurando, ao mesmo tempo, uma maior superviso dos jovens

    (Finn, 1989).

    A participao dos pais.

    As escolas com melhor desempenho no esto fechadas em si prprias.

    Sabem, em particular, dar lugar aos pais e suscitar a sua partici-

    pao nas diferentes comisses ou actividades (Hickman, Grenwood & Miller,

    1995; Purkey & Smith, 1983). A este nvel, as prticas eficazes implicam

    uma boa comunicao entre a escola e os pais, bem como um apoio aos pais

    quanto melhor forma de ajudar os filhos nos seus estudos (Connors

    & Epstein, 1995).

  • 27

    A liderana educativa da direco e estilo de gesto.

    As prticas abordadas at ao momento destacam sobretudo as interaces

    entre alunos e professores. Para muitos, a qualidade destas interaces tributria

    da motivao dos professores e da qualidade das suas interaces com a direco

    da escola (Purkey & Smith, 1983; Rutter, 1983). Com efeito, as pesquisas

    demonstraram que a motivao dos professores aumenta nos casos em que a

    direco da escola mais encorajadora que controladora. Uma boa direco d

    valor opinio do pessoal; apresenta claramente as suas expectativas e distribui

    judiciosamente responsabilidades e tarefas. A direco de uma escola desempenha

    o papel de pedra angular no estabelecimento de um clima harmonioso entre os

    diferentes membros do seu pessoal (Dufour, 1986; Evans, 1983; Hassenpflug,

    1986; Kelley, 1981; Mazur & Lynch, 1989; Rowan, Bossert & Dwyer, 1983).

    Importa tambm que a direco reconhea as foras e as vulnerabilidades dos

    professores a fim de ajustar a sua superviso pessoal s necessidades de cada um

    (Rawcliffe, 1991).

    Os bons directores associam o pessoal aos processos de deciso importantes,

    o que acentua o sentimento de pertena ao meio (McCormack-Larkin, 1985).

    Dado que uma boa comunicao e uma verdadeira concertao se mostram

    essenciais para atingir objectivos comuns, ento um lder eficaz, capaz de suscitar a

    cooperao de todos, revela-se primordial (Durlak, 1995; Henderson, 1989). A

    qualidade das relaes entre a direco e os professores traduz-se por uma

    percepo de colaborao entre ambas as partes, pela superviso dos professores e

    pelas oportunidades que lhes so dadas para explorar novas prticas pedaggicas

    (Gottfredson, 1984). Os directores devem, mais do que julgar, apoiar e guiar o seu

    pessoal. Como o explica Langevin (1994): o director da escola no o orientador

    pedaggico, mas sobretudo aquele que apela s competncias e aos talentos dos

    outros (p. 73).

  • 28

    Em resumo, a literatura cientfica emprica apoia a ideia de que o ambiente

    socioeducativo contribui de forma especfica para a qualidade da experincia

    escolar dos alunos (Janosz, Georges & Parent, 1998). Na medida em que os

    escassos estudos que incidem especificamente sobre o abandono escolar indicam

    tendncias semelhantes, e que a qualidade da experincia escolar afecta

    directamente a perseverana nos estudos, legtimo concluir que a escola, com as

    suas caractersticas organizacionais, com o seu funcionamento geral e o clima que

    nela reina, afecta a desistncia escolar. Todos estes estudos confirmam a

    importncia atribuda s caractersticas e qualidade do contexto educativo. A

    escola participa activamente no processo que conduz desistncia atravs das

    expectativas dos professores, dos programas de estudo, do apoio, da qualidade dos

    estmulos, dos encorajamentos, da atmosfera do meio de vida, tudo aspectos que

    fazem parte do quotidiano da escola.

    2. 3 Determinantes familiares

    A situao familiar do aluno tem recebido grande ateno por parte dos

    investigadores. A maioria dos estudos debruaram-se sobre a situao estrutural da

    famlia e seu funcionamento. Em geral, os estudos longitudinais e transversais

    convergem nas mesmas concluses: os desistentes provm muito mais de famlias

    cujo nvel de adversidade estrutural elevado (pobreza, monoparentalidade,

    mobilidade, famlias numerosas, etc.) e cujas prticas educativas so ou demasiado

    permissivas ou demasiado rgidas (acompanhamento, apoio, etc.).

    Estatuto socioeconmico e estrutura familiar.

