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1 Projetos institucionais, trajetórias intelectuais: uma perspectiva comparada sobre a institucionalização da antropologia no Brasil e na Índia 1 Vinicius Kauê Ferreira (UFSC/Brasil) Resumo: Para este artigo, proponho uma perspectiva comparada entre as histórias da antropologia no Brasil e na Índia, enfocando certos aspectos do período de institucionalização universitária da disciplina nos dois países. Busco compreender como, em ambos os contextos, os rumos da disciplina foram forjados pelo espírito contestador das suas primeiras gerações de estudantes, ao produzirem espaços de oposição aos interesses institucionais depositados sobre a disciplina. Para isso, retomo a trajetória de estudantes de uma primeira geração formada nas Universidades de Sâo Paulo e de Bombay, respectivamente. No caso brasileiro, exploro os trabalhos de Mariza Peirano para refletir sobre o caráter contestatório da primeira geração de estudantes em antropologia da USP, fundado na década de 1930 com o intuito de revigorar a influência da burguesia paulista. Para o caso indiano, utilizo-me de trabalhos contemporâneos sobre a história da disciplina para contextualizar trajetórias mais ou menos subversivas que influenciaram o campo indiano, entre o final da década de 1910 e o início da década de 1940, na Universidade de Bombay. Sustento aqui que uma análise dos processos de institucionalização da disciplina precisa ter em conta as trajetórias de intelectuais que opõem aos projetos institucionais ligados à fundação da disciplina em cada contexto e, mais ainda, que esses movimentos de resistência a projetos institucionais constituem-se em forças motrizes da consolidação da disciplina. Palavras-chave: História da antropologia; Índia; Brasil. 1 Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto de 2014, Natal/RN. Este artigo está baseado em minha pesquisa de mestrado realizado na École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris (2011-2013) com o apoio do Conseil Regional Île-de- France através de uma bolsa de estudos. A produção deste artigo deu-se no contexto de uma bolsa do CNPq, vinculada ao projeto Feminismo, ciências e educação: relações de poder e transmissão de conhecimentos, coordenado pela Dra. Miriam Pillar Grossi (UFSC).

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Projetos institucionais, trajetórias intelectuais: uma perspectiva comparada sobre

a institucionalização da antropologia no Brasil e na Índia1

Vinicius Kauê Ferreira (UFSC/Brasil)

Resumo:

Para este artigo, proponho uma perspectiva comparada entre as histórias da antropologia

no Brasil e na Índia, enfocando certos aspectos do período de institucionalização

universitária da disciplina nos dois países. Busco compreender como, em ambos os

contextos, os rumos da disciplina foram forjados pelo espírito contestador das suas

primeiras gerações de estudantes, ao produzirem espaços de oposição aos interesses

institucionais depositados sobre a disciplina. Para isso, retomo a trajetória de estudantes

de uma primeira geração formada nas Universidades de Sâo Paulo e de Bombay,

respectivamente. No caso brasileiro, exploro os trabalhos de Mariza Peirano para refletir

sobre o caráter contestatório da primeira geração de estudantes em antropologia da USP,

fundado na década de 1930 com o intuito de revigorar a influência da burguesia

paulista. Para o caso indiano, utilizo-me de trabalhos contemporâneos sobre a história

da disciplina para contextualizar trajetórias mais ou menos subversivas que

influenciaram o campo indiano, entre o final da década de 1910 e o início da década de

1940, na Universidade de Bombay. Sustento aqui que uma análise dos processos de

institucionalização da disciplina precisa ter em conta as trajetórias de intelectuais que

opõem aos projetos institucionais ligados à fundação da disciplina em cada contexto e,

mais ainda, que esses movimentos de resistência a projetos institucionais constituem-se

em forças motrizes da consolidação da disciplina.

Palavras-chave: História da antropologia; Índia; Brasil.

1 Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de

agosto de 2014, Natal/RN. Este artigo está baseado em minha pesquisa de mestrado realizado na École

des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris (2011-2013) com o apoio do Conseil Regional Île-de-

France através de uma bolsa de estudos. A produção deste artigo deu-se no contexto de uma bolsa do

CNPq, vinculada ao projeto Feminismo, ciências e educação: relações de poder e transmissão de

conhecimentos, coordenado pela Dra. Miriam Pillar Grossi (UFSC).

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Projetos institucionais, trajetórias intelectuais

Falar sobre história da antropologia no Brasil parece significar, quase que

invariavelmente, falar de uma espécie de conjunção necessária entre três dimensões que

se articulam em diferentes níveis, a saber: nação, instituições e biografias. Dito de outro

modo, no Brasil, esse campo denominado história da antropologia parece ter adotado

um tipo de narrativa que privilegia a confluência entre contextos históricos (e projetos)

nacionais, sua realização através da fundação de instituições e o modo como

determinadxs sujeitxs – e grupos – têm se inscrito – por alinhamento ou por oposição –

nesses macroprocessos2. Evidentemente, esse não é um traço exclusivo da reflexão

brasileira sobre a história da disciplina, sendo provavelmente amplamente

compartilhado por comunidades acadêmicas de diversos países nos trabalhos de

construção de uma historiografia sobre suas tradições nacionais e escolas teóricas.

Tendo isso em vista, gostaria de iniciar assinalando algumas controvérsias já

bastante conhecidas no campo da história das ciências sociais como um todo e que

tangem precisamente a esse triplo arranjo supracitado, a saber: os perigos – e pecados –

do paradigma nacional (ou nacionalista) na construção de nossa memória disciplinar3; o

aspecto complexo e ambíguo do papel de instituições universitárias e de financiamento

à pesquisa4 na consolidação da disciplina; e os riscos da chamada “ilusão biográfica” na

reconstituição de trajetórias intelectuais singulares5. Esse panorama é não apenas

2 Nesse sentido, podemos citar os trabalhos brasileiros já clássicos, como aqueles de Mariza Corrêa

(2003), Mariza Peirano (1991,1992) e Sérgio Miceli (1989,1995), além de obras mais recentes, como

aquelas de Miriam Grossi, Antonio Motta e Julie Cavignac (2006) e o livro recém-publicado de Mariza

