a vida em santo tirso nos anos que antecederam a … · 2009-11-16 · 2010 . 2 ao sr. teixeira e...

77
1 ANTONIO JORGE RIBEIRO A VIDA EM SANTO TIRSO NOS ANOS QUE ANTECEDERAM A REPÚBLICA Crónicas 1 a 20 (com 41 gravuras) NA COMEMORAÇÃO DO 125.º ANIVERSÁRIO DO SEMANÁRIO “J ORNAL DE SANTO THYRS O” SANTO TIRSO 2010

Upload: duongmien

Post on 11-Feb-2019

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

1

ANTONIO JORGE RIBEIRO

A VIDA EM SANTO TIRSO NOS ANOS QUE ANTECEDERAM A REPÚBLICA

Crónicas 1 a 20

(com 41 gravuras)

NA COMEMORAÇÃO DO 125.º ANIVERSÁRIO DO SEMANÁRIO “JORNAL DE SANTO THYRSO”

SANTO TIRSO

2010

2

Ao sr. Teixeira e à D. Alice, meus professores do Ensino Primário na Escola C. S. Bento de 1959 a 1962

3

Conteúdo INFELIZMENTE NÃO HÁ LUAR (1) ........................................................................................ 5

VOANDO SOBRE UM NINHO DE LOUCOS (2) ...................................................................... 7

EL INGENIOSO HIDALGO DON AURÉLIO DE MONÇÃO (3) ............................................. 10

PALAVRAS, LEVA-AS O INVENTO… EM DISCOS PERDIDOS (4) .................................. 13

O CRIME DO PADRE AVARO (5) ........................................................................................... 17

QUEM ESPERA SEMPRE DANÇA (6) .................................................................................... 20

SONHO DE UMA NOITE DE SERÃO (7) ................................................................................ 23

HÁ LOBOS NO CAIS (8) .......................................................................................................... 26

A LUX DE MONTE CÓRDOVA (9).......................................................................................... 29

E TUDO S. BENTO LEVOU (10) .............................................................................................. 33

GENTE INVULGAR (11) .......................................................................................................... 38

BARALHA DE FLORES (12) ................................................................................................... 42

CADEIA FRENÉTICA (13) ....................................................................................................... 48

PROCURANDO UM LUGAR NO LENÇOL (14) .................................................................... 52

DEIXAI VIR A MIM AS CALDINHAS (15) ............................................................................ 55

QUEM SEMEIA TESTAMENTOS COLHE ÚLTIMAS VONTADES (16) ............................ 58

APITO FINAL (17) .................................................................................................................... 61

VIDA DO CONDE (18) ............................................................................................................. 65

MOLHO DE BARBAS (19) ....................................................................................................... 69

O MONTE DOS ECOS UIVANTES (20) .................................................................................. 72

4

Nota introdutória

Este trabalho incluirá, no último tomo, um memorial em homenagem a todos os que,

com as suas conversas amigas, contribuíram com as suas recordações.

Constará também do derradeiro tomo uma completa bibliografia e uma cronologia das

mais importantes datas.

5

1 - Santo Tirso, 23 de Novembro de 1907

1

INFELIZMENTE NÃO HÁ LUAR (1)

UM MÊS NEGRO PARA AS FINANÇAS DOS ESTADOS UNIDOS – GOVERNO

CÍNICO E DESAFORADO – NINGUÉM TIRA SANTO TIRSO DO CÓMODO

DULCE FAR NIENTE – À FALTA DE EMPREGOS, TIRSENSES EMIGRAM – A

CULTURA E O COMÉRCIO PARA PACÓVIOS

Estas crónicas têm como fontes alguma documentação que existe e que não é muito

profusa.

Os únicos jornais que relatavam, na altura, acontecimentos da nossa terra, eram o

“Jornal de Santo Thyrso” e a “Semana Thyrsense”. Alguns outros factos foram respigados do

“Livro de actas das sessões da Câmara”, de outros livros de contas da Câmara e do seu registo

de autos de arrematação, profissionais, impostos, projectos, testamentos, águas, descoberta de

minas e uso e porte de arma, livros de Associações, Confrarias e Irmandades.

Camilo Castelo Branco tinha posto fim à sua vida dezassete anos antes. Latino Coelho

falecera em 1891. Tomás Pelayo tinha apenas 9 anos. Pinheiro Chagas morrera em 1895.

Alberto Pimentel escrevera “Santo Thyrso de Riba d’Ave” em 1902, “O Lobo da Madragoa”

em 1904, “As Amantes de D. João V” em 1892, “Os amores e Camilo” em 1899 e “O Romance

do Romancista em 1890”. José Cavadas tinha 25 anos: pintou indeléveis obras de arte de

casarios, latadas, ribeiros e cenas campestres.

Romances, teatros, pinturas e outras obras de referência que tenham sido produzidos há

cerca de cem anos, com retratos da nossa cidade e dos costumes e carácter dos seus habitantes,

não encontrei.

A lusitana monarquia, perto do fim, era governada pelo ministério do dissidente do

partido regenerador, fundador do partido regenerador liberal e aliado dos progressistas, João

Franco. Natural do Fundão, sucedera a Hintze Ribeiro em Maio de 1906 e estaria à cabeça do

governo até Fevereiro de 1908, quando foi sucedido por Francisco Joaquim Ferreira do Amaral.

Até 4 de Outubro de 1910, véspera da implantação da República, houve seis chefes do governo

a suceder a João Franco.

João Franco toma medidas autoritárias para segurar no país, suspendendo jornais,

impondo directrizes aos órgãos autárquicos através dos Governos Civis, apertando as finanças

públicas a ponto de ter em atraso seis meses de salários das pobres serventes das Escolas

Oficiais. Sendo dissidente do partido regenerador, fundador do novo partido regenerador liberal

e aliado dos progressistas, João Franco podia impor o seu modo de governar autocrático e

centralista. «Numa sórdida promiscuidade de queixadas, prontas a morder de furto, arrogâncias

de pimponetes com as costas quentes, e muita soma de pipa de moralidade triunfante que nem é

moralidade nem triunfante.»

Estamos cinco anos após a publicação de “Santo Thyrso de Riba d’Ave”, pelo que a

vida tirsense tem já um importantíssimo repositório nessa obra, não podendo os meus humildes

préstimos ombrear com ela. E a todos chegará agora, pois Pimentel vai, ao que parece, ser

finalmente reeditado.

Em síntese, os problemas que afectavam as gentes tirsenses eram: a iluminação pública

ainda não eléctrica, a questão das carnes, os géneros adulterados vendidos na vila, a construção

do mercado municipal, os terrenos à rua da Vilalva e a remoção da cadeia (que só veio a ser

demolida em 1915).

1 Para melhor localização cronológica dos leitores, as crónicas são encimadas por datas que se referem a

cem anos antes do dia da actual publicação no “Jornal de Santo Thyrso”.

6

Outubro de 1907 foi um mês negro para as finanças dos Estados Unidos. O mercado de

acções caiu 50% num «batacazo bursátil» que não aparece apenas de cem em cem anos. Heinze

e o seu banco foram os culpados do crash. À falta de matéria, o jornalista Soraluce, do New

York Herlad, vem a Lisboa entrevistar João Franco.

Na vila de Santo Tirso não há luz eléctrica. A iluminação pública é garantida pelo

lazarento lampionista e o seu petróleo, seus vidros, torcidas, e algum carboneto. Bicos de

acetileno só na avenida do Campo Novo (hoje parque D. Maria II). Há cem anos, por esta

altura, aproximava-se o general Inverno e as críticas incidiam na deficiente iluminação pública.

Apesar dos oitocentos mil reis gastos pelo município na iluminação a petróleo, o arrematante da

exploração guiava-se pelo Borda d’Água que, se anunciasse lua cheia, luz pública não havia…

mesmo debaixo duma abóbada de breu. Criticava-se… como se o arrematante da iluminação

tivesse alguma culpa que nuvens viessem tirar o brilho ao luar anunciado.

No longínquo 16 de Outubro de 1868 tinha sido inaugurada a iluminação pública, com

29 lampiões distribuídos pelos locais próprios, desde o Picôto até à Igreja Matriz, custando o

petróleo, torcidas, vidros e lampionista 70$000 Rs. Trinta e nove anos depois a iluminação era a

mesma, com a feliz excepção da Avenida do Campo Novo que era a acetileno. Com a chegada

do gás passou a chamar-se, aos espertos, “inventor da luz sem pavio”, como quem hoje diz

“inventor da pólvora seca”.

No Inverno, a iluminação acendia às 6 da tarde e terminava às 11 horas da noite.

«Já por mais que uma vez temos dito que para a Câmara só deviam entrar indivíduos

sem feição política, dotados apenas de iniciativa, boa-vontade tenaz e persistente, tendo sempre

diante de si o lema do progresso e desenvolvimento desta terra», in Semana Tirsense de 8 de

Setembro de 1907.

Um jovem, inconformado com o desemprego em Santo Tirso, encontra-se a braços com

a Justiça, por ter sido apanhado a tentar emigrar para o Brasil com certidão de idade falsa.

Familiares directos e manipuladores, foi tudo dentro.

«Quando todas as terras porfiam em sobressair aos olhos dos estranhos organizando

festas que atraiam a concorrência de milhares de forasteiros levando somas avultadas que

impulsionam o comércio indígena, Santo Tirso assiste impassível a todas essas coisas e não há

ninguém que o possa fazer sair desse cómodo dulce far niente.»

Os tirsenses que podem atiram aos pombos, vão ao Porto ao Dr. Carvalho colocar

dentes de ouro maciço e passeiam de barco Ave acima: passeio fluvial em tarde amena de

domingo até à ínsua Garrett, em barcos engalanados e com balões venezianos, cantando ao som

de guitarra e violão numa inspiração de murmúrio da corrente. O cinematógrafo deixa muito a

desejar: os quadros são mal escolhidos e pouco nítidos e chovem permanentemente piadas

indecentes da plateia.

7

2 - Santo Tirso, 14 de Dezembro de 1907

VOANDO SOBRE UM NINHO DE LOUCOS (2)

«AGONIZANDO A PÁTRIA ESTÁ» E EL-REI É RESPEITADO POR TODOS –

CÂMARA MUNICIPAL – CAPITÃO “FERRAMENTA” – O COMÉRCIO

TRADICIONAL E O TRABALHO AO DOMINGO – PRÉMIOS PARA OS

MELHORES ALUNOS – DIA DE FINADOS

Os escribas simpatizantes do partido Regenerador transmitiam à sociedade um

sentimento de desalento, premonitório da queda do regime monárquico constitucionalista. Os

Progressistas, porém, não propalavam melhores conjecturas quanto à sua causa. O Dr. Lemos

Júnior interroga-se na Semana: «Será este o momento profetizado pelo poeta (“A Pátria” e

“Finis Patriae”, Guerra Junqueiro, 1896 e 1890)?»

«A hora grande, a hora imensa

Já por um fio está suspensa…

Não tarda muito que ela dê!...

Carne medrosa, porque tremes?...

Ó alma ansiosa porque gemes?...

Porquê?!...»

… … … … … … … … …

«Por terra a túnica em pedaços,

Agonizando a Pátria está.»

Os adventistas do regime republicano, curiosamente, mantinham El-Rei sob uma aura

de respeito, não desmerecendo o seu pedestal de Chefe do Estado a não ser na justa medida em

que algum remoque pudesse ferir o governo partidário.

O facto é que sua Majestade patrocinou o torneio de tiro aos pombos com a oferta do

primeiro prémio, um magnífico binóculo de chagrin e metal branco, num evento organizado

pelo semanário tirsense republicano e pelo Sport Club. Ganhou este prémio real o distinto

sportman portuense Batista de Sá que se encontrava acidentalmente em Santo Tirso no seu

regresso do Gerez… mas que trazia consigo boas espingardas de bala e chumbo. O torneio

efectuou-se em 20 de Outubro no campo da Quinta do Mosteiro.

Em Março de 1907 o presidente da Câmara, Dr. António Augusto Soares Rodrigues

Ferreira, deixou de presidir às sessões. Não assinou as actas a partir de 15 de Abril, tendo

abandonado as funções, por doença, em 6 de Maio.

Há cem anos, as reuniões do executivo municipal realizavam-se às segundas-feiras

prolongando-se normalmente desde o meio-dia até às 15 horas.

Presidia, então, às sessões o vice-presidente, Padre Augusto José Coelho.

Acompanhavam-no os vereadores António Lopes Alvim da Silva, José Joaquim de Castro

Carneiro, Alfredo Augusto Correia Guimarães, Dr. José Joaquim de Morais Miranda, António

Gonçalves de Almeida Júnior, Manuel Maria Frutuoso e o abade António Gonçalves de

Azevedo Júnior. A estas reuniões compareciam habitualmente o secretário da Câmara, Adriano

de Sousa Trepa, e o Administrador do concelho, com poder reforçado pelo Código

Administrativo de 1886, Dr. Manuel Joaquim da Costa Cruz.

Este executivo tinha os dias contados, pois, por decreto de 26 de Dezembro, a vereação

seria substituída por uma comissão administrativa da responsabilidade do Governador Civil.

De nariz no ar, uma multidão de curiosos movimenta-se entre campos, lameiros e

bouças nos limites da freguesia de Refojos, quebrando muito tédio da ramerraneira vida

tirsense.

8

Adultos e crianças, pessoas de todos os mesteres, vestindo trajos rudes de trabalho bem

como finas e aristocráticas castorinas e zefires, desfilam em correrias desabridas, sempre com

os olhos no céu.

É que o capitão Ferramenta, após campanhas de sucesso feitas no Brasil, resolveu

sobrevoar o sul do nosso concelho num balão aerostático – como então se dizia – aterrando o

fenómeno numa bouça de Refojos.

Quando a populaça se começou a fixar nos limites da provável zona de aterragem,

chegavam char-à-bancs carregados de curiosos.

O capitão António da Costa Bernardes “Ferramenta” cometeu um dos mais temerários

actos da sua famosa carreira de publicista, pois, de entre a multidão de tirsenses espantados,

saíram tiros de pistola em direcção ao balão. Só com o bom senso e muita determinação de

alguns dos presentes, mais avisados, foi possível evitar que uma tragédia ocorresse caso o balão

ou o tripulante fossem atingidos pelos projécteis. Mesmo assim, geraram-se desaguisados entre

os adeptos do tiroteio ao balão e os sensatos, chegando a vias de facto e, por graça divina, não

originaram graves desastres.

O que ficaria a pensar o célebre aviador quando se esgueirou de entre a multidão são e

salvo, sabendo que, no Brasil, os cidadãos se limitaram a recolher os milhares de rebuçados

lançados da barquinha e a ler os panfletos em forma de pára-quedas de publicidade a uma casa

de guarda-chuvas? Por cá, receberam-no a tiro de bacamarte.

Devido à crescente ocupação das gentes em ofícios sujeitos a horário, entenderam

sectores mais avançados da economia e do direito que seria oportuno possibilitar a abertura de

estabelecimentos comerciais e afins ao domingo, pelo menos da parte da manhã. Em

conformidade, os empregados comerciais teriam meio dia de folga, às segundas, de quinze em

quinze dias e por turnos.

Na acta da reunião camarária de 14 de Outubro de 1907 a resolução é assim justificada:

“…deliberou informar favoravelmente a sua pretensão (dos negociantes) por lhe parecer que

também o público aproveita com essa pretensão, pois sendo, como é, essencialmente agrícola e

industrial, este concelho, carecem os seus habitantes de que os estabelecimentos estejam

abertos aos domingos de manhã, afim de não terem de perder uma parte de qualquer dos dias

úteis, para se abastecerem dos géneros que lhe são necessários; e deliberou mais que desta

resolução se dê imediato conhecimento ao Ex.mo Governador Civil.”

A Câmara aprovou o novo e controverso horário, na falta dos vereadores Sr. abade, Dr.

Miranda e Sr. Frutuoso que, na reunião seguinte, protestaram veementemente, tendo sido

reprovado o seu voto de protesto.

Foram premiados os melhores alunos de Santo Tirso: Maria Isabel Faria Carneiro

Pacheco, Gabriela Fânzeres Machado e Cecília Maria Carneiro.

O dia 2 de Novembro foi consagrado à comemoração dos fiéis defuntos.

As campas e jazigos ornamentavam-se com aparatos fúnebres, coroas e flores.

“Quase todas as pessoas da vila se encontravam no cemitério umas para, com afagos de

consolação e lenitivos minorarem a dor daqueles que, com lágrimas amaríssimas orvalhavam as

sepulturas de seus pais, filhos, familiares e amigos.”

Quando as missas «do estylo» começavam a ser celebradas, pelas cinco horas da

madrugada, já muita gente se encontrava no cemitério2, «coalhado de lumes», comovente. O

Dia de Finados terminava com a celebração de três missas, às nove horas.

2 A bênção do cemitério novo foi feita em 10 de Outubro de 1886, tendo actuado a banda dos Machados

de Famalicão.

9

Fig. 1 - O Cemitério, entre a Igreja e a Rua do Ave (avenida da ponte)

10

3 - Santo Tirso, 28 de Dezembro de 1907

EL INGENIOSO HIDALGO DON AURÉLIO DE MONÇÃO (3)

AINDA LONGE VINHA A LUZ, MAS SANTO TIRSO ILUMINA LISBOA – O

CANAL PÚBLICO DE ESGOTOS E A ARREMATAÇÃO DE EXCREMENTOS –

CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DO CONDE – O LONGO CAMINHO DO CHÁ

PELAS FARMÁCIAS FORA – TIQUES DO JORNALISMO – UMA BURLA MUITO

SIMPLES, (SI NON È VERO È BENE TROVATO)

No princípio de Novembro de 1907 estavam definitivamente terminadas as vindimas

em todo o concelho. Como as estações do ano não padeciam ainda grandemente do mal do

aquecimento global, aproximava-se o mau tempo.

Os tanoeiros – profissionais que consertam ou fazem tonéis, pipas, dornas, barris e

outros vasilhames – reclamam contra a importação, livre de direitos, do vasilhame de torna-

viagem destinado à exportação dos nossos vinhos. Entendiam que, não taxados, faziam

concorrência às suas manufacturas, não obstante corresponderem a verdadeiras importações.

Na nossa vila, as obras particulares eram mais de abrir portas no lugar de janelas e de

rebaixar soleiras das portas por causa dos melhoramentos nas ruas, caminhos e praças do que

propriamente de construir novas moradias.

Está em remodelação a praça Rodrigues Ferreira. Esta praça, também chamada de praça

dos Carvalhais, tem o mesmo nome hoje. Naquele tempo tinha uma saída para a praça da

República (agora Conde de S. Bento) que se chamava Rua 31 de Janeiro (hoje Eça de Queirós),

outra saída para a Rua das Taipas (hoje rua Ângelo Andrade) que se chamava rua dos

Carvalhaes (hoje rua Zulmira Azevedo). Esta praça está actualmente enquadrada pelas ruas do

Retiro, Carvalhais, Zulmira Azevedo e Ângelo Andrade3.

Mandou-se calcetar o caminho da Fonte da Maria Velha e foi deliberado mandar

reparar, até 50$000 reis, o carro de materiais dos Bombeiros. Em Vila do Conde estava sedeada

a inspecção escolar que fazia eco da pretensão dos professores da Escola de S. Bento ao

exigirem reparações urgentes no edifício.

Há um século menciona-se, pela primeira vez, a iluminação eléctrica. Por proposta da

Câmara, está em concurso para que o Governo Civil apresente ao Governo o respectivo

projecto.

A Fábrica de Fiação e Tecidos apresenta-se proponente de uma solução de iluminação

eléctrica. É um facto que Lisboa e Porto há mais de vinte anos utilizavam a electricidade;

Braga, Taipas, Vizela e Funchal, há mais de dez.

A cidade de Guimarães prepara-se desde 1902 para essa eventualidade. É curioso o

apontamento técnico numa deliberação da Câmara da cidade-berço: «… que os fios condutores

de energia eléctrica para a iluminação pública desta cidade (Guimarães), sejam colocados a

altura suficiente para que não prejudiquem o tradicional costume das procissões religiosas,

embaraçando a passagem das bandeiras, e que esta deliberação fosse rigorosamente cumprida

pelo adjudicatário da dita iluminação, cumprindo executá-la ao fiscal apontador das obras

municipais.»

José Ribeiro Cataluna ombreava com os mais engenhosos cavalheiros de Santo Tirso,

como homem de indústria e comércio e como homem da sociedade. Aparece ligado à

3 O professor doutor Miguel Montenegro, meio-irmão de Ângelo Andrade, manifestou-me, um dia,

estranheza por se ter homenageado com nome de rua o seu meio-irmão confessando entender que ele

pouco terá feito para o merecer. Cada um deles teve o seu mérito, assim como outro irmão, Gaspar

Andrade, mas o catedrático Dr. Montenegro merece muito mais consideração do que aquela que, até

agora, o governo lhe dispensou.

11

actividade económica em variadas situações: arrematante da cobrança de impostos, artesão,

estalajadeiro.

Apesar das demoradíssimas e muito complicadas diligências para instalar a luz eléctrica

em Santo Tirso, onde só se viriam a fazer experiências por 1913, José Ribeiro Cataluna ilumina

a Avenida de Lisboa quando da visita do rei de Espanha a Portugal. O seu trabalho recebe

elogios de jornais nacionais e estrangeiros. Crédito suficiente para que o famoso artífice garanta

o sucesso da romaria de Valinhas em que as feéricas luzes são o clou.

Cataluna foi contemplado no testamento de José Luís Andrade, sobrinho e

testamenteiro do Conde de S. Bento, com a casa que o rico proprietário possuía na Rua Cirilo

Machado, hoje Rua Joaquim A. Pires de Lima, que sai da Praça Conde de S. Bento e vai, na

direcção do Orgal, até à Praça Camilo Castelo Branco.

O serviço público de esgotos estava em pleno funcionamento: Augusto Pires de Lima

pede para ligar as águas que decorrem da sua casa ao cano geral dos esgotos, na Rua Sousa

Trepa. E por falar neste serviço, registe-se que é arrematado por 19$500 reis o excremento da

feira do gado e os resíduos do matadouro.

