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A REDE DE INTELECTUAIS SANTISTAS E O DISCURSO DO PROGRESSO PARA
MODERNIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO NA CIDADE (1889-1930)
LUIZ HENRIQUE PORTELA FARIA
Resumo
Esta pesquisa tem por objetivo analisar a possível presença de uma rede de intelectuais que
atuou na cidade de Santos durante a Primeira República, a qual reforçou ideologicamente,
tanto na sociedade civil quanto na sociedade política, o discurso da modernidade educacional.
Para isto, ressaltar a formação, a articulação política e social destes sujeitos, bem como
analisar os discursos presentes nos periódicos da época, sobretudo, jornais. Busca-se
fundamentação teórica em Gramsci, Sartre e Bobbio, autores que nos possibilitam pensar
acerca da identidade, função e atuação dos intelectuais. A partir do diálogo com as evidências
– fontes históricas, conforme Thompson – e da análise dos discursos presentes nos jornais, os
quais são considerados em sua historicidade, considerando-o como artefato cultural que
promove uma perspectiva acerca das práticas sociais, perceber o projeto civilizatório, bem
como os valores e ideais concernentes à educação.
Palavras-chave: Intelectuais. Educação. Modernidade Capitalista. Santos.
O presente estudo investigativo busca compreender, em perspectiva histórica, a
presença e atuação de uma possível rede de intelectuais no processo de modernização da
educação em Santos, entre 1889 e 1930. Para isto, ressaltará o itinerário de formação, a
articulação política e social destes sujeitos, bem como analisará seus discursos presentes nos
periódicos da época.
Buscando atender as exigências da honestidade acadêmica e também, curvar-se às
evidências que determinam o processo de construção de produção do conhecimento, é
importante registrar, nas palavras de Michel de Certeau (2010), o meu lugar social ou de
enunciação, pois toda:
Universidade Católica de Santos, discente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação em nível
de doutorado. Bolsista Capes.
2
[...] pesquisa histórica se articula com um lugar de produção sócio-
econômico, político e cultural. Implica um meio de elaboração que
circunscrito por determinações próprias: uma profissão liberal, um posto de
observação ou de ensino, uma categoria de letrados, etc. Ela está, pois
submetida a imposições, ligada a privilégios, enraizada em uma
particularidade. É em função deste lugar que se instauram os métodos, que
se delineia uma topografia de interesses, que os documentos e as questões,
que lhe são propostas, se organizam (p. 66-67).
A opção por este tema de pesquisa refere-se, sobretudo, à minha trajetória acadêmica
desempenhada durante a graduação em História. Existia, naquele momento, uma forte
influência dos professores do curso para que seus orientandos se dedicassem a temáticas
regionais. Havia palestras, simpósios, ou outros eventos destinados ao compartilhamento de
resultados de pesquisas recentes da História Regional, onde éramos inseridos num ambiente
bastante produtivo academicamente. Recordo-me de uma palestra chamada ‘Como pela
música se ensina história’, oferecida pela profa. Dra. Heloísa de Araújo Duarte Valente. Ela
pesquisava sobre o Fado na cidade de Santos. Após sua palestra, ofereceu aos alunos a
possibilidade de conhecer seu grupo de pesquisa – Musimid1 – e seus recentes trabalhos sobre
Imigração Portuguesa e a formação de um reduto de cultura portuguesa na cidade de Santos.
Desejoso de conhecer o tema, ingressei no Musimid e iniciei minhas pesquisas a partir
do acervo pessoal do Sr. Manoel Ramos, radialista português, notadamente conhecido em
Santos pela ligação com o Fado e a cultura portuguesa. A partir das entrevistas feitas com o
Sr. Ramos, notamos, a profa. Heloísa e eu, que se encontravam no bairro da Vila Mathias as
principais referências aos lugares de cultura portuguesa na cidade. A questão que se impunha
era: por quê? Percebemos que Mathias Costa, fundador da Vila Mathias, imigrante português
que veio investir capital no Brasil, a partir de envolvimentos políticos bastante contraditórios
na cidade, trabalhou para a expansão urbana de Santos e a recepção de imigrantes portugueses
mais afortunados na Vila Mathias.
