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28 REVISORES AUDITORES JAN/MAR 2007 Contabilidade A Versão Portuguesa das Normas Internacionais de Relato Financeiro

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A Versão Portuguesa das Normas Internacionais

de Relato Financeiro

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Têm surgido não só em diversos órgãos de comuni-cação como em reuniões públicas várias críticas àversão portuguesa das Normas Internacionais deRelato Financeiro (IFRS), publicadas no JornalOficial das Comunidades sob a forma deRegulamentos Comunitários.

O objectivo do presente artigo é o de dar a conhe-cer o processo que foi seguido na tradução dessasnormas de contabilidade, que, como é do conheci-mento da maioria dos técnicos, foram produzidaspelo International Accounting Standards Board

(IASB) originariamente em língua inglesa. Pretende-se, de uma forma indirecta, dar respostaa essas críticas. Nelas, é por vezes difícil distinguiro que são as discordâncias quanto à tradução paraportuguês da versão original em língua inglesa, doque são as discordâncias quanto à substância des-sas normas contabilísticas. Muitas vezes critica-se atradução, quando o que se está criticar são os con-ceitos e as soluções constantes dessas normas inter-nacionais.

A União Europeia aprovou em Junho de 2000 umconjunto de medidas que tinham a finalidade detornar a Europa mais competitiva num mercadoglobal em pleno crescimento, a chamada Estratégiade Lisboa. Um dos pontos era a adopção das nor-mas internacionais de contabilidade. As grandesempresas europeias que negociavam nos principaismercados financeiros e de capitais mundiais expe-rimentavam sérias dificuldades face às exigênciasdas entidades reguladoras das grandes bolsas mun-diais, no que se refere à qualidade e normalizaçãoda informação financeira disponível aos investido-res. A principal bolsa do mundo, a de Nova Iorque,é extraordinariamente exigente quanto à qualidadeda informação financeira das empresas que nelanegoceiam, obrigando as empresas a apresentar assuas contas preparadas de acordo com as normasvigentes nos Estados Unidos. Acrescenta-se quemesmo com tais requisitos não foram evitados osescândalos financeiros de todos conhecidos.

Apesar da existência de directivas europeias denatureza contabilística, a linguagem contabilísticaadoptada pelos vários Estados Membros enfermavade uma falta clara de regras comuns que tornassema informação compreensível por todos e compará-vel. Alguns responsáveis chegaram a afirmar quenesta área se estava perante uma autêntica Torrede Babel.

A realidade é que as directivas se revelaram insufi-cientes e incapazes de responder às necessidadescrescentes de informação financeira num mundo emrápida evolução. Isto porque, por um lado o seuprocesso de actualização não acompanhou o cons-tante desenvolvimento dos mercados financeiros ede capitais, e por outro lado, elas não constituíampropriamente um conjunto de normas conducenteao pretendido objectivo de comparabilidade, dadoo elevado número de opções que deixava à discri-ção quer dos Estados-Membros quer das própriasempresas.

A decisão política da UE de adoptar as normasinternacionais de contabilidade foi a resposta pos-sível à alternativa que seria humilhante da adopçãopura e simples das normas americanas.

A adopção das normas internacionais teve comoconsequência imediata a aplicação de normas con-tabilísticas que estavam fora do contexto tradicio-nal e da linha de pensamento contabilístico quedurante muitos anos vigorou nos países maisinfluentes da Europa.

Em termos gerais, as novas normas não apresentamdiferenças muito substanciais ao que se vinha pra-ticando. Contudo em termos conceptuais e termi-nológicos representam um corte com toda a tradi-ção contabilística existente. Trazem com elas umconjunto de conceitos, de terminologia, de proces-sos e de regras que diferem sensivelmente da cultu-ra existente. Até a forma de elaboração, de prepa-ração e de apresentação dessas normas é diferente.Mas o que é inegável é que dão uma melhor respos-ta às necessidades de informação dos mercados.

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Face a tal, e como se compreenderá, o processo detradução das normas internacionais foi algo com-plexo, dada a nova realidade contabilística.