    So vrias as pesquisas longitudinais que realam o facto de os alunos

    desistentes serem provenientes de famlias com baixos rendimentos e separadas

  • 29

    (Bachman et al., 1971; Cairns et al., 1989; Ekstrom et al., 1986; Elliott & Voss,

    1974; Howell & Frese, 1982; Janosz et al., 1997; Shaw, 1982). As influncias

    respectivas do estatuto socioeconmico e da separao da famlia sobre o

    abandono dos estudos no so contudo assim to simples. Na verdade, num estudo

    que incidiu sobre 433 dades me-filha de raa branca e de 216 dades de raa

    negra, Shaw (1982) observa que o rendimento familiar afecta o prosseguimento e a

    concluso dos estudos, quer se viva ou no numa famlia intacta. Todas aquelas

    que no haviam completado o seu 12. ano ou que no estavam inscritas na escola

    eram consideradas desistentes. Como sublinha a autora, dado que as dificuldades

    financeiras so habituais no grupo da monoparentalidade, no de espantar que

    exista uma relao entre a separao da famlia e a perseverana escolar. Os

    resultados mostram que, uma vez controlado o estatuto socioeconmico, as

    raparigas de raa branca provenientes de famlias monoparentais no corriam mais

    riscos de desistir do que aquelas que viviam num lar unido. Ao contrrio, as

    raparigas de raa negra provenientes de famlias separadas desistiam em maior

    nmero do que as suas homlogas vindas de famlias intactas, mesmo estando

    controlado o estatuto socioeconmico.

    O efeito da classe social sobre a experincia escolar no parece ser directo.

    Com efeito, a maioria dos autores sublinha que, em geral, o efeito do estatuto

    socioeconmico afecta principalmente o ambiente distal (bairro) e proximal

    (famlia) o qual, por sua vez, influencia directamente o jovem (Entwisle, 1990).

    Assim, o facto de viver numa situao financeira precria, de no ter emprego, de

    morar num bairro degradado, etc., aumenta o stress vivido pelos pais (ainda mais

    se a famlia monoparental), o que influencia a qualidade das prticas educativas

    (superviso das crianas, relaes afectivas, relaes maritais e familiares...).

    Sandefur, McLanahan e Wojtkiewicz (1992) estudaram o efeito da estrutura

    familiar no abandono escolar, tendo em conta diferentes organizaes familiares

  • 30

    (famlia biparental, reconstituda, monoparental, ausncia de pais). Os autores

    entrevistaram sobre a respectiva situao familiar, em 1979, 5 246 adolescentes

    com idades compreendidas entre os 14 e os 17 anos. Mais tarde, em 1985, os

    autores obtiveram informao relativa obteno de diploma dos sujeitos (11% de

    desistentes). Os resultados indicam que o facto de viver, aos 14 anos, numa famlia

    monoparental, reconstituda ou sem pais um predidor de abandono escolar; que a

    degregao da estrutura parental durante a adolescncia (entre os 14 e os 17 anos)

    afecta negativamente as probabilidades de vir a obter um grau acadmico; e, enfim,

    que os efeitos da estrutura parental persistem mesmo depois de ter sido controlado

    o efeito relacionado com o rendimento familiar, com a auto-estima e com as

    expectativas escolares que as pessoas significativas tinham em relao aos sujeitos.

    Note-se que estas ltimas variveis de controlo se encontram tambm ligadas ao

    abandono escolar. Weng et al. (1985) verificam, por sua vez, que o divrcio dos

    pais melhor preditdor do abandono escolar no caso dos rapazes do que no caso

    das raparigas.

    A dimenso das famlias (Bachman et al., 1971), a escolaridade dos pais

    (Ekstrom et al., 1986; Horwich, 1980) e o facto de existirem desistentes numa

    famlia (Elliott & Voss, 1974) so tambm preditores de desistncia escolar. No

    Qubec, vrios estudos confirmam que os alunos desistentes provm de famlias

    numerosas, com fracos rendimentos e cujos pais so pouco escolarizados

    (Horwich, 1980; Le Blanc, Janosz & Langelier-Biron, 1993; Janosz et al., 1997).

    Num estudo recente de Janosz, Le Blanc, Boulerice e Tremblay (no prelo) foram

    analisados os factores de risco do abandono escolar e a sua importncia preditiva.

    Este estudo incidia em duas amostras longitudinais de adolescentes do Qubec, da

    regio de Montral. Em 1974 e 1985, 791 adolescentes, com idades

    compreendidas entre os 12 e os 16 anos, responderam a um questionrio auto-

    revelador sobre a experincia escolar, a vivncia familiar (estrutura e

  • 31

    funcionamento), os comportamentos, os hbitos de vida (amigos, lazeres) e a

    estrutura da personalidade. Apesar das importantes diferenas temporais e de

    amostragem entre os dois grupos (ex. taxa de desistncia de 20% em 1974 e de

    42% em 1985), os resultados do estudo indicaram uma forte concordncia (81%)

    entre as duas amostras quanto natureza e amplitude dos preditores. Nesta

    pesquisa, tanto os factores familiares como a escolaridade dos pais e a

    desvantagem familiar (monoparentalidade, famlia numerosa, etc.) aparecem como

    fortes preditores do abandono escolar.