1 O Centro de Estudos em Música e Mídia (Musimid) teve sua origem no XIII Encontro Nacional da Anppom
(Associação Nacional de Pesquisa e Pós Graduação em Música). Atualmente, promove palestras, oficinas,
discussão de projetos de pesquisa e os Encontros anuais de Música e Mídia. A coordenadora do Musimid é a
profa. Dra. Heloísa de Araújo Duarte Valente.
3
Todo o processo de pesquisa, que me permitiu o contato com fontes primárias, a busca
por material de difícil acesso, a persistência diante das dificuldades encontradas nos centros
de documentação etc., serviu de incentivo para o meu desenvolvimento pessoal pelo gosto de
realizar a pesquisa histórica.
Após 05 anos de conclusão do curso de História, ingressei no mestrado em Ensino,
Filosofia e História das Ciências e Matemática, pela Universidade Federal do ABC. Naquele
momento histórico, eu estava completamente envolvido com a prática docente em sala de aula
e com o ensino não formal. Por esta razão, decidi analisar, em minha dissertação, as
estratégias metodológicas do Projeto ‘Batuclagem’, um programa de extensão da UFABC que
se propunha a realizar oficinas de educação ambiental a crianças de 07 a 11 anos por meio de
uma metodologia interativa: contação de história, jogos, brincadeiras e músicas. Minha linha
de pesquisa, obviamente, foi ensino de ciências.
Por mais que desenvolver a pesquisa no mestrado tenha sido uma experiência bastante
gratificante, senti muito a ausência de trabalhar com a metodologia historiográfica:
levantamento de fontes, pesquisa em acervos, análise documental etc., decidindo-me, então, a
retornar para a História. Uma intersecção possível para um historiador que havia trabalhado
com ensino de ciências é a História da Educação.
Retomando as pesquisas sobre Santos, no final do século XIX e início do XX, percebi
que muitos sujeitos envolvidos com as questões políticas e econômicas da cidade, que
pertenciam às instituições culturais e sociais, também estavam relacionados com a educação.
Dentro deste contexto, este estudo investigativo se orienta pelo entendimento que, conforme
Reis Filho (1981), Nagle (2001) e Carvalho (2003) apontaram em suas pesquisas, para os
intelectuais atuantes na Primeira República brasileira, a educação constituiria o campo
primordial para a construção de uma sociedade democrática, a consolidação do Estado
Republicano. Também, neste sentido, o discurso presente no Jornal santista A Tribuna
corrobora tal perspectiva:
A instrução é a base de todo progresso e engrandecimento, faz necessária uma ação
energética não só por parte das autoridades municipais, como mesmo de todos os
que ocupam posições de destaque nesta cidade, para que tenham um fim este
vergonhoso estado das coisas.
4
Porque a Câmara Municipal e o alto comércio não reúnem os seus esforços para
alcançar o fim colimado! Porque não se organiza, com esses elementos e outros que
dela queiram fazer parte, uma grande comissão para se entender diretamente com o
governo do Estado e com os congressistas estaduais.
Essa comissão, ao mesmo tempo que se procuraria obter do governo a criação da
escola, trataria também de angariar os meios necessários para que fossem
oferecidos aos poderes estaduais. Vemos nossa população aumentar de modo
assombroso, não pode continuar com o mesmo número de escolas de há 10 ou 15
anos atrás.
É necessário agir e agir com entusiasmo, pois a vontade e a energia são as duas
grandes armas que se obtém a vitória.
Por nossa parte, estamos dispostos a combater em prol da instrução pública de
Santos e, conquanto modestos, os nossos esforços se unirão aos daqueles que
tomarem a si essa nobre campanha de aparelhar a nossa cidade para o futuro
brilhante que o destino e a evolução natural dos acontecimentos fatalmente lhe
reservam (A TRIBUNA, 10/04/1913).
Esta notícia é referente à proposta da criação de um imposto municipal específico para
angariar fundos para a educação. A educação representou um papel preponderante para o
desenvolvimento do projeto civilizador no Brasil em fins do XIX e início do XX, tanto para
os intelectuais – que foram os propagadores desta ideia – quanto para as instituições a quem
eles pertenciam ou representaram.
