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    GRADUAO2014.1

    DIREITOS

    INTELECTUAISAUTORES: BRUNO MAGRANI DE SOUZA, CARLOS AFFONSO PEREIRA DE SOUZA,

    KOICHI KAMEDA, LUIZ FERNANDO MARREY MONCAU, MARIANA GIORGETTI VALENTE,MARLIA MACIEL, PAULA MARTINI, PEDRO AUGUSTO, PEDRO DE PARANAGU MONIZ,

    RONALDO LEMOS, SRGIO BRANCO VIEIRA JNIOR

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    Sumrio

    Direitos Intelectuais

    PARTE I: INTRODUO PROPRIEDADE INTELECTUALAula 01. Apresentao da disciplina introduo Propriedade Intelectual .................................3Aula 02. O regime internacional da Propriedade Intelectual ...........................................................5

    PARTE II: DIREITOS AUTORAISAula 03. Direitos autorais princpios gerais ............................................................................. 17Aula 04: Cesso e Licenas; Licenas Pblicas (Inclusive Creative Commons) ..............................34Aula 05: Limitaes e Excees ....................................................................................................53Aula 06: Gesto Coletiva .............................................................................................................70

    PARTE III: PATENTESAula 07: Conceitos Fundamentais e Base Normativa....................................................................76Aula 08: Patentes: Procedimentos para Concesso ........................................................................ 87Aula 09: Patentes: exibilidade e nulidade. Acesso a medicamentos. ..........................................100

    PARTE IV: MARCASAula 10. Conceitos Bsicos, Base Legal e Questes Atuais ..........................................................109Aula 11: Marcas: Procedimentos para proteo .......................................................................... 126Aula 12. Nomes de Domnio .....................................................................................................141

    APNDICE: SUGESTES DE APROFUNDAMENTO......................................................................................................152

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    PARTE I: INTRODUO PROPRIEDADE INTELECTUAL

    AULA 01. APRESENTAO DA DISCIPLINA INTRODUO PROPRIEDADE INTELECTUAL

    SUMRIO

    1. Introduo ao tema. 2. Avaliao.

    LEITURA SUGERIDA

    DRAHOS, Peter. BRAIHWAIE, John. Information feudalism: who ownsthe knowledge economy? NY: New Press, 2003, p.1-18.

    1. INTRODUO AO TEMA

    Chegando ao nal da primeira dcada do sculo XXI, impossvel negara importncia dos bens criados intelectualmente para as nossas vidas, em

    especial aqueles decorrentes de avanos tecnolgicos.Os exemplos so muitos. Diariamente, deparamo-nos com as mais diver-sas marcas nos produtos que consumimos e usamos, nas lojas a que vamose mesmo em nossos lugares de trabalho; utilizamos produtos tecnolgicosmuitas vezes protegidos por patentes; usamos softwares ininterruptamenteem nossas tarefas laborais e, nalmente, em nossos momentos de lazer, lemoslivros, jornais, vemos lmes, assistimos novelas, ouvimos msica. E no custalembrar: na cultura do sculo XXI, quase tudo tem um dono. Esses bens in-telectuais so protegidos pela propriedade intelectual.

    No Brasil, a propriedade intelectual foi includa entre os direitos e garan-

    tias fundamentais (Art. 5, incisos XXVII a XXIX da CF), que constituem oprincipal alvo de proteo da ordem jurdica introduzida pela ConstituioFederal de 1988.

    Classicamente, a propriedade intelectual tida como um gnero, que podeser dividido em dois grandes ramos do direito. Um se dedica ao estudo dosdireitos autorais, sendo alocado dentro do Direito Civil, enquanto o outroramo inclui a chamada propriedade industrial e tem seu estudo sistematizadoprincipalmente no mbito do Direito Comercial.

    Mais recentemente, prefere-se aludir ao conjunto dessas disciplinas comodireitos intelectuais. al opo permite superar as confuses conceituaiscausadas pelo uso do termo propriedade, que hoje no mais se justica, j

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    que estes direitos possuem caractersticas que os distinguem completamentedos direitos de propriedade sobre bens tangveis.

    As duas categorias acima mencionadas incidem sobre bens intelectuais dis-tintos: o direito autoral recai sobre as obras artsticas, cientcas e literrias,bem como aos programas de computador; enquanto a propriedade industrialpossui um carter visivelmente mais utilitrio, abarcando as patentes, as mar-cas, as indicaes geogrcas e os nomes de domnio, para citar os principais.

    O carter utilitrio , alis, a grande distino entre as duas categorias,j que as invenes e os modelos de utilidade, por exemplo, que podem serobjeto de concesso de patente, tm por nalidade a soluo de um problematcnico. Assim, quando o telefone foi inventado, resolvia-se com ele o proble-ma da necessidade de deslocamento para se falar com pessoa ausente.

    Por outro lado, as obras protegidas por direito de autor no so protegidaspor seu contedo, e muito menos por contedo utilitrio; direitos de autorvoltam-se forma, expresso de determinada ideia, conceito ou sensao.Ideias, conceitos e sensaes so de circulao livre; sua expresso especca,materializada num determinado suporte, o que o direito autoral protege.Esse conceito, como veremos adiante, deixou de ser aplicvel a todos os ob-

    jetos de proteo do direito de autor no Brasil e em vrios outros pases,programas de computador tambm so protegidos por direitos autorais, em-bora tenham uma funo mais utilitria que artstica, cientca ou literria.

    Essas variadas instituies, a despeito de terem sido forjadas no sculo XIXcom base num contexto completamente distinto do atual, foram mantidaspraticamente inalteradas at os dias de hoje. No entanto, com o desenvolvi-mento tecnolgico que originou, por exemplo, a tecnologia digital e a inter-net, surgem novas circunstncias de fato que questionam a viso tradicionaldo direito de propriedade intelectual, demandando solues mais adequadasa nossa realidade.

    2. AVALIAO

    A nota do curso ser composta por duas avaliaes escritas: a primeira(P1) ao nal da primeira unidade do curso (direitos autorais), e a segunda(P2) ao m do curso. A leitura dos textos indicados nesta apostila com obri-gatria, e ser necessria para as discusses feitas em sala. O aluno que, emsua participao, demonstrar boa leitura e compreenso dos textos, poderter at 2,0 pontos adicionados prova nal.

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    AULA 02. O REGIME INTERNACIONAL DA PROPRIEDADEINTELECTUAL

    SUMRIO

    1. Propriedade intelectual no contexto internacional. 2. Regime interna-cional de propriedade intelectual. 3. O processo de formao do regime 4.Harmonizao internacional das normas de proteo propriedade intelec-tual. 5. Movimento pelo acesso ao conhecimento. 6. A Organizao Mundialde Propriedade Intelectual. 7. Medidas unilaterais: a especial 301. 8. Forumshifting: o papel da Organizao Mundial do Comrcio (OMC). 9. Retalia-o cruzada na OMC. 10. Futuros desaos do regime de propriedade inte-lectual: os acordos RIPS-plus.

    LEITURA OBRIGATRIA

    GANDELMAN, Marisa. Poder e conhecimento na economia global.Rio deJaneiro: Civilizao Brasileira, 2004, p. 95-110; 259-272.

    LEITURAS COMPLEMENTARES

    DRAHOS, Peter. BRAIHWAIE, John. Information feudalism: who ownsthe knowledge economy? NY: New Press, 2003, p.1-10; p.85-99.

    GANDELMAN, Marisa. Poder e conhecimento na economia global.Rio de Ja-neiro: Civilizao Brasileira, 2004, p. 55-72; p.78-88; p.173-210; p.239-252.

    MENESCAL, Andra Koury. Mudando os tortos caminhos da OMPI? A

    agenda para o desenvolvimento em perspectiva histrica.InRODRIGUES,Edson Beas; POLIDO, Fabrcio (Orgs). Propriedade intelectual: novos para-digmas, conitos e desaos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.

    DRAHOS, Peter. BRAIHWAIE, John. Information feudalism: who ownsthe knowledge economy? NY: New Press, 2003, p.1-10; p.85-99.

    YU, Peter. Te Global Intellectual Property Order and its UndeterminedFuture. In: Te WIPO journal: analysis and debate of intellectual property

    issues.Reuters: Londres, 2009, issue 1, p. 1-15. Disponvel em: http://www.wipo.int/about-wipo/en/pdf/wipo_journal.pdf

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    1Art 2, inciso VIII: Intellectual proper-ty shall include the rights relating to:literary, artistic and scientic works,performances of performing artists,phonograms, and broadcasts, inven-

    tions in all elds of human endeavour,scientic discoveries, industrial de-signs, trademarks, service marks, andcommercial names and designations,protection against unfair competition,and all other rights resulting fromintellectual activity in the industrial,scientic, literary or artistic elds.

    2WIPO. General course on intellectualproperty rights(DL-101).

    3 MACHLUP, FRITZ & PENROSE, Edith.The Patent Controversy in the Nine-

    teenth Century.J. Econ. Hist., vol. 10,n.01, pp. 16-17.

    4MANKIW, Gregory. Introduo eco-

    nomia. Princpios de Micro e Macroeconomia. Rio de Janeiro: Elsevier,2001, pp. 327-30.

    1. ROTEIRO DE AULA

    1.1. Propriedade intelectual no contexto internacional

    Os principais acordos internacionais que tratam do tema da propriedadeintelectual no estabelecem uma denio clara do seu objeto. O artigo 2da Conveno que cria a Organizao Mundial da Propriedade Intelectual(OMPI), por exemplo, a dene de forma bastante ampla, por meio de umrol exemplicativo de reas sobre as quais se aplicam direitos de propriedadeintelectual.1

    Nos materiais de capacitao produzidos pela OMPI, arma-se que a pro-priedade intelectual pode ser entendida como a propriedade sobre criaesdo intelecto humano. O dono da propriedade livre para us-la como quiser,se o uso no for contra a lei, e tem o direito de impedir o uso por terceiros.2

    Sobre essa denio, podem ser feitas duas observaes importantes. Aprimeira que hoje se encontra generalizado o entendimento de que o ins-tituto jurdico da propriedade aplica-se a criaes intelectuais. Este entendi-mento, porm, recente. A primeira vez em que a palavra propriedade foiutilizada para identicar o chamado sistema de propriedade intelectual foina Revoluo Francesa de 1789. At ento, direitos sobre patentes e direitosautorais eram concedidos como privilgios dados pela Coroa aos indivduos

    ou corporaes que os soberanos queriam beneciar.Durante a revoluo francesa, houve a disseminao da idia de que osprivilgios eram, na verdade, direitos. Essa mudana no entendimento co-mum foi facilitada pelo uso da palavra propriedade associada criao in-telectual.

