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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS Escola de Direito FGV DIREITO RIO Programa de Capacitação em Poder Judiciário RICARDO TORRES HERMANN JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS PRINCÍPIOS INFORMATIVOS DE SEU MICROSSISTEMA E AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Programa de Capacitação em Poder Judiciário. FGV DIREITO RIO. Setembro/2007

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

Escola de Direito FGV DIREITO RIO

Programa de Capacitação em Poder Judiciário

RICARDO TORRES HERMANN

JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS – PRINCÍPIOS INFORMATIVOS DE SEU

MICROSSISTEMA E AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO

Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado ao Programa de Capacitação em

Poder Judiciário. FGV DIREITO RIO.

Setembro/2007

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

Escola de Direito FGV DIREITO RIO

Programa de Capacitação em Poder Judiciário

Trabalho de Conclusão de Curso

Título: JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS – PRINCÍPIOS INFORMATIVOS DE SEU

MICROSSISTEMA E AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO

Elaborado por Ricardo Torres Hermann

Aprovado e aceito como requisito parcial para a obtenção do certificado de Pós Graduação

Lato Sensu, nível de especialização, em Poder Judiciário.

Data:

Nome do Professor Orientador Eugênio Facchini Neto

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................ 1

1 – OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS INFORMATIVOS DO PROCESSO CIVIL ...................... 2

1.1 – A IMPORTÂNCIA DA ANÁLISE DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO CIVIL ........................ 2

1.2 – A CLASSIFICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS ...................................................................................................... 5

1.3 – O ACESSO À JUSTIÇA E O DEVIDO PROCESSO LEGAL COMO PRINCÍPIOS GERAIS

CONCRETIZADORES DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO ........................................................... 6

1.4 – PRINCÍPIO DA ISONOMIA PROCESSUAL OU DA PARIDADE DE ARMAS .................................................. 12

1.5 – DIREITO DE AÇÃO ............................................................................................................................. 13

1.6 – PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA ........................................................................................................... 14

1.7 – PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO ........................................................................................................ 15

2 – PRINCÍPIOS INFORMATIVOS DO PROCESSO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL .................. 20

2.1 – A CONSTRUÇÃO DE UM MICROSSISTEMA PROCESSUAL ..................................................................... 20

2.2 – OS PRINCÍPIOS CONTEMPLADOS EXPRESSAMENTE NA LEI Nº 9.099/1995 COMO

INFORMATIVOS DO PROCESSO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL ......................................................... 25

2.2.1 – O Princípio do julgamento com eqüidade ........................................................................... 26

2.2.2 – O Princípio da oralidade .................................................................................................... 29

2.2.3 – Princípio da simplicidade ................................................................................................... 34

2.2.4 – Princípio da informalidade ................................................................................................. 35

2.2.5 – Princípio da economia processual e gratuidade ................................................................. 37

2.2.6 – Princípio da celeridade ....................................................................................................... 39

3 – ANÁLISE CRÍTICA DOS QUESTIONAMENTOS DIRIGIDOS AOS DISPOSITIVOS DA LEI Nº

9.099/95, SOB O PONTO DE VISTA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ........................... 43

3.1 – DA COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS ESTADUAIS ...................................................... 44

3.2 – DA OPCIONALIDADE À OBRIGATORIEDADE E O SEU CAMINHO INVERSO NOS JUIZADOS

ESPECIAIS CÍVEIS ESTADUAIS ....................................................................................................... 48

3.3 – DA FACULTATIVIDADE DA INTERVENÇÃO DO ADVOGADO NAS CAUSAS COM VALOR ATÉ

VINTE SALÁRIOS MÍNIMOS ............................................................................................................. 54

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3.4 – DA ATUAÇÃO DOS CONCILIADORES E JUÍZES LEIGOS ......................................................................... 57

3.5 – DOS ATOS PROCESSUAIS E DO SISTEMA DE NULIDADES NO PROCESSO DOS JUIZADOS

ESPECIAIS CÍVEIS .......................................................................................................................... 61

3.5.1 – Do tempo dos atos processuais ........................................................................................... 62

3.5.2 – Do lugar dos atos processuais ............................................................................................ 64

3.5.3 – Do modo dos atos processuais ............................................................................................ 68

3.6 - DO SISTEMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS ESTADUAIS .............................................. 72

3.6.1 – Da sentença confirmada por seus próprios fundamentos ................................................... 76

3.7 – DA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA NOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS ESTADUAIS .................. 79

CONCLUSÃO ................................................................................................................................................ 84

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................................................... 89

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v

À Raquel, aos nossos filhos,

Rodrigo, Rafael e Ramiro,

com amor.

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vi

RESUMO

O objeto do trabalho é o processo do Juizado Especial Cível, seus princípios e

procedimento. A preocupação central é a de verificar a compatibilidade de tais

princípios informativos do processo do Juizado Especial Cível com os princípios

informativos do processo civil contemplados na Constituição Federal. Constatar se

a simplificação do rito importa em limitações inconstitucionais de garantias

fundamentais ao processo, como do devido processo legal, contraditório e ampla

defesa. Proceder a uma análise crítica dos princípios informativos e institutos do

processo do Juizado Especial Cível. Oferecer sugestões de aperfeiçoamento do

processo e de melhoria da infra-estrutura dos Juizados Especiais Cíveis. Foi dado

ênfase na questão da competência dos Juizados Especiais Cíveis para as pequenas

causas e as de menor complexidade, reconhecendo como Juiz Natural de tais causas

o do Juizado Especial Cível. Destacou-se também a necessidade de o Juiz Togado

supervisionar o trabalho de conciliadores e Juízes Leigos. Foi observado que

conquanto constituam os Juizados Especiais microssistema próprio dentro do

Direito Processual, não se trata de Jurisdição fora dos parâmetros do Direito. Do

ponto de vista da estrutura material, enfatizou-se a importância da implantação do

processo eletrônico. Finalmente, tendo em vista o princípio da segurança jurídica,

analisou-se a instituição de recurso de uniformização de jurisprudência federal.

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ABSTRACT

The purpose of this work is the Brazilian Small Claims Court system, called

Juizados Especiais Cíveis, its principles and procedure. The central concern is to

verify the compatibility of such informative principles of this Special Court‟s

procedure with the principles of the ordinary Procedure Law and those embodied in

the Federal Constitution. It is debated whether the simplification of the procedure is

unconstitutional or not, where it curtails the basic guarantees of the process,

embodied in the due process of law clause. It seeks to make a critical analysis of

the informative principles and institutions concerning the Civil Special Court. It

offers suggestions of perfectioning the process and improvement of the

infrastructure of the Brazilian Civil Special Courts. It emphasizes the Brazilian

Civil Special Courts as the natural court system for the claims of lesser complexity.

It also emphasizes the necessity of the ordinary Judge to really supervise the work

of the “mediator” (a person who seeks to promotes the conciliation among parties

in a lawsuit) and of the “Lay judge” (appointed lawyer who presides the trial and

hearings, and suggests a solution). It is also pointed out the crucial importance of

the implementation of the so called electronic or virtual process. Finally, as a

matter of legal security, it is analyzed the institution of “recurso de uniformização

de jurisprudência federal” (appeal for standardization of the interpretation of

federal law).

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INTRODUÇÃO

O objeto do presente trabalho é examinar os principais institutos e princípios

informativos do processo do Juizado Especial Cível e sua conformidade com os princípios

constitucionais do processo civil.

Para tanto, no primeiro capítulo, serão enfocados os princípios constitucionais

informativos do processo civil, iniciando-se com a classificação dos princípios

constitucionais, passando-se após à análise mais detida dos princípios do acesso à justiça,

do devido processo legal, da isonomia processual (ou da paridade de armas), do direito de

ação, da ampla defesa e do contraditório, identificando desde logo sua importância ao

processo civil e, especificamente, aos Juizados Especiais Cível.

No segundo capítulo, serão abordados os princípios informativos do processo do

Juizado Especial Cível, iniciando por uma análise do que distingue o estatuto próprio desse

Juizado como um microssistema dentro do Processo Civil, passando-se então à análise

individualizada de cada um dos princípios que o informam, como os da oralidade,

simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade.

No terceiro capítulo, proceder-se-á à análise crítica dos questionamentos dirigidos

aos dispositivos da lei nº 9.099/95, sob o ponto de vista de sua conformidade com os

princípios constitucionais.

A dissertação se encerra com a conclusão, nas quais são resumidas as conclusões

parciais e apresentadas sugestões de aperfeiçoamento do funcionamento dos Juizados

Especiais Cíveis, com vistas a contribuir para sua qualificação, buscando, não só agilidade

nos julgamentos, como também justiça nas decisões proferidas.

Quanto à metodologia empregada, utilizou-se, fundamentalmente, o método

indutivo, quando da investigação e pesquisa, e o analítico interpretativo quando do

tratamento dos dados.

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1 – OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS INFORMATIVOS DO

PROCESSO CIVIL

1.1 – A importância da análise dos princípios constitucionais do processo

civil

A importância de tratar o processo do Juizado Especial Cível como uma garantia

fundamental de acesso à Justiça, não só às camadas mais pobres da população, mas

também aos cidadãos que pretendam solucionar seus litígios de menor valor e

complexidade, resulta da necessidade de se buscar a concreção dos princípios

constitucionais de acesso à justiça e também o fornecimento de meios que assegurem

duração razoável do processo e garantam a celeridade de sua tramitação.

A fundamental questão do equilíbrio entre a efetividade e a segurança da prestação

jurisdicional constitui a discussão central da análise do processo civil atualmente,

acentuando-se a importância de tal discurso no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis.

Embora, quando da criação dos Juizados Especiais, originalmente concebidos como

Conselhos de Conciliação e Arbitramento, não tivesse o Poder Judiciário despertado para a

necessidade de se preocupar em concretizar os valores constitucionais na aplicação da

legislação infraconstitucional, tal preocupação posteriormente foi felizmente despertada.

Aliás, a preocupação de que a legislação infraconstitucional fosse aplicada em

conformidade à Lei Maior não era despertada, antes da Constituição Federal de 1988, em

qualquer ramo do Direito1.

1 Conforme bem pontua NERY JÚNIOR: “Era muito comum, pelo menos até há bem pouco tempo, interpre-

tar-se e aplicar-se determinado ramo do direito tendo-se em conta apenas a lei ordinária principal que o regu-

lamentava. Assim, o civilista via no Código civil a única norma que deveria ser consultada na solução de

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Entretanto, a consolidação do Estado Democrático de Direito enseja a necessidade

de interpretação dos diversos ramos do Direito à luz dos preceitos constitucionais,

especialmente dos direitos e garantias fundamentais, não podendo ser diferente com

relação a um instituto tão importante como o Juizado Especial Cível.

O aumento da expressão política do Poder Judiciário é diretamente proporcional à

importância que seus integrantes atribuem à aplicação direta da Constituição.

Para tal fato acordaram os magistrados brasileiros, embora com certa demora

(sendo talvez essa uma das principais causas da decantada crise do Poder Judiciário). A

história revela que nos Estados Unidos da América, é bem verdade, já há bem mais tempo,

a assunção pelo Poder Judiciário da função de guardião da Constituição é o que lhe atribui

importância institucional e expressão política. Conforme relata TOCQUEVILLE, a partir

de experiência recolhida em viagem nos idos de 1831:

“O mais difícil para um estrangeiro compreender nos Estados Unidos é

organização judiciária. Não há, por assim dizer, acontecimento político em que não

ouça invocar a autoridade do juiz; e daí conclui naturalmente que nos Estados

Unidos o juiz é uma das primeiras forças políticas. Quando examina em seguida a

constituição dos tribunais, descobre que, à primeira vista, tem apenas atribuições e

hábitos judiciários. O magistrado só lhe parece imiscuir-se nos assuntos públicos

por acaso; mas esse acaso acontece todos os dias”2.

Esclarece logo em seguida, o mesmo autor, que os juízes norte-americanos não

apresentam características distintas das que encerram os demais juízes e assim as resume: -

não poder se pronunciar, a não ser quando há litígio; - tratar exclusivamente de um caso

problemas naquela área, o mesmo ocorrendo com o processualista (civil, penal, e trabalhista), com o penalis-

ta, com o comercialista.

Isso se deve a um fenômeno cultural e político por que passou e tem passado o Brasil ao longo de sua exis-

tência. Referimo-nos ao fato de o País ter tido poucos hiatos de tempo em Estado de Direito, em regime de-

mocrático, em estabilidade política, enfim.

Daí por que não se vinha dando grande importância ao Direito Constitucional, já que nossas Constituições

não eram respeitadas, tampouco aplicadas efetivamente”

NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 6ª ed., São Paulo: RT,

2000, p. 19.

2 TOCQUEVILLE, Alexis de. A Democracia na América – Livro 1 Leis e Costumes. São Paulo: Martins

Fontes, 2005, p. 111.

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particular e - dever sempre esperar que o tenham solicitado para agir. O juiz norte-

americano, apesar de parecer perfeitamente com os magistrados de outras nações, é dotado

de um imenso poder político.

E, refletindo sobre isso, questiona TOCQUEVILLE:

“De onde vem isso? Ele se move no mesmo círculo e serve-se dos mesmos meios

que os outros juízes, por que possui um poder que estes últimos não têm?

A causa está neste simples fato: os americanos reconheceram aos juízes o direito de

fundar suas decisões na constituição, em vez de nas leis. Em outras palavras,

permitiram-lhes não aplicar as leis que lhes parecerem inconstitucionais.

Sei que semelhante direito foi reclamado algumas vezes pelos tribunais de outros

países, mas nunca lhes foi concedido. Na América, é reconhecido por todos os

poderes; não encontramos um partido nem mesmo um homem que o conteste.”

(grifo do autor).3

A partir daí, se vê que a interpretação dos preceitos próprios dos Juizados Especiais

Cíveis e, notadamente de seus princípios, há de ser feita em conformidade com a

Constituição Federal.

Para tanto, a reflexão que se impõe, e que será feita no terceiro capítulo, é a de uma

crítica sobre a constitucionalidade dos principais institutos dos Juizados Especiais Cíveis,

ou seja: o julgamento por ou com eqüidade; a simplificação da comunicação dos atos

processuais, mediante a entrega ao encarregado da recepção da carta de citação tratando-se

de pessoa jurídica ou firma individual e a presunção de intimação no endereço original

quando a parte muda de endereço sem comunicar; a facultatividade do advogado nas

causas em que o valor não exceder vinte salários mínimos; a irrecorribilidade das decisões

interlocutórias; a possibilidade de dispensar o arquivamento de documentos em autos

físicos, possibilitando a instituição do processo eletrônico; a limitação de recursos; a

possibilidade de confirmação da sentença por seus próprios fundamentos, dentre outros.

3 Idem. p. 113.

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1.2 – A classificação dos princípios

Os princípios, inegavelmente, são fonte de Direito e mais do que isso, conforme a

classificação sustentada por CANOTILHO, servem para estruturar o próprio Estado.

Segundo a classificação apresentada pelo mesmo autor, existem, em primeiro lugar, certos

princípios designados princípios estruturantes ou constitutivos, por apresentarem as

idéias diretivas básicas de toda a ordem constitucional. São eles os princípios do Estado

Democrático de Direito e o Republicano, contemplados, na nossa Constituição, no artigo

primeiro4. Abaixo dos princípios estruturantes vêm os chamados princípios gerais

fundamentais, dentre os quais despontam a separação e independência dos Poderes e o

respeito aos Direitos Fundamentais. E, como explicita o referido autor: “Estes princípios

gerais fundamentais podem, por sua vez, densificar-se ou concretizar-se ainda mais através

de outros princípios constitucionais especiais”5. Completa a classificação, afirmando que

os princípios estruturantes não são concretizados e densificados apenas por princípios

gerais ou especiais, mas também, por várias regras constitucionais.

Tal classificação é de extrema importância, a fim de que se identifiquem os

princípios constitucionais gerais que deverão ser concretizados por princípios informadores

do processo civil, de forma ampla, e também do processo civil regulado através do

microssistema dos Juizados Especiais Cíveis.

Como se verá, o procedimento sumaríssimo contemplado no Juizado Especial Cível

não se apresenta exclusivamente através de um rito procedimental simplificado, mas sim

apresenta características próprias que o distinguem dos procedimentos contemplados no

4 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do

Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

5 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2ª ed. Coimbra – Portugal:

Almeidina, 1998, p. 1.047.

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Código do Processo Civil. Daí chegar-se a ponto de afirmar que constitui um

microssistema independente.

Porém, a aplicação das regras próprias do Processo do Juizado Especial Cível não

prescinde da observância das normas e princípios constitucionais. É importante delimitar

em que medida os princípios constitucionais conformam os princípios informativos do

Juizado Especial Cível, sem deixar de perceber que se está diante de um microssistema

novo que apresenta peculiaridades que o distinguem da Justiça Tradicional.

1.3 – O Acesso à Justiça e o Devido Processo Legal como princípios

gerais concretizadores do Estado Democrático de Direito

A partir da idéia de um Estado Democrático de Direito, advêm as exigências de

acesso à justiça e da existência de um procedimento justo.

Em relação ao princípio geral de acesso à justiça, dois sentidos são possíveis para

enunciá-lo, o formal, segundo o qual se limitaria o acesso à justiça a mero acesso ao Poder

Judiciário e o material ou substancial, significando o acesso a uma ordem jurídica justa.

Como bem observa MARINONI:

“Nessa linha, o direito de ação passou a ser pensado sob o slogan de „direito de

acesso à justiça‟, perdendo a característica de instituto indiferente à realidade

social. É possível dizer, até mesmo, que a questão do acesso à justiça foi o tema-

ponte que fez a ligação do processo civil – antes compreendido exclusivamente na

sua dimensão técnica – com a „justiça social‟.

Na verdade, a realização do direito de acesso à justiça é indispensável à própria

configuração de Estado, uma vez que não há como pensar em proibição da tutela

privada, e, assim, em Estado, sem se viabilizar a todos a possibilidade de efetivo

acesso ao Poder Judiciário. Por outro lado, para se garantir a participação dos

cidadãos na sociedade, e desta forma a igualdade, é imprescindível que o exercício

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da ação não seja obstaculizado, até porque ter direitos e não poder tutelá-los

certamente é o mesmo do que não os ter” (grifo do autor)6.

O acesso à justiça há de ser pensado dentro da atual realidade social, cultural e

econômica do país. O discurso teórico só se justifica se tiver por objetivo a efetiva

transformação social. O tema do Acesso à Justiça não comporta enfoque estritamente

jurídico, na medida em que é condicionado também por aspectos sociais, econômicos e

culturais. O problema que se põe, portanto, enseja idéias coordenadas, provindas, além do

Direito, da Sociologia Jurídica e da Filosofia do Direito, a fim de se obter respostas com

mais eficiência e eficácia, em face da realidade social. Tal advertência é feita com muita

propriedade por ANDRÉ-JEAN ARNAUD7.