    Os dados fornecidos pelos estudos transversais e retrospectivos so

    concordantes com os das pesquisas longitudinais. Assim, comparadas as famlias

    de alunos diplomados e de alunos desistentes, estes provm sobretudo de famlias

    com baixos rendimentos (Fagan & Pabon, 1990; Governo do Canad, 1993;

    Rumberger, 1983; MEQ, 1991; Violette, 1991), de famlias numerosas e com pais

    pouco escolarizados, comportando com frequncia um irmo que j aban-

    donou a escola, bem como de famlias separadas (Friedman et al., 1985;

    Rumberger, 1983; Violette, 1991). Rumberger (1983) verifica tambm que os

    rapazes parecem ser mais influenciveis pelo nvel de escolaridade do pai e as

    raparigas pelo da me.

    Featherstone, Cundick e Jensen (1992) procuraram clarificar os impactos da

    estrutura familiar no rendimento e comportamento escolares, sublinhando que os

    estudos sobre esta questo esto divididos entre os que no encontram quaisquer

    efeitos e os que encontram efeitos negativos. Este estudo incide sobre 240

    raparigas e 290 rapazes, do 6. ao 9. anos, provenientes de famlias monoparentais

    (159), reconstitudas (78) e intactas (293). As anlises comparativas permitem

    observar que os adolescentes que provm de famlias intactas tm menos faltas,

    menos atrasos e melhores resultados escolares do que os seus homlogos provindo

    de famlias reconstitudas ou monoparentais. Alm disso, os professores avaliaram

  • 32

    os comportamentos dos adolescentes oriundos de famlias intactas de forma mais

    positiva e menos negativa que os dos seus pares de famlias reconstitudas ou

    monoparentais.

    Funcionamento familiar.

    Steinberg, Elemin e Mounts (1989) estudaram o impacto do estilo parental na

    maturidade psicolgica e no sucesso escolar dos adolescentes. A sua amostra

    incide sobre 120 famlias, cujo filho mais velho tinha em mdia 13 anos,

    entrevistadas em 1985 e 1986. Os resultados mostram que os adolescentes que

    sentem ser tratados pelos pais de forma calorosa, democrtica mas firme, so

    aqueles que, mais tarde, atingem maior sucesso na escola. Mais precisamente, este

    tipo de funcionamento parental aumenta o sentimento positivo de autonomia no

    aluno, em particular, a orientao psicolgica positiva face ao trabalho, o que

    favorece o sucesso escolar. Enfim, os pais dos desistentes no oferecem aos filhos

    nem muita superviso nem muito acompanhamento escolar (Ekstrom et al., 1986).

    Astone e McLanahan (1991) estudaram, por seu lado, as relaes existentes

    entre estrutura e funcionamento familiar e a perseverana escolar, utilizando a base

    americana de dados longitudinais do estudo High School and Beyond (HSB). Os

    resultados demonstram, em primeiro lugar, que os adolescentes que vivem numa

    famlia monoparental ou reconstituda dizem receber menos ateno e menos

    encorajamento quanto s suas actividades escolares do que os adolescentes

    vivendo com os dois pais biolgicos. Aqueles jovens consideram que os pais tm

    poucas expectativas quanto sua escolaridade, que recebem menos

    acompanhamento e superviso nas suas actividades escolares e sociais do que os

    alunos oriundos de famlias intactas. Os autores notam ainda que a mudana de

    estrutura (famlia monoparental para famlia reconstituda) est associada a uma

    diminuio da qualidade de investimento parental. Alm disso, os resultados

  • 33

    tambm indicam que estas caractersticas estruturais e funcionais se encontram

    negativamente relacionadas com o empenhamento escolar do estudante (i.e. o seu

    rendimento e as suas aspiraes escolares, a sua assiduidade e as suas atitudes

    perante a escola). Astone e McLanahan (1991) propem, ento, que a estrutura e

    o funcionamento familiar sejam considerados como contribuindo de forma

    independente para o abandono escolar.

    No Qubec, Horwich (1980) observou que os pais colocam poucas objeces

    deciso do filho abandonar a escola e que tm igualmente tendncia para ignorar

    ou para reagir mais negativamente aos seus maus resultados (criticam ou punem).