    Aqueles que comearam a usar a palavra propriedade relacionadaa invenes tiveram um objetivo bem denido em suas mentes: elesqueriam substituir uma palavra que tinha um ar desagradvel, privi-lgio, por uma palavra com uma respeitvel conotao. (...) Inserir apalavra propriedade no uma questo pouco importante, pois pala-vras podem ter grande inuncia sobre as mentes, (...) a pessoa comumrespeitar a inveno de seu vizinho se ela estiver convencida de que amesma propriedade, caso a lei a proclame como tal.3

    O que se convencionou chamar de propriedade intelectual , na verdade,um monoplio sobre a explorao da criao, concedido pelo Estado. odomonoplio traz em si uma inecincia econmica, que causa, em ltimaanlise, custos sociais.4Dessa forma, o monoplio s se justica se de fato

    contribuir para incentivar a criao, de forma a multiplicar as obras intelec-

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    9 Participam das reunies do Comitde Direitos autorais e conexos da OMPI(SCCR), por exemplo, ONGs que repre-sentam a indstria de contedo como,a American Intellectual Property Law

    Association (AIPLA), a Association ofAmerican Publishers (AAP), a Inter-national Association of Broadcasting(IAB), e a International Chamber ofCommerce (ICC) e tambm organi-zaes que representam o interessepblico e a sociedade civil, como aElectronic Frontier Foundation (EFF), aKnowledge Ecology International, Inc.(KEI), a World Blind Union (WBU) e aFundao Getulio Vargas(FGV).

    10CLARK, Joan. The role of GATT/TRIPS,of OMPI and of AIPPI in the further

    development of intellectual property

    right protection. In: AIPPI 1897-1997Centennial Edition AIPPI and the

    development of industrial propertyprotection 1897-1997.AIPPI Founda-tion, Basle, 1997, p. 481.

    1.3 O processo de formao do regime

    Na segunda metade do sculo XIX, ONGs de interesse privado envol-vidas tanto no setor de patentes como no de direito autoral se articularamde forma a inuenciar a agenda pblica. Seu objetivo era angariar aquies-cncia suciente para que a proteo da propriedade intelectual, mediantea concesso de monoplios de explorao, fosse reforada e estendida paraoutros pases. importante mencionar que, no mbito das organizaes in-ternacionais, ONGs so todas as organizaes privadas que acompanham asreunies como observadoras. Possuem status inferior aos Estados-membros,que tm sempre direito de inuir nas decises tomadas. Em outras palavras,no h qualquer juzo sobre o objetivo das ONGs. Organizaes de interessepblico e de interesse privado encontram-se equiparadas e misturadas entreos participantes.9

    Foram as ONGs de interesse privado envolvidas no setor de propriedadeintelectual, como a Associao Literria e Artstica Internacional (ALAI), aCmara Internacional de Comrcio (ICC) e a Associao Internacional paraa Proteo da Propriedade Intelectual (IIPI), que inuenciaram a elaboraodas primeiras convenes internacionais, as Convenes de Paris (1883) e deBerna (1886), que harmonizaram, respectivamente, a proteo da proprie-dade industrial e de obras literrias, artsticas e cientcas no plano interna-

    cional.Alm de ter inuenciado o texto inicial das Convenes de Paris e Ber-na, emblemtico que tenha sido a AIPPI [Associao Internacional paraa Proteo da Propriedade Intelectual] que preparou as sugestes de refor-ma10 Conveno da Unio de Paris, em 1958. Em determinados pontos aConferncia chegou a adotar literalmente a redao sugerida pela Associao.

    Advogados e membros dessas ONGs de interesse privado inuenciavam dire-tamente o texto dos tratados internacionais sobre patentes e direitos autorais.

    A inuncia das ONGs de interesse privado sobre o regime internacionalsempre foi bastante signicativa. Membros dessas ONGs ocuparam poste-

    riormente cargos de prestgio nas organizaes internacionais criadas paratratar do tema da propriedade intelectual.

    1.4. Harmonizao internacional das normas de proteo propriedade intelectual

    As Convenes de Paris e de Berna estabelecem padres mnimos de pro-teo que devem ser observados pelos pases signatrios. Na prtica, tais stan-dardsj so bastante elevados. O prazo de proteo ao direito autoral, por

    exemplo, foi estipulado em 50 anos contados a partir de primeiro de janeirodo ano subsequente morte do autor.

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    11O Brasil foi um dos signatrios origi-nrios da Conveno de Berna. inte-ressante frisar que os Estados Unidoss aceitaram assinar a Conveno em1989, mais de cem anos depois da suacriao. Durante muito tempo o pasdependia da cpia de obras literrias ecientcas, originrias principalmentedo Reino Unido, para desenvolver suacena acadmica e cultural.

    12 INPI. Disponvel em: http://www.inpi.gov.br/. Acesso em 14 de outubrode 2010.

    Os Estados-parte caram livres para estabelecer padres de proteo aindamais elevados em sua legislao nacional.11No caso do Brasil, por exemplo, a

    lei de direitos autorais (lei 9.610/98) estabelece um prazo de proteo de 70anos aps a morte do autor (art. 41) e no incorpora muitas das limitaes aodireito autoral que foram autorizadas pela Conveno de Berna, como a pos-sibilidade de um indivduo realizar a cpia de uma obra, em casos especcos,desde que no conite com a explorao normal da obra ou prejudiqueinjusticadamente o interesse do autor, (art. 9, 2).

    Em 1893 as duas Convenes foram agrupadas e ganharam uma Secreta-ria para sua administrao, o Escritrio Internacional Reunido para Proteoda Propriedade Intelectual (BIRPI, na sigla em francs).

    At meados do sculo XX o regime de proteo PI permaneceu estvel,sem grandes alteraes nas convenes que o davam sustentao. Na dcadade 60, porm, houve uma signicativa mudana, com a criao da Organiza-o Mundial de Propriedade Intelectual, uma evoluo do BIRPI.

    1.5. Movimento pelo acesso ao conhecimento

    As dcadas de 50 e 60 foram marcadas pela descolonizao afro-asitica.Os pases recm-independentes buscavam aderir rapidamente aos principais

    acordos e organizaes internacionais como uma forma de armao de suasoberania e legitimao perante as demais naes. Vrios desses pases aderi-ram ao BIRPI, o que levou a uma maior diversidade de interesses. Os pasesem desenvolvimento passaram a questionar com maior veemncia a aplicaogeneralizada dos mesmos patamares de proteo a pases em situaes desi-guais.

    Esse questionamento foi reforado por documentos importantes. Em1958 o Senado norte-americano comissionou estudos que identicaramuma srie de custos negligenciados do regime de propriedade intelectual. Em1961, o Brasil apresentou uma resoluo na Assemblia Geral da Organiza-

    o das Naes Unidas, na qual foram apontados vrios abusos advindos domau emprego do sistema de propriedade intelectual.

    No Brasil, em 1963, foi concludo o relatrio nal de uma ComissoParlamentar de Inqurito (CPI) especial, formada em 1961 para analisar es-pecicamente os abusos de monoplios de patentes de titularidade de corpo-raes multinacionais farmacuticas no pas. Em 1969 entrou em vigor noBrasil uma lei excluindo produtos e processos farmacuticos do escopo depatenteamento.12

    De fato, interessante observar que ambos os documentos acima men-

    cionados o norte-americano de 1958 e brasileiro o de 1961 foramelaborados de forma independente e, no entanto, apresentaram algumas con-

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    13Treaty on Access to Knowledge. Dis-ponvel em http://www.cptech.org/a2k/a2k_treaty_may9.pdf . Acesso em14 de outubro de 2010.

    14 YU, Peter. The Global IntellectualProperty Order and its Undetermi-

    ned Future. In: The WIPO journal:

    analysis and debate of intellectual

    property issues. Reuters: Londres,2009, issue 1, p. 7.

    15 Conveno estabelecendo a criaoda Organizao Mundial de Proprieda-de intelectual. Disponvel em http://www.wipo.int/treaties/en/conven-tion/ Acesso em 14 de outubro de 2010.

    16 PNUD. New technologies and globalrace for knowledgeIn Human Develop-ment Report 1999: Globalization witha Human Face. Nova Iorque: OxfordUniversity Press, 1999. Disponvel

    em http://hdr.undp.org/en/media/hdr_1999_ch21.pdf. Acesso em 14 deoutubro de 2010.

    cluses idnticas, demonstrando no se tratar somente de um problema dospases em desenvolvimento, mas sim de um problema sistmico.

    Nessa poca, surgiu um movimento pelo acesso ao conhecimento (Ac-cess to Knowledge ou A2K, na sigla em ingls), que transcendeu fronteiras eganhou amplitude global. Grupos da sociedade civil, indivduos e governosbuscam defender a idia de que o acesso ao conhecimento est relacionado garantia de direitos fundamentais como o acesso educao e cultura, li-berdade e justia econmica. Um tratado sobre acesso ao conhecimento foielaborado com o objetivo de ampliar o acesso e incentivar a transferncia detecnologia.13Segundo Yu, possvel notar que os detentores de direitos depropriedade intelectual sempre foram agressivos para fazer presso em prolde uma proteo mais forte para os seus interesses. No entanto, foi apenasrecentemente que seus oponentes conseguiram se mobilizar para organizaruma resistncia ou montar um contra-ataque14.

    1.6. A Organizao Mundial de Propriedade Intelectual

    A multiplicao do nmero de pases em desenvolvimento e o surgimentode um movimento da sociedade civil em prol do acesso ao conhecimentotrouxeram maior complexidade ao regime de propriedade intelectual. Nesse

    contexto, em 1967 foi criada a Organizao Mundial de propriedade Intelec-tual15, que passou a servir como uma moldura institucional para a discussodos temas relacionados proteo da propriedade intelectual no mbito in-ternacional.

    Em 1974, a OMPI celebrou um acordo com a ONU e tornou-se umaagncia especializada das Naes Unidas. Diversas razes justicam esse acor-do. Em primeiro lugar, o carter universal da ONU consolidou-se no ps--guerra e havia um interesse em ampliar o regime de proteo propriedadeintelectual para que abrangesse todos os pases. Fazer parte do sistema ONUera uma forma de atrair pases em desenvolvimento para que tomassem parte

    nos acordos celebrados no mbito da OMPI.Em segundo lugar, o acordo entre a OMPI e a ONU legitimava a primeira

    como locusprincipal de discusso do tema da propriedade intelectual. Diver-sas agncias especializadas da ONU haviam comeado a realizar estudos sobrea eccia e os custos sociais do sistema de proteo propriedade intelectual.O PNUD, por exemplo, elaborou um relatrio armando que direitos depropriedade intelectual mais restritivos aumentam o preo da transfernciade tecnologia, e podem bloquear a entrada dos pases em desenvolvimentoem setores dinmicos da economia do conhecimento (...)16

    As agncias especializadas comearam a perceber a relao intrnseca queexiste entre o tema da propriedade intelectual e vrios outros, como os di-

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    18WATAL. Intellectual property rightsin the WTO and developing coun-

    tries.Londres: Kluwer Law Internatio-nal, 2001, p. 2.