Apesar de o Judiciário Brasileiro enfrentar volume enorme de trabalho, segundo

estudiosos calculam, apenas cerca de 30% da população tem efetivo acesso à justiça.

Portanto, as muitas demandas que assolam o Judiciário têm origem em parcela restrita da

população.

De acordo com Boaventura de Sousa Santos, tal problema decorre de três fatores:

• Em primeiro lugar, os cidadãos de menores recursos tendem a

conhecer pior os seus direitos e, portanto, ter mais dificuldades

em reconhecer um problema que os afeta como sendo um

problema jurídico.

6 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil, volume 1: teoria geral do processo. São Paulo:

RT, 2006, p. 185.

7 Segundo o mencionado filósofo francês: “Pode-se ultrapassar o estado de mal-estar que consiste em pensar,

dizer e reproduzir que o progresso das ciências é a fonte de nossos males, e mais particularmente, da crise

que vivem nossas sociedades. Convém para tanto não ceder aos jogos do poder e guardar uma posição crítica:

lição específica de todas as ciências que chamamos, erradamente, „auxiliares do direito‟. Elas nos ensinam a

renúncia à busca de dominação, nos ensinam a criticar, a inventar. É últil relacionar o estudo jurídico a estes

temas importantes. Isso equivale a repensar o direito sempre e em todo o lugar, que dizer, repensar sempre e

em toda parte a racionalidade do sistema jurídico imposto, de abandonar aqui a racionalidade do Iluminismo

que predomina ainda e que serve de referência a um humanismo manco, sem por isso retornar às filosofias

que já estão ultrapassadas, nem fazer o jogo estéril dos positivismos. Exaltar o valor da crítica e reconhecer o

lugar da filosofia”. ARNAUD, André-Jean. O Direito traído pela Filosofia. Traduzido por Wanda de Lemos

Capeller e Luciano Oliveira. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1991, p. 183.

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8

• Em segundo lugar, mesmo reconhecendo o problema como

jurídico, como violação de um direito, é necessário que a pessoa

se disponha a ajuizar a ação. (É comum ouvir-se das pessoas que

vem a juízo: “essa é a primeira vez que eu boto os pés no

Forum”).

• Em terceiro e último lugar, quanto mais baixo é o estrato sócio-

econômico do cidadão, menos provável é que conheça advogado

ou tenha acesso a escritórios de advocacia ou aos tribunais.8

As desigualdades sócio-econômicas da nossa população e a falta de acesso à Justiça

Formal provocaram também o surgimento de “ordens jurídicas” dissonantes em relação à

ordem jurídica oficial. Nesse contexto, ficou célebre o estudo feito por Boaventura de

Sousa Santos na favela Jacarezinho, no Rio de Janeiro, concluindo que haveria o “direito

do asfalto” (ordem jurídica oficial) e o “direito da favela” (ordem normativa alternativa).

Hoje em dia reconhecem-se vários outros ordenamentos jurídicos informais que convivem

com o oficial.

Apesar de o Poder Judiciário ostentar constitucionalmente o monopólio da

Jurisdição, há quem reconheça a existência de outras “Justiças”, como, por exemplo, a

Mídia9, que por intermédio dos meios de comunicação, condena ou absolve pessoas; o

Poder Legislativo que, valendo-se das CPIs e dos procedimentos administrativos internos,

8 Direito e Justiça: a função social do Judiciário. São Paulo: Ática, 1989, p. 49.

9 “Como exemplo, GILBERTO DIMENSTEIN menciona uma pesquisa realiza em 1998: „Uma empresa de

publicidade (Grottera) perguntou aos entrevistados „quem ajuda a fazer mais Justiça no Brasil?. Só míseros

10% apontaram o Poder Judiciário. A imensa maioria (84%) apontou a mídia, sintoma de uma deturpação

porque seu papel é, a rigor, informar e forma, não processar ou indiciar. Indagados sobre „para que serve a

Justiça?, 26% disseram „nada‟; 28% não souberam responder. Para, enfim 86% da população, somos marca-

dos pela impunidade. A desonestidade e ilegalidade compensam‟ („Burrice Mata, Folha de S. Paulo de

27/12/98, p. 3.8). A pesquisa foi analisada pelo próprio responsável, o publicitário paulista LUÍS GROTTE-

RA, que preside a GROTTERA Comunicação, sob artigo denominado „O Judiciário ausente na mídia é um

risco para a democracia‟, in Cidadania e Justiça, publicação da Diretoria de Comunicação social da AMB,

ano 2., n. 5, 2º semestre de 1998, p. 114 e ss.” Apud: NALINI, Renato. A rebelião da toga. São Paulo: Mil-

lennium Editora, 2006, p. 75.

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não se restringe a investigar, se não que a emitir verdadeiros “julgamentos”, além dos

meios extrajudiciais, como por exemplo o Arbitramento e a Mediação.

Surge assim um questionamento: como se enfrentam essas dificuldades de

efetividade do acesso à justiça? Buscando estudar tais dificuldades Mauro Cappelleti e

Bryant Garth desenvolveram o Projeto de Florença, que consiste num estudo comparativo

denominado Projeto Florença (de onde provém Cappelletti), recolhendo as experiências de

países do mundo inteiro, nos sistemas de tradição romano-germânica e anglo-saxão,

estabelecendo um quadro completo da situação do acesso à justiça no mundo. A versão

resumida do texto final do relatório foi traduzida em português dez anos após a sua

publicação na Europa10.

Para enfrentar as dificuldades de acesso à justiça, propugna o referido estudo três

ordens de solução do problema, representado pelas chamadas “três ondas”:

• Primeira onda: acesso aos hipossuficientes, pois dependem

fundamentalmente do conhecimento de seus direitos, ou seja, de

assistência judiciária.

• Segunda onda: representação dos novos interesses difusos e

coletivos.

• Terceira onda: simplificação de procedimentos e criação de vias

alternativas de acesso à justiça - a)Reforma dos procedimentos

judiciais em geral (reformas do CPC, criação p. ex. da

antecipação de tutela, ação monitória etc); b)Especialização de

instituições, como ocorre com a criação dos Juizados Especiais

Cíveis; c)Mecanismos consensuais e resolução dos litígios

(arbitramento e mediação). Enfim, efetividade da tutela

jurisdicional, para garantir verdadeira proteção às posições

jurídicas de vantagem lesadas ou ameaçadas.

Do ponto de vista sociológico, é inegável que, pela baixa renda da maioria absoluta

da população (segundo dados do IBGE, a renda média do brasileiro, em 2001, era de

apenas R$ 595, o que torna difícil que grande parcela da população tenha condições de

recorrer ao Judiciário); pela falta de conhecimento de seus direitos, já que parcela ainda

10 CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre,

Sergio Fabris, 1988.

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inferior da população tem acesso à orientação jurídica que pudesse ser promovida pela

Defensoria Pública; e ainda, por questões culturais relativas ao receio de recorrer à via

Judiciária para a resolução de seus conflitos, a maior parte da população, aproximadamente

dois terços, dela não tenha efetivo acesso à Justiça. É um importante aspecto a ser

considerado no âmbito da discussão do princípio de acesso à justiça.

E, com vistas a ampliar a garantia constitucional de acesso à justiça é que se há de

qualificar e intensificar a atuação dos Juizados Especiais Cíveis, pois é inegável que

desempenham papel relevante nessa área, resultando disso a pacificação das relações

sociais que, inclusive, desempenha papel relevante na prevenção à violência.

Nesse sentido, salienta Moema Dutra Freire:

“Apenas uma parte dos conflitos é absorvida e administrada pelo sistema oficial,

podendo ou não se converter em processo judicial. Esta corresponde ao topo da

pirâmide, que é geralmente estreita, sobretudo em países como o Brasil, em que

não são poucos os problemas de acesso da população à justiça formal. Assim, as

situações sociais não canalizadas para as vias formais de resolução tendem, em

parte, a ser absorvidas por mecanismos alternativos de administração de conflitos;

e, em parte, a serem administradas de forma privada, onde o recurso à violência

pode ter lugar. Justifica-se assim a necessidade de buscar-se tanto incrementar as

vias de acesso à justiça formal como fortalecer os mecanismos alternativos de

resolução de conflitos como estratégia para reduzir o uso da violência na resolução

de disputas”11

.

Daí por que o Princípio do Acesso à Justiça está vinculado aos valores da

efetividade da prestação jurisdicional, ou seja, da real capacidade de solucionar os

conflitos sociais, de maneira eficiente, eficaz e justa, assegurando-se ainda “a razoável

duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”,

consoante também prevê o art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal.

11 FREIRE, Moema Dutra. Acesso à justiça e prevenção à violência - reflexões a partir do projeto justiça

comunitária. Dissertação de Mestrado em Ciência Política na Universidade de Brasília. 2006. . Disponível

em: http://www.unb.br/pol/defesasde2006/032006moemadutrafreire/dissertacaofull.pdf. Acesso em 10 ago.

2007.

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11

Por outro lado, vinculado aos valores da segurança jurídica está o Princípio Geral

do Devido Processo Legal, que também se constitui em princípio concretizador do Estado

Democrático de Direito, porque serve de base para garantir aos litigantes o direito a um

processo e à participação efetiva nele. Nessa ampla concepção, do Devido Processo Legal,

que garante às partes o processo e o direito de nele ser ouvido e interferir efetivamente

decorrem praticamente todos os demais princípios informativos do processo civil.

A Constituição Federal consagrou o Princípio do Devido Processo Legal no art. 5º,

inciso LIV, estabelecendo que: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens

sem o devido processo legal”. Entretanto, o densificam ou o concretizam, por exemplo,

diversos princípios especiais contemplados no art. 5º da Constituição Federal, como, por

exemplo, o de acesso aos órgãos públicos para entregar petição ou obtenção de certidão

para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal, previsto no

inciso XXXIV, o próprio princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional,

contemplado no inciso XXXV, o princípio da coisa julgada, contemplado no inciso

XXXVI, o princípio do juiz natural, estampado no inciso XXXVII e, assim, diversos

outros.

O devido processo legal comporta ainda outros sentidos, a saber: a) genérico, b)

material ou c) processual. Como bem observa NERY JÚNIOR:

“Genericamente, o princípio do due process of law caracteriza-se pelo trinômio

vida-liberdade-propriedade, vale dizer, tem-se o direito de tutela àqueles bens da

vida em seu sentido mais amplo e genérico. Tudo o que disser respeito à tutela da

vida, liberdade ou propriedade está sob a proteção da due process clause”12.

Nesse sentido, segundo relata o mesmo autor, a Suprema Corte Norte-Americana,

no caso Meyer v. Nebraska (1923) permitiu que Meyer promovesse aulas em escola

particular no idioma alemão, declarando inconstitucional lei estadual que proibia o ensino

em outra língua que não o inglês em escolas particulares ou públicas ou ainda, no caso

Pierce v. Sisters (1925), invalidou lei estadual que impunha às crianças “normais” entre 8 a

16 anos que freqüentassem apenas escolas públicas, impedindo assim escolas privadas a

aceitá-las.

12 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 6ª ed. São Paulo: RT,

2000, p. 34.

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12

O princípio do devido processo legal, como não poderia deixar de ser, também

evoluiu historicamente de garantia meramente formal para uma garantia material, como

ocorre com o princípio do acesso à justiça, com o qual guarda íntima relação. “Jurisdição e

processo são dois institutos indissociáveis. O direito à jurisdição é, também, o direito ao

processo, como meio indispensável à realização da Justiça”, como bem acentua

THEODORO JÚNIOR13

.

Especificamente, no que concerne ao processo civil, e para o que interessa na

apreciação dos princípios informativos do processo do Juizado Especial Cível, NERY

JÚNIOR assevera que vem sendo entendidos como decorrentes do devido processo legal

os seguintes princípios: a) a igualdade das partes; b) garantia do jus actionis; c) respeito ao

direito de defesa; d) contraditório14

.

1.4 – Princípio da isonomia processual ou da paridade de armas

A consideração das partes, de acordo com as suas condições efetivas, é hoje um dos

princípios informadores do Processo Civil que vem ensejando mais preocupação,

notadamente em estatutos legais protetivos como o Código de Defesa do Consumidor, que

partindo da idéia de hipossuficiência do consumidor preconiza a facilitação da defesa de

seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova (art. 6º, inciso VIII, da Lei

8.078/1990).

A igualdade exigida, portanto, não pode ser meramente formal, mas efetiva,

estabelecendo a Lei inclusive técnicas processuais para que tal equalização se produza.

Conforme esclarece MARINONI:

“Para expressar a noção de participação em igualdade de condições, parte da doutrina,

sobretudo italiana, fala em participação em paridade de armas. Ora, não é legítimo o poder

exercido em um processo em que as partes não podem efetivamente participar ou em que

13 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de Conhecimento, volume 1. Rio de Janeiro: Forense, 1981,

p. 39.

14 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios ...., p. 40-41.

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13

apenas uma delas possui efetivas condições de influir sobre o convencimento do juiz. Um

processo desse tipo certamente não é um „processo justo‟ ou um processo democrático. Daí

por que se diz que as parte não só têm o direito de participar do processo, com também o

direito de participar em paridade de armas” (grifo do autor).15

Como sinônimo de paridade de armas, inclusive, denomina-se mesmo o princípio

de par condicio, que expressa igualmente tal idéia de equilíbrio de situações, do ponto de

vista material e não meramente formal, como outrora o fora, havendo como se verá a

seguir estreita vinculação ao princípio do contraditório.

1.5 – Direito de ação

O Direito de Ação, não restam dúvidas, é autônomo e abstrato. Esse Direito

constitui a faculdade que cada cidadão tem de provocar a atividade jurisdicional e que não

pode ser obstada ainda que a pretensão não apresente as mínimas condições de ser

examinada no mérito. Tendo-se em conta tal aspecto, confunde-se o princípio em questão

com o de Acesso à Justiça.

Não é somente nesse sentido, porém, que se há de destacar o princípio do direito de

ação.

Tendo-se em conta que, no Estado social, os direitos fundamentais podem ser

classificados como direitos de defesa e direitos prestacionais, o Direito de Ação, além de

sua relevância na defesa dos direitos dos cidadãos, apresenta-se também como de

fundamental importância para a concretização das garantias prestacionais. Garantias

prestacionais são aquelas que atribuem aos cidadãos direitos sociais. Nesse sentido, para a

garantia do direito de ação, assume grande importância o valor efetividade da tutela

jurisdicional, pois o que efetivamente conferirá ao cidadão o direito social prometido.

Nesse ponto, ressalta Marinoni:

“O exercício da ação configura, em si mesmo, a participação, enquanto o fim que com ela se busca,

isto é, a tutela jurisdicional, é a prestação constitutiva do direito social. Note-se que a participação

15 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil, volume 1: teoria geral do processo. São Paulo:

RT, 2006, p. 410.

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14

depende apenas do exercício da ação, enquanto a prestação social exige a concessão da tutela

jurisdicional ao autor.”16

Em tal contesto, há de se destacar que o direito de ação há de ser entendido,

também, do ponto de vista dos deveres prestacionais do Estado e, como tal, há de ser

eficiente e eficaz a tutela dos direitos a ele submetidos, inclusive quando a demanda se

dirigir ao próprio Estado.

1.6 – Princípio da ampla defesa

Na forma como estabelece o art. 5º, LV, da Constituição Federal, aos litigantes, em

processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral são assegurados o

contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. De tal preceito

extrai-se o princípio da ampla defesa. “A defesa não é uma generosidade, mas um

interesse público”, como ressalta PORTANOVA17

.

A articulação da ampla defesa com o contraditório, todavia, impõe considerar que o

direito à prática de atos processuais idôneos não se atribui apenas ao réu e a sua defesa,

mas também ao autor e ao seu direito de ação.

Daí por que, justificáveis se apresentam a sumarização de determinados

procedimentos, como o relativo ao processo dos Juizados Especiais Cíveis e a restrição de

recursos. Nesse sentido, pertinentes também se mostram as observações feitas por

MARINONI18

.

16 Idem, p. 195.

17 PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 125.

18 “Não há dúvida de que a participação encontra o seu pleno desenvolvimento no contraditório, mas esse,

como diz Chiavario, deve ser entendido como o cruzamento das atividades através das quais cada uma da

partes oferece à outra e ao juiz os dados, das idéias e das razões provenientes da autora. Aliás, entre „ação e

„defesa‟ tem por fim assegurar a ambos os sujeitos do contraditório instituído perante o juiz a possibilidade

da prática de qualquer ato processual idôneo para fazer valer em juízo os seus próprios direitos [...] A respei-

to ao uso do recurso tem justificativa na desnecessidade de se dar oportunidade de dupla revisão a determina-

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15

Há de se destacar que o próprio legislador constituinte ressalvou que o contraditório

e os meios e recursos possíveis em processo judicial são conferidos aos litigantes, ou seja,

ao autor e ao réu e que não é ilimitada a amplitude de defesa, uma vez que se fez constar a

ressalva de que a ampla defesa haveria de ser exercida através dos meios e recursos a ela

inerentes, isto é, apenas através dos recursos considerados idôneos e legítimos à garantia

de tal direito.

1.7 – Princípio do contraditório

O Princípio do Contraditório tem sua origem na própria assunção, pelo Estado, da

composição dos litígios na sociedade. Como observa DINAMARCO:

“Vedada a autotutela, inclusive ao próprio Estado, as pessoas em conflito são

obrigadas a canalizar pelas vias do processo as suas pretensões antagônicas e a

comportar-se, no processo, segundo as normas do procedimento. As regras do

combate que então se vêem obrigadas a obedecer permitem-lhes combater e em

certa medida desafogar-se, fazendo-se porém pelos modelos civilizados que o

Estado lhes impõe”19

.

Assim, da própria natureza da lide posta em julgamento, nasce a necessidade de

participação de ambas as partes, mas a instituição do processo serve justamente como

forma de legitimar essa participação das partes contrárias, de forma civilizada e de maneira

a que se submetam à decisão do Estado-Juiz. Há, como se vê, fundamento lógico que

orienta tal estrutura, uma vez que se estabelecem pretensões contraditórias, mas ao mesmo

da situação de direito substancial. Se a eliminação do recurso é justificada pela situação de direito substanci-

al, não há que se pensar em violação ao direito de defesa, uma vez que a norma constitucional diz claramente

que são assegurados os meios e recursos „inerentes‟ ao contraditório – isto é, à ação e à defesa”. MARINO-

NI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil, volume 1: teoria geral do processo. São Paulo: RT, 2006, p.