Corrêa (2013). 3 Para o caso indiano, ver os artigos de Sujata Patel (1998) sobre a consolidação do departamento de

sociologia da Universidade de Delhi e para o caso francês ver Eduardo Archetti (2008) sobre as tradições

marginalizadas no campo da etnologia na França. Para a noção de “pecados” na discussão sobre

nacionalismo metodológico, ver Mariza Peirano (2004). 4 A antropóloga francesa Véronique Bénéï (2000) aborda de modo muito claro o modo como os area

studies – que tiveram pouca entrada no Brasil, na medida em que aqui se optou por uma organização

universitária centrada na divisão disciplinar e construí uma disciplina voltada às questões nacionais –

tiveram o efeito nos Estados Unidos de construir nichos de produção de discursos nacionalistas num

deslocamento transnacional. Ou seja, como descendentes de imigrantes habitando os Estados Unidos

puderam, ao ocupar essas formações especializadas em Ásia do Sul, Oriente Médio etc., tornar-se parte de

uma intelligentsia transnacional, responsável pela formulação de teorias nacionalistas no seio das

estruturas de formação universitária de outra nação. 5 Pierre Bourdieu (1986) denomina “ilusão biográfica” a construção retrospectiva de uma trajetória

intelectual arbitrariamente coerente e consciente em direção a um projeto de vida e de conhecimento

sempre claro e arrazoado. Segundo o sociólogo francês, as biografias intelectuais tratar-se-iam de um

gênero de pesquisa que se coloca à escuta dos sentidos (tanto como direção quanto como significação)

sempre arbitrários e interessados para xs autorxs vivxs e sempre artificiais e excessivamente construídos

para aquelxs já mortxs. A produção de uma “normalização de si”, de uma visão que projeta sobre a

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bastante amplo, mas também bastante parcial, é preciso dizer. É certo que encontramos

reflexões importantes que vêm questionando a centralidade dessa tríade, mesmo que

ainda sejam minoritários e lutam por maior projeção e reconhecimento6.

É verdade também que reflexões eventuais arriscam-se a tangenciar algumas

questões que vão além dessa tríade, mas essas provavelmente conseguem ainda menos

eco entre nós. Otavio Velho, por exemplo, toca rapidamente na questão dos interesses

de classe da comunidade antropológica brasileira e no alinhamento de boa parte dela ao

projeto nacionalista brasileiro, sugerindo que essa “dobradinha” teria alimentado uma

espécie de neo-orientalismo interno:

Orientalisrno esse que teria por pedra de toque a sua reconhecida associação

com o nation-building (Peirano 1980), em geral vazada em termos

culturalistas, sem falar dos interesses de classe (bem menos reconhecidos)

dos seus praticantes. Interesses de classe que inclusive se manifestariam num

certo maneirismo, em que os bons modos e a etiqueta incorporados ganham

uma importância desmedida, constituindo o que um olhar externo poderia

considerar uma antropologia triste, como os trópicos. (VELHO, 2003, p. 15)

Essa afirmação de Velho aparece em meio a um debate bastante mais amplo

sobre as relações contemporâneas da antropologia brasileira com o sistema acadêmico

mundial e abre brecha para uma discussão necessária mas pouco aprofundada sobre a

constituição da antropologia no Brasil (bem como dos seus caminhos futuros, em

tempos de democratização do acesso ao ensino superior). E eis um ponto importante a

ser incorporado ao conjunto nação/instituição/biografia, sobretudo porque o argumento

de Velho emerge como um elemento que é articulador, transversal, a essa tríade.

Iniciar com esse breve panorama tem o intuito de situar minimamente algumas

questões das quais parto para a redação deste texto e que, portanto, atravessarão as

reflexões as quais me dedicarei mais detidamente nas próximas páginas. Pode-se dizer

que neste artigo privilegiarei o segundo nível da tríade que eu mencionava

narrativa uma institucionalização da identidade, como no próprio estado civil: coisa constante, instituída e

construída sobre uma base imutável. 6 Cito como exemplo a obra coletiva organizada por Arturo Escobar e Gustavo Lins Ribeiro que, ao

propor uma compreensão da antropologia como uma “cosmopolítica concernente às estruturas de

alteridade” (2006, p. 148), produz uma história da antropologia preocupada com as articulações supra e

transnacionais da disciplina, com as assimetrias de poder entre cânones e tradições e ainda com os

discursos sobre a diferença e a diversidade no seio da disciplina. Em suma, uma perspectiva capaz de

questionar discursos nacionais, romantizações e estruturas globais históricas de produção e circulação de

saberes.

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anteriormente, ou seja, tomarei o processo de institucionalização da antropologia como

eixo central, cruzando-o com os outros dois. Assim sendo, a questão do projeto nacional

e das biografias estará sempre presente, mas essa articulação dar-se-á de algum modo

que se pretende ligeiramente crítica àquela geralmente encontrada em grande parte dos

trabalhos em história da antropologia.

Primeiramente porque, ao entender o campo disciplinar como um espaço de

conflitos, busco afastar-me de um tipo de abordagem romantizada da disciplina ou

sacralizadora de sxs personagens. O que me interessa é, portanto, os conflitos,

ambivalências e discursos de legitimidade nesses espaços institucionais. Se é verdade

que uma história da antropologia além das instituições seria importante para

conhecermos melhor nosso próprio campo7, é verdade também que outra perspectiva

sobre o lugar das instituições no desenvolvimento da disciplina é possível. Esse

deslocamento na análise de processos de institucionalização cristaliza-se neste artigo

através do postulado de que o desenvolvimento da antropologia em diversos países tem

sido potencializado não apenas pela sintonia entre projetos institucionais e trajetórias

pessoais localizadas, mas também – e talvez sobretudo – por um certo ar contestador

que tem marcado o trabalho de pesquisadorxs, ou mesmo gerações, que justamente se

opuseram a esses projetos – e aqui é sempre preciso tomar cuidado para não

incorrermos em romantizações em torno de ditas posturas pioneiras, visionárias e

revolucionárias da disciplina.

Portanto, investirei aqui numa abordagem dos processos de institucionalização

que seja ligeiramente diferente de um tipo de narrativa sobre uma consolidação mais ou

menos harmônica de instituições dentro de processos históricos bem definidos. Antes,

gostaria de sugerir que a “institucionalização” pode ser frequentemente lida através da

7 Gostaria de fazer uma referência especial ao trabalho de Pedro Martins e Tânia Welter (2012) sobre

Francisco Schaden. Figura completamente desconhecida da antropologia brasileira, Francisco Schaden foi

um imigrante alemão que após chegar ao Brasil instalou-se numa colônia de alemães das muitas fundadas

em Santa Catarina, que corresponde atualmente à pequena cidade de São Bonifácio com seus 3 mil

habitantes. Autodidata, era um homem erudito, professor fundador da primeira escola da cidade.

Aprendeu línguas diversas, como o francês, o latim, o esperanto, o ido, e o volopük. Aprendeu inclusive

as línguas de populações indígenas da região, o que lhe permitiu realizar estudos sobre a cultura material

e a redação de dicionários e gramáticas tupi e xokleng, além de documentar a língua kaingang. Suas

práticas científicas incluíam ainda a botânica e a fabricação de remédios a partir desses conhecimentos.