    19 preciso destacar que essa justapo-sio de temas nem sempre foi vista demaneira positiva. Entre os anos de 1850e 1875, aqueles que advogavam pelolivre comrcio encaravam a proprie-dade intelectual como um privilgioque no deveria ser mantido entre ju-risdies pois limitava o livre comrciode mercadorias sobre as quais haviaalegaes de direitos de propriedadeintelectual (...) os direitos de proprie-dade intelectual eram ilegtimos einconsistentes com o livre comrcio.MAY, Christpher. The Pre-History andEstablishment of the WIPO. In The WIPO

    journal: analysis and debate of intellec-tual property issues. Reuters: Londres,2009, issue 1, p. 16.

    20No GATT alguns dos acordos celebra-dos eram plurilaterais e no multilate-rais, pois permitiam a adeso apenasdos pases que desejassem faz-lo. Essesistema cou conhecido como GATT la carte.

    21 OMC. Understanding on rules andprocedures governing the settlement ofdisputes. Disponvel em http://www.

    wto.org/english/docs_e/legal_e/28--dsu.pdf Acesso em 8 de janeiro de2011.

    es geogrcas, desenho industrial, patentes, proteo de circuitos integra-dos e segredo de negcio.

    Alguns temas abrangidos no RIPS no eram objeto de regulao namaior parte dos pases em desenvolvimento, como o patenteamento de se-mentes, medicamentos e microorganismos. O RIPS sem dvida ir for-talecer a proteo propriedade intelectual no mundo inteiro, algo que nofoi atingido por nenhum tratado antes dele. Particularmente, o tratado traros standardsde proteo nos pases em desenvolvimento membros da OMCpara um patamar de proteo mais prximo daquele existente nos pases de-senvolvidos.18

    A abrangncia do RIPS e sua adoo generalizada por pases em desen-volvimento se devem estratgia de atrelamento entre os temas de comrcioe propriedade intelectual.19Os pases no poderiam prescindir de fazer partede uma organizao que decidiria as polticas de comrcio, o que fez comque a adeso OMC fosse ampla desde a sua criao. Mas para fazer parteda OMC necessrio incorporar no s o acordo que cria a organizao, mastambm todos os outros acordos celebrados. Diferentemente do que aconte-cia no GA20, a OMC pautada pelo princpio do single undertaking: todosos acordos devem ser incorporados pelo pas que queira se tornar membro daorganizao.

    Alm da generalizao de standardselevados de proteo, o deslocamento

    do centro do regime de proteo propriedade intelectual da OMPI paraa OMC trouxe outras mudanas signicativas. Em primeiro lugar, o acor-do traz previses bastante concretas de execuo das normas de propriedadeintelectual, tanto no mbito nacional como nas fronteiras (border measures).Em segundo lugar, a execuo das normas passou a ser garantida por ummecanismo de enforcementexistente no mbito da OMC, materializado noEntendimento para a soluo de controvrsias.21

    A relevncia do RIPS no regime de propriedade intelectual inquestio-nvel. Qualquer acordo futuro, seja ele celebrado entre alguns pases ou emfruns multilaterais, vai ter de levar em considerao os padres estabelecidos

    pelo RIPS. Por outro lado, a OMPI ainda conserva sua importncia. Amultiplicidade de temas em discusso na OMC faz com que a OMPI seja oprincipal frum para a discusso de uma poltica de propriedade intelectualde longo prazo e para celebrar acordos sobre temas mais complexos.

    1.8. Retaliao cruzada na OMC

    Um dos resultados doforum shiftingda OMPI para a OMC que hoje

    as regras de propriedade intelectual possuem uma fora maior e um grau deobservncia mais elevado, em decorrncia da existncia de um Entendimento

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    22 Institute for Agriculture and TradePolicy. Strengthening compliance atthe WTO. Cross-retaliation in WTO

    disputes. 2006. Disponvel em http://

    www.tradeobservatory.org/library.cfm?refID=89107. Acesso em 14 deoutubro de 2010.

    para a soluo de controvrsias na OMC. O rgo de Soluo de Contro-vrsias (OSC) tem competncia para aplicar sanes comerciais aos pases

    que no observem suas decises e permaneam agindo contrariamente aosAcordos celebrados no mbito da Organizao.

    O nvel de observncia das decises do OSC tem se mostrado elevado,cando em torno de 83%.22Nos casos em que o pas vencido no cumpre adeciso do OSC, h duas formas possveis de lidar com o descumprimento.

    A primeira a compensao, atravs da aplicao de tarifas punitivas, comouma forma de retaliao econmica. O principal objetivo da retaliao fa-zer com que o pas que est em descumprimento com as regras de comrcioestabelecidas pela OMC passe a observ-las. Em segundo lugar, o OSC podeimpor contramedidas discriminatrias contra a parte vencida (suspendendoconcesses ou outras obrigaes), nos termos dos Acordos da OMC, no m-bito de um setor ou acordo que no havia sido violado pelo pas demandado,desde que o valor monetrio no seja maior do que o prejuzo causado pelopas vencido. Essa a chamada retaliao cruzada. A retaliao cruzada,quando autorizada especicamente sobre propriedade intelectual, pode serum instrumento importante, sobretudo para os pases em desenvolvimento,como ser discutido a seguir.

    A expresso retaliao cruzada no aparece explicitamente no acordo,mas as circunstncias em que pode ser autorizada esto presentes no artigo

    22.3:

    22.3 Ao considerar quais concesses ou outras obrigaes serosuspensas, a parte reclamante aplicar os seguintes princpios e proce-dimentos:

    a) o princpio geral o de que a parte reclamante dever procu-rar primeiramente suspender concesses ou outras obrigaes relativasao(s) mesmo(s) setor(es) em que o grupo especial ou rgo de Apelaohaja constatado uma infrao ou outra anulao ou prejuzo;

    b) se a parte considera impraticvel ou inecaz a suspenso de con-

    cesses ou outras obrigaes relativas ao(s) mesmo(s) setor(es), poderprocurar suspender concesses ou outras obrigaes em outros setoresabarcados pelo mesmo acordo abrangido;

    c) se a parte considera que impraticvel ou inecaz suspender con-cesses ou outras obrigaes relativas a outros setores abarcados pelomesmo acordo abrangido, e que as circunstncias so sucientemen-te graves, poder procurar suspender concesses ou outras obrigaesabarcadas por outro acordo abrangido;

    d) ao aplicar os princpios acima, a parte dever levar em conside-

    rao:

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    I) o comrcio no setor ou regido pelo acordo em que o grupo espe-cial ou rgo de Apelao tenha constatado uma violao ou outra anu-

    lao ou prejuzo, e a importncia que tal comrcio tenha para a parte;II) os elementos econmicos mais gerais relacionados com a anula-

    o ou prejuzo e as conseqncias econmicas mais gerais da suspen-so de concesses ou outras obrigaes.

    e) se a parte decidir solicitar autorizao para suspender concessesou outras obrigaes em virtude do disposto nos subpargrafos b ouc, dever indicar em seu pedido as razes que a fundamentam. Opedido dever ser enviado simultaneamente ao OSC e aos Conselhoscorrespondentes e tambm aos rgos setoriais correspondentes, emcaso de pedido baseado no subpargrafo b;

    f ) para efeito do presente pargrafo, entende-se por setor:I) no que se refere a bens, todos os bens;II) no que se refere a servios, um setor principal dentre os que -

    guram na verso atual da Lista de Classicao Setorial dos Serviosque identica tais setores;(14)

    (14) Na lista integrante do Documento MN.GNG/W/120 soidenticados onze setores.

    III) no que concerne a direitos de propriedade intelectual relaciona-dos com o comrcio, quaisquer das categorias de direito de propriedade

    intelectual compreendidas nas Seces 1, 2, 3, 4, 5, 6 ou 7 da Parte II,ou as obrigaes da Parte III ou da Parte IV do Acordo sobre RIPS.g) para efeito do presente pargrafo, entende-se por acordo:I) no que se refere a bens, os acordos enumerados no Anexo 1A do

    Acordo Constitutivo da OMC, tomados em conjunto, bem como osAcordos Comerciais Plurilaterais na medida em que as partes em con-trovrsia sejam partes nesses acordos;

    II) no que concerne a servios, o GAS;III) no que concerne a direitos de propriedade intelectual, o Acordo

    sobre RIPS.

    Conforme exposto no artigo 22.3, na elaborao do pedido de autorizaoao OSC para suspender concesses ou outras obrigaes (ou seja, para reta-liar), o pas demandante deve primeiro buscar a retaliao no mesmo setorcomercial em que tenha ocorrido a violao. Se isso no for possvel ou ecaz,pode procurar retaliar em outro setor, mas no mbito do mesmo acordo emque tenha ocorrido a violao. Somente se isso for tambm impraticvel ouinecaz, pode procurar retaliar no mbito de outro acordo.

    A retaliao cruzada pode ser particularmente ecaz nos casos em que a

    parte vencedora um pas em desenvolvimento, ou pas com pequeno mer-cado, que pode se encontrar em uma posio economicamente vulnervel em

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    23 INTERNATIONAL CENTER FOR TRADEAND SUSTAINABLE DEVELOPMENT. WTO

    Panel Allows Brazil to Cross-Retaliate on

    IP, Services in US Cotton Row. Bridges

    Weekly Trade News Digest,

    Volume 13, n 30. Setembro de

    2009. Disponvel em http://ictsd.

    o r g / i / n e w s / b r i d g e s w e -ekly/54716/ Acesso em 14 de ou-

    tubro 2010.

    relao parte vencida. Nesses casos, o mtodo tradicional de aplicar tarifassobre o bem importado do pas descumpridor pode no resultar em efetiva

    presso para o cumprimento da deciso, ou pode ainda ser mais prejudicialao pas demandante que ao demandado. A retaliao cruzada aplicada nomarco do RIPS pode ser uma ferramenta muito poderosa, especialmentepara pases em desenvolvimento, pois no ocasiona alguns dos efeitos adver-sos [da forma tradicional], tais como o aumento de preos para o consumidorcausado pelas tarifas mais altas, ou custos maiores para os produtores doms-ticos, que podem ser obrigados a mudar para outros fornecedores.23

    A retaliao cruzada sobre o RIPS foi autorizada em poucos casos: oEquador recebeu permisso do OSC para retaliar em uma disputa com aUnio Europeia sobre tarifas aplicadas s bananas, e Antgua foi autorizadoa fazer o mesmo em uma disputa com os Estados Unidos sobre jogos de azarna Internet. No entanto, os pases em ambos os casos no levaram a cabo asmedidas de retaliao. Recentemente, o Brasil foi autorizado a impor sanescomerciais no valor de 294,7 milhes de dlares, incluindo a retaliao cru-zada em servios e propriedade intelectual. A execuo da medida se encontraatualmente suspensa.