314.

19 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 1993,

pp. 130-131.

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16

tempo há fundamento político que visa à legitimação da atuação do Estado, para resolver

tal conflito de interesses.

Aliás, como bem salienta PORTANOVA:

“O contraditório assenta-se em fundamentos lógico e político. A bilateralidade da

ação (e da pretensão) que gera a bilateralidade do processo (e a contradição

recíproca) é o fundamento lógico. O sentido de que ninguém pode ser julgado sem

ser ouvido é o fundamento político. Sustentado sobre esses dois pilares, o princípio

dinamiza a dialética processual e vai tocar, como momento argumentativo, todos os

atos que preparam o espírito do juiz”20

.

No século XIX, o princípio do contraditório propunha a igualdade das partes e o

Juiz cumpria a função apenas de árbitro, garantindo de maneira formal o contraditório,

pois apenas se preocupava com o emprego do procedimento inerente ao processo, não

importando se disso resultasse a participação efetiva de ambas as partes submetidas ao

julgamento. No século XX, este princípio sofreu importante evolução, pois passou a exigir

a garantia material do contraditório, o que envolve um maior ativismo judicial e também a

noção de efetividade da prestação jurisdicional, de modo que a decisão proferida não seja

apenas formalmente justa e efetiva, mas que materialmente represente o produto de uma

participação das partes, assegurando uma igualdade real, e não meramente formal.

A evolução do contraditório conduziu assim, também ao princípio da colaboração

ou da cooperação. Como percucientemente anota GRINOVER:

“Desse modo, as garantias constitucionais do devido processo legal convertem-se,

de garantias exclusivas das partes, em garantias da jurisdição e transformam o

procedimento em um processo jurisdicional de estrutura cooperativa, em que a

garantia de imparcialidade da jurisdição brota da colaboração entre partes e juiz. A

participação dos sujeitos no processo não possibilita apenas a cada qual aumentar

as possibilidades de obter uma decisão favorável, mas significa cooperação no

exercício da jurisdição. Para acima e para além das intenções egoísticas das partes,

a estrutura dialética do processo existe para reverter em benefício da boa qualidade

da prestação jurisdicional e da perfeita aderência da sentença á situação de direito

material subjacente”21

,

20 PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 161.

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17

Para que essa cooperação ou colaboração das partes aconteça, há de se articular o

princípio do contraditório com o da paridade de armas, ou com a máxima da par condicio,

resultando daí a concepção dinâmica do contraditório, fazendo com que ao Juiz se confira

poderes para estimular e até suprir a participação das partes, assegurando-se, no entanto,

que de tal atuação não resulte qualquer comprometimento à imparcialidade do julgador.

Exemplo marcante dessa atuação dá-se nos poderes instrutórios, não sendo raro considerar,

com base na teoria da redução do módulo probatório, comprovada situação em benefício

da parte menos favorecida. Invoca-se o paradigma da verossimilhança para suprir eventual

dificuldade de produção de provas da parte hipossuficiente. Tal técnica é empregada, com

freqüência, nos pedidos de indenização, decorrentes de extravio de bagagem no transporte

aéreo, mormente quando os objetos cuja indenização é buscada circunscrevem-se às roupas

e objetos de uso pessoal indispensáveis a tal tipo de viagem.

Esse maior ativismo judicial, inclusive, permite atenuar o princípio do dispositivo,

autorizando o Juiz a conhecer de ofício de fatos, desde que não essenciais à constituição da

causa de pedir.

Também em homenagem ao princípio do contraditório e fruto da necessidade de

cooperação ou colaboração das partes, resulta como de fundamental importância o

princípio da impossibilidade de o Juiz proferir decisões surpresa22

.

Carlos Alberto Alvaro de Oliveira23

salienta que o Regimento do Tribunal de

Justiça do Rio Grande do Sul consagra tal princípio, estabelecendo no art. 18424

a

21 GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas Tendências do Direito Processual. Rio de Janeiro: Forense Universi-

tária: 1990, pp. 2-3.

22 “Dentro da mesma orientação, a liberdade concedida ao julgador na eleição da norma a aplicar, indepen-

dentemente de sua invocação pela parte interessada, consubstanciada no brocardo iura novit curia, não dis-

pensa a prévia ouvida das partes sobre os novos rumos a serem imprimidos ao litígio, em homenagem ao

princípio do contraditório”. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Garantia do Contraditório. In: TUCCI, José

Rogério Cruz e (coord.). Garantias Constitucionais do Processo Civil. São Paulo: RT, 1999, p. 143.

23 Idem, p. 145.

24 Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: Art. 184. Sempre que, antes, no curso ou

depois do relatório, algum dos integrantes do órgão julgador suscitar preliminar, será esta, antes de julgada,

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18

necessidade de prévia discussão com as partes das preliminares suscitadas, mencionando

também precedente do 2º Grupo de Câmaras Cíveis do mesmo Tribunal no julgamento da

Ação Rescisória 595132226, j. em 10.05.1996, redator designado Des. José Maria Rosa

Tesheiner, com voto de vista do Des. Araken de Assis, publicado na Revista Forense, 338

(abr.mai.jun/1997: 301-309), em que se deu por infringido o princípio do contraditório por

ter o órgão julgador surpreendido a parte ao decidir questão fundamental sem ouvi-la

previamente.

A mencionada disposição regimental, em face das Turmas Recursais dos Juizados

Especiais Cíveis do Rio Grande do Sul, também é aplicável, na medida em que, pelo

disposto no art. 21, do Regimento Interno das referidas Turmas Recursais25

, aplicam-se

supletivamente ao funcionamento das Turmas Recursais as normas do regimento interno

do Tribunal de Justiça.

Em termos de conclusão parcial, pode-se afirmar que O Estado Democrático de

Direito, como ensina Canotilho (1998, p. 248), conjuga princípios formais e materiais,

exprimindo, deste modo, a profunda imbricação entre forma e conteúdo no exercício

dos poderes públicos. Adverte o referido constitucionalista que as dimensões materiais do

Estado de Direito não podem ser consideradas como contrárias às dimensões formais. Daí,

não se poder afirmar que o procedimento do Juizado Especial Cível, ao preocupar-se com

“proporcionar igualdade para os iguais e desigualdade para os desiguais” estaria

descurando dos princípios constitucionais informativos do processo civil26

.

discutida pelas partes, e, sendo o caso, ser-lhe-á concedida a palavra pelo prazo de lei. Se não for acolhida, o

julgamento prosseguirá nos termos regimentais. Disponível em: http://www.tj.rs.gov.br. Acesso em 17 ago.

2007.

25 Regimento Interno das Turmas Recursais do Rio Grande do Sul. Art. 21. Aplicam-se supletivamente ao

funcionamento das turmas recursais as normas do regimento interno do tribunal de justiça, sendo os casos

omissos solucionados, respectivamente, pelo juiz presidente da turma, as questões relativas à sessão de jul-

gamento, e pelo juiz coordenador, as demais. Disponível em: http://www.tj.rs.gov.br. Acesso em 17 ago.

2007.

26 Neste sentido, com a devida vênia, não procede a crítica apresentada por VIEIRA, José Marcos Rodrigues;

SOARES, Carlos Henrique et al. Juizado Especial Cível e o estado democrático de direito. Jus Navigandi,

Teresina, ano 9, n. 807, 18 set. 2005. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7287. A-

cesso em: 16 jul. 2007.

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19

Como bem acentuam Marinoni e Arenhart:

“Os procedimentos, como todos os atos do Poder Público, devem estar em

consonância com o princípio da igualdade. Vale dizer: o legislador

infraconstitucional é obrigado a desenhar procedimentos que não constituam

„privilégios‟, bem como, para atender aos socialmente mais carentes, a

estruturar procedimentos, que sejam diferenciados, na medida em que, como

escreve Nicolò Trocker, a diferenciação de procedimentos é exigência

insuprimível em um ordenamento que se inspira no princípio da

igualdade”27

27 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil V. 2 – Processo de

conhecimento. 6ªed. rev., atual. e ampl.. São Paulo: RT, 2006, p. 55.

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2 – PRINCÍPIOS INFORMATIVOS DO PROCESSO DO JUIZADO

ESPECIAL CÍVEL

2.1 – A construção de um Microssistema Processual

Os Juizados Especiais Cíveis surgiram como forma de ampliação dos meios de

acesso à justiça. É inegável que o processo tradicional passou a não responder mais às

necessidades da população e especialmente à população mais carente. A falta de

mecanismos judiciais adequados a compor os litígios de valores reduzidos e de menor

complexidade afeta, principalmente, as pessoas pobres, já que não apresentam condições

de arcar com os custos e com a demora do processo comum ordinário.

A ausência de meio de jurisdição que permitisse o acesso de causas de reduzido

valor econômico afetava, principalmente, gente humilde, mas impedia que se conferisse

tutela jurisdicional tempestiva e efetiva a consumidores que também merecem tratamento

diferenciado na Constituição Federal28. Aí, portanto, o fator discriminante legitimador dos

Juizados Especiais.

Afora isso, a própria Constituição Federal, em seu artigo 92, estabelece os órgãos

que compõem a jurisdição nacional, ou seja, as Justiças integrantes da organização

judiciária nacional. Assim, o Juizado Especial, como o próprio nome sugere, constitui-se

28 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e

aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e

à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.

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21

em juízo, integrando, o regulado na Lei 9.099/1995, a Justiça Comum dos Estados e,

aquele instituído pela Lei 10.259/2001, a Justiça Comum Federal29.

A garantia de acesso à justiça não pode ficar mais adstrita à mera garantia formal,

desprovida das reais condições de propiciar o exercício de direitos em juízo. Busca-se a

garantia material de acesso à justiça, que exige condições básicas para que possam as

partes postular em juízo.

O problema de um meio adequado de acesso à justiça reclama, não só maior

celeridade e efetividade com a aceleração do rito procedimental, como também por

intermédio da busca de “fórmulas e métodos alternativos”30.

Conforme ensina MARINONI:

“Os Juizados Especiais encaixam-se nessa tendência. Visam apresentar ao

jurisdicionado um caminho de solução das controvérsias mais rápido, informal e

desburocratizado, capaz de atender às necessidades do cidadão e do direito

postulado. Têm sua origem nos Conselhos de Conciliação e Arbitragem, instituídos

pelo Rio Grande do Sul, em 1982, figura depois disseminada pelos vários Estados

da federação brasileira, o que culminou com a edição, em 194, da Lei 7.244, que

instituiu no Brasil os Juizados de Pequenas Causas. Diante do sucesso da

instituição, sua idéia evoluiu, adquiriu contornos institucionais (art. 98, I e seu §1º,

da CF) e chegou ao atual estágio, com a criação, pela Lei 9.099/95, dos „Juizados

29 Nesse sentido, observa FRIGINI: “É fato que possuem competência objetiva, devidamente delimitada e

sem possibilidade de maior abrangência, tanto em razão da matéria (natureza do litígio), como pelo valor da

causa e condição das pessoas. Contudo, ainda que a Lei especial regulamente até o modo de julgamento dos

recursos, através de seus Colégios ou Turmas Recursais, não há como admitir duas Justiças estaduais, por

afronta ao preceito constitucional regulador do Poder Judiciário. É, assim, um braço da Justiça ordinária, com

competência de jurisdição”. FRIGINI, Ronaldo. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis. São

Paulo: LED Editora de Direito. 2000. p. 62

30 “O problema do acesso apresenta-se, pois, sob dois aspectos principais: por um lado, como efetividade dos

direitos sociais que não têm de ficar no plano das declarações meramente teóricas, se não, devem, efetiva-

mente, influir na situação econômico-social dos membros da sociedade, que exige um vasto aparato gover-

namental de realização; mas, por outra parte, inclusive como busca de forma e métodos, a miúde, novos e

alternativos, perante os tradicionais, pela racionalização e controle de tal aparato e, por conseguinte, para a

proteção contra os abusos aos quais o mesmo aparato pode ocasionar, direta ou indiretamente”.

“CAPPELLETTI, Mauro. Processo, ideologias e sociedade. Vol. 1., trad. por Dr. Elício de Cresci Sobrinho.

Porto Alegre: 2008, p. 385.

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22

Especiais Cíveis e Criminais‟, e ainda, mais recentemente, por meio da Lei

10259/2001, com a instituição dos denominados „Juizados Especiais Federais‟”.31

Embora se afirme com freqüência que se criou um novo microssistema, não se tem

refletido muito no porquê considera-se os Juizados Especiais Cíveis, como um

microssistema autônomo, embora de Justiça Especializada não se trate.

Não só houve uma sumarização do rito, mas também passou o Juizado Especial

Cível a contar com a participação de “auxiliares leigos”, colaboradores de fora do Poder

Judiciário, o que inegavelmente ocorre sob os influxos do espírito democrático desse meio

de prestação jurisdicional.

Segundo Cappelletti, não só se busca meios novos de justiça, procedimentos mais

simples, racionais e acessíveis, uma justiça “coexistencial”, como também , e neste ponto o

traço mais inovador, submeter a atividade pública a formas “descentralizadas” e

“participatória”, com o comprometimento dos grupos sociais e comunidades diretamente

interessadas. “É justamente em razão do surgimento desta última finalidade que a

participação dos leigos na administração da justiça tenha voltado a ser, recentemente, um

dos temas de maior interesse teórico e prático”.32

A enaltecer o mesmo sentido democrático do novo microssistema, pontifica ADA

PELLEGRINI GRINOVER:

“Não se trata, aqui, da mera formulação de um novo tipo de procedimento, mas sim

de um conjunto de inovações que vão desde uma nova estratégia no tratamento de

certos conflitos de interesses até técnicas de abreviação e simplificação

processuais. E não se trata propriamente de diversos princípios processuais, mas

sim de critérios que, informando o novo processo, assegurem sua fidelidade aos

princípios clássicos, revolucionando-os em suas formas e em sua dinâmica. Isso

porque a simplicidade é expressão dos princípios da liberdade de formas

processuais e da sua instrumentalidade; a oralidade é diretriz tradicional do

processo brasileiro, agora levada aos extremos do diálogo entre o juiz e as partes; a

economia processual e a gratuidade em primeiro grau de jurisdição respondem à

31 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil V. 2 – Processo de

conhecimento. 6ªed. rev., atual. e ampl.. São Paulo: RT, 2006, p. 690.

32 Idem, p. 390.

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23

promessa constitucional do acesso às vias jurisdicionais; a celeridade vem a

reboque de um procedimento extremamente concentrado, sem oportunidade para

dilações e incidentes que protelem o julgamento do mérito; e a conciliação,

incessantemente buscada em todo o processo, como sua verdadeira mola-mestra,

também se insere no rico filão de incentivo a autocomposição das partes,

atendendo às mais caras tradições do processo brasileiro e de suas vias alternativas.

Sem falar na possibilidade de acesso direto aos juizados, independentemente de

advogado; sem descurar o importante papel da informação e orientação jurídicas,

primeiro passo para a conscientização das classes menos favorecidas e para a

participação popular pelo processo; e sem olvidar o importante aporte do corpo

social na administração da Justiça, pela conciliação e arbitragem: diretrizes todas

que muito bem se coadunam com os esforços rumo à construção da democracia

participativa, que empenham o Brasil de hoje” (grifo do autor)33

.

Conquanto indiscutivelmente constituam os Juizados Especiais microssistema

próprio dentro do Direito Processual, tendo em vista a adoção de princípios que embora

presentes no Código de Processo Civil apresentam aplicação peculiar e inédita no âmbito

da atividade jurisdicional, não se revestem da condição de uma Justiça Especializada.

Não se trata de Jurisdição fora dos parâmetros do Direito, ou seja, de “jurisdição

por eqüidade”, o que poderia animar as críticas dirigidas por seus detratores, no sentido de

que a jurisdição que nele se exerceria seria a “jurisdição voluntária”34 ou que não

respeitaria a garantia constitucional do devido processo legal35.

33 GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas tendências do direito processual. Rio de Janeiro: Forense Universi-

tária, 1990, p. 182-183.

34 BOTELHO DE MESQUITA, José Ignácio. O Juizado Especial em face das garantias constitucionais.

ABDPC. Disponível na Internet em: http://www.abdpc.org.br. Acesso em 17 de ago. de 2007.

35 “São inelimináveis, para que se tenha como atendida a garantia do devido processo legal, certas exigências

básicas, como sejam a do juiz natural, do contraditório com ampla defesa, da publicidade, da fundamentação

das decisões e de seu controle. Todos esses aspectos foram negligenciados na Lei 9.099” CALMON DE

PASSOS, José Joaquim. A crise do Poder Judiciário e as reformas instrumentais: avanços e retrocessos.

Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 57, jul. 2002. Disponível em:

http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2987 . Acesso em: 01 ago. 2007.

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24

Como se verá, no decorrer da exposição, o procedimento instituído pela Lei nº

9.099/95 assegura a garantia constitucional do devido processo legal, bem como e

fundamentalmente constitui um meio efetivo de ampliação do acesso à ordem jurídica

justa e em exemplo concreto de que há possibilidade de prestação jurisdicional, com maior

efetividade.

Tanto é que, a tentativa de reduzi-lo à condição de uma “Justiça Especial”, “Justiça

de Segunda Classe”, “Justiça sem a observância do devido processo legal” não se faz

gratuita, mas resulta de uma reação de determinados setores pelo fato de o processo dos

Juizados Especiais Cíveis ter contaminado o processo ordinário com uma tendência de

deformalização.