Francisco Schaden era pai de Egon Schaden, que mais tarde foi para Florianópolis para estudar e depois

se tornar professor de Antropologia na Universidade de São Paulo. Esta pesquisa sobre Francisco

Schaden se impõe em sua importância não apenas por apostar numa compreensão da história da

antropologia que transcende o espaço da instituição – o que significa dizer que certo conhecimento

antropológico estava sendo produzido também de modo autodidata nos interiores e rincões – mas também

porque a descentra de modo radical das grandes narrativas sobre os grandes centros sistematicamente

elevados ao lugar de surgimento e emanação do conhecimento antropológico no Brasil.

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sua negação, de uma resistência à própria instituição enquanto projeto político e de

conhecimento. Dito de outro modo, falar de institucionalização e respectivas biografias

intelectuais implica necessariamente falar de agenciamentos de recursos institucionais

materiais e simbólicos que se voltam contra a própria instituição num sentido muito

amplo do termo – não apenas no sentido daquilo que é ou está sendo institucionalizado,

mas também daquilo que está sendo instituído.

O caso brasileiro: as primeiras gerações da Universidade de São Paulo

Para cumprir com o objetivo deste artigo, proponho uma análise comparada

entre as histórias da antropologia no Brasil e na Índia, enfocando o período de

institucionalização universitária da disciplina nos dois países8. Busco compreender

como, em ambos os contextos, os rumos da disciplina foram forjados pelo espírito

relativamente contestador das suas primeiras gerações de estudantes, ao produzirem

espaços de oposição aos interesses institucionais depositados sobre a disciplina. Retomo

assim a trajetória de estudantes de uma primeira geração formada nas Universidades de

São Paulo (USP) e na Universidade de Bombay, respectivamente. Visto que os

trabalhos sobre a institucionalização das Ciências Sociais na USP são largamente

conhecidos entre antropólogxs brasileirxs, deter-me-ei mais brevemente no caso

brasileiro, para em seguida aprofundar-me nos processos vividos pela Universidade de

Bombay a partir da década de 1910.

Em sua tese de doutorado, intitulada The anthropology of anthropology, Mariza

Peirano (1991) retraça o contexto regional e nacional de fundação da USP em janeiro de

1934. Com a Revolução de 30, que leva a uma ruptura da política do café com leite que

8 Para o caso indiano, trabalharei com a a fundação do primeiro departamento de sociologia, na

verdade, na Universidade de Bombay. Nao é possível desenvolver aqui considerações mais detidas sobre a divisão antropologia/sociologia na Índia, que é muito diferente da brasileira, mas é suficiente eslcarecer pelo momento que grande parte do que consideramos antropologia no Brasil (antropologia urbana e de sociedades complexas em geral, antropologia de sociedades camponesas e mesmo etnografias de sociedades de ppequena escala) é denominado sociologia na Índia. Os departamentos indianos de antropologia dedicam-se sobretudo a estudos no campo da antropologia física e folclore. A apropriação que realizao aqui da sociologia como antropologia é reflexo de uma apresentação movente da qual xs próprios pesquisadorxs indianxs inseridxs em redes insternacionais apropriam-se, como lembra o indiano Andrè Béteille (2007).

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marcou a República Velha, Getúlio Vargas assume o poder e neutraliza a força política

de São Paulo no plano presidencial. Assim, essa década é vista como um período de

esvaecimento da influência política paulista a despeito da crescente industrialização do

estado e consequente acumulação de capital nas mãos das suas classes industrial e

empresarial. Segundo a autora, numa década de progressiva perda de influência da

classe política e da burguesia paulistas no cenário nacional, a fundação de uma

universidade aparece como uma reação audaciosa que busca não apenas a reafirmação

do prestígio das classes mais abastadas do estado, mas também a preparação de novas

lideranças e estadistas nascidos no seio da sua chamada “elite”.

Nesse contexto, grandes plantadores de café, proprietários de importantes

jornais, além do governo de São Paulo, unem-se na fundação de uma universidade

destinada à formação política e cultural de uma “elite” capaz de retomar as rédeas do

seu futuro, além de entreverem aí a construção de um pensamento sociológico e político

suficientemente esclarecidos para lidar com os “desafios da modernização” do país. O

projeto que a USP comportava era claro: a formação de uma “elite” liberal capaz de

governar novamente o Brasil, mas através da disseminação de uma nova “mentalidade”.

Salta aos olhos, portanto, um claro aspecto iluminista deste projeto, que se concretizou

através da importação de intelectuais da Europa, sobretudo da França.

A importação de professorxs francexs representou um investimento massivo na

difusão de reflexões sociológicas e políticas vistas como mais alinhadas às daqueles

grupos paulistas, sobretudo em relação a outros países da Europa. Um ponto importante

para nossa reflexão neste artigo é que a predominância das ideias de autores como

Comte e Durkheim foi decisiva para essa escolha, na medida em que ambos eram vistos

como pensadores importantes para a consolidação da reflexão humanística necessária ao

projeto de “progresso”, ao mesmo tempo em que pareciam suficientemente

aristocráticos em suas posições sobre a organização social e política da nação – e, vale

adiantar agora, esse mesmo argumento reaparecerá na implantação da sociologia na

Índia.

Inicialmente, contudo, a adesão inicial a esse projeto foi tímida por parte da

juventude da burguesia paulista, que gozava de certos privilégios no acesso à

instituição, o que acarretou em poucos ingressos nos cursos oferecidos da data de sua

fundação. Isso permitiu que alunxs de classes populares e médias acessassem a

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universidade, mas também engendrou uma divisão perversa de prestígio entre docentes

e discentes baseada nas conexões pessoais tecidas entre ambos.

Em meio a essa nova comunidade intelectual que se forma a partir da década de

1930, algumas trajetórias ganhariam notoriedade histórica e passariam a ser analisadas

como especialmente representativas de transformações inesperadas no seio da

instituição USP, ao passo em que emergem justamente das ambiguidades intrínsecas à

institucionalização das ciências sociais, bem como das forças de oposição aos projetos

institucionais oficiais. Refiro-me aqui às trajetórias de Florestan Fernandes e Antônio

Cândido9, que viriam mais tarde, a partir da década de 1950, a construir carreiras

extremamente reconhecidas, mas muito diversas entre si; e, sem dúvida, essa

diversidade está ligada a esses movimentos de resistência aos projetos institucionais do

qual cada um deles fez parte. E não me interessa aqui reconstituir a trajetória desses

pesquisadores, senão levantar alguns elementos importantes de suas biografias.