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    PARTE II: DIREITOS AUTORAIS

    AULA 03. DIREITOS AUTORAIS PRINCPIOS GERAIS

    SUMRIO

    1. Introduo a direitos autorais. 2. Abrangncia da lei: obras protegidas.3. Obras no protegidas. 4. Quem o autor? Uma pergunta difcil. 5.Direitos morais. 6. Princpios de proteo e direitos patrimoniais.

    LEITURAS OBRIGATRIAS

    LESSIG, Lawrence. Cultura Livre, P. 29-42.Disponvel em: http://softwarelivre.org/samadeu/lawrence-lessig-cultura-livre.pdf

    NEO, Jos Carlos Costa. Direito Autoral no Brasil.So Paulo: Ed. FD,1998, pp. 53-59; 73-83.

    LEITURAS COMPLEMENTARES

    ABRO, Eliane Y.. Direitos de Autor e Direitos Conexos. So Paulo: Ed. doBrasil, 2002. p. 27-38 e 69-126;

    NEO, Jos Carlos Costa. Direito Autoral no Brasil. So Paulo: Ed. FD,1998, pp. 30-52.

    LESSIG, Lawrence. Cultura Livre, P. 42-53.Disponvel em: http://softwarelivre.org/samadeu/lawrence-lessig-cultura-livre.pdf

    1. ROTEIRO DE AULA

    1.1. Introduo ao assunto

    A complexidade da vida contempornea tornou a anlise e a defesa dosdireitos autorais muito mais difcil. At meados do sculo XX, a cpia no au-torizada de obras de terceiros, por exemplo, era sempre feita com qualidade in-

    ferior ao original e por mecanismos que nem sempre estavam acessveis a todos.

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    Com o avanar do sculo passado, entretanto, e especialmente com o sur-gimento da cultura digital cujo melhor exemplo a Internet, tornou-se

    possvel a qualquer um que tenha acesso rede mundial de computadoresacessar, copiar e modicar obras de terceiros, sem que nem mesmo seus auto-res possam ter o controle disso.

    Na prtica, a conduta da sociedade contempornea vem desaando ospreceitos estruturais dos direitos autorais. Conforme veremos adiante, nositens que tratam das limitaes a tais direitos, a cultura digital permite quediariamente sejam feitas cpias de msicas, lmes, fotos e livros a partir dodownloaddas obras da internet, contrariamente literalidade da lei.

    A m de supostamente proteger os direitos autorais, so criados meca-nismos de gerenciamento de direitos e de controle de acesso s obras, mastais mecanismos so freqentemente contornados e a obra mais uma vez setorna acessvel. Cada vez mais constantemente, temos assistido contestao

    judicial do uso de obra de terceiros. Recentemente, a IFPI (sigla em Inglspara designar Federao Internacional da Indstria Fonogrca) e a ABPD(Associao Brasileira de Produtores de Discos) anunciaram a inteno deprocessar judicialmente usurios da internet que disponibilizam grande n-mero de msicas na rede.

    V-se, nesse passo, que a grande questo a ser analisada quando do estudodos direitos autorais a busca pelo equilbrio entre a defesa dos titulares dos

    direitos e o acesso ao conhecimento por parte da sociedade.

    1.2. Abrangncia da lei: obras protegidas

    O art. 7 da Lei 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais, ou LDA) indica quaisobras so protegidas pelos direitos autorais. Seus termos so os seguintes:

    Art. 7 So obras intelectuais protegidas as criaes do esprito, ex-pressas por qualquer meio ou xadas em qualquer suporte, tangvel ou

    intangvel, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:I os textos de obras literrias, artsticas ou cientcas;II as conferncias, alocues, sermes e outras obras da mesma

    natureza;III as obras dramticas e dramtico-musicais;IV as obras coreogrcas e pantommicas, cuja execuo cnica

    se xe por escrito ou por outra qualquer forma;V as composies musicais, tenham ou no letra;VI as obras audiovisuais, sonorizadas ou no, inclusive as cine-

    matogrcas;

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    VII as obras fotogrcas e as produzidas por qualquer processoanlogo ao da fotograa;

    VIII as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litograae arte cintica;

    IX as ilustraes, cartas geogrcas e outras obras da mesma na-tureza;

    X os projetos, esboos e obras plsticas concernentes geograa,engenharia, topograa, arquitetura, paisagismo, cenograa e cincia;

    XI as adaptaes, tradues e outras transformaes de obrasoriginais, apresentadas como criao intelectual nova;

    XII os programas de computador;XIII as coletneas ou compilaes, antologias, enciclopdias, di-

    cionrios, bases de dados e outras obras, que, por sua seleo, organiza-o ou disposio de seu contedo, constituam uma criao intelectual.

    Da simples leitura do caputdo artigo acima transcrito, percebe-se que olegislador teve duas grandes preocupaes: (i) enfatizar a necessidade de aobra, criao do esprito, ter sido exteriorizada e (ii) minimizar a importnciado meio em que a obra foi expressa.

    De fato, relevante mencionar que sero protegidas apenas as obras quetenham sido exteriorizadas. As idias no so protegveis por direitos auto-

    rais. No entanto, o meio em que a obra expresso tem pouca ou nenhumaimportncia, exceto para se produzir prova de sua criao ou de sua anterio-ridade, j que no se exige a exteriorizao da obra em determinado meioespecco para que a partir da nasa o direito autoral. Este existe uma vezque a obra tenha sido exteriorizada, independentemente do meio.

    A doutrina indica os requisitos para que uma obra seja protegida no m-bito da LDA. So eles:

    a) Pertencer ao domnio das letras, das artes ou das cincias, conformeprescreve o inciso I do art. 7, que determina, exemplicativamen-

    te, serem obras intelectuais protegidas os textos de obras literrias,artsticas e cientcas.

    b) Originalidade: este requisito no deve ser entendido como novi-dade absoluta, mas sim como elemento capaz de diferenar a obradaquele autor das demais. Aqui, h que se ressaltar que no se levaem considerao o respectivo valor ou mrito da obra.

    c) Exteriorizao, por qualquer meio, conforme visto anteriormente,obedecendo-se, assim, ao mandamento legal previsto no art.7, ca-

    put, da LDA.

    d) Achar-se no perodo de proteo xado pela lei, que , atualmente,a vida do autor mais setenta anos contados da sua morte.

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    24Ver BARBOSA, Denis Borges. Uma In-

    troduo Propriedade Intelectual.Rio de Janeiro: ed. Lmen Jris, 2003.p. 337 e ss.

    Uma vez atendidos a estes requisitos, a obra gozar de proteo autoral.No se exige que a obra que se pretende proteger seja necessariamente classi-

    cada entre os treze incisos do artigo 7, j que a doutrina unnime em dizerque o caputdeste artigo enumera as espcies de obra exemplicativamente.

    Por outro lado, necessrio que a obra nose encontre entre as hiptesesprevistas no artigo 8 da LDA, que indica o que a lei considera como nosendo objeto de proteo por direitos autorais.

    1.3. Obras no protegidas

    a) O que NO direito autoral: propriedade industrial.

    muito comum haver confuso, por parte dos leigos, com relao ao objetode estudo dos direitos autorais e os demais objetos de estudo de matrias ans.

    A propriedade intelectual classicamente dividida em dois grandes ramos.Um se dedica ao estudo dos direitos autorais, e dentro das disciplinas jurdi-cas, aloca-se dentro do Direito Civil. O outro ramo chamado de proprie-dade industrial e tem seu estudo sistematizado principalmente no mbito dodireito comercial

    A propriedade industrial disciplinada no Brasil pela lei 9.279, de 14 de

    maio de 1996. De acordo com seu artigo 2:

    Art. 2: A proteo dos direitos relativos propriedade industrial,considerado seu interesse social e o desenvolvimento tecnolgico e eco-nmico do Pas, efetua-se mediante:

    I concesso de patentes de inveno e de modelo de utilidade;II concesso de registro de desenho industrial;III concesso de registro de marca;IV represso s falsas indicaes geogrcas; eV represso concorrncia desleal.

    A propriedade industrial que vulgarmente chamada de marcas epatentes, o que denominao restritiva e insuciente para delimitar-lhe aabrangncia tem um carter visivelmente mais utilitrio do que o direitoautoral.

    As invenes e os modelos de utilidade, por exemplo, que podem ser ob-jeto de concesso de patente, tm por nalidade, em regra, solucionar umproblema tcnico24. No o caso dos objetos protegidos por direito autoral,cujo objeto no pretende funcionalidade utilitria, muito embora hoje o sof-

    tware seja tambm objeto de proteo autoral.

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    b) O que o Direito Autoral NO protege. Que fazer com as idias?

    J vimos que o art. 7 da LDA estabelece quais as obras intelectuais prote-gidas pela lei. No artigo subseqente, a LDA indica o que NO protegidopor direito autoral, nos seguintes termos:

    Art. 8 No so objeto de proteo como direitos autorais de quetrata esta Lei:

    I as idias, procedimentos normativos, sistemas, mtodos, proje-tos ou conceitos matemticos como tais;

    II os esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, jogosou negcios;

    III os formulrios em branco para serem preenchidos por qual-quer tipo de informao, cientca ou no, e suas instrues;

    IV os textos de tratados ou convenes, leis, decretos, regula-mentos, decises judiciais e demais atos ociais;

    V as informaes de uso comum tais como calendrios, agendas,cadastros ou legendas;

    VI os nomes e ttulos isolados;VII o aproveitamento industrial ou comercial das idias contidas

    nas obras.

    As idias so de uso comum e por isso no podem ser aprisionadas pelotitular dos direitos autorais. Se assim fosse, no seria possvel haver lmescom temas semelhantes realizados prximos um dos outros, como alis comum acontecer. Armageddon (Armageddon dirigido por Michael Bayem 1998) tratava da possibilidade de a erra ser destruda por um meteoro,mesmo tema de seu contemporneo Impacto Profundo (Deep Impact, deMimi Leder, dirigido no mesmo ano).

    No mesmo sentido, O Inferno de Dante (Dantes Peak, de Roger Do-naldson, 1997) trata de uma cidade beira da destruio por causa de um

    vulco que volta atividade, tema semelhante ao de Volcano A Fria(Volcano, de Mick Jackson, 1997).

    Exemplos mais eruditos podem ser considerados. Ao mesmo tempo emque Charles Darwin escreveu seu famoso A Origem das Espcies, AlfredRussel Wallace encaminhou ao cientista um tratado com teoria semelhante, oque acabou tendo como conseqncia a publicao conjunta das obras. Am-bos tiveram a mesma idia: escrever tratados cientcos a partir de pontos devistas semelhantes, j que era impossvel, a qualquer um dos dois, apropriar--se da idia ou invocar sua exclusividade por ter-lhe ocorrido a idia primeiro.