Kazuo Watanabe, citando Cândido Rangel Dinamarco, um dos principais autores da

Lei do Juizado Especial de Pequenas Causas (nº 7.224/84, revogada pela Lei nº 9.099/95),

quando alude à recíproca influência entre este estatuto legal e o Código de Processo Civil,

afirma que a expectativa de renovação se dá a partir da idéia de que o Código é a matriz de

todo o sistema processual e que, portanto, haverá de restar influenciado também pelas

normas da Lei dos Juizados Especiais36

, o que de fato vem ocorrendo. Para comprovar tal

36 “Cândido Rangel Dinamarco, um dos principais membros da comissão elaboradora do Anteprojeto da Lei

dos Juizados Especiais de Pequenas Causas, tece as seguintes observações, que continuam inteiramente váli-

das em relação ao juizados especiais: „Essas idéias fundamentais, que estão na Lei das Pequenas Causas, são

conquistas do processo civil e da própria teoria geral do processo, que não precisam ficar confinadas ao pro-

cesso agora criado, só porque enunciadas no seu estatuto específico. Sabe-se que a lei nova, que estabeleça

condições gerais ou especiais, a par das já existentes, não revoga nem modifica a anterior (Lei de introdução

ao Código Civil, art. 2º, § 2º). O fato de a lei de 1984 ter sido editada para o funcionamento do Juizado Espe-

cial das Pequenas Causas não implica, porém, o necessário confinamento de todas a suas normas entre as

leges speciales. Esses dispositivos examinados são portadores da proposta de uma mudança de atitude peran-

te o processo e o modo de realizá-lo e não há qualquer razão lógica ou ética a aconselhar que isso só prevale-

ça no âmbito restrito do juizado. Tem-se por certo, pois, que a todos os juízes essa mensagem da Lei das

Pequenas Causas se dirige. Chegando ela aos seus destinatários e caindo qual semente em solo fértil, mais

esse serviço terá prestado a Lei de Pequenas Causa ao Direito e á Justiça do País. Um processo menos forma-

lista e juízes muito preocupados com a justiça de seus julgamentos, são benefícios que, em todo campo onde

haja processo, é preciso extrair, desde logo, da mensagem trazida na nova lei.‟ („A lei das Pequenas Causa e

a renovação do processo civil‟, in Juizado Especial de Pequenas Causas, coord. Por Kazuo Watanabe, RT,

1985)”. Apud WATANABE, Kazuo. Finalidade maior dos juizados especiais cíveis. Cidadania e Justiça,

Rio de Janeiro, ano 3/nº 7, p. 32-37, set. 1999.

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fato, basta verificar que a reforma no Código de Processo Civil, relativa à execução de

sentença, com base na Lei 11.232/2005, restou inspirada na forma de execução de sentença

do procedimento da Lei 9.099/1995.

Evidente que a adoção de técnicas processuais mais efetivas repercute em alteração

do status quo ante, o que enseja resistência daqueles que se beneficiavam da situação

anterior.

De qualquer modo, os escopos de ampliar o acesso à justiça e de alcançar

tempestividade e efetividade da tutela jurisdicional de demandas que, pelas suas

características, são, em regra, de pessoas hipossuficientes, incapazes de enfrentar os custos

e a demora de uma demanda judicial nos juízos ordinários, vêm sendo atingidos, mesmo

que para isso algumas garantias do processo civil ordinário sejam atenuadas37

. Essas

técnicas, depois de consagradas no processo do Juizado Especial Cível, vem influenciando

também o processo civil ordinário, o que enseja natural resistência.

2.2 – Os princípios contemplados expressamente na Lei nº 9.099/1995

como informativos do Processo do Juizado Especial Cível

Os princípios informativos do processo do Juizado Especial Cível não são, como

observado, novos, pois se encontram presentes também no processo regulado pelo Código

de Processo Civil. O que se mostra inédito e justifica considerar o processo do Juizado

37 Cândido Rangel Dinamarco indica quatro aspectos ou escopos fundamentais de interesse para a problemá-

tica essencial de efetividade da jurisdição: a) a admissão em juízo; b) o modo-de-ser do processo; c) a justiça

das decisões; e d) a sua utilidade. O mesmo autor afirma que: “As reflexões que se façam sobre esses aspec-

tos (ou sobre quaisquer outros, em possíveis outras classificações dos pontos vitais) hão de apoiar-se na

consciência de que algumas vezes a técnica processual se defronta com exigências antagônicas que precisa

conciliar, o que se dá de modo especial no que toca ao modo de ser do processo no desenrolar dos atos que o

compõem e na disciplina de sua admissibilidade: a busca da efetividade de algum dos escopos importa às

vezes em transigências no tocante à de outro, sem que com isso se renuncie por inteiro à efetividade do pro-

cesso nesse campo”. Grifo do autor. DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 3ª

ed. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 273.

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Especial Cível como um microssistema autônomo é o emprego de novas técnicas

processuais nesse novo processo e a forma de aplicação dos seus princípios informativos.

2.2.1 – O Princípio do julgamento com eqüidade

De acordo com o disposto no art. 6º da Lei 9.099/1995: “O Juiz adotará em cada

caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e às

exigências do bem comum”.

Trata-se de norma que estabelece a possibilidade de utilização da eqüidade como

meio supletivo, para as lacunas da Lei ou para adaptação do caso concreto. Entretanto, não

autoriza a referida disposição legal o chamado julgamento por eqüidade, ou seja, aquele

realizado independentemente do ordenamento jurídico, fundando-se apenas na consciência

do julgador. Trata-se de distinção sutil, mas de grande importância, na medida em que o

ordenamento jurídico constitucional não autoriza o julgamento apartado daqueles valores

consagrados constitucionalmente, daí por que estabeleceu que a decisão há de atender

também aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum.

Carlos Alberto Oliveira identifica cinco conceitos distintos à eqüidade:

“a) a equidade com função dulcificadora, na forma de suavização da

justiça estrita por outros fatores, como a benignidade, a misericórdia, a

solidariedade humana, de modo a preservar certos valores considerados

fundamentais; b) a eqüidade com função decisória, empregada para

resolver casos, apresentando assim perfil extra legem; c) a eqüidade

flexibilizadora, a constituir o próprio tipo legal, diante do conceito

indeterminado contido na lei, agindo secundum legem, a exemplo das

cláusulas gerais, os chamados standards jurídicos e os conceitos

normativos; d) a eqüidade com função interpretativa-individualizadora,

recurso normal à disposição do operador jurídico no processo de

aplicação das normas e para ponderação das particularidades do caso e

que opera mesmo sem permissão legal; e) a eqüidade com função

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corretiva, contra legem, para evitar a aplicação de normas a hipóteses

para as quais se revelam inadequadas” (grifo do autor)38.

A primeira hipótese, da letra a), teria inspiração no Direito Romano, abrandando o

rigor do direito estrito e teria inspirado a Lei de Impenhorabilidade do Bem de Família (Lei

8.009/1990). Já, a hipótese relativa à letra b), do chamado julgamento por eqüidade, afirma

ser possível, no Juizado Especial Cível, apenas na hipótese do julgamento arbitral (art. 25,

da Lei 9.099/1995)39

, que autoriza ao árbitro julgar por eqüidade. No que toca à

possibilidade contemplada na letra c), em que se atribui a função flexibilizadora à eqüidade

e refere-se ao plano do Direito Material, encontram-se com maior freqüência cláusulas

gerais como as que determinam a observância da “boa-fé”, da “ordem pública”, dentre

outras.

No âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, portanto, o que se faz, com maior

freqüência é invocar a hipótese da letra d) que autoriza a aplicar a lei com eqüidade, o que

não equivale a substituí-la, ou seja a julgar por mera eqüidade. Excepcionalmente, contudo,

há também a possibilidade de a solução mais justa do conflito depender de solução

38 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Do Formalismo no Processo Civil. 2ª ed.. São Paulo: Saraiva, 2003,

p. 208.

39 Art. 25 - O árbitro conduzirá o processo com os mesmos critérios do Juiz, na forma dos arts. 5º e 6º desta

Lei, podendo decidir por eqüidade. Ressalte-se que, diferentemente do que ocorre, no art. 6º em decisão

equânime, aqui o legislador expressamente autoriza o julgamento por eqüidade. Ressaltando tal

interpretação, afirma ALEXANDR CÂMARA: “é sabido que não se pode presumir a existência, na lei, de

palavras supérfluas. Sendo assim, ao afirmar a lei que o árbitro tem os mesmos poderes do juiz – inclusive os

do art. 6º e, além disso, pode decidir por eqüidade, está a lei certamente a atribuir ao árbitro um poder que o

juiz não tem. Tivesse o juiz, por força do disposto no art. 6º da Lei nº 9.099/95, o poder de decidir por

eqüidade e seria supérflua a cláusula final do art. 25 da mesma lei. Deste modo, a outra conclusão não se

pode chegar: o juiz não tem, no regime dos Juizados Especiais Cíveis, o poder de decidir por eqüidade. A

jurisdição que se exerce nos Juizados Especiais Cíveis é de direito, e não de eqüidade. Cabe, pois, ao juiz, dar

ao caso que lhe tenha submetido uma solução baseada no ordenamento jurídico vigente, sendo certo que à lei

aplicável ao caso dever-se-á dar uma interpretação justa e imparcial, pois só assim se conseguirá atender ao

comando contido no art. 6º da Lei nº 9.099/95”. CÂMARA, Alexandre Freitas. Juizados Especiais Cíveis

Estaduais e Federais – uma abordagem crítica. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2004, p. 55.

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contrário a texto legal expresso, mas não em contrariedade ao Direito, como propugnado

na letra e).

Tal classificação, embora facilite o estudo, não se mostra na prática como a

justificar categorias estanques. Não há como separar de forma absoluta “os juízos de

direito estrito” dos “juízos de eqüidade”, pois o que de fato se verifica é apenas uma maior

ou menor intensidade da busca de valores nos princípios em detrimento das regras legais.

Nesse sentido, afirma FIGUEIRA JÚNIOR, invocando os ensinamentos de OVÍDIO

BAPTISTA DA SILVA:

“Outra não era também a orientação dominante da doutrina a respeito do

art. 5º da revogada Lei 7.244/1984 (com idêntica redação), que

harmonicamente admitia tão-só a jurisdição de direito, sem conferir ao

juiz, árbitro ou conciliador qualquer poder de decidir exclusivamente por

equidade. Comungamos ainda a observação bem lançada por OVÍDIO

BAPTISTA DA SILVA, nos seguintes termos: „(...) temos fortes reservas

a respeito da tradicional distinção entre os denominados „juízos de direito

estrito‟ e „juízos de eqüidade‟. Não nos parece que, entre eles, haja mais

do que mera distinção de grau, ou de intensidade, e nunca uma diferença

qualitativa. Quem tenha acompanhado, com atenção o desenvolvimento

da Filosofia do Direito a partir da segunda metade do século XX e tenha

uma constante experiência profissional junto aos tribunais brasileiros,

certamente não terá muito entusiasmo com a proclamada „prisão‟ dos

juízes ordinários aos esquemas legais, com que ainda sonham os espíritos

formados sob o positivismo jurídico brasileiro‟”40

.

Releva salientar finalmente que, mesmo tendo em conta a inspiração no Sistema da

denominada Common Law, para a criação dos Juizados Especiais Cíveis, ainda assim não

se pode afirmar tenha sido instituído uma jurisdição pura de eqüidade. Nesse sentido, a

conclusão da dissertação de Mestrado apresentada por MARCELO CARLIN41

.

40 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias e TOURINHO NETO, Fernando da Costa. Juizados Especiais Estaduais

Cíveis e Criminais, 5ª ed., revista, atual. e ampliada. São Paulo: RT, 2007, pp. 158-159.

41 “Por último, ressalta-se que apesar de ser fato pacífico que houve inspiração para criação dos juizados

especiais na Common Law, esta inspiração, por si só, não é suficiente para a autorizar a conclusão de que

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Como se vê, portanto, o julgamento autorizado pelo art. 6º da Lei 9.099/95 é o

julgamento com eqüidade e não o julgamento por eqüidade, o que, oportuno lembrar,

propugnado em comentado discurso de OSWALD BAUDOT, na posse de magistrados

franceses42.

2.2.2 – O Princípio da oralidade

O Princípio da oralidade caracteriza-se, em sua pureza conceitual, segundo lição de

CHIOVENDA, pelas seguintes características:

fora criado no sistema brasileiro uma jurisdição pura de Eqüidade, considerando que na Common Law a lei

cresce em importância como fonte do Direito. Logo, a tendência contemporânea é de maior equilíbrio entre o

papel das fontes em ambos os sistemas jurídicos analisados”. CARLIN, Marcelo. O julgamento por eqüi-

dade nos juizados especiais cíveis: Uma abordagem à luz da convergência entre os Sistemas Jurídicos

da Civil Law e da Common Law e do movimento contemporâneo de acesso à Justiça. Dissertação (Mes-

trado). Universidade do Vale do Itajaí UNIVALI. Itajaí, 2004, p. 160. Disponível em:

http://www.tj.sc.gov.br/institucional/especial/coordjuzesp/doutrina_relacionada/equidadecarlin.pdf. Acesso

em 14 ago. 2007.

42 É verdade que entrais numa profissão em que vos exige sempre que tenhais caráter, mas entendem por isto

apenas que sejais inclementes com os miseráveis. Covardes diante dos superiores, intransigentes com os

subalternos este é, em geral, o comportamento dos homens. Tratai de evitar isso. A justiça é aplicada impu-

nemente. Não abuseis da impunidade. Em vossas funções, não deveis dar exagerada importância à Lei, e de

um modo geral desprezai os costumes, as circulares, os decretos e a jurisprudência. Deveis ser mais do que o

Tribunal de Justiça, sempre que se apresentar uma ocasião. A Justiça não é uma verdade estagnada em 1810.

É uma criação perpétua. Ela deve ser feita por vós. Não espereis o sinal verde de um ministro, ou do legisla-

dor, ou das reformas sempre em expectativa. Fazei vós mesmos a reforma. Consultai o bom senso, a equida-

de, o amor do próximo, antes da autoridade e da tradição. A lei se interpreta. Ela dirá o que quiserdes que ela

diga. Sem mudar um til, pode-se com os mais sólidos considerandos do mundo, dar razão a uma parte ou a

outra, absolver ou condenar à pena máxima. Desse modo que a lei não vos sirva de álibi. (grifo do autor).

BAUDOT, Owald. Arenga aos Magistrados que Estréiam. Inserto em artigo publicado pelo jornalista

Mello Mourão no jornal "Folha de São Paulo" de 7/3/1979. Disponível em

http://www.soleis.com.br/discurso.html. Acesso em 15 ago. 2007.

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a) identidade física do juiz, de modo que este dirija o processo

desde o seu início até o julgamento;

b) concentração, isto é, que em uma ou poucas audiências próximas

se realize a produção das provas;

c) irrecorribilidade das decisões interlocutórias, evitando a cisão do

processo ou a sua interrupção contínua, mediante recursos, que

devolvam ao Tribunal o julgamento da decisão impugnada43

.

A identidade física do juiz impõe que o magistrado dirija o processo desde o seu

início até o julgamento. Tal subprincípio da oralidade que prestigia sobremodo o contato

imediato entre o juiz e as fontes de prova oral produzidas, ou seja, a imediatidade entre o

juiz e a prova oral, é talvez a característica do princípio da oralidade que menor

cumprimento se verifica no processo do Juizado Especial Cível. Tal se dá, principalmente,

nos juizados em que há a atuação de juízes leigos, onde são eles os verdadeiros juízes

instrutores, que apresentam o contato direto com as fontes da prova oral. Não fosse tal

circunstância, não haveria sequer necessidade de possibilitar-se o recurso sobre a matéria

de fato decidida em primeiro. Nesse sentido, inclusive propugnam Alexandre Freitas

Câmara e Luiz Guilherme Marinoni44

.

43 BRASIL. Exposição de Motivos do Código de Processo Civil (Lei 5.869, de 11.1.1973). Ministro da Justi-

ça Alfredo Buzaid. Código de processo civil/organização dos textos, notas remissivas e índices por Juarez de

Oliveira. 25ªed.. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 60.

44 “É por essa razão que, a meu sentir – e assumo aqui o risco de sustentar uma posição doutrinariamente

isolada – não se pode, em sede de recursos nos Juizados Especiais Cíveis, reexaminar provas. O recurso

contra sentença nos Juizados Especiais Cíveis – e ao ponto voltaria mais adiante, quando do trato do sistema

recursal – só pode ser voltado às questões de direito (cf. infra, nº 19.1.1). Permitir que a turma recursal, que

não trava contato imediato com as fontes da prova ora, recebendo o termo escrito a que se reduziram os depo-

imentos, atribua valor a essa prova implica, a meu ver, violação à oralidade processual, sendo certo que nada

há no microssistema dos Juizados Especiais Cíveis que permita afirmar existir essa exceção à aplicação do

princípio”. CÂMARA, Alexandre Freitas. Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais – uma aborga-

gem crítica. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2004, p. 15-16.

No mesmo sentido: “Como é sabido, a oralidade enseja contato direto do juiz comas partes e com as provas,

e por essa razão propicia maior qualidade ao serviço jurisdicional. De modo que, por razão lógica, falar em

oralidade é supor apenas a sentença do juiz que teve este contato direito, e não o julgado proferido por

aqueles que não conheceram as partes e não tiveram qualquer contato direto com as provas. Em outras

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De fato, se houvesse supervisão efetiva dos juízes togados – o que se propugna

como forma de aperfeiçoamento do sistema – a aplicação dos princípios da oralidade e da

celeridade poderiam conduzir, mesmo que na jurisprudência, a uma interpretação restritiva

ao cabimento do duplo juízo sobre o mérito. Todavia, na atual conjuntura, a possibilidade

de revisão sobre a matéria de fato consiste na salvaguarda das partes de que, pelo menos,

em uma instância recursal têm a certeza de que a matéria de fato haverá de receber exame

mais detido de magistrados togados, dos integrantes das Turmas Recursais.

O Ministro Ruy Rosado Aguiar Júnior, um dos idealizadores do Sistema, afirmou

em palestra intitulada “Passado e Futuro dos Juizados Especiais Cíveis”, em Curso de

Atualização para Magistrados, realizada em Gramado em 25.05.2004, que a idéia inicial do

Juiz Leigo surgiu com o propósito de que o Magistrado Togado pudesse realizar, com o

auxílio do Juiz Leigo, diversas audiências ao mesmo tempo, controlando-as todas, mesmo

que de forma indireta ou como um efetivo supervisor. O aumento da demanda, no entanto,

determinou que o número de audiências simultâneas, especialmente em Juizados Especiais

de intenso movimento como os das Capitais, fossem tantas que tal supervisão não

ocorresse mais da forma como concebida idealmente. Assim sendo, impende ainda

resguardar a possibilidade de dupla revisão da matéria de fato.

No que respeita à característica da concentração, a estrutura idealizada favorece a

almejada compressão procedimental, tanto assim que o art. 27, da Lei 9.099/199545

permite

concentrar, tanto a conciliação, como a instrução, na mesma audiência. Embora na praxe

palavras, a oralidade somente pode ser benéfica ao julgado do juiz singular, mas jamais para o julgado do

colegiado, que analisa a causa por meio dos termos escritos das provas produzidas. Além do mais, como

também é de lógica evidente, dois juízos sobre o mérito consome mais tempo da jurisdição que um só. Nesse

sentido, o duplo juízo sobre o mérito, previsto no juizado, atenta contra os princípios da oralidade e da cele-

ridade, os quais são instituídos expressamente como princípios informadores no art. 2º da Lei 9.099/95.”