Na já referida tese de doutorado de Mariza Peirano, a autora traz narrativas

interessantes desses dois intelectuais sobre seu tempo de alunos. Para Florestan

Fernandes, o completo desinteresse dxs professorxs francesxs pelas condições concretas

de estudos, pelo background de seus estudantes, pela transição progressiva das cadeiras

às novas gerações formadas e ainda pela aplicação possível do que era ensinado,

geraram grande revolta entre muitxs alunxs. A posição de muitxs delxs teria passado

então à de resistência frente aos conteúdos ensinados nas disciplinas e de desejo de

ruptura com os cânones ensinados. Fernandes lembra que seu objetivo teria passado a

ser o de aprender com essxs pesquisadorxs estrangeirxs apenas metodologia de

pesquisa, organização institucional e certos padrões necessários ao trabalho intelectual,

mas rompendo com determinadas abordagens e lutando pela construção de um

pensamento crítico e sintonizado com a sociedade brasileira.

Antonio Candido, por sua vez, sublinha questões ligadas à origem social de

muitxs alunxs de sua geração, que teriam passado a se perceber como integrantes da

classe média, em contraposição a uma “elite” conservadora responsável pela fundação

da universidade. Para ele, que defendeu seu doutorado em sociologia na USP em 1954,

9 Um autor igualmente importante apra este debate, talez até mais que os dois citados, é Darcy Ribeiro,

que possui uma trjetória intelectual certamente peculiar e uma posição muito ambígua – entre o reconhecimento e a marginalização – no campo da antropologia brasileira.

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a origem social menos aristocrática de parte dxs alunxs teria engendrado esse ambiente

mais crítico.

Antonio Candido escreve que, ao criar uma universidade, a oligarquia

produziu um “aprendiz de feiticeirxs”: a elite forjou as condições de

formação de intelectuais para expressar os valores daquela, mas essxs

intelectuais, em parte porque vieram de classes médias, desenvolveram uma

atitude e um pensamento radical que negou os valores dxs fundadorxs. Pela

primeira vez na história brasileira, diz Candido, intelectuais apresentavam

uma imagem não aristocrática da realidade social brasileira. (PEIRANO,

1991, p. 37, minha tradução10

)

Florestan Fernandes é menos otimista que Antonio Candido, acreditando que

aquela geração não levou a termo as possibilidades que possuía de transformação da

teoria produzida, nem mesmo de uma aplicação concreta desses debates. Ele discorda

parcialmente de Antonio Candido, sustentando que a base social dxs estudantes não

teria sido tão determinante assim no tipo de postura ideológica a qual se alinharam

aquelxs jovens:

“Se era verdade que a maioria adotou pontos de vista socialistas, a simples

verdade é que eles continuavam trabalhando no interior do paradigma dos

fundadores da universidade. Entre xs estudantes, havia somente uma vocação

socialista.” (ibidem, p. 38, minha tradução11

).

Entretanto, mesmo que de modo mais cauteloso, Florestan também considera

que a instituição liberal fundada por um grupo oligárquico teria sido redefinida por sua

geração que, por sua vez, teria tomado o controle dela, diminuindo sistematicamente a

influência, no seu interior, das ideias aristocráticas defendidas por sxs fundadorxs.

Em entrevista concedida à Peirano12

, Antonio Candido conta que a formação

recebida era eminentemente durkheimiana, mas a influência informal do marxismo foi

bastante forte em sua geração. E esse é um fato verdadeiro para otrxs jovens de sua

10

O original, em inglês: “Antonio Candido writes that, by creating a university, the oligarchy generated a

“sorcerer's apprentice”: the elite forged the conditions to educate intellectuals to express its values, but

these intellectuals, in part because they came from the middle-classes, developed an attitude and a radical

thinking that denied the founders’ values. For the first time in Brazilian history, Candido argues,

intellectuals were to put forward a non-aristocratic picture of Brazilian social reality.” 11

O original, em inglês: “If it were true that the majority espoused socialist viewpoints, the simple truth

was that they still worked within the liberal paradigm of the founders of the university. Theirs was simply

a socialist ‘vocation’.” 12

Trata-se de entrevista concedida em 1978, disponível no site profissional de Mariza Peirano, acessível

pelo endereço seguinte: http://www.marizapeirano.com.br/entrevistas.htm. Acessado em: 20 maio de

2014.

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geração também, como Florestan Fernandes ou Darcy Ribeiro. Apesar de não se

reconhecer como um marxista, ele faz questão de sublinhar a grande influência das

obras de Marx sobre sua trajetória intelectual, visto que muitxs estudantes consideravam

Durkheim ultrapassado ou pouco conectado às suas inquietações. As aulas sobre Marx,

contudo, eram ministradas um uma das cadeiras da Filosofia apenas, de modo quase

paralelo ao restante da formação, visto que o marxismo era malvisto pela instituição e

era mencionado nas Ciências Sociais apenas em vistas de ser reprochado.

No caso de Florestan Fernandes, sua aproximação com o marxismo vinha de seu

tempo de ensino médio, onde já participava de grupos trotskistas e havia mesmo

traduzido alguns textos do autor alemão. O início de sua carreira como pesquisador, no

entanto, quando escreveu seus trabalhos em etno-história sobre a sociedade Tupinambá,

foi marcado por um dilema fundamental: aos seus olhos, bem como aos de sxs

professorxs, uma sociologia rigorosamente científica era incompatível com o marxismo

e o engajamento político. Não à toa, apenas alguns anos depois de defender sua tese de

doutorado, em 1951, que suas pesquisas começariam a presenciar uma reviravolta em

termos temáticos e epistemológicos. Com o início de suas pesquisas sobre negritude e

racismo no Brasil, junto a Roger Bastide, Fernandes mergulha numa nova literatura

abordando a organização da sociedade de classes, e sua relação com a situação da

população negra no país. Após defender uma tese sobre um povo indígena dizimado, a

partir de uma perspectiva ultrapassada que se aproximava do difusionismo cultural

alemão, Fernandes dá uma guinada em direção ao debate sobre raça e classe que

prenunciou sua reconhecida obra sobre a organização da sociedade de classes no Brasil.

A trajetória de Candido expressa uma passagem de algum modo semelhante

àquela de Fernandes, em termos de uma virada de perspectiva epistemológica e política.

A sua tese, intitulada Parceiros do Rio Bonito, retrata o modo de vida de comunidades

rurais, conhecidas como caipiras, do interior de São Paulo. Em sua pesquisa, o

pesquisador já está interessado em transformações sociais que vivem essas

comunidades, mas sua obra é essencialmente descritiva. Inclusive, na ocasião de sua

defesa, Roger Bastide, seu orientador e responsável pela cadeira de sociologia, teria

afirmado que não lhe daria a nota máxima porque sua tese era próxima demais da

antropologia. Esse fato aparece no discurso de Candido como fato determinante para

sua migração das ciências sociais para a literatura, onde construiria sua carreira, após

ver-se num limbo disciplinar que não lhe motivava em termos teóricos nem políticos.