De acordo com a produção historiográfica consultada (SILVA SOBRINHO, 1953;
RODRIGUES, 1975, 1976, 1979, 1981; PORTO VIEIRA, 2012; PEREIRA, 2016), diversos
sujeitos estiveram engajados com o discurso do progresso na cidade de Santos, dentre eles, os
irmãos Arthur, Henrique e Adolpho Porchat, Manoel Maria Tourinho, Raymundo Sóter de
Araújo, Vicente de Carvalho, Victor de Lamare, dentre outros. Os resultados recentes da
pesquisa de Porto Vieira (2012) mencionam uma rede de solidariedade de intelectuais
republicanos que, no final do século XIX e início do XX, atuavam em diversas esferas da vida
pública da cidade, tanto nas instituições sociais quanto no poder público, empenhando-se
consolidar o discurso da modernidade capitalista. Tais sujeitos articularam-se, dentre tantos
locais, nas escolas e instituições de ensino da cidade, conforme aponta a autora:
Quadro 1: Presença do grupo de intelectuais nas escolas de Santos
5
Adolfo Porchat
de Assis
Raymundo
Sóter de
Araújo
Arthur
Porchat de
Assis
Victor de
Lamare
Diva de
Lamare
Porchat de
Assis
Liceu
Feminino
Santista
Professor Professor Professor Professor Conselheira
(Diretoria)
Academia de
Comércio
Diretor e
Professor Professor Professor
Instituto D.
Escolástica
Rosa
Médico e
Professor Médico Diretor -
Asilo de
Órfãos Médico Médico Presidente
Escola Docas Médico -
Fundador da
Escola
Fonte: PORTO VIEIRA, (2012, p. 93)
Observou-se que poucas pesquisas são concernentes à atuação dos intelectuais na
cidade de Santos e, as que existem, apenas os identificam, procurando, em geral, focar a
análise das suas obras2 ou de seus acervos3.
Na década de 1950, José da Costa e Silva Sobrinho, advogado e professor, membro do
Instituto Histórico e Geográfico de Santos, em comemoração ao quarto centenário da
Fundação da cidade de São Paulo, escreveu a obra Santos noutros tempos. Nela, o autor
oferece uma coletânea de artigos publicados no Jornal A Tribuna que versa sobre temas
variados da História de Santos4. Herdeiro da época em que foi escrito, este livro apresenta
2 É o caso dos trabalhos de CARMO; VIEIRA (2014) e VIEIRA (2015) que analisam as representações de
Arthur Porchat de Assis, acerca da educação intelectual, em sua obra Eduquemos, publicado em 1915; Pereira
(2016) publicou uma comunicação no XI Congresso Luso Brasileiro de História da Educação (2016) sobre o
inspetor literário Delphino Stockler de Lima, a partir de seus textos publicados no Jornal A Tribuna durante os
anos de 1920 e 1921. Nestes textos, aparecem temas variados, como a condição do professor, relação entre
escola e família, situação do ensino público, legislação escolar etc. 3 ALVES (2015) analisa o acervo fotográfico de Luiz Damasco Pena. 4 Costa e Silva Sobrinho escreveu acerca de diversos pontos históricos da cidade de Santos, tais como o Gonzaga
em 1889; A Associação Comercial de Santos; O Clube XV; A Capela de Santo Amaro na Fortaleza da Barra; o
Teatro Guarani etc. Além disso, faz menção de eventos notórios na cidade, como a vista de Rui Barbosa em
1890, a inauguração dos Bondes da Vila Mathias, dentre outros.
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positivamente a história de lugares, eventos e algumas biografias que, ao serem devidamente
analisadas, servem como um importante registro de aspectos da histórica da cidade e de
específicos momentos da atuação de seus intelectuais.
Olao Rodrigues, jornalista e secretário do Jornal A Tribuna, também membro do
Instituto Histórico e Geográfico de Santos, posteriormente, escreveu algumas obras
concernentes à História de Santos, dentre elas, o Veja Santos (1975), que apresenta,
brevemente, um histórico acerca dos nomes de ruas, praças ou demais logradouros da cidade
de Santos – tornando-se um primeiro passo para a pesquisa histórica acerca da biografia dos
ditos intelectuais; Nos tempos de nossos avós (1976), que compila, da mesma forma que
Costa e Silva Sobrinho, uma série de artigos publicados no Jornal A Tribuna e que compõe
um índice bastante organizado de eventos e lugares da presença dos intelectuais santistas;
Cartilha da História de Santos (1981), que, de maneira sucinta, traz uma sinopse dos aspectos
físicos da cidade, um breve panorama histórico e artigos acerca de eventos do final do século
XIX e início do XX – citando os ilustrados santistas em suas ações – servindo, portanto, de
fonte para o tema deste projeto.
