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A VARIAÇÃO ENTRE OS PRONOMES “MIM/EU” NA POSIÇÃO DE COMPLEMENTOVERBAL NA FALA EM ALAGOAS: UMA ANÁLISE SOCIOLINGÜÍSTICA
VARIACIONISTA
Emanuelle Camila Moraes de Melo Albuquerque (autorabolsista), Renata Lívia de Araújo
Santos (coautorabolsista), Solyany Soares Salgado(coautorabolsista), Aldir Santos de
Paula (Professor orientador). PET Letras UFAL (Universidade Federal de Alagoas)
1. INTRODUÇÃO
A partir de um questionamento sobre o conceito de pronome, observando os
equívocos e restrições que este possui (Cf. BOGO, 1988), sentimos a necessidade de se
fazer um estudo sobre esta classe de palavras. No entanto, nos deteremos apenas na
observação da utilização do pronome pessoal reto “eu” como variante para o pronome
oblíquo tônico “mim”.
De acordo com a Gramática Tradicional (doravante GT), os pronomes oblíquos são
os que desempenham a função sintática de complemento, já os pronomes pessoais retos
são os que desempenham a função sintática de sujeito e predicativo da oração (Cf.
BECHARA, 2004; CUNHA et al, 1985).
Seguindo os conceitos da GT, os pronomes pessoais não deveriam desempenhar o
papel de complemento, mas na língua falada não é difícil que ocorram frases como: “Ela
nunca falava com eu” / “Comprou pra eu” / “Ela falou deu”, ou seja, apesar do que
prescreve a GT, o pronome pessoal “eu” está sendo utilizado como complemento. A partir
desta constatação, faremos um estudo acerca da variação entre os pronomes “mim/eu” na
posição de complemento na fala em Alagoas1, através de uma análise Sociolingüística
Variacionista. Mostraremos que uma variação lingüística não ocorre aleatoriamente, este
processo é resultado da correlação entre os fatores sociais e a língua em uso. Confirmando,
portanto, que as línguas são heterogêneas devido ao sistema dinâmico no qual elas estão
inseridas. Demonstraremos, especificamente, a ação dos fatores escolaridade e sexo na
língua, verificando como estes são capazes de determinar a realização ou não de uma
determinada variação.
Dividiremos nossa análise em cinco partes: a primeira, apresenta quais foram a
metodologia e fundamentação teórica adotadas, também trará quais foram os fatores
extralingüísticos utilizados como indicadores sociais e ainda justificaremos tais escolhas, na
segunda parte faremos a apresentação e a análise dos dados, na terceira, faremos nossas
considerações finais e por conseguinte traremos as referências utilizadas, e ainda, em
anexo todo o corpus utilizado.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO/ METODOLÓGICA
Os dados utilizados neste trabalho foram obtidos através de observações em
conversas informais e espontâneas, estas foram feitas de modo assistemático, ou seja os
dados foram colhidos de forma aleatória, onde a preocupação existente por parte do
ouvinteobservador era apenas a de perceber a utilização da variação “mim/eu” na posição
de complemento. A coleta foi realizada em vários locais, onde a preocupação com a língua
não era privilegiada pela situação de fala. Dentre os locais de coleta destacamse a
Universidade Federal de Alagoas, onde pudemos observar especificamente o uso da língua
por universitários, e cidade de Atalaia, no interior do estado, que serviu para que a pesquisa
pudesse abranger não apenas os aspectos da língua na capital, conseguindo assim, ter
uma visão mais ampla do fenômeno em Alagoas.
1 È importante ressaltar que levamos em consideração apenas o fato de o falante residir em Alagoas,não nos importando, portanto, se os informantes eram nativos.
Após a coleta dos dados, cruzamos as variações encontradas com os fatores
escolaridade e sexo, observando assim qual era o sexo e o nível de escolaridade do
informante. É importante ressaltar que, não utilizamos entrevistas pelo fato de que este tipo
de variação ocorre em contextos muito específicos, que não poderiam ser induzidos através
de questionamentos.
A partir da idéia de que as línguas se modificam continuamente e que está possui
formas distintas de manifestações: a norma culta e a coloquial; trabalharemos fazendo uma
relação entre o que diz a GT e o que acontece de fato na língua falada.
Embasamos nosso trabalho na teoria da Variação Lingüística de William Labov,
considerando que a variação é essencial à própria natureza da linguagem humana (Cf.
LABOV, 1972). Com relação à variação lingüística, Monteiro (2000:13) acrescenta que:
Na realidade, não constitui nada de novo dizerque a língua e a sociedade são duasrealidades que se interrelacionam de talmodo, que é impossível conceberse aexistência de uma sem a outra. Com efeito, afinalidade básica de uma língua é a de servircomo meio de comunicação e, por issomesmo, ela costuma ser interpretada comoproduto e expressão da cultura de que fazparte.
A partir desta teoria, explicaremos a variação pronominal “mim/eu”, que acontece na
posição de complemento, através da idéia de que a variação lingüística é um modelo
teóricometodológico que assume o “caos” lingüístico como objeto de estudo (TARALLO,
1994). Procuraremos, a partir disto, analisar esta variação em função do meio social no qual
o falante está inserido.