    Diferentemente ocorre com os bens protegidos por propriedade industrial.Quanto a estes, o que se protege, inicialmente, a idia, consubstanciada em

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    um pedido de registro (de marca) ou de patente (de inveno ou de modelode utilidade). A LDA, inclusive, faz referncia ao fato, ao informar, no ltimo

    inciso do artigo 8, que no protegvel como direito autoral o aproveita-mento industrial ou comercial das idias contidas nas obras. Ou seja: a obradescrevendo uma inveno ser protegida por direito autoral. Mas a inven-o, em si, s ser protegida pela propriedade industrial, de acordo com odisposto na lei 9.279/96, se atendidos os requisitos legais de proteo.

    c) plgio (I)? Um menino entre felinos.

    Em 1981, o mdico e escritor Moacyr Scliar eleito em 2003 para a Aca-demia Brasileira de Letras escreveu um breve romance chamado Max e osFelinos. Nele, um menino alemo chamado Max se via, aps um naufrgiotransatlntico (vindo da Europa para o Brasil), dividindo um bote salva-vidascom um jaguar.

    Cerca de 20 anos depois, o escritor ingls Yann Martel venceu a maiselevada distino literria de seu pas com um livro chamado Life of Pi(publicado no Brasil pela editora Rocco sob o ttulo de A Vida de Pi), noqual um menino indiano chamado Pi se via, aps um naufrgio transatln-tico (indo da ndia para o Canad), dividindo um boto salva-vidas com um

    tigre de bengala.Diante da sinopse das histrias, qual a sua opinio? Yann Martel se apro-priou apenas da idia de Moacir Scliar ou houve plgio? Moacir Scliar deveriaprocessar o escritor ingls?

    Para se ter acesso a entrevistas concedidas por ambos os autores, bastaacessar o endereo abaixo:

    http://www.citador.pt/forum/viewtopic.php?t=2299&start=30&sid=2742b34a9786d7414c7e19047dbeaa86

    d) plgio (II)? Uma bicicleta azul.

    Outro caso interessante envolveu o conceito de originalidade e de pardia,tendo sido apreciado pelos tribunais franceses.

    Imagine-se esta histria: jovem e corajosa mulher de temperamento fortev sua juventude interrompida pela guerra que explode e divide seu pas.

    Apaixona-se por um homem que no pode ter e enfrenta os dissabores daguerra tendo que cuidar de uma jovem frgil que engravida do homem porquem a jovem herona se apaixonara. Entre invases de inimigos, exploses e

    bombardeios, a jovem acaba por se envolver intensamente nos conitos. Se o

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    leitor acha esta sinopse parecida demaiscom a de ... E O Vento Levou, noest sozinho. Os tribunais franceses tambm acharam.

    Rgine Dforges publicou a trilogia A Bicicleta Azul tendo como panode fundo a II Guerra Mundial e o romance foi grande sucesso de venda tantona Frana quanto em outros pases, inclusive no Brasil. Ocorre que as seme-lhanas entre A Bicicleta Azul e o famoso e colossal relato de um dramafamiliar durante Guerra Civil dos Estados Unidos, publicado pela primeiravez em 1936 por Margareth Mitchell, foram tantas que Rgine Dforgesacabou sendo condenada por plgio pelos detentores dos direitos autorais de... E O Vento Levou.

    Assim se pronunciou o tribunal que decidiu:

    Baseado no estudo comparativo entre os 2 (dois) trabalhos, claro que oque Rgine Dforges pegou emprestado do trabalho de Margareth Mitchelle incorporou em A Bicicleta Azul perfeitamente identicvel e relacio-na-se com os elementos mais importantes do romance da Sra. Mitchell.

    Em adio, o tribunal entendeu que Dforges copiara o argumento, odesenvolvimento da idia e a progresso da narrativa, caractersticas fsicas epsicolgicas da maioria dos personagens, a relao entre eles, vrios persona-gens secundrios, um grande nmero de situaes caractersticas, a composi-

    o e a expresso de numerosas cenas e momentos dramticos chave de ...EO Vento Levou.Dessa forma, e mesmo tendo alegado que zera uma pardia das idias

    contidas no livro clssico sobre a Guerra da Secesso americana, Dforges foiobrigada a pagar a quantia de US$ 333,000.00 (trezentos e trinta e trs mildlares norte-americanos) aos titulares dos direitos autorais da obra conside-rada plagiada.

    O artigo extrado da internet esclarecedor e encerra com algumas con-sideraes interessantes: O caso foi longo e complicado porque h poucosprecedentes. A Lei Francesa probe o plgio, mas autoriza a pardia, forma

    literria secular denida como imitao humorstica de um texto reconhec-vel. Os herdeiros de Mitchell no viram nada de engraado a respeito de ABicicleta Azul, a despeito das constantes armativas de Dforges no sentindode que seu romance era uma pardia. Eu sei o que plgio e algo ruim,disse Dforges quando o caso foi parar na justia. Desde o incio, A Bicicleta

    Azul era para ser uma pardia. Nunca disse que era para ser algo diferente.A corte rejeitou seu argumento, dizendo que as diferenas entre os dois traba-lhos eram inegavelmente secundrias e irrelevantes, dada a extenso de suassemelhanas.

    Como se v, o uso que Rgine Dforges fez de ... E O Vento Levou emsua trilogia foi muito diferente daquele feito por Yann Martel fez da obra de

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    Moacyr Scliar. Dessa forma, o plgio no pode ser inferido apenas porqueuma idia se assemelha a outra. preciso que sejam considerados diversos

    elementos caractersticas dos personagens, eventos importantes da hist-ria para que o plgio se congure, em anlise inevitavelmente casustica.

    1.4. Quem o autor? Uma Pergunta Difcil

    a) Pessoa fsica e pessoa jurdica: quem dono da obra?

    A LDA categrica ao armar, em seu artigo 11, que autor a pessoafsica criadora da obra literria, artstica ou cientca.

    No entanto, o pargrafo nico do mesmo artigo excepciona o princpioao armar que a proteo concedida ao autor poder aplicar-se s pessoas

    jurdicas nos casos previstos na LDA.De incio, muito importante fazermos uma distino entre autor e ti-

    tular dos direitos autorais. Pela lei atendendo-se, inclusive, a princpiolgico autor s pode ser a pessoa fsica. Anal, apenas o ser humano podecriar. Pessoa jurdica no pode criar, exceto por meio das pessoas fsicas que acompem, caso em que os autores sero, ento, as pessoas fsicas.

    Muito diferente, entretanto, a questo da titularidade. Ainda que apenas

    uma pessoa fsica possa ser autora, ela poder transferir a titularidade de seusdireitos para qualquer terceiro, pessoa fsica ou jurdica. Nesse caso, aindaque a pessoa fsica seja para sempre a autora da obra, o titular legitimado aexercer os direitos sobre esta poder ser pessoa jurdica ou pessoa fsica dis-tinta do autor.

    Um exemplo pode ser muito esclarecedor. O escritor Paulo Coelho podertransferir seus direitos econmicos sobre a obra que escreveu para a editora res-ponsvel por sua publicao. Nesse caso, o Paulo Coelho ser para sempre autorda obra, mas no exercer pessoalmente o direito sobre sua obra, j que, com atransferncia, quem ter legitimidade para exercer os direitos ser a editora.

    Por outro lado, o autor poder transferir os direitos para um amigo ouuma pessoa de sua famlia. Da mesma forma, continuar a ser autor da obra,mas o exerccio de seus direitos econmicos competir a quem recebeu osdireitos por meio de contrato uma pessoa fsica, neste segundo exemplo.

    Essa distino bastante relevante para reetirmos sobre os propsitos dalei. Embora se chame lei de direitos autorais, na verdade a LDA protegeprincipalmente o titular dos direitos, que nem sempre o autor.

    O autor no precisa se identicar com seu nome verdadeiro. De fato, aLDA, em seu art. 12, dispe que para se identicar como autor, poder o

    criador da obra usar seu nome civil, completo ou abreviado at por suas ini-ciais, de pseudnimo ou qualquer outro sinal convencional.

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    Assim como comum que atores e atrizes usem nomes artsticos, tambmautores podem se apresentar com pseudnimos. O famoso escritor Marcos

    Rey, autor de Malditos Paulistas, Memrias de um Gigol e diversos li-vros infanto-juvenis tinha por nome verdadeiro Edmundo Donato. Por suavez, o internacionalmente conhecido Mark wain se chamava Samuel Lon-ghorne Clemens. O poeta Edward Estlin Cummings se identicava apenascomo E. E. Cummings, e o msico Prince Rogers Nelson decidiu, durantealgum tempo, ser identicado por (ou, informalmente, o Artista Anterior-mente Conhecido como Prince).

    Para ser identicado como autor de determinada obra, basta que o artistaassim se apresente. De acordo com o artigo 13 da LDA, considera-se autorda obra, no havendo prova em contrrio (e a o registro aparece como sendoum fato relevante), aquele que, por uma das modalidades de identicao re-feridas anteriormente, tiver, em conformidade com o uso, indicada ou anun-ciada essa qualidade na sua utilizao.

    ambm ser titular dos direitos autorais quem adapta, traduz, arranjaou orquestra obra cada em domnio pblico, no podendo opor-se a outraadaptao, arranjo, orquestrao ou traduo, salvo se for cpia da sua.

    Nos tempos contemporneos, no entanto, nem sempre fcil identicar--se o autor da obra. Quando se trata de obra realizada por mais de uma pes-soa, a questo pode car bem complicada. Nem tanto quando for o caso de

    co-autoria, mas sim quando se tratar de obra construda colaborativamente,quando o conceito de autor se torna uido e diludo, como veremos nostpicos a seguir.

    b) Co-autoria e obras coletivas

    A questo da autoria das obras ca consideravelmente mais complicadaquando se trata da existncia de mais de um autor.

    Existe co-autoria quando duas ou mais pessoas so autoras de uma mesma

    obra. A situao extremamente comum quando se trata de msica, sendotrivial a existncia de um letrista que trabalha em conjunto com o autor damelodia.

    A LDA determina que quando uma obra for feita em regime de co-autoriano for divisvel, nenhum dos co-autores, sob pena de responder por perdase danos, poder, sem consentimento dos demais, public-la ou autorizar-lhea publicao, salvo na coleo de suas obras completas. Um bom exemplo deobra coletiva indivisvel o livro A Morte do Almirante, escrito por AgathaChristie e outros autores do chamado Detection Club. rata-se de um ro-

    mance escrito em cadeia, em que cada autor escreveu um captulo, tentandoresolver elementos de mistrio propostos pelo autor do captulo anterior. No

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    25 LESSIG, Lawrence. The Futureof Ideas. New York: Random House,2001. p .4.

    Brasil, o mesmo princpio foi usado para a elaborao de O Mistrio dosMMM, escrito por Rachel de Queiroz, Jorge Amado, Guimares Rosa e

    Antonio Callado, entre outros.Por obra divisvel, entende-se, exemplicativamente, uma coletnea de

    contos, crnicas ou poemas, a partir da reunio de textos de diversos autores.Nos casos das obras indivisveis, os autores decidiro por maioria no caso

    de haver divergncia. Ao co-autor dissidente, a LDA assegura os seguintesdireitos (i) o de no contribuir para as despesas de publicao da obra, re-nunciando, entretanto, sua parte no lucro e (ii) o de vedar que se inscrevaseu nome na obra.

