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Lobão - Entrevista concedida em Fevereiro de 2000 Uma conversa franca com o roqueiro mais explosivo do Brasil sobre prisões, CDs piratas, masturbação na cruz, invocação de exus, sexo, drogas & MPB Por Ivan Marsiglia Se dependesse de sua própria vontade, o cidadão João Luiz Woerdenbag Filho teria deixado de existir há muito tempo. Não que “Lobão” – como ficou conhecido esse carioca de 42 anos e sobrenome de origem holandesa, um dos roqueiros mais polêmicos do Brasil, adorado e odiado por muitos e com uma trajetória de 850 000 discos vendidos, quatro casamentos, uma filha de 11 anos e “alguns outros espalhados por aí”, muita droga, 5 prisões e 132 processos judiciais – ainda alimente o desejo de pôr fim à vida, materializado em pelo menos uma tentativa confessa de suicídio, em 1979. Hoje passando por um dos melhores momentos de sua carreira, o que Lobão quer mesmo é livrar-se do sisudo nome de família. “Acho fraudulento você ter que simpatizar com alguém por uma questão sanguínea”, diz ele, que estuda a maneira jurídica de, se não apagar nome e sobrenome de sua carteira de identidade, pelo menos incluir o apelido famoso em seus documentos – a exemplo do que fez o candidato Luís Inácio Lula da Silva, em quem, por sinal, Lobão votou nas duas últimas eleições presidenciais.

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Lobão - Entrevista concedida em Fevereiro de 2000

Uma conversa franca com o roqueiro mais explosivo do Brasil sobre prisões,CDs piratas, masturbação na cruz, invocação de exus, sexo, drogas & MPB

Por Ivan Marsiglia

Se dependesse de sua própria vontade, o cidadão João Luiz Woerdenbag Filhoteria deixado de existir há muito tempo. Não que “Lobão” – como ficouconhecido esse carioca de 42 anos e sobrenome de origem holandesa, um dosroqueiros mais polêmicos do Brasil, adorado e odiado por muitos e com umatrajetória de 850 000 discos vendidos, quatro casamentos, uma filha de 11anos e “alguns outros espalhados por aí”, muita droga, 5 prisões e 132processos judiciais – ainda alimente o desejo de pôr fim à vida,materializado em pelo menos uma tentativa confessa de suicídio, em 1979.

Hoje passando por um dos melhores momentos de sua carreira, o que Lobãoquer mesmo é livrar-se do sisudo nome de família. “Acho fraudulento vocêter que simpatizar com alguém por uma questão sanguínea”, diz ele, queestuda a maneira jurídica de, se não apagar nome e sobrenome de suacarteira de identidade, pelo menos incluir o apelido famoso em seusdocumentos – a exemplo do que fez o candidato Luís Inácio Lula da Silva,em quem, por sinal, Lobão votou nas duas últimas eleições presidenciais.

“Yo soy Lobón”, gosta de se apresentar o músico, num portunhol debochado.De fato, Lobão praticamente perdeu o contato com os parentes que lherestaram depois que sua mãe, a professora de Inglês Ruth Araújo de Mattos,com quem mantinha uma freudiana relação de amor e ódio, se matou em 1984.As nada menos de dezesseis tentativas de suicídio anteriores de Ruthacabaram por exaurir a paciência do primogênito: “Mandei-a para setepalmos abaixo da terra com muita felicidade”, diz ele numa das passagensfortes da entrevista que você vai ler adiante. O pai, o mecânico João LuizWoerdenbag, mora no Rio de Janeiro e cuida dos automóveis dos executivosda Rede Globo, mas Lobão e ele não se falam há cinco anos. O músico tambémnunca mais viu sua única irmã, Glória Maria Mattos Woerdenbag, que mora naHolanda.

Hoje em dia, a “família” do músico se restringe a alguns fiéis amigos e àesposa, a gaúcha Regina Lopes, de 34 anos, uma ex-fã que ele conheceu soba chuva de latas que levou no Rock in Rio de 1991. “Regina é minhacúmplice e parceira”, não se cansa de repetir Lobão, que considera esse orelacionamento mais importante de sua vida. Regina passou a ser tambémempresária do marido, depois que ele teve seu contrato com a gravadoraUniversal rompido após uma série de divergências.

Sem ter como lançar seu trabalho, Lobão saiu do impasse depois de

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consultar seu destino nas moedas do I-Ching. “Hora de morder”, respondeu ooráculo, e o lobo resolveu mostrar as presas novamente. Lançou, no finaldo ano passado, “Lobão Manifesto”, um produto independente, incluindo o CDA Vida É Doce, com faixa multimídia e uma revista, por 14,90 reais, bemabaixo do preço cobrado pelas grandes gravadoras.

O disco foi saudado pela crítica como um dos melhores da carreira deLobão. A mistura de rock embebido em samba de morro e bossa nova, compitadas de trip hop, caiu no gosto do público e, no mês passado, avendagem do CD ultrapassou as 38 000 cópias. O sucesso recompensou aousadia e o stress da produção do disco. Em março de 1999, durante asgravações, Lobão tomou um coquetel de calmantes e álcool que o deixou emcoma por quinze dias. De volta à vida, compôs o que considera sua primeiracanção “totalmente sóbrio”. O resultado é a faixa pungente que dá títuloao CD.

Ao que parece, ficaram mesmo para trás os tempos da “vida bandida” deLobão no final dos anos 80, quando ele chafurdava em drogas e álcool epromovia turnês ensandecidas – acompanhadas de perto por fãs entusiasmadose por uma polícia cada vez mais intransigente, que o enquadrou diversasvezes pelos mais variados crimes. Entre eles, desacato à autoridade,incitação ao uso de drogas e atentado ao pudor. Lobão acabou enjaulado emmaio de 1987, após ter sido apanhado com um papelote de cocaína noAeroporto do Galeão (hoje Tom Jobim), no Rio de Janeiro. Uma decisãoarbitrária da Justiça, segundo ele, que desconsiderava sua condição de réuprimário. Sem segundo grau completo, Lobão foi colocado em uma cela comumna Polinter, Divisão de Polícia Interestadual, no centro do Rio, ondeconviveu com traficantes e assassinos. Lá, colecionou histórias pavorosas.

A prisão foi o momento crítico da vida de um personagem polêmico. Lobãosempre oscilou entre a raiva e o escárnio, a virulência e o senso dehumor. Um dos expoentes, ao lado de Cazuza, Renato Russo, Herbert Vianna ePaulo Ricardo, do movimento que ficou conhecido como o “rock nacional” dosanos 80, ele não dá tréguas a esses companheiros de estrada. “A geraçãodos anos 80 parece bicicleta ergométrica, como o meu amigo Dé [o músicoAndré Palmeira, ex-Barão Vermelho] costuma dizer: não nos levou a lugarnenhum”, diz.

De fato, Lobão nunca se sentiu confortável em pele de roqueiro. Fundador ebaterista da Blitz – banda que projetou o rock nacional, da qual faziamparte Evandro Mesquita e Fernanda Abreu –, abandonou o grupo no momento emque ele explodia nas paradas. Nessa época já tinha na bagagem um discosolo, Cenas de Cinema, de 1982. Nos anos seguintes, tocou com Marina Lima,Ritchie e Gang 90 e formou sua própria banda, Os Ronaldos. Em 1986, denovo em carreira solo, compôs seu primeiro samba, A Voz da Razão, cantado

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em parceria com Elza Soares. Gravaria outros dois, em 1995, no álbumNostalgia da Modernidade. Não por acaso, Lobão detesta ver seu trabalhotachado de “pop rock” – rótulo que, acredita, o coloca como “subproduto”da MPB. “Qual é a diferença entre a minha produção musical e a do Caetano,a do Gil?”, pergunta ele.

O maior sucesso de Lobão, no entanto, continua sendo Vida Bandida (1987),seu disco mais roqueiro e visceral. Lançado no calor de sua saída daprisão, alcançaria a marca das 350 000 cópias vendidas. Mais intimista, onovo trabalho, A Vida É Doce, encerra uma trilogia iniciada com Nostalgiada Modernidade e Noite.

PLAYBOY encarregou o editor Ivan Marsiglia de entrevistar Lobão, em duassessões realizadas no Hotel Eldorado, em São Paulo, e na churrascariaPlataforma, no Rio de Janeiro. Foram no total 7 horas de gravação. Abaixo,as impressões do entrevistador:

“Não é com qualquer pessoa que se pode passar 4 horas consecutivas batendopapo sem que a conversa se torne chata. Lobão é um desses raros oradoresque jamais deixam a atenção do interlocutor cair. Rápido, inteligente,sarcástico, vai expondo opiniões e narrando histórias como se fossem cenasde cinema – nome, aliás, de seu primeiro disco solo. Como entrevistado, éum prato cheio: diz o que pensa sem eufemismos e não faz média comninguém.