Neste artigo, aborda-se de uma forma muito geralo problema da sua tradução dentro da UE, a orga-nização do processo pelo IASB, a constituição daequipa portuguesa, e exemplifica-se com algumasdas principais dificuldades sentidas e as soluçõesencontradas.

Crê-se que este conhecimento contribuirá para aatenuação de muitas críticas. Há soluções que nãoserão as melhores mas poderão ser as menos más. As opiniões que são expandidas neste artigo sãoapenas da responsabilidade do seu autor, que foimembro da Comissão de Revisão da Tradução, nãovinculando de forma alguma os restantes membros

da Comissão que, como adiante se verá, foi compos-ta por um número bastante alargado de elementos.

O PROBLEMA DAS TRADUÇÕES NAUNIÃO EUROPEIA

Como é do conhecimento geral, não existe umaúnica língua oficial na União Europeia. No própriotratado constitutivo a solução encontrada foi a deconsiderar como oficiais todas as línguas dos paísesaderentes. Casos há de mais de uma língua do paísaderente (como exemplo, a Bélgica com duas lín-guas oficiais). Se atentarmos no actual número deEstados-Membros, facilmente compreendemos oproblema que é para a União Europeia emitir qual-quer documento oficial. Esse documento tem de ser

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publicado no Jornal Oficial em cada uma das lín-guas, e qualquer das versões passa a ter a mesmaforça jurídica em todos eles.

Para o efeito, existe um Departamento de especia-listas em tradução, os intitulados tradutores juris-tas, que está encarregado da tradução oficial detodos os documentos, designadamente dos que sedestinam a publicação no Jornal Oficial.

Quando foi tomada a decisão de adoptar as normasemitidas pelo IASB, cuja língua de origem é ainglesa, surgiu imediatamente, ao tempo, o proble-ma de as traduzir em mais de uma dúzia de lín-guas. Tal tarefa deve ter sido considerada incom-portável pelos responsáveis da UE, dado tratar-sede muito mais de um milhar de páginas de cariztécnico e com uma terminologia acessível apenas apessoas com a devida formação. Para além disso,havia pressões no sentido da urgência. Os recursosde tradução da UE não estavam em condições defazer o trabalho, mesmo com alargamento do pes-soal (recorde-se que a UE também tem problemasorçamentais).

A solução adoptada foi negociar com a entidadeproprietária dos direitos das normas internacionaisde contabilidade, a International Accounting

Standards Committee Foundation, a sua traduçãonas várias línguas. A razão de peso era a experiên-cia do IASB nesta matéria, uma vez que a nívelnacional já existiam traduções, umas oficiais,outras oficializadas e outras livres.

ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO DETRADUÇÃO PELO IASB

De posse desta “encomenda”, o IASB organizou-separa lhe dar seguimento. Em termos gerais, descre-ve-se o processo que, salvo situações pontuais, foi omesmo para todos os países:

1. Selecção de uma organização contabilística queem cada país pudesse servir de interlocutor ede coordenador do trabalho. No caso portu-guês, a entidade escolhida foi a Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, dados os seusantecedentes e de ser membro da International

Federation of Accountants. Com a devida auto-rização do IASB, a OROC tinha vindo, desdeo aparecimento das normas internacionais, atraduzir e divulgar essas normas à medida queiam sendo emitidas. Tinha também, algumasvezes, colaborado no processo da sua elabora-ção, respondendo a consultas e inquéritos;

2. Selecção, mediante um processo de consultacurricular e de provas, com a colaboração daOROC, de um profissional de tradução, dereconhecida qualidade, que, além de domíniobilíngue, tivesse um mínimo conhecimento dastécnicas contabilísticas e financeiras. Deviatambém dispor de modernas ferramentas infor-máticas, a nível de programas apropriados detradução. Este profissional dependia directamente em termos orgânicos do departamentodo IASB que em Londres fazia a coordenaçãogeral de todas as traduções. A sua relação coma OROC era meramente técnica e de mútua consulta.