No passado verão, dia 28 de Agosto, fez cem anos que nasceu Manuel José Ribeiro.

Apesar da sua importantíssima atitude de benemerência e de ter sido Conde de S. Bento há

mais de 20 anos, as comemorações do centenário do seu nascimento não têm grande brilho,

tendo alguém alvitrado que, ao menos, se iluminassem as frontarias das casas. José Luís de

Andrade4, seu sobrinho, testador e legatário universal, nomeia agora para si próprio universal

herdeiro Bernardino da Costa e Sá.

Ervanárias: na Farmácia Faria, de J. P. de Faria, vende-se o chá purgativo Pombeiro: “o

mais agradável, o mais pronto, o mais seguro e o menos irritante de todos os purgantes”.

Curava prisão de ventre, vertigens, tonturas, falta de apetite, embaraços e dores de estômago.

Para não tossir, rebuçados Triunfantes e para os vermes intestinais o vermicida e vermífugo

Vermol.

A Casa “Tem Tudo”, de Manuel António da Costa Reis, na Praça do Conselheiro

Campos Henriques (antiga Praça 29 de Março, depois Praça da República e hoje Praça Conde

de S. Bento) faz jus ao seu nome. O gerente pede ao público a fineza de o visitarem pois tem os

preços mais convidativos. Vende tudo: vinho, genebra, fockim, cana, chinelos, louças,

quinquilharias, gravatas de seda e rendas. O que seria fockim? Uma vez que o item se situa

entre a cana e a genebra, duas bebidas, será de crer que não se trata do recipiente piscatório

chamado hoje “foquim”.

A Câmara paga à farmácia medicamentos para os pobres. Sem grandes receitas e com

os dias contados, os edis da monarquia respeitam as dificuldades dos pobres. E os deputados da

carta arranjam maneira de, legalmente, só poderem ser julgados pela câmara dos pares.

O maior tique dos jornalistas deriva das permanentes alusões a tudo o que é africano. A

África serve para denegrir o governo: «governar este país como se levam os pretos no sertão

africano»; «um povo que o sr. presidente do conselho se compraz em apresentar como um

senzala de cabindas». Até o celebre bispo D. António Barroso canta, na sé catedral do Porto,

um Te Deum pelas vitórias alcançadas contra os cuamatas na campanha de África. Eterna

vindicta da hecatombe de 1904!

Nos jornais, se morrem crianças (anjinhos) ou meninas até à puberdade, as colunas são

encimadas pelo latim “Ad sidera”; fazem-se concursos “anigmáticos”. É no plural que o enterro

de gente importante se noticia: “os funerais do nosso saudoso amigo”. Despeitado por não ter

sido convidado, um semanário local, sob o título “Espectáculo” diz: «deve ter-se realizado

ontem no Teatro Chalet…». As notícias de gente com idade centenária eram intituladas

“Macrobia”. E se uma senhora digna do carnet mundano dava à luz, a nova era publicada sob o

cabeçalho Délivrance. Nos anúncios comerciais os preços sem concorrência eram-no “sem

competência”, e os mesmos reduzidos eram “resumidos”.

4 Mandou construir a casa onde, até há pouco tempo, foi o mercado Lomal, e morreu na casa do tio em

24-7-1899, com 66 anos (nasceu em 25-9-1832), em frente à Ourivesaria Andrade & Pinto e à sapataria

Diesel.

12

Na Semana Tirsense de 24 de Novembro de 1907, surge, muito disfarçado de insuspeita

candura, um anúncio cheio de matreirice: «30$000 REIS MENSAIS – Sejam homens ou mulheres,

novos ou velhos, todos podem ganhá-los exercendo uma indústria que não depende de capital

que é de absoluta novidade e duma facilidade extrema. Pode-se exercer sem prejuízo de

qualquer ocupação. Para os ricos é recreio. Enviar 300 reis para o segredo a Aurélio Augusto

Correia, Monção.» Si non è vero è bene trovato.

13

4 - Santo Tirso, 4 de Janeiro de 1908

PALAVRAS, LEVA-AS O INVENTO… EM DISCOS PERDIDOS (4)

A CÂMARA VAI ABAIXO – “THYRSO” POR MAIS ALGUNS ANOS –

“MARIAS” DO 1.º PORTUGUÊS A CONCORRER AO NOBEL – GRAMOFONE

ELEITORAL – CHEGADA TRIUNFAL DE ARNALDO COELHO – CAPITÃO

BAPTISTA COELHO - O JET-SET DIVERTE-SE – DO POVO O SORTILÉGIO

SERÁ O ENSINO INDUSTRIAL À sessão da Câmara de 30 de Dezembro de 1907 presidiu Manuel Maria Frutuoso, o

vereador mais velho. O vice-presidente, padre Augusto José Coelho, adoecera também.

É director de obras públicas Basílio Sousa Pinto. Ao subdelegado de saúde, Dr. Abílio

Ribeiro de Miranda, foi fixado o estipêndio de 50$000 reis anuais (cerca de 700 euros).

Engrácia Ferreira, por fazer a limpeza das ruas, ganhava 1$740 reis mensais (cerca de 24

euros).5

Apesar de estar por um fio, deliberou a edilidade pagar a vacina das crianças e, quanto

às mais desafortunadas que caíam na roda dos expostos, os seus encargos corriam também por

conta do erário municipal. D. Luísa da Graça Cardoso Fânzeres e a Misericórdia hão-de

continuar a receber as amortizações dos empréstimos que fizeram à Câmara para

melhoramentos municipais.

Com veemente protesto por parte da vereação, a Câmara é avisada de que as suas

funções e as das juntas de paróquia ficariam em breve competindo às comissões administrativas

nomeadas pelo Governador Civil, conforme o decreto de 26/12/1907, publicado no Diário do

Governo n.º 293.

O administrador do concelho, apesar da queda da Câmara, continuou em funções. Na

sua presença, a dois de Janeiro de 1908, foi ajuramentada nos Santos Evangelhos a Comissão

Administrativa, a que passou a presidir o Dr. Francisco da Fonseca Pinheiro Guimarães. Outros

membros: António Lopes Alvim da Silva, Alfredo Augusto Correia Guimarães, Padre Augusto

José Coelho, José António Guimarães, José António da Silva, Manuel Gil dos Reis Ferreira e

Inácio Ferreira Guimarães.

Como se escreve na imprensa regeneradora local, «soma e segue, e vai sem

comentários, já que o país assim o quer».

Apesar das dúvidas manifestadas por Alberto Pimentel, na consabida monografia

tirsense de 1902 – que colocou em pé de igualdade Tiso, Tisso, Tirso, Thyrso e Tixo – há cem

anos o uso e o costume era empregar Thyrso e não qualquer outra grafia. E assim se manteve

por mais cinco anos. Em 1911, as “Bases para a unificação da Ortografia” de 23 de Agosto,

mandam eliminar a letra h do interior de todos os vocábulos, com excepção do seu emprego,

como sinal diacrítico, nas combinações ch, lh, nh. – (clausulas III e VI). A letra y é substituída

por i, conforme a cláusula I.

Em Santo Tirso6 escreveu-se Thyrso até 1912. Nesse ano “O Ave” e a “Semana

Tirsense” continuam redigindo Thyrso e “O Pêto” passa a ortografar Tirso. Após 1912, e feita a

transição, passou definitivamente a grafar-se Tirso, com excepção do nosso querido Jornal que,

também com a ajuda do autor destas linhas, mantém no título a velha grafia. E existe ainda uma

Fundação...

5 Por 3$880 reis mensais, Engrácia Ferreira faz as limpezas das ruas da vila segundo a acta de 9 de

Novembro de 1908. Importante incremento.

6 Em 1839 - «A título de curiosidade acrescentaremos que foi com João Justiniano de Sousa Trêpa, como

Secretário da Câmara, que começou a escrever-se nas Actas «Thyrso» com Thy.» Carlos Manuel Faya

Santarém, Apontamentos de História Local.

14

Fig. 2 - Frontal à Matriz, havia um lago

António Correia de Oliveira foi o primeiro português a concorrer ao prémio Nobel, que

perdeu para Gabriela Mistral. A chilena, humilde, reconheceu que não merecia ganhar ao

grande poeta.

Colaborador da Semana Thyrsense, o poeta do saudosismo publica no semanário o

poema “Marias”. ………………………….

Por outras vezes chamando

Por mim, eu oiço-a - «Maria!» -

Mas não respondo, a pensar:

Foi a chamar-me? Ou seria

Minha Mãezinha a rezar?

…………………………...

Inventado por Berliner há vinte anos, o gramofone só agora aparece em Santo Tirso na

qualidade de “gramofone eleitoral”! Tecnicamente melhorado e com capacidade para mais

tempo de gravação em cada lado do disco, cocheiros, carreiros e carroceiros montam os

aparelhómetros em carros especiais para repetir os discursos em várias terras ao mesmo tempo.

(Azáfama inglória porque el-Rei e o governo assinaram decreto a adiar as eleições

administrativas).

Mas o arreio revela-se uma maravilha da ubiquidade com grandes vantagens para o

político: além de poder falar simultaneamente para vários grupos de eleitores, “se o discurso

desagrada, o corrido é o gramofone!”.

Chega à estação do caminho-de-ferro de Santo Tirso o médico Dr. Arnaldo Batista

Coelho, muito saudado.

Este ilustre homem da ciência, cérebro poderoso e cultíssimo, trabalhador incansável

fora em viagem de recreio ao Brasil. No Porto, a recepção fez-se com jantar no Palácio de

Chrystal. O comboio, que saíra de S. Bento às 5h40m, chegou a Santo Tirso duas horas depois.

Após a chegada a Santo Tirso, foi organizada uma marcha aux flambeaux (com tochas

acesas) em que uma multidão de povo e elites acompanharam sua Ex.ª até casa.

Ao lado da moradia, ornada de bandeiras e balões, tocava uma banda de música num

improvisado coreto. No ar, ouvia-se o som dos foguetes de dinamite.

Em acção de graças pelo feliz regresso da sua viagem ao Brasil, houve missa.

15

Para complemento da sua biografia (Homens Ilustres): natural de Santo Tirso, o capitão

de artilharia Alfredo Baptista Coelho, chefe do Estado-maior da Província de Moçambique, foi

– há cem anos – agraciado com a honra de oficial às ordens d’el-rei.

Muitos rapazes ilustres de Santo Tirso passavam pelo n.º 173 da Rua de Sousa Trepa,

onde se aperaltavam na recém aberta Chapelaria Elegante.

Sucedendo dias de intensos trabalhos e extenuantes fadigas a que a rapaziada não se

poupava, quando se tratava de organizar diversões e passatempos, chegava, enfim, o dia dos

folguedos.

Ao ar livre realizaram o torneio de tiro ao alvo e uma caçada aos tordos, na Lomba,

fazendo-se votos para que esta fosse mais entusiasmante que a do ano anterior, realizada na

quinta da Batalha.

In door, regista-se movimento constante no Teatro Chalet, no Sport-Club e na

Assembleia Thyrsense.

No Teatro houve um espectáculo em honra do Dr. José António Alves Ferreira de

Lemos e de Manuel Joaquim da Costa Cruz (Administrador do Concelho), promovido pela

companhia da direcção do actor Augusto Basto. Representou-se “Como se rouba a filha a um

pai”, “Arte de Montes” e “O Filho do mar”.

O salão da Assemblea Thyrsense animava-se com “Soirée” dançante, a que chamaram

eufemisticamente reunião de famílias para dançar… alguns elegantes figuraram que até à 1

hora da madrugada, mas bailou-se até às quatro.

Sobrepujam as mais galantes Mesdemoiselles: Elisa Macedo, Arminda Faya, Albertina

Lemos, Hilda Carneiro, Gracinda Trepa, Adélia Carneiro e Olímpia Trepa.

Uma graciosa tuna interpretou bons trechos de música. Dirigida por Francisco Vieira, a

nova trupe musical amadora era uma orquestra formada por tirsenses distintos.

Das eleições no Club Tirsense resultam: Presidente, Dr. Francisco da Fonseca Pinheiro

Guimarães; secretário, António da Silva Godinho; Tesoureiro, Jacinto Ferreira Guimarães;

Directores: Virgílio Andrade, Joaquim Costa Leite, António Fonseca e Castro, Luís Moreira da

Silva, António Óscar Carneiro, José Cardoso Santarém. Conselho fiscal: Dr. Eduardo Macedo,

Dr. Manuel Joaquim da Costa Cruz e Francisco C. Andrade.

Mas, apesar de tudo, anda na cabeça do jet-set da vila e arredores o próximo Carnaval

no Porto que, em 29/2/1908, o Club Feniano organizará. Será, sem dúvida, uma época notável

nos fastos da capital do norte.

E o povo?

Em pleno e rigoroso Inverno, com uma deficiente iluminação pública (culpa do preço

do petróleo que estava a 99 reis cada litro), tocava a banda7 do Asylo Agrícola.

As mães e amas de leite enchiam as sessões da câmara com pedidos de subsídio de

alimentação para os filhos que era sempre concedido e era de 1.000 reis mensais (cerca de 14

euros) por períodos de 1 a 4 meses. Cria-se a Associação de S. José, protectora dos

tuberculosos pobres.

No concorrido mercado semanal das segundas-feiras os preços dos géneros em Santo

Tirso regulavam por (alqueire com 17,316 litros):

Milho branco 620 reis o alqueire (cerca de 125$00 / kg)

Milho amarelo 600 reis o alqueire (120$00 / kg)

Feijão branco 1$300 reis o alqueire (260$00 / kg)

Feijão amarelo 930 reis o alqueire (190$00 / kg)

Feijão frade 720 reis o alqueire (145$00 / kg)

Feijão rajado 1$000 reis o alqueire (200$00 / kg)

Trigo 900 reis o alqueire (180$00 / kg)

7 No tempo de Camilo a banda de Santo Tirso tocava trompões e usava uniformes de calça branca, casaco

azul com vivos amarelos, o bonet avivado da mesma cor. Ver, de Camilo Castelo Branco, “A

Morgadinha de Val-d’Amores”.

16

Centeio 550 reis o alqueire (110$00 / kg)

Batatas graúdas 600 reis o alqueire (120$00 / kg)

Batatas miúdas 500 reis o alqueire (100$00 / kg)

Ovos (dúzia) 140 reis (2,00 euros)

Nas freguesias e arrabaldes, pululavam denúncias dos vizinhos por arrancarem pedras

dos caminhos, apertarem veredas e por construírem ramadas sobre a via pública. A Câmara

raramente toma conhecimento das delações. Também há participações por colocarem “arjoada”

nos caminhos. Diferente do “enforcado”, da ramada, da cruzeta e do cordão, a “arjoada” ou

festão caracteriza-se por uma condução em que as videiras se expandem livremente num ou

vários arames horizontais dispostos a diversas alturas e sustentados em tutores vivos.

Em dia de mercado, José Ferreira da Silva coloca uma barraca para venda de calçado na

Rua D. Luís, em frente à entrada do prédio de Francisco José do Vale, que apresenta queixa.

Dezasseis bombeiros, em piquete comandado por Guilherme Augusto Correia

Guimarães, acompanham o funeral do pai do Comandante Festa, António de Sousa Festa, em

18-12-1907, que deixa viúva Rita Teixeira Festa e órfãos Francisco e José de Sousa Festa.

É publicado um decreto com normas de aposentação para operários e classes

trabalhadoras.

Esboça-se o ensino industrial: “os trabalhos do operário e as suas obras traduzem

preceitos e regras de origem científica”

Filho de Augusto Monteiro de Oliveira e de Maria Rosa da Silva, nasce em Santo

Tirso, na véspera de Natal de há cem anos, Agostinho Monteiro de Oliveira. Incorporado no

Corpo de Bombeiros dos Vermelhos no ano das bodas de ouro – 1928 – veio a ser um insigne

Comandante.

17

5 - Santo Tirso, 11 de Janeiro de 1908

O CRIME DO PADRE AVARO (5)

A EMIGRAÇÃO CONTINUA – EM S. MARTINHO DO CAMPO, À PEDRADA –

INSTALAÇÕES EXÍGUAS – TARIFAS POSTAIS – FÁBRICA DE FARINHAS – O

SENHOR BONÉ E AS CONSPIRAÇÕES NA LOJA DA ASSUBIDA - ANEDOTA

À medida que os tempos iam passando, mais se confirma a sensação de que, há cem

anos, a vila de Santo Tirso e o seu concelho estavam com a vida pendente, prenúncio de que

algo de revolucionário se aproximava. Nem o desenvolvimento económico e social

experimentado no último quartel do séc. XIX, nem o virar do século, trouxeram impulsos de

ânimo e desenvolvimento, carreando, sim, uma apatia mórbida. Paira no luso ar esta modorra

conspirativa, entrecortada por chascos e quezílias mesquinhas entre regeneradores e

progressistas, sob o alto patrocínio de Sua Majestade. A novel burguesia, ingloriamente,

exercitava o seu espírito empreendedor nas casas comerciais que abriam e encerravam

sucessivamente. O povo – analfabeto - suporta, nesta época, a maior das ignomínias, que é ter

de calcorrear sempre as mesmas veredas, sem o mais leve vislumbre de caminhos alternativos

que lhe possibilite a abertura de novos horizontes. É, porventura, o maior sofrimento de que

pode padecer um povo!

A emigração para o Brasil, se a meio do séc. XIX devolvia três condes abastados por

cada cem rapazes que se faziam ao oceano, começou a não devolver sequer um «brasileiro» de

jeito; esta única via de mudança está bem patente no boom emigratório do primeiro quartel do

séc. XX.

Período América

Portuguesa

Média anual América

Portuguesa

1808-1817 24.000 2.666

1827-1829 2.004 668

1837-1841 629 125

1856-1857 16.108 8.054

1881-1900 316.204 15.810

1901-1930 754.147 25.138

1931-1950 148.699 7.434

1951-1960 235.635 23.563

1961-1967 54.767 7.823

1981-1991 4.605 406

Fig. 3 - Estimativa da emigração de Portugal para o Brasil

(Fonte: Brasil: 500 anos de povoamento. Rio de Janeiro: IBGE, 2000)

(Fonte: http://www.ibge.gov.br/brasil500/portugueses.html)

A ilustração não consegue arrancar as crianças da fatalidade dos socalcos e dos

vigamentos, posto que as embarca para terras de Vera Cruz, com pouco ou nenhum sucesso,

mas sempre com a hipócrita relutância das autoridades. Como dizia o forçado de Seide: “em

Portugal só há três indústrias: agricultura, burocracia e brasileirismo”.

18

Fig. 4 - Brincadeiras de há 100 anos, sob vigilância atenta

Para animar, o Padre Augusto Gonçalo da Silva8 é recebido à pedrada em S. Martinho

do Campo, onde se ia apresentar. Alguém tocou o sino a rebate e os amotinados assobiavam

estridentemente preparando um linchamento. Os ânimos apaziguaram, perante a intervenção

enérgica de Joaquim Machado da Cunha Faria e Almeida e outras importantes figuras da terra.

O pitoresco jornalista da freguesia salientou que, mal se retirou o reverendo, badalaram

festivamente os sinos.

Estão espalhados pela vila diversos serviços a que a Câmara estipendia a renda: estação

da bomba de incêndios, estação telegráfica, guarda de materiais seus e aferição de pesos e

medidas. O fundo de instrução primária é, também, contemplado com verbas da Câmara.

As franquias a colocar nas cartas enviadas pelos correios eram, em 1908: cartas: 25 rs;

postais: 10 rs; impressos: 5 rs; jornais: 2 ½ rs; registos: 50 rs. Tanto para correio doméstico

como para as colónias.

O importante proprietário Francisco Cândido Moreira da Silva pede guias para o

passeio que quer fazer na casa que possui na esquina da Rua de S. Bento com o largo do

Cydenae (sic.)

Nas Aves, José Correia declara que não vende mais géneros pertencentes ao Real de

Água. As farinhas de S. Martinho do Campo, da Fábrica de Farinhas Rio Vizela, foram

premiadas na exposição agrícola e pecuária distrital de 1907 realizada em Vila do Conde.

Gonçalo Júnior é o depositário das farinhas na nossa vila e recebe, em desconto, os sacos que

sejam devolvidos em bom estado.

8 No Jornal de Santo Thyrso de 6-10-1904 este sacerdote, então paroquiando S. Miguel do Couto,

publicou um libelo contra os regeneradores locais, sob o título «Cresça o Monte». “Canalha impondo

vontades alcoolizadas”, “abotoa-se com os dinheiros públicos”, capaz de por à praça um terreno de S.

Miguel do Couto como sendo de Burgães.

19

As crianças assomavam à porta da farmácia Barreto, em Bougado, quase no limite do

concelho, e gritavam: Senhor boné! Senhor boné! À laia de “Ó Evaristo, tens cá disto?” O

senhor António Barreto corria a molhá-las com um copo de água e um sorriso de boa

disposição perante a irreverência da criançada. Filho e neto de farmacêuticos, era um

republicano convicto. Formado pela Escola Medico-Cirúrgica do Porto, socorreu uma vida

inteira os seus vizinhos doentes, calcorreando a pé as azinhagas, consciente de que o médico

mais próximo estaria em Santo Tirso ou Famalicão.

Bem perto, na loja da Assubida da Maganha, António Moreira da Costa reunia os

maiorais republicanos da região, conspirando, discutindo os manifestos e acontecimentos

políticos. O Brasil é referido como «REPÚBLICA nossa irmã».

Prenderam, agora, o larápio “Stearina” e a sua quadrilha. No entanto, os roubos

continuam: na noite de 30 para 31 de Dezembro de 1907 é arrombada a caixa das esmolas de Nª

Sª de Lurdes, no adro da igreja da vila; a caixa das esmolas da capela existente na rua da

Fábrica, também foi estroncada. A ourivesaria e relojoaria de Avelino Carneiro Pinto, à Rua

Sousa Trepa, sofre a segunda tentativa de assalto a berbequim, não consumada pela pronta

intervenção do sobrinho do comerciante que surpreendeu os larápios, afugentando-os.

Anedota que se contava há cem anos em Santo Tirso:

Desceu Camilo Castelo Branco do monte do Bom Jesus à cidade de Braga, onde

encontrou um grupo de amigos.