“Difícil é conduzir, rumo a uma entrevista bem dosada, o turbilhão defatos, lembranças e histórias que ele dispara. Dá vontade de abandonar oroteiro predeterminado, pedir dois chopes ao garçom e deixar solta a vervedo lobo. Em nosso primeiro encontro, o músico só interrompia suas frasespara intercalá-las com baforadas de cigarrilhas baianas da marcaPalomitas. O incrível é que, mesmo quando envereda por uma históriacompletamente diferente da que vinha contando, Lobão jamais perde o fio dameada. Sinal de que, com todos os excessos que já praticou na vida, sualucidez continua a mesma, a exemplo de sua já notória resistência física.

“Falando de tudo e de todos, o lobo ainda morde. Mas, com o sucesso donovo disco e a ótima fase do casamento com Regina Lopes, ele parece maiscentrado, mais feliz. O mundo girou entre os discos Vida Bandida, de 1987,e A Vida É Doce, de 1999. Ao que parece, Lobão finalmente encontrou seulugar nele.”

PLAYBOY – Da vida bandida para a vida doce, mudou tudo para você?LOBÃO – Na verdade, tem algo muito parecido nesses dois momentos. Tantoantes como agora, estou brigando. Dia desses fui a um programa detelevisão e eles exibiram um videoteipe de uma entrevista minha no[programa] Roda Viva [da TV Cultura, de São Paulo] em 1988. Vi a minha

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expressão [faz cara de desespero], meus lábios tremiam, estava prestes achorar. Não conseguia entender por que estava preso, quando era réuprimário. Estava brigando com a polícia. No momento, a minha briga écontra o jabá e a pirataria oficial que se instalou no Brasil.

PLAYBOY – Você diz que a canção-título do novo CD, A Vida É Doce, foi aprimeira que compôs sóbrio. Isso é literal?LOBÃO – Literal.

PLAYBOY – Você bebia mesmo?LOBÃO – Bebia, me drogava, ficava muito louco. Fumava muita maconha,cheirava pó, tomava heroína. Quando parei de tomar drogas proibidas,passei a beber muito. E, quando consegui compor A Vida É Doce sóbrio,comecei a ter mais auto-estima. Percebi que tenho um contato com a minhacriatividade suficientemente intenso para não precisar da droga.

PLAYBOY – Em março você passou quinze dias em coma por causa de umaoverdose de calmantes misturados com álcool. Ficou a dúvida se tinha sidoacidente ou tentativa de suicídio. O que aconteceu?LOBÃO – Foi acidente. Estava muito ansioso para terminar o novo trabalho.Tinha decidido fazer um disco independente e tinha medo de não ter uma boarecepção. Então bebia para relaxar, mas a bebida não causava mais efeitoletárgico. Eu até conseguia pegar no sono, mas dormia 2, 3 horas eacordava elétrico, com vontade de trabalhar outra vez. Entrei noscalmantes mas também não aliviei na bebida. Chegou um dia em que uma açãoresidual qualquer me causou essa intoxicação brutal.

PLAYBOY – Em 1979 houve uma ocasião em que você realmente tentou se matartomando um coquetel de comprimidos e álcool, não foi?LOBÃO – [Sério.] Tentei me matar, sim, porque estava vivendo num cárcereprivado. Morava com uma mulher que não me deixava trabalhar, saí daescola, deixei de ser profissional.

PLAYBOY – Quem era ela?LOBÃO – Prefiro ter a delicadeza de omitir. Ela controlava demais a minhavida. Chegou uma hora em que falei: “Sabe de uma coisa? Não agüento maisisso”. E tomei uma garrafa de álcool e todos os meus comprimidos.

PLAYBOY – Que comprimidos?LOBÃO – Tomei o Rivotril [medicamento indicado para evitar crises deepilepsia]. Peguei aquele arsenal de Rivotril e blaaaaá, engoli com umagarrafa de inteira de cachaça. Aí o telefone começou a tocar. Falei “pô,não vou atender, estou morrendo...” Mas atendi. Era o [músico carioca]Arnaldo Brandão. Na época estava tocando com ele e o Arnaldo Baptista[principal compositor e parceiro de Rita Lee no grupo Mutantes]. Veja lá

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que trio! Aí falei: “Arnaldo, vem pra cá rápido, vamos ensaiar”. E o piorfoi que eles vieram. Chegaram, não dei sinal de nada e pensei: “Se nãobateu, não bateu, não vou morrer”. Aí sentei na bateria [finge que estábatendo nos pratos] – dindindá dindindá – e catapum: caí duro. Acordei numCTI e falei: “Deus é realmente um burocrata. Não tem a menor imaginação.Vestiu os anjos de enfermeiros” [risos]. Acordei muito bem-humorado.Fiquei numa dormência, numa felicidade química inextingüível.

PLAYBOY – Essa foi a única vez em que você esteve perto da morte?LOBÃO – Creio que não. [Sorri.] Porra, sou um sobrevivente nato! Você sabeque eu era o xodó da clínica do doutor Rinaldo Delamare [o mais célebrepediatra brasileiro]? Quando criança tive nefrose, uma doença até entãoincurável, que afeta os rins. Dos 2 aos 4 anos tomava doses cavalares decortisona. Acho que fui o primeiro caso na América Latina a ser curado.

PLAYBOY – E a sua epilepsia, quando se manifestou?LOBÃO – Aí tem uma história. Uma época comecei a fazer reportagens comexus [divindades presentes nas religiões afro-brasileiras, como a Umbandae o Candomblé, às quais se atribuem características demoníacas]. Ia atemplos de umbanda e adorava conversar com pessoas possuídas pelasentidades. O Exu Tranca-Rua, por exemplo. Até que um dia ouvi falar do ExuCaveira. Disseram que ele era “o dono do cemitério”. Eu me interessava poraquilo, pelo sincretismo “por que é que São Jerônimo virou Xangô?”...

PLAYBOY – Foi a tal época em que você achou que fosse médium?LOBÃO – Eu queria saber se era. Li toda a doutrina espírita, umbandista.Queria saber qual era aquela parada.

PLAYBOY – E você fez a tal “reportagem” com o Exu Caveira?LOBÃO – Na época estava lendo Além do Bem e do Mal, do [filósofo alemãoFriedrich] Nietzsche, o Manifesto Surrealista, do [escritor francês] AndréBreton, O Acaso e a Necessidade [do filósofo da ciência francês JacquesMonod] e fazendo uma conexão com a umbanda no Brasil. O Exu Caveira é umser muito introspectivo. A manifestação dele me deixou muitoimpressionado: o possuído se encurvava assim, pegava vidro, moía na mão ecomia. Achei aquilo muito forte. Aí pensei: “Esse cara é o dono docemitério, é o exu general da banda, o rei da cocada preta? Vou falar comele”. Não fui para o centro espírita, não. Decidi fazer o ritual em casa.Botei um Pink Floyd na vitrola, daqueles antigos que fazem [imita umzumbido sombrio] uuuuuu. Fiz um altarzinho, botei umas velinhastremelicando e fiquei assim: “Ó, Exu, pode me falar. Aqui tem um ombroamigo, pode vir. Estou aqui para lhe servir. Você deve ser uma figuradifícil, rejeitada, utilizada pelas pessoas. Olha, acho isso umabsurdo...” Daqui a pouco estrebuchei, e bá!, caí no chão. Acordo tonto,deitado na minha cama. Olho ao redor e está tudo destruído, as gavetaspuxadas, uma garrafa de álcool que tinha rasgada no meio. Chamei minha

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mãe. Perguntei se ela não tinha ouvido nenhum barulho. “Barulho seu eusempre ouço”, ela respondeu. Depois disso, fui fazer eletroencefalograma.Aí cada neurologista falava uma coisa do meu cérebro.

PLAYBOY – Você tem epilepsia?LOBÃO – Verifiquei que não é epilepsia, não. Tenho um hemisfério[cerebral] maior do que o outro. Minha psiquiatra, a Julieta Guevara,falou: “Olha, a parte da linguagem, da imaginação, é hipertrofiada. Vocêtem 60% a mais de hemisfério direito do que de esquerdo”. A minhahiperatividade vem disso.

PLAYBOY – E como é que você lida com esse problema?LOBÃO – Cinco anos atrás, fui fazer tratamento com o dr. Federico Navarro,um psiconeurologista italiano, que me falou: “Você não vai tomar maisremédio nenhum”. E começou a fazer tratamento com uma lanterna. Por meioda angulação do nervo óptico ele corrigia vários desequilíbriosvegetativos. Também colocava umas conchas no meu ouvido.

PLAYBOY – E você abandonou a medicação?LOBÃO – Ele trocou [os comprimidos] por um xarope cor-de-rosa durante umtempo e fui suprimindo, suprimindo. De 1993 para cá, me vi livre dosremédios que tomava desde os 12 anos. Só faço um acompanhamento com aminha psiquiatra, e também com uma psicóloga, a Cristina Cunha. Querdizer, vim de uma nefrose na infância e de uma disritmia que me acompanhouaté seis anos atrás [ri].

PLAYBOY – Como você se sente fisicamente aos 42 anos de idade?LOBÃO – Estou me sentindo muito melhor do que antes.