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil V. 2 – Processo de

conhecimento. 6ªed. rev., atual. e ampl.. São Paulo: RT, 2006, p. 708.

45 Art. 27 - Não instituído o juízo arbitral, proceder-se-á imediatamente à audiência de instrução e julgamen-

to, desde que não resulte prejuízo para a defesa.

Parágrafo único - Não sendo possível a sua realização imediata, será a audiência designada para um dos

quinze dias subseqüentes, cientes, desde logo, as partes e testemunhas eventualmente presentes.

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forense sejam, em regra, realizadas duas audiências, uma de conciliação e outra de

instrução, nada impede que, frustrada a tentativa de conciliação, desde logo se converta em

audiência de instrução. Para tanto, contudo, deve a parte ter sido cientificada previamente e

não pode disso resultar prejuízo à defesa46

.

Finalmente, no que concerne à característica da irrecorribilidade das decisões

interlocutórias, prevalece também a sua aplicação no procedimento do Juizado Especial

Cível em sua pureza conceitual. Não há cabimento de agravo contra as decisões

46 Nesse sentido, os seguintes precedentes das Turmas Recursais do RS: AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO

E INSTRUÇÃO REALIZADA EM UM ÚNICO ATO. PRÉVIA CIÊNCIA DOS REQUERIDOS A RES-

PEITO DA CONCENTRAÇÃO DOS ATOS. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. PRELIMINAR AFASTADA.

INDENIZAÇÃO DEFERIDA, A TÍTULO DE DANOS MORAIS, EM FAVOR DE CICLISTA QUE SO-

FREU LESÕES CORPORAIS EM ACIDENTE DE TRÂNSITO. VALOR MÓDICO. RECURSO IMPRO-

VIDO. 1. Realizada a conciliação e a instrução em um único ato, para o que cientificados os demandados,

tendo em vista que o autor residia em Santa Fé, AR, não há lugar para se acolher alegação de cerceamento de

defesa, posto que a citação se realizou com prévia advertência, sem prejuízo aos suplicados, com mais de dez

dias de antecedência à audiência. 2. Responde civilmente por acidente de trânsito o proprietário de veículo

que tem sua porta aberta em local de largo fluxo de automóveis, atingindo ciclista que por ali transita regu-

larmente. 3. Indenização fixada em patamar razoável - R$1.200,00 - por conta de lesões corporais sofridas

pelo ciclista, não merecendo qualquer modificação. Sentença confirmada por seus próprios fundamentos.

(Recurso Cível Nº 71001197813, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Clovis Moacyr

Mattana Ramos, Julgado em 24/01/2007);

AÇÃO DE COBRANÇA. REALIZAÇÃO DE UMA ÚNICA AUDIÊNCIA, EM QUE OFERTADA CON-

TESTAÇÃO ORAL, COM PROTESTO POR PRODUÇÃO DE PROVAS. INDEFERIMENTO DO PEDI-

DO. CITAÇÃO QUE INFORMA CABALMENTE A PARTE RÉ DE QUE HAVERIA UMA ÚNICA AU-

DIÊNCIA, DE CONCILIAÇÃO, INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. NULIDADE NÃO CONFIGURADA.

SENTENÇA CONFIRMADA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. RECURSO DESPROVIDO.

Tendo a parte requerida sido expressamente advertida, com a citação, de que a audiência seria única, envol-

vendo tentativa de conciliação, instrução e julgamento, devendo a parte comparecer, trazendo documentos e

testemunhas, não se vislumbra nulidade processual em razão do juiz, após receber a contestação oral, ter

encerrado a instrução e julgado o feito, por não terem as partes produzido outras provas naquele momento

processual. Tanto era protelatório o pedido de juntada de documentos que a parte sucumbente, ao recorrer,

não providenciou na sua juntada. Em se tratando de ação de cobrança de cheque prescrito, mas antes de de-

corridos dois anos da prescrição, é parte legítima passiva o emitente do cheque, ainda que não tenha havido

relação negocial direta entre as partes. (Recurso Cível Nº 71000850024, Terceira Turma Recursal Cível,

Turmas Recursais, Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em 06/06/2006). Disponível em:

http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/index.php. Acesso em 15 ago. 2007.

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interlocutórias. Porém, em correspondência ao princípio da irrecorribilidade há também o

da não preclusão das questões decididas. Assim sendo, no caso de dispensa de uma

testemunha, por exemplo, há possibilidade de suscitar a questão, depois de prolatada a

sentença, em recurso inominado previsto no art. 41, da Lei 9.099/1995.

Em tal sentido, salienta Ricardo Cunha Chimenti, com apoio nos ensinamento de

Cândido Rangel Dinamarco:

“Diante dos princípios da celeridade (art. 2º da Lei n. 9.099/95) e a concentração,

que determinam a solução de todos os incidentes no curso da audiência ou na

própria sentença (art. 29), a quase-totalidade da doutrina sustenta a irrecorribilidade

das decisões interlocutórias proferidas na fase de conhecimento do processo. Como

decorrência, tais decisões não transitam em julgado e poderão ser impugnadas no

próprio recursos interposto contra sentença, sendo por isso incabível o agravo de

instrumento”47.

No âmbito dos Juizados Especiais Cíveis Federais, entretanto, há o cabimento do

agravo de instrumento contra decisões liminares proferidas em razão de medidas de

natureza cautelar, consoante se vê do disposto nos arts. 4º e 5º da Lei 10.259/200148

.

Alexandre Freitas Câmara, por entender formarem os Juizados Especiais Cíveis Estaduais

e Federais estatuto único, sustenta ser aplicável aos Juizados Especiais Cíveis tais

disposições49

.

47 CHIMENTI, Ricardo Cunha. Teoria e Prática dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais. 7ª

ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 217-218.

48 Art. 4

o O Juiz poderá, de ofício ou a requerimento das partes, deferir medidas cautelares no curso do pro-

cesso, para evitar dano de difícil reparação.

Art. 5o Exceto nos casos do art. 4º, somente será admitido recurso de sentença definitiva.

49 Há, todavia, um registro que me parece necessário (embora este também seja um ponto que vá merecer

tratamento mais acurado posteriormente): como venho sustentando, as Leis nºs 9.099/95 e 10.259/01 formam

um só estatuto, o Estatuto dos Juizados Especiais Cíveis. E na lei que rege os Juizados Especiais Cíveis fede-

rais existe a previsão de uma hipótese de cabimento de recurso contra decisão interlocutória: é recorrível a

decisão que defere ( ou indefere) medida liminar. A disposição, contida nos arts. 4º e 5º da Lei nº 10.259/01,

é extremamente salutar, principalmente por impedir a utilização, in casu, do mandado de segurança como

sucedâneo de recurso. A meu juízo, por ser um só o estatuto dos Juizados Especiais cíveis, essa disposição da

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34

Além de tal ressalva, é importante salientar que, embora no processo de

conhecimento não haja maior dificuldade de se observar o princípio da irrecorribilidade

das decisões interlocutórias, o mesmo não ocorre no processo de execução de títulos

extrajudiciais e fase de cumprimento das sentenças condenatórias ao pagamento de quantia

certa. Nestes casos, como a sentença constitui mero ato formal de encerramento do

processo, as questões que ensejam controvérsia são as interlocutórias, como, por exemplo,

a que suscita decisão sobre a penhora e a venda judicial de determinado bem para a

satisfação do crédito do exeqüente. Assim, nas hipóteses em que há violação de direito

líquido e certo, tem-se admitido a impetração de mandado de segurança, como sucedâneo

do recurso de agravo de instrumento.

2.2.3 – Princípio da simplicidade

Não resta a menor dúvida que a simplicidade no procedimento do Juizado Especial

Cível é uma de suas maiores virtudes. A preocupação maior que orienta esse processo é a

de obtenção de uma decisão de mérito. Como bem pondera LUIZ FUX: “destarte a fusão

da simplicidade e da informalidade sob o mesmo título decorre do fato de que a

primeira é instrumento da segunda, ambas, consectários da instrumentalidade”50

.

Do ponto de vista didático, entretanto, convém examinar separadamente os

princípios da simplicidade e da informalidade.

Sob o critério da simplicidade, portanto, encontram-se disposições como as que

autorizam a realização de atos processuais, nomeadamente, as audiências de conciliação e

instrução em horário noturno (art.12, da Lei 9.099/1995), permitindo assim que as pessoas

que trabalham durante o dia tenham condições de comparecer independentemente da

obtenção de licenças de afastamento do trabalho.

lei dos juizados federais deve ser tida como aplicável também nos juizados estaduais, admitindo-se agravo de

instrumento contra decisão que defere ou indefere medida de urgência” CÂMARA, Alexandre Freitas. Jui-

zados Especiais Cíveis Estaduais e Federais – uma abordagem crítica. Rio de Janeiro: Editora Lumen

Juris, 2004, p. 19.

50 FUX, Luiz. Manual dos Juizados Especiais. Rio de Janeiro: Destaque, 1998, p. 28.

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35

Os atos processuais podem ser resumidos e registrados em notas manuscritas,

datilografadas, taquigrafadas ou estenotipadas (art. 13, § 3º, da mesma Lei). Não há

necessidade de conservação dos autos, podendo ser eliminados; no Rio Grande do Sul, o

são seis meses depois de arquivado o processo (art. 13, § 4º).

Poder-se-ia ainda mencionar a facultatividade do advogado nas causas cujo valor

não exceda vinte salários mínimos, podendo quando houver representação por advogado o

mandato ser verbal (art. 9º, §§ 1º a 3º). Também, não se admite a intervenção de terceiros

(art. 10). Tudo de molde a simplificar o processo, a fim de que alcance a efetividade, ou

seja, superando-se modelos ultrapassados de tutela jurisdicional, alcance-se tutela mais

rápida e eficaz do direito material.

2.2.4 – Princípio da informalidade

A tendência doutrinária à deformalização do processo tem sido empregada sob duas

acepções distintas. Conforme esclarece Ada Pellegrini Grinover:

“[...] de um lado, a deformalização do próprio processo, utilizando-se a

técnica processual em busca de um processo mais simples, rápido,

econômico, de acesso fácil e direto, apto a solucionar com eficiência tipos

particulares de conflitos de interesses. De outro lado, a deformalização

das controvérsias, buscando para elas, de acordo com sua natureza,

equivalentes jurisdicionais, como vias alternativas ao processo, capazes

de evitá-lo, para solucioná-las mediante instrumentos institucionalizados

de mediação. A deformalização do processo insere-se, portanto, no filão

jurisdicional, enquanto a deformalização das controvérsias utiliza-se de

meios extrajudiciais.”51

Assim, no âmbito da deformalização do processo, assume papel fundamental a

liberdade de formas e a instrumentalidade do processo. Fundamental, também, nesse

51 GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas tendências do direito processual. Rio de Janeiro: Forense Universi-

tária, 1990, p. 179.

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36

contexto que se adote a oralidade, com o predomínio de manifestações orais sobre as

formas escritas.

Exemplos disto são a posssibilidade de o pedido e de sua contestação serem

deduzidos oralmente (arts. 14, § 3º e 30 da Lei n. 9.099/1995); mesmo quando assistidas

por advogado, podem as partes dirigir-se sem maior formalidade, ao Juiz Presidente ou ao

Juiz Leigo. Há uma proximidade muito maior com o julgador, o que facilita a compreensão

da decisão. Isso se manifesta inclusive perante às Turmas Recursais Cíveis, em grau de

recurso, não sendo incomum que a própria parte auxilie seu advogado na sustentação oral.

Afora isso, a própria Lei determina que o pedido seja deduzido de forma simples e

em linguagem acessível (art. 14, § 1º). Ainda em prestígio à liberdade de formas: - os atos

processuais são considerados válidos sempre que alcançarem seus objetivos, só se

pronunciando alguma nulidade em face de efetivo prejuízo (art. 13, § 1º); - a citação da

pessoa jurídica de direito privado pode ser feita por intermédio da entrega da carta de

citação ao encarregado da recepção (art. 18, inciso II); - havendo pedido contraposto, pode-

se dispensar a contestação, utilizando-se os próprios argumentos da inicial como resposta

(art. 17, § único); - a prática de atos processuais em outras comarcas poderá ser solicitada

por qualquer meio idôneo de comunicação, independentemente de carta precatória (art. 13,

§ 2º); - as intimações podem ser feitas por qualquer meio idôneo, inclusive por telefone

(art. 19); - as testemunhas devem comparecer independentemente de intimação (art. 34); -

a sentença há de ser redigida de forma simples e concisa (art. 38); - o julgamento em

segunda instância constará apenas da ata, com a indicação suficiente do processo,

fundamentação sucinta e parte dispositiva e se a sentença for confirmada pelos próprios

fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão (art. 46); - o início da fase de

cumprimento da sentença dá-se mediante simples solicitação do interessado, que poderá

ser verbal (art. 52, inciso IV); - a alienação de bens penhorados pode ser confiada a pessoa

idônea (art. 52, inciso VII); - e é dispensada a publicação de editais na alienação de bens de

pequeno valor, hoje assim considerados os que não excedam o valor de (60) sessenta

salários mínimos, tendo em vista o disposto no art. 686, § 3º, do CPC (com a redação da

Lei 11.382/2006) combinado com o art. 52, VIII, da Lei 9.099/1995.

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37

2.2.5 – Princípio da economia processual e gratuidade

O princípio da economia processual visa à obtenção do máximo de rendimento da

lei com o mínimo de atos processuais. Já o princípio da gratuidade proporciona a dispensa

do pagamento de custas ou quaisquer outras despesas processuais. No processo do Juizado

Especial Cível, só há incidência de custas quando houver litigância de má-fé (arts. 54 e 55,

da Lei dos Juizados Especiais Cíveis), extinção do processo pela ausência injustificada do

autor a qualquer audiência (art. 51, § 2º, da mesma Lei), insucesso no recurso deduzido

(art. 55, da Lei 9.099/1995) ou a improcedência dos embargos do devedor (art. 55, §

único, “b”, da referida Lei).

Como incide o pagamento das custas de preparo em fase recursal e, tendo em conta

que o valor de tais despesas é significativo, pois o preparo compreende, na forma do

disposto no art. 54, § único, da Lei 9.099/1995, todas as despesas processuais, inclusive

aquelas dispensadas em primeiro grau de jurisdição, ressalvada a hipótese de assistência

judiciária, pode constituir-se em obstáculo ilegítimo à interposição do recurso, dependendo

do valor da condenação, o montante das custas de preparo, pode inclusive suplantar a

sucumbência na sentença.

A questão relativa à sucumbência em fase recursal enseja grande controvérsia, pois,

tendo em vista os princípios informativos do microssistema dos Juizados Especiais Cíveis,

a jurisprudência dominante tem interpretado, literalmente, o disposto no art. 55, da Lei

9.099/1995, só impondo os ônus da sucumbência quando o recorrente resta vencido e não

na hipótese de provimento do recurso, ou seja, quando o vencido é o recorrido52

.

52 No Rio de Janeiro, prevalece o entendimento consolidado no seguinte Enunciado: 12.4 – PROVIMENTO

DO RECURSO – Provido o recurso da parte vencida, o recorrido não responde pelos ônus sucumbenciais.

Publicado no DORJ 01.08.2001. Consolidação dos Enunciados Jurídicos Cíveis e Administrativos. Rio de

Janeiro, Tribunal de Justiça. Em Minas Gerais, embora não haja entendimento pacificado, encontram-se

decisões no seguinte sentido: “Não se condena o recorrido vencido nos ônus da sucumbência, visto que a Lei

n. 9.099/95 prevê tal condenação apenas em relação a recorrente vencido”. Recurso 587, Turma Recursal de

Belo Horizonte – Comissão Supervisor dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, rel. Vanessa Verdoin, j.

em 17.10.1997, Boletim Informativo n. 13, Belo Horizonte, 1998, apud (CHIMENTI, 2004, p. 306). No Rio

Grande do Sul, consoante se vê pelas seguintes decisões, o entendimento é o mesmo do Rio de Janeiro: EM-

BARGOS DE DECLARAÇÃO. NA EXEGESE DO ART. 55 DA LEI Nº 9.099/95, CONFERIDA PELAS

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Não obstante isso, a doutrina propugna a aplicação do princípio da sucumbência

contemplado no Código de Processo Civil, na hipótese de incidência de tal ônus em sede

recursal, atenuando assim a interpretação literal do disposto no art. 55, da Lei dos Juizados

Especiais.53

TURMAS RECURSAIS, NÃO SE IMPÕE SUCUMBÊNCIA AO RECORRENTE QUE FOR PARCIAL-

MENTE VENCIDO NO RECURSO, INDEPENDENTEMENTE DE SER VENCIDO OU VENCEDOR NA

CAUSA. AUSÊNCIA DE ERRO, OMISSÃO OU DE QUALQUER OUTRA HIPÓTESE AUTORIZADO-

RA DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. REJEIÇÃO. (Recurso Cível Nº 71001046648, Segunda Turma

Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Mylene Maria Michel, Julgado em 01/11/2006). EMBARGOS

DE DECLARAÇÃO. HONORÁRIOS. É DE SE ACOLHER OS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PARA

EXCLUIR OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS A QUE FOI CONDENADA A RECORRENTE QUE

TEVE O RECURSO PROVIDO. NOS TERMOS DO ART. 55 DA LEI Nº 9.099/95, SOMENTE O RE-

CORRENTE VENCIDO PAGARÁ HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. COMO A AUTORA TEVE O

RECURSO PROVIDO, É DESCABIDA A CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS. (Recurso Cível Nº

71000947077, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Ketlin Carla Pasa Casagrande,

Julgado em 11/07/2006). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. SUCUMBÊNCIA NO PROCESSO DO JUI-

ZADO ESPECIAL CÍVEL. CABIMENTO APENAS NO IMPROVIMENTO DO RECURSO. INTERPRE-

TAÇÃO DO ART. 55 DA LEI Nº 9.099/95. Embargos desacolhidos. (Recurso Cível Nº 71001020411, Pri-

meira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Ricardo Torres Hermann, Julgado em 19/04/2007).

Disponível em: http://www.tj.rs.gov.br . Acesso em 16 de ago. 2007.