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Como crítico literário, passou a escrever sobre literatura e subdesenvolvimento, nunca

abandonando sua formação sociológica e antropológica, que se fizeram sempre

presentes em seus escritos.

Retomar brevemente a trajetória de Florestan Fernandes e Antonio Candido,

através da obra de Mariza Peirano, é útil quando nos atentamos a alguns elementos ricos

que nos ajudam a compreender a institucionalização das ciências sociais em São Paulo.

Em poucos anos, um projeto institucional que visava, através da instituição das ciências

sociais, à recuperação do capital político de grupos dominantes da sociedade paulista

formou uma geração de estudantes relativamente contestadorxs desse status quo. Não

pretendo afirmar com isso que se tenha tratado de uma geração de intelectuais

revolucionários – Florestan Fernandes mesmo não acredita nisso, como mencionei

acima –, mas parece significativa a ruptura operada entre um projeto específico de

institucionalização das ciências sociais e a sua mise en oeuvre. Nos dois casos

mencionados – como outros que poderíamos citar também, como em Darcy Ribeiro –

trata-se de intelectuais de peso que construíram uma obra que influenciaram suas

respectivas áreas de estudos. Além disso, parece-me importante a ideia de que a

mudança de interesses vivenciada por ambos – Fernandes indo dos Tupinambás do

Brasil colonial à luta de classes do Brasil contemporâneo e Candido na sua transição do

mundo rural à literatura nacional – é falante sobre tensões entre as ideias que

disputavam espaço naquele momento. Assim sendo, gostaria de sugerir mais uma vez

que a efetiva consolidação da disciplina – na abertura de novos campos de estudos, da

formulação de novos conceitos e quadros teóricos –, deu-se especialmente em função

dessa contestação dos projetos institucionais e ideias estabelecidas.

O caso indiano: o Raj em perigo e a Universidade de Bombay

A fundação das primeiras universidades da Índia – Bombay, Calcutta e Madras13

– não pode ser compreendida sem termos em vista alguns aspectos fundamentais da

13

Todos esses são os nomes do período colonial, simplesmente anglicizados ou mesmo substituídos pelo

Império Britânico durante a colonização, mas que foram substituídos novamente após a independência da

Índia, em 1947. Assim, atualmente, Bombay chama-se Mumbai, Calcutta chama-se Kolkata e Madras é

denominada Chennai. No texto empregarei os nomes coloniais por se tratar do período pré-independência.

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colonização britânica no subcontinente, que marcou a história daquela região entre

meados do século XVIII e 1947, data da independência formal da Índia. A abertura

dessas instituições universitárias, a partir de 1857, apresentava-se como uma estratégia

do governo colonial britânico para satisfazer as castas superiores que forneciam o apoio

político local necessário para a administração colonial, em troca de certos privilégios.

Essas castas, compostas por indivíduxs eruditxs e criadxs no seio de grupos

intelectualizados, pretendiam acessar espaços de formação intelectual semelhantes

àqueles dxs inglesxs, oferecendo como moeda de troca seu suporte político à Coroa

britânica. Incialmente, contudo, essas instituições não se constituíam efetivamente em

centros de ensino e pesquisa, tais quais as instituições europeias, senão em centro

ligados a instituições britânicas, submetidas a elas, servindo essencialmente para

distribuir cargos burocráticos às castas mais abastadas. As universidades foram criadas

como uma estratégia de apaziguamento dos ânimos das castas brâmanes que passavam a

flertar, sobretudo a partir do fim do século XIX, com os movimentos de independência

da Índia (SAVUR, 2011, p. 4).

Essa situação teria perdurado até 1912, quando o Government of India (GoI)

resolveu destinar quantias significativas de recursos às três universidades existentes

criando novos postos de pesquisa, sobretudo em Economia. Tem-se aí a abertura de um

novo ciclo de investimentos que não é, entretanto, uma concessão desinteressda axs

intelectuais indianxs. Tratava-se, pelo contrário, de um programa de investimentos

visando um maior controle sobre as ideias que circulavam nessas instituições. Em meio

a um contexto de agitação política crescente, o poder colonial dava-se conta de que os

grupos intelectuais brâmanes passavam a se alimentar, de modo crescente, do discurso

filosófico e político emancipador que marcava o pensamento liberal da época e que

promovia conceitos como nacionalismo, liberdades civis e autogoverno. Isso teria

criado uma situação extremamente delicada para a governança britânica, pois ao mesmo

tempo em que ela dependia politicamente desses grupos escolarizados, era justamente

eles que se tornavam seus críticos mais radicais através da síntese que se operava entre

as tradições filosóficas indianas, história de movimentos políticos populares e o

pensamento liberal europeu.

A criação desses novos postos de pesquisa em Economia [Research Professor in

Economics] em 1912 na Universidade de Bombay foi precedida de uma portaria emitida

em 1905 pelo Vice-rei· Lord Curzon determinando que 80% dos membros do conselho

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12

daquela universidade fossem nomeados por ele próprio. Essa portaria tinha por objetivo

colocar em prática novas políticas universitárias na Índia de interesse da Coroa.

Desnecessário dizer, essa decisão gerou uma posição de resistência ao governo britânico

e sua representação na Índia. Essa tentativa de combater novas ideias de cunho

nacionalista que circulavam nos meios intelectuais e políticos indianos, sobretudo entre

xs jovens, teve apenas o efeito agravar o descontentamento dos grupos de apoio ao

regime colonial, que já se inclinavam ligeiramente aos movimentos políticos de

liberação do país. Tendo começado no fim do século XIX, um revivalismo religioso

nacionalista impregnava as comunidades hindus e muçulmanas, e essa ingerência sobre

as decisões da universidade não teria outro efeito que reforçar o clima de resistência ao

governo estabelecido.

Não é por acaso que a proposição de criação da cadeira de pesquisa em

Economia não avançaria entre 1912 e 1917. Embora tivesse um controle relativamente

forte sobre a universidade, o governo precisou enfrentar certas resistências e bem

calcular suas manobras. As tensões, contudo, não paravam de crescer. Não poderei

abordar aqui a história dos movimentos nacionalistas da época, mas é importante e

suficiente lembrar aqui que as tensões apenas aumentaram a partir de 1914, com a

Segunda Guerra Mundial. Naquele momento, a despeito das ações autoritárias do GoI

contra os movimentos nacionalistas na Índia, uma grande parte da intelligentsia e

líderes políticxs indianxs apoiaram a Inglaterra na guerra contra a Alemanha. Em

contrapartida, parte da comunidade indiana esperava um movimento substancial no

sentido de liberação do subcontinente da dominação colonial. Contudo, os grupos

progressistas locais recebem como resposta um conjunto de reformas políticas e sociais

conservadoras submetidas pelo novo vice-rei, Lord Willingdon, ao Parlamento

Britânico em 20 de agosto de 1917. Essa atitude gerou exasperação entre a comunidade

indiana, que ouve da Coroa novos pedidos de paciência e lealdade ao GoI (SPEAR,

1969, p. 183).