PLAYBOY – Você freqüenta academia?LOBÃO – Não. Faço ginástica no meu quarto. E perambulo pela Lagoa Rodrigode Freitas. É o meu cenário. Vou da Lagoa até a Praia de Ipanema.Inclusive o [escritor e jornalista] Ruy Castro me citou no livro dele [ElaÉ Carioca, editado pela Companhia das Letras no final de 1999]. Fiqueisuperfeliz.

PLAYBOY – Quanto você está pesando?LOBÃO – Uns 80 quilos.

PLAYBOY – E tem quase 2 metros de altura, não?LOBÃO – Tenho 1,88 [metro]. Estou mais magro do que deveria, mas estoubem. Não quero ficar mais forte nem mais fraco do que isso. Fiz um examede Aids no ano passado. Fiquei com muito medo. Pô, já enfiei tanto o pé najaca nesta vida! Mas deu negativo.

PLAYBOY – Psicologicamente, você também se sente melhor do que em outras

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épocas?LOBÃO – Acho que estou melhor, de uma forma e de outra. Quando me vi noRoda Viva de 1988, pensei: “Pô, estou vinte anos mais novo do que aquelafigura”. Sou alguém que tenta melhorar muito. E sou disciplinado. Aténesse meu desregramento. Quando digo “vou enfiar o pé na jaca”, enfioporque quero experimentar aquilo, não porque queira escapar da realidade.Minha relação com aquilo é lúdica. Mas também não vou falar que estoubonzinho e papapá. Não sou ursinho carinhoso [risos].

PLAYBOY – Que o digam os executivos de sua ex-gravadora, a Universal, queromperam o contrato quando você disse à imprensa que, entre a piratariaoficial e a paraguaia, ficava com a paraguaia, que pelo menos era maisromântica. O que quis dizer com isso?LOBÃO – Quis dizer que a pirataria é um sintoma e não a doença. É claroque não defendo um crime. Mas o roto não pode falar do esfarrapado. Sevocê for analisar em termos de prejuízo, a pirataria oficial, que nãonumera disco, superfatura, está acabando com as lojas especializadas. Agente está virando gôndola de supermercado. Não sou biscoito para servendido em supermercado ou em Lojas Americanas. Não quero ser vendido emlugares que me tratem a granel.

PLAYBOY – Por que numerar os CDs aqui se isso não acontece na Europa nemnos Estados Unidos?LOBÃO – Porque lá existem dispositivos legais que monitoram o cumprimentodas leis. A máquina é azeitada e funciona. Aqui a fraude impera. Então, oque é bom para lá, de repente, não é bom para cá. Numerar [os CDs] seriauma forma de estancar a hemorragia.

PLAYBOY – Foi por isso que você não aderiu à campanha contra a piratariapromovida Associação Brasileira dos Produtores de Disco, a ABPD?LOBÃO – Fiquei puto da vida quando vi todos aqueles artistas [aderindo]incondicionalmente. Era um momento crucial e eu vejo o Chico Buarque, oCaetano [Veloso], o Herbert Vianna, o Gilberto Gil... Não estou falandonem de Sandy e Júnior, de Leonardo, que não têm essa articulação, essacredibilidade. Esse pessoal [da MPB] sentava comigo e a gente ficavapedindo ao Congresso Nacional para numerar os CDs, reduzir o preço... Aíos caras, em vez de chegar e dizer “a gente faz a campanha, sim, porque écontra a pirataria, mas vocês vão ter que numerar o disco a partir dehoje, porque vocês estão vulneráveis, estão com 60% do mercado informalnas mãos da pirataria, já está na hora de baixar o preço”, não fizeramnada disso.

PLAYBOY – Você diz que o custo de produção de um CD é de 3 reais. Por que,então, ele chega às lojas custando até dez vezes mais?LOBÃO – Por causa do que eles chamam de “insumos promocionais”: o jabá. Etambém porque ocorre superfaturamento. Meu disco independente custou 50

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000 dólares. Numa grande gravadora, custaria 150.

PLAYBOY – Por quê?LOBÃO – Porque eles gastam assim [gesticula como se distribuísse notas dedinheiro]. Eles não têm administração. Olha que, no caso de A Vida É Doce,com os 50 000 dólares pagamos cinco vezes mais a todo o mundo envolvido:músicos, técnicos, fotógrafo...

PLAYBOY – O jabá é generalizado no Brasil?LOBÃO – [Taxativo.] É generalizado.

PLAYBOY – Mesmo no caso de artistas consagrados como o Caetano, o Chico?LOBÃO – [Abana a cabeça afirmativamente.] Tem que botar jabá. E isso équestão criminosa. Duas semanas atrás, prenderam oitenta radialistas nosEstados Unidos. Eles foram condenados a quatro anos de prisão em cárcereprivado e a rádio ainda pagou uma multa de 2 milhões de dólares. E porquê? Porque o jabá fere a liberdade de informação. Você leiloa o hitparade. O [grupo de pagode É o] Tchan está tocando trinta vezes por dia.Tem uma rádio aí que cobra 1 dólar por execução. Depois, é lógico que vaivender.

PLAYBOY – Os programadores dizem que esses grupos tocam tanto nas rádiosporque têm mais público, e não o contrário.LOBÃO – Mentira. Eles vendem porque o cara põe no ar trinta vezes por dia.É o poder econômico. Apesar de que algumas coisas, mesmo eles enfiandogoela adentro do público, não estão mais vendendo.

PLAYBOY – Como anda o mercado do disco no Brasil?LOBÃO – Está numa entressafra. Porque, antes de mais nada, posso dizer coma maior tranqüilidade: são pessoas burras que estão ali. Prevaleceram-sede uma circunstância extraordinária que foi o Plano Real, quando o caracomprava mais frango, mais aparelhos eletroeletrônicos e, claro, tambémmais CDs. Aí, a indústria nacional passou de 16ª para sétima do rankingmundial. Daí por diante eles começaram a dizer para artistas como eu, quevendem 80 000, 100 000: “Só estamos interessados se você vender 300 000”.

PLAYBOY – Quanto do preço de um CD na loja vai para o bolso do artista?LOBÃO – Uma média de 50 centavos por cópia. O Roberto Carlos, que é quemmais ganha em cima da vendagem de seus discos no Brasil, não recebe maisde 80 centavos por disco vendido. Mas a pior conseqüência desse sistema dejabá generalizado é a artificialização da cultura popular. Você não sabemais por que tal artista está ali. É uma ditadura branca. Estamos noperíodo da “idade mídia”, como dizia o Cazuza.

PLAYBOY – Você tem esperanças de que essa “idade mídia” acabe?LOBÃO – Acho que sim. As gravadoras estão em grande crise. Hoje, o cara

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prensa um disco e já sai com 100 000 cópias. A empresa coloca tudo nasgôndolas de supermercado, fica empurrando o máximo possível para poderganhar Disco de Ouro. E a loja que pega em consignação acaba dando ocalote porque o produto não vende. É uma perversão, uma burrice. Se agente usar uma metáfora agrícola, isso é uma espécie de queimada. Pô, vaiacabar. Não vai dar para continuar assim. A minha decisão de partir paraisso [lançar um disco independente] não é uma coisa desesperada. Ela épremeditada, arquitetada. Estou contando com o engessamento dasgravadoras.

PLAYBOY – Você tem divulgado seu novo disco em todos os lugares possíveis.Iria ao Domingão do Faustão, por exemplo?LOBÃO – Meu marketing é o respeito ao meu público. Se recebesse um espaçodigno no Faustão, para mostrar meu novo trabalho, sem ter que tocar MeChama toda vez nem chorar naquele quadro “Esta é a sua vida”, eu iria, naboa. Mas ao programa da Xuxa não vou jamais, porque ali já acho que égenocídio infanto-juvenil. É Auschwitz.

PLAYBOY – Como é que é?LOBÃO – Você pode ver, o [pagodeiro] Alexandre Pires [do grupo Só PraContrariar] foi criado vendo Xuxa. Você sabia que ele era um fã da Xuxaquando criança? Eu sempre pensei: criança de 5, 6 anos criada vendo Xuxatodo dia... Isso vai dar merda. Aí você vê o Alexandre Pires e entende.Isso é Auschwitz. Uma atrofia em que a pessoa fica com aquele risocãibrico. Aquela cãibra envernizada, uma pessoa desarticulada,incapacitada, um virgem existencial [risos].

PLAYBOY – Alguns profissionais da TV costumam argumentar que o único deverda televisão é divertir. Quem tem que educar é a sociedade...LOBÃO – Mas a TV é uma concessão pública, ela tem obrigações para com amelhoria da sociedade. Ela é um órgão de informação, não pode serestringir à diversão. Se você verifica um programa como o CasteloRá-Tim-Bum! [da TV Cultura], que é supervisto, até o Sítio do PicapauAmarelo [seriado da Rede Globo baseado na obra do escritor paulistaMonteiro Lobato]... Coisas de qualidade e que deram ibope. Nós podemosfazer isso.