53 Nesse sentido, afirma Joel Figueira Júnior (2006, p. 359): “Em outras palavras, o „recorrido vencido‟, por

óbvio deve também ser condenado ao pagamento de despesas processuais e honorários advocatícios”. No

mesmo sentido, Luiz Fux (1998, p. 16) assevera: “Portanto, recorrente vencido é a parte que, no recurso,

restou vencida, e que tanto pode ser o recorrente mesmo – e aí nenhuma dificuldade se apresenta – ou o re-

corrido vencido, uma vez que nada pagou para atuar no primeiro grau onde obteve uma vitória em primeiro

estágio de aferição do direito em litígio”. E, de forma mais detida, acrescenta Heleno Nunes: “As normas

previstas na Lei nº 9.099/95, que visam desestimular a utilização dos recursos sob pena de violarem os prin-

cípios constitucionais da ampla defesa, de forma genérica, e do duplo grau de jurisdição, de maneira específi-

ca, somente podem ter em mira aqueles inconformismos infundados e protelatórios. Todo processo interpre-

tativo visa a um resultado razoável, conducente à melhor conseqüência para a coletividade, e a falta de impo-

sição ao recorrido vencido dos ônus da sucumbência acarreta, em algumas hipóteses, o seu enriquecimento

sem causa, em detrimento do recorrente vencedor, o que é rejeitado pelo direito pátrio. A lei especial que

regulamenta os juizados especiais cíveis e criminais é omissa no tocante à hipótese em que o recorrente ob-

tém êxito total ou parcial do seu recurso, pelo que, utilizando-se as regras de integração da norma jurídica,

aplicam-se, subsidiária e analogicamente, as disposições e princípios do Código de Processo Civil acerca da

matéria, que é a lei geral do processo” NUNES, Heleno Ribeiro Pereira et al. Dos ônus da sucumbência nos

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39

A solução de interpretar literalmente o dispositivo que impõe sucumbência apenas

ao recorrente e não ao recorrido – quando vencido – só se explica a partir de política

judiciária, no sentido de desestimular a interposição do recurso, porém há de se ponderar

sobre a legitimidade ou não de tal restrição.

Como se sabe, o desestímulo à interposição do recurso deve incidir sobre o autor do

recurso infundado ou protelatório e não sobre aquele que exerce legitimamente seu direito.

Por outro lado, ao examinar-se a questão dos óbices à interposição de recursos, não basta

apenas observar o princípio da celeridade, mas também o da garantia constitucional do

acesso à justiça (garantia de acesso à ação) e do devido processo legal, ponderando todos

para a interpretação do disposto no art. 55, da Lei 9.099/1995. Finalmente, resulta claro

que a falta de reembolso, ao recorrente que obtém êxito com seu recurso, das despesas de

preparo adiantadas acarreta-lhe a não entrega total da tutela jurisdicional buscada, já que

desfalcado no valor relativo às custas de preparo despendidas. Assim, não há como deixar

de aplicar analogicamente na hipótese as disposições relativas à sucumbência do Código de

Processo Civil, revendo posição jurisprudencial antes mencionada.

2.2.6 – Princípio da celeridade

O problema da demora na prestação jurisdicional foi um dos principais fatores

complicadores para possibilitar o acesso à justiça. Tal barreira criada pela impossibilidade

de suportar a mora judicial, atinge principalmente os titulares de pequenos direitos e

especialmente os pobres, sendo que os responsáveis pela violação desses direitos, em

regra, são empresas, ou “litigantes organizacionais” com condições de extrair proveito da

dificuldade54. Daí, a existência de fator discriminante a justificar a existência de

juizados especiais cíveis. Revista Cidadania e Justiça, Associação dos Magistrados Brasileiros, Ano 03, n. 7-

2º semestre, 1999, p. 158-163.

54 “Um exame dessas barreiras ao acesso, como se vê, revelou um padrão: os obstáculos criados por nossos

sistemas jurídicos são mais pronunciados para as pequenas causas e para os autores individuais, especialmen-

te os pobres; aos mesmo tempo, as vantagens pertencem de modo especial aos litigantes organizacionais,

adeptos do uso do sistema judicial para obterem seus próprios interesses. Refletindo sobre essa situação, é de

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procedimento célere, efetivo que dê atendimento ao disposto no art. 5º, inciso LXXVIII, o

qual assegura que: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a

razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Não resta a menor dúvida, entretanto, que há de se respeitar o chamado “tempo do

processo”, em razão do que será preciso tempo para que o demandado seja citado e, uma

vez citado, elabore sua defesa. O fato de ter de manifestar-se sobre documentos na própria

audiência, em conformidade com o disposto no art. 33, da Lei nº 9.099/199555, não importa

em qualquer cerceamento de defesa, na medida em que se trata – não há como olvidar – de

questões de menor complexidade. Havendo complexidade probatória, haverá o feito de ser

extinto, com fulcro no art. 51, inciso II, combinado com o art. 3º, “caput”, ambos da Lei

dos Juizados Especiais Cíveis. Não é incomum que isto ocorra, de modo a possibilitar que

a celeridade imprimida ao feito não venha a comprometer a justiça da solução da causa56.

se esperar que os indivíduos tenham maiores problemas para afirmar seus direitos quando a reivindicação

deles envolva ações judiciais por danos relativamente pequenos, contra grandes organizações. Os novos di-

reitos substantivos, que são característicos do moderno Estado de bem estar-social, no entanto, têm precisa-

mente esses contornos: por um lado, envolvem esforços para apoiar os cidadãos contra os governos, os con-

sumidores contra os comerciantes, o povo contra os poluidores, os locatários contra os locadores, os operá-

rios contra os patrões (e os sindicatos); por outro lado, o interesse econômico de qualquer indivíduo – como

autor ou réu – será provavelmente pequeno” CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça.

Trad. Ellen Gracie Northfleet, Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 28-29.

55 Art. 33 - Todas as provas serão produzidas na audiência de instrução e julgamento, ainda que não requeri-

das previamente, podendo o Juiz limitar ou excluir as que considerar excessivas, impertinentes ou protelató-

rias.

56 AÇÃO REIVINDICATÓRIA CUMULADA COM PEDIDO COMINATÓRIO. EXTINÇÃO PELA

COMPLEXIDADE PROBATÓRIA. Cuidando-se de ação onde a parte autora reivindica a restituição de

construção ¿ embora de pequeno valor ¿ que importaria, se procedente, em desalojar a parte demandada do

imóvel onde reside, bem como estando cumulado o pedido com cominação de pena em face de violação de

direito de vizinhança, com necessidade de prova pericial para medição de perturbação sonora dita produzida

pela ré, correta a decisão que entendeu pela extinção do feito em face da complexidade da prova. Sentença

de primeiro grau mantida por seus próprios fundamentos. Recurso improvido. (Recurso Cível Nº

71000511329, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Clovis Moacyr Mattana Ramos,

Julgado em 13/05/2004)

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Inclusive, como deixa claro o enunciado n. 54 do FONAJE (Forum Nacional de Juizados

Especiais): “A menor complexidade da causa para a fixação da competência é aferida

pelo objeto da prova e não em face do direito material”.

Assim, não há menor dúvida de que a prova deve ser produzida em audiência. Nem

mesmo a limitação ao número de testemunhas em três, como prevê o art. 34 da Lei

9.099/199557 pode ser visto como limitador ao direito de defesa, na medida em que,

havendo necessidade de inquirição de mais testemunhas, ou o Juiz Instrutor as inquire de

ofício ou extingue o processo pela complexidade.

Os prazos são, efetivamente, mais curtos que os do CPC, sendo o para recorrer da

sentença de (10) dez dias (art. 42) e o para os embargos de declaração, de (05) cinco dias

(art. 49). A interposição dos embargos de declaração contra a sentença apenas suspende e

não interrompe o prazo recursal (art. 50), o que importa dizer que o prazo decorrido até a

interposição dos declaratórios são abatidos do prazo para o recurso inominado após a

decisão de ditos embargos. Assim, se a parte restar intimada da sentença e deixar

transcorrer cinco dias do prazo recursal, por exemplo, ingressando com os embargos de

declaração no sexto dia, haverá transcorrido cinco dias do prazo recursal – já que se exclui

o dia da interposição dos declaratórios –, sobrando quando da intimação da decisão dos

CONTRATO DE SEGURO. RISCO COBERTO COMO SENDO MORTE ACIDENTAL. APÓLICE ES-

TABELECENDO VALOR DE ATÉ R$ 100.000,00 PARA INDENIZAÇÃO AÇÃO JULGADA IMPRO-

CEDENTE EM FACE DE NÃO DEMONSTRADO PELA PARTE AUTORA O NEXO ENTRE A MORTE

E O INVOCADO ACIDENTE, DECORRENTE DE ROUBO DO QUAL FOI VÍTIMA O ESPOSO DA

DEMANDANTE. EXTINÇÃO DO FEITO DETERMINADA EM FACE DA COMPLEXIDADE PROBA-

TÓRIA. (Recurso Cível Nº 71000556928, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Clovis

Moacyr Mattana Ramos, Julgado em 29/09/2004)

SEGURO DE VEÍCULOS. INDÍCIOS DE FRAUDE E MONTAGEM DE SINISTRO. COMPLEXIDADE

PROBATÓRIA. EXTINÇÃO QUE SE DECRETA DE OFÍCIO. (Recurso Cível Nº 71000515130, Segunda

Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Mylene Maria Michel, Julgado em 09/06/2004) Disponí-

vel em: http://www.tj.rs.gov.br . Acesso em 20 de ago. 2007.

57 Art. 34 - As testemunhas, até o máximo de três para cada parte, comparecerão à audiência de instrução e

julgamento levadas pela parte que as tenha arrolado, independentemente de intimação, ou mediante esta, se

assim for requerido.

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embargos de declaração, apenas os cinco dias faltantes do decêndio legal para interpor o

recurso inominado.

A partir da análise dos princípios informadores do processo do Juizado Especial

Cível, até agora já procedida, é possível verificar que a idéia de criação de uma via

judicial, que possibilite maior efetividade de acesso à justiça apresentou fundadas razões,

havendo sem qualquer margem de dúvida o “fator discriminante”, que justificava a criação

de meio de prestação jurisdicional mais rápida, simples, informal, gratuito, público e

democrático e que concretizasse o direito a uma “ordem jurídica justa”58

.

A questão relativa à observância do devido processo legal no processo do Juizado

Especial Cível, ou seja, a ocorrência de eventual contradição entre o princípio da segurança

jurídica e os princípios informativos do processo dos Juizados Especiais será apreciada

com maiores detalhes no capítulo seguinte.

58 Como bem pondera Luiz Guilherme Marinoni: “As leis que tratam dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95 –

Juizados Especiais Estaduais e Lei 10.259/2001 – Juizados Especiais Federais) devem ser vistas como repos-

tas do legislador ao seu dever de instituir órgãos judiciários e procedimentos capazes de permitir o efetivo

acesso ao Poder Judiciário.

O procedimento dos Juizados Estaduais, segundo o próprio art. 2º da Lei 9.099/1995, é caracterizado pela

„oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade‟. O objetivo é garantir o acesso

com o mínimo de custo econômico possível, assim como propiciar, na medida do possível, celeridade, uma

vez que o pobre tem menor resistência do que o rico para esperar pela justiça. Além disso, busca-se simplifi-

car e tornar menos formal o procedimento, obviamente que sem prejuízo das garantias processuais, preten-

dendo-se, com isso, facilitar a participação no processo. Curso de processo civil, volume 1: teoria geral do

processo. São Paulo: RT, 2006, p. 463.

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3 – ANÁLISE CRÍTICA DOS QUESTIONAMENTOS DIRIGIDOS

AOS DISPOSITIVOS DA LEI Nº 9.099/95, SOB O PONTO DE

VISTA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Para a análise das regras procedimentais da Lei 9.099/1995, sob o ponto de vista

dos princípios constitucionais, cumpre previamente estabelecer posição filosófica,

vinculada, ou a teoria procedimentalista ou a substancialista. É bem verdade que tais

concepções não esgotam as correntes filosóficas de pensamento, aludindo Marinoni59

também à teoria textualista, mas fundamentalmente, na Doutrina Brasileira, os

processualistas se dividem entre as duas primeiras correntes filosóficas.

E, a partir daí, é importante destacar que, para a concepção procedimentalista, o

julgador, ao desempenhar a atividade jurisdicional, indaga precipuamente se houve

respeito aos princípios procedimentais e de competência estabelecidos na Constituição. Por

outro lado, para a concepção substancialista, as normas substantivas, direitos e garantias

fundamentais, orientam a decisão jurisdicional, ainda que contra a vontade da maioria

representada no Poder Legislativo, ou seja, ainda que reconhecendo inconstitucionalidade

de normas sustentadas pela maioria.

Realçando a distinção, afirma (MARINONI):

“As teorias procedimentalistas buscam dar legitimidade à jurisdição destacando seu

papel de reforço do processo democrático de elaboração da lei, enquanto as

substancialistas dão ênfase ao conteúdo material dos preceitos constitucionais,

advindo a legitimação da jurisdição do fato de os juízes aplicarem as cláusulas

59 Idem, p. 400.

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amplas da Constituição de acordo com uma concepção atraente dos valores morais

que lhes servem de base.”60

Numa perspectiva substancialista, que se entende mais adequada, a democracia vai

além do respeito às “regras do jogo”. Assumindo-se, a partir da lição de Marinoni, que o

acesso à justiça, no Estado Democrático de Direito, não pode ser reduzido apenas ao

direito a um procedimento em contraditório, como sustentado por Elio Fazzalari, nem

mesmo a um procedimento capaz de proporcionar aceitabilidade às decisões como

propugnado por Niklas Luhman, em sua teoria sistêmica, há de se buscar a legitimação da

decisão jurisdicional e do processo em algo mais.

Como sustenta Marinoni, a legitimidade da decisão, e assim do processo, não pode

descartar a necessidade de que a decisão esteja legitimada pelos direitos fundamentais, a

consagrar assim a corrente substancialista.

A partir dessa concepção substancialista: “O processo deve legitimar – pela

participação –, deve ser legítimo – adequado à tutela dos direitos e aos direitos

fundamentais – e ainda produzir uma decisão legítima”61.

Não basta assim que, no processo, se garanta apenas o devido processo legal, ou

seja, o contraditório, a ampla defesa, com a participação efetiva das partes, se a tutela do

direito buscado não se mostra adequada à pretensão deduzida e se a decisão não é ajustada

aos valores consagrados na Constituição.

Tal é o enfoque, como o qual se pretende analisar as regras do processo do Juizado

Especial Cível.

3.1 – Da competência dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais

60 Ibidem, p. 439.

61 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil, volume 1: teoria geral do processo. São Paulo:

RT, 2006, p. 401.

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45

As disposições relativas à competência dos Juizados Especiais Cíveis englobam

tanto as causas indicadas em razão de seu valor como também aquelas selecionadas em

função de seu objeto. A Lei 9.099/199562

considera ambas causas de menor complexidade.

Nesse sentido, como bem pondera Ricardo Chimenti: “ora o legislador utiliza o

valor da causa como critério de identificação das causas de menor complexidade (inciso I

do art. 3º), ora apresenta a matéria como critério definidor (incisos II e III do art. 3º), ora

mescla os dois critérios (inciso IV do art. 3º)”63

.

Em razão apenas do valor da causa, há de se observar a alçada de competência do

Juizado Especial Cível que, atualmente64

, é de quarenta salários mínimos. Estabelece, de

maneira complementar, o art. 3º, § 3º, da Lei 9.099/1995 que a opção pelo procedimento

previsto nesta Lei importará em renúncia ao crédito excedente ao limite estabelecido como

alçada de competência deste Juizado (quarenta salários mínimos), salvo a hipótese de

conciliação.

62 Art. 3º - O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas

cíveis de menor complexidade, assim consideradas:

I - as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo;

II - as enumeradas no art. 275, inciso II, do Código de Processo Civil;

III - a ação de despejo para uso próprio;

IV - as ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente ao fixado no inciso I deste artigo.

§ 1º - Compete ao Juizado Especial promover a execução:

I - dos seus julgados;

II - dos títulos executivos extrajudiciais, no valor de até quarenta vezes o salário mínimo, observado o dispos-

to no § 1º do art. 8º desta lei.

63 CHIMENTI, Ricardo Cunha. Teoria e Prática dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais. 7ª

ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 30.

64 O projeto de lei do senado nº 275, de 2003, de autoria do Senador Mozarildo Cavalcanti propõe a eleva-

ção do valor da alçada de competência para (60) sessenta salários mínimos, em equivalência inclusive com o

limite de alçada de competência do Juizado Especial Cível Federal (art. 3º, “caput”), encontrando o referido

projeto de lei a tramitar na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado.

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46

A possibilidade de elevação do valor de alçada de competência dos Juizados Cíveis

Estaduais para sessenta salários mínimos, entretanto, é de todo recomendável, a fim de

estabelecer a equivalência com o limite de alçada dos Juizados Especiais Cíveis Federais

(art. 3º, “caput”)65

..

No que diz respeito à competência em razão do objeto ou ratione materiae, a

situação não é tão fácil, de vez que não há, como antigamente ocorria na Lei 7.244/1984 a

exigência cumulativa de que a causa, além do objeto taxativamente previsto, ainda ficasse

submetida ao limite do valor de alçada que, à época, era de vinte (20) salários mínimos.

Entende-se, pois, que o atual Juizado Especial Cível engloba, tanto as causas de sua

competência, quais sejam as de menor complexidade, como as causas próprias dos extintos

Juizados de Pequenas Causa, orientadas exclusivamente pelo valor da causa. A

Constituição Federal manteve designações distintas, atribuindo o art. 24, inciso X,

competência concorrente entre a União e os Estados e Distrito Federal para legislar

relativamente aos Juizados de Pequenas Causas e designando o art. 98, inciso I, de

Juizados Especiais aqueles para o conhecimento de causas de menor complexidade, em

relação aos quais a competência legislativa exclusiva é da União, por força do disposto no

art. 22, inciso I, da Constituição Federal.

Em razão dessa diferenciação, há grande controvérsia sobre estar o valor das causas

contempladas no art. 3º, inciso II, da Lei 9.099/1995 (que são as previstas no art. 275,

inciso II, do Código de Processo Civil)66

sujeitas ao limite do valor de alçada de quarenta

(40) salários mínimos.

65 “Verifica-se, assim, que se busca firmar um conceito unitário de pequenas causas: estas seriam as cujo

valor não ultrapassasse sessenta salários-mínimos. Dissonante desse conceito, por ora, apenas a Lei nº

9.099/95, que mantém em quarenta salários-mínimos o limite de sua competência nos casos em que ela é

fixada ratione valoris. Parece-me, pois, que é – de lege ferenda – recomendável que se modifique o art. 3º, I,

da lei, para que os Juizados Especiais Cíveis possam conhecer de causas cujo valor chegue até sessenta salá-

rios-mínimos”. CÂMARA, Alexandre Freitas. Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais – uma a-

bordagem crítica. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2004, passim.