    Acresce que, de acordo com o estudo de Janosz et al., (1997), os adolescentes que

    desistiram diziam ter em casa mais imposies que os diplomados.

    Num estudo transversal, McCombs e Forehand (1989) interessaram-se pelos

    factores familiares susceptveis de atenuar os impactos negativos do divrcio na

    escolaridade. A amostra composta por 71 adolescentes (45 rapazes e 26

    raparigas) e pelas respectivas mes, divorciadas h menos de um ano e mantendo a

    guarda do filho. Os sujeitos foram repartidos por trs grupos segundo o seu fraco

    (n=23), mdio (n=21) ou alto (n=27) desempenho na escola. Os resultados indicam

    que as mes das crianas que registaram melhor desempenho depois do divrcio

    apresentavam um nvel de depresso mais baixo, uma escolaridade mais elevada,

    menos conflitos com o ex-marido e com o filho do que as mes dos alunos que

    registaram um desempenho mais negativo. Uma anlise diferenciada dos grupos de

    alunos com alto e baixo nvel de desempenho permite a seguinte concluso: os

    conflitos entre a me e o ex-marido (tal qual contados pela me) e a intensidade

    dos conflitos entre as adolescentes e as respectivas mes (tal qual contado pelas

    adolescentes) so as duas variveis que melhor distinguem estes dois grupos (30%

    da varincia explicada). Fagan e Pabon (1990) notam tambm que os alunos

    desistentes se caracterizam pela falta de apoio familiar e pelo isolamento social.

  • 34

    Rumberger et al. (1990) interessaram-se igualmente pela prticas parentais

    susceptveis de influenciar o abandono escolar. Os seus resultados clarificam trs

    aspectos importantes do funcionamento das famlias de alunos desistentes. Os

    autores observam, antes de mais, que os desistentes provm sobretudo de famlias

    de estilo parental permissivo, o que leva o adolescente a ficar sozinho nas decies

    relativas aos seus comportamentos e actividades, ou seja, permite um excesso de

    autonomia. Os resultados indicam ainda que os pais de alunos desistentes reagem

    pior ao rendimento escolar do filho: reagem mais negativamente (sanes,

    afectividade negativa...) e encorajam menos. As suas atitudes no favorecem o

    desenvolvimento de uma motivao intrnseca face educao. Enfim, os pais de

    alunos desistentes no oferecem muita superviso e nem muito acompanhamento

    escolar ao filho.

    2. 4 Determinantes interpessoais

    Vrios estudos prospectivos mostraram que os alunos futuros desistentes se

    juntam, com mais frequncia, aos seus pares desistentes ou potencialmente

    desistentes do que os colegas que iro obter um diploma (Cairns et al., 1989;

    Ekstrom et al., 1986; Elliott & Voss, 1974). Elliott e Voss (1974) observam ainda

    que os desistentes manifestam uma grande fidelidade aos seus pares, o que no se

    verifica em relao aos seus pais. Rumberger (1983) verifica, por sua vez, que a

    companhia de amigos cujas aspiraes escolares so pouco elevadas diminui a

    probabilidade de terminar os estudos. Horwich (1980) observa, entre uma

    populao de alunos desistentes do Qubec, que estes ltimos procuram mais a

    companhia dos potenciais desistentes. Janosz et al. (1997) acrescentam que os

    alunos desistentes tinham mais amigos do que os futuros diplomados, que

    passavam mais tempo com esses amigos e que estes manifestavam mais condutas

  • 35

    desviantes.

    A aproximao a pares no-convencionais, potencialmente desistentes ou

    mesmo desviantes, parece traduzir uma dificuldade de integrao na escola

    (sentimento de alienao, rejeio social...). No entanto, o papel dos pares no

    processo que conduz desistncia no recebeu ainda grande ateno por parte dos

    investigadores e os estudos empricos que permitiriam demonstrar os processos

    explicativos so quase inexistentes. Remetemos o leitor para a excelente recenso

    de Hymel et al. (1996) sobre o tema. Refira-se, contudo, duas grandes pistas

    explicativas que no se excluem mutuamente. A companhia de pares

    potencialmente desistentes que no valorizam a escolaridade viria, desde logo,

    minar a construo de uma motivao intrnseca no adolescente. Depois, o

    adolescente que acompanha pares desviantes correria mais riscos de se envolver,

    ele prprio, em condutas desviantes ou delinquentes incompatveis com as

    exigncias da escolaridade.