PLAYBOY – Tudo bem, mas não vá me dizer que você é um daqueles quedefendem o brinquedo de madeira para criança!LOBÃO – Até sim. Não o brinquedo de madeira, mas tudo o que acirre acuriosidade e o lúdico. E não uma coisa competitiva e às vezes atéhumilhante de jogar torta na cara da criança. Outro horror é o estímulo àidolatria. Aquela coisa patológica de as pessoas chorarem ao ver o ícone éum negócio de cima para baixo, não há a menor interação de solidariedade.E isso numa fase em que a criançada está formando a personalidade. Acho

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isso um crime. É aniquilação em massa de uma geração inteira que vai terpoucos subsídios para se defender depois.

PLAYBOY – Tem gente que acha que você, passado dos 40 anos, continua nafase de rebeldia juvenil. O que você tem a dizer disso?LOBÃO – Não sei se é rebeldia juvenil. Acho que o que estou falando ésério. Não é juvenil, pelo menos no sentido de imaturo ou ingênuo. Minharebeldia é pertinente. Essa atrofia que a gente está vivendo nem aditadura militar nos anos 60 conseguiu. Porque ainda assim tivemos GláuberRocha, Tom Jobim, Caetano Veloso, Chico Buarque e Gilberto Gil. Nos anos90 a gente produziu o quê? Louras oxigenadas, ex-namoradas de jogadores defutebol com o fio dental no cu cantando “pode chupar que está durinho”? Eaí eles acham que a pirataria vai acabar com essa cultura que elesproduzem. Mas o que é que eles produzem de interessante? Discos ao vivo desenis da minha geração cantando Mamonas Assassinas ou Que País É Este?Esses grupos regravando músicas ad infinitum da maneira mais impotente,estéril, mais estéril do que três desertos, como diria Nelson Rodrigues?

PLAYBOY – Obviamente os “senis” a que você está se referindo são os Titãs,que regravaram Brasília Amarela, dos Mamonas Assassinas, e os Paralamas doSucesso, que fizeram uma versão de Que País É Este?, do Renato Russo.Recentemente, numa entrevista à revista SHOWBIZZ, os Titãs se queixaram devocê, argumentando que “não há nada de errado em querer ganhar dinheiropara sustentar seus filhos”.LOBÃO – [Irônico.] Mas isso é muito singelo! O que há de errado? Tambémnão vejo nada de errado em ganhar dinheiro. Mas um assassino poderia falara mesma coisa. Os fins justificam os meios?

PLAYBOY – Essa onda de lançamentos de discos acústicos e “homenagens” abandas antigas incomoda você?LOBÃO – Na verdade, em princípio admiro muito os Titãs, o que não éverdade em relação aos Paralamas. Os Titãs têm uma história de músicas queme comoveram, de performances, foram meus amigos. Acho apenas que é umaamarelada. Não quero impor o meu ritmo de jogo às pessoas, mas quero dizerque os que fazem conluio com as gravadoras enfraquecem todo um sistemaecológico musical do qual faço parte e outros artistas também. Quer dizer,se fulano faz, abre aquele precedente nefasto e vira cartilha. Tudo bem umpescador ter que alimentar a sua família, mas, naquele momento em que apesca do camarão está proibida, ele tem que respeitar porque senão arrasacom o sistema ecológico. Sem ser moralista. Sou uma pessoa que inclusiveadora dinheiro. Quando recusei uma proposta de 1 milhão de dólares, estavacapitalizando o meu não.

PLAYBOY – Como é essa história?LOBÃO – Uma companhia que fabrica telefones celulares me fez, desde março,três propostas de 1 milhão de dólares para usar Me Chama numa campanha

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publicitária. Seriam segundos [da música]. As pessoas vão dizer: esse caraé um xiita! Não. É a mesma coisa que disse quando saí da Blitz: sou muitomais ambicioso do que isso. Não quero ganhar 1 milhão de dólares e ficarcom um telhado de vidro absolutamente quebrado. Minha credibilidade é omeu capital.

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PLAYBOY – Recentemente, numa entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, vocêfalou que estava cansado de ser plagiado pelo Herbert Vianna.LOBÃO – Plágio mesmo, na definição ortodoxa, aquela dos dezesseiscompassos [número de compassos musicais que, se idênticos, justificam umprocesso judicial por plágio], não posso dizer que houve. Mas houve plágioideológico, conceitual. Acho feio uma pessoa se apropriar de idéias suas einclusive citá-lo como um correligionário, um assecla. Aí fico puto.

PLAYBOY – Na entrevista da Folha você menciona o nome de duas canções queHerbert Vianna teria copiado de você: Cinema Mudo, dos Paralamas, seriaplágio de Cenas de Cinema, e Me Liga, cópia de Me Chama.LOBÃO – Se pelo menos o admirasse, ficaria orgulhoso de ser copiado. Mas oacho uma pessoa medíocre. Profundamente medíocre musicalmente,intelectualmente, poeticamente medíocre. Em 1998 ele deu uma entrevista àRádio Cidade dizendo que era meu fã. Dias depois, fui comer no Guimas[tradicional restaurante carioca] e quem aparece? Ele. Estava com ofilhinho e a mulher dele. Pensei: “Daqui a pouco vou ao banheiro, passo láe digo ‘e aí, meu fã, tudo bem?’” Uma coisa assim meio característica daminha personalidade gozadora. Mas eis que o Herbert me vê e leva um susto.Ele já tinha pedido água mineral, couvert... Levanta-se, pega na mão domenino e sai correndo sem pagar conta, sem nada!

PLAYBOY – Ele ficou com medo de você?LOBÃO – Tanto é que chegamos ao paroxismo de eu o ofender publicamente eele não reagir. Foi num programa de rádio chamado Madureira Conection, noRio. Eu estava puto, falando da ABPD [Associação Brasileira dos Produtoresde Disco], da qual o considero cúmplice. Então cheguei e disse: “HerbertVianna, você é um verme”. Deliberadamente. Queria saber o que iaacontecer. Dois dias depois, eles [os Paralamas do Sucesso] foram fazer umprograma ao vivo na rádio Transamérica e um ouvinte telefonou contando oque eu tinha dito. Não sei, em minha opinião, [chamar de] verme é umacoisa indesculpável. É como cuspir na cara. No lugar dele, eu diria “olha,Lobão, não sou moleque. Verme é o cacete!” Mas não. Ele respondeu assim[imita voz pastosa]: “Pôxa, que lamentável o Lobão dizer isso. Logo paramim, que sou o maior admirador dele”. E [cantarola] “Chove lá fora eaqui...”, começou a cantar Me Chama. Ah, calou, consentiu, cantou Me

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Chama. Me chama de quê? De verme, né?

PLAYBOY – Essa sua contundência não pode parecer despeito ouressentimento?LOBÃO – Sou muito crítico. Acho que o artista é crítico por natureza. Nãome considero de maneira nenhuma uma pessoa ressentida. Sou alguém que temo fígado ótimo. Inclusive, é um dos meus trunfos para fabricar as enzimasque não me deixaram virar viciado. Sou um cara prenhe de perdão. É sério.Cara, já falei pelo telefone com o Herbert e chorei depois. Ele me ligouconvidando para participar de um disco dele. Bastou entabularmos umaconversa e fiquei profundamente emocionado. O fato é que ele não voltou aligar.

PLAYBOY – Então você gostaria de ser paparicado por ele?LOBÃO – Não é nada disso. A questão é que ele nunca se pronunciou. Eachava meio parasitária essa proximidade que ele dizia ter comigo. Mas nãoestou mais interessado nessa história. Agora que lancei esse disco eataquei as gravadoras, acho que finalmente ficou clara a diferença entreele e eu. Então, não vou mais falar sobre esse cara.

PLAYBOY – Além de desancar a chamada “geração 80”, você critica muito oscânones da música popular brasileira. Por quê?LOBÃO – O problema da MPB é que ela não se recicla. Ficou sacralizada daminha geração em diante. Para ser da “nova MPB”, como dizem, você tem queter uma postura meio que tropicalista, reverente a esses discursos,enquanto eu estou em confronto total. Mas o fato de estar em confronto nãosignifica que não pertença à MPB. Pertenço, sim. Olha, o João Gilberto é100%, mas a versão que ele fez da minha música [Me Chama, gravada em 1987para a trilha sonora da novela Hipertensão, da Globo] ficou 50%. Porqueele se esqueceu de botar a frase principal: “nem sempre se vê / mágica noabsurdo”. Achei isso um desrespeito, apesar de respeitá-lo muito. Ele nãotinha esse direito.

PLAYBOY – Ele se esqueceu de incluir a frase?!LOBÃO – Eu perguntei: “João, porque você não gravou?” E ele respondeu:“Ah, porque não entendi”. Eu disse: “Não entendeu o quê? Mágica noabsurdo? Olha, você me telefonava e eu te explicava”. Não é uma coisafácil de explicar? Se o cara gostou da música, ou ele grava inteira oudeixa de gravar. A gente tem que humanizar essas pessoas. O João é umgênio, mas tem que dizer: “Vem cá, João, vem bater um papo aqui”. Não éficar jogando baralho por baixo da porta [referência a um episódiofolclórico segundo o qual a cantora Elba Ramalho, hospedada no mesmo hotelque João Gilberto, teria telefonado para o quarto do compositor,interessada em conhecê-lo. Ele disse que estava com vontade de jogarcartas e Elba, animada, foi comprar um baralho – mas João pediu que ela

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passasse as cartas por baixo da porta: queria era jogar paciênciasozinho]. Ô, rapaz, não pode alimentar a loucura de um cara desses.