Necessita-se de maior aprofundamento acerca do desempenho destes sujeitos no
processo de modernização da educação na cidade – identificá-los, apenas, é pouco promissor
frente à atuação destes intelectuais em Santos – e, por isso, justifica-se a relevância acadêmica
deste projeto que, partindo de resultados anteriores, continuará no processo histórico de
produção de conhecimento acerca desta temática.
Com relação ao processo de modernização da educação em Santos, em fins do século
XIX e início do XX, há pouca produção acadêmica e, por isso, mencionam-se apenas duas
dissertações, a saber: de Carreira (2012), defendida na Universidade Católica de Santos, que
analisa a construção do cidadão republicano em Santos durante a Primeira República. Sua
pesquisa evidenciou que, nesta transição temporal, há um abismo entre o discurso republicano
idealizado e os limites da sua implementação, o qual se mostra a partir de inúmeros
problemas, tais como a precariedade do material dos estabelecimentos escolares, o
atendimento parcial à demanda e a alta seletividade do ensino; pela Universidade de São
Paulo – USP, Caleffi (2014) defendeu a dissertação intitulada A educação na Primeira
República na cidade de Santos. Neste trabalho, a partir da análise da Constituição Municipal
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de 1894 e de outras fontes primárias, Caleffi procurou compreender o projeto educacional que
estava sendo construído pelos grupos dirigentes de Santos, demonstrando as contradições
presentes entre os discursos republicanos na cidade, suas representações com relação aos
modos de entender a liberdade e autonomia municipal, sobretudo, no campo da educação.
Considerando tudo o que foi exposto, a presente pesquisa parte das seguintes questões
iniciais: Quem foram estes intelectuais? Quais os grupos sociais a que pertenceram? O que, de
suas ideias, é conhecido? Onde foram registradas? Que tipo de projeto para a sociedade eles
defendiam? Quais papéis sociais que estes sujeitos desempenhavam? Em quais processos
contraditórios estavam envolvidos? O que se preferiu lembrar acerca deles? E o que se
preferiu esquecer acerca deles? (BURKE, 1992).
O historiador marxista E. P. Thompson, em seu livro A miséria da Teoria ou um
planetário de erros (1981), defende que a verdade histórica só pode ser levantada dentro da
sua própria teoria, isto é, por meio de procedimentos teóricos rigorosos. É no diálogo com as
fontes, interrogando-as constantemente e, por outro lado, por meio da pesquisa empírica, que
se faz o discurso histórico. Não se deve partir de ideias preconcebidas acerca dos fatos, antes,
é no interrogar das evidências que se compreendem as articulações históricas. Segundo ele:
Um historiador – e, sem dúvida, um historiador marxista – deveria ter plena
consciência disto. O texto morto e inerte de sua evidência não é de modo algum
“inaudível”; tem uma clamorosa vitalidade própria; vozes clamam do passado,
afirmando seus significados próprios, aparentemente revelando seu próprio
conhecimento de si mesmas como conhecimento (THOMPSON, 1981, p. 27).
O historiador, segundo Thompson, precisa ter, como pressuposto, o entendimento de
que o passado não é uma série de histórias paralelas e separadas, antes, é “a soma unitária do
comportamento humano” (1981, p.50), isto é, a relação dialética existente entre os sujeitos e o
contexto em que estão inseridos, correlação estas que são mediadas pelo mercado, ou por
relações de poder etc. e, portanto, neste engajamento de ações e modificações forma-se o
processo histórico.
Inserindo a problemática dos intelectuais no panorama mais amplo da história social
da cidade de Santos e de estudos da historiografia da Educação que tratam de questões
relativas ao campo, o objetivo desta pesquisa é compreender os modos de agir e de pensar dos
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intelectuais que atuaram na cidade de Santos durante a Primeira República no campo da
educação escolar.