Em nossa análise faremos uso de trabalhos que tratam da variação pronominal
“mim/eu” (CARVALHO, 2005; FARIA, 2006), porém não encontramos nenhum estudo que
trate especificamente desta variação pronominal na posição de complemento.
2.1. VARIANTES ESTABELECIDAS
Acreditamos que esta variação pronominal devese não somente a mudanças de
ordem interna da língua, mas devido à interferência de fatores extralingüísticos, para esta
análise, utilizamos apenas escolaridade (universitário/não universitário) e sexo
(masculino/feminino), como indicadores sociais.
2.1.1. A variável escolaridade
A opção pelo fator escolaridade deuse pelo fato de que, segundo Votre (2003), a
escola gera mudanças na fala e na escrita das pessoas que as freqüentam e das
comunidades discursivas, a partir disto observaremos como o nível escolaridade do falante
pode desempenhar um papel decisivo na configuração geral de uma determinada variação.
2.1.2. A variável sexo
A escolha deste fator não foi aleatória, ela foi motivada pelo fato de que vários
trabalhos já demonstraram que existem diferenças significativas entre a fala de homens e
mulheres2 (Cf. FISCHER, 1985; HAERI, 1987; LABERGE, 1977). É importante destacar
que, segundo Paiva (2003), em uma análise onde se correlacionam o fator sexo e a
variação lingüística, é necessário fazer referência não só ao prestígio atribuído pela
comunidade às variantes lingüísticas como também à forma de organização social de uma
dada comunidade de fala.
3. ANÁLISE DOS DADOS
Tendo como intuito verificar a ocorrência da variação entre os pronomes “mim/eu” na
posição de complemento, observamos conversas e discursos informais, realizados por
universitários e nãouniversitário de ambos os sexos. Durante as observações analisamos
as construções que utilizavam os pronomes “mim” e “eu”, e a partir disto pudemos colher o
que nos interessava para análise e descartar o que não precisávamos no momento.
Examinamos quais eram os falantes que produziam este tipo de variação, qual era a
ocorrência do fenômeno de acordo com os indicadores sociais de cada informante e ainda
de diante de quais preposições o fenômeno apareceria.
A partir dos dados colhidos temos as seguintes tabelas:
Tabela 1 A influência do fator escolaridade (universitário) sobre a variação
pronominal “mim/eu” na posição de complemento verbal na fala de mulheres em
Alagoas
MULHERES UNIVERSITÁRIAS
Informante 1 Pega uma faca pra eu.
Informante 2 Mentira, foi pra mim.
Informante 3 Cala a boca e diz logo pra mim.
2 De acordo com Fischer (1958), a forma de prestígio tende a predominar na fala feminina,tentaremos observar se isso também vai ser constatado em nosso estudo.
Analisando a tabela 1, percebemos que:
A informante 1 utiliza o pronome pessoal do caso reto “eu” na posição de
complemento, observase ainda que este pronome está precedido pela preposição
“pra” (para).
A informante 2 utiliza o pronome oblíquo tônico “mim” como complemento verbal,
após preposição “pra” (para).
A informante 3, também faz uso do pronome oblíquo “mim” e este foi precedido da
preposição “pra” (para).
Das três informantes com nível universitário que foram observadas, percebemos
que apenas uma destas utilizou a variante “eu” como complemento verbal. Constatamos
também, que esta variação só foi encontrada diante de uma única preposição: “pra” (para).
Tabela 1. 1 A influência do fator escolaridade (nãouniversitário) sobre a variação
pronominal “mim/eu” na posição de complemento verbal na fala de mulheres em
Alagoas
MULHERES NÃO UNIVERSITÁRIAS
Informante 4 Ele puxou na cabeça deuInformante 5 Você sempre disse que não votaria em mim
Informante 6 Dê pra eu.
A tabela 1.1 mostranos que:
A informante 4 utiliza a variante “eu” como complemento para o verbo ‘puxou’, após a
preposição “de”.
A informante 5 não faz uso da variante “eu”, ela utiliza o pronome “mim” após a
preposição “em”.
A informante 6 realiza a variação, utilizando o pronome reto “eu” diante da preposição
“pra” (para).
De acordo com as observações feitas na tabela acima constatase que duas
informantes utilizam a variante “eu” com a função sintática de complemento verbal. O que
observamos também é que ao contrário da tabela 1, a variante “eu” é empregada diante de
mais um tipo de preposição, ou seja além de “pra” também foi encontrada a preposição
“de”.
Tabela 2. A Interferência do fator escolaridade (universitário) sobre a variação
pronominal “mim/eu” na posição de complemento verbal na fala de homens em
Alagoas
HOMENS UNIVERSITÁRIOS
Informante 1 Comprou pra eu.
Informante 2 Quando meu pai fica com raiva sempre sobra pra
mim.Informante 3 Ninguém faz nada por mim.