    2. 5 Determinantes pessoais

    Caractersticas sociodemogrficas.

    Os dados sociodemogrficos esto sempre dependentes de uma situao

    histrica e conjuntural. Devem pois ser interpretados com prudncia (MEQ, 1991;

    Natriello, Pallas & McDill, 1986). Contudo, os estudos dos ltimos vinte anos,

    tanto provenientes dos Estados-Unidos como do Canad ou do Qubec,

    patenteiam resultados estveis e convergentes no domnio do abandono escolar.

    Idade

    Num estudo transversal e retrospectivo do Ministrio da Educao efectuado

    junto de 913 alunos desistentes francfonos, Violette (1991) indica que a maioria

    dos desistentes deixa a escola secundria entre os 16 e os 17 anos. Estes resultados

  • 36

    so consistentes com os dos estudos realizados nos Estados-Unidos (ver Schreiber,

    1969; Self, 1985). Por seu lado, Hrimech et al. (1993) afirmam, num estudo

    retrospectivo feito junto 400 alunos desistentes de Montral, que estes ltimos tm

    sobretudo entre 17 e 19 anos. Estes nmeros so tambm invocados por

    Rumberger (1987) que lembra o facto de a lei obrigar os adolescentes a frequentar

    a escola at aos 16 anos. Por outro lado, se tivermos em conta que todo o

    adolescente obrigado a frequentar a escola at ao fim do ano em que atinge os 16

    anos, observa-se uma proporo considervel de adolescentes que deixam a escola

    de forma ilegal. Embora os nmeros tenham tendncia para variar de um estudo

    para outro, os desistentes de 15 anos ou menos representariam entre 11% e 19%

    dos alunos desistentes. E mais, se incluirmos aqueles que desistiram durante o ano

    em que atingiram os 16 anos, ento as propores aumentam para 31% e 40%

    (Governo do Canad, 1993; MEQ, 1991; Violette, 1991).

    Sexo

    De uma maneira geral, observa-se que maior o nmero de rapazes a desistir

    da escola que o de raparigas (Friedman et al., 1985; Hrimech et al., 1993;

    Rumberger, 1987). Tendo em conta as amostras do Qubec, Violette (1991) indica

    que 55% dos desistentes eram rapazes, enquanto que Janosz et al. (1997) afirmam

    que estes ltimos constituam 51% e 58% das suas amostras. No que ao risco de

    desistir da escola diz respeito, o Ministrio da Educao do Qubec assinala uma

    diferena relativamente estvel, desde 1985, de 12% a desfavor dos rapazes

    (MEQ, 1998).

    Lngua materna e origem tnica

    Quer Bauchesne (1991) quer Hrimech et al. (1993) observam que os alunos

    cuja lngua materna o francs desistem em maior nmero que aqueles cuja lngua

    materna o ingls. Os dados provenientes dos Estados-Unidos destacam, no geral,

    uma mais alta taxa de desistentes em alunos oriundos de comunidades negras e,

  • 37

    sobretudo, de comunidades em que a lngua materna o espanhol (ver Chavez,

    Edwards & Oetting, 1989; Esminger & Slusarcick, 1992; Fine, 1986; Rumberger,

    1983; 1987). Contudo, Rumberger (1983) nota que, partir do momento em que se

    controla os antecedentes familiares e socioeconmicos dos adolescentes

    pertencentes a minorias tnicas, estes ltimos j no se diferenciam dos

    adolescentes brancos quanto s suas probabilidades de abandonar a escola.

    Estudos longitudinais demonstraram tambm esta relao entre a situao

    socioeconmica e a origem tnica no que se refere aos negros americanos (Cairns

    et al., 1989; Howell & Frese, 1982). Por seu lado, Entwisle (1990) sublinha que a

    experincia escolar parece ser mais favorvel aos americanos de origem asitica

    que aos jovens de origem sul-americana.

    Os dados obtidos no Qubec sobre a origem tnica so escassos. Segundo o

    Conselho das Comunidades Culturais e da Imigrao (1991), a pertena a uma

    comunidade negra estaria ligada a uma mais forte probabilidade de abandonar os

    estudos. No entanto, Hrimech et al. (1993) no encontram nenhuma relao entre

    a incidncia da desistncia escolar e a origem tnica. Em suma, o estado dos

    conhecimentos no permite, neste momento, destrinar as relaes entre origem

    tnica, situao socioeconmica, integrao social, valores, etc..