PLAYBOY – Você acha que os grandes da MPB querem manter o monopólio dotítulo como se fosse um estandarte só deles? Já se falou muito de uma tal“máfia do dendê”...LOBÃO – Sobre a máfia do dendê quem falou foi o [jornalista e guitarrista]Cláudio Tognoli, numa célebre reportagem da revista Caros Amigos.Realmente procede. As pessoas da minha geração ficam citando Caetano e Gilo tempo todo e não é hora de citar. Principalmente porque eles não estãosendo exatamente o paradigma da vanguarda: um posa para CARAS, outro vaiao programa da Xuxa, faz show da Angélica... Então, não tem papo. Oproblema é a flacidez da vontade das pessoas da minha geração, que ficamlá beijando a boca do Caetano. O Caetano me ama e me respeita muito maispor eu dizer essas coisas do que todos esses bundas-moles da minhageração. Já falei com o Gil: “Foi com vocês que aprendi a falar assim.Quem pregava essa liberdade de expressão eram vocês. Qualquer críticaminha sempre será uma homenagem porque é oriunda da admiração que tenho esempre terei por vocês”.

PLAYBOY – Vamos falar do lado doce de sua vida bandida nos anos 80. Comovocê começou a tocar com a Gang 90, do Júlio Barroso?LOBÃO – [Abre um sorriso largo.] Na época, estava sem trabalho e o Ritchietinha me dado um emprego de baterista. Estou no Morro da Urca e de repentevejo uma figura careca, de branco, usando óculos e olhando para ohorizonte, em direção ao aeroporto. Era o [falecido jornalista e músico]Júlio Barroso [fundador da Gang 90]. “Você está olhando para onde?”,perguntei. Ele falou: “Ah, um pequeno problema pode ocorrer. GiganteBrasil [baterista paulistano que tocou com Itamar Assumpção no início dadécada de 80] está vindo na Ponte Aérea e acho que não tem teto.Presumivelmente não teremos batera.” Aí ele falou, daquele jeito dele:“Grande Lobo, por acaso, conceitualmente falando, dava para você dar umacanjinha no show?” Eu disse: “Canjinha? Mas é um show de vinte músicas!” Eele: “Porra, mas é conceitual, não tem problema”. Falei: “Vou”. [Dá umsorriso malicioso.] O grupo tinha aquela holandesinha [Alice Pink Punk, abela vocalista do Gang 90, que depois moraria com Lobão], aquelas gatas,eu ia perder?

PLAYBOY – E como eram suas aventuras com a Gang 90?LOBÃO – Tocamos em vários lugares. Uma vez fomos dar um show emFlorianópolis, no réveillon. Chegamos lá, não tinha estrutura nenhuma. Abateria era uma Caramuru, de couro. E falei: “Júlio, na segunda música nãovai sobrar nada dessa bateria”. Para ele, evidentemente, isso era um merodetalhe [risos]. Na primeira música começou a quebrar o bumbo, quebrou otambor e não sobrou uma peça sequer. Eu falei: “Júlio, sujou, sujou”. Ele,

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não perdendo a fleuma, foi até o palco e disse: “Distinto público, nósfazemos parte de uma seita e eu pediria 2 minutinhos: nós vamos nosrecolher, fazer uma oração, lançar um axé para o próximo ano e daqui apouco voltamos”. Aí ele cochichou para a gente assim: “Rapaziada,procedimento de fuga, código zero, vamos embora”. Saímos correndo para omicroônibus. [Risos.] O Júlio cruzou as pernas e falou para o motorista:“Olha, não vamos para aquela espelunca de terceira linha onde estávamos,não. Toca para o melhor hotel da cidade!” Aí ele chega ao saguão do hotel,com a maior cara-de-pau, e pede a suite presidencial: “Júlio Barroso, areserva já está feita.” Um tremendo de um H. “Sim, reservei apresidencial, caixas de Moët & Chandon geladas, charutos cubanos. Estátudo na lista.” E o recepcionista: “Ah, claro, sr. Barroso, nós vamosprovidenciar”. [Risos.] Dali a pouco estávamos na cobertura do tal dohotel, fumando charuto, tomando champanhe e olhando para a cidade aosnossos pés.

PLAYBOY – Depois você se apaixonou pela mulher do Júlio, a Alice PinkPunk, não foi?LOBÃO – Um dia o Júlio me falou: “Pô, tô apaixonado por duas gatas,rapaz”. Eu falei: “Engraçado, Júlio, eu também”. E ele me perguntou porquem. E eu: “Fala você primeiro”. O Júlio disse: “Estou apaixonado pelaminha mulher, Alice, e pela [cantora] Marina [Lima]”. Naquela época eutocava bateria no grupo da Marina e também estava apaixonado por ela! Nosdemos conta de que estávamos apaixonados pelas mesmas garotas [ri].Acabamos compondo uma canção para as duas, chamada Noite e Dia.

PLAYBOY – E como foi que você “roubou” a Alice do Júlio?LOBÃO – Na verdade não roubei. Ela decidiu sair, brigou com o Júlio eveio. Escuto baterem na porta e é aquela holandesa toda vestida de oncinha[imita sotaque estrangeiro]: “Posso morrar com você?” Falei: “Vem”[risos]. O Júlio ficou puto, raspou a cabeça, pegou toda a discografia doRoberto Carlos, uma garrafa de cachaça, disse que ia curtir uma fossa. Agente ficou dois meses sem se falar. Mas depois ele arranjou uma namoradaque era a réplica da Alice e viramos amicíssimos outra vez.

PLAYBOY – Rolava muita doideira durante as turnês dos anos 80?LOBÃO – Com a Gang 90, por exemplo, era muito engraçado. Tinha muitaloucura, muita vodca, muito pique no lugar. Quando comecei a tocar com OsRonaldos tinha um cara na banda que namorava uma mulher muito feia. OJúlio ficava pegando no meu pé: “Imagina populares recebendo vocês, váriasgatas esperando e surge aquela mocréia do ônibus da banda, depondoabsolutamente contra o seu rock’ n’roll! Não deixe isso acontecer!”[Gargalhadas.]

PLAYBOY – Então rolava muita sacanagem?LOBÃO – Ah, se chegava uma jornalista gostosa, legal... [faz um gesto

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impublicável] Ih, já foi. Era assim, completamente [risos]. Júlio adoravadizer: “Estou VD, venerian desease, peguei uma gonorréia básica”. Mas,naquela época, tudo se resolvia com uma boa penicilina, um Benzetacil.

PLAYBOY – Foi a época de maior doideira da sua vida?LOBÃO – Doideira alegre, esfuziante, foi. Porque depois veio a doideirabarra-pesada de heroína e enfurnamento. Com o Júlio era muita loucura,muita droga, mas era engraçado. A gente bebia muito dry martini, muitogim-tônica, essas coisas.

PLAYBOY – Júlio Barroso morreu em circunstâncias que até hoje não ficarambem explicadas. O que aconteceu?LOBÃO – [Fica sério.] Não se sabe se foi suicídio ou assassinato. Elealugou um apartamento no 11º andar de um prédio em São Paulo. O quarto eraconstruído com uma determinada inclinação, de maneira que ele pudesseapreciar a vista da cidade deitado na cama. Aquilo era praticamente umtobogã, era muito fácil cair dali. Não sei se ele se jogou ou caiu de lá.Há a hipótese de que alguém tenha ido cobrar uma dívida dele. Quandopegaram o corpo, ele estava com as mãos lanhadas pela persiana, como setivesse tentado se agarrar, o que denota, no mínimo, um arrependimento deúltima hora. O Júlio era uma pessoa que amava a vida. E as depressões deleeram muito teatrais. Não consigo vê-lo se matando.

PLAYBOY – Antes da Gang 90 você já tinha tocado na Blitz. Mas não pareceter a mesma nostalgia quando fala da banda. Por quê?LOBÃO – É que logo de cara começaram a deformar a Blitz. E ela virou umconjunto infanto-juvenil com um sorvetão cravado na testa. Isso não era dabanda. A Blitz tinha um cunho meio Frank Zappa [guitarrista e compositoramericano, morto em 1993, que mesclava rock, jazz e música erudita comletras pornográficas e bem-humoradas]. Mas os caras da gravadora disseram:“Não, isto aqui é iê iê iê”. Fizeram a gente incluir Biquíni Amarelinho nodisco e falei assim: “Peraí, estão acabando com a banda”. E me mandei.

PLAYBOY – Você saiu no momento em que a Blitz estourou. Nunca searrependeu?LOBÃO – Não. Eu já era um veterano naquela época. Em 1982 já tinha feitoCenas de Cinema. Isso sem falar do disco que gravei em 1976 com o Vímana[banda mitológica da qual participavam Lobão, Lulu Santos, Ritchie,Fernando Gama e Luiz Paulo Simas].