Na tabela 2 encontramos o seguinte:
1. O informante 1 realiza a variação diante da preposição para na forma de contração
“pra”.
2. O informante 2 utiliza como complemento o pronome oblíquo tônico após a preposição
“pra”.
3. O informante 3 também não utiliza a variante “eu” , ele utiliza “mim” antecedido pela
preposição “por”.
Examinando a tabela 2 podemos perceber que como acontece na tabela 1, apenas
um informante realiza a variação do pronome “eu” na posição de complemento verbal, e
apenas após a preposição “pra” (para).
Tabela 2.1 A Interferência do fator escolaridade (não universitário) sobre a variação
pronominal “mim/eu” na posição de complemento verbal na fala de homens em
Alagoas
HOMENS NÃO UNIVERSITÁRIOSInformante 4 E vai botar moral pra eu?Informante 5 E você vem dizer isso a eu?Informante 6 Se fosse com eu.
Na tabela 2.1 constamos que:
5. O informante 4 realizou a variação diante da preposição “pra”.
6. O informante 5 utilizou o pronome reto “eu” diante da preposição “a”.
7. O informante 6 fez uso da variante “eu” , sendo este, precedido pela preposição
“com”.
Nesta tabela, percebemos que em todos os dados colhidos apareceu a variante “eu”
ocupando a posição de complemento verbal. Notamos também que esta tabela apresenta
outras preposições (a; com) que podem ser empregadas diante desta variante.
3.1.O PAPEL DAS VARIANTES EXTRALINGÜÍSTICAS
Parecenos evidente que na língua falada, de uma forma geral, ocorra a variação
entre os pronomes “mim” e “eu” tanto na posição de sujeito como já foi confirmado por Faria
(2006), como na posição de complemento verbal. Visto que, nas tabelas analisadas sempre
esteve presente esta variação, com uma certa oscilação de acordo com o nível de
escolaridade e com o sexo do falante.
Podemos constatar que este fenômeno ocorre em Alagoas em ambos os sexos e em
ambos os níveis de escolaridade (universitário/não universitário) . Ressaltando que, como
que já foi dito em diversos estudos, as mulheres tendem a utilizar a forma mais prestigiada
da língua: a norma culta. No entanto, no que diz respeito ao fator escolaridade, notamos
que os informantes (homens e mulheres) que são universitários tendem a não produzir este
tipo de variação com a mesma proporção. Confirmando a idéia de que a escola atua como
preservadora de formas de prestígio, face a tendências de mudança em curso nas
comunidades de fala (VOTRE, 2003). Mas, quando observamos os resultados obtidos com
os informantes que não possuem nível universitário, constamos que o fator sexo prevalece
diante do fator escolaridade, onde as mulheres apresentam um maior cuidado diante do uso
da língua.
4.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dos dados por nós apresentados vimos uma sobreposição da linguagem
coloquial à norma culta.
Foi interessante comprovar que as duas formas pronominais analisadas “mim” e “eu”
além de assumirem a mesma realização na forma nominativa, também podem assumir a
forma oblíqua (Cf. CARVALHO, 2005).
Temos a consciência de que apesar de ter sido utilizado uma pequena amostragem
da realização de fenômeno em Alagoas, acreditamos ter contribuído para uma reflexão
sobre este, comprovando que apesar do que está prescrito na gramática tradicional, o
pronome pessoal do caso reto “eu” está sendo utilizado como variante para o pronome
oblíquo tônico “mim” com a função complemento verbal na fala em Alagoas.
Os fatores extralingüísticos utilizados neste estudo, foram capazes de desempenhar
um papel importante na realização das variantes examinadas. Visto que o fator sexo
prevaleceu diante do fator escolaridade, onde pudemos comprovar uma maior consciência
feminina ao status social das formas lingüísticas. Onde observamos a predominância de
variantes padrão entre as mulheres, isto pode ser fruto da própria condição feminina diante
da organização social.
O fator escolaridade não demonstrou ser tão importante diante da configuração
desta variação pronominal, visto que nos dados utilizados não foi encontrado diferenças
significativas resultantes do nível de escolaridade. Tal diferenciação só foi obtida através do
cruzamento desta variante extralingüística com o fator sexo dos informantes.
Uma outra constatação feita foi a de que as preposições que antecedem os
pronomes dependem do sexo do falante, pois encontramos apenas as preposições “pra”
(para) e “de” na fala de mulheres, já nos homens, foi observado um maior número de
preposições antecedendo a variante “eu”, que foram: “com” e “a”. Mencionamos ainda que
detectamos a contração preposição “de” com o pronome “eu” formando assim: “deu”.
Acreditamos que este tipo de contração também pode ocorrer da seguinte maneira: em + eu
= neu; pra + eu = preu.
Diante disto, inferimos que a variação entre os pronomes “mim/eu” na posição de
complemento verbal na fala em Alagoas é resultante da correlação entre fatores lingüíticos
e extralingüísticos, acrescentamos ainda que este fenômeno mereça um estudo mais
específico, pois acreditamos
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