Na Índia colonial, o vice-rei era também Chancellor14

da Universidade, onde ele

exercia grande influência sobre as decisões, sobretudo após a mencionada portaria de

1905. As perturbações nas relações políticas entre Coroa e lideranças locais apenas

14

Nesse modelo, ainda existente na Índia, o Chancellor é uma pessoa indicada pelo governo que possui

uma função meramente cerimonial. O dirigente de facto da instituição, equivalente ao Reitor no Brasil, é

o Vice-Chancellor (VC).

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13

aumentavam, o que forçaria o vice-rei e Chancellor da Universidade de Bombay a se

ocupar da formação de uma nova classe intelectual, esta conservadora e alinhada ao

GoI. Mas, vendo que com a emergência de novos movimentos populares um

pensamento emancipador percorria todo o subcontinente, uma questão se impunha:

como proceder no nível acadêmico? A resposta pode nos parecer inesperada: com a

criação de uma cadeira de sociologia15

.

Manorama Savur (2011, p. 11) defende que a compreensão parcial de

Willingdon quanto à natureza da sociologia teria permitido concebê-la, a partir do caso

francês, como uma ciência antirrevolucionária. O argumento de Savur é que a

sociologia parecia-lhes uma resposta acadêmica aos movimentos populares,

notadamente às ideias da Revolução Francesa. Vendo Auguste Comte como pai

fundador da sociologia, os representantes da Coroa guardavam as palavras desse autor

contra os perigos da revolução e da queda da ordem aristocrática. A filosofia positivista

agradara ao vice-rei, tornando-se, aos seus olhos, a reflexão necessária a ser

disseminada na Índia. Savur sustenta ainda que mesmo Durkheim seria considerado

então como um conservador, enquanto herdeiro das ideias de Comte. Assim, Wllingdon

opta pela sociologia, com o apoio do Vice-Chancellor da universidade, designado por

ele mesmo, Sir Chimanlal Harilal Setalvad.

Um trabalho detalhado realizado por Savur junto aos registros oficiais do

conselho da universidade mostra de maneira concreta o caminho percorrido pela

proposição governamental de criação da nova cadeira, desde sua submissão até sua

aprovação, em 1919. Vemos nas minutas estudadas por Savur o esforço da parte de

Wollingdon e Setalvad para impor a Sociologia, enquanto que os membros indianos do

conselho trabalhavam para impedir o avanço da proposição. Como dito anteriormente, o

GoI havia aprovado, em 1912, a criação de um cargo de pesquisa em Economia, que

não fora portanto jamais efetivamente instalado. Essa demanda previa uma vaga

destinada exclusivamente à pesquisa, excluindo sua extensão ao ensino. Sobre os atos

das seções do conselho da universidade nós vemos, em março de 1916, o renascimento

15

A divisão entre antropologia e sociologia na Índia é bastante diferente daquela existente no Brasil. Na

falta de espaço para me estender nesse debate, será suficiente dizer que ela um tipo de produção que

caracterizaríamos como antropológica no Brasil é denominada sociologia na Índia. Naquele país,

antropologia refere-se geralmente apenas à antropologia física, ligada á arqueologia ou ao folclore,

enquanto que estudos em meio urbano ou mesmo em sociedades simples entram no hall da sociologia.

Assim, intelectuais indianxs podem se apresentar como sociólogxs na Índia e antropólogxs em outros

países. Aqui abordarei a institucionalização da sociologia na Índia, mas é preciso ter em vista que se trata

de uma produção de cunho antropológico ou que, no limite, questiona essa divisão.

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14

desse projeto acompanhado de uma série de alterações. Doravante, não se trataria mais

de uma vaga de Research Professor in Economics, mas sim University Professor of

Economics and Sociology, isto é, vê-se não somente uma abertura ao ensino, mas

também a inclusão da sociologia em suas atribuições. O fato é que esse projeto seria

discutido por cerca de um ano e meio, em meio à grande oposição por parte da

comunidade progressista indiana, cada vez mais irritada pelas ações arbitrárias da

Coroa. A resistência era tal que o projeto seria finalmente aplicado somente em 1919,

após novas manobras políticas entre o Vice-Chancellor e sxs aliadxs.

Embora inspirado pelo aspecto supostamente conservador da sociologia

francesa, o governo colonial privilegiou a tradição intelectual inglesa para a

institucionalização dessa nova ciência na Índia. O grupo de Willigndon estaria

especialmente impressionado pelo antropólogo britânico Herbet Spencer e suas ideias

articulando evolucionismo social e uma perspectiva fundada sobre o par função e

estrutara. Pouco importava se suas teorias já estavam ultrapassadas àquela época, desde

que não colocassem em xeque o projeto político em questão. Contudo, com a

indisponibilidade de Spencer à vaga, Patrick Geddes foi convidado a ser o professor

fundador do Departamento de Sociologia e Educação Cívica [Department of Sociology

and Civics], em novembro de 1919.

Patrick Geddes era um intelectual escocês portador de uma formação e ideias

peculiares. Sua formação compreendia geografia, química e botânica, tendo estudado

com grandes cientistas de seu tempo (MUNSHI, 2007, p. 175). Entre suas influências,

ele evocava o sociólogo Auguste Comte, o antropólogo Herbert Spencer, o filósofo

Aldous Huxley e o sociólogo Frédéric Le Play. Ele era um humanista e um pensador

pioneiro que teria concebido uma teoria ambiciosa englobando que pretendia englobar

todos os domínios do saber. Defendia uma sociologia da ação, que se realizaria através

da intervenção do sociólogo que aplica seu conhecimento e toma partido em soluções

necessárias à evolução das sociedades. Sua ecologia social estava intimamente ligada às

cidades e aos processos de urbanização, tendo publicado obras pioneiras a esse respeito,

como Cities in Evolution, em 1915. Ele desenvolveu assim importantes trabalhos como

urbanista e arquiteto em diversas cidades do mundo, como Madras, na Índia, e Tel-

Aviv, na Palestina.