Cavaqueando, sentaram-se num dos famosos botequins da Arcada.

Como o grande romancista estava de bom humor, as palavras jorravam e deleitavam a melhor

sociedade de Braga.

Camilo notou que um dos assistentes caíra “em profunda meditação”, debruçado sobre

um cálice de aguardente de cana.

O escritor despertou-o, chamando-o à realidade e quis saber onde andava o espírito

errante do assistente.

– Pensava agora – esclarece o pensativo e devoto bracarense com um suspiro e uma

grande unção na voz – pensava na sagrada Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo!

Camilo reprimiu o riso e respondeu de seguida:

– Efectivamente tem o meu amigo razão para essas místicas lucubrações, porque tem

diante dos olhos os emblemas da Paixão: o cálice da amargura, a cana, a esponja, que é você, e

a cruz que nós levamos a aturá-lo.

De entre os ditados do mês de Janeiro que o Jornal de Santo Thyrso relevava em 1908,

há um que vem a mesmo a calhar: «o mau ano em Portugal entra nadando.» Que será o mesmo

que dizer: «em Janeiro põe-te no outeiro: se vires verdegar, põe-te a chorar; e se vires terrear,

põe-te a cantar.»

20

6 - Santo Tirso, 18 de Janeiro de 1908

QUEM ESPERA SEMPRE DANÇA (6)

CARNE LÍQUIDA – CONTINUAM OS EFEITOS DO DECRETO TUFÃO – LISTA

DE SENHORAS E MENINAS DE SOCIEDADE – A CARRANCA DA IGREJA É JÁ

RECORDAÇÃO – O ANO QUE FINDOU E O CRIME DE FORNELO – POT-

POURRI

Na América do Sul, tradicional fornecedor mundial de carne, o Dr. Valdês Garcia, de

Montevideu, embarca carne em boiões. Chega a Portugal a célebre «Carne líquida»! Único

nutritivo incomparável.9

“O decreto tufão acaba de varrer num momento, todas as municipalidades do país

substituindo-as por comissões administrativas de feição governamental…”. “…novos

comparsas, vestidos pelos mesmos figurinos – calça à boca de sino e navalha de ponta e mola

pendente” (Semana Thyrsense de 5-1-1908).

Da nova comissão administrativa concelhia já dei conhecimento.

Novos titulares:

Junta de Paróquia de Santo Thyrso: Efectivos: António José de Sousa, Manuel E. de

Sousa, Bernardino Fernandes Viana e Tomás Moreira Vasconcelos. Substitutos: António

Joaquim Pinheiro de Miranda, José António de Sousa Dias, José Maria de Sousa Azevedo

Júnior e Manuel Correia de Miranda.

Junta de Matrizes para 1908: Presidente, Conservador do Registo Predial; vogais

efectivos: Bernardino da Costa e Sá, Manuel André do Rosário e Virgílio Coelho de Andrade.

Vogais suplentes: Joaquim de Freitas Lima, António Augusto Correia de Abreu e António

Alves Pereira.

Junta de repartidores da contribuição industrial e décima de juros: Presidente efectivo,

Dr. Augusto Machado; suplente, Cristiano Augusto da Silva. Vogais efectivos: Jacinto da Costa

Ferreira Guimarães e João Joaquim de Sousa Teixeira. Vogais substitutos: Domingos de

Oliveira Costa e Júlio Moreira Pinto.

Fig. 5 - Projecto do Hotel na Quinta do Mosteiro da autoria de Teixeira Lopes

9 Alguns anos antes – Jornal de Santo Thyrso de 30-04-1885, anunciava-se o “Pó de carne”,

correspondente, em nutrientes, a cinco vezes o seu peso de carne crua.

21

No quarto trimestre de 1907, em pleno Outono, o Sport Club Thyrsense tinha

organizado uma festa para distribuição dos prémios dos torneios a que compareceram muitas

senhoras, todas com toilettes de fino e esmerado gosto.

Da lista, imperdoavelmente incompleta, constavam as senhoras e meninas de seguida

nomeadas. Viscondessa do Bom Sucesso e filhas, D. Sara, D. Alda e D. Hélia. D. Cassilda

Ferreira de Lemos. D. Maria Moreda. D. Laura Andrade. D. Maria Auxílio Leal. D. Laura

Castro e filhas, D. Arminda e D. Alice. D. Isaura Pinheiro e filha, D. Dionísia. D. Maria Trepa.

D. Gracinda Trepa. D. Filomena Leal. D. Elvira Figueira. D. Júlia Carneiro. D. Ilda Carneiro.

D. Josefina Trepa e filhas, D. Olímpia e D. Honorina. D. Ema Marinho. D. Luísa Johnstone. D.

Maria Lemos. D. Cristina Lemos. D. Paulina Lemos. D. Albertina Lemos. D. Ana Mesquita. D.

Pórcia Miranda. D. Hermínia Andrade. D. Ermelinda da Costa. D. Beatriz Vasconcelos. D. Elsa

Macedo. D. Elisa Macedo. D. Francisca Guimarães e filhas D. Luísa, D. Raquel, D. Maria, D.

Mariana e D. Madalena. D. Rita Moreira. D. Virgínia Moreira. D. Matilde Moreira. D. Amélia

Fontes. D. Libânia Fontes e filhas D. Alina e D. Leonor. D. Adélia Carneiro de Varziela. D.

Maria Carneiro de Varziela e irmã. D. Felisbela Santarém. D. Isaura Castro. D. Maria António

Guimarães. D. Laura Sousa. D. Berta Sousa. D. Elsina Sousa e filhas. D. Inês Moreira. Fraulein

Jenny Karatchera.

Pelo cotejo destes sobrenomes aos dos cavalheiros, que em próxima oportunidade

publicaremos, verifica-se que a maioria destas seis dezenas de damas era de Santo Tirso.

Dançava-se deveras o cotillon, la grande chaine e, os mais novos, pas de quatre,

minuetes e variedades parisienses de polkas, mazurkas e valsas.

A juventude, na altura chamada rapaziada, falava muito a linguagem das flores em que

jasmins atirados às demoiselles recebiam recambiadas íris e lírios dos vales.

Os mais velhos divertiam-se nos salões com ciências ocultas, astrologia, quiromancia e

magias.

Jogava-se, com banca, o “trinta e um”, o “trinta e o quarenta das salas”, o “flux”, o

“novo lansquenet”, o “florentini”, a “viúva do coronel” com dois baralhos. E, sem banca, a

“tontina”, a “casadinha” e muitas “paciências”.

E, admito piamente que, com uma elegância e donaire verdadeiramente helénicos, entre

os sussurros das vozes e o ruge-ruge das saias, havia… serrote!

Antigamente a carranca da igreja trabalhava para o rapazio. Nas mãos do organista,

com jeitos de fole e tubos, a carranca “berrava, grunhia, guinchava, abria, fechava e rolava os

olhos, deitava a língua de fora, fazia diabruras.” Que saudade!

Relativamente ao ano que findou… “nem todos lhe podem entoar endeixas d’amor ou

elegias de saudade pelas prosperidades que lhes trouxe, mas quase todos lhe maldizem o

passamento porque muitas lágrimas foram a única e tristíssima herança que lhes legou”. (Jornal

de Santo Thyrso de 2-1-1908).

Ainda no balanço do ano velho, todos recordam o dia em que a vila foi sobressaltada

pela entrada na Administração, sob prisão, do “Caixeiro”, cocheiro estabelecido na Trofa,

suspeito de cumplicidade ou autoria do assassinato do dr. Maia. Este conhecido advogado de

Vila do Conde foi agredido até à morte, em Fornelo, quando se dirigia da estação de caminho

de ferro da Trofa para a sua terra. Suspeitos também o taberneiro, onde o cocheiro, depois do

crime, parara para beber, um tal “Loura”, alfaiate de Macieira e um Alfredo, antigo criado do

“Caixeiro”. Estão todos presos para averiguações.

António Pinto Guimarães (Cavadas) tem oficina de pintura e douramentos no 115 da

Rua de Sousa Trepa. Com depósitos de imagens e artigos religiosos.

A mobília para a nova casa da repartição da fazenda é por conta da Câmara… que não

orça esta despesa porque a repartição está bem instalada onde está, no edifício dos Paços do

Concelho.

O director da Fábrica de Fiação e Tecidos de Santo Tirso, José da Silva Teles, foi

vítima dum esmagamento na mão esquerda. Ao sábado.

22

Venda de foro – O foro consta de: 240 rs. em dinheiro, seis alqueires de meado (talvez

centeio e milho alvo), uma e meia galinhas, três quartos de um frango. É da Quinta da Laje, em

Burgães.

A Semana Thyrsense assume o partido regenerador como “o nosso partido”. O chefe é

o conselheiro Júlio de Vilhena que negoceia com o Bloco Liberal.

Está prometida, para este ano de 1908, a primeira tentativa de repovoar o rio Ave com

sável e lampreia, a cargo do naturalista António Nobre, director da estação aquícola do Ave.

O arrematante dos impostos queixa-se que os comerciantes (marchantes e taberneiros)

de vinho e carne põem mercadoria à venda e não pagam os impostos.

23

7 - Santo Tirso, 25 de Janeiro de 1908

SONHO DE UMA NOITE DE SERÃO (7)

MEMÓRIA DAS MEMÓRIAS DO PADRE CASTRO – CANTARES DE NATAL –

TÍMIDOS SINAIS DE PROGRESSO – METALIZAÇÃO DO PAPEL DE ALUMÍNIO

António José Ferreira de Castro dá-nos memória do Portugal de há cem anos.

Trata-se do P.e Castro, que muitos tirsenses conheceram como Capelão do Hospital, do

Colégio de Santa Teresa e da Creche. As crianças corriam para ele, na rua, a pedir-lhe a

bênção!

Fig. 6 - P.e Castro

Como viveu mais de três décadas em Santo Tirso, muitas das recordações dos seus

tempos de menino estão eivadas de sentimentos populares tirsenses.

Escrevia desde o hospital: “Aqui ao perto: a quinta de Lante transformou-se em

mercado e avenidas bordadas por elegantes prédios; o Corvilho cedeu o lugar a um bairro

moderno com a sua avenida.”

E, na sua singeleza, comparava estas melhorias, em Santo Tirso, a outras obras

nacionais como a ponte da Arrábida, o monumento ao Cristo-Rei e a ponte sobre o Tejo.

24

Retratou a ruralidade de há cem anos com muito realismo: “A maior parte do povo era

analfabeto. Não se fazia o exame do 2.° grau em todos os Concelhos. Não havia electricidade,

rádio e televisão, nem telefone. A primeira bicicleta que apareceu era de eixo fixo ou roda presa

de forma que as pernas tinham de acompanhar a rodagem. Foi o pasmo das gentes! Tudo se

fazia a pé e à cabeça... do Porto, da feira, dos campos, etc. Havia o cavalo, mas nem todos o

tinham. Muitas pessoas viviam dos carretos de bois e à cabeça. Passeava-se pouco. Muitas

pessoas nasciam e morriam sem ver o mar e o Porto. A água não estava explorada. A pouca que

havia tirava-se do poço por meio das noras: tudo de madeira – menos o cadeado que era de

ferro; buchas, bomba, roda, carreto tudo de pau... Não havia vacinas como hoje. Era muito

frequente a raiva. A varíola dizimava muitas crianças e alguns adultos. As operações eram

raras. Não havia fábricas, nem máquinas de costura, de chapéus, de sapatos como hoje. Não se

sulfatavam as videiras, deitava-se enxofre e cinza. Reproduziam-se por mergulhia e não por

enxerto como hoje. Não havia produtores directos. O primeiro a aparecer foi o morangueiro

(americano). As castas existentes davam vinho verde de fraca qualidade, mas, quando escapava,

conservava-se de um ano para o outro: arisco e rascante.”

“Os géneros alimentícios estavam pela rua da amargura. As terras produziam pouco, pois

não havia adubos. O único adubo era a raspa de ossos, resíduos dos botões brancos e a cal. Os

géneros vendiam-se à rasa e não a peso. A moeda corrente era de cobre: 5 reis; 10 reis; um

vintém; vinte reis; de prata: meio tostão; um tostão; dois tostões; cinco tostões e dez tostões e

notas em papel. Era muito corrente o termo moeda: quatro mil e oito centos reis. Compravam-

se uns bois por 17 ou 18 moedas. As mulheres não tinham voto e as eleições faziam-se na

Igreja. As mulheres não cortavam o cabelo, só as muito beatas por penitência.”

Fig. 7 - A Creche de Santo Tirso

“Os divertimentos eram muito mais honestos e na Quaresma era tempo defeso. Os

lavradores dedicavam-se muito ao linho e as mulheres à roca e faziam dele (linho) a maior parte

dos seus vestidos: calças, camisas, saias, lençóis, etc. Não se cultivava a batata como hoje (e

não havia escaravelho), nem sementes seleccionadas. Havia mais árvores de fruto e mais fruto,

pois não havia tanto ratoneiro nem as árvores estavam tão sujeitas ao mal como em nossos

dias.”

Quando se refere a “hoje” estávamos em 1968, data em que redigiu estes apontamentos!

O P.e Castro deixou também uma interessantíssima nota sobre o “Valor da Moeda (há

300 anos para cá): No século XVI (1580) a esmola da missa rezada fora fixada em 50 reis. No

fim do século XVI um alqueire de milho valia 6 vinténs. No fim do século XVII foram taxadas

assim as esmolas das missas: rezadas, 4 vinténs; cantadas, 150 reis ao celebrante e meio tostão

25

aos acólitos: («Consti... do Bisp. do Porto.»: 18 do 4 de 1687). Em 1687, Pregador: 9 tostões.

Um alqueire de pão ou 150 reis. No século XVIII: missa rezada, 120 reis. No fim deste século,

165 reis. Algumas confrarias davam neste século (XVIII) nas missas cantadas: 150 reis aos

acólitos, 200 reis ao celebrante e 1.200 reis ao pregador. Em 1824, missas rezadas, 12 vinténs.

Em 1809, avantajadas, 240 reis. Há pouco mais de um século um advogado recebia de avença

por ano 11$80, um cura 19$00 por ano. Um bom cabrito custava 300 reis e um bom carneiro

600 reis, etc. A grande desvalorização deu-se com a República e com a Primeira Guerra

Mundial. Desde então para cá continua a desvalorização, mas em ritmo muito menor.”

É curioso que os anseios por tempos passados que sua reverência expende não relatam a

quadra natalícia que, aqui, viria a talhe de foice.

Os das verrinas, depois de vociferar contra as ágapes consoadas, referiam os cantores

refractários ao gelo do 24 de Dezembro, como “selvajaria de cafres cristãos”.

«Quebram-se mutuamente as caras por causa da partilha dos cobres, e intercalam injúrias

nas trovas, ou insultam as famílias que os não gratificam: Esta casa cheira a breu / Aqui

morreu algum judeu. Conservam a instrumentação com que os pastores da Galileia festejaram o

menino recém-nascido no presépio de Belém. São os ferrinhos, as sacabuxas, a viola chuleira, e

as gargantas deles, que dilaceram pela rouquidão e pelos pigarros dos depósitos dos maus

vinhos.» E o par de patacos que arrancam a algumas famílias saem porque essas famílias

“transigem oprimidas” e, assim, “compram o silêncio daqueles bandidos”. Será apenas biliosa

ou, antes, real esta descrição dos cantares de Natal?

O “agrimensor” Pires de Lima continua a acompanhar os trabalhos das estradas e os

projectos presentes à Câmara.

Apesar da construção na vila não estar muito activa – apenas se começaram a construir

seis casas no primeiro semestre de 1908, para as quais foram requeridos alinhamento e

nivelamento e respectiva autorização para depósito de matérias na rua em espaço de 10 metros

quadrados – há um depósito de cal na rua das Taipas de José da Costa Campos que vende por

conta do fabrico da Trofa. Entre as casas que os tirsenses andam a construir, contam-se algumas

na rua da Indústria.

O delegado do procurador régio tinha requerido à Câmara a aquisição de um fogão

aquecido a petróleo, para o tribunal. Os 8$750 reis que o “fogão” custou foram pagos em 9-12-

1907 e tratava-se, afinal, de um calorífero.10

Mário Carneiro Pacheco frequenta o 2.º ano de direito.

Corre por Lisboa o boato de que o governo está periclitante, esperando-se para breve

sucessos sensacionais.

Tomás Moreira Vasconcelos vende, à autarquia, carboneto para a iluminação pública.

Adivinha-se como grande progresso técnico a metalização do papel de alumínio, para

substituir o de estanho que é tóxico, por conter chumbo.

10

Devia ser comum antigamente chamar-se fogão ao calorífero. Camilo, numa das suas cartas, escreveu:

“Eu, desde que começou o frio, passo os dias na cama ou às cavaleiras do fogão; mas ainda assim,

constipado, com reumatismo na cabeça…” – Carta escrita em Janeiro de 1876.

26

8 - Santo Tirso, 1 de Fevereiro de 1908

HÁ LOBOS NO CAIS (8)

NA TROFA, COM O CAPITÃO E MADAME ROÇADAS – A CONSPIRAÇÃO DO

ELEVADOR – O ASSASSINATO REAL FAZ HOJE CEM ANOS! – ONDE

ANDAM “MIJADOS” E “CACHAMÔRROS”? - …E AGORA OS CAVALHEIROS

Apesar do tempo chuvoso e frio, os poderes instituídos organizaram uma calorosa

recepção ao herói de África, capitão Roçadas, na sua passagem pela estação do caminho de

ferro da Trofa, em 7-1-1908. Além de todas as autoridades da vila, foram notadas as presenças

das professoras Zulmira e Maria Azevedo; a aluna Maria Madalena da Fonseca Guimarães

entregou a madame Roçadas um lindo boquet de flores naturais.

Mal o futuro general imaginava que um fatídico acontecimento havia de o impedir de

acompanhar El-Rei D. Carlos I na projectada viagem ao Brasil.

O movimento revolucionário destinado à implantação do regime republicano, que

eclodiu em 28 de Janeiro de 1908, fracassou. Esta insurreição passou a ser conhecida como “a

conspiração do Elevador”. Os nomes de Machado dos Santos, António Granjo, José Maia e do

monárquico dissidente José Alpoim ficaram ligados a esta sublevação.

João Franco, na sequência do movimento de 28, decretou a pena de degredo sumário

nas colónias asiáticas para os revoltosos republicanos. Consta que D. Carlos, em Vila Viçosa,

ao promulgar o decreto, terá pressagiado: acabei de assinar a minha sentença de morte.

No dia 1 de Fevereiro de 1908, aconteceu o REGICÍDIO. El-Rei D. Carlos e o seu

filho, Príncipe D. Luís Filipe, foram assassinados à chegada ao Terreiro do Paço, regressando

de Vila Viçosa.

O regicídio envolveu cinco atiradores que se integraram no meio da multidão

aclamadora do Rei. Os atiradores identificados foram: o Buiça, que era professor primário, em

Vinhais, e filho do pároco local, tinha 30 anos; o Alfredo, que contava 23 anos, era dono de

uma editora de publicações revolucionárias; o Sabino, declarado, depois, inocente, tinha 22

anos e era empregado numa relojoaria na Rua do Arsenal.

Em monarquia acontece que se “morreu o Rei! Viva o Rei!” Os presos políticos, às

mãos de João Franco, pensavam que, desta vez, poderia ter sido: “Morreu o rei. Viva a

República!”

27

Fig. 8 - O jovem monarca D. Manuel II: Morreu o Rei, viva o Rei!

Era enorme a ansiedade pública em consequência da morte dos Soberanos: “À chegada

dos jornais de Lisboa, o público, ávido de conhecer pormenores sobre o atentado, assaltava os

vendedores, procurando haver à mão, por todo o preço, qualquer periódico. Chegaram a

vender-se exemplares a 100 e 200 rs. (quando “O Comércio do Porto custava 20 rs.!)

Na reunião da Comissão Administrativa da Câmara de Santo Tirso, realizada em 3 de

Fevereiro de 1908 ficou lavrado em acta: «O digno presidente disse que julgava interpretar o

sentir da Câmara protestando da forma mais enérgica contra o nefando crime que acaba de

ensanguentar as ruas da cidade de Lisboa e que deixou no mais doloroso luto a nação

portuguesa. E assim propunha que na acta se lançasse um voto do mais profundo sentimento

pela morte de Sua Majestade El-Rei D. Carlos e de Sua Alteza o Príncipe Real D. Luís Filipe e

do mais veemente protesto pelo crime repugnante que tão dolorosamente feriu a alma nacional.

Segue cópia da acta para El-Rei D. Manuel e para Suas majestades as Rainhas D. Maria Pia e

D. Amélia.»

Durante algum tempo, a tragédia fez esquecer que, em Santo Tirso, “mijados” e

“cachamôrros” tinham muito mais de meio século de repuxões e, até, de sangueira.

Como o Congresso Nacionalista, que recentemente se realizou em Braga, contou com a

presença de três cidadãos tirsenses, estarão entre estes nomes, que se seguem, os três

congressistas de Santo Tirso?

Os cavalheiros presentes na festa de outorga de prémios que tenho vindo a citar foram

os seguintes: Dr. José Lemos Júnior, Artur de Sousa Moreda, José Maria de Azevedo F. Costa,

Dr. Abílio Miranda, Dr. Alfredo Augusto Leal, Dr. Francisco Guimarães, Dr. António Ferreira

de Lemos, Dr. António Magalhães, Dr. Francisco Andrade, Francisco Moreira, Artur de Castro,

Alfredo Johnstone, Joaquim Augusto Lima, Francisco de Sousa Trepa, Adriano de Sousa

Trepa, Padre Miguel Ribeiro de Miranda, Egídio Teixeira Duarte, Adelino Machado, Virgílio

28

Andrade, Luís Moreira, Domingos Moreira, Batista de Sá, Henrique Marinho, José Marinho,

Alberto Marinho, António Queirós, David Ferreira, Rocha Brito, Cipriano Nogueira, Augusto

Johnstone, José Júlio Vilaça, Veladimiro Costa Braga, Eduardo de Almeida, Aparício Miranda,

Alberto Matos, João Raio, Alberto Ferreira de Lemos, Joaquim Leite, José Coelho de Andrade,

Américo de Morais, José Pereira de Faria, Joaquim Correia de Miranda, Alberto Carlos

Carneiro Guimarães, António Ribeiro de Miranda, José Ribeiro de Miranda, Adriano Ribeiro

de Miranda, Américo Ribeiro de Miranda, Cândido Pereira da Rocha, Duarte Miranda, Augusto

Lemos, Luís Trepa, João Trepa, José Trepa, Roberto Macedo, Aires Azevedo, António Cardoso

Fânzeres, José Santarém, Júlio Morais de Miranda, Carlos Morais de Miranda, Luís Coelho

Monteiro, Francisco Cardoso, José Cardoso, Aureliano Carneiro de Varziela, José Carneiro de

Varziela, Carlos Carneiro de Varziela, Alfredo Leal, Joaquim Pedrosa, Alexandre Andrade,

Joaquim Fontes, Francisco Moreira Júnior, António Fontes, Manuel Gil, José Correia e Alberto

Correia.