    Experincia escolar

    Os estudos longitudinais prospectivos e retrospectivos concordam entre si ao

    indicar que os alunos desistentes eram adolescentes cuja experincia escolar tinha

    sido geralmente negativa. Note-se, em primeiro lugar, que apesar da evoluo

    socioeconmica dos ltimos trinta anos, os conhecimentos extrados dos estudos

    longitudinais de Bachman et al. (1971) e de Elliott e Voss (1974) no foram em

    nada ultrapassados.

    O estudo de Bachman et al. (1971) incide numa amostra de mais de 2 200

    rapazes que responderam a um questionrio no Outono de 1966, na Primavera de

  • 38

    1968 e de 1969, e no Vero de 1970 (perda de 25% da amostra inicial). Estes

    rapazes iniciavam o 10. ano de escolaridade em 1966 (o somophore year

    americano, equivalente ao secundrio IV no Qubec). Definidos como tendo

    interrompido os seus estudos a tempo inteiro durante vrias semanas, os alunos

    desistentes (n=286) so comparados a dois grupos de diplomados: aqueles que

    terminam os estudos aps o 12. ano (n=796) e aqueles que prosseguem estudos

    universitrios (n=914). As limitaes desta pesquisa residem principalmente no

    facto de a mesma contemplar apenas rapazes e de no incluir aqueles que

    desistiram antes da entrada no 10. ano. Os autores tambm no indicam o nmero

    exacto de semanas sem frequentar a escola necessrio para considerar um aluno

    como desistente. Bachman et al. (1971) observam que um fraco rendimento

    escolar, um atraso no percurso escolar, atitudes negativas face escola, problemas

    de disciplina, bem como capacidades intelectuais e verbais inferiores, predizem o

    abandono. Para estes investigadores, o abandono dos estudos sintoma de

    dificuldades psicossociais subjacentes.

    Elliott e Voss (1974) vem na desistncia escolar e nas condutas delinquentes

    dos adolescentes uma forma de responder s tenses geradas pelos insucessos

    vivenciados na escola. Os repetidos insucessos pelos quais os alunos se culpam

    causam um stress que, quando associado ao isolamento social e s influncias de

    alunos desistentes, s desaparecer com o abandono da escola. A conduta

    delinquente resultaria de uma atribuio externa ao insucesso assim como

    possibilidade de evoluir num meio que favorece este tipo de conduta. Para estes

    autores, a delinquncia juvenil e a desistncia escolar so mais resultantes da

    inadaptao s exigncias e s expectativas do meio escolar que geradas pela

    famlia. O seu estudo longitudinal pretende ser uma validao destes conceitos

    tericos e incide sobre uma amostra de 2 617 alunos que iniciavam o 9. ano

    (secundrio III), no Outono de1963. Esta primeira recolha de dados foi seguida de

  • 39

    quatro outras recolhas com cerca de um ano de intervalo, tendo a ltima sido

    efectuada no Outono de 1967, depois dos alunos terem obtido um grau acadmico.

    Os autores identificaram trs tipos de alunos desistentes: os desistentes

    involuntrios (v.g. mortalidade), os desistentes que apresentam dificuldades

    cognitivas (i.e. um Q.I. inferior ao percentil 30 e classificaes mdias inferiores

    nota C) e os desistentes capazes (i.e. um Q.I. superior ao percentil 30 e

    classificaes mdias superiores nota C). S os desistentes capazes, tenham eles

    abandonado voluntariamente os estudos ou sido expulsos da escola, foram retidos

    para fins de anlise (366 sujeitos no total). Os resultados indicam que um baixo

    rendimento escolar, aspiraes escolares pouco elevadas, condutas delinquentes na

    escola, uma fraca adeso e um fraco empenhamento nas normas escolares, bem

    como um isolamento social, so tudo sinais que anunciam o abandono escolar.

    Os estudos levados a cabo nos anos 80 e 90 continuam a identificar

    sensivelmente os mesmos indicadores que os realizados nos anos 70. Assim,

    Howell e Frese (1982) consideraram que um baixo rendimento escolar, um Q.I.

    menos elevado e pouca motivao escolar constituam bons anunciadores de

    abandono escolar precoce. Tanto Ekstrom et al. (1986) como Wehlage e Rutter

    (1986) afirmam que um baixo rendimento escolar, aspiraes pouco elevadas, um

    fraco investimento nas actividades escolares e extracurriculares, problemas de

    comportamento e de assiduidade, baixas capacidades intelectuais e verbais, ter um

    trabalho durante os estudos, bem como sentir-se pouco ligado s normas escolares,

    so tudo bons preditores de desistncia.