3. Constituição de uma equipa, denominada Comissão de Revisão da Tradução das NormasInternacionais de Relato Financeiro, que defi-nisse a tradução dos chamados key terms

(termos e expressões usados recorrentemente nas normas) a qual seria posta à disposição doprofissional tradutor. Após uma primeira tra-dução, competia à Comissão fazer a revisão dotrabalho do tradutor. Essa equipafoi constituída por um coordenador e por elementos de reputada experiência abrangendo asmais vastas áreas do conhecimento contabilís-tico;

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4. Criação, por via da internet, de um sítio comuma área reservada, para remessa de todo omaterial, num sentido e noutro, bem comopara a troca de correspondência.

CONSTITUIÇÃO DA EQUIPA DETRADUÇÃO DAS IFRS PARAPORTUGUÊS

Competindo à OROC a coordenação geral do tra-balho em Portugal, esta indicou como coordenadoro responsável pelo seu Departamento Técnico(actualmente o elemento responsável é um membrodo Conselho Directivo), ou seja, um técnico quepudesse de forma pronta dar seguimento a todo oexpediente e comunicações que fossem necessários

e que tivesse o indispensável apoio logístico. Bastaatentar nos prazos apertados para a tradução e asituação de dispersão dos membros da Comissão deRevisão para ver que a solução não podia ter sidooutra.

A constituição da Comissão de Revisão foi negocia-da com o IASB e submetida à sua aprovação.Integra, além do referido coordenador geral, asseguintes entidades (por ordem indiscriminada):

• Os dois elementos que, a expensas da OROC,tinham vindo a participar na tradução das normas existentes, muito antes de ser iniciado estenovo processo;

• Representantes das quatro maiores firmas internacionais de serviços de contabilidade eauditoria (PricewaterhouseCoopers, Deloitte &

Touche, Ernst & Young e KPMG):

• Representantes da Comissão de NormalizaçãoContabilística;

• Representante da Câmara dos TécnicosOficiais de Contas;

• Representante da Comissão do Mercado dosValores Mobiliários;

• Representante do Banco de Portugal;

• Representante do Instituto de Seguros de Portugal;

• Representante de Portugal no Comité deRegulamentação Contabilística (organismo decariz técnico que na UE propõe o endosso danormas contabilísticas).

Como se verifica houve a preocupação de que aparticipação fosse o mais alargada possível semperder eficácia.

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Todos estes elementos tiveram acesso ao processopor via internet e intervieram sempre que o enten-deram. Os conflitos que se levantavam eram resol-vidos, em última análise, pelo coordenador. Muitasdas questões foram transmitidas ao departamentodo IASB responsável por todas as traduções.

LIMITAÇÕES E DIFICULDADES DATRADUÇÃO

Tendo em atenção o enquadramento indicado,houve que estabelecer um conjunto de regras espe-cíficas para este tipo de tradução especializada.Deve estar sempre presente que o texto tem impactona futura solução de conflitos (não esquecer que hátribunais europeus). Estas regras foram assumidasapós a experiência das primeiras traduções.Indicam-se:

a) A tradução tem de ter rigor técnico e jurídico,e de forma alguma pode ser uma adaptação dasnormas internacionais às normas nacionais exis-tentes. Tem de ser completamente independente.Uma “melhor tradução”, isto é, num tipo de lin-

guagem mais acessível, poderia aparentementeconduzir na língua nativa a uma frase mais clarae correcta, com melhor redacção, mas corria-se orisco de alterar, mesmo que seja de forma apa-rentemente insignificante, o sentido da frase ori-ginal. Algumas experiências mal sucedidas de“boa tradução no sentido literário” obrigaram avoltar atrás. Teve que se optar por uma traduçãoliteral, o que veio ainda facilitar o trabalho dotradutor profissional, dada a utilização de avan-çados programas informáticos de tradução;

b) O mesmo termo ou a mesma expressão têm deter sempre a mesma tradução em qualquer norma. Como se compreende, daqui surgem gran-des dificuldades, pois não há na terminologia contabilística uma correspondência biunívocaentre a língua inglesa e a portuguesa, nem, creio,entre outras quaisquer línguas. As correspondên-cias são unívocas e multívocas. Basta citar o casode cost e expense, com sentidos diferentes na ter-minologia contabilística da língua inglesa, mas que na terminologia contabilística portuguesatêm um único termo correspondente que é o de“custo”. Houve por isso que manter na traduçãoa distinção, “custo” e “gasto”.