66 Art. 275. Observar-se-á o procedimento sumário:

I - nas causas cujo valor não exceda a 60 (sessenta) vezes o valor do salário mínimo;

II - nas causas, qualquer que seja o valor

a) de arrendamento rural e de parceria agrícola;

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A Súmula 11 das Turmas Recursais do Rio Grande do Sul preleciona que: mesmo

as causas cíveis enumeradas no Art. 275, II, do CPC, quando de valor superior a

quarenta salários mínimos, não podem, ser propostas perante o Juizado Especial.

Tal se justifica, em razão da interpretação sistemática dos arts. 3º, §3º, 15 e 3967

, da

Lei 9.099/1995 que, respectivamente, impõem limitação ao autor, atribuindo-lhe o ônus de

renunciar ao valor excedente ao limite de alçada, estipulando a limitação do valor inclusive

aos pedidos cumulados e tornando a sentença condenatória, na parte que extrapolar aos

quarenta salários mínimos, ineficaz.

Entretanto, em sentido contrário o Enunciado nº 58 do Forum Nacional de Juizados

Especiais (FONAJE) assim estabelece: as causas cíveis enumeradas no art. 275 II, do

CPC admitem condenação superior a 40 salários mínimos e sua respectiva execução,

no próprio Juizado. É contrário, também, o Enunciado 2 do I Encontro de Juízes

Especiais Cíveis da Capital e da Grande São Paulo, quando teoriza: as causas que têm por

fundamento as hipóteses do art. 275, II, do CPC não estão sujeitas ao limite de 40

salários mínimos.

b) de cobrança ao condômino de quaisquer quantias devidas ao condomínio;

c) de ressarcimento por danos em prédio urbano ou rústico;

d) de ressarcimento por danos causados em acidente de veículo de via terrestre;

e) de cobrança de seguro, relativamente aos danos causados em acidente de veículo, ressalvados os casos de

processo de execução;

f) de cobrança de honorários dos profissionais liberais, ressalvado o disposto em legislação especial;

g) nos demais casos previstos em lei.

67 Art. 3º - O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas

cíveis de menor complexidade, assim consideradas:

[...]

§ 3º - A opção pelo procedimento previsto nesta Lei importará em renúncia ao crédito excedente ao limite

estabelecido neste artigo, excetuada a hipótese de conciliação.

[...]

Art. 15 - Os pedidos mencionados no art. 3º desta Lei poderão ser alternativos ou cumulados; nesta última

hipótese, desde que conexos e a soma não ultrapasse o limite fixado naquele dispositivo.

[...]

Art. 39 - É ineficaz a sentença condenatória na parte que exceder a alçada estabelecida nesta Lei.

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Quanto aos processos de conhecimento, a Lei do Juizados Especiais Cíveis inclui

também a competência para as ações de despejo para uso próprio e para as ações

possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente ao de alçada dos Juizados.

Relativamente à competência para a execução, os Juizados Especiais Cíveis são

competentes para a execução de seus julgados e para a execução de títulos extrajudiciais

até o valor máximo de quarenta salários mínimos.

3.2 – Da opcionalidade à obrigatoriedade e o seu caminho inverso nos

Juizados Especiais Cíveis Estaduais

O surgimento dos Juizados Especiais Cíveis foi marcado por experiência feita no

Estado do Rio Grande do Sul, por iniciativa da AJURIS, nas Comarcas de Rio Grande e de

Porto Alegre, ainda no ano de 1982, com a criação dos primeiros CONSELHOS DE

CONCILIAÇÃO E ARBITRAMENTO68

.

Na falta de previsão legal própria, buscava-se a obtenção de uma transação, ou seja,

de um acordo que pudesse ser homologado pelo Juiz, a fim de servir como título executivo

judicial ou então um arbitramento que também dependia de homologação judicial.

José Geraldo Piquet Carneiro, Consultor Jurídico do Ministro da

Desburocratização, Hélio Beltrão, apoiou o projeto de lei encaminhado pela AJURIS. A

experiência tinha como inspiração a “Small Claims Courts” de Nova Iorque. E dessa

iniciativa resultou a criação dos Juizados de Pequenas Causas pela Lei nº 7.244, de 07 de

novembro de 1984. Facultou-se aos Estados a criação de Juizados com a atribuição de

processar e julgar as causas cujo valor não ultrapassasse vinte (20) salários mínimos e que

objetivassem, principalmente, a condenação ao pagamento em dinheiro.

As características desses Juizados eram:

a) a facultatividade da sua criação;

b) a opcionalidade para as partes interessadas no ajuizamento da

demanda;

c) a definição de sua competência pelo valor da causa.

68 Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul – AJURIS, nº 26, nov. de 1982, p. 07.

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Depois disso, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 98, I, impôs a obrigação

de instituírem-se os Juizados Especiais de causas cíveis e criminais:

“Art. 98 – A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados

criarão:

I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos,

competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas

cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial

ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas

hipóteses previstas em lei, a transação e julgamento de recursos por

turmas de juízes de primeiro grau”.

Permitiu a Carta Magna que os Estados legislassem concorrentemente com a União

sobre a criação, funcionamento e processo dos “Juizados de Pequenas Causas” (expressão

empregada pelo legislador constituinte no art. 24, X, da Constituição Federal).

Assim foi que, em 06/12/1991, foi promulgada a Lei Estadual 9.446 que dispôs

sobre os Juizados Especiais e de Pequenas Causas Cíveis do Rio Grande do Sul.

Com o advento da Lei Federal nº 9.099, de 26/09/1995, os Juizados Especiais de

Pequenas Causas existentes passaram a observar a legislação federal que, praticamente,

reproduziu a Lei Estadual nº 9.446/1991.

As características dos Juizados Especiais são, diferentemente do que ocorria com os

Juizados de Pequenas Causas da Lei nº 7.224/84:

a) a obrigatoriedade da sua criação;

b) a exclusividade de sua competência, por tratar-se de

competência em razão da matéria;

c) a definição da competência pelo valor da causa e da natureza da

ação;

d) a possibilidade de atuação de juízes leigos, juntamente com os

togados.

Ocorre que, como os Juizados Especiais Cíveis não se encontravam instalados em

todas as Comarcas do Estado, passou a jurisprudência a atenuar a idéia da exclusividade de

competência do Juizado Especial Cível. O entendimento de que não haveria a

exclusividade de competência dos Juizados Especiais Cíveis nas causas para as quais os

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Juízes Naturais, de acordo com a Constituição Federal, eram os dos Juizados Especiais,

decorreu de questão pragmática – a falta de estruturação dos mesmos.

O Ministro Ruy Rosado da Aguiar Júnior sustenta que a obrigatoriedade da

competência dos Juizados Especiais Cíveis, para o autor, no Estado do Rio Grande do Sul,

já decorria do disposto na Lei Estadual 9.446/1991 (concebida na época que era o

Corregedor-Geral da Justiça do Estado do Rio Grande do Sul) e, de forma nacional, na Lei

Federal 9.099/1995.

Porém, a partir dessa flexibilização jurisprudencial a respeito da exclusividade da

competência dos Juizados Especiais Cíveis, para as causas de menor complexidade, foi que

nasceu o enunciado nº 1 do Fórum Nacional dos Juizados Especiais (FONAJE), que

dispõe: “o exercício do direito de ação no Juizado Especial Cível é facultativo para o

autor”. Depois disso, o art. 1º, § 1º, da Lei Estadual nº 10.675/199669

gaúcha, previu

também que o autor poderia optar pelo Juizado Especial ou pela Justiça Comum.

No entanto, O Projeto de Lei nº 315/03, do Rio Grande do Sul, visa,

fundamentalmente, a alteração da Lei nº 9.446, de 06/12/91, para o fim de reafirmar a

obrigatoriedade do Juizado Especial Cível ao autor, nos feitos relativos à competência

própria dos antigos Juizados de Pequenas Causa, ou seja, nas causas cujo valor de alçada

não exceda a quarenta vezes o salário mínimo.

Como bem pondera Luiz Guilherme Marinoni:

“De outra parte, também não seria correto dizer que a obrigatoriedade do

uso do juizado especial violaria a garantia da ação, já que submeteria a

parte a uma justiça de „qualidade inferior‟, onde não se preservam, em

sua máxima potencialidade, o contraditório, a ampla defesa, o devido

processo legal, a cláusula do julgamento com base na legalidade etc. É

preciso compreender que o procedimento dos Juizados Especiais é

pensado sob a ótica das tutelas diferenciadas, buscando-se adaptar o

rito (e a forma de proteção do direito como um todo) às

particularidades do direito material posto em exame. O direito

processual não pode tratar a todos os direitos indiferentemente, porque

69 Lei Estadual nº 5.675, de 02/01/1996: Art. 1º - Fica criado, no Estado do Rio Grande do Sul, o Sistema de

Juizados Especiais Cíveis e Criminais, órgãos da Justiça Estadual Ordinária, para conciliação, processo, jul-

gamento e execução das causas previstas na Lei Federal nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Parágrafo único - A opção pelos Juizados Especiais Cíveis é do autor da ação.

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isso seria ignorar as peculiaridades vivenciadas por espécie de direito e

por situação concreta. A mentalidade que informa os Juizados Especiais é

precisamente esta: verificado que o conflito de menor complexidade tem

certas particularidades próprias, é preciso dotar a jurisdição de

instrumento capaz de lidar com esse litígio, sob pena de o conflito não

encontrar a jurisdição estatal campo suficientemente adequado para ser

resolvido. Assim, o rito do juizado especial não é, verdadeiramente,

menos „garantístico‟, mas sim adequado para a realidade da situação

concreta. De fato, há restrições, no procedimento dos Juizados Especiais,

em termos de prova e mesmo em relação à resposta do réu (não se pode,

por exemplo, oferecer reconvenção). Todavia, isso não pode ser

entendido como limitações inconstitucionais às garantias

fundamentais do processo, mas sim como compatibilizações entre as

garantias fundamentais que presidem a atuação de ambas as partes

(autor e réu) no processo. Explica-se: se é verdade que o

procedimento do juizado diminui garantia da ampla defesa, do

direito à prova etc., é também certo que o faz no intuito de permitir

que o autor tenha, pela via desse instituto, condições de buscar, junto

à jurisdição estatal, a adequada solução do conflito surgido. Sem

essas alterações no perfil da tutela jurisdicional oferecida, ficaria a

lesão experimentada pelo autor carente de tutela (ao menos de tutela

adequada). As conformações das garantias no rito do juizado visam,

portanto, à adequação de todas elas (atinentes a ambas as partes no

processo) às peculiaridades da específica situação conflituosa verificada.

Ninguém diria que o processo de execução, ainda que obrigatório, é

inconstitucional, porque lhe falta a garantia da ampla defesa. A lógica

desse raciocínio se encontra precisamente em função da situação

particular em que se encontra a lesão ao direito cuja solução se postula: é

precisamente a condição especial do direito do autor (fundado em título

líquido, certo e exigível) que lhe autoriza busca proteção em

procedimento diferenciado. O mesmo raciocínio deve aqui ser utilizado: a

situação particular do direito exige proteção diferenciada – e só por essa

proteção específica pode ser ele adequadamente satisfeito –, razão pela

qual as garantias que se atribuem ao réu (ampla defesa, contraditório,

etc.), compatibilizadas com o interesse de o autor obter uma tutela

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jurisdicional adequada (direito de ação), resultam no procedimento

balanceado dos Juizados Especiais”. 70

(grifo do autor).

De fato, a resistência à obrigatoriedade da competência dos Juizados Especiais

Cíveis não se justifica sob a argumentação da inconstitucionalidade. Como se viu, “o

procedimento balanceado dos Juizados Especiais” assegura adequadamente as garantias do

contraditório, ampla defesa, enfim, o devido processo legal.

O fato de não se permitir o ajuizamento de ação rescisória ou de ainda não haver

mecanismo de uniformização de jurisprudência (estabelecendo a interpretação da lei

federal), por não caber o recurso especial contra as decisões das Turmas Recursais,

tampouco constituem embaraços à possibilidade de obrigatoriedade dos Juizados Especiais

Cíveis.

Quanto à ação rescisória, é preciso observar que a opção do legislador foi de

prestigiar o princípio da celeridade, de forma a que fosse alcançado de fato a tutela

jurisdicional adequada. Não se pode esquecer que a ação rescisória pressupõe a existência

de sentença transitada em julgado e que rescindibilidade não é anulabilidade, nulidade ou

inexistência, chegando Pontes de Miranda a afirmar que "que ser rescindível é menos do

que ser nulo"71

.

Além disso, a jurisprudência dos tribunais, no que atine às ações rescisórias, tem

afirmado haver desvirtuamento na utilização de tal via processual, vez que empregada para

rediscussão de tudo o que já foi decidido e transitou em julgado materialmente, o que nada

tem a ver com o seu objetivo específico. O instituto da coisa julgada é relevantíssimo em

nosso Direito, sendo objeto de garantia constitucional, não se podendo relativizá-lo sem

razão justificada, com a autorização do ajuizamento de ação rescisória em demandas de

reduzida complexidade. Não fosse o bastante, conforme assevera Fátima Nancy Andrighi:

“a inadmissibilidade da ação rescisória nos casos sujeitos ao procedimento instituído por

70 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil V. 2 – Processo de

conhecimento. 6ªed. rev., atual. e ampl.. São Paulo: RT, 2006, p. 698-699.

71 Apud VALÉRIO, J. N. Vargas. Da (des)necessidade do judicium rescissorium. Disponível na Internet

em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4853. Acesso em 22 de ago. de 2007.

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esta Lei constitui medida de pacificação social com a definitização do julgamento dos

litígios”72

.

Por outro lado, relativamente à uniformização de jurisprudência, no âmbito dos

Juizados Especiais Cíveis Estaduais, impende dela conhecer em item autônomo, abaixo

abordado, pela relevância e atualidade do tema.

Em suma, embora a solução do restabelecimento da obrigatoriedade da

competência dos Juizados Especiais Cíveis, na atual conjuntura, dependa de disposição

legal reafirmando-a, não resta a menor dúvida da conveniência de sua adoção, seja por

conferir jurisdição adequada à natureza dos interesses em litígio, seja pela eficiência e

eficácia dessa espécie de prestação jurisdicional.

Todavia, uma medida dessas só poderá ser tomada, mercê de uma melhor

estruturação dos Juizados Especiais, pois muitos, talvez a maioria, dos Juizados não

apresentam Juízes exclusivos, o que faz com que se dedique a essa jurisdição menor

atenção. Além disso, do ponto de vista material, embora os Juizados Especiais Cíveis

apresentem um décimo do custo dos juízos comuns, hoje já respondem por um terço das

demandas cíveis. Importante apreciação, nesse ponto, é feita pelo Desembargador Araken

de Assis, em que conclui que o custo unitário de cada juízo do Rio Grande do Sul à

sociedade equivaleria a R$ 2.000.000,0073

, impondo-se assim um trabalho sensível no

sentido de investir naqueles serviços cuja eficiência e eficácia são maiores.

72 ANDRIGHI, Fátima Nancy e BENETI, Sidnei. Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Belo Horizonte:

Del Rey, 1996, p. 71.

73 “Por exemplo, a justiça do Rio Grande não pode ser maior que a economia do Rio Grande. E é possível

precisar seu custo à sociedade. Basta dividir o orçamento anual do Poder Judiciário gaúcho – previsto em R$

1.400.000.000,00 para o ano de 2006 – pelo número de juízos. A menção a „juízo‟ decorre da necessidade de

compreender no cálculo a infra-estrutura humana e material que cerca cada um dos magistrados. Feita a ope-

ração, não sem o risco de alguma simplificação do problema – o litígio, em si, e a demora em resolvê-lo

também provocam custos sociais digno de registro –, constatar-se-á que cada juízo custa à sociedade rio-

grandense a expressiva soma de R$ 2.000.000,00”. Duração razoável do processo e reformas da lei processu-

al civil. In: FUX, e (coord.). Processo e Constituição – estudos em homenagem ao Professor José Carlos

Barbosa Moreira. São Paulo: RT, 2006, p. 201.

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Releva salientar que a preocupação de melhor estruturação dos Juizados Especiais

Cíveis antes da instituição da exclusividade de sua competência nas causas que lhe são

próprias foi o mote da pesquisa desenvolvida pelo Centro Brasileiro de Estudos e

Pesquisas Judiciais – CEBEPEJ, no período compreendido entre dezembro de 2004 e

fevereiro de 2006, sob a supervisão de Kazuo Watanabe, valendo conferir as conclusões

por este apresentadas, que se resumem nos seguintes itens:

a) investimento na melhoria do recrutamento, qualificação, treinamento e

aperfeiçoamento permanente de conciliadores/mediadores;

b) investimento “corajoso” nas infra-estruturas material e pessoal;

c) os juizados já estão sobrecarregados de serviços em razão do desmedido aumento

de sua competência, sendo que muitas das causas que poderiam estar sob sua jurisdição são

canalizadas aos juízos comuns, em virtude do princípio da facultatividade, o que significa

que a mera alteração de preferência pode causar desequilíbrio aos Juizados Especiais,

impondo-se portanto adotar o princípio da obrigatoriedade do acesso, mediante prévia

avaliação da repercussão, ou reduzir-se a competência para níveis razoáveis;

d) muitos juizados não dispõem de juízes exclusivos, o que compromete a sua

organização adequada, cumprindo assim exista sempre um Juiz exclusivo, com formação

adequada, comprometimento e perfil para o Juizado Especial;

e) hoje em dia os Juizados Especiais são competentes pela execução de seus

julgados e pela execução de títulos executivos extrajudiciais, embora devesse apenas

responder pela execução de seus julgados para manter sua efetividade.74

3.3 – Da facultatividade da intervenção do advogado nas causas com va-

lor até vinte salários mínimos

74 BRASIL. Ministério da Justiça. Reforma do Judiciário Relatório da pesquisa Avaliação dos juizados es-

peciais cíveis, desenvolvida pelo Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais (CEBEPEJ). Disponível

na Internet em:

http://www.mj.gov.br/reforma/pdf/publicacoes/Diagnóstico%20dos%20Juizados%20Especiais.pdf. Acesso

em 28 de ago. de 2007.

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55

Segundo dispõe o art. 9º, da Lei 9.099/1995: “Nas causas de valor até vinte salários

mínimos, as partes comparecerão pessoalmente, podendo ser assistidas por advogado; nas

de valor superior, a assistência é obrigatória”.