Pretende-se alcançar os seguintes objetivos específicos:
a) Identificar os intelectuais e procurar evidenciar os aspectos singulares da atuação
destes em seu contexto, a fim de compreender a abrangência da ação política e a
função social que estes sujeitos desempenharam com relação à educação;
b) Analisar os discursos destes intelectuais presentes nos jornais e outros meios de
comunicação, a fim de perceber as suas práticas sociais, comportamentos e crenças,
procurando identificar a relação entre educação e modernidade;
c) Procurar perceber, a partir das fontes históricas analisadas, as contradições presentes
nos embates existentes nesta geração de ilustrados que disputaram a hegemonia do
campo educacional da cidade de Santos;
Procurando fundamentar teoricamente esta pesquisa, parte-se de Vieira (2008) que
informa a origem do termo ‘intelectual’, oriundo da palavra russa ‘intelligentsia’, diretamente
associada à representação da elite culta da sociedade que propunha reformas sociais e
reivindicava o papel de guia do povo, uma vez que eram os porta-vozes de uma consciência
nacional. No fim do século XIX, este termo foi apropriado para o cenário francês, sendo
‘intelligentsia’ preterida em favor do termo ‘intellectuel’, ou de modo mais exato,
‘intellectuels’. Segundo o autor, comentando sobre o termo: “A palavra no plural, designando
o conjunto dos cultos, denota de forma mais precisa a existência de um protagonista político
com identidade definida” (p. 70). Nota-se, portanto, que o intelectual, segundo sua conotação
moderna, é aquele que está engajado, tanto porque assume sua posição política quanto porque
intervém em assuntos públicos.
Antonio Gramsci (1982), em seu livro ‘Os intelectuais e a organização da cultura’,
questionando acerca do conceito de intelectual, defende que estes não se fazem a partir da
atividade que desempenham, antes são as relações sociais em que estão inseridos que os
tornam intelectuais, afinal, “todos os homens são intelectuais, poder-se-ia dizer então: mas
nem todos os homens desempenham na sociedade a função de intelectuais” (p.7). Surgem
progressivamente a partir de suas práticas e são, por isso, formados historicamente em
conexão com os demais grupos sociais, especialmente do grupo dominante, para legitimar
9
suas ações. Os intelectuais lutam, sobretudo, no campo ideológico e, tornando a escola, seu
instrumento propagador para elaborar novos intelectuais de diversos níveis e a educação, o
campo para a consolidação de seus ideais.
Concordando com Gramsci, Sartre (1994) defende que os intelectuais são formados
pela função socialmente reconhecida. Esta função, entretanto, emerge no momento em que os
técnicos do saber prático utilizam de seus métodos para outra finalidade, não apenas para a
prática de suas tarefas específicas, mas sim para a construção de uma ideologia contrária a
dominante. São aqueles que tomaram consciência do processo contraditório em que estão
inseridos e, utilizando-se de símbolos, sinais e signos, lutam para dissolver o sistema de ideias
de outras classes. Assim, segundo Sartre:
(...) o intelectual é o homem que toma consciência da oposição, nele e na sociedade,
entre a pesquisa da verdade prática (com todas as normas que ela implica) e a
ideologia dominante (com seu sistema de valores tradicionais). Essa tomada de
consciência – ainda que, para ser real, deva se fazer, no intelectual, desde o início,
no próprio nível de suas atividades profissionais e de sua função – nada mais é que
o desvelamento das contradições fundamentais da sociedade, quer dizer, dos
conflitos de classe e, no seio da própria classe dominante, de um conflito orgânico
entre a verdade que ela reivindica para seu empreendimento e os mitos, valores e
tradições que ela mantém e quer transmitir às outras classes para garantir sua
hegemonia (1994, p.30-31)
Norberto Bobbio (1997), problematizando esta questão, defende que os intelectuais
não constituem uma classe homogênea, muito embora vistos socialmente como aqueles que
possuem independência de pensamentos, coragem para defender suas convicções, ou ainda
como aqueles que reivindicam para si a alcunha de porta-vozes da opinião pública, são
segundo as ideias que sustentam e pelas quais se batem, progressistas ou
conservadores, radicais ou reacionários; segundo as ideologias que defendem, são
libertários ou autoritários, liberais ou socialistas; segundo a atitude diante das
próprias ideias que sustentam, são céticos ou dogmáticos, laicos ou clericais
(p.116).