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15

Apesar de se apresentar como pesquisador competente, seu trabalho como

professor provocou rapidamente um sentimento de profundo descontentamento junto ao

conselho da universidade. Suas longas viagens de trabalho ainda nos primeiros anos –

sobretudo para suas atividades de urbanista na Palestina – eram mal recebidas por seus

colegas, que procuravam alguém mais engajado nos interesses da universidade. É

amplamente reconhecido que suas ideias teriam influenciado muito pouco os estudantes

da universidade, embora ele tenha formado alguns dos que viriam a se tornar

importantes sociólogos da Índia. Um deles, G.S. Ghurye, seria escolhido para substitui-

lo na direção do departamento.

O fato que a sociologia na Índia tenha sido estabelecida em Bombay como uma

aspiração conservadora por parte do governo colonial não implica necessariamente que

ela tenha se realizado enquanto tal. Na história de uma disciplina, somente quando

colocamos em perspectiva os diferentes aspectos de sua institucionalização é que

podemos compreender as relações complexas e ambivalentes que lhes constituem. Entre

a concepção e a concretização de uma disciplina, há inevitavelmente a mediação de

indivíduxs e instituições diversas. Essxs personagens, em seus laços com um meio

cultural e histórico dado, farão sempre a pluralidade dessas histórias. São precisamente

essas nuances que busco marcar nessa análise e para avançar, certas questões se

impõem. Por que Ghurye foi a pessoa designada a esta posição? Como ele desenvolveu

seu trabalho docente?

Govind Sadashiv Ghurye nasceu no seio de uma casta brâmane Sraswat,

detentora de negócios que viam seu declínio desde a geração de seu bisavô. Percebido

como a reencarnação de seu avô, falecido logo após seu nascimento, sua família o via

como aquele que havia chegado para restabelecer a sua fortuna. Assim, ele foi

rigorosamente educado nos rituais brâmanes e no conhecimento da língua sânscrita –

língua que seria central em sua produção intelectual. Para esse jovem brâmane,

estudante brilhante, o caminho mais natural seria sem dúvidas o renomado Elphistone

College de Bombay, que ele passará a frequentar em 1913 como estudante do Sanscrit

Honours Course. O Elphinstone College era então uma das mais antigas e reputadas

instituições de ensino superior de Bombay, formando as novas classes intelectuais da

Índia a partir de um modelo europeu de educação. Centro de intensa reflexão política, as

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16

ideias que chegavam da Inglaterra passavam pela instituição e se misturavam ao clima

de contestação e de renovação intelectual que pairava entre sxs estudantes e professorxs,

muitxs dxs quais britânicxs. Fato notório é que a instituição estava investida então num

projeto de pensamento crítico, argumentativo e independente (UPADHYA, 2007, p.

198).

É em meio a essa atmosfera político-intelectual que Ghurye se formaria,

laureado por menções de honra por sua trajetória acadêmica. Mas, porque designar esse

jovem formado em ambiente tão liberal e progressista a essa nova cadeira criada pelo

vice-rei? Formado em seguida em sociologia por Patrick Geddes, Ghurye era em 1920

um estudante repleto de excelentes referências acadêmicas entre xs jovens em formação

de sua época. Mas, sobretudo, essa excelência era acompanhava de um aspecto

essencial aos interesses do novo departamento: Ghurye era um intelectual pouco afeito

aos debates políticos da época.

O diretor Covernton da Elphinstone College, e um membro do conselho da

universidade, observou o incomum desinteresse de Ghurye pelos debates

políticos na faculdade que havia produzido excepcionais líderes políticos,

como Ranade e Tilak. Outros dois membros do conselho, Anstey e Natrajan,

juntaram-se a Coovernton em sua missão para apoiar Ghurye. (Savur, op. cit.,

p. 16, minha tradução16

)

Não apenas Ghurye, mas também seu colega na vaga de Economia, C.N. Vakil,

havia sido nomeado sob essa exigência. No caso de Vakil, ele havia também sido

escolhido para substituir outro professor, Kushal Shah, que havia sido retirado da

cadeira em razão de seus interesses expressos em Economia Política, que se opunham

aos interesses institucionais. Foi nesse contexto que Ghurye foi enviado à Inglaterra

para seus estudos doutorais. Em Oxford, ele deveria se associar a Leonard Hobhouse ou

Sydney Webb como seus orientadores, dois professores de predileção do conselho da

universidade. Entretanto, aparece aqui um novo paradoxo nas escolhas, fruto de

equívocos que se produzem no espaço de trânsito intercontinental das teorias. Com

efeito, a escolha por Hobhouse e Webb é controversa, pois esses dois professores

apresentavam-se como liberais próximos também dos movimentos socialistas. A razão

mais provável para essa escolha, no entanto, é que ambos eram vistos como intelectuais

16

O original, em inglês: “Principal Covernton of the Elpinstone College, and a senate member, noticed

Ghurye’s unusual lack of political concern in his college, which had turned out brillant political leaders

like Ranade and Tilak. Two other important senate members Anstey and Natrajan joined Convernton in

his mission to promote Ghurye”. (Savur op. cit.: 16)

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17

de respeito na Inglaterra, sendo que Hobhouse foi o fundador da cadeira de sociologia

na Universidade de Londres em 1907 (FREEDEN, 2004), numa época em que a

sociologia era muito pouco popular na Inglaterra17

.

Entretanto, após cerca de seis meses, Ghurye partiu para Cambridge para

trabalhar com o antropólogo W.H. Rivers, figura que ele considerará mais estimulante.

A razão de seu desprezo pelo trabalho de Hobhouse é bastante controversa: seja pela

indiferença do britânico pela sociedade indiana em geral, seja pela sua personalidade

extremamente entediante. Contudo, a reorientação da sociologia em direção à

antropologia não foi comunicada às autoridades de Bombay, senão apenas alguns meses

antes da defesa de sua tese. Esse fato foi visto então como uma perfídia por alguns

membros do conselho, inclusive Covernton, seu protetor, que desapontado teria pedido

demissão de sua vaga de conselheiro. A fim de penalizar Ghurye por essa decisão,

quando o pesquisador retorna à Bombay é-lhe conferido uma vaga inferior àquela

proposta incialmente: ao invés de Assistant Professor, ele ocupará o cargo de Reader,

normalmente destinado a professorxs convidadxs, e que ele manterá por uma dezena de

anos, até adquirir grande reconhecimento no campo. É então nessa situação tensa com

os interesses institucionais que ele desenvolverá o início de seu trabalho como diretor

do Departamento de Sociologia e Educação Cívica da Universidade de Bombay, um

departamento que se tornará rapidamente, e por muitas décadas, o mais importante

departamento de sociologia da Índia. Ainda mais, o departamento ocupará no debate

nacional uma posição bastante diferente daquela desejada pelo seu fomentador, o

governo colonial.