    Cairns et al. (1989) interessaram-se especificamente pelas caractersticas

    individuais dos desistentes precoces, ou seja, daqueles que abandonaram a escola

    entre os 16 e os 17 anos. O seu estudo incide numa amostra de 475 jovens (248

    raparigas e 277 rapazes) que foram seguidos durante cinco anos (em mdia dos 12

    aos 17 anos). Em cada ano, foi efectuada uma recolha de dados com apenas 1% de

  • 40

    perda em relao amostra inicial (n= 467). Como era esperado, os resultados

    indicam que um baixo rendimento escolar, atrasos no percurso escolar e problemas

    de agressividade constituem factores de risco de abandono escolar precoce (Cairns

    et al., 1989).

    Ensminger e Slusarcick (1992) conduziram um dos raros estudos

    longitudinais a incluir dados sobre a experincia escolar desde o incio da escola

    primria, bem como a ter em conta tanto os alunos desistentes precoces como os

    tardios. Os sujeitos, americanos de raa negra em 97% dos casos, provm

    sobretudo de meios socioeconmicos desfavorecidos. Os investigadores

    conseguiram identificar a obteno de diplomas por 917 sujeitos (447 rapazes e

    470 raparigas). Os resultados demonstram que o rendimento escolar e o nvel de

    agressividade avaliado pelos professores no primeiro ano de escolaridade predizem

    o abandono escolar na adolescncia. Para os adolescentes, aspiraes escolares

    elevadas e o facto de pensarem que os professores os tm como bons alunos

    aumentam a probabilidade de obterem um diploma. Ao contrrio, os testes de

    competncias escolares no ensino secundrio no denotam nenhuma relao com o

    abandono dos estudos.

    No Qubec, duas importantes investigaes longitudinais permitem observar

    resultados similares aos dos estudos americanos. O estudo de Horwich (1980)

    indica que os adolescentes que haviam deixado a escola antes dos 16 anos (obtero

    talvez o seu diploma mais tarde, mas os dados no o podem confirmar) obtinham

    piores resultados escolares, vivenciavam mais insucessos, consideravam-se menos

    competentes e demonstravam menos ambio quanto sua escolaridade do que

    aqueles que continuavam na escola. Acresce que os alunos desistentes

    participavam menos nas actividades extracurriculares e no viam como til a sua

    escolaridade. Por seu lado, Janosz et al. (1997) afirmam que o atraso, o

    rendimento, as sanes disciplinares e o nvel de empenhamento escolar constituen

  • 41

    excelentes preditores de desistncia.

    Os resultados dos estudos retrospectivos e os dos estudos longitudinais

    convergem. Sewell, Palmo e Manni (1981) sublinham que, se as capacidades

    intelectuais distinguem os alunos desistentes dos perseverantes, no menos

    verdade que essas capacidades so muito sensveis s condies socioeconmicas,

    pelo que estes dois aspectos no devem, em caso algum, ser dissociados.

    Rumberger (1983) encontra igualmente estreitas relaes entre aspiraes

    escolares pouco elevadas ou a companhia de amigos cujas aspiraes escolares so

    pouco elevadas e a probabilidade de terminar os estudos (ver tambm Governo do

    Canad, 1993). Sendo a experincia escolar dos alunos desistentes no mnimo

    frustrante, no , por conseguinte, surpreendente verificar que os mesmos se

    ausentem injustificadamente da escola com mais frequncia do que os seus

    homlogos diplomados e que chegam mais vezes atrasados s aulas (Fagan &

    Pabon, 1990; Governo do Canad, 1993; Self, 1985; Violette, 1991). Em resumo,

    vrios estudos mencionam o facto de os alunos desistentes participarem muito

    menos nas actividades extracurriculares do que os seus pares perseverantes

    (Governo do Canad, 1993; Self, 1985; Violette, 1991).

    Estilo de vida e conduta

    Os hbitos de vida e o comportamento dos futuros desistentes parecem ser

    problemticos sob diversos aspectos. Assim, no mbito dos estudos prospectivos,

    Ekstrom et al. (1986) verificam que os alunos desistentes andam mais deriva,

    frequentam mais os membros do sexo oposto e lem menos do que os seus

    homlogos diplomados. Correm tambm mais o risco de ter filhos prematuramente

    (Cairns et al., 1989; Ekstrom et al., 1986).