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c) As normas internacionais baseiam-se numa estrutura conceptual expressa que tem bastan-tes pontos de diferenciação com a estrutura conceptual implícita na normalização portuguesa.Basta atentar nos conceitos de activos, de pas-sivos, de rendimentos, de crédito, reconhecimento, mensuração, etc. É difícil na tradução usarum conceito, que embora vulgarizado no nosso país, não teria na tradução o mesmo sentido e âmbito. Por exemplo, que fazer ao termo portu-guês proveito? Traduzirá income? Traduzirá revenue?

d)Um caso flagrante da falta de sincronização entre as normas nacionais portuguesas e asnormas internacionais diz respeito à termino-logia usada quando se está perante a consolida-ção de contas. Nas normas internacionais, ascontas do grupo (empresa mãe e subsidiárias)são as contas consolidadas que se elaboram con-solidando na empresa mãe as contas individuaisdas subsidiárias. A empresa mãe pode, contudo,apresentar contas separadas, que são contas emque as suas subsidiarias (e associadas) sãocontabilizadas em face apenas do interesse directo de propriedade. Nas contas separadas,as empresas não relatam os resultados obtidos durante o período, mas apenas os distribuídosde períodos anteriores, em face apenas do inte-resse directo. Esta divergência de concepção e de terminologia está a provocar grandes dificulda-des não só em Portugal como em outros países daUnião Europeia, pois as directivas comunitáriastambém prevêem a existência de contas indivi-duais nas entidades que consolidam. O problemaestá em discussão ao nível da UE, desconhecendo-sese já foi atingida a solução. Na tradução, a solu-ção adoptada pelos tradutores foi a de traduzirseparate statements por demonstrações separadas

da empresa mãe e não “demonstrações indivi-duais” da empresa mãe, como à primeira vistaparecia ser indicado, face à terminologia nacionalconsagrada. E se se traduzisse separate porindividual como se traduziria individual

statements que tem um significado diferente nasnormas internacionais? A solução portuguesa foitambém a que os colegas espanhóis adoptaramna tradução, sem que tivesse havido qualquer troca de opiniões.

Muitos outros exemplos se podiam invocar parademonstrar as dificuldades havidas. O cerne doproblema continua a ser a existência de duas estru-turas conceptuais não coincidentes em alguns

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aspectos. Creio firmemente que tal dificuldadedesaparecerá, ou será quase totalmente eliminada,quando a Comissão de Normalização Contabilísticader a conhecer o futuro Sistema de NormalizaçãoContabilística, onde de uma forma louvável se fazuma grande aproximação às normas internacionais.Este Sistema incorporará também uma estrutura

conceptual em tudo semelhante à internacional. Espera-se assim que, após a divulgação do novoSistema nacional, que vem substituir o PlanoOficial de Contabilidade, acabará a maioria das crí-ticas à versão portuguesa das IFRS.

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Investimento em Acções - Tratamento

Contabilístico de Acordos com as Normas do

IASB

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Ana Isabel Morais CCoonnttaabbiilliiddaaddee

1. INTRODUÇÃO

As acções são um dos instrumentos financeirosmais utilizados pelas entidades portuguesas, quercomo aplicações financeiras de curto prazo quercomo investimentos de carácter permanente.

Contudo, apesar da utilização frequente deste ins-trumento financeiro por parte das entidades, sub-sistem ainda divergências e controvérsias no seutratamento contabilístico de acordo com as normasnacionais. Também a nível internacional, as nor-mas do International Accounting Standards Board

(IASB) relativas a investimentos financeiros têmsido sucessivamente revistas.

O objectivo deste artigo é o de identificar o trata-mento contabilístico dos investimentos em acçõesde acordo com as normas do IASB, uma vez que omesmo, nomeadamente na perspectiva do investi-dor, continua a ser um assunto não isento de polé-mica.

2. CLASSIFICAÇÃO DOS INVESTIMENTOS EM ACÇÕES

As normas do IASB, coincidentes com a legislaçãonacional quanto à classificação dos investimentosem acções, identificam três tipos de investimentos:investimentos em filiais (abrangidos pela IAS 27),investimentos em associadas (abrangidos pelas IAS27 e 28) e os outros investimentos (abrangidos pelaIAS 39).