PLAYBOY – É verdade que foi você quem deu nome à Blitz?LOBÃO – Foi. Falei “Blitz” e ninguém queria. Aí tínhamos um show num lugarchamado Caribe e a hostess telefonou perguntando o nome da banda. Falei:“Olha, não tem nome porque ninguém sugeriu, e o que dei foi recusado”. Elaperguntou qual era e adorou: “Blitz no Caribe! Uau!” A banda era uma boaidéia que acabou estragada pela política da gravadora.

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PLAYBOY – Então vamos falar de política num sentido mais geral. O que vocêacha do governo Fernando Henrique Cardoso?LOBÃO – Eu me lembro de que, anos atrás, alguns intelectuais me convidavampara assistir a palestras do Fernando Henrique. Sinceramente, tive certasimpatia por ele. O cara é um intelectual, foi exilado, tem uma históriainteressante. Mas, logo quando soube do acordo com o PFL, falei assim:“Seu Toninho [Malvadeza, como é conhecido o presidente do Senado eprincipal aliado político do governo, Antônio Carlos Magalhães] é quem vaigovernar o Brasil”. Não deu outra.

PLAYBOY – Em quem você votou para presidente nas duas últimas eleições?LOBÃO – Votei no Lula. Nos dois turnos. Apesar de também gostar do[ex-governador do Ceará] Ciro [Gomes]...

PLAYBOY – Você votaria nele para presidente?LOBÃO – Acho o Ciro um cara legal, da minha idade... Mas, sei não, tenhomuitas dúvidas em relação a isso.

PLAYBOY – Você é simpatizante de algum partido?LOBÃO – Não. Eu me considero um ser prioritariamente anárquico. Masacredito que precisamos de algo virado para o social porque senão a genteentra na idade da pedra, no extremo de exclusão. A gente está sendogovernado por tecnocratas que vêem tudo através de números e estatísticas.Eu teria como ideal um governo como o da Holanda: social, apesar de ser umpaís de tradição mercantilista. Já passei por lá: você vai a um hospitalpúblico e é uma coisa maravilhosa.

PLAYBOY – A Holanda também tem a legislação mais liberal do mundo emrelação às drogas. Qual é a sua opinião sobre isso?LOBÃO – Serei estatístico nesse momento. A Holanda, no ranking mundial, éo país que tem índices cada vez menores de usuários de droga. Quer dizer,os pais desses garotos são aqueles velhos maconheiros inveterados e seusfilhos já estão cansados de ver aquilo. Quanto menos repressão, melhor.Porque, quanto maior a repressão, mais interessante fica. Se liberássemosas drogas, elas perderiam o glamour poético da transgressão. Hoje em dia,pô, cocaína é droga de Bolsa de Valores. Não é verdade?

PLAYBOY – Vamos falar então daquele período barra-pesada em sua vida,quando você tomava muita droga e acabou preso. Ao todo, a quantosprocessos criminais você respondeu?LOBÃO – Foram 132 processos no Brasil inteiro. Hoje estão todosprescritos.

PLAYBOY – Que tipo de droga você tomava naquela época?LOBÃO – Todos os tipos possíveis e imagináveis. Desde a oficializada, o

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álcool, até heroína.

PLAYBOY – Qual foi a acusação mais esdrúxula que você já sofreu?LOBÃO – Por exemplo, em Rondônia fui chamado à Polícia Federal paraexplicar o que queria dizer com “vamos pegar leve, galera”. Tive apachorra de explicar [faz voz irônica]: “Seria algo como desacelerar, sermais tênue, agir com gentileza”. Fiz uma dissertação sobre “pegar leve”[risos]. Mesmo assim o cara me enquadrou por crime de apologia do uso dedrogas.

PLAYBOY – E a ocasião em que você foi preso por urinar em público?LOBÃO – Foi no Carnaval de 1984, na inauguração do Sambódromo. Vi unsguardas nas roletas e quis perguntar por onde se entrava. Comecei a fazersinal para um deles. Era um guarda baixinho, de bigode. Fiz esse gesto[aponta a boca com o dedo repetidas vezes], tipo “quero falar com osenhor”, e vi que o semblante dele se modificou. Ele ficou transtornado eme chamou num canto: “Seu homossexual, seu veadinho!” Eu falei: “O que éisso, meu amigo?” E ele: “Você está me atirando beijinhos!” [Risos.] Emandou chamar uma viatura para me prender! [Risos.] Ainda falei: “Amigo,cá entre nós, você vai chegar lá e falar para os seus colegas que euestava te mandando beijinhos?” Aí ele falou: “É, é meio ridículo mesmo”.Pensei que ele fosse me aliviar, mas não. Quando chegaram os policiais eledisse: “Prendam! Estava urinando em público”. Passei o Carnaval noxilindró.

PLAYBOY – Em 1987 você foi flagrado no Aeroporto do Galeão com um papelotede cocaína. Enquanto aguardava o julgamento em liberdade, foi acusado detentar fugir da Justiça. O que aconteceu?LOBÃO – É que durante o período em que estava sub judici vendi a minhacasa e decidi ir morar num hotel [o Praia Ipanema]. Só que o meu advogadona época não teve a esperteza de comunicar a mudança de domicílio àPolícia Federal. E o juiz interpretou isso como procedimento de fuga.Estava tranqüilão no hotel de luxo, fumando charuto na piscina, e o agentechega. Me pegou com haxixe, não sei o quê [oficialmente, 30 gramas dehaxixe e 2 de maconha]. Apreendeu uma parte e cheirou duas carreiras naminha frente, dizendo: “Isso eu vou levar como flagrante. E isso é paramim e ponto final.”

*********

PLAYBOY – E você foi preso?LOBÃO – O cara me levou direto para a cadeia. Fiquei na mesma cela ondeestava o [bicheiro carioca] Castor de Andrade. Lembro-me de que era 1º deabril de 1987, dia da mentira. E não tinha mais advogado, porque o que

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tinha marcado aquela touca eu não seria louco de chamar de novo. Então oCastor me indicou o advogado dele. Era uma prisão 5 000 estrelas, tinhaar-condicionado, Enxuta [marca de máquina de lavar e secar roupa], bufê[risos].

PLAYBOY – E o advogado do Castor de Andrade conseguiu liberar você?LOBÃO – Sim. E continuei tecnicamente réu primário. Mas ainda precisavaser julgado pelo outro flagrante, o do aeroporto. Supostamente, a penamáxima seria de um ano de prisão com sursis, ou seja, eu poderia cumprirem liberdade. Me lembro de que saí de casa, fiz a barba e pensei assim:“Vou ali ao julgamento e já volto”. Era na Ilha do Governador. O [na épocavocalista do grupo RPM] Paulo Ricardo [que também tinha sido preso porporte de drogas] estava sendo julgado numa vara ali perto. Ele foi deterno e gravata. Eu estava mais à vontade, comi pastel com caldo de canana esquina, tranqüilo. Achei o fórum muito simpático porque tinha umcartaz do John Lennon escrito “Give Peace a Chance”.

PLAYBOY – Como foi o julgamento?LOBÃO – Agora que se passaram tantos anos, posso contar tudo comtranqüilidade. Meu advogado, sem me avisar, arrolou uma testemunha paradizer: “Não, o Lobão é um cara que nunca tomou droga, devem ter colocadoalguma coisa na roupa dele”. Mas me levantei e disse: “Não, senhor, isso émentira. Uso droga, sim, e ninguém tem nada a ver com isso. Não causo mala ninguém”. Começou um certo tumulto. O advogado fez isso a fim de livrara minha cara, mas achei que seria muita covardia da minha parte. O juiz[Paulo Cesar Dias Panza, da 2ª Vara Criminal do Fórum da Ilha doGovernador, cujo nome Lobão preferiu não dar durante a entrevista: “Eleestá aposentado e não quero parecer revanchista”, disse] não gostou nadade eu ter dito aquilo. Aí chegou a hora de ele interrogar o policial quetinha me flagrado no aeroporto. [Interrompe e segura o braço doentrevistador.] Aí, cara, vou contar uma coisa em que você não vaiacreditar, mas aconteceu. De repente, no meio do depoimento, ele altera avoz formal, de magistrado, e fala assim: “Policial Fulano, você continualotado no aeroporto?” “Sim, excelência”, disse o guarda. “Então, rapaz,vai para lá agora porque à tardinha vai chegar um vôo da KLM, vindo deAmsterdã, e a minha sobrinha vem nele, cheia de muamba”.

PLAYBOY – Muamba? O juiz usou a palavra “muamba”?LOBÃO – Muamba. Ele usou essa palavra. Aí, comecei a rir. Levantei edisse: “I can’t believe! Estou sendo julgado por uma contravenção e osenhor está cometendo um crime?” Aí ele ficou puto: “O que o réu estádizendo?” Respondi [com voz irônica]: “Perdão, excelência, eu estavadormitando, tendo um sonho”. Fiquei perplexo, olhando para os meusadvogados. Porra, cara, era um escândalo! Tinha vários repórteres ali.Todo o mundo vendo aquilo. Pensei: “Tudo bem, a imprensa está aqui e ocara falou em alto e bom som”. Mas o juiz, tipo retomando o fio da meada,

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disse para o escrivão: “Continuando, sobre o réu, quero dizer que ele nãotem má personalidade. O réu tem péssima personalidade”. Eu falei: “Além demau juiz, é metido a psicólogo. O senhor está aqui para julgar fatos oujulgar caráter?” Aí fodeu.