    Cada co-autor poder, individualmente, mesmo sem o consentimentodos demais, registrar a obra e defender os prprios direitos contra terceiros.

    A LDA trata ainda dos casos em que no se congura co-autoria. Deter-mina a LDA que no se considera co-autor quem simplesmente auxiliou oautor na produo da obra revendo-a, atualizando-a, bem como scalizandoou dirigindo sua edio ou apresentao.

    As obras audiovisuais gozam de disciplina legal especca quanto indi-cao dos autores. Diz a LDA que so co-autores das obras audiovisuais oautor do assunto ou argumento literrio, musical ou ltero-musical, isto , oroteirista, e o diretor. Dessa forma, sero co-autores de um lme o roteiristae o diretor. Se a obra se tratar de desenho animado, sero co-autores tambm

    aqueles que criam os desenhos utilizados na obra audiovisual.Ainda que o tema venha a ser tratado com maior profundidade nas pgi-nas a seguir, preciso fazer uma breve nota sobre a distino entre direitosmorais e patrimoniais. Estes so os chamados direitos econmicos da obra, ouseja, os que autorizam seu titular a explorar a obra economicamente. Aquelesso os que se referem aos direitos de personalidade de autor e garantem que,independentemente de quem exera os direitos patrimoniais, o autor sersempre referido como o criador da obra.

    A LDA determina, conforme seu artigo 17, 2, que o organizador daobra coletiva quer seja pessoa fsica ou jurdica exercer a titularidade

    dos direitos patrimoniais sobre o conjunto.

    c) Autoria alm do autor? Como impedir a exibio de Os Doze Macacos

    Muitas histrias curiosas podem ser invocadas para se ilustrar como a in-dstria do entretenimento vem transformando a propriedade intelectual emum fator de limitao criatividade. O excesso de proteo sobretudo nosEstados Unidos acaba por exceder os limites do razovel.

    Lawrence Lessig cita pelo menos trs casos interessantes25

    : o lme OsDoze Macacos teve sua exibio interrompida por deciso judicial vinte e

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    oito dias depois de seu lanamento porque um artista alegava que uma ca-deira que aparecia no lme lembrava um esboo de moblia que ele havia

    desenhado. O lme Batman Forever foi ameaado judicialmente porque obatmvel era visto em um ptio alegadamente protegido por direitos autoraise o arquiteto titular dos direitos exigia ser remunerado antes do lanamentodo lme. Em 1998, um juiz suspendeu o lanamento de O Advogado doDiabo por dois dias porque um escultor alegava que um trabalho seu apa-recia no fundo de determinada cena. ais eventos ensinaram os advogadosque eles precisam controlar os cineastas. Eles convenceram os estdios que ocontrole criativo , em ltima instncia, matria legal.

    Como se v, nem sempre o verdadeiro autor da obra tem total ingernciasobre seu destino. cada vez mais comum a necessidade de realizao doclearingde direitos de obras alheias relacionadas na obra principal. Enten-de-se por clearing o pagamento pelo uso de obras de terceiros usadas emdeterminada obra. Exemplo clssico do lme arnation (ormenta, emprotugus, dirigido por Jonathan Caouette em 2003), que custou menos de1.000 dlares, mas teve um custo de cerca de 230.000 dlares de liberaode direitos sobre msicas, lmes e programas de televiso que apareciam in-cidentalmente no lme.

    d) Obras colaborativas e o desaparecimento do autor

    O mundo vem vivendo recentemente uma guinada conceitual quanto idia de autor. Primo Levi, escritor italiano, criou certa vez um personagemchamado senhor Simpson, simptico homem de negcios que oferecia emseu catlogo variado de produtos, dentre outros, mquinas capazes de produ-zir, automaticamente, versos das formas desejadas, acerca dos temas escolhi-dos, dispensando o engenho do autor.

    Sabe-se que hoje a tecnologia j se encontra bem prxima disso se queno queremos admitir que essa realidade j existe. Pelo menos, diante das ar-

    tes grcas, os computadores j so capazes da produo independentementeda mo humana.

    Diante dessas possibilidades revolucionrias, h que se repensar os concei-tos de autor e de usurio da obra intelectual.

    J se entende que o autor no trabalha mais exclusivamente sozinho. preciso compreender quem o autor na sociedade da informao. Vrios soos exemplos que podem ser invocados: h autores que escrevem livros onlinecontando com a contribuio dos leitores; programas de televiso que tmseu curso determinado pelos espectadores; usurios da internetque, diaria-

    mente, esto a criar obras derivadas de obras alheias num trabalho innito eno sem valor artstico e cultural muito pelo contrrio.

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    titulao de sua prpria obra. O outro se refere aos direitos patrimoniais, queconsistem basicamente na explorao econmica das obras protegidas.

    Os direitos morais do autor so aqueles que a LDA indica no seu artigo24. Diz a lei que so os seguintes:

    a) reivindicar a autoria da obra;b) ter seu nome ou pseudnimo indicado como sendo o autor da obra;c) conservar a obra indita;d) assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modica-

    es ou prtica de atos que, de qualquer forma, possam prejudic--la ou atingi-lo, como autor, em sua reputao ou honra;

    e) modicar a obra, antes ou depois de utilizada;f ) retirar a obra de circulao ou suspender qualquer forma de utili-

    zao j autorizada, quando a circulao ou utilizao implicaremafronta sua reputao ou imagem;

    g) ter acesso a exemplar nico ou raro da obra, quando se encontrelegitimamente em poder de outrem.

    Ao contrrio dos direitos patrimoniais, que regulam o exerccio do podereconmico do autor sobre a utilizao de sua obra por parte de terceiros, oque os direitos morais visivelmente procuram defender a relao do autor

    com sua prpria obra. Dividem-se em trs grandes direitos:

    indicao da autoria (itens a e b): o autor sempre ter o direito deter seu nome vinculado obra. Por isso, qualquer remontagem depea de Shakespeare ter que fazer referncia ao fato de a obra tersido elaborada pelo escritor ingls, apesar de toda a sua obra j tercado em domnio pblico;

    circulao da obra (itens c e f): o autor tanto pode manter a obraindita como pode retirar a obra de circulao. Uma questo muito

    discutvel a de autores que deixam expressamente indicada suavontade de no ter determinado livro publicado aps sua morte eainda assim seus herdeiros publicam-no;

    alterao da obra (itens d e e): compete ao autor modicar sua obrana medida em que lhe seja desejvel ou vetar qualquer modicao obra. Recentemente, o governo chins informou que no per-mitiria que o lme Os Inltrados, do diretor americano MartinScorsese fosse exibido nos cinemas chineses porque havia no lme

    referncia aquisio, por parte da ma chinesa, de equipamentosmilitares. Solicitou-se a modicao do lme para que essa parte da

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    29 BORGES, Robinson. Valor Econmi-co, Rio de Janeiro, 16 de julho de 2004.Caderno Eu & Fim de Semana, p. 10.

    histria fosse alterada, mas o pedido foi recusado. A propsito, diz aLDA que, no caso do Brasil, cabe exclusivamente ao diretor o exer-

    ccio dos direitos morais sobre a obra audiovisual. Veja em http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2007/01/17/287443438.asp.

    odas estas hipteses j constavam, de modo mais ou menos idntico, dalei anterior de direitos autorais, a lei 5.988/73. No entanto, a LDA acrescen-tou mais uma possibilidade, que a do autor ter direito de acessar exemplarnico ou raro (a lei, sem qualquer preciso, arma que o critrio de exem-plar nico eraro), quando se encontre legitimamente em poder de outrem,para o m de, por meio de processo fotogrco ou assemelhado, ou audio-visual, preservar sua memria, de forma que cause o menor inconvenientepossvel a seu detentor, que, em todo caso, ser indenizado de qualquer danoou prejuzo que lhe seja causado.

    ambm em dois outros casos por motivos evidentes a LDA preva possibilidade de haver prvia e expressa indenizao a terceiros: as hiptesesindicadas nos itens e e f acima.

    A doutrina costuma classicar os direitos morais de autor como direitos depersonalidade. Assim considerados, desfrutam das caractersticas dos direitosda personalidade em geral, sendo inalienveis e irrenunciveis, como indicaa LDA em seu artigo 27. So, alm disso e embora a lei no o diga, talvez

    por ser de todo desnecessrio imprescritveis e impenhorveis.H, entretanto, que se fazer uma distino dos direitos autorais quanto aosdemais direitos da personalidade. De modo geral, os direitos da personalida-de (nome, imagem, dignidade, honra etc) nascem com o indivduo e so des-de logo exercveis. Por outro lado, os direitos de personalidade relacionadosaos direitos autorais s so exercveis caso o indivduo crie. Portanto, nascemlatentemente nos indivduos, mas permanecem em condio suspensiva.

    1.6. Princpios de proteo e direitos patrimoniais

    A propriedade intelectual encontra-se to indissoluvelmente ligada a nos-sas vidas que mal paramos para reetir sobre seus efeitos em nosso cotidiano.Mas inevitvel: no existe mais possibilidade de existirmos sem os benscriados intelectualmente.

    Assim sendo, a utilizao dos bens de propriedade intelectual vem repre-sentando cada vez nmeros mais signicativos dentro da economia globaliza-da. Segundo o jornal Valor Econmico, com o PIB mundial de mais de US$380 bilhes, o comrcio de bens culturais foi multiplicado por quatro num

    perodo de duas dcadas em 1980, totalizava US$ 95 bilhes29

    .

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    30HARRIS, Lesley Ellen. Digital Pro-

    perty The Currency of the21st. Century. McGraw Hill, 1998.p. 17.

    De acordo com a autora Lesley Ellen Harris, advogada atuante no Cana-d, a propriedade intelectual responderia por cerca de 20 % (vinte por cento)

    do comrcio mundial, o que signica aproximadamente US$ 740 bilhes (aautora provavelmente se refere a quantias anuais)30.

    Quando falamos de bens culturais, tratamos necessariamente de direitoautoral, que um ramo da chamada propriedade intelectual. Conforme vistonos itens anteriores, o direito autoral apresenta duas manifestaes distintas,intrinsecamente conectadas, sendo uma de aspecto moral e outra de aspectopatrimonial, pecunirio ou, se preferirmos, econmico.

    Quanto parcela do direito moral, conforme vimos, a doutrina armaque se trata de direito da personalidade. E como se sabe, os direitos da perso-nalidade tm por caracterstica, entre outras, serem insuscetveis de avaliaopecuniria. Dessa forma, quando nos referimos aos aspectos do direito auto-ral relacionados sua avaliao econmica, no podemos estar nos referindoa outros direitos seno queles de carter patrimonial.