Fig. 9 - Junto às árvores a futura Av. Sousa Cruz e o traçado da rua que vem da Pç. Conde de S. Bento (Cons. Campos

Henriques) para os lados do Tribunal (Corvilho)

Iam em bom andamento as obras, que foram arrematadas pela Câmara em 12 de Agosto

de 1907, para construir a avenida que liga a Praça Conselheiro Campos Henriques ao lugar do

Corvilho (junto ao actual cine-teatro/casa da cultura).

O ano de 1908 fechou com as seguintes cotações cambiais: Francos, 195 reis; marco,

239; coroa, 205; peseta, 180 reis; dólar, 1$050; dinheiro sterlino, 48 e ¾ por mil reis.

Há cem anos dizia-se: em Janeiro seca a ovelha suas madeixas no fumeiro, e em

Março no prado; e em Abril as vai urdir.

29

9 - Santo Tirso, 8 de Fevereiro de 1908

A LUX DE MONTE CÓRDOVA (9)

CÃES DANADOS – ONDAS DE CHOQUE DO REGICÍDIO – A VILA A FICAR

ISOLADA – GINÁSTICA SUECA – MAIS NOVAS DE MONÇÃO PARA AS DAMAS

TIRSENSES

O ano que findou em 31 de Dezembro de 1907 foi marcado por um intenso debate sobre a

raiva e a hydrophobia, com todas as idiossincrasias que a cultura popular atribuía às duas

enfermidades, devastadoras de alguns mamíferos irracionais e de seres humanos,

respectivamente.

O verão tinha sido quente e todos recordam como foram poeirentas as romarias e, mais que

todas, a de S. Marçal que se realizou em 4 de Agosto, no Montinho. O local era muito aprazível

e as frondosas árvores estiveram de serviço. O ponto alto desta romaria fora a procissão que, às

8 horas de Domingo, saiu da Matriz para a capela do orago com a participação de diversas

irmandades da vila e do concelho. O resto fora o costume: missa cantada e instrumental, na

capela; muito fogo no ar e de artifício, zés-pereiras, banda de música a tocar entre o local do

arraial e as ruas da vila, e leilão da kermesse a cargo do “Rijão”.

Como o verão passado tinha sido, simultaneamente, abrasador e, na aparência, a causa do

surgimento de muitos cães atacados pela raiva, abriu-se na vila e no concelho um conjunto de

debates sobre a raiva canina e sobre a hydrophofia humana. Deste debate resultou o desfazer de

muitas ideias erradas sobre o vírus e a construção de novas teorias que a ciência e o tempo

revelaram desadequadas.

Vejamos, porque estes apontamentos são sobretudo etnográficos, algumas crendices sobre

cães danados que se pretenderam derrogar há cem anos.

Pensava, o povo, que a raiva canina era espontânea, isto é, que poderia surgir sem o vírus ter

sido inoculado do exterior. Atribuía-se a raiva ao calor intenso, às privações, às fadigas e, até,

ao uso do açaime nos cães. Também era senso comum que o cão atacado pela raiva se tornava

subitamente furioso. E que os canídeos não estavam danados desde que continuassem a beber.

Ora o “horror” à água, a hydrophofia, viria a ser apenas característica reconhecida dos humanos

atacados pelo terrível mal.

Fig. 10 - O Alto da Feira foi Praça Visconde de S. Bento, Parque Conde de S. Bento e é, hoje, o Parque D. Maria II

30

Era este conjunto de pressupostos que, cinco lustros antes, tinha enquadrado a fama do

remédio para a raiva (hydrophobia), da farmacopeia das senhoras Ricardas. Com efeito, era

melhor que a de Pasteur, a droga vendida pela Família Sousa, do Alto da Feira, praça visconde

de S. Bento, Santo Tirso. É que o fármaco de Pasteur “de vez em quando, falhava”!

Com o trágico regicídio a política de oposição a João Franco, prevendo graves consequência

para o autoritário estadista, amoleceu, esquecendo os dias em que acusava o governo de viver

do favor da Coroa e de responder “cinicamente, desaforadamente, com um novo acto de

ilegalidade, de desfaçatez e de violência, a cada protesto feito de forma mansa, cordata e legal.”

António Faria Carneiro Pacheco, brilhante estudante em Coimbra, com 20 anos, engendra,

“com outros rapazes universitários, um forte movimento de reacção política que buscava

adaptar o regime então vigente à imperiosa realidade das necessidades sociais e combatia a

política partidária.”

Fig. 11 - Na esquina do, então, Campo 29 de Março com a Rua Cirilo Machado, a casa onde nasceu António Faria Carneiro

Pacheco

O acesso à Trofa está cada vez menos transitável. Não se fazem as obras necessárias e,

quando se gasta algum dinheiro, os trabalhos são demoradíssimos e os melhoramentos pouco

notados.

A maioria dos comboios que saem do Porto para Guimarães, não pára em Lousado onde

poderiam ter correspondência com o “tramway” que, de Famalicão, demanda também Lousado.

Prossegue a construção da nova estrada para o Santuário de Nossa Senhora da Assunção,

iniciada no passado mês de Julho, com a expropriação da propriedade de Joaquim Maria de

Andrade. Em 8 de Janeiro de 1908 foi publicada, no Diário do Governo, uma portaria do

ministério do reino a autorizar a Irmandade da Senhora da Assunção, desta vila, a aplicar parte

dos fundos em obras no seu santuário.

São concorrentes à cobrança de impostos autárquicos: Tomás Dias Veloso de Araújo, José

Ribeiro Cataluna, Manuel de Barros, Narciso Eduardo de Sousa e António Gonçalo da Silva.

Tomás Araújo dá o maior lanço com 7:600$000 reis (110.200 euros, ou 22.000 contos). O

arrematante dos impostos indirectos pede autorização para sublocar a cobrança. E a licença foi

concedida.

31

Continuam a dar entrada na Administração muitos pedidos de remissão de foros e laudémios

que eram deferidos «nos termos do acórdão da estação tutelar.»

O Dr. Eduardo da Costa Macedo é distinto causídico tirsense.

Estão à venda as quintas de Real (Palmeira) e do Juncal (Santo Tirso).

Na altura, para desviar a passagem de caminhos públicos, ia-se depositando pedras.

Resultado: multa de 2$000 rs. e reposição no primitivo estado em 10 dias.

O presidente da Comissão Administrativa, Dr. Francisco da Fonseca Pinheiro Guimarães,

ausenta-se para não deliberar sobre a acção da Câmara contra um cliente do seu escritório de

Advogado. Já tinha substabelecido.

Está muito doente o chefe do partido progressista em Santo Tirso, Dr. Rodrigues Ferreira.

No contrato de iluminação pública e luz eléctrica desta vila, aprovado por decreto de 12-1-

1908 e publicado no Diário do Governo n.º 16, prometia-se que no prazo de um ano haveria

luz. A central mista, que só iniciou o seu fornecimento em 1913, era explorada pela Câmara

Municipal de Santo Tirso, aproveitando a água das minas de Monte Córdova. Natureza da

corrente: trifásica; tensão da linha em voltas 2.100; 1 turbina com a potência de 60 HP; e, de

cada geratriz, 38 Kw; funcionava com um motor térmico Diesel de 75 HP.

A Câmara atesta o bom comportamento moral e civil do pároco de S. Tomé de Negrelos,

Justino Francisco Macieira.

O seguro agrícola passa a ser obrigatório.

Nas escolas do ensino primário, então chamadas escolas primárias, é instituída a disciplina

de Ginástica Sueca e são instaladas as primeiras cantinas escolares.

Aprovado, no foro competente, o conserto do relógio da torre paroquial e o soalhamento

das dependências da igreja.

O dos 30$000 reis mensais, certamente gorado o atropelo de incautos projectado para o ano

que findou, volta à carga com novo convite:

«Tendes, gentis leitoras, (devem ser gentis – fatalmente) um namorico com quem, em

postais ilustrados, desbaratais as vossas economias? E quereis por um termo a esse desbarato?

Pois bem – enviai a Aurélio Augusto Correia, Monção, 2$100, 3$100, 4$100 ou 5$100 reis e

recebereis, franco de porte, 100 postais sortidos em tudo quanto de mais chic a fantasia francesa

e alemã tem produzido, em bromuro, esmalte, seda, veludo, celulóide, sola, gelatina, etc.»

Fig. 13 - Efígie de D. Carlos (e da Rainha) em medalha comemorativa dos 500 anos da descoberta da Índia (1898) e moeda

de 10 reis que circulava há cem anos

A maior parte das moedas cunhadas em Portugal a partir de 1892 decorreram do período da

crise de 1891, para que fosse possível a recolha das cédulas que foram emitidas e postas a

32

circular por várias entidades para suprir a falta de moeda divisionária de prata e da moeda de

bronze, objecto de maciças transferências para as colónias.

Nota: na crónica número 4 há imprecisões: os 50$000 rs. de ordenado anual do subdelegado

de saúde correspondem hoje a cerca de 700 euros; os 1$740 rs mensais de salário da empregada

camarária da limpeza das ruas correspondem a cerca de 24 euros; os 1$000 rs. mensais que a

Câmara pagava de subsídio de alimentação seriam, hoje, cerca de 14 euros.

33

10 - Santo Tirso, 15 de Fevereiro de 1908

E TUDO S. BENTO LEVOU (10)

FEIRAS COM PALAVRAS: FRANCAS, TEMÁTICAS E GENERALISTAS – JOÃO

DE SEIDE E OUTRAS LAMÚRIAS – FADO

Há 100 anos o povo fornecia-se no mercado das segundas-feiras, não só de alfaias e

produtos agrícolas, mas também de tecidos para se vestir, principalmente lenços, xailes e

fazendas. Quem podia ia ao Porto, onde se abastecia a classe superior, especialmente em artigos

de moda, atrofiando o comércio local. Mas, para a grande maioria dos tirsenses, afiguravam-se

notáveis os mercados semanais visitados por multidões de feirantes que transaccionavam

valores consideráveis.

Em Santo Tirso, nos dias de feira, um pedinte septuagenário, conhecido por João de Seide,

recitava uma curiosa lenga-lenga:

- Júpiter era um deus omnipotente no Olimpo. Vénus era sua filha e mãe de Cupido, deus

do amor. Um dia Júpiter escamou-se com Vulcano, deu-lhe um pontapé no traseiro, e deixou-

lho ao lado!

Depois, o antigo jornaleiro de Famalicão, jorrava o presente do indicativo do verbo ser, em

francês, e os cumprimentos de bons dias, em inglês. Dizia-se que, nestas perlengas mitológicas

e poliglotas, com as quais justificava os vinténs da subsistência, fora leccionado por Camilo

Castelo Branco.

Anexim daquele tempo: “Quer queira quer não queira, o asno há-de ir à feira!”

Fig. 14 - No fim da feira, o Zé sem dinheiro para pagar a décima (cliché de José de Varziela)

In illo tempore… as conversas populares, em dia de mercado semanal, eram invariavelmente

sobre o custo de vida e sobre os impostos.

- As noutes são grandes e as alinternas gastam muito petróleo! - queixou-se o popular,

olhando de revés para a vendeira.

O interlocutor, um acossado pelo relaxe do fisco, obtemperou:

34

- Sacaram-me seis maurréis e oito sentai-vos, e… tou relaxado!

- Mais de quatro vinténs o litro! E s’o tempo não milhorar por a Coresma, inda vai ser pior!

- acudiu o molestado da carestia.

- Cum estes sambixugas, tá mau p’rós proves.

- Chego a desejar que me venha já a morte! … – tartamudeou o desesperado consumidor,

pensando nos ralhes do comboio. E, depois, rematando com um vira costas decidido: – Até

menhan!

- Até menhan! Apressa-te devagar!

Com relevância social e económica desde o séc. XVIII (atendamos ao facto de a

circunscrição administrativa e a povoação de Santo Tirso serem de fundação recente) as feiras

constituíram um importante factor de desenvolvimento do burgo e de fixação de famílias à roda

do Mosteiro.

Sempre houve feiras chamadas “Feira Grande”, que eram normalmente universais, francas e

anuais ou bianuais. Por tendência, surgiam espontaneamente feiras; tal era combatido pelas

autarquias que acabaram por fixar, no articulado das posturas, a sua proibição. Lutando contra

contratadores e vendilhões, o açambarcamento foi proibido – nas feiras ou num raio de 2

quilómetros – e a própria compra por junto só era permitida após as 11 horas da manhã – e,

mais tarde, depois das 2 horas da tarde – desde que a revenda se não fizesse no mesmo dia. Em

dias de feira era proibido vender os artigos a feirar nos caminhos a menos de 3 quilómetros da

feira. O gado miúdo podia andar livremente pelo recinto, sem necessidade de sôga ou corda.

Fig. 15 - Campo da Feira há cem anos

Além das feiras anuais havia, pelo menos desde 1758, os mercados quinzenais e semanais,

também generalistas (cereais, legumes, aves e outros géneros de consumo), e as feiras temáticas

que eram de Gado, Louça (do Prado), Cereais, Cinza e Pão. A Feira do Pão11

deve ter adquirido

a sua importância, porque no tempo dos frades funcionavam 13 fornos industriais para cozedura

de trigo; dois coziam todos os dias, os restantes apenas de oito em oito dias para abastecer as

feiras de Santo Tirso, de Famalicão e de Santa Ana.

Numa perspectiva diacrónica, vão arroladas algumas datas interessantes para as feiras na

vila de Santo Tirso:

Em 1835 realizava-se a Feira do Gado; no ano de 1841 tinha já lugar uma Feira Grande,

em Março, e outra em Julho que duravam quinze dias e ocorriam por alturas das festas de S.

Bento, sendo também grátis ou franca a travessia do rio Ave na Ponte de Pau; estas feiras, em

1884, passaram a chamar-se “Feira de S. Bento”; durante 1854, mudou-se o Nicho das Almas

11

Em 1882 havia um lugar chamado “feira do pão”, escrito com iniciais minúsculas, anunciando, o

Jornal de Santo Thyrso, que no n.º 49 se procedia a uma liquidação de tecidos.

35

do sítio em que actualmente faz vértice a Praça Conde de S. Bento para o Picoto porque, em

dias de feira, até as cavalgaduras eram amarradas a ele; em 1860, para afastar a concorrência da

feira de Famalicão, a Câmara delibera a mudança do mercado para as segundas-feiras de cada

semana.12

Decorria 1862 e foi mandado demolir o nicho (capela) de Santo António no largo de Santo

António ou Feira do Gado, na actual praça Coronel Batista Coelho, em frente à tipografia do

Jornal de Santo Thyrso; neste mesmo ano, a Feira do Gado passou para o Campo da Feira, ou

Praça 29 de Março, actual praça Conde de S. Bento e inaugurou-se o novo local com a Feira

Franca de Julho; ainda no decurso de 1862, a Feira dos Cereais passou a fazer-se no Largo de

Santo António; no tempo da passagem de Santo Tirso a vila (1863) havia uma grande Feira

Anual de Louça.

Fig. 16 - A Feira da Louça (do Prado) resistiu até ao séc. XX (Alvão)

No ano de 1863, a Feira das Cinzas mudou para o Picoto, actual Praça Camilo Castelo

Branco; por 1864, começou a fazer-se, no largo do Cidenai, a Feira do Pão; em 1866 foi

arborizado o Campo da Feira; em 1870, fazendo-se já a Feira do Pão no Campo da Feira,

começou a ser questionado o possível regresso ao antigo Alto da Feira; esta proposta ganhou,

tendo a Feira do Pão voltado para Praça Coronel Batista Coelho, o que obrigou a feira de todos

os géneros a ir para cima das cabines que agora existem (Alto da Feira); houve uma alteração

da ordem pública, num dia de feira de 1871, ficando-se a saber que as feiras eram policiadas e

que a polícia da feira «estava recolhida em uma taberna sem pessoa idónea que a guiasse»

atempadamente à repressão da desordem; em 1872, foi deliberado expropriar terrenos para

«alargar a área necessária para o público e objectos que concorrem ao principal mercado se-

manal»; em 1875, começam as diligências e expropriações para instalar a Feira do Gado nos

Carvalhais.

12

Chegou a fazer “mercado extraordinário” à sexta-feira, quando, por razões meteorológicas, a feira da

segunda tinha sido um fiasco. Não raras vezes se revelou, esta iniciativa extraordinária, um simples

“feirôto”.

36

Fig. 17 - Assinalados os locais onde se realizam/realizaram Feiras

A necessidade de reorganizar todo o espaço da feira de todos os géneros que se realizava

nas imediações do actual Parque D. Maria II fez com que, em 1880, começassem as

expropriações para alargamento do mercado; estas expropriações constituíram o início da

urbanização que acabou sendo o parque Visconde de S. Bento (actual D. Maria II); até 1909

passou a ser ali, também a Feira do Gado.

A tradição das feiras relembra uma quadra:

«A feira de Santo Thyrso

De tudo está bem sortida,

Quem me dera lá viver,

Passar lá a minha vida!»

E um fado:

«Adeus, ó Praça do Conde,

Onde o meu amor passeia;

Adeus, largo da Cadeia;

Adeus, rua de S. Bento,

Adeus, Senhor da Prisão;

37

Adeus, ó Feira do Pão;

Campo da Feira do Gado,

Que és largo e comprido;

Adeus, lugar do Picôto;

Adeus, Casa de Retiro.

Tu, rua dos Carvalhais,

Podes-te dar por feliz.

Tu, rua de D. Luís,

De ti já me não lembrava.

Adeus, ó largo das Taipas,

Onde o meu amor acaba.»

38

11 - Santo Tirso, 22 de Fevereiro de 1908

GENTE INVULGAR (11)

FAZ HOJE CEM ANOS QUE FALECEU O MÉDICO E POLÍTICO DO PARTIDO

PROGRESSISTA, DR. RODRIGUES FERREIRA – HOTEL CAROÇO

REMODELADO – AS ROMARIAS EM PERSPECTIVA – DR. JOSÉ ANTÓNIO

ALVES FERREIRA DE LEMOS – EXPLOSÃO DE CARBONETO VITIMA O

POETA JOSÉ ÁUREO E O IRMÃO JOÃO – CYNEMATOGRAPHO PATHÉ EM

BELLE ÉPOQUE – ADVERTÊNCIA

Se o leitor perguntar a um transeunte onde fica, em Santo Tirso, a praça do Dr. Rodrigues

Ferreira, ele provavelmente não lhe saberá responder que é a Praça dos Carvalhais.

Deixo aqui – quem sabe? – o primeiro memorial, invocando o centenário da morte desse

distinto médico e dedicado político que foi o Dr. António Augusto Soares Rodrigues Ferreira,

que não é da autoria de um médico. Neste simples registo não aparecerão tantos termos

científicos – como distocia, anti-sepsia, epistaxe, diátese – pois tal desiderato pertence aos Dr.s

Maximiano Lemos, Pires de Lima e Coelho de Andrade.

Porque não invocar a formação humanística (Filosofia) do Dr. Ferreira para compreender a

sua tardia “descrença profunda” nos medicamentos novos de que desdenhava, “não acreditava

na sua eficácia, e aborrecia-lhe a designação complicada, pelos esforços de memórias a que ela

o obrigava.”? Pelos vistos, nos últimos anos da sua existência, a sua terapêutica limitava-se aos

“vesicatórios que empregava largamente, ao óleo de rícino, à dieta láctea. Vinho a ninguém o

consentia, e a doente que lho pedia mandava beber… outra coisa.”

Nasceu em Penafiel, dois meses antes da entrada do exército liberal em Santo Tirso. Faleceu

em Santo Tirso no dia 22 de Fevereiro de 1908. Cem anos, feitos hoje!

Fig. 18 – Passos Manuel

39

Sobrinho dos donos do Mosteiro e, portanto, parente do parlamentar e ministro Passos

Manuel, ao estanciar no aprazível rincão, ficou apaixonado pelo Ave e pela frondosíssima

paisagem tirsense. Terá bebido da mágica água da Fonte da Maria Velha?

Em 1857 terminou, na Lusa Atenas, os cursos de Filosofia e Medicina.

Foi afastado da presidência da Câmara tirsense pelo decreto de João Franco, sendo

reintegrado, já muito doente e pouco antes de falecer, em resultado da reviravolta política

consequente ao regicídio.

Fig. 19 - Hotel Caroço13 que Narciso Correia da Silva apresenta, em 1908, totalmente remodelado

Além da sua categoria como médico e da reconhecida dedicação como político, contam-se

alguns episódios da sua vida como curiosidades e notoriedades: o desvelo para com o escritor

Camilo, maleitas próprias e da família, a fidelidade que lhe devotavam o cão Leão e o cavalo, a

sua compleição física que assegurava inúmeras horas de trabalho contínuo sem comer nem

dormir…

Durante os seus 40 anos de vida em Santo Tirso foi sempre um homem sincero e muito

correcto. Teve três filhas, mas apenas duas lhe sobreviveram, D. Maria e D. Ema.

Presidente da Câmara, deputado às Côrtes, provedor da Misericórdia, administrador do

concelho em Penafiel e Santo Tirso, chefiou também várias Juntas de Paróquia.