Bobbio esclarece que os intelectuais podem ser representantes tanto do poder
econômico quanto do político, atuando, entretanto, com a palavra, por meio de símbolos e
signos. Pertencem a “um conjunto de sujeitos específicos, considerados criadores,
portadores, transmissores de ideias” (p. 109).
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Para averiguar, portanto, dentro de uma perspectiva histórica, a presença e a atuação
dos intelectuais na cidade de Santos, num diálogo constante com as fontes, a análise dos
jornais da época constituirá uma fonte preponderante. São nos jornais que serão localizados os
discursos, as narrativas de determinados fatos e as perspectivas históricas referentes a eles.
Manancial dos mais férteis para o conhecimento do passado, a imprensa possibilita
ao historiador acompanhar o percurso dos homens através dos tempos. O
periódico, antes considerado suspeito e de pouca importância, já é reconhecido
como material de pesquisa valioso para o estudo de uma época. A imprensa
registra, comenta e participa da história. Através dela se trava uma constante
batalha pela conquista dos corações e mentes (CAPELATO, 1988, p. 13)
Compreende-se, nesta pesquisa, a imprensa em sua historicidade, considerando-a uma
artefato cultural, procurando questioná-la não como fonte fidedigna da realidade, antes, como
fonte histórica que promove uma perspectiva acerca das práticas sociais, parcial e
comprometida com os agentes de sua produção e fortemente influenciada pela cultura
(DARNTON, 1990). Nas palavras de Cruz e Peixoto:
Trata-se de entender a Imprensa como linguagem constitutiva do social, que detém
uma historicidade e peculiaridades próprias, e requer ser trabalhada e
comprometida como tal, desvendando, a cada momento, as relações
imprensa/sociedade, e os movimentos de constituição e instituição do social que
esta relação propõe (2007, p. 258).
Procura-se, desta forma, evitar o equívoco de compreender a imprensa de maneira
isolada de seu contexto, na tentativa de construir uma história linear, deixando de buscar os
vínculos deste meio de comunicação com as questões sociais de seu período histórico, ou com
os processos políticos e contraditórios em que estão envolvidos, ou com os aspectos
econômicos em que estão comprometidos, ou ainda com os movimentos culturais, partidários,
ideológicos que o compõem (WILLIAMS, 2007).
Explicitando algumas fontes de pesquisa, pensadas como ponto de partida, cita-se:
1. O Jornal Diário de Santos – publicado pela primeira vez em 10 de outubro de 1872,
este jornal foi, segundo Olao Rodrigues (1979), o periódico de maior vivência na
cidade. Trata-se de uma fonte bastante preciosa para a história de Santos, uma vez que,
por ter atravessado o século XIX para o XX, registrou diversas incursões e campanhas
11
a favor da abolição da Escravatura e da República. Parte significativa de seus
impressos está na Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio de Santos.
2. O Jornal A Tribuna do Povo – cujo primeiro número circulou em 1894, muito embora
o exemplar mais antigo existente na sede de sua administração seja da primeira década
do século XX. Este jornal nasceu, segundo Olao Rodrigues, sem nenhum vínculo
partidário e desejoso em se tornar uma “tribuna livre para controvérsias” (A
TRIBUNA apud RODRIGUES, 1879, p. 70).
3. As atas da Câmara Municipal de Santos – uma vez que estes documentos oficiais
registram o andamento e o discurso dos intelectuais nas reuniões da Câmara, tornam-
se fontes profícuas para a pesquisa em questão.
4. Documentos de Instituições de Santos – considerando que havia uma rede de
sociabilidade entre os intelectuais a partir de diversas instituições na cidade, como, por
exemplo, a Santa Casa de Misericórdia, a Associação Comercial, a Beneficência
Portuguesa, o Clube XV etc., realizar-se-á contato com suas respectivas diretorias para
a consulta de seus acervos particulares.
Ainda não há resultados para serem compartilhados, considerando o pouco tempo de
existência desta pesquisa. Mas os próximos passos caminham para o levantamento das fontes
e análise dos documentos.
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