    Diversos so os princpios que podem ser invocados para explicarmos osistema de direitos autorais. Vejamos alguns deles:

    a) temporariedade: de acordo com a LDA, para que a obra seja prote-gida por direitos autorais, precisa estar dentro do prazo de proteo,que o da vida do autor mais setenta anos contados de primeiro

    de janeiro do ano subseqente ao da sua morte (art. 41). Depoisdesse prazo, a obra cai em domnio pblico e ento qualquer pessoapoder dela valer-se patrimonialmente sem precisar de autorizaodo titular dos direitos autorais.

    b) prvia autorizao: enquanto a obra no cair em domnio pblico,s ser possvel a terceiros se valerem dela no caso de terem prvia eexpressa autorizao por parte do titular dos direitos sobre a obra.O artigo 29 da LDA traz extensa lista de atos cuja execuo de-pende de autorizao: so os chamados direitos patrimoniais. Cabe

    mencionar que a lista exemplicativa e, por isso, possvel con-siderar-se a existncia de outras hipteses no constantes da LDA.Determina a lei que depende de autorizao prvia e expressa doautor a utilizao da obra, por quaisquer modalidades, tais como:

    I a reproduo parcial ou integral;II a edio;III a adaptao, o arranjo musical e quaisquer outras transformaes;IV a traduo para qualquer idioma;

    V a incluso em fonograma ou produo audiovisual;

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    VI a distribuio, quando no intrnseca ao contrato rmado peloautor com terceiros para uso ou explorao da obra;

    VII a distribuio para oferta de obras ou produes mediante cabo,bra tica, satlite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usu-rio realizar a seleo da obra ou produo para perceb-la em um tempo elugar previamente determinados por quem formula a demanda, e nos casosem que o acesso s obras ou produes se faa por qualquer sistema queimporte em pagamento pelo usurio;

    VIII a utilizao, direta ou indireta, da obra literria, artstica oucientca, mediante:

    a) representao, recitao ou declamao;b) execuo musical;c) emprego de alto-falante ou de sistemas anlogos;d) radiodifuso sonora ou televisiva;e) captao de transmisso de radiodifuso em locais de freqncia

    coletiva;f ) sonorizao ambiental;g) a exibio audiovisual, cinematogrca ou por processo asseme-

    lhado;h) emprego de satlites articiais;i) emprego de sistemas ticos, os telefnicos ou no, cabos de qual-

    quer tipo e meios de comunicao similares que venham a ser adotados;j) exposio de obras de artes plsticas e gurativas;

    IX a incluso em base de dados, o armazenamento em computador,a microlmagem e as demais formas de arquivamento do gnero;

    X quaisquer outras modalidades de utilizao existentes ou que ve-nham a ser inventadas.

    Dessa forma, a adaptao de A Casa das Sete Mulheres em mini-srie,a transformao de Olga em lme e a traduo de Dona Flor e Seus DoisMaridos para o italiano s puderam ser realizadas mediante autorizao dos

    titulares dos direitos.

    c) Ausncia de formalidade ou proteo automtica: de acordo como artigo 18 da LDA, a proteo aos direitos autorais independe deregistro.

    d) Perpetuidade do vnculo autor-obra: esta uma decorrncia do di-reito moral de autor. Como a autoria uma emanao da perso-nalidade, o nome do autor estar perenemente conectado obra

    que criou. Por isso, Cervantes ser para sempre o autor de DomQuixote, e essa referncia dever ser feita em qualquer adaptao

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    que se faa da obra para teatro, cinema, televiso ou qualquer outrautilizao que dela se faa.

    e) Individualidade da proteo: cada obra dever ser protegida inde-pendentemente. O livro O Cdigo DaVinci, escrito por DanBrown, goza de proteo especca na qualidade de obra intelectualque . J o lme O Cdigo DaVinci, dirigido por Ron Howard, obra independente e como tal goza tambm de proteo, incidindosobre ambas, inclusive, prazos diferentes.

    f ) Independncia das utilizaes: Diz o artigo 31 da LDA que as di-versas modalidades de utilizao de obras literrias, artsticas oucientcas ou de fonogramas so independentes entre si, e a autori-zao concedida pelo autor, ou pelo produtor, respectivamente, nose estende a quaisquer das demais. Por isso, quando o titular dos di-reitos sobre os livros de Harry Potter autoriza sua adaptao parao cinema, no autoriza implicitamente nenhum outro uso possvelda obra. Se a autorizao para adaptao cinematogrca, esta novale para adaptao para programa de televiso, nem pea de teatro,nem traduo para outro idioma, a menos que essas autorizaestambm estejam expressamente indicadas.

    g) direito de propriedade sobre o bem: quando adquirimos um bemprotegido por propriedade intelectual, na verdade adquirimos obem material em que a obra est xada. Assim, se ganhamos umCD de presente, temos propriedade sobre o bem CD, mas no so-bre as obras que dele constam. Assim, sobre o CD podemos exercerplenamente nosso direito de proprietrio: podemos guard-lo, do--lo, abandon-lo e at mesmo destru-lo. No entanto, no temosnenhum direito sobre as msicas que constam do CD. Por isso, atmesmo para fazer uma cpia integral de qualquer uma das msicas,

    seria necessrio termos autorizao do titular dos direitos. ratare-mos do tema mais adiante, quando estudarmos as limitaes legais.

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    AULA 04: CESSO E LICENAS; LICENAS PBLICAS INCLUSIVECREATIVE COMMONS

    SUMRIO

    1. A licena e a cesso: autorizaes necessrias. 2. ransmisso de direitos.3. Contrato de edio: um contrato tpico, anal? 4. Licenas pblicas gerais(Creative Commons e outras). 4.1. Estratgias para se lidar com direitos au-torais na web. 4.2. A estratgia YOYOW. 4.3. Estratgia de ransferncia deDireitos Autorais. 4.4. Estratgia de utilizao de uma licena livre.

    LEITURA OBRIGATRIA

    ASCENSO, Jos de Oliveira. Direito autoral, 2 ed. Rio de Janeiro: Reno-var, 1997. Pp. 292-314.

    LESSIG, Lawrence. Cultura Livre, ed. rama Universitrio. P. 253-256.

    LEITURAS COMPLEMENTARES

    ABRO, Eliane Y.. Direitos de Autor e Direitos Conexos. So Paulo: Ed. doBrasil, 2002. p. 129-144.

    CARROLL, Michael W. Creative Commons and the New Intermediaries,in Michigan State Law Review, n. 1, 2006, pp. 45-65.

    1. ROTEIRO DE AULA

    1.1. A licena e a cesso: autorizaes necessrias

    Normalmente, o artista cria por demanda de sua criatividade. ornou--se famosa uma entrevista dada pela escritora Rachel de Queirs em que elafoi indagada por uma jornalista se era verdade que preferia o jornalismo literatura. Ao dizer que sim, a jornalista lhe perguntou, ento, por que elaproduzia literatura, ao que a escritora teria respondido com a seguinte per-gunta: Voc j pariu?. Diante da negativa da entrevistadora, ela completou:

    Quando se ca grvida, imperativo parir.

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    Normalmente, no entanto, no basta parir. Uma vez criada a obra, o ar-tista geralmente gosta de v-la circular, de modo a atingir o maior nmero

    possvel de pessoas para que nelas cause a impresso desejada. Como em regraapenas o autor pode dar origem circulao da obra, a LDA prev os meca-nismos de autorizaes para que a obra atinja o pblico.

    O que se verica na prtica que um msico precisar de algum que xeo fonograma e faa cpias de seus CDs; o escritor precisar de uma editora;aquele que tem um roteiro para obra audiovisual precisar de uma produtorae assim por diante. Com o avano da tecnologia, a necessidade dos interme-dirios vem diminuindo consideravelmente a ponto de, hoje em dia, vriosserem os artistas que produzem e distribuem suas prprias obras. Mas mes-mos esses dicilmente escaparo da necessidade de, em maior ou menor grau,celebrar contratos relacionados aos direitos autorais das suas obras.

    A matria relativa circulao de direitos autorais est prevista a partir doartigo 49 da LDA.

    Diz o artigo 49 que os direitos de autor podero ser total ou parcialmentetransferidos a terceiros, por ele ou por seus sucessores, a ttulo universal ousingular, pessoalmente ou por meio de representantes com poderes especiais,por meio de licenciamento, concesso, cesso ou por outros meios admitidosem Direito.

    Caracteriza-se a cesso pela transferncia de titularidade da obra intelec-

    tual, com exclusividade para o(s) cessionrio(s). J a licena representa umaautorizao por parte do autor para que terceiro se valha da obra, com exclu-sividade ou no, nos termos da autorizao concedida. Ou seja, a cesso seassemelha a uma compra e venda (se onerosa) ou a uma doao (se gratuita)e a licena, a uma locao (se onerosa) ou a um comodato (se gratuita).

    A prpria LDA prev algumas limitaes concernentes possibilidade detransmisso total (cesso total) dos direitos autorais. As principais so as se-guintes:

    a) a transmisso total deve compreender todos os direitos de autor, excetonaturalmente os direitos morais (que so intransmissveis) e aqueles que alei exclui;

    b) a cesso total e denitiva depender de celebrao de contrato porescrito;

    c) caso no haja contrato escrito, o prazo mximo de cesso dos direitosser de cinco anos;

    d) a cesso se restringir ao Pas em que se rmou o contrato;e) a cesso somente poder se operar para modalidades de utilizao j

    existentes quando da celebrao do contrato;

    f ) a interpretao do contrato, sendo restritiva, ter como conseqnciaque no havendo especicao quanto modalidade de utilizao, enden-

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    der-se- como limitada apenas a uma que seja aquela indispensvel aocumprimento da nalidade do contrato;

    g) a cesso total ou parcial dos direitos de autor presume-se onerosa;h) a cesso dos direitos de autor sobre obras futuras abranger, no mxi-

    mo, o perodo de cinco anos.

    1.2. Transmisso de Direitos

    Diz a LDA que os direitos de autor podero ser total ou parcialmentetransferidos a terceiros, por ele ou por seus sucessores, a ttulo universal ousingular, pessoalmente ou por meio de representantes com poderes especiais,por meio de licenciamento, concesso, cesso ou por outros meios admitidosem Direito (art. 49).

    Conforme se depreende da leitura do caputdo art. 49 da LDA, os direitosde autor podem ser transferidos, por quem de direito, a terceiros, em suaintegralidade ou apenas parcialmente. A transferncia pode se dar a ttulouniversal ou singular (ou seja, abrangendo toda uma gama de obras, sem quecada uma das obras seja identicada, ou apenas uma obra especca) e serefetivada sobretudo por meio de licena ou cesso.

    Caracteriza-se a cesso pela transferncia de titularidade da obra intelec-tual, com exclusividade para o(s) cessionrio(s). J a licena representa umaautorizao por parte do autor para que terceiro se valha da obra, com exclu-sividade ou no, nos termos da autorizao concedida. anto a cesso comoa licena podem ser total ou parcial, o que signica que podem se referir integralidade do uso econmico da obra ou apenas a alguma(s) das faculda-des de seu aproveitamente econmico.