A atuação que Ghurye viria a desenvolver nos anos seguintes apenas

aprofundaria a distância entre os interesses institucionais e as preocupações intelectuais

do sociólogo – e nos ensina como trajetórias intelectuais são invariavelmente

contingentes, controversas e imprevisíveis. Em termos epistemológicos, suas posições

intelectuais passam a se cristalizar através de um nacionalismo crescente, que permeia

sua filiação a correntes em voga na época, como o difusionismo cultural e o

orientalismo. E é o discurso nacionalista que nos interessa aqui para concluirmos

apresentando um debate concreto no qual Ghurye envolver-se-ia momentos antes da

independência da Índia.

17

André Beteille (2007) faz uma interessante análise sobre a resistência da Inglaterra em institucionalizar

a sociologia ao longo das primeiras décadas do século XX, enquanto floresciam pesquisas na área da

antropologia, da história e da economia.

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18

Como já dito, o pensamento filosófico e histórico europeu tronou-se central para

as classes políticas e intelectuais indianas – e eram apropriados de diversas formas pelos

próprios movimentos populares de base – a partir da metade do século XIX. Nesse

contexto, o nacionalismo subjacente à obra de Ghurye inscreve-se no interior de uma

espécie de “nacionalismo cultural” (UPADHYA, po. cit., p. 213). Perspectiva essa que

tem como uma de suas facetas certo revivalismo religioso conservador, alimentado ao

mesmo tempo por “discursos científicos” (como o difusionismo), discursos políticos

liberais (de independência) e tradições religiosas supostamente originais e demarcadoras

de uma grande civilização indiana.

Um dos debates de fundo nacionalista no qual Ghurye ver-se-ia implicado dizia

respeito ao lugar dos “povos tribais” 18

na nova nação indiana. Sendo provavelmente um

dos principais debates da antropologia e da sociologia àquela época, ele opunha aquelxs

que demandavam uma política protecionista dessas populações – ou seja, com a

demarcação de territórios e reservas – e aquelxs que defendiam a sua “integração” à

nação e a modernização. Em meio a esse panorama, Ghurye publicaria, em 1943, The

Aborigenes, so-called and their future [Os aborígenes, assim chamados e seu futuro]

como uma crítica às medidas tutelares adotadas em relação a esses povos. Opondo-se a

autores importantes como Verrier Elwin, que publica em 1944 seu The Aboriginals [Os

aborígenes], Ghurye marca sua posição como um nacionalista que considera todas as

populações do território indiano pertencendo a uma mesma civilização. A seus olhos, a

divisão casta-tribo é falsa, pois as tribos não seriam outra coisa senão grupos resistentes

à difusão progressiva do sistema de castas por todo o subcontinente ao longo dos

séculos. O fundo nacionalista desse discurso se faz presente como crítica das divisões

construídas pelxs missionárixs e administradorxs coloniais, que teriam estigmatizado

essxs assim-ditxs “aborígenes” como estrangeirxs à sociedade hindu19

. Para Ghurye,

18

A nominação “tribal” é atualmente contestada pelas comunidades referidas, sobretudo na Índia Central,

sendo o termo "Adivasis" aquele reivindicado e atualmente bastante aceita no debate político

contemporâneo. O termo deriva do hindi, sendo que adi significa "início" e vasi refere-se a "habitante".

Adivasis designa comunidades reclusas que não participariam do sistema de castas e/ou não possuem

práticas extensivas características do hinduísmo. Evidentemente, essa divisão é altamente contestada,

apesar de persistir com muita força. No plano das políticas governamentais, essas populações são tratadas

pelo termo Scheduled Tribes (CARRIN e GUZY, 2012, p. 1). 19

Nesse sentido, M.N. Srinivas afirma que: « If sociology was not respectable, anthropology was suspect

as nationalist opinion regarded it as an instrument of colonial policy, either to create division among

Indians or to keep large sections of them insulated from nationalist forces. For instance, attempts by

British rulers to keep the Scheduled Tribes from the mainstream of the nationalist sentiment and under the

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19

portanto, buscava um conceito abrangente da civilização e da nação indiana (para usar

termos correntes à época) e The aborígines, juntamente com outros livros pode ser lido

como uma publicação extremamente politizada e inscrita no debate nacionalista

crescente.

Considerações finais

A trajetória de Ghurye é bastante mais complexa, é preciso dizer. Caberia ainda,

num exercício mais demorado de reconstituição de seu trabalho, levantar uma série de

controvérsias e ambivalências que gerações posteriores à sua – sobretudo de sxs

próprixs estudantes – trariam com vêemencia contestando o caráter orientalista e

abstrato de sua obra. Jovens pesquisadorxs passariam, mais tarde, especialmente a partir

da década de 1950, a denunciar seu alinhamento a um projeto institucional orientalista

(e, algumas décadas mais tarde ainda, brâmane) e pouco sensível aos desafios da

sociedade indiana independente (SRINIVAS, 1996). Avançarmos nesse sentido

representaria um aprofundamento de nosos argumento, no sentido de mostrar que as

contestações institucionais sucedem-se e engeendram sempre novos movimentos

intersticiais de contestação e, portanto, de produção teórica e organização disciplinar.

Quanto ao exercício comparativo entre Brasil e Índia, é interessante perceber

aproximações e distanciamentos entre os dois casos, sobretudo porque colocar ambos

em perspectiva pode resultar bastante instrutivo para compreendermos processos

"glocais" de institucionalização da disciplina. E, o que é especialemente interesante,

sem termos de passar, ao menos diretamente, pelas tradições antropológicas de países

centrais – algo que poderia normalmente soar a nós como algo pouco crível. São

diálogos necessários entre tradições marginalizadas no contexto global e que pouco se

cruzam num contexto em que a circulação de teorias ainsa é quase que inevitavelmente

mediadas (e peneiradas) pelos centros. No que pese as diferenças históricas mais ou

menos evidentes, fica claro que compartilhamos de processos que são bastante tensos de

institucionalização, talvez porque em ambos os casos essa transposição de uma nova

ciência deu-se como "ideias fora de lugar", para citar a expressão providencial de

Schwartz (2000) sobre a intelectualidade brasileira.

special care of the British in ‘reserved’ or ‘scheduled’ area convinced nationalist leaders that the

discipline was being used to keep the tribes in ‘zoos’ for scientific study by anthropologists and ICS

officials » (Srinivas et Panini, 1973 : 195).

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O fato é que, tanto na geração de Florestan Fernandes e Antônio Candido, no

caso brasileiro, quanto na geração de G.S. Ghurye, no caso indiano, há agenciamentos

inesperados de projetos políticos e acadêmicos que contestam aqueles oficiais. E essas

histórias – apenas tangenciadas neste artigo – precisam ser exploradas, ao menos

enquanto contrapartidas, em sua potência desestabilizadora das narrativas institucionais

que são frequentemente repetidas e avançadas em textos no campo da história da

antropologia.

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