PLAYBOY – Você foi condenado.LOBÃO – Um ano de prisão sem direito a sursis. Uma arbitrariedade.

PLAYBOY – Já o Paulo Ricardo escapou.LOBÃO – E olha que ele tinha sido apanhado com muito mais. Cem gramas, umpacotão. Eles me pegaram com 0,8 decigrama, uma quantidade exígua. Mas oPaulo Ricardo adotou a estratégia do “querem acabar comigo” e se safou.

PLAYBOY – Como foi a chegada à carceragem da Polinter?LOBÃO – Foi estranho porque eu estava com medo ali. Me tiraram toda aroupa, fiquei de cueca e me puseram numa cela, a 4, onde [os presos] jáestavam enrabando um negão, diziam que era estuprador. Estavam passandogilete no cara. Perguntaram: “Tá servido, Lobão?” Falei: “Não, obrigado”.Nesse mesmo dia o carcereiro me levou para a [cela] 11. Ele achou queaquela enrabada, aquele mundo cão à primeira vista, era um pouco demais.

PLAYBOY – A 11 foi a cela onde você passou mais tempo?LOBÃO – Foi. Fiquei quase um mês lá. Havia dois donos de boca [gíria parapontos de venda de droga nas favelas] presos lá. O Gilmar Negão, que eradono da boca [do morro] de Manguinhos, e o Zaca, que era do [morro de]Santa Marta. Tinha também um argentino psicopata que tinha matado dois eum farmacêutico que estava em cana porque não pagou a pensão alimentíciada mulher. A primeira coisa que o Gilmar me falou quando cheguei foi:“Aqui na prisão só tem preto, pobre ou burro. Qual é a tua categoria?”[Risos.] Aí começou uma amizade. Os presos cheiravam muita cocaína. E eufalava: “Pô, cara, cheirar aqui não dá. Faz muito calor!”

PLAYBOY – Mas como era que essa cocaína entrava na prisão?LOBÃO – Ah, todo mundo sabe que nego bebe, cheira e fuma na cadeia. Muitostraficantes presos continuam gerindo seus negócios dali de dentro. Então adroga entrava disfarçada, durante a visita. Mas claro que os carcereirosfaziam vista grossa.

PLAYBOY – Ficou famosa uma operação limpeza que você promoveu por lá. Comofoi isso?LOBÃO – [Ri.] O lugar era muito sujo, fedorento, rato saindo por todolado. Tinha um ralo onde as pessoas faziam cocô, xixi, escovavam osdentes, tudo no mesmo lugar, rapaz! Um dia falei: “Assim não, vamos avecélegance”. E fizemos o “curso do surfista do sabão em pó”: limpamos o chãocom a nossa própria barriga. Alguns presos tinham uma barriga

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privilegiada, cheia de pêlos crespos, e pensei que aquilo dava umaexcelente varredura [risos]. A gente jogava água e ia pegando jacaré.

PLAYBOY – Você presenciou muita barbaridade por lá?LOBÃO – Teve uma noite em que levaram o Zaca para “tirar informação”. Agente ouvia o cara berrar. Foi execrável. Ele chegou sem unhas, com ocorpo todo queimado de cigarro e uma fratura exposta na canela. Passou anoite inteira sendo afogado em barril de água quente e barril de águafria, de cabeça para baixo. Chegou às 5 da manhã e falou assim: “Nãoentreguei a minha macaca [gíria do morro para grupo de companheiros]!” Fezdez flexões de braço e caiu duro. Aí, todo mundo foi tratar do Zaca. Todaquinta-feira, o delegado, que também não vou dizer o nome, sempre sumiacom um. Era o dia de transferência de presos e a gente já sabia que um iaser executado no trajeto da Polinter para a outra prisão.

PLAYBOY – Você se entrosou numa boa com os presos?LOBÃO – Ah, sim. Teve até uma situação engraçada, quando dei meu remédiode desritmia para todo mundo na cela. Eu disse: “Em vez de cheirarcocaína, vamos tomar isto aqui. É uma porrada nos cornos, vocês vão dormirdireto.” De manhã, o Vaca, que era o nosso carcereiro, batia na porta eninguém acordava [risos]. Ele perguntou: “O que é isso?” E eu disse: “Istoaqui é consciência tranqüila”. [Risos.]

PLAYBOY – E como você conseguiu sair da prisão?LOBÃO – Saí com um habeas-corpus e o julgamento foi transcorrendo. Em 1988para 1989, fui condenado a um ano. Teria mais nove meses para cumprir. Foientão que o meu advogado falou: “Olha, se eles não te capturarem, a tuapena prescreve no dia 26 de maio de 1989”. Aí, o que fiz? Falei com aminha gravadora que queria fazer um disco fora do Brasil, fui dar um showna Festa da Uva, em Caxias do Sul [RS], e fugi pela fronteira. Peguei umavião em Buenos Aires para Los Angeles. E passei cinco meses lá. Quandovoltei para o Brasil, a Polícia Federal já estava me esperando na porta doavião. Com mandado de busca velho, de 1º de abril de 1987! Eles disseram:“O Judiciário está em greve, hoje é quinta-feira e eles só vão voltar àativa na terça. No mínimo, você vai passar meia semana no xilindró e issojá vai nos satisfazer bastante”. Meu advogado teve que achar um juiz queestava pescando para me liberar. Nesse dia dei autógrafo, sentei no coloda escrivã da Polícia Federal e acabou o episódio.

PLAYBOY – Pouco depois disso aconteceu uma história fantástica sobre umaentrevista sua no programa do Clodovil. Como foi mesmo?LOBÃO – [Sorri, divertido.] Foi o imaginário coletivo que forjou umaestada minha no Clodovil. Surgiu um boato de que eu teria estado noprograma dele. Num dado momento, ele teria me perguntado qual a sensaçãoque tinha ao cheirar cocaína e eu teria respondido: “A mesma que você temquando dá o cu”.

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PLAYBOY – Conheço gente que até hoje jura ter visto isso acontecer.LOBÃO – Se você for ao meu site na internet, 33% das perguntas são sobre ocaso Clodovil. [Risos.] E eu nunca tinha ido lá! Ora, vamos e venhamos,aquela era uma frase ultrapreconceituosa. Por mais cruel que fosse, jamaisa teria no meu repertório.

PLAYBOY – Depois você acabou indo mesmo ao programa dele.LOBÃO – Essa é que é a história mais incrível. Botei um terninho de tafetáe fui ao programa dele [ri]. Quando cheguei, a produção me avisou: “OClodovil está desconfiado de que foi você quem espalhou esse boato. Eleestá a fim de te pegar, toma cuidado”. Eu ia dividir o palco com o dr.Romeu Tuma, veja só, na época candidato ao Senado. A entrevista começa elogo o Clodovil pergunta: “Lobão, você é um rapaz cheiroso?” E eu: “Sim,você tem alguma dúvida? Tenho um aroma muito delicado”, tentei brincar. Eele: “Estou falando sobre cheirar mesmo”. Nessa hora, olhei para o céu e,por um momento, pensei: “Pô, a realidade vai imitar o boato. Vou mandaresse cara tomar no cu”. Me segurei e disse: “Clodovil, não uso mais essetipo de estupefaciente porque acho que virou droga de Planalto, não é dr.Romeu? Droga de Bolsa de Valores, o presidente usa, deputado usa, perdeutotalmente o glamour”. Ele, não satisfeito, insistiu: “Mas e droga depobre, maconha, você fuma?” E falei: “Clodovil, com toda a sinceridade,dou um tapinha de vez em quando, que me desculpe o dr. Romeu Tuma aquipresente”. Depois do intervalo o dr. Romeu até falou em minha defesa:“Esse rapaz é muito inteligente, Clodovil. Ele deveria expor as suasidéias no Senado Federal ou no Congresso para modificar a lei...” [Risos.]Quer dizer, o programa foi mais surreal do que o boato.

PLAYBOY – Vamos falar de suas ex-mulheres, então. As separações deixarammuita mágoa ou você mantém uma boa relação com elas?LOBÃO – Das três, a única com quem mantenho algum contato é a Alice, quemora na Holanda. Talvez por isso mesmo [ri]. Com as outras não tenho amenor ligação.

PLAYBOY – O interessante em seu percurso matrimonial é que primeiro vocêse casou com Liane Monteiro, uma mulher doze anos mais velha, e depois comDanielle Demeurie, onze anos mais nova, uma menina que você carregava nocolo quando criança.LOBÃO – Não tenho muitas recordações quanto a esse passado. É engraçado,tenho pouca coisa a dizer em relação a isso. Eu acho o seguinte: existe noser humano um percentual de relacionamentos vampirescos muito grande, devampirização de energia. Quando isso ocorre, tudo se desgasta e não ficapassado. Nem raiva, nem amor.