    Um exemplo pode ser esclarecedor. Como todos sabemos, Paulo Coelhose celebrizou a partir de sua obra O Alquimista. Considerando-se a hip-tese de ser o autor o nico titular dos direitos patrimoniais sobre sua obra

    (ou seja, no caso de ele no ter transferido seus direitos a ningum), poderautorizar o uso da obra O Alquimista por terceiro ou ceder seus direitos.Vejamos na prtica essas possibilidades:

    a) Paulo Coelho consultado por diretor de teatro de Fortaleza, inte-ressado em transformar O Alquimista em pea teatral. Paulo Coe-lho autoriza, por meio de licena, a adaptao da obra para o palco.Neste caso, Paulo Coelho continua titular de todos os direitos. Odiretor cearense no pode fazer nada com a obra exceto realizar suamontagem. rata-se, portanto, de licena parcial.

    b) Paulo Coelho procurado pelo mesmo diretor de teatro, que tem,entretanto, diversas idias para uso do livro. Pede que lhe seja

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    31ABRO, Eliane Y.. Direitos de Autor eDireitos Conexos. Cit., p. 137.

    concedida uma licena total, para que no prazo de dois anos, porexemplo, possa explorar a obra em toda a sua amplitude. Neste

    caso, o licenciado (o diretor de teatro) teria poderes amplssimos.Se quisesse, poderia transformar o livro em lme, em pea de tea-tro, em espetculo de circo, em musical, em novela, em histria emquadrinhos etc. Ainda assim, por se tratar de licena (mesmo quetotal), Paulo Coelho continuaria titular dos direitos patrimoniais.No entanto, durante dois anos, no poderia exerc-lo sem consultarpreviamente o licenciado.

    c) Seria possvel, ainda, que o diretor de Fortaleza quisesse ter parasempre o direito de transformar o livro em espetculo teatral. Paraisso, demandaria uma cesso parcial da obra. Ou seja, se Paulo Co-elho zesse uma cesso de seus direitos patrimoniais referentes possibilidade de transformar o livro em pea, estaramos diante deuma hiptese muito semelhante compra e venda. Se assim fosse,o prprio Paulo Coelho restaria desprovido desse direito no futuro,uma vez que a cesso tenha sido realizada.

    d) Por m, possvel se realizar uma cesso total. Nesse caso, todos osdireitos patrimoniais pertenceriam ao diretor de teatro, se com eleo contrato fosse celebrado. Assim, caso no futuro algum desejassetransformar o livro O Alquimista em lme, precisaria negociar

    com o diretor de teatro, e no com Paulo Coelho que, embora au-tor, teria se desprovido dos direitos patrimonais relacionados obrana medida em que realizasse a cesso total.

    A bem da verdade, comum haver confuso entre cesso parcial e licena,j que ambas tm eccia menor se comparadas cesso total. Muito emboraa lei no dena licena, possvel dini-la como autorizao de uso, de ex-plorao, sem que acarrete uma transferncia de direitos.

    Eliane Y. Abro31diz que (...) no na exclusividade que reside o diferen-cial entre cesso e licena, porque h licenas exclusivas. Na cesso de direi-

    tos, qualquer que seja o seu alcance, parcial ou total, a exclusividade outor-gada ao cessionrio encontra-se subjacente explorao de uma determinadaobra, porque o exerccio da cesso implica o da tutela da obra e o da sua opo-nibilidade erga omnes. Na licena exclusiva tambm. Nas licenas comuns,ao contrrio, pode o autor consentir que diversos licenciados explorem pelotempo convencionado diversos aspectos da mesma obra, simultaneamenteou no, e no abdicando de seus direitos em favor do licenciado. O quedistingue a cesso de direitos, parcial ou integral, e licenas exclusivas, daslicenas no exclusivas a oponibilidade erga omnesdas primeiras. No Brasil,

    exclusividade condio prevista em lei somente para o contrato de edio.

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    Dessa forma, v-se que as licenas constituem uma das modalidades pre-vistas em lei para se efetivar a transferncia de direitos autorais a terceiros e

    que por meio delas no h transferncia de direitos, mas to-somente umaautorizao de uso, que manteria a integralidade dos direitos autorais com otitular destes.

    De fato, podem ser denidas como autorizao de uso por parte do titulardos direitos autorais, a ttulo gratuito ou oneroso. Podem ser conferidas comou sem clusula de exclusividade, sendo que quanto ao contrato de edio alei obriga a exclusividade.

    Assim que os diversos contratos tipicamente relacionados aos direitosautorais, tais como os contratos de edio, de gravao, de traduo, de adap-tao etc., sero instrumentalizados por meio da celebrao de instrumentoscontratuais que prevero, em sua essncia, a cesso ou a licena de uso dedireitos autorais alheios.

    Dessa forma, um autor que queira publicar seu livro celebrar contrato deedio pelo qual ceder ou licenciar a depender dos termos da negociao seus direitos autorais sobre a obra criada. Convm observar que, no casode contrato de edio, a exclusividade ser concedida ao editor indepen-dentemente de se tratar de cesso ou de licena por fora do disposto noart. 53, caput, da LDA.

    Convm anotar, nalmente, que a cesso, total ou parcial, dever se fazer

    sempre por escrito e presume-se onerosa. J a licena poder ser convencio-nada oralmente e sobre ela no recai presuno legal de onerosidade. Aindaassim, a celebrao de contrato sempre altamente recomendada, sobretudoporque como determina a prpria LDA, os negcios jurdicos envolvendo di-reitos autorais so interpretados restritivamente e a questo de prova em con-tratos feitos oralmente sempre causa grande diculdade s partes envolvidas.

    1.3. Contrato de edio: um contrato tpico, afinal?

    O contrato de edio previsto na LDA entre os artigos 53 e 67. Na ver-dade, trata-se do nico contrato expresssamente previsto na LDA, e por isso considerado o contrato paradigmtico da lei.

    Pelo contrato de edio, determina a LDA que o editor, obrigando-se a re-produzir e a divulgar a obra literria, artstica e cientca, ca autorizado, emcarter de exclusividade, a public-la e explor-la pelo prazo e nas condiespactuadas com o autor.

    Embora o contrato de edio seja tipicamente o contrato utilizado paraobras literrias, entende-se que no se aplica apenas a elas, podendo tambm

    versar sobre obras musicais, por exemplo.

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    De acordo com a LDA, em cada exemplar da obra, dever o editor men-cionar:

    o ttulo da obra e seu autor; no caso de traduo, o ttulo original e o nome do tradutor; o ano da publicao e seu nome (do editor), ou marca que o identique.

    Caso no haja previso expressa no contrato, entende-se que o contratode edio versa apenas sobre uma edio. E se eventualmente no houverreferncia ao nmero de exemplares, se entender que esse nmero 3.000(trs mil).

    1.4. Licenas pblicas gerais (Creative Commons e outras)

    1.4.1. Estratgias para se lidar com direitos autorais na web

    Como visto nas aulas anteriores, o direito autoral protege, sem a necessida-de de registro, todas as criaes do esprito. Para utilizar criaes de terceiro, assim, necessrio pedir autorizao. Essa utilizao inclui, por exemplo, o

    direito de modicar e editar qualquer contedo. Considere o caso da Wiki-pedia. A Wikipedia, para funcionar, depende do direito de livre modicao,alterao, edio e mesmo de reproduo. A Wikipedia jamais poderia tersido criada, se houvesse a necessidade de pedir autorizao para os respectivostitulares de direito autoral todas as vezes que algum fosse editar ou modicarum artigo da enciclopdia. Em outras palavras, se as regras gerais do direitoautoral que se aplicam internet como um todo fossem aplicadas sem qual-quer modicao na Wikipedia, ela seria praticamente invivel.

    Esse dilema da Wikipedia surge na maioria dos sites colaborativos da In-ternet. Especialmente sites que lidam com contedo gerado pelos prprios

    usurios enfrentam permanentemente a tenso entre contedo legal e conte-do ilegal. No nem preciso mencionar o caso do Youube, que a todo mo-mento recebe noticaes de violao de direito autoral nos Estados Unidose fora dele. O caso envolvendo a personalidade televisiva Daniela Cicarelli um exemplo que se tornou notrio. Sites de fotos como o Flickr tambm so-frem do mesmo dilema. Sites que permitem a disponibilizao de contedosmusicais como o MySpace tambm.

    Para lidar com a questo dos direitos autorais e permitir que a web colabo-rativa seja vivel, estudaremos ao longo desta aula trs estratgias diferentes.

    importante mencionar que praticamente impossvel distinguir as estra-tgias para se lidar com os direitos autorais na web colaborativa da questo

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    da redao dos termos de uso dos sites de web. Nesse sentido, para entenderqual a poltica de um determinado site com relao ao contedo nele pos-

    tado, o caminho natural vericar nos ermos de Uso daquele site comoo mesmo trata o contedo postado atravs dele. E se o site no disser nada aesse respeito? Este e outros casos so analisados nas trs estratgias a seguir.

    1.4.2. A estratgia YOYOW

    O termo YOYOW vem do ingls e quer dizer You Own Your Own Wor-ds. Isso signica: Voc o Dono das Suas Prprias Palavras. Muitos blogse comunidades virtuais online adotam expressamente a poltica de que todosos visitantes que postam contedo atravs do site permanecem tanto donosquanto nicos responsveis por aquele contedo.

    Perceba que a poltica do YOYOW possui uma dupla caracterstica. Aprimeira de que todo o contedo postado no site permanecem com seusdireitos autorais sobre aquele contedo totalmente inalterados. A repercussodisso que qualquer pessoa interessada em reproduzir um contedo indivi-dual constante do site, deve procurar seu legtimo autor e titular de direitosautorais para isso. Um exemplo de site que utiliza essa poltica a comunida-de virtual chamada Well.com (www.well.com). Caso algum se interesse por

    reproduzir um texto ou outro contedo publicado no site, no adianta pedirautorizao para o prprio site. necessrio procurar cada autor individualpara tanto.

    O segundo componente da poltica do YOYOW no tem a ver com di-reitos autorais. rata-se de um elemento contratual. Este componente dizrespeito com relao responsabilidade pelo contedo postado no site. Pelapoltica do YOYOW, os ermos de Uso do site em questo dizem que ousurio assume a total responsabilidade por qualquer contedo por ele posta-do atravs do site. Perceba-se que esta uma forma de tentar regular contra-tualmente a responsabilidade do site e dos usurios com relao ao contedo

    disponibilizado. como se o site estivesse contratualmente estabelecendoque ele funciona apenas como um mero canal de divulgao do contedo.Mas que o contedo em si de responsabilidade exclusiva de seus autores.Com isso, o site tenta, atravs dos termos de uso, afastar sua responsabilidadepor qualquer violao de direitos proveniente dos contedos postados pel