    Weng et al. (1988) interrogaram 706 adolescentes (216 rapazes e 490

    raparigas) entre os 15 e os 18 anos acerca do seu rendimento escolar, das suas

  • 42

    aspiraes educativas, do estatuto marital dos pais e ainda sobre o consumo

    prprio de drogas (tabaco, lcool, cannabis, cocana e drogas duras). Apenas 7%

    dos adolescentes dizia ter abandonado a escola antes de ter terminado o ensino

    secundrio. Os resultados indicam que o consumo de drogas (tal como o

    rendimento escolar) prediz a desistncia escolar. No entanto, os resultados variam

    segundo o sexo do sujeito. Assim, para os rapazes, um grande consumo de tabaco

    e de drogas fortes (alucinogneos, tranquilizantes, herona...) prediz o abandono

    dos estudos, ainda que, para as raparigas, baste apenas o consumo de tabaco para

    predizer a desistncia.

    O estudo realizado no Qubec por Janosz et al. (1997) indica, por seu lado,

    que os alunos que consomem psicotrpicos, que tm uma actividade sexual muito

    activa e que apresentam problemas de comportamento nas aulas, bem como

    condutas delinquentes (roubo, vandalismo, agresses, priso), correm mais o risco

    de abandonar a escola (ou dela serem expulsos).

    Newcomb e Bentler (1986) interrogaram 479 adolescentes dos 16 aos 19

    anos acerca do seu consumo de psicotrpicos, do seu rendimento e aspiraes

    escolares. Estes adolescentes voltaram a ser interrogados quatro anos mais tarde

    sobre os mesmos temas, bem como acerca do prosseguimento de estudos

    ps-secundrios, do empenhamento no mercado de trabalho e da obteno de um

    diploma no secundrio. Factores como o rendimento e aspiraes escolares, o

    consumo de tabaco, de lcool, de cannabis e de drogas duras apareceram todos

    relacionados com o abandono dos estudos.

    No mbito dos estudos retrospectivos, Fagan e Pabon (1990) observam que

    os alunos desistentes, mais implicados em condutas desviantes aps o seu

    abandono escolar, no o estavam menos enquanto frequentavam na escola. Com

    efeito, os desistentes afirmam ter tido, com mais frequncia do que os diplomados,

    problemas com o lcool ou com a droga na escola durante o ano precedente ao seu

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    abandono (ver tambm Friedman et al., 1985). Cometeram, de igual forma, mais

    delitos na escola. Note-se, contudo, que estes comportamentos so mais atributo

    dos rapazes que das raparigas. Por seu lado, Rumberger (1983) observa que, mais

    que os rapazes, as jovens que tm filhos antes ou aos 18 ou 19 anos esto mais

    expostas desistncia, mesmo se o parto ocorre depois do abandono da escola.

    Esta relao particularmente forte no caso de estas raparigas serem provenientes

    de meios socioeconmicos desfavorecidos. Na mesma linha, as raparigas que se

    casam durante os estudos, ou que prevem casar-se em breve, tm mais propenso

    para desistir da escola.

    Personalidade

    Bachman et al. (1971) contam-se entre os primeiros a manifestar interesse

    pelas diferenas que podem existir entre diplomados e desistentes no plano da

    personalidade. So mltiplas as variveis que diferenciam os alunos desistentes dos

    diplomados e que predizem o abandono escolar: baixa auto-estima, tendncia para

    somatizar, estados afectivos negativos, atitudes pouco ambiciosas face sua

    carreira e sentimento de que o seu destino comandado por factores externos. Por

    sua vez, Ekstrom et al. (1986) verificam que os alunos desistentes sentem menos

    satisfao pessoal e exercem menos controlo sobre o seu destino (external locus

    of control). Em compensao, os resultados indicam que a auto-estima dos

    desistentes aumenta depois de abandonarem a escola, o mesmo acontecendo com o

    sentimento de controlar o destino prprio. Wehlage e Rutter (1986) verificam,

    entretanto, que a auto-estima melhora tanto entre os alunos que desistiram como

    entre os que prosseguem os estudos. Por outro lado, tal como os autores

    anteriores, estes observam que os desistentes tm, com mais frequncia, a

    impresso de que o controlo sobre os eventos da sua vida lhes escapa (external

    locus of control), ainda que esta percepo seja menos negativa aps terem

    abandonado a escola. Rumberger (1983) observa, de igual forma, que um sentido

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    de controlo externo prediz o futuro abandono no que aos rapazes de raa branca

    diz respeito. McCaul, Donaldson, Coladarci e Davis (1992) no encontram, no

    entanto, nenhuma diferena entre os futuros diplomados e os futuros desistentes

    quanto sua auto-estima. Na verdade, este factor no aparece nem como

    antecedente nem como consequente do abandono escolar. Convm, todavia,

    questionar a validade da escala utilizada para medir a auto-estima, uma escala

    particular que apenas comporta seis