O seu funeral foi uma grande manifestação de pesar prestada pelo povo.

Estiveram a meia haste as bandeiras da Câmara, Misericórdia, Bombeiros, Asylo Agrícola e

Monte Pio Tirsense. O Clube Tirsense, de que foi presidente, conservou as portas semi-cerradas

durante os dias de luto como prova de sentimento.

Acompanhou o préstito a banda dos Bombeiros, interpretando composições fúnebres.

* Alguns populares tirsenses eram autorizados a divertir-se uma dúzia de vezes em cada ano.

13

O hotel Narciso, estabelecido em Santo Tirso há mitos anos, tinha sido extinto em 15 de Maio de 1885.

40

As romarias que estavam, desde o início do ano, na perspectiva dos nossos avoengos eram:

o Santo Amaro, na Carreira, logo na segunda quinzena de Janeiro; a Senhora das Candeias e a

romaria de Landim no início de Fevereiro; as Gualterianas, que se realizavam, este ano pela

terceira vez, no início de Março; o S. Frutuoso, em Rebordões, em Abril; em Maio, as festas

das Cruzes de Barcelos; em Junho, as Antoninas em Famalicão e a Senhora do Rosário, em S.

Tiago de Bougado.

* No dia 2 de Fevereiro, domingo, a vila prestou homenagem ao clínico Dr. José António

Alves Ferreira de Lemos. A missa – “a grande instrumental” – foi rezada em acção de graças

pelo seu restabelecimento. O engalanamento do percurso entre o palacete do filho do

homenageado, nos Carvalhais, e a residência (rua Ferreira de Lemos), e as animações nocturnas

foram suportados por subscrição pública em que participaram – com contribuições acima de

mil reis (cerca de 14 euros) – os seguintes vizinhos: Aires Azevedo (5$000 rs.), Alexandre

Andrade e António Godinho (2$500 rs.), Bernardino Viana, Manuel B. Sineiro, Joaquim N.

Teixeira, Jacinto Carvalho e Guilherme C. Leite (2$000 rs), D. Luísa Rocha (1$500 rs).

O trabalhador incansável, benemérito cidadão e ilustre médico, bem mereceu os encómios.

* Uma explosão de carboneto atingiu o poeta José Áureo e seu irmão João, aquele ficando

com a mão esquerda muito queimada e este sofrendo queimaduras no rosto. Contavam 19 e 22

anos, respectivamente, e eram filhos de Adriano de Sousa Trepa, que pertencia ao grupo dos

primeiros bombeiros que se alistaram na corporação. Além de Adriano Trepa, alistaram-se:

Júlio Correia do Amaral, Adriano de Queirós Veiga, Joaquim António de Sousa Azevedo, José

Maria de Sousa Azevedo Júnior, Francisco Maria Correia, José António de Sousa Machado,

José Neto de Carvalho, António da Rocha, António Vieira da Costa e José Correia do Amaral.

Fig. 20 - O Cinematógrafo (1885) tanto era máquina de fotografar como de projectar

Apesar de, em 1908, se ter fundado Hollywood (coronel e produtor William Selig) e de

estarmos numa fase de franco desenvolvimento do cinema em Portugal, com João Freire

Correia e Manuel Cardoso a seguir as peugadas de Aurélio da Paz dos Reis, em Santo Tirso não

há mais do que um cynematographo Pathé. Dizia-se: “A luz é muito fraca para poder dar mais

relevo às imagens.” E, mesmo assim, “em virtude dos últimos sucessos de Lisboa, não tem

havido sessões cinematográficas, num dos salões da Assemblêa Thyrsense”.

* Nestes apontamentos, em que se procura apresentar uma perspectiva semanal do quotidiano

tirsense de há 100 anos, não há quaisquer pretensões sociológicas. Digamos que estes salpicos

de vida se limitam à aproximação etnográfica e corográfica, como já foi referido “com relativa

preocupação diacrónica”. A estas croniquetas poderia chamar-lhes, como Alberto Pimentel,

“Silva de Apontamentos e Curiosidades”.

É evidente que, ao percorrer o fio dos dias, ressurgem temas que, infelizmente, os media não

tratam em local próprio, e detenho-me nessas efemérides abandonando, momentaneamente, as

41

cenas pitorescas devido ao limite de espaço auto-imposto. Caso do regicídio, das feiras e, agora,

do Dr. Ferreira.

Uma análise mais profunda dos fenómenos económicos – tais como a distribuição das

actividades por sectores, as motivações dos movimentos migratórios, a tentativa de

compreensão de problemas sociais – como a sub-alimentação, o analfabetismo, o alcoolismo, a

mendicidade, o crime, a prostituição, ou o desenvolvimento de actividades de cooperação e

religiosas – como as associações, as irmandades, se destas fotografias semanais resultar algum

discernimento, são exactamente excrescências deste corpo pouco harmonioso cujo parto está

marcado para algum tempo após o centenário da implantação do regime republicano.

Mas cabe aqui uma nota interessante: a taxa de analfabetismo nos centros urbanos principais

dos País, há cem anos, cerca de 55%, é a mesma percentagem actual dos portugueses que na

sua vida nunca tiveram qualquer contacto com a informática!

42

12 - Santo Tirso, 7 de Março de 1908

BARALHA DE FLORES (12)

MORENAS – RUAS COM MAIS DE 100 ANOS – CAMINHOS DE

CIRCUNVALAÇÃO – AINDA A TEMPO: D. MARIA PIA, EXPOSIÇÃO NO

BRASIL, CARNAVAL DOS FENIANOS, VINHO DO PORTO

Há cem anos, Guerra Junqueiro assinou, na Semana Tirsense, um lindo poema intitulado

“Morena”.

«Não negues, confessa

Que tens certa pena

Que as mais raparigas

Te chamem morena.»

“O virar do século traz problemas às morenas, com a altíssima cotação das loiras… o que

será, até, responsável por grande falta de água oxigenada em farmácias e hospitais.”

Mas o grande vate, com o saber do alto dos seus cinquenta e sete anos feitos, consola as

trigueiras com uma maquilhagem poética de fino recorte:

«Tu és a mais rara

De todas as rosas;

E as coisas mais raras

São mais preciosas.

Há rosas dobradas

E há as singelas;

Mas são todas elas

Azuis, amarelas,

Da cor de açucenas,

De muita outra cor;

Mas rosas morenas,

Só tu, linda flor.

*

Na sessão de 12-3-1877 tinha a Câmara deliberado, a pedido dos moradores, mandar

numerar todas as portas das moradas da vila, pois a numeração antiga estava em mau estado e

não se conheciam os números. Bernardino Fernandes Viana, encarregado do serviço pela

quantia de 33$000 Rs., colocou dísticos com os nomes das ruas iguais aos que estavam

colocados desde 1834.

43

Fig. 21 - Casas, na antiga Rua Faria Guimarães

Para facilitar a localização de alguns episódios, aqui fica a equivalência às de hoje das ruas

nomeadas em sessão camarária de 9 de Abril de 1877:

Rua Faria Guimarães – foi dado este nome por deliberação camarária de 4-5-1865 e era o

nome daquela rua que vem pelo lado da rua de S. Bento, da casa onde esteve a Secção de

Finanças e do advogado António José da Silva, até à porta do Clube Tirsense; hoje é parte da

rua Francisco Moreira e o do Parque D. Maria II.14

Rua 26 de Março - era a rua principal da vila; já há cem anos era a Rua Sousa Trepa.

Campo 29 de Março – o Campo da Feira que é, actualmente, a Praça Conde de S. Bento.

Rua Cirilo Machado – a rua que vai do Campo 29 de Março para o lado do Orgal; chama-se,

presentemente, rua Prof. Dr. Joaquim Alberto Pires de Lima, aprovada em sessão de 15-3-1947

e inaugurado a placa em 5-10-1947.

Rua D. Luís 1 - do Campo 29 de Março, na esquina com Cirílio Machado para os Carvalhais;

entretanto já foi 31 de Janeiro (por deliberação da Câmara de 17/10/1910) e é agora a Rua Eça

de Queirós.

Rua das Taipas - da rua dos Carvalhais para o Tapado; hoje é sensivelmente a rua Ângelo

Andrade.

Largo do Picôto - onde esteve o Posto da Sacor; chama-se, hodiernamente, Praça Camilo

Castelo Branco, embora a placa, por motivos óbvios, esteja dentro da rua Dr. J. A. Pires de

Lima.

Ficaram sem alteração de nome, até ao momento actual, as seguintes ruas (desde 1877):

Rua das Rans – ia do largo do Picôto para as Rans; hoje é a Travessa das Rans.

Rua de S. Bento - é a que vai do Mosteiro até à porta do Sousa de Friães15

(onde está

actualmente o Café Algarve).

Rua dos Carvalhais - do largo do Picoto, pelos Carvalhais, até ao Campo 29 de Março; hoje

vai até à Rua D. Zulmira de Azevedo.

14

É assim que a localizou Carlos Santarém nos Apontamentos, cap. XXXIV. Mas este autor também a

faz coincidir com a actual Rua Monsenhor Gonçalves da Costa, que vai em sentido oposto. Esta rua pode

ter sido Faria Guimarães, mas a rua Faria Guimarães já teve fim junto ao Club, pois só assim é que

poderia entroncar com a rua Nova (de Vilalva), conforme deliberação camarária de 15-04-1889. 15

António José de Sousa Friães foi carcereiro da cadeia comarcã durante 18 anos tendo sido exonerado

em consequência duma espectacular fuga de todos os presos que estavam na cadeia, com excepção duma

“presa”, ocorrida em 1885. Nesse tempo era também proprietário do café Anjos, que ficava na esquina da

rua de S. Bento com o Parque D. Maria II.

44

Rua da Lagoa - do Campo 29 de Março, pelas traseiras do actual Palácio da Justiça, até perto

do Hospital. Hoje existe, em parte. Dava acesso às Água Férreas, à Ponte Velha e ao Engenho

de Azeite de Gião.

Avenida do Campo Novo – presentemente é a Rua Dr. Francisco Sá Carneiro, no lado sul do

Parque D. Maria II. Em sessão de 15-4-1889 a câmara deu-lhe o nome de rua da Boa Vista

(sic).

Rua do Progresso – era a rua perpendicular à rampa em frente do Parque D. Maria II, junto

ao paredão, até à estrada de Guimarães. O nome foi dado na sessão de 3/12/1883. Nessa rua

foram plantadas 10 japoneiras (camélias) oferecidas pelo pároco de Santo Tirso, Joaquim

Anacleto da Fonseca Pedrosa, que à sua custa as mandou plantar. Por este motivo teve um voto

de louvor da Câmara.

Com a passagem, a partir de Dezembro de 1862, da estrada de Guimarães pelo centro de

Santo Tirso, pouco se alterou da velha configuração da vila, continuando a ser o seu eixo

estruturante a linha desenhada desde a ponte do Picôto até ao fim da calçada do terreiro que ia

para a ponte do rio Ave.

Fig. 22 - Em destaque, os caminhos ou quelhas que permitiam a circunvalação norte à Rua

Neste tempo (1908) ainda se andava ao redor do núcleo da vila (rua de Cidenay16

ou

simplesmente “Rua”): quem viesse do Arco e de Friães aproximava-se através do antigo

açougue pela Lagoa (Lacuna, que já existia no tempo das Inquirições de D. Afonso III, em

1258) e do Corvilho, em frente ao cinema em demolição, passava pelo meio dos campos

(Quelha Funda) até à Rua José Luís de Andrade, que atravessava no lugar da Roda e ia sair à

casa dos Moredas, por cima das cabines; quem viesse de Vilalva entrava no terreno do jardim

do Clube Tirsense, atravessava as traseiras do banco e do antigo hotel Cidenai; querendo

continuar a circunvalação, atravessava a Rua de S. Bento, pelo largo da cadeia, quelha da

Pêssega, caminho dos Moinhos Novos, Tapado e Moinhos Velhos junto à fonte da Maria do

Moinho Velho ou Maria Velha. Os habitantes das outras aldeias (como a Mãe d´Água, Monte

do Orgal, Dinis, Lomba) já tinham vias de aproximação, pela rua Ferreira de Lemos, a Praça do

Picôto e a Rua das Taipas.

16

Escreveu em editorial o director do Jornal de Santo Thyrso (25-4-1889) que, para comemorar a entrada

das tropas liberais na vila, a câmara mandou apagar das esquinas das ruas a histórica palavra Sidnay.

45

*

Ainda a tempo, foram notícia nos jornais:

No passado dia 6 de Janeiro do 1908 «consorciou-se na paroquial desta vila o nosso

querido amigo Augusto Ferreira de Lemos com a Ex.ma Senhora D. Ana Ferreira da Silva. No

mesmo dia da cerimónia partiram os noivos em viagem de núpcias para Braga e Viana.» Nos

casamentos os padrinhos “paraninphavam”.

Em 8 de Janeiro «fez acto de fisiologia na Escola Médico-Cirúrgica do Porto o nosso

prezado amigo Alberto Ferreira de Lemos. Alguns amigos em manifestação de simpatia foram

esperá-lo, de carro, à estação desta vila, oferecendo-lhe uma ceia onde se trocaram brindes…»

Em 10 de Janeiro ocorreu um acidente ferroviário. Entre a estação de Lordelo e o apeadeiro

de Espinho desabou uma trincheira, indo danificar uma grande parte da linha-férrea. Sofreram

leves ferimentos o maquinista e o condutor do comboio n.º 2 que passa em Santo Tirso, às 7

horas da manhã.

Está ainda buliçosa a iniciativa de participar, com muitos produtos portugueses, na exposição

universal do Rio de Janeiro em que o pavilhão português será de estilo manuelino, com 78

metros de comprido por 20 de fundo e com dois pavimentos (andares): um térreo e um superior.

Ostentará, na fachada, 17 arcadas. Prevê-se que esteja pronto em Maio, incluindo a instalação

eléctrica. Os jornais que aliciam as forças vivas tirsenses a participar no certame anunciam que

todo o edifício terá manequins articulados envergando trajes regionais e que o prazo para a

comissão coleccionar os produtos destinados à exposição terminaria em 31 de Março de 1908.

Apesar do regicídio, a mostra far-se-á na forma programada.

Consta que Sua Majestade D. Maria Pia, numa violenta altercação, terá dito ao demitido

chefe do ministério João Franco: «Dizia-se que o sr. seria o coveiro da monarquia, mas o que

eu nunca imaginei foi que pudesse ser o assassino de meu filho e de meu neto!». Faz agora 100

anos, João Franco andava exilado em passeio, com a família, por Milão e Veneza.

O 4º Carnaval dos Egrégios Fenianos apresentou um mirabolante programa de festas, «sem

dúvida o de mais fama que se faz em Portugal há remotíssimos anos». Os tirsenses

endinheirados entram nos Fenianos; os remediados que podem dar-se um pouco de ares pelos

ralhes da via-férrea, vão ao Porto, aos bailes da Pinhata… apesar da Quaresma

Em Março de 1908 o vinho licoroso saído de Lisboa (no ano de 1906 - 4.505 hectolitros;

1907 - 9.698 hl) concorria, na exportação, com o vinho do Porto. Agora, um século rodado e

depois do sucesso da imitação australiana, a coqueluche é o vinho do Porto produzido na Índia.

Nota: este capítulo mereceu o seguinte esclarecimento no Jornal de Santo Thyrso de 4 de

Abril de 2008

Esclarecimento

Li, há dias, neste jornal, um interessante trabalho da autoria do sr. A. Jorge Ribeiro,

intitulado “Santo Thyrso há Cem Anos”, no qual se refere a Rua Faria Guimarães como

abrangendo a parte que hoje se estende desde a esquina do prédio onde funcionou a secção de

Finanças (na Rua de S. Bento) até à porta do Clube Tirsense.

Na minha opinião, a Rua Faria Guimarães começava, sim, na dita esquina, porém em

sentido contrário, ou seja para nascente, até ao seu entroncamento com a estrada que dá acesso

ao santuário de Nossa Senhora da Assunção.

Lembro-me perfeitamente de ver a sua placa afixada na esquina do prédio da rua de S.

Bento oposta à da secção das Finanças, ou seja da casa onde mais tarde viria a morar o meu

saudoso amigo e distinto clínico tirsense, Dr. José Vieira da Silva.

Embora estando certo do que acabo de dizer, tive o cuidado de expor este assunto a dois

tirsenses, meus companheiros de infância, que viviam também na mesma rua, os quais

confirmaram a minha opinião, São eles o Zeca Pelayo (solicitador nesta cidade) e o meu

sobrinho Dr. Américo João Andrade Ferreira (Investigador aposentado do Instituto de Ciências

Biomédicas Doutor Abel Sal azar, no Porto, sobrinho que é apenas quatro anos mais novo do

que eu e que fazia também parte do grupo de diabretes da Rua Faria Guimarães).

E, já agora, aproveito a ocasião desta minha despretensiosa intervenção para acrescentar à

história da Rua Faria Guimarães Os nomes das famílias que nessa remota data aí viviam, a

46

saber: a) ao longo do passeio do lado norte (e no sentido de poente nascente: família de José

Andrade; f. de Alberto Martins; f. de José Pelayo; viúva Delfina das Obras; b) ao longo do

passeio do lado sul (e no sentido de nascente – poente): família Américo Ferreira; f. Fernandes

e proprietário do prédio da esquina do lado nascente da Rua de S. Bento.

Outro pormenor que desejo referir, embora nada tenha a ver com a finalidade que aqui me

trouxe, diz respeito à Quinta de Pereiras ou do Passal, como então se dizia. Nela vivia, no

tempo da minha meninice, o saudoso Padre João, a quem a criançada se dirigia, em magotes,

para lhe pedir a sua bênção, todas as vezes que ele passava pela nossa rua, com destino à igreja

ou já de regresso a sua casa. Todos os miúdos e miúdas o adoravam e procuravam ser os

primeiros a chegar junto dele, embora, por vezes, levasse um de nós consigo, preso por uma

orelha, até onde muito bem entendia. Eu fui um dos contemplados por essa atenção, num

percurso entre a Capela do Senhor dos Passos e a nossa igreja!

Voltando à Quinta de Pereiras, felizmente ela continua intacta, não obstante as grandes

modificações operadas entre a Rua Faria Guimarães e os terrenos da Escola Agrícola, escola

onde eu e o meu dedicado amigo Zé Pelayo fizemos a nossa instrução primária e da qual temos

muitas saudades, inclusivé do nosso dedicado mestre, o sr. Oliveira. Bons tempos esses em que

existiam professores que levavam a sua missão a tal ponto sério que dir-se-ia, não fosse o gosto

com que o faziam, que eram verdadeiros exercícios de expiação.

Para terminar, apresento ao sr. A. Jorge Ribeiro as minhas felicitações pelo seu trabalho o

qual constitui, sem a menor dúvida, contribuição muito válida para a história de Santo Tirso do

século passado. 16.01.2008. M. Montenegro de Andrade.

A minha defesa:

Como é lógico, no meu pensamento, em tempo algum viria a terreiro rebater as opiniões e

esclarecimentos dos meus leitores.

47

Neste caso particular, admito que a rua Faria Guimarães tenha sido redefinida para os

limites que o prof. dr. Montenegro apontou. Mas, vejamos o que J. C. P. G. escreveu e publicou

no Jornal de Santo Thyrso em 29-6-1893: «Continuando com a descrição do que mais notável

existe nesta risonha vila, vamos ocupar-nos da estátua mandada erigir em honra do beneficente

e piedoso Conde de S. Bento. Na avenida principal da vila, no ponto em que se cruzam as ruas

26 de Março, S. Bento e Faria Guimarães, encontra-se a estátua do Conde de S. Bento de belo

mármore branco.»

Mas há mais…

A rua Faria Guimarães – resultante da gratidão a Joaquim Ribeiro Faria Guimarães pelo seu

concurso para a construção da estrada desta vila à cidade de Guimarães e também pelo interesse

tomado sempre pelos negócios e prosperidades deste concelho – foi deliberada em 4-5-1865

(bem como, e pelos mesmos motivos, a rua Cirilo Machado). Ora o dr. Montenegro nasceu em

13-9-1918, isto é, passados mais de cinquenta anos. É bem provável que a toponímia se tenha

alterado.

Carlos Santarém, estudioso destes assuntos e, em muitos casos, fiável, escreveu duas vezes

nos «Apontamentos» que a rua Faria Guimarães era a que hoje se chama Monsenhor Gonçalves

da Costa, dando razão ao Dr. Montenegro (em 1865 e em 1874).

Mas também escreveu:

“Nomes das Ruas de Santo Tirso - (Sessão de 9-4-1877) – Rua Faria Guimarães – é aquela

que vem pelo lado da casa do advogado António José da Silva (onde até há pouco esteve a

Secção de Finanças até à porta do Clube Tirsense)” e “Nova Praça (actual Parque D. Maria II) -

Em 20-9-1880 foi salientada na Câmara a falta de espaço do mercado da vila para comportar as

mercadorias que ao mesmo concorrem e a necessidade de se obter mais terreno para esse fim.

Neste sentido, lembrou então o Vice-Presidente da Câmara, João Augusto de Sousa que a

melhor solução seria a expropriação do terreno sito entre a Rua Faria Guimarães» (desde a Rua

de S. Bento até ao Cidenai pelo lado do Clube Tirsense) «e a estrada para Vila Nova de

Famalicão» (antiga rampa dos Paços desde onde estão hoje as escadas em frente da Rua de S.

Bento até à Igreja) «pertencente a Dona Maria da Conceição Castro Soares, (proprietária das

quintas do Mosteiro).”

A própria câmara …

No folhetim «Santo Thyrso visto de relance», da autoria d Teotónio Çonçelves, publicado no

JST de 9/8/1888, escreve-se:

“A cadeia desta comarca, como já dissemos, ainda é moderna.

Data de 1862, e foi mandada construir pelo município, sendo então presudente da câmara o

falecido Trepa.

É alodial, e confronta do nascente com a rua de S. Bento; do poente com a rua Faria

Guimarães; norte, uma travessa qualquer; e sul, habitações diversas, algumas das quais

elegantíssimas e dum bom gosto excepcional.”