A IAS 27 define filial como uma entidade que écontrolada por uma outra, designada por entidademãe. A IAS 27, contrariamente ao normativonacional, que é omisso, define o conceito de contro-

lo, o qual deve ser entendido como o poder de geriras políticas financeiras e operacionais da entidadede modo a obter benefícios das suas actividades.

A IAS 28 define associada como uma entidadesobre a qual o investidor tem uma influência signi-ficativa e que não é nem uma filial nem umempreendimento conjunto. A IAS 28, contraria-mente ao normativo nacional, que é omisso, defineo conceito de influência significativa como o poderde participar nas decisões de política financeira eoperacionais, mas sem as poder controlar, e apre-senta situações e indicadores de existência deinfluência significativa. Presume-se que se uminvestidor detém, directa ou indirectamente, 20%ou mais dos direitos de voto da associada exerceuma influência significativa, a não ser que possa serclaramente demonstrado que tal influência nãoexiste.

Os outros investimentos em acções são os que nãosão de considerar como investimentos em filiais ouem associadas, encontrando-se abrangidos pelasIFRS 7, no que diz respeito à divulgação de infor-mação, e pela IAS 39, no que diz respeito ao reco-nhecimento, mensuração e eliminação.

3. TRATAMENTO CONTABILÍSTICODOS INVESTIMENTOS EM FILIAIS

De acordo com a IAS 27, os investimentos em filiaisdevem ser reconhecidos, regra geral, como activosnão correntes.

Contrariamente ao normativo nacional que identi-fica como critérios de mensuração dos investimen-tos em filiais os métodos do custo e de equivalên-

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cia patrimonial, a IAS 27 refere que, nas demons-trações financeiras separadas1, os investimentos emfiliais devem ser mensurados inicialmente pelocusto de aquisição e, subsequentemente, pelo méto-do do custo ou pelo método do justo valor (IAS39), excepto se os investimentos forem de classifi-car como activos não correntes detidos para venda(IFRS 5). A IAS 27 refere, contudo, que deve seradoptado o mesmo tratamento contabilístico paracada categoria de investimentos.

A) MENSURAÇÃO PELO MÉTODO DO CUSTO

Caso a entidade opte por utilizar o método docusto, os investimentos em filiais mantêm-se pelovalor inicialmente atribuído. O investidor reconhe-ce o rendimento do investimento apenas até aoponto em que o investidor recebe distribuições deresultados acumulados da investida, após a data daaquisição. As distribuições recebidas em excessosão consideradas como uma recuperação do inves-timento, sendo reconhecidas como uma redução aocusto do investimento.

Adicionalmente, e de acordo com a IAS 36, na datado Balanço, quando se verificar um indicador inter-no ou externo, a entidade deverá ainda avaliar se oinvestimento em acções está ou não sujeito a impa-ridade, isto é, se o seu valor contabilístico é supe-rior ao valor recuperável. O valor recuperável é omaior entre o justo valor deduzido das despesascom a venda e o valor de uso do activo.

B) MENSURAÇÃO PELO MÉTODO DO JUSTOVALOR

A entidade poderá ainda mensurar os seus investi-mentos em filiais aplicando a IAS 39. A IAS 39identifica duas categorias de activos financeiros nasquais a entidade poderá reconhecer os investimen-tos em filiais: activos financeiros pelo justo valor

Ana Isabel Morais

1 - De acordo com a IAS 27, as demonstrações financeiras separadas são as que são apresentadas por uma entidade mãe, um investidor numaassociada ou um empreendedor numa entidade conjuntamente controlada, em que os investimentos são contabilizados na base do interessedirecto no capital próprio em vez de o ser na base dos resultados e activos líquidos relatados das investidas.

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através de resultados e activos financeiros disponí-veis para venda.

Os investimentos em filiais classificados como acti-vos financeiros pelo justo valor através de resulta-dos devem ser mensurados inicialmente pelo preçode compra, excluindo-se os custos de transacção, esubsequente pelo justo valor, com as variaçõesfavoráveis e desfavoráveis do justo valor reconheci-das em resultados.