PLAYBOY – Quem “vampirizava” quem no caso desses dois casamentos?LOBÃO – Acho que o mais importante é constatar que houve vampirização.

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PLAYBOY – É verdade que a família da Danielle, que aparece nua na capa dodisco O Rock Errou, de 1986, e é a mãe de sua filha Júlia, era contra ocasamento de vocês por causa da diferença de idade?LOBÃO – Não acredito nisso, não. Mas acho que, na época, era uma coisacharmosa para mim ficar chocando as pessoas com histórias de incesto. Eraexatamente isso: “Olha que bacana, vou me drogar muito e provocar um climade incesto e escândalo”.

PLAYBOY – Já que falou em incesto, vou tocar num assunto delicado, que é arelação que você tinha com a sua mãe, que se suicidou em 1984.LOBÃO – Minha mãe morreu e eu a enterrei com toda pompa e circunstância.Cantei o sambinha que ela precisou, dei-lhe um beijinho na testa, tampei[o caixão], preguei, vi que estava bem pregado, diga-se de passagem, emandei-a para sete palmos abaixo da terra com muita felicidade.

PLAYBOY – Você estava farto de ela já ter tentado o suicídio tantas vezes?LOBÃO – Tenho certa pena dela. Minha mãe foi uma mulher muito intensa, maschegou uma hora em que achei aquilo um desrespeito. Não mereço ficarpassando o tempo todo por ambulância, lavagem, e isso virar moeda denegociação emocional. Então, tem aquela frase em inglês: “You’ve got to becruel to be kind”. Tive que ser um pouco cruel. Falei: “Agora você vaimorrer, quero ver você morta. Você tem que ser profissa [profissional]. Támuito amador isso”.

PLAYBOY – Comenta-se que, antes de morrer, sua mãe teria dito que serelacionava com você sexualmente.LOBÃO – Não, não. Mentira. Ela era uma pessoa que talvez tenha despejadotodas as expectativas da vida em cima de mim, que era o filho primogênitoe tal. Sempre tive muito amor da minha mãe. Um amor descomedido. Talvezseja fruto de minha intimidade com a morte dela eu poder falar com a maiornaturalidade sobre tudo isso, sem uma atitude de revanche ou de desprezo.Muito pelo contrário. Ela tinha 49 anos quando morreu. Tinha dificuldadescom relação à idade, ainda que fosse uma mulher atraente, que estava emcima, malhada. Queria um relacionamento fixo, um novo marido. Fui com ela,várias vezes, ver se descolava marido. Minha cumplicidade com ela eraessa.

PLAYBOY – O que detonou o fim do casamento de sua mãe e seu pai foi adescoberta de que ele tinha um caso extraconjugal?LOBÃO – Era um casamento muito feliz, aparentemente. Até os 18 anos euacreditava nisso: que o meu pai era um cara superfiel, que mandava flores,supergalante com a minha mãe. Então, foi muito traumatizante para todomundo descobrir que acreditou em Papai Noel. A separação veio de umamaneira muito súbita, porque ela era uma mulher que confiava plenamente nomarido. E, como era ciclotímica, ficava eufórica e depois entrava em

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depressões profundas, chegou uma hora em que não via mais saída para ela.[Pausa.] Éramos muito amigos, tínhamos papos muitos profundos,existenciais, desde os meus 12 anos de idade e... Eu poderia ter metornado uma figura obcecada pela mãe, tinha tudo para isso, mas conseguisublimar.

PLAYBOY – O que você fazia quando criança, além de tocar bateria?LOBÃO – Tocava punheta. Tocava bateria, tocava punheta e lia. Só.

PLAYBOY – Você levava jeito com as meninas?LOBÃO – Ah, cara, fui muito tardio. Inclusive as minhas iniciações sexuaisforam ridículas.

PLAYBOY – Conta aí.LOBÃO – Desde a minha primeira masturbação na cruz. Tive tesão por JesusCristo [ri]. Tinha 6 anos de idade e foi numa Sexta-Feira Santa. Fuibeijar o corpo de Cristo na igreja, e, pô, aquela tanguinha, que delícia![Risos.] Meu pai tinha uma oficina e eu, diligentemente, saboreandosexualmente o trabalho, fui fabricando um crucifixo em tamanho naturalpara mim. Tinha dois pedaços de madeira, fui lá, pum!, preguei, fiz acruz. Botei um robe de chambre para me sentir com o sudário, simulei a viacrucis, caí libidinosamente... Quando cheguei ao quarto, botei a cruz nocolchão, deitei em cima e me masturbei pela primeira vez.

PLAYBOY – Peraí, Lobão. Como é que um menino de 6 anos constrói uma cruzde madeira em tamanho natural e veste robe de chambre?LOBÃO – É verdade [ri]. Desde muito cedo aprendi a mexer com madeira. Meuavô adorava marcenaria e meu pai tinha essa oficina nos fundos da casa.

PLAYBOY – E ninguém em casa estranhou aquela cruz enorme no seu quarto?LOBÃO – Ah, eles devem ter pensado: “Nossa, como esse menino é religioso!”[Risos.] Ao mesmo tempo que era uma coisa meio pervertida, era lúdico. Épor isso que até hoje gosto de arte sacra: acho a coisa mais libidinosa domundo. Algumas pessoas já interpretaram, por exemplo, como masoquismo ofato de eu sentir tesão pela cruz. Mas perfuração, no caso, não me atraía.Às vezes, fantasiava em seqüestrar uma menina. Imaginava o colégio emchamas, a minha amada no meio da carteira, eu pegando uma corda parasalvá-la. Depois a amarrava numa árvore e ficava rondando. Mais tardechegou uma época em que decidi que queria ser virgem. E comecei a tervergonha de olhar para as garotas. Me sentia um cara muito feio,horroroso, e ficava numa timidez de não ter coragem de dizer o nome daprofessora.

PLAYBOY – E como foi que você venceu esse bloqueio?LOBÃO – Afirmei a minha identidade tocando bateria. Aí virei umpersonagem, virei o Lobão. Comecei a ser figura proeminente, um personagem

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na escola. Me descobri. E pensei: “Pô, agora tenho que dar um beijo numamenina!”

PLAYBOY – Quantos anos você tinha?LOBÃO – Quinze. E nunca tinha beijado uma menina. Todo mundo já tinhafeito tudo e eu era o cara mais retardatário. E com deduções erradas:pensava que chupão era chupão mesmo, tinha que sugar a boca. Na primeiraoportunidade fiquei meia hora tentando chupar a boca da menina. Umasituação ridícula.

PLAYBOY – E sua primeira transa, como foi?LOBÃO – Foi no Dia do Soldado.

PLAYBOY – Com uma namorada?LOBÃO – Não. Foi com uma puta mesmo. Eu ia fazer 18 anos e ainda não tinhatransado. Tocava numa banda de rock’n’roll, já era profissional... evirgem! Não podia continuar assim [ri]. Fui a um puteiro na Rua Alice, umacasa rosa. Cheguei lá com um certo cagaço, pedi um guaraná Champanhe,caçulinha, e fiquei só olhando o movimento. Ficava aquela rapaziadatransitando com as putas. Olhei uma, olhei outra e vi uma que me atraiu.Ela perguntou: “É a primeira vez?” Falei: “Não, claro que não”. E fomos.Achei muito gostoso, muito interessante.

PLAYBOY – A sua primeira vez foi boa, então?LOBÃO – Ótima. Adorei. No dia seguinte fui lá de novo e dessa vez escolhia maior vagabunda. Uma louraça decadente [risos]. Peguei uma “VD”, comodizia o Júlio Barroso. Gonorréia.

PLAYBOY – Você já se envolveu sexualmente com uma fã?LOBÃO – É claro. Inclusive a Regina. Conheci a Regina no Rock in Rio,levando lata. Ela estava assistindo, no meio do bochincho. Levei lata masganhei a gata. [Risos.]

PLAYBOY – Como é o casamento de vocês?LOBÃO – [Sorri] É engraçado, tive uma vida cheia de coisas conturbadas masaprecio todas as partes dela, mesmo quando se tratava de vampirismos. Masa minha relação com a Regina é diferente, muito bonita. Sempre falo paraela: “A nossa história é linda”.

PLAYBOY – Vocês são fiéis um ao outro?LOBÃO – Quando as pessoas falam de fidelidade parece que você está sendocastigado, algemado, privado de qualquer outra experiência. A nossafidelidade, no caso, é muito mais cumplicidade. É você estar vivendointensamente uma experiência da qual não quer abrir mão. Quando estoucomprometido com uma pessoa que é metade da minha vida, tenho que ter omaior respeito por isso. Essa é uma maneira de degustar a vida que me

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estimula profundamente. É a experiência que almejei ter com alguém desdecriança. Uma verdadeira parceria. Uma “síndrome de Bonie and Clayde”. Oude Lampião e Maria Bonita. Um sadibanditismo a dois. Vamos arrebentar!