Ora, nas costas da cadeia fica o Club Thyrsense, passando entre ela e o Club a rua Faria

Guimarães…

48

13 - Santo Tirso, 14 de Março de 1908

CADEIA FRENÉTICA (13)

O COMÉRCIO DO PORTO – ENLACE – POR ESSE PORTUGAL LEVEMENTE

MONÁRQUICO – CÂMARA MUNICIPAL – CARNAVAL NA VILA – CADEIA -

FADO TIRSENSE

Fig. 23 - Rodrigues Ferreira

«O Comércio do Porto», no dia 25/2, (numa local intitulada “Santo Thyrso, 24”) fala nos

“imponentes funerais” do Dr. Rodrigues Ferreira. Escreveu o correspondente que, em Santo

Tirso, “não havia ninguém que lhe não devesse favores.” Já tinha sido referido o centenário do

falecimento desta personalidade tirsense.

*

Na igreja particular do palacete Moreda, à rua Formosa, contraíram matrimónio a

mademoiselle D. Lívia de Oliveira (filha de Fernando Cogorno de Oliveira) com Arnaldo de

Sousa Moreda. Oficiou o ministro padre Miguel Ribeiro de Miranda. Paraninfaram, pela parte

do noivo, a sua madrasta D. Emília da Costa Moreda e José António de Faria.

*

Portugal está a ser governado pelo novo ministério denominado “de concentração

monárquica”. São libertos vários presos políticos. A anulação da visita do rei D. Carlos ao

Brasil, para inaugurar a exposição do Rio, fez com que o dinheiro colectado para as festas de

recepção fosse destinado aos tuberculosos do Rio de Janeiro.

*

Na acta dos Paços do Concelho de 5 de Março surge nova vereação: presidente, Dr. José

Joaquim Morais de Miranda; vereadores, P.e Augusto José Coelho, José Joaquim de Castro

Carneiro, Abade António Gonçalves de Azevedo Júnior, Manuel Maria Frutuoso, António

Lopes Alvim da Silva e Alfredo Augusto Correia Guimarães (este substitui o falecido

Rodrigues Ferreira).

*

Um “grupo de rapazes nossos conterrâneos” lembraram-se de levar a efeito um

imprevisto cortejo carnavalesco na terça-feira de Entrudo, espantando toda a vila. Um cortejo

“no esplendor do seu luxo e irrepreensível decência”!

49

Abria o séquito a banda dos Bombeiros Voluntários fantasiada e envergando “costumes

(trajos) chineses”.

No corso havia colcha e flores naturais, mandarins também chineses e cavaleiros do séc.

XVI. Estranha aliança!

Houve jogo de muito pó às damas aperaltadas que se encontravam às janelas das suas

moradias.

Na véspera da terça-feira de Carnaval, houve “soirée masquée” na Assembleia Tirsense

com baile até às 2 horas da madrugada. Surpresa! Danças populares de Coimbra com a

participação das meninas Dionísia Figueira, Beatriz Carneiro Pacheco, Gracinda Trepa, Isaura

Castro, Olímpia e Honorina Trepa. Trajavam “à lavradeira”. Os “Lavradores” eram: Luís, João

e José Trepa, Mário Carneiro Pacheco, Luís Coelho Monteiro, Armando Alves da Cunha e João

Azevedo.

O Clube Tirsense promove uma soirée de máscaras, animada por quarteto de amadores

da vila.

*

Em 1908 a cadeia comarcã teve, em média, 82 presos.

Joaquim Graça, meu grande amigo (recentemente falecido) referiu-me que ainda se

lembrava de, ao passar da missa, ver os presos pedirem esmola pendurando um cestinho na

ponta de uma corda e descendo-o pela janela.

0

20

40

60

80

100

120

140

1860

1863

1866

1869

1872

1875

1878

1881

1884

1887

1890

1893

1896

1899

1902

1905

1908

1911

1914

Fig. 24 - Evolução da população prisional durante a vida da cadeia, demolida em 1915

Para a igreja de Santiago de Burgães concorrem dez padres dos quais 3 do concelho

(Monte Córdova, Vilarinho e Divino Salvador do Campo) e dois de Lisboa.

*

Chegara a assinar-se um contrato com a Fábrica de Fiação e Tecidos de Santo Tirso para

iluminação eléctrica da vila.

Destinado aos expostos, vieram da comissão distrital 27$415 rs. para o corrente ano de

1908.

A Câmara delibera telegrafar à família real apresentando condolências e o abade sai da

vereação por 60 dias.

Total da folha de salários de Fevereiro de 1908 dos empregados da Câmara: 218$970 rs.

Custo de outros serviços:

Encarregado da iluminação pública: 10$000 rs.; iluminadores – acendedores da

iluminação pública da vila (3) – cada um: 2$506 rs.; limpeza dos caminhos de Lamelas etc.:

6$000 rs.; limpeza dos caminhos de Guidões etc.: 6$000 rs.; limpeza da vila (meses de Janeiro

e Fevereiro): 12$380 rs.

*

50

Embora haja tradição de um fado, da autoria de Narciso Ferreira de Araújo e citado por

Alberto Pimentel em Santo Tirso de Riba d’Ave, aqui fica o excerto do Fado Tirsense, da

autoria de Vicente Gonçalves Borges, que algumas pessoas ainda recordam.

Burgo das eras passadas,

Vila galharda e gentil,

Chora gemendo baladas,

Canta florindo em Abril!

Nos teus outeiros e montes

Há lendas nas tuas fontes!

Fig. 25 - Subindo o “Burgo das eras passadas”

Excerto de uma canção tirsense.

Fonte da Maria Velha …Fonte Velha

Água de nome e de fama,

Que reflecte e se espelha …e se espelha

No coração de quem ama.

51

Fig. 26 - Descendo a “Vila galharda e gentil”

Um dia será publicado todo o fado, a canção da Fonte e muito mais quadras com Santo

Tirso no coração.

52

14 - Santo Tirso, 21 de Março de 1908

PROCURANDO UM LUGAR NO LENÇOL (14)

IR AO PORTO E IR VER O MAR – BRUXELLENSES – SENHOR DOS DOENTES

ENTREVADOS – PIO X – COMISSÃO REPUBLICANA – QUE TENTATIVA!

As dificuldades para o incremento do comércio local – não falando já da indústria –

também estão na perspectiva pela qual os tirsenses divisam a cidade do Porto.

Alberto Pimentel escreveu que, «visto do norte do país, o Porto é o sonho das meninas da

província, o ideal dos morgados ricos e moços, cujos solares assentam do Mondego para cima.

Elas querem ir anualmente ao Porto comprar os seus chapéus, fazer as suas toilletes, ver os

dramas do Baquet e o janota portuense. Eles são principalmente estimulados pelo espírito de

aventura… pelo desejo de exibirem os seus cavalos nas ruas do Porto, e as suas pessoas no

teatro de S. João, finalmente pelo vício da batota e da roleta, onde magnanimamente deixam

cada ano a maior e melhor parte metálica do produto da sua lavoura e das suas colheitas.»

«As pequenas extravagâncias (dos provincianos) são o jogo das feiras, a conquista da

prima dona das companhias ambulantes, as caçadas ou as pescarias. A grande extravagância do

morgado de riba Mondego é o Porto.»

«A população obscura das aldeias setentrionais do país deseja principalmente ir ao Porto

para ver a Torre dos Clérigos, as carruagens e as ruas. Também quer ver o mar, para o devorar

com os olhos ou para se meter nele três vezes por dia.» E, provavelmente, para ver a avenida

das Nações Aliadas, que é como se chamava na altura à avenida dos Aliados.

* Não nos esqueçamos que estamos numa vila sem luz eléctrica, com tudo o que isso tem

de condicionante e de risco para a segurança.

Neste aspecto, Santo Tirso apenas tinha evoluído para aqueles que podiam contactar com

a técnica. Para todo o povo, a electricidade continuava a ser um estranho fenómeno, raras vezes

sentido.

Por isso, o sentimento perante a luz eléctrica pouco teria evoluído nos últimos 25, em que

se escrevia «A luz eléctrica está a ponto de entrar na vida privada dos bruxellenses (sic). Parece

que grande número de habitantes do bairro Leopoldo projectam substituir o gás de iluminação

das suas salas pela luz eléctrica. Bastará para isso organizar uma oficina com as máquinas

necessárias em uma das casas que façam parte da combinação, e fazê-la comunicar com as

demais associadas por meio dos convenientes fios condutores. Está calculado que, pagando os

consumidores um preço igual ao que actualmente dão pelo gás, terão as suas habitações

iluminadas pela electricidade e tornar-se-ão proprietários das máquinas e material eléctrico, o

que lhes permitirá realizar em seguida uma considerável economia na iluminação de suas casas.

Oxalá a experiência dê bons resultados e seja seguida por todas as cidades.»

Nota: a não ser o jornalista mais um maníaco à procura do motu continuo, quem disse que

a “nova” teoria dos produtores independentes de energia é uma novidade?

* Vai grande a azáfama na preparação das próximas eleições de deputados, previstas para

29 de Abril próximo.

53

Fig. 27 - Perspectiva antiga do claustro beneditino

Toma posse como governador civil do Porto o Dr. Adolfo Pimentel.

São Pio X dirige uma encíclica aos católicos portugueses e o médico Archicald acaba de

descobrir a cura da apendicite por meio dos raios X.

O general Craveiro Lopes é o chefe da casa militar de El-Rei D. Manuel II.

Dizem os regeneradores que lavra uma grande desorientação entre os partidos históricos

da monarquia.

O Dr. Costa Cruz, impelido pela reviravolta política decorrente do atentado e da fuga de

João Franco, só agora pede demissão do seu cargo de administrador do concelho, embora já há

dias tenha sido empossado o Dr. Joaquim Machado da Cunha Faria e Almeida.

O senhor administrador do concelho pede à Câmara que ordene a “confecção de bolos de

estricnina para, por os oficiais de diligências, serem abatidos os cães sem açaime que vagueiam

pela via pública.”

Ainda relativamente à política local, continuam a chover na Câmara os pedidos de

subsídio de alimentação ou a sua prorrogação, por parte das famílias carenciadas. Os pedidos

são despachados com mil reis mensais, por seis meses.

O Monte Pio tirsense, nas suas contas semestrais, dá provas de evidente prosperidade.

* Em 20 de Março, na Palmeira, houve uma comovente procissão do Senhor aos doentes

entrevados. Organizada por Luís de Sousa Cruz, José Dias Quintas, Joaquim da Silva Cadeia e

José Amândio de Sá Gonçalves.

Encontram-se a estudar os universitários tirsenses. Em Coimbra: António, Augusto e

Mário Pacheco; Luís Trepa e Carlos Miranda; no Porto: José Andrade, Gabriel e António

Fânzeres.

Noticiam os jornais que «como tem chovido os vendedores de hortaliça hão-de tornar-se

mais acessíveis.»

Abriu há dias na praça Conselheiro Campo Henriques, (actual praça Conde de S. Bento,

que tinha tomado esse nome por deliberação camarária de 4/8/1902), um estabelecimento de

relojoaria e ourivesaria. Este importante estabelecimento está adicionado à antiga ourivesaria

Fernandes, que acaba de passar por uma completa reforma, achando-se actualmente em

condições de satisfazer quaisquer exigências dos seus fregueses.

54

* Provocou consternação em toda a vila o falecimento de Manuel Francisco Penetra, pai do

visconde de Cantim. O bondoso ancião morreu aos 95 anos na sua casa da Reguenga.

D. Amélia agradece, em nome do rei, à Câmara e a todos os munícipes a expressão dos

sentimentos oportunamente manifestadas.

Está a ser rebaixada em cerca de oitenta centímetros a rua Sousa Trepa. A obra de

pedreiro na praça Rodrigues Ferreira chegou ao seu termo.

Devido à carestia do milho há focos de amotinação popular por todo o norte: desta vez foi

em Vila do Conde. – Jornal de Santo Thyrso de 26 de Março de 1908.

Fig. 28 - Da rua do Progresso o acesso à rua do Ave (ponte)

O Jornal de Paços de Ferreira, republicano, dá grande destaque à comissão republicana

tirsense: efectivos, preside o advogado e notário Dr. Eduardo da Costa Macedo; Dr. António

Dias de Faria Carneiro, médico; José Maria da Costa e Sá, padre; Francisco Cândido Moreira

da Silva, capitalista; Joaquim Carneiro da Costa, capitalista; substitutos: António Gonçalves

Cerejeira Fontes, capitalista; José Maria Nogueira do Val, capitalista; Ayres Dias de Faria

Carneiro, agricultor; António Óscar de Sousa Carneiro, capitalista; Luís Gabriel Moreira da

Silva, capitalista.

Execuções musicais da banda dos bombeiros assinalam o aniversário do comandante.

* Que tentativa!

Consta que uma mulher duma freguesia deste concelho, na ocasião em que seu marido

dormia, estava cosendo os lençóis da cama de maneira que o prendesse dentro deles, para

depois de acabar esta operação principiar outra que consistia em dar-lhe uma boa sova, sem

receio dele lha retribuir logo; porém, quando estava a coser os lençóis, o homem acordou, e

com o esforço que fez para se desprender deles, caiu abaixo da cama.

Em vista disto a mulher não chegou a conseguir o que desejava; mas não obstante isso,

dizem que o marido tentara entregá-la a seu pai.

Em que apertos se vêem alguns homens casados!

55

15 - Santo Tirso, 28 de Março de 1908

DEIXAI VIR A MIM AS CALDINHAS (15)

RECEITA DE LONGA VIDA – ÁGUA LONGE DA NASCENTE – AO DEUS BACO –

A ARTE DE PENETRAR NA ALTA SOCIEDADE - LUTA PRÉ-ELEITORAL –

PROCISSÃO DOS PASSOS – A RUA AFUNDA-SE COM INDEMNIZAÇÃO

As notícias de “macrobia” incentivam a que se adopte uma conduta que permita viver

muitos e bons anos. A receita de longa vida tem os seguintes requisitos: dormir oito horas

regularmente e sobre o lado direito; fechar a porta do quarto de dormir e calafetar-lhe as frestas,

deixando as janelas abertas; não encostar o leito às paredes; fazer uso diário dos banhos;

passear antes do almoço; comer pouca carne; ingerir poucas gorduras; respirar bom ar; viver em

sítios altos e arejados, não podendo viver numa aldeia; beber água; evitar humidades e não ter

preocupações nem paixões.

E, por falar em vida higiénica, chegaram os escarradores “eginiecos” (sic da acta) para a

secretaria da Câmara e sala das sessões, por 7$360 rs.

*

Estão para abrir, no próximo dia 1 de Junho de 1908, as Caldas da Saúde, importante

estabelecimento termal para doenças da pele, reumatismo, vias respiratórias e genitais. A

Semana Tirsense, melhor informada, afirma que a abertura é em 17 de Maio e o anúncio que

inseriu substitui as vias “genitais” por “genito urinárias”.

Fig. 29 - Caldas – concorrido estabelecimento hidroterápico

Em Santo Tirso, inicia-se um intenso debate sobre a possibilidade de canalizar as águas

termais para a vila, com o intuito de dar à sede do concelho o desenvolvimento turístico

indispensável à saída do marasmo. Venceria, no entanto, a tese de Chaptal: “Uma água longe da

nascente é um cadáver”.

A origem das Caldas remete-se para reminiscências castrejas, ao lado de outros vestígios

como aqueles recolhidos pelo rev. Abade Pedrosa no Corvilho, em Friães, em Varziela, no

Orgal e na eira do Mosteiro.

Em 1862, dois vereadores coxos, perante a miraculosa interferência das águas termais na

minoração das suas afecções, deram grande incremento às Caldas, como relata o Jornal de

Santo Thyrso.

56

Fig. 30 - Hotel Termal – venceria o temor da morte da água às mãos da distância

Embora aparentasse mais idade, há cem anos tinha, apenas, dezassete, o contrato de 99

anos destinado à exploração das águas termais assinado em 1891.

Nessa altura, vendia-se a água curativa a 60 rs. o litro, e a 200 rs. em 1897, apresentando-

se em garrafas de um quarto de litro. Não seriam muito caras, atendendo a que “são águas

sulfúreas, as mais ricas da mineralização total, e as que representam melhor o tipo das

aguacloro sulfaradas dos hidrologistas franceses.”

*

Efeitos da embriaguez – um devoto de Baco:

Na segunda-feira à noite montou no seu jumento com as costas voltadas para a cabeça

deste, e como não achasse as rédeas nem visse a cabeça do animalejo, entrou a gritar: «Aqui

d’el-rei que me cortaram a cabeça ao meu burro». Juntou-se muita gente em contínua

hilariedade.

*

Arte de penetrar na alta sociedade.

Definição – a alta sociedade é um conjunto de indivíduos, em que concorrem uns certos

predicados, os quais têm o direito de agregar a si qualquer indivíduo sem necessidade desses

predicados!!!

Como penetrar? Outra receita respigada pelo Jornal de Santo Thyrso: bom empenho,

astúcia, fato feito e a adopção da feição je m’en fiche de velho nobre.

Para entrar no sistema há uma fórmula quase infalível – embora de mais difícil aplicação

pelas senhoras: ir a todos os enterros de sensação porque as portas das grandes casas são

franqueadas a toda a gente; depois é só lançar a confusão na mente do da alta, na rua,

cumprimentando-o como velho conhecido. A aproximação está feita.

Já Vítor Hugo dizia que para se entrar num salão é mais preciso que as botas estejam

limpas do que a consciência.

*

Pergunta a prémio da parte dos regeneradores – Que política segue, seguiu ou seguirá o

dr. Manuel Joaquim da Costa Cruz? Àquele que melhor resposta enviasse à redacção da

Semana, ser-lhe-ia enviado um doce da confeitaria Moura.

Nas respostas, surgiram frases como: o Costa Cruz pretende «com os progressistas ser o

primeiro, com os dissidentes beber o vinho fino da Rede, com os franquistas enxotar as moscas

ao conselheiro José Novais.» «Ir mungindo-lhe (à grande porca do Bordalo) os úberes, e deixar

correr é a grande lei do videirismo».

57

E reforça a oposição regeneradora: «O governo tem deveres a cumprir para com o país, e

só conseguia reabilitar as instituições e os homens públicos que as servem, sendo escravo

desses deveres.»

Está definitivamente assente a lista eleitoral dos deputados monárquicos pelo círculo

ocidental do Porto, a que pertence o concelho de Santo Tirso. Entre os nomes dos candidatos

que se apresentam ao sufrágio popular figura o dr. José Lemos Júnior, chefe do partido

regenerador. A 5 de Abril haverá eleições para deputados.

*

Procissão dos Passos – No próximo domingo, 5 de Abril, vai sair da matriz tirsense,

percorrendo o itinerário do costume, a majestosa e imponente procissão dos Passos.

A avaliar pelos outros anos, esta procissão deverá revestir um brilhantismo e um

esplendor surpreendentes, atendendo também a que a comissão promotora vem desde há

bastante tempo envidando os maiores esforços e solicitude para o realce desta festa.

Consta que acompanharão a procissão duas magníficas bandas de música, sendo uma a

dos Bombeiros V. de Famalicão e que o sermão do Pretório será pregado por dois distintos

oradores sagrados. S. Pedro, que na quadra não se saiu muito bem por causa dum galo, irá

trazer surpresa.

*

Num requerimento à autarquia, Álvaro de Almeida Garrett Correia de Freitas refere que,

constando-lhe que a Câmara deliberou dar-lhe a quantia de cento e trinta mil reis para ajuda de

custear as despesas que o suplicante tem a fazer no rebaixamento do pavimento térreo da sua

casa sita na rua Sousa Trepa desta vila, foi imensamente prejudicado com as obras feitas nos

passeios da mesma rua, os quais baixaram oitenta centímetros; assim, vem declarar que aceita a

referida indemnização.

*

O Club dos Girondinos do Porto promete festejos na semana de S. João para atrair à

capital do norte avultado número de forasteiros.

Há 100 anos, Ramalho Ortigão recordava com saudade o tempo em que um “copo de

vinho do Porto” era uma pinga do chôco, um “concerto” era uma musicata, um “baile” era uma

súcia e um “passeio pelo rio acima” era uma franciscanada.

Para ir Lisboa embarcava-se em Leixões em magnífico vapor.

Na matriz tirsense há a solene proclamação da Bula; o director do Asylo Agrícola, padre

João Gonçalves da Costa, reza missa pelas almas dos reis mortos mandada dizer pelas Filhas de

Maria e realiza-se uma conferência promovia pela Associação de S. José.

O Dr. António Alves Ferreira de Lemos é nomeado escrivão de direito.

Da Canção do Ave, composta por Américo Miranda e Luís Coelho:

Olha o Ave como avança…

Vai seguindo devagar,

Segue e vai devagarinho

Com vontade de parar…

58

16 - Santo Tirso, 4 de Abril de 1908

QUEM SEMEIA TESTAMENTOS COLHE ÚLTIMAS VONTADES (16)

ROMARIAS E OUTRAS SOLENIDADES – DA CASA DE ARNOZELA ATÉ AO

OUTEIRO – PAZ DOS REIS – MOVIMENTO DE TALHANTES – TESTADORES

PREOCUPADOS – INCIDENTES GRAVÍSSIMOS EM LISBOA

O povo, com vistas largas, já comenta a proximidade das festividades que, no segundo

semestre de 1908, encherão de romeiros caminhos e veredas. E não serão em pequeno número!

Dentro do concelho de Santo Tirso há para todos os gostos: S. Marçal, no Montinho, em

28 e 29 de Junho; festa da Assunção em 8 e 9 de Agosto; nos últimos dias de Agosto, as festas a

S. Bento que já não se realizavam há 15 anos! (Será que desta vez se vão realizar?) S. João, em

24 de Junho no Carvalhinho; romaria de Valinhas no primeiro domingo de Setembro; S.

Bartolomeu em 30 de Julho, em local aprazível, nos subúrbios da vila; em 8 de Dezembro, festa

do mártir S. Sebastião, na Palmeira; festejos a S. Pedro, em Rebordões; a S. João Baptista, no

lugar do Barreiro, Areias; nos dias 15, 16 e 17 de Agosto, romaria de Nossa Senhora das Dores,

na freguesia de S. Martinho de Bougado (Trofa); em 20 de Setembro, a romaria de Santa

Eufémia, em Alvarelhos; a expensas de José Andrade, em 12 de Julho, festas de S. Bento da

Batalha.