Os investimentos em filiais classificados como acti-vos financeiros disponíveis para venda devem sermensurados inicialmente pelo custo de aquisição, oqual deve incluir os custos de transacção, e subse-quente pelo justo valor, com as variações favoráveise desfavoráveis do justo valor reconhecidas numarubrica do capital próprio.

C) CLASSIFICAÇÃO COMO ACTIVO NÃO COR-RENTE DETIDO PARA VENDA

Por último, os investimentos em filiais que verifi-quem o critério definido na IFRS 5 devem ser apre-sentados como activos não correntes classificadoscomo detidos para venda e evidenciados separada-mente, no Balanço, como activos correntes.

O critério para se proceder à classificação de umactivo não corrente como detido para venda assen-ta na forma de recuperação do seu valor contabilís-

tico. Assim, se o valor contabilístico do investimen-to numa filial for recuperado essencialmente atra-vés da venda e não do seu uso continuado, o que severifica quando o activo está disponível para vendaimediata no seu estado actual, nos termos usuaisda venda daqueles activos e sendo esta altamenteprovável, o investimento em filiais deve ser classifi-cado como um activo não corrente detido paravenda.

Os activos não correntes classificados como detidospara venda devem ser mensurados pelo menorentre o valor contabilístico imediatamente antes dadata da sua classificação como activo não correntedetido para venda e o justo valor na data doBalanço, deduzido das despesas que a entidadeprevê suportar na data de venda. A eventual dife-rença apurada entre o valor contabilístico do inves-timento e o justo valor deduzido das despesas coma venda deve ser reconhecida como gasto.

4. TRATAMENTO CONTABILÍSTICO DOSINVESTIMENTOS EM ASSOCIADAS

De acordo com a IAS 28, a mensuração dos inves-timentos em associadas depende de se o investidoré, ou não, uma entidade mãe que apresentademonstrações financeiras consolidadas.Se o investidor numa associada for uma entidademãe, ele deverá evidenciar, nas suas demonstraçõesfinanceiras consolidadas, o investimento em asso-

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ciadas pelo método de equivalência patrimonial(IAS 28), excepto quando os investimentos foremclassificados como activos não correntes detidospara venda (IFRS 5). Contudo, nas demonstraçõesfinanceiras separadas da entidade mãe, o investi-mento em associadas deve ser valorizado pelométodo do custo ou pelo método do justo valor(IAS 27).

Se o investidor numa associada não for uma enti-dade mãe, ele deverá evidenciar o investimento emassociadas pelo método de equivalência patrimo-nial (IAS 28) nas suas demonstrações financeiras,excepto se os investimentos em associadas foremclassificados como activos não correntes detidospara venda (IFRS 5). Nas demonstrações financei-ras separadas, caso sejam preparadas e apresenta-das, o investidor deverá adoptar para os investi-mentos em associadas o método do custo ou ométodo do justo valor2 (IAS 27).

O método de equivalência patrimonial, entendidocomo a regra geral de mensuração dos investimen-tos em associadas nas demonstrações financeira deuma entidade que não é entidade mãe, consiste emmensurar inicialmente o investimento pelo custo deaquisição.

Se, na sua data de aquisição, o custo do investi-mento for superior ao valor da participação doinvestidor no justo valor dos activos, passivos epassivos contingentes identificáveis da associada, adiferença deve ser reflectida no valor do investi-mento. Contrariamente ao normativo nacional,essa diferença não é amortizada.

Se, pelo contrário, na data de aquisição, o custo doinvestimento for inferior ao valor da participaçãodo investidor no justo valor dos activos, passivos epassivos contingentes identificáveis da associada, adiferença deve ser excluída do valor do investimen-to e deve ser reconhecida como rendimento do

período. Este tratamento contabilístico é divergen-te do previsto no normativo nacional, que naquelasituação não prevê qualquer movimento contabilís-tico.

Após a data de aquisição, e durante o período emque a entidade detém o investimento na associada,o valor do investimento deve ser ajustado de modoa incluir a parte que corresponde ao investidor nosresultados líquidos e nas outras alterações nos capi-tais próprios da associada reconhecidos nas suasdemonstrações financeiras. Adicionalmente, o valordo investimento deve ser reduzido devido à distri-buição de dividendos.