Fora do concelho e mais ao longe: festas de Santo António, em Famalicão, nos dias 13 e

14 de Junho; em 5 de Julho a romaria em honra de S. Torcato, nos arrabaldes de Guimarães;

romaria a S. Tiago em S. Tiago da Cruz, Famalicão, em 24 de Julho; em Setembro as

grandiosas festas de Vila do Conde do Club Fluvial; em Guimarães, nos princípios de Agosto,

S. Gualter; a romaria de Nossa Senhora da Agonia, que se realizará a 9 de Agosto, na rainha do

Lima; a 7 de Junho o Espírito Santo, no Bom Jesus do Monte; o Senhor de Matosinhos em

Bouças e S. Gonçalo de Amarante.

E outras solenidades: em 31 de Maio, conclusão do mês de Maria; no dia 5 de Junho, em

Santo Tirso, S. Sebastião; no dia 11 de Julho celebração a S. Bento, com sermão e missa

cantada; em 25 de Outubro, festa das Escolas e em Novembro, visita de D. Manuel II a Santo

Tirso.

*

De S. Martinho do Campo chega a notícia de que foram embandeirados os caminhos

desde a casa de Arnozela até ao Outeiro por onde passaria a multidão que aderiu ao

cumprimento da promessa de Adelino Machado. É que, se o seu pequeno filho melhorasse,

prometera ir com ele à capela do solar dos avós orar aos pés da Virgem Maria. Durante o

trajecto, de toda a parte, choviam flores com profusão.

*

Aurélio da Paz dos Reis17

, pioneiro do cinema em Portugal, apaixonou-se por Santo Tirso

e filmou e projectou, a partir de 1896, Azenhas do Rio Ave, Feira de S. Bento, O Zé-pereira na

romaria de Santo Tirso. Passada esta dúzia de anos, os frequentadores do cinematógrafo, na

Assembleia, têm saudade da beleza inexcedível destes exemplares precursores da sétima arte.

*

Em 1908 exerciam, no nosso concelho, a actividade de talhantes com utilização do

matadouro José da Silva Adães, Manuel Carvalho de Azevedo Júnior, Cláudio Pinto, Ana de

Sousa Festa e António Ferreira Mirra.

17

Paz dos Reis, em finais de Agosto de 1889, esteve em Santo Tirso, num sarau musical literário

organizado pela Assembleia Tirsense, onde recitou um monólogo.

59

Durante esse longínquo ano, foram registados os abates de 1.112 reses. 841 bois/vacas,

141 touros/vitelas, 123 porcos/porcas e 7 carneiros. De chibatos, não há registos.

*

Da leitura do livro de registos dos testamentos do notário que era à Rua de Sousa Trepa

n.º 71, pode aquilatar-se dos usos e costumes dos testadores que há 100 ou mais anos se viam

confrontados, muitas vezes gozando de óptima saúde, mas já no Outono da vida, com a

obrigação de prever o seu post mortem.

Normalmente iniciavam as suas disposições com o consagrado «Saibam quantos este

testamento virem que no ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de … seis

testemunhas idóneas adiante nomeadas e assinadas…» ou «aos dezoito de Março de 1908 da

era cristã…»

Mas num documento, datado de 23 de Janeiro de 1885, de Bougado (S. Martinho) reza

«Em nome da Santíssima Trindade, Padre, Filho e Espírito Santo, três pessoas distintas e um só

Deus verdadeiro: Eu, F. invoco em primeiro lugar o auxílio divino para o momento da minha

morte, a fim de que a minha alma possa ir gozar a eterna bem-aventurança. Quero que o meu

funeral seja feito modestamente e conforme o uso da minha freguesia e qualidade de pessoa e

bens, sendo meu corpo levado para a igreja pela confraria do S. Sacramento e acompanhado das

mais de que sou irmão, e de dez padres, com os quais se fará um ofício de corpo presente… e

porque me era difícil escrever o presente testamento atento o pouco uso roguei ao meu amigo

Joaquim Sousa Gaspar, desta vila, que por mim o escreve.»

Em 1902, testemunha um feitor solteiro, assinando a rogo do testador, lavrador, que

declarou não saber escrever. As testemunhas eram: um feitor, um sapateiro, um tamanqueiro,

dois negociantes, um industrial, todos do mesmo lugar.

Fig. 31 - Av. Nova (do Campo Novo) vista da quinta de fora do Mosteiro

Em 1908, uma empregada no serviço doméstico faz testamento em sua casa, no lugar de

Friães, possuindo alguns bens, valores, direitos e acções. Testemunharam: o Dr. Arnaldo

Baptista Coelho, médico, morador no lugar do Pinheirinho; Luís Bernardino Correia,

proprietário; António Peixoto de Freitas, proprietário; António Bernardino Correia, lavrador;

Manuel Bernardino Correia, proprietário; José Adriano de Sousa Dias, oficial da administração.

Outro testador quer que o enterro seja feito em harmonia com as suas crenças religiosas e

assim como o uso e costume da freguesia em pessoas da sua qualidade e haveres, mas com o

ofício de corpo presente de cinco e tocando, ou dobrando os sinos todos, “a fóra o grande”(sic).

60

A D. Bernardina Rosa da Silva, solteira, maior, em 1907, testa na “quinta da Deveza e

moradas do comendador Bernardino da Costa e Sá”, sendo essa senhora moradora na rua de

Sam Bento.

E, de outro rol de testemunhas, pode concluir-se que, em Santo Tirso, havia pelo menos

três barbeiros: António Peixoto de Meireles, Manuel de Sá Pinto e Bernardo da Silva Adães.

Fig. 32 - A eira da quinta de fora donde se via, à noite, a iluminação a acetileno da Av. Nova

O acto eleitoral para deputados realizado no dia 5 de Abril, decorreu, em algumas

assembleias de Lisboa, cortado de incidentes gravíssimos. Houve tumultos e conflitos entre

populares e a tropa. Da multidão saiu pedrada e tiros, tendo resultado inúmeros feridos.

Em Santo Tirso não houve confrontos, mas não deixaram de estar tropas na vila durante

estas eleições cujo aboletamento foi o pretexto de recorrentes pedidos de verbas à Câmara por

parte do administrador concelhio.

Começou por solicitar 46$060 reis; mais tarde pediu um reforço de 3$700 reis; outro de

8$260 reis; (este pedido foi recusado pois a Câmara deixou em acta que só pagaria o que estava

tabelado); mas, mesmo assim, o administrador voltou à carga e pediu mais 2$246 rs.

*

A Procissão dos Passos realizou-se com tempo agreste e ventania “que rijamente

soprava”. Além das confrarias, em riquíssimas opas de seda, participaram todas as autoridades

que acompanharam o andor do Senhor dos Passos, a imagem de Nossa Senhora da Soledade,

Nosso Senhor sob o pálio, bandas de música e o respeito imposto pela força da infantaria 18,

que não foi acatado pelos elementos meteorológicos.

Em Santo Tirso havia três pharmácias: A Faria, a Castro e a Borges. E três Tribunais o

“Cível”, o “Cevil” e o “Orphanologico”!

Em termos urbanísticos, a Câmara deliberou “mandar colocar os respectivos letreiros, na

praça Rodrigues Ferreira, nesta vila”. As ruas do Norte e do Olival cruzam-se. E vai ser feito o

gradeamento da ponte da Carvoeira.

*

O António Bastos Lage, para fugir à polícia, tomou o «travesti» de varina.

Este homem mulher, na noite de domingo, pernoitando em casa do regedor, inspirou

abrupta paixão ao filho da dita autoridade. O que então se passou será narrado com

minudências no próximo episódio.

61

17 - Santo Tirso, 11 de Abril de 1908

APITO FINAL (17)

O QUE AS ACTAS NÃO REVELAM – «TRAVESTI» EM REPRISE – NOTÍCIAS –

CANÇÃO DO LINHO – TÉCNICA AUTOMOBILÍSTICA – SE A MODA PEGA

Se, nos livros das actas das sessões da Câmara estampassem pensamentos, teríamos hoje

informações secretas. Por estas alturas ia na cabeça das chefias administrativas e políticas um

belo sonho: organizar umas imponentes festas de S. Bento, dignas e rivais das que se realizaram

pela última vez há quinze anos por conta do conde de S. Bento! A força do cofre administrativo

era muito diminuta, mas já se vislumbrava, secretamente, onde estariam os alforges

beneméritos.

*

O António Bastos Lage, para fugir à polícia, tomou o «travesti» de varina.

Este homem mulher, na noite de domingo, pernoitando em casa do regedor, inspirou

abrupta paixão ao filho da dita autoridade e, o que então se passou, consta do original

documento que, no dia seguinte, o regedor enviou para a capital do distrito juntamente com o

infeliz António, cuja aventura tão comicamente terminou.

Este documento vai reproduzido com a sua interessante ortografia:

«Manoel Ferreira Borralho – Participo a V. E.ma que meu filho deo dormida às nove

horas da noite a huma molher, de poes foi imsiminar e saio hum homem. Remeto a V. E.ma

para fazer ahi a nalese».

Que caso tão pitoresco!

*

Esteve doente D. Felisbela Pereira de Castro Santarém, esposa do proprietário deste

nosso velho jornal, José Cardoso Santarém.

Foram, também notícia: a Pia União das Filhas de Maria, de Rebordões; Joaquim Manuel

da Costa Mesquita, nomeado notário interino em S. Tomé de Negrelos, continuando, assim, a

tradição de competência do pai.

Rapazes resolveram fundar uma cooperativa de consumo, não podendo suportar os

efeitos maus da acção dos azeites à venda nas lojas desta vila.

Estão ocupadíssimos a preparar os próximos actos os estudantes Gabriel Fânzeres, 3º

ano, José Coelho de Andrade, 4º ano, José António Barbosa Júnior e Artur Barrote, 5º ano,

António Cardoso Fânzeres, 1º ano, da escola médica do Porto; na universidade de Coimbra

trabalham afanosamente Luís Simões Trepa, 2º ano, e Américo da Silva Castro, 5º ano.

62

Fig. 33 - Homenagem à memória de Luís Alberto

O linho português seria rei na exposição do Rio de Janeiro de 1908. No jornal da

exposição publica-se uma canção do linho em que estão patentes, através de figuras como a

ironia, a personificação e a metáfora, belíssimas comparações do que o linho sofre na sua

cruzada têxtil.

«Linho verde dos lameiros / Que andam moças a regar, / Ah! que se as pobres soubessem

/ As tristezas / Desse linho verde-mar!...»

E faço minhas as palavras do L. da C. «Ao expor a gazetilha / Aos olhos de toda a gente,

/ Peço muito recorrente / Que comprem sempre o jornal» L. da C.

No Jornal de Santo Thyrso colabora Júlio Dinis na “Literatura”, escrevendo um

romântico «Correio d’Aldeia».

Na Semana Tirsense é notícia um motivo para que os interessados pelos temas horto

frutícolas se desloquem à Invicta: «Exposição de pomologia e horticultura no palácio de cristal

do Porto prevista para o próximo mês de Setembro» O semanário, que tivera o seu número zero

no Natal de 1898, apresenta o regulamento do certame.

63

Fig. 34 - E, através dele, a todos os artistas tirsenses

«Novas lanternas para automóveis – As lanternas dos automóveis oferecem o grave

inconveniente de, nas curvas apertadas, a direcção da caixa do veículo não coincidir com a

direcção em que avançam as rodas da dianteira. Disso resulta que, ao entrar a carruagem numa

curva, a luz projectada pelos faróis ou lanternas se dirige no sentido do bordo exterior daquela,

ficando na obscuridade durante algum tempo a parte do caminho ocupada pelo automóvel, o

que pode fazer que o chauffeur só demasiado tarde note a presença de qualquer obstáculo ou de

outro veículo que marche em sentido oposto.

Alguns modelos dessas carruagens dispõem de lanternas que se movem à mão, as quais

giram à vontade do condutor no sentido das rodas dianteira; mas estes sistemas apresentam a

desvantagem de obrigarem o maquinista alargar, embora momentaneamente, o volante, caso a

outra mão esteja ocupada pela alavanca do freio.

Um engenheiro construtor francês resolveu o problema, por meio de um processo curioso

que faz lembrar o mecanismo com que se movem os olhos, e que consiste num jogo de

alavancas que, unidas à dianteira do carro e a um bastidor em que se apoiam as lanternas,

imprimem a estas um movimento rotativo no sentido da marcha curva do veículo.»

Todas as ajudas técnicas são importantes pois é «lamentável e censurável o que os srs.

empreiteiros de arrematação de estradas fazem. Em mais duma destas em construção emprega-

se desta pedra amarela que breve se converte em pó barrento e então as caixas são duma altura

tal que mais parece uma troça.»

*

Se a moda pega…

«Deixaram e não levaram – Na véspera de Natal um indivíduo do Porto ouviu barulho no

seu quintal e pressentiu que ali alguém tinha entrado, e portanto apitou, cessando em seguida de

sentir nada que lhe fizesse suspeitar algum roubo: se eram ladrões tinham fugido.

Deitou-se muito descansadamente na sua cama sem se importar com mais nada, e, pela

manhã, foi ao quintal ver se lhe faltava alguma coisa.

Passando a examinar o que nele tinha, encontrou de mais uma mòlhada de galinhas e num

saco dois perus.

Os larápios com a pressa e precipitação com que fugiram quando ouviram o apito,

deixaram o que já tinham roubado noutra parte, e depois não se atreveram a voltar ali com

medo, imaginando que alguma pessoa estaria à sua espera.»

64

Na próxima semana veremos o que se andava a urdir em Macau há cem anos, usando fios

de teia tirsenses para tramar com filamentos do oriente!

65

18 - Santo Tirso, 25 de Abril de 1908

VIDA DO CONDE (18)

DE MACAU, UM ICONOCLASTA – BANDA DOS CONCEIÇÕES – FOGUETEIRO

LEANDRO – JUÍZAS DO CONDE – A BÍBLIA DO ESCRIVÃO – JAFO COSIDO À

FACADA

Tem sido um hábito dos tirsenses murmurar sobre alguns defeitos do benemérito conde

de S. Bento. Muito se escreveu sobre as qualidades morais do titular, mas poucas pessoas têm

escrito o que ditava a vox populi sobre as suas qualidades imorais. Em vida do ilustre brasileiro,

dedicou-lhe Camilo Castelo Branco violentíssimas diatribes, directas e indirectas. O conde de

S. Bento, viajado pelos Estados Unidos, Inglaterra e França, pela sua índole e carácter, pela sua

imensa fortuna e pelo muito que fez em prol da promoção dos pobres, da cultura, instrução e

religião, não levava a mal nenhum dos ditos; teve a fama, gozaria ou não do proveito, mas

divertiu-se imenso com os invejosos e com os pregadores de falsos moralismos.

Fig. 35 - O edifício – convento de S. Agostinho – que albergou o Liceu de Macau desde 1894

Em princípios de 1901, o jovem advogado Silva Mendes recebeu, no seu escritório de

Famalicão, guia de marcha para o liceu de Macau. Até à promulgação da respectiva lei, em 25-

08-1887, era à comarca de Famalicão – e não de Santo Tirso – que pertencia a freguesia de Vila

das Aves.

Docente no conclave da China, alfabetizou e coleccionou porcelanas ming e taoismo,

nesse oriente «donde vem tudo, o dia e a fé,» «…Oriente pomposo e fanático e quente,»

«…Oriente excessivo que eu nunca verei,» «…Oriente budista, bramânico, sintoísta,»

«…Oriente que é tudo o que nós não temos,» «Que é tudo o que nós não somos,» «Oriente

onde – quem sabe? – Cristo talvez ainda hoje viva, Onde Deus talvez exista realmente e

mandando tudo...», nas magníficas palavras de Álvaro de Campos (Fernando Pessoa).

Há cem anos, Silva Mendes, coligia apontamentos, consultava a Corografia do Padre

António Carvalho da Costa, confirmava correspondências e apontamentos, sonhava a sua

longínqua tirsense natal, preparando uma deliciosa biografia do famoso Lourenço Ladrão, de

que muitos conhecem a célebre cena nocturna da subida às laranjas do jardim do mosteiro. É

provável que, aprontando as suas aulas de Português e Latim do pouco frequentado e ameaçado

de extinção Liceu Infante D. Henrique, também estivesse ocupado com a redacção duma

66

conferência que haveria de proferir no Grémio Militar de Macau sobre «Lao-Tse e a sua

Doutrina segundo o Tao-Te King».

Dotado de um carácter reservado e muito irreverente, Silva Mendes acabaria por publicar

a história do Lourenço Ladrão em que, na senda de Camilo, pinta com traços carregados a

personalidade do conde de S. Bento, repetindo o que por todo o lado se dizia. Tanto o Dr. Silva

Mendes como o comendador Manuel José Ribeiro eram naturais de S. Miguel das Aves,

nascidos com um intervalo de sete décadas. O professor, comparando o sicário ao conde,

blasfemava: “mariola por mariola, o Lourenço é bem melhor pessoa.”

*

Uma testemunha, levada para a Trofa, até meio do caminho no costado de um burro

velho e mal cheiroso e a partir de meio pelas pernas próprias, dizia da romaria da Senhora das

Dores: “Aqueles homens vermelhos como lacre, com uma barriga que acomodava 20 alqueires

de milho, agarravam num pedaço de frango e toucinho – que previamente tinham sido

escangalhados para dentro de grandes alguidares – e enchendo a boca devoravam tudo sem dó

nem piedade. As mulheraças, carregadas de ouro, desfiavam uma lenga lenga de versalhada

capaz de encher de vergonha o cavalheiro que se chegasse ao pé delas.”

Fig. 36 - Silva Mendes

O professor do liceu de Macau, divagando também sobre essa romaria – “a que metia

mais fogo e onde se queimava melhores vacas” – caracteriza do seguinte modo o brasileiro

conde:

«Já dos seus sessenta era sempre o juiz de todas as grandes funções. Era gastar à larga.

Ele pagava e fazia figura. E, se a juíza era rapariga pobre, mais se entusiasmava: chamava-a a

casa e, se era dada, condecorava-a com um cordão d’oiro…»

«Em palanque, …, enflorado de murtas e rosas, estava o conde, sorridente e triunfante,

com a juíza, os mordomos e o regedor.»

Enquanto tocava a banda dos Conceições e os fogueteiros Leandro de Negrelos e Lino de

Braga, os maiores, estoiravam dinamite à compita, «o pateta do conde, de olho na maiata, … –

que bem rebola!» Nesta altura, o preterido Melro já fabricava material pirotécnico. E havia, nas

redondezas, um outro fogueteiro chamado Quarta-feira.

A concorridíssima romaria da Senhora das Dores da Trofa, onde houve quem contasse 61

carros de melancias e 40 pipas de vinho, foi reanimada a expensas do conde de S. Bento mais

de cem anos após ser inaugurada, em 1768. Além da comparticipação nas obras da capela, o

titular concorria todos os anos com 500$000 rs. Entre outras modas muito próprias desse tempo

e dessa festividade, havia o «namoro de carreira», em que os rapazes aguardavam

pacientemente na fila a vez de chegarem à fala com a moça, agora já com sapatos abotinados de

67

meio tacão em verniz preto, e já não “ouradas e descalças”, conforme tinham vindo em rancho

por caminhos e veredas.

É bem provável que o sucesso do conde de S. Bento não se devesse apenas ao facto de

ser muito rico e liberal, mas também ao sotaque carioca que, certamente, escondia nos

discursos oficiais, mas revelava às “juízas”! É que o nobilitado tirsense era tido como um

constante e temerário fazedor de “juízas”.

«O carcereiro – refere o macaísta avense – posto que, com receio de perder o cargo

tirasse o chapéu ao “senhor conde”, no íntimo, odiava-o; ficou a odiá-lo desde o dia em que

soube que ele pretendia fazer juíza uma filha que tinha de dezasseis anos. “A besta! (dizia entre

dentes a mãe sempre que o titular lhe passava à porta ou lhe olhava para a Ermelinda) que faça

juíza a burra…»

«A cadeia ficava quase no centro da vila em uma viela paralela à rua principal. O conde,

quase sempre, não obstante infrutíferas, posto que luzentes, tentações armadas por boca à

Ermelinda, dava preferência em seus passeios a essa rua escura.»

*

Mais tenebrosa ainda era a suposta relação do conde com um sujeito patifão que vivia a

seu soldo e fora alcunhado de Jafo. Servia, este bonifrate, a especiais préstimos.

Com efeito, o biltre assistira o brasileiro na ocasião em que fora necessário contratar

falsas testemunhas para condenar a prisão efectiva um gizador de assaltos de nome Lourenço

que operava na vila e arrabaldes. Condenando o meliante à prisão, o conde vingava uma

tentativa de roubo de valores entre os quais estava a sua famosa vara de juiz, e conquistava pela

força a tranquilidade de pacífico sono que, debalde, tentara obter do jagodes peitando-o com

uma avença.

O julgamento do Lourenço parece que foi muito faceto, com as testemunhas a jurar falso

sobre os Santos Evangelhos com o dicionário do Roquete que pertencia ao escrivão Trepa,

desfechando na almejada condenação do réu.

O Jafo, conseguido o intento, apareceu morto cosido à facada numa valeta perto da casa

do conde. Lourenço não morreu na cadeia, de bala ou forca, como tantos outros, mas de

indigência.

Nestes montes circunvizinhos actuavam, ao tempo, muitos larápios célebres, tais como o

Tábuas, o Faísca, os Vendas, os Ribeirões, o Pap’Açúcar, o Engenha, o Santa Marinha, o Faca-

de-Mato, o Conca… e o próprio Lourenço e seus apaniguados.

O autor da crónica rascunhada há um século é muito agressivo em relação ao benemérito

brasileiro: «O conde era, de facto, uma besta…» e «foi seringueiro (e o sobrinho) no Pará…»

Bem se vingou do detractor o espírito do conde, forrando a sua antiga casa de cerâmica Shiwan

e outras artes, no bazar que, por fora, é de azulejos.