Por último, a entidade deverá aferir da necessida-de de reconhecer uma perda de imparidade. A IAS39 exige que as entidades avaliem, em cada data doBalanço, se existe ou não evidência objectiva deque os activos estão em imparidade. Se tal evidên-cia existir, a entidade deverá reconhecer uma perdade imparidade quando o valor recuperável do inves-timento for inferior ao seu valor contabilístico.

5. TRATAMENTO CONTABILÍSTICO DOS OUTROS INVESTIMENTOS

A IAS 39 identifica quatro categorias de activosfinanceiros: activos financeiros pelo justo valoratravés de resultados, investimentos detidos até àmaturidade, empréstimos concedidos e valores areceber, e activos financeiros disponíveis paravenda.

A classificação de um activo numa das quatro cate-gorias de activos financeiros determina uma formade apresentação diferente, no Balanço, e afecta asua mensuração subsequente.

Atendendo à definição de cada uma das quatrocategorias, podemos concluir que os outros investi-

CCoonnttaabbiilliiddaaddeeAna Isabel Morais

2 - Contudo, se nas demonstrações financeiras consolidadas os investimentos em associadas estão mensurados de acordo com a IAS 39, aentidade deverá adoptar o mesmo critério de mensuração nas demonstrações financeiras separadas.

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mentos em acções, regra geral, apenas podem serclassificados como activos financeiros pelo justovalor através de resultados ou como activos finan-ceiros disponíveis para venda.

A) CLASSIFICAÇÃO COMO ACTIVOS FINANCEIROS PELO JUSTO VALOR ATRAVÉSDE RESULTADOS

O reconhecimento de um investimento em acçõescomo activo financeiro pelo justo valor através deresultados pressupõe que a entidade tem a intençãode o alienar num futuro próximo, entendido geral-mente como três meses, e além disso procede a essereconhecimento no momento de aquisição dasacções. Os activos financeiros pelo justo valor atra-vés de resultados são apresentados no Balanço

como activos correntes, de acordo com o estabele-cido na IAS 1.

Os activos financeiros pelo justo valor através deresultados são mensurados inicialmente pelo preçode compra, não incluindo os custos de transacção,os quais devem ser reconhecidos de imediato comogasto.

Durante o período em que a entidade detém oinvestimento, as acções devem ser mensuradas pelojusto valor com as variações favoráveis e desfavorá-veis do justo valor reconhecidas em resultados.

Como as acções classificadas como activos financei-ros pelo justo valor através de resultados estão per-

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manentemente mensuradas pelo justo valor e asvariações do justo valor são reconhecidas em resul-tados, não é necessário proceder a qualquer testede imparidade.

B) CLASSIFICAÇÃO COMO ACTIVOS FINANCEIROS DISPONÍVEIS PARA VENDA

A categoria de activos financeiros disponíveis paravenda é uma categoria residual, isto é, nela devemser reconhecidos os activos financeiros que nãosejam de classificar nas restantes categorias de acti-vos financeiros. Os activos financeiros disponíveispara venda podem ser evidenciados, no Balanço,como activos correntes ou não correntes.

Os activos financeiros disponíveis para venda sãoinicialmente mensurados pelo custo de aquisição, oqual inclui o preço de compra e as despesas adicio-nais com a compra das acções.

Após o reconhecimento inicial, as acções devem sermensuradas pelo justo valor, com as variações dojusto valor reconhecidas directamente numa rubri-ca do capital próprio. Neste caso, como as varia-ções do justo valor não têm impacto imediato emresultados, é necessário que a entidade avalie, emcada data do Balanço, se existem ou não evidênciasobjectivas de que o activo financeiro está em impa-ridade. Se tal se verificar, a entidade deve calculara perda de imparidade pela diferença entre o custode aquisição e o justo valor corrente, retirá-la docapital próprio e reconhecê-la em resultados.

CCoonnttaabbiilliiddaaddeeAna Isabel Morais

BIBLIOGRAFIA

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MORAIS, A. e I. LOURENÇO, 2005, APLICAÇÃO DAS NORMAS DO IASB EM PORTUGAL, Publisher Team.