Mas onde fui eu buscar a ideia de que o conde gostava destes contos e ditos?

O titular, através da injecção de contos de reis, impunha programas festivos de generosa

grandiosidade: na véspera (sábado), fogo do mais bravo, duas vacas, três Zés-pereiras, duas

músicas, mosteiro, rio, vila tudo cheio de bandeiras e lamparinas; no dia (de manhã), missa

cantada de 20 padres, orquestra do Porto, solos de órgão, trabalhos de carranca para o rapazio,

sermão por pregador famoso, com o conde de farda rica em assento proeminente; de tarde,

outro sermão, procissão com andores, anjinhos, estandartes, padres, duas músicas, zés-pereiras,

muito fogo, cruzes de prata… e o conde ao lado da juíza.

Como é óbvio, quem organiza as festas de S. Bento como ele o fazia, além de, mesmo

perto dos oitenta anos, estadear pelas diversas romarias minhotas não faltando a praticamente

nenhuma, depressa granjeava notoriedade nos meios cosmopolitas.

Foi o caso de um empresário do Porto que levou à cena um quadro teatral, chamado

“Processo do Rasga” em que o conde era caricaturado. Aparecia na procissão de S. Torcato –

outra romaria famosa – de opa e vara, envolvido num rancho de raparigas a dançar o vira da

Maia. A prelazia portuense refilou, mas o conde, ao que parece, assistia à opereta e gostava.

68

Aquilo que foi colhido das notícias da época e reescrito, pude confirmar que o

romancezinho constitui uma novelização fiel; quanto ao resto – que terá chegado ao Dr.

Mendes pela tradição oral – não o pude confirmar pois fui, na anterior reincarnação,

matemático em Tenochtitlan.

Isto vem a propósito porque há 100 anos, na distante Macau, o colega tirsense de

Wenceslau de Morais e de Camilo Pessanha, estaria rascunhando a vida romanesca do

Lourenço Ladrão entremeada de farpas verrinosas à memória de Manuel Ribeiro.

69

19 - Santo Tirso, 2 de Maio de 1908

MOLHO DE BARBAS (19)

A MARCHA «AUX FLAMBEAUX» – PRENÚNCIOS DE FUROR – BIRRA E

BIGODES – MAIS DEPRESSA SE APANHA UM MENTIROSO… – NASCIMENTO

DA AVENIDA – ELEIÇÕES

Reminiscência lusa das marchas dos Santos Populares, a marcha “aux flambeaux”

continuava a ser um misto de divertimento quase espontâneo e de uma manifestação

comemorativa realizada, como o nome indica, com fachos.

Embora, no início do século, se fizessem por toda a Europa, era um costume muito

arreigado à tradicional queda louvaminhas dos portugueses, deveras exercitado há cem anos

como consequência das fracas condições de iluminação pública que o petróleo e o gás

impunham.

Um grupo de rapazes da vila abria uma subscrição, com o fim da aquisição de balões

venezianos, archotes, foguetes, bandeiras, comes e bebes.

As notícias raramente dispensavam para as «marchas» a incorporação de um

avultadíssimo número de manifestantes e a presença de duas bandas de música.

As marchas «aux flambeaux» eram comuns por todo o país. Quem não quisesse gastar

dinheiro e divertir-se ia aos bailes campestres, às sessões de fogo de artifício, às feiras, às

«retraite» e às marchas aux flambeaux. Os forasteiros pagariam a despesa toda.

As ruas eram iluminadas com fachos e gás acetileno.

As aclamações dos ditosos homenageados eram constantes; nas janelas das casas

colocavam-se bandeiras e, nalgumas varandas, queimavam-se fogos de Bengala.

Os edifícios brilhavam com milhares de tigelinhas com o efeito de renques de lumes de

gás em caprichosos arabescos sobressaindo ao meio, como centenas de rubis, os copinhos

vermelhos à minhota.

*

Está no hospital de Santo Thyrso, barbaramente espancado, o guarda da barraca n.º 2 da

linha de Guimarães. Augusto Folhadela, dois polícias e um inspector descobriram rapidamente

os criminosos que, sendo empregados da companhia, agiram a mando da mulher do capataz.

Fig. 37 - Hospital de Santo Tirso

Acidente de trabalho, em Famalicão – «O empregado da câmara encarregado da

iluminação pública quando há dias descia de um lampião caiu desamparado no passeio, por se

70

ter partido a escada, recebendo na cabeça um ferimento tão grave que não voltou a recuperar o

uso da fala, até que faleceu esta noite.»

O horrendo crime de Brito está a ser julgado em Guimarães por um juiz conhecedor da

falibilidade humana.

O réu, António da Silva, por ocasião da formação do corpo do delito, ao ser interrogado

pelo juiz, tentou negar as declarações feitas na polícia, declarações em que dizia que a vítima

havia sido estrangulada com a sua própria faixa. O juiz, voltando-se para ele, disse-lhe:

– Não negue pois já disse que foi com essa faixa. E apontou para a que o António trazia.

Este imediatamente respondeu:

– Não foi com esta, foi com a dele.

E estava conhecido o culpado!

*

Hipólito Passy “descobriu” que «as leis dos pobres são as leis da miséria».

Camilo Castelo Branco, vituperando a “universal cantilena dos hinologistas da instrução

primária das aldeias” escreveu: “Vila Nova de Famalicão é a mais estúpida comarca da

província do Minho, depois de Soajo. Na aldeia em que vivo há vinte anos, não há um aluno de

escola.”

Segundo os diários que se publicam no Porto e que recebiam as notícias de última hora

pelo “telephonio”, a escola primária de S. Miguel de Ceide, há cem anos, porque tinha

professor, já teria alguns alunos. “Despedidos professores, entre os quais o de S. Miguel de

Ceide, por o governo não ter pago os respectivos aluguéis (sic). A câmara já há muito tinha

entrado com o dinheiro para aquele fim nos cofres do Estado.» A câmara pagava ao Estado,

mas o Estado retinha o dinheiro dos pobres professores…

Em Santo Tirso, o fado era o mesmo com as aulas das freguesias a serem ministradas em

tegúrios descaliçados ou sótãos sufocados e esconsos, mas os comunicadores eram imperitos,

não chegando as funestas novas aos diários importantes.

Chegou a Lisboa, tuberculoso, Godide, filho do régulo Gungunhana.

Façamos votos para que o vírus não tenha contaminado os cães de colo e de raça que, por

esse Portugal florescem e que vão à exposição canina de Lisboa. Os caminhos de ferros,

durante o certame, dão direito aos bichos a viajarem gratuitamente.

Fig. 38 - Entre os transeuntes, viam-se alguns sem bigode

71

Que mal faziam os bigodes? «Um sujeito desta vila deu-lhe na cabeça para embirrar com

bigodes. Na terça-feira pagou a dois indivíduos vinho, broa e bacalhau para eles irem fazer os

bigodes de que usavam há muito tempo, ao que se sujeitaram só para beberem e comerem o que

lhes oferecia. Ou a sede e fome era grande, ou tinham em pouca estima as suas barbas.»

Tentando assistir a um escorreito nascimento da futura Avenida Sousa Cruz, José Coelho

de Andrade, desta vila, requer que a Câmara represente à Direcção das Obras Públicas para

que, nos Estudos da variante da estrada distrital n.º 23 mandados efectuar pelo governo, se

atenda o seguinte: a variante deve ficar perpendicular à avenida que vai da praça Campos

Henriques ao Corvilho; assim será o trajecto mais curto e económico, e daria grande vantagem

às edificações. A petição foi indeferida pela vereação por o assunto já ter sido tratado na

reunião camarária de 11 de Abril.

O vereador substituto Abel da Costa Leite é debutante nas reuniões da Câmara em que os

camaristas aprovam um adicional de 15% – igual ao ano anterior – às contribuições directas do

Estado, predial, industrial, renda de casas e sumptuária para receitas de 1909.

José Cardoso Santarém fornece à Câmara dois copiographos por 5$000 rs.

Em suplemento publicado pelo Comércio do Porto no dia 6 de Abril de 1908 são dados

conta dos resultados das eleições para deputados realizadas no dia anterior.

Em Santo Thyrso houve acordo, sendo a maioria governamental de 2.300 votos e a

minoria dissidente 1.209. Os nacionalistas obtiveram 711 votos e os republicanos 190.

Como se verá, ao acordo para a publicitação dos resultados não sucedeu trégua política…

bem pelo contrário!

Volvidos 20 anos e 22 dias sobre o acidente do teatro Baquet do Porto, consumido na

catástrofe de 21-3-1888, acaba de ser devorado pelas chamas o S. João. As labaredas

engoliram, na sua sanha roaz, o piano Bechstein.

Quando os hebdomadários tirsenses começam a relatar a tragédia que provocou o

destroço do teatro portuense de S. João, já na cidade invicta se discutia a necessidade de

urgentemente reedificar as ruínas para teatro lírico… posto que o Porto estava a ficar sem salas

de espectáculos.

Contrariamente às desconfortáveis e dignas de chacota sessões tirsenses do

cinematógrafo, no Porto, o Salão Pathé à R. de D. Carlos, classificava-se como “Salão de

primeira ordem, cómodo, seguro e asseado – Programas sempre variados com fitas recebidas

directamente dos fabricantes! Rendez-vous da gente chic. Óptima música (sexteto).”

72

20 - Santo Tirso, 9 de Maio de 1908

O MONTE DOS ECOS UIVANTES (20)

27 .º ANO DE PUBLICAÇÃO DO JORNAL E IMPRENSA RAMERRANEIRA – O

MAFARRICO DO ECO – ACLAMAÇÃO DE D. MANUEL II – JOGO DO DIABO –

INDÚSTRIA SINGULAR – INQUÉRITO À SITUAÇÃO DO OPERARIADO

O primeiro periódico que se editou em Santo Tirso iniciou a sua publicação em 11 de

Maio de 1882; o segundo, em Maio de 1886, com vida efémera, baqueando no próprio ano de

nascimento, por ataque, segundo o seu director, de duas mazelas fatais, as gralhas tipográficas e

os calotes dos assinantes; de parecido achaque sofreu a terceira publicação, iniciada em 1892;

em 1898 nasceu a quarta gazeta, mais vigorosa, que recentemente se finou.

Tínhamos, pois, há cem anos, dois jornais que, ora apoiavam comummente causas

públicas, ora se digladiavam trazendo a discussão política para níveis baixos e originando, até,

tiroteios.

Logo após a implantação do regime republicano, surgiram ou sucederam-se, até à década

de 30, quase duas dezenas de publicações, que já desapareceram de Santo Tirso, sem deixar

rasto.

Isto é, em dois períodos de 17 anos que medeiam 1882 e 1898, um, e outro entre 1910,

ano do aparecimento do jornal «Lucta Operaria» e 1927, ano do surgimento do «Ecos da

Trofa», despontaram quatro gazetas no primeiro período e cerca de vinte no segundo.

*

Antigamente, quem falasse alto junto à entrada do Mosteiro, produzia-se um enorme eco,

para os lados da eira da quinta de fora do Asilo Agrícola, o que fazia com que muitas moças se

escusassem a ir à água à fonte do terreiro. “Antes à fonte da Maria Velha duas vezes e com uma

bilha de almude, do que ao terreiro com um púcaro de canada!” – diziam. Outras, mais

temerárias e finórias, apoiavam-se em receios supostos para que as amas (nome tirsense das

patroas) as mandassem preferencialmente à fonte da Maria Velha, lugar mais recatado para

namoricos. E, por isso, chamavam maçónicos aos que não acreditassem nas origens funestas e

diabólicas do mafarrico do eco!

Fig. 39 - A Fonte do Terreiro

73

Num elegante barco rabelo, envernizado, medindo 17 metros de comprido, estavam

patentes ao público mundial, na exposição do Rio de Janeiro, finíssimos vinhos do Porto que

remontavam a 1812, 1815, 1820, 1834, 1840, 1858, 1860, 1868, 1870 e 1880.

Os americanos, excêntricos aos olhos da velha Europa, conceberam uma companhia

denominada «Westmoreland Automatic Shoe Cleaning Machine & Cº, ou seja, uma empresa

para a exploração de limpar botas por meio de electricidade. Num grande salão de New York

funcionam dez ou vinte daquelas impressionantes máquinas!

A Companhia Portuense de Panificação a Vapor apresenta “Pão Fabricado à Máquina”,

com garantia de limpeza e higiene.

Também no Porto, andam a substituir os bicos dos candeeiros por bicos Auer NBI

produzindo um belo efeito.

A cidade invicta está sem bispo: D. António Barroso foi para Lisboa à aclamação de D.

Manuel II, acompanhado de seu fâmulo rev. António Alberto Barbosa. Ficou governando o

deão e provisor do bispado, rev. Cónego Dr. Coelho da Silva. A aclamação real foi em 6 de

Maio de 1908.

*

O Jornal de Santo Thyrso, a comemorar 26 anos, dá conta, através do seu enigmático

correspondente na Trofa, da representação de “O Triunfo da Trindade” num barracão de

Bairros; pede providências ao administrador do concelho para uma tascas manhosas onde há

desordens todas as noites por causa da jogatina.

Fig. 40 - A imagem que ficou da cadeia foi a da sua demolição

O Dr. Eduardo Costa Macedo ofereceu, a cada preso da cadeia comarcã, meia garrafa de

vinho e 800 reis.

Foi feriado, desde quarta-feira, 6 de Maio, até sábado.

Na Assembleia Thyrsense há soirée, abrilhantada pela famosa tuna quinteto «Ajaja»

composta de rapazes da nossa sociedade. O programa constou de sarau literário-musical, com

dança até às 3 da madrugada.

Retiraram para Penafiel as filhas do Dr. Rodrigues Ferreira, D. Maria Cristina e D. Ema

Augusta Rodrigues Ferreira.

As duas últimas reuniões camarárias revestiram caracteres substancialmente diversos: na

de Abril tratou-se da vacinação e revacinação de crianças e adultos, do caminho de ferro de

Meinedo a Lousado, do novo matadouro, da rectificação do contrato de iluminação pública e do

projecto para o “alargamento, calcetaria e passeios na rua do Pinheirinho, nesta vila”.

74

Fig. 41 - O Pinheirinho, há cem anos, era já uma risonha povoação

A reunião camarária de 6 de Maio, extraordinária e sob a presidência do vereador mais

velho, Manuel Maria Frutuoso, visava apenas produzir uma proclamação monárquica

sublinhando a aclamação de el-Rei.

Todos se divertem com ele: além das crianças, senhoras e até os homens graves e sérios.

É o jogo do Diabo – Diabolo – brinquedo de invenção chinesa, a que os habitantes do

Império Celeste nomearam “kwen-gen”.

Um brinquedo ruidoso, composto de dois cilindros ocos de metal, pau ou bambu, ligados

ao centro por um travessão.

Produz um zumbido como o do pião metálico e representa grande perigo para os espelhos

e porcelanas e, na rua, para os transeuntes.

Este diabolo continua a ressurgir, com intermitências temporais, das entranhas do

negócio do plástico. E, como há quem recorde, em Santo Tirso, ter visto respeitáveis senhores a

jogar o io-io na via pública, porque não imaginar há cem anos rapazes famosos a lançar ao ar o

seu jogo do diabo?

*

Numa grande cidade, como o Porto, sucediam inúmeros acidentes provocados pelos

novíssimos 85 carros eléctricos, em circulação vertiginosa e tresloucada acompanhada de

insistentes toques de campainha, com ou sem americanos atrelados. Frequentemente caíam ao

Douro. As primeiras vítimas dos embates eram os muares das carroças, mas os cocheiros e os

transeuntes também contribuíam para o êxito da encantadora morena…

Indústria singular! Expediente centenar.

Foi julgada e condenada a três meses de prisão, uma rapariga morena, muito formosa,

que exercia uma indústria singular. Passeava todo o dia, à busca de desastres. Quando sucedia

algum, um homem esmagado por um carro, ou um indivíduo acometido de um insulto

apopléctico, ei-la que corria imediatamente à farmácia mais próxima, pedindo socorro,

chorando:

– Meu pobre irmão! Que desgraça!

Ou então:

– Heitor! Heitor! Que fatalidade!

O povo que se aglomerava deixava-a passar condoído e seguia-a curioso.

75

Chamava-se um trem, a rapariga instalava-se ao lado da pobre vítima do acidente, dava

uma morada qualquer ao cocheiro e, a caminho, ia roubando ao desgraçado, ferido ou

apopléctico, bolsa, relógio, corrente, carteira, tudo o que tivesse valor.

Chegava a qualquer parte, mandava parar, «ia prevenir a família», e o cocheiro lá ficava à

espera.

Claro está que nunca mais aparecia. E, tantas vezes foi o púcaro à fonte…

*

Em 9 de Maio o médico e deputado republicano J. Estêvão Vasconcelos (1869-1917)

apresentou à Câmara dos Deputados o seu primeiro projecto de «Indemnizações a operários por

desastres no trabalho». Em 16 de Março do ano seguinte, voltou a defender o seu projecto de

lei, sem lograr mais uma vez que a respectiva comissão parlamentar emitisse qualquer parecer

sobre o assunto.

Da inquirição à situação do operariado, feita através de um inquérito da Direcção-Geral

do Comércio e Indústria, Repartição do Trabalho Industrial, resultam as seguintes conclusões:

«São terríveis as condições de vida e de trabalho do operariado: ausência de contrato de

trabalho, pagamento à jorna ou empreitada, baixos salários, trabalho feminino e infantil,

duração do trabalho entre as 10 e as 12 horas, descanso para almoço de 1/2 hora no Inverno,

não distinção entre trabalho nocturno e diurno, elevada sinistralidade e morbilidade

(nomeadamente, tuberculose), total ausência de protecção social, incipiente desenvolvimento

do mutualismo, recurso à solidariedade operária em caso de morte ou incapacidade temporária

ou permanente, etc.»

76

ÍNDICE DAS GRAVURAS

Fig. 1 - O Cemitério, entre a Igreja e a Rua do Ave (avenida da ponte) ............................................... 9

Fig. 2 - Frontal à Matriz, havia um lago ................................................................................................ 14

Fig. 3 - Estimativa da emigração de Portugal para o Brasil ................................................................ 17

Fig. 4 - Brincadeiras de há 100 anos, sob vigilância atenta .................................................................. 18

Fig. 5 - Projecto do Hotel na Quinta do Mosteiro da autoria de Teixeira Lopes ............................... 20

Fig. 6 - P.e Castro .................................................................................................................................... 23

Fig. 7 - A Creche de Santo Tirso ............................................................................................................ 24

Fig. 8 - O jovem monarca D. Manuel II: Morreu o Rei, viva o Rei! ..................................................... 27

Fig. 9 - Junto às árvores a futura Av. Sousa Cruz e o traçado da rua que vem da Pç. Conde de S.

Bento (Cons. Campos Henriques) para os lados do Tribunal (Corvilho) ........................................... 28

Fig. 10 - O Alto da Feira foi Praça Visconde de S. Bento, Parque Conde de S. Bento e é, hoje, o

Parque D. Maria II .................................................................................................................................. 29

Fig. 11 - Na esquina do, então, Campo 29 de Março com a Rua Cirilo Machado, a casa onde nasceu

António Faria Carneiro Pacheco ............................................................................................................ 30

Fig. 13 - Efígie de D. Carlos (e da Rainha) em medalha comemorativa dos 500 anos da descoberta

da Índia (1898) e moeda de 10 reis que circulava há cem anos ........................................................... 31

Fig. 14 - No fim da feira, o Zé sem dinheiro para pagar a décima (cliché de José de Varziela) ....... 33

Fig. 15 - Campo da Feira há cem anos ................................................................................................... 34

Fig. 16 - A Feira da Louça (do Prado) resistiu até ao séc. XX (Alvão)................................................ 35

Fig. 17 - Assinalados os locais onde se realizam/realizaram Feiras ..................................................... 36

Fig. 18 – Passos Manuel .......................................................................................................................... 38

Fig. 19 - Hotel Caroço que Narciso Correia da Silva apresenta, em 1908, totalmente remodelado . 39

Fig. 20 - O Cinematógrafo (1885) tanto era máquina de fotografar como de projectar ................... 40

Fig. 21 - Casas, na antiga Rua Faria Guimarães .................................................................................. 43

Fig. 22 - Em destaque, os caminhos ou quelhas que permitiam a circunvalação norte à Rua .......... 44

Fig. 23 - Rodrigues Ferreira ................................................................................................................... 48

Fig. 24 - Evolução da população prisional durante a vida da cadeia, demolida em 1915.................. 49

Fig. 25 - Subindo o “Burgo das eras passadas” ..................................................................................... 50

Fig. 26 - Descendo a “Vila galharda e gentil”........................................................................................ 51

Fig. 27 - Perspectiva antiga do claustro beneditino .............................................................................. 53

Fig. 28 - Da rua do Progresso o acesso à rua do Ave (ponte) ............................................................... 54

Fig. 29 - Caldas – concorrido estabelecimento hidroterápico .............................................................. 55

Fig. 30 - Hotel Termal – venceria o temor da morte da água às mãos da distância .......................... 56

Fig. 31 - Av. Nova (do Campo Novo) vista da quinta de fora do Mosteiro ......................................... 59

Fig. 32 - A eira da quinta de fora donde se via, à noite, a iluminação a acetileno da Av. Nova ........ 60

Fig. 33 - Homenagem à memória de Luís Alberto ................................................................................ 62

Fig. 34 - E, através dele, a todos os artistas tirsenses ............................................................................ 63

Fig. 35 - O edifício – convento de S. Agostinho – que albergou o Liceu de Macau desde 1894 ........ 65

77

Fig. 36 - Silva Mendes ............................................................................................................................. 66

Fig. 37 - Hospital de Santo Tirso ............................................................................................................ 69

Fig. 38 - Entre os transeuntes, viam-se alguns sem bigode .................................................................. 70

Fig. 39 - A Fonte do Terreiro .................................................................................................................. 72

Fig. 40 - A imagem que ficou da cadeia foi a da sua demolição ........................................................... 73

Fig. 41 - O Pinheirinho, há cem anos, era já uma risonha povoação .................................................. 74