Instituiu-se assim a condição de a parte demandar sem a assistência de advogado. A

capacidade postulatória, ou seja, a possibilidade de postular em juízo, é atribuída à própria

parte no Juizado Especial Cível, nas causas cujo valor não exceda vinte salários mínimos.

Tendo em vista o princípio da isonomia, também é dada ao réu a possibilidade de

contestar o pedido independentemente da assistência de um advogado. O tema ensejou

grande discussão, tendo em vista a consagração na Constituição Federal do princípio de

que o advogado é indispensável à Administração da Justiça.

Todavia, esse princípio comporta exceções, tanto assim que o próprio art. 36, do

Código de Processo Civil, contempla hipótese em que a parte pode postular em juízo sem

representação de advogado “no caso de falta de advogado no lugar ou recusa ou

impedimento dos que houver”, como aliás não poderia deixar de ser, tendo em conta que

do contrário resultaria inviabilizado o acesso a justiça, princípio cuja observância há de

prevalecer.

Trata-se de regra, pois, que não viola, nem o Estatuto da Advocacia (Lei

8.906/1994), nem o disposto no art. 133, da Constituição Federal75

, a qual consagra o

advogado como essencial à Administração da Justiça.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direita de

Inconstitucionalidade 1.127-8, entendeu que a parte final do inciso I do art. 1º da Lei

8.906/1994 Estatuto da Advocacia76

não estabelece restrição à capacidade postulatória da

própria parte, julgando prejudicado o pedido de supressão da expressão “juizados

especiais” no julgamento ocorrido em 17/05/200677

. Também, segundo noticia o Supremo

Tribunal Federal:

75 Art.

133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifes-

tações no exercício da profissão, nos limites da lei.

76 Art. 1º São atividades privativas da advocacia:

I – a postulação a (“qualquer” – declarado inconstitucional) órgão do Poder Judiciário e aos juizados especi-

ais;

77 Publicado no Diário da Justiça n. 100 - 26/05/2006 - ata n. 13 - relação de processos.

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56

“O Tribunal, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em

ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Conselho Federal da

OAB contra o art. 10 da Lei 10.259/2001 (Lei dos Juizados Especiais

Federais Cíveis e Criminais), que permite que as partes designem

representantes para a causa, advogado ou não. Entendeu-se que a

faculdade de constituir ou não advogado para representá-los em juízo

nas causas de competência dos Juizados Especiais Federais Cíveis não

ofende a Constituição, seja porque se trata de exceção à

indispensabilidade de advogado legitimamente estabelecida em lei, seja

porque o dispositivo visa ampliar o acesso à justiça”78

.

Dessa forma, não subsiste, do ponto de vista do Tribunal a quem compete a

uniformização da jurisprudência das normas constitucionais, qualquer controvérsia sobre a

constitucionalidade do disposto no art. 9º, da Lei 9.099/1995 e no art. 10, da Lei

10.259/2001, que permitem às partes postular sem assistência de advogado nos Juizados

Especiais.

Não fosse o bastante, como sustenta Ruy Rosado de Aguiar Júnior, em artigo de

revista em que sustenta a conveniência de aprovação de projeto de lei encaminhado pelo

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, para o reconhecimento da exclusividade da

competência dos Juizados Especiais Cíveis79

, a presteza na resposta dada pelos Juizados

Especiais, antes de prejudicar, beneficia a função dos advogados.

78 Informativo – Supremo Tribunal Federal. Disponível na Internet em:

http://noticias.stf.gov.br/noticias/informativos/anteriores/info430.asp. Acesso em 23 de ago. de 2007.

79 “Em primeiro lugar, a competência dos juizados cíveis deve ser admitida como sendo exclusiva, como

decorre do projeto de lei enviado pelo Tribunal de Justiça à Assembléia Legislativa. Em segundo, convém

elevar o valor de alçada para 60 salários mínimos. Esses dois enunciados já estão postos em prática na Justiça

Federal, cujos juizados especiais têm competência absoluta para julgamento das causas contra a União e suas

entidades, no valor de até 60 salários mínimos. Em terceiro, impende que as audiências simultâneas, realiza-

das com a presença de conciliadores e juízes leigos, sejam efetivamente presididas pelo juiz togado, que a

tudo deverá supervisionar, resolvendo os incidentes e desde logo proferindo a sentença. Em quarto, sejam os

juizados vistos como importante e decisivo fator para a boa prestação jurisdicional, com capacidade para

absorver grande número de causas massivas e lhes dar pronta resposta. Os juizados funcionam muito bem

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57

3.4 – Da atuação dos conciliadores e juízes leigos

A possibilidade de participação de auxiliares da justiça designados conciliadores e

juízes leigos deve ser recebida como extremamente valiosa ao bom funcionamento dos

Juizados Especiais Cíveis, seja por representar uma participação direta da sociedade na

atividade jurisdicional, seja por contribuir decisivamente para debelar a ingente carga de

trabalho que se abate sobre os Juizados Especiais Cíveis.

A Constituição Federal, no art. 98, inciso I, ao dispor sobre a criação dos Juizados

Especiais, já estabeleceu que seriam providos “por juízes togados, ou togados e leigos,

competentes para conciliação, o julgamento e a execução das causas cíveis de menor

complexidade”.

Na Lei nº 9.099/95, estabeleceu-se que:

Art. 7º - Os conciliadores e Juízes leigos são auxiliares da Justiça,

recrutados, os primeiros, preferentemente, entre os bacharéis em Direito,

e os segundos, entre advogados com mais de cinco anos de experiência.

Parágrafo único - Os Juízes leigos ficarão impedidos de exercer a

advocacia perante os Juizados Especiais, enquanto no desempenho de

suas funções.

No que concerne à atuação dos conciliadores, embora se estabeleça que,

preferentemente, devam ser recrutados entre bacharéis em Direito, não se justifica do

ponto de vista da natureza da função, a necessidade de que tenham completado a formação

acadêmica. Mesmo dispondo o 21, da Lei nº 9.099/95 que as partes devam ser esclarecidas

“sobre as vantagens da conciliação, mostrando-lhes os riscos e as conseqüências do

com 10% do custo da justiça ordinária; por isso, a sua estruturação será sempre uma providência mais reali-

zável do que qualquer outra. Para isso, seria feliz a iniciativa de restabelecer seu antigo Conselho de Supervi-

são. Em quinto, é preciso admitir que os juizados constituem eficaz instrumento para a solução dos interesses

das partes, auxiliam o Judiciário e em nada prejudicam os advogados, antes os beneficiam com a presteza da

resposta nas causas de sua competência, desafogo da Justiça comum e ampliação do mercado de trabalho”

(grifo do autor). AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Os juizados especiais cíveis. Síntese jornal, v. 8, n. 89,

p. 1-2, jul. 2004. Disponível na Internet em:

http://bdjur.stj.gov.br/dspace/bitstream/2011/589/1/Os_Juizados_Especiais_C%C3%ADveis.pdf. Acesso em

28 de ago. de 2007.

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litígio”, tal não induz a conclusão de que deverá o conciliador formação jurídico completa.

Tratando-se de demandas de menor complexidade, natural e até recomendável possa ser tal

atividade desempenhada por estudantes de Direito, não havendo qualquer impedimento

legal, já que a Lei dos Juizados estabelece apenas preferência aos bacharéis para o

exercício do cargo de conciliador.

Os conciliadores, apesar de não terem sido considerados, no art. 7º, § único, da Lei

nº 9.099/95 como impedidos a exercer a advocacia, segundo entendimento doutrinário e

jurisprudencial prevalentes apresentam também tal restrição. Inclusive, gerou grande

irresignação, decisão proferida pelo Conselho Federal da OAB, no Processo OE 031/95,

Ementa 07/99/COP, julgado de 17.5.1999, reputando a função de conciliador como

incompatível ao exercício da advocacia. Tal decisão, contudo, não prevaleceu

judicialmente. Conforme as observações críticas de Joel Dias Figueira Júnior:

“O Superior Tribunal de Justiça já firmou orientação para admitir a

inscrição de bacharel em Direito no órgão de classe, compatibilizando as

suas funções de conciliador com a de advogado, ressalvado o exercício

no próprio Juizado Especial. Em arremate, havemos de anoto que, mais

uma vez, o Conselho Federal, com a devida vênia, deixou de ser

coerente ao fixar a sua orientação a respeito dessa matéria, tendo em

vista desconsiderar o verdadeiro cerne da questão, que é a igualdade

legal respaldada no art. 7º da Lei 9.099/1995 entre o conciliador e juiz

leigo...”80

, já que relativamente a este não estabeleceu a mesma

incompatibilidade, repetindo apenas a norma legal que impõe o

impedimento para exercer a advocacia nos juizados da comarca em que

atua.

Há de se destacar ainda dois aspectos: a função de conciliação não se confunde,

entretanto, com mediação e, tratando-se de fase do procedimento judicial, há de ser quando

realizada por conciliador, assim como a instrução, supervisionada pelo Juiz Togado.

Cumpre separar, porque enseja grande confusão, a conciliação da mediação.

Enquanto a mediação busca restabelecer o diálogo entre as partes para que delas surjam as

alternativas e a escolha de soluções, sendo, portanto, meio de composição do litígio que

80 TOURINHO NETO, Fernando da Costa e FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Estaduais

Cíveis e Criminais. 5ª ed., revista, atual. e ampliada. São Paulo: RT, 2007, p. 167.

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não se dá no processo judicial e depende fundamentalmente da disposição das partes, a

conciliação objetiva a composição do litígio, mediante concessões mútuas, mas sob a

orientação do conciliador que exerce função de Autoridade. Como bem salienta

BACELLAR, citando ATHOS GUSMÃO: “Tanto maior será a probabilidade de êxito da

conciliação quanto maior é a autoridade da pessoa que a tenta”81

. Daí a importância da

supervisão do juiz togado também nessa fase, ou seja, da orientação ao conciliador, já que

sozinho não inspira a autoridade necessária para tornar mais efetivo o esforço conciliatório.

Quanto aos juízes leigos, a Lei dos Juizados Especiais estabelece que devam ser

escolhidos, também de forma preferencial, “entre advogados com mais de cinco anos de

experiência”, o que nem sempre se mostra possível, embora não suscite grande discussão.

O que, de fato, desperta acesa controvérsia diz respeito ao impedimento “para exercer a

advocacia perante os Juizados Especiais, enquanto no desempenho de suas funções”.

Embora não exerça o Juiz Leigo jurisdição, o fato de dirigir a instrução, nos termos

do que prevê o art. 37, da Lei nº 9.099/95 e de proferir decisão, que se constitui em

verdadeiro projeto de sentença a qual, nos termos do art. 40 do referido diploma legal,

depende apenas de mera homologação, para ser revestir da coerção própria da jurisdição,

acarreta-lhe o impedimento para desempenhar a advocacia nos juizados da Comarca em

que desempenha função auxiliar tão próxima da atividade jurisdicional.

Tal questão, inclusive, foi objeto de decisão em incidente de uniformização de

jurisprudência nas Turmas Recursais do Rio Grande do Sul, tendo sido estabelecido, em

sessão realizada no dia 28 de junho de 2006: “que é vedado aos juízes leigos atuarem como

advogados na mesma comarca onde exercem suas funções habituais, ainda que em

juizados distintos, sob pena de nulidade dos atos processuais praticados”82

.

Afora tal impedimento, não há de se cogitar da incompatibilidade do exercício da

advocacia com o desempenho das funções de juiz leigo.

81 BACELLAR, Roberto Portugal. Juizados Especiais – A nova mediação para processual. São Paulo: RT,

2004, p. 175.

82 BRASIL. Turmas Recursais do Juizado Especial Cível do Rio Grande do Sul. Excerto. Recurso Inominado

nº 71000831420. Luiz Reinaldo Franca Pinto, recorrente; Paulo Cesar Alves Marcondes, recorrido. Relator

Dr. Eugênio Facchini Neto. J. 28.06.2006. Capturado em 03 de ago. de 2006. Disponível na Internet em:

http://www.tj.rs.gov.br/site_php/consulta/download/exibe_documento.php?ano=2006&codigo=697092.

Acesso em 20 de ago. de 2007.

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60

Como esclarece FIGUEIRA JÚNIOR:

“O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil passou a

revisar a decisão anteriormente proferida na Proposição 4.062/1995 e,

finalmente, reitera a declaração do próprio texto insculpido na Lei n.

9.099/1995, qual seja, a inexistência de incompatibilidade entre o

exercício da advocacia e as funções de juiz leigo”83

.

Não resta a menor dúvida, hoje, que a participação desses auxiliares da Justiça é

imprescindível para que os Juizados Especiais Cíveis tenham condições de enfrentar a

demanda de feitos que ingressam atualmente. Normalmente as causas submetidas a

julgamento são de reduzida complexidade jurídica, sendo suficiente a sua resolução

elementares conhecimentos jurídicos e bom senso84

.

A atuação, especialmente dos juízes leigos, no entanto, gera também críticas, à

medida que a qualidade das decisões e da condução imprimida ao processo não seria igual

a de um magistrado profissional. Por isso não são raros os casos de anulações de feito, pela

supressão de provas indispensáveis à solução da controvérsia ou mesmo por deficiência ou

falta de fundamentação das decisões tomadas.

Todavia, tal objeção é facilmente superada quando há a efetiva supervisão do juiz

togado, pois como dispõe o art. 40 da Lei nº 9.099/95 “o Juiz leigo que tiver dirigido a

instrução proferirá sua decisão e imediatamente a submeterá ao Juiz togado, que poderá

homologá-la, proferir outra em substituição ou, antes de se manifestar, determinar a

realização de atos probatórios indispensáveis”. Uma vez sendo fielmente cumprida a

disposição legal, assumindo os magistrados a sua responsabilidade jurisdicional, não

subsistirá qualquer resistência à atuação dos juízes leigos.

83 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias e TOURINHO NETO, Fernando da Costa . Juizados Especiais Estaduais

Cíveis e Criminais, 5ª ed., revista, atual. e ampliada. São Paulo: RT, 2007, p. 164.

84 Como bem observa ALEXANDRE FREITAS CÂMARA: “Além de decidir os casos que lhes sejam sub-

metidos, os juízes leigos ajudariam, certamente (e ajudam onde já atuam), a desafogar os juízes togados,

cercados por todos os lados por processos que, na maioria das vezes, dirigem-se a um desfecho a que se che-

garia independentemente da presença do magistrado profissional”. CÂMARA, Alexandre Freitas. Juizados

Especiais Cíveis Estaduais e Federais – uma abordagem crítica. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris,

2004, p. 57.

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Outro fator importante de legitimação da atividade dos conciliadores, em especial

dos juízes leigos diz com a forma de seleção e recrutamento dos mesmos. Embora não haja

a necessidade de se submeterem a concurso público, até por que não integram o Poder

Judiciário, seja como membros, seja como servidores, há necessidade de regulamentar o

processo seletivo, mesmo que de forma mais flexível, todavia, exigindo que seja público e

transparente, a fim de que se possa prestigiar e conferir maior legitimidade àqueles que são

indicados a exercer atividade relevante como a de conciliar e auxiliar no julgamento das

causas dos Juizados Especiais Cíveis.

3.5 – Dos atos processuais e do sistema de nulidades no processo dos

Juizados Especiais Cíveis

Tendo-se em conta que o processo é um instrumento, de que se serve o Estado, para

exercer a jurisdição, ou seja, para que, decidindo uma demanda, possibilite que haja o

cumprimento das regras de Direito Material, como se espontaneamente houvesse ocorrido,

ou seja, como se o litígio não se houvesse instalado e não houvesse de ser resolvido pelo

Estado85

. E, considerando também, que o procedimento constitui-se na seqüência de atos

ordenados desse instrumento que é o processo, é de fundamental importância, pois,

verificar a forma exigida para tais atos processuais.

E, ao tratar-se da forma dos atos processuais, cumpre aludir ao “tempo, lugar e

modo” como são praticados no âmbito do Processo da Lei 9.099/1995.

85 “E isso porque o elemento material, com que trabalha o processo, é o direito litigioso, isto é, o direito ma-

terial afirmado como existente ou inexistente, do qual se pretende um pronunciamento judicial de conformi-

dade com o pedido e a causa de pedir. Encaminha bem o problema, portanto, a consciência de que uma clara

distinção entre processo e direito substancial corresponde a uma tendência formalística, enquanto o estabele-

cimento de uma ligação entre os dois campos aponta a um concepção antiformalística”. OLIVEIRA, Carlos

Alberto Alvaro. Do formalismo no processo civil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 202-203.

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3.5.1 – Do tempo dos atos processuais

Diferentemente do que ocorre no processo dos juízos comuns, prevê o art. 12, da

Lei 9.099/1995 que: “os atos processuais serão públicos e poderão realizar-se em horário

noturno, conforme dispuserem as normas de organização judiciária”. Tal disposição

possibilita que as audiências sejam realizadas no período noturno, depois do horário

estabelecido no Código de Processo Civil86

, para a prática dos atos processuais nos

procedimentos naquela Lei regulados.

Tal tipo de disposição permite, inclusive, que se instale postos dos Juizados, com

funcionamento permanente, em aeroportos como se veicula na imprensa87

para aplacar os

transtornos causados pela crise do Setor Aéreo.

Ainda, no que diz respeito ao tempo dos atos processuais praticados, há importante

questão a enfocar e que é alvo de alegação de inconstitucionalidade e diz respeito à

concentração da produção da prova na audiência de instrução e julgamento.

86 Art. 172. Os atos processuais realizar-se-ão em dias úteis, das 6 (seis) às 20 (vinte) horas. (Redação dada

pela Lei nº 8.952, de 1994)

87 “Um modelo para a criação e gestão dos juizados especiais emergenciais nos aeroportos brasileiros deve

estar pronto dentro de uma semana. [...]

Em um primeiro momento, serão criados juizados especiais nos aeroportos mais problemáticos, em Brasília,

São Paulo e Rio de Janeiro. O objetivo é resolver, com base na conciliação, conflitos entre passageiros e

companhias aéreas.

Segundo a ministra, os juizados poderão „amainar a situação de intranqüilidade nos aeroportos‟. Ellen Gracie

adiantou que „a idéia é que sejam resolvidas questões simples, singelas. Questões mais complexas serão tra-

tadas nos fóruns competentes‟.

Os juizados funcionarão em caráter provisório até que a crise aeroportuária se resolva, atuando em situações

já previstas em lei, como indenizações em caso de cancelamento ou atrasos nos vôos, overbooking e outros.

O ministro Gilson Dipp disse que „o Judiciário se soma ao Executivo e ao Legislativo para dispor de uma

prestação jurisdicional no sentido da conciliação, do desarmamento de espíritos, para que a paz volte a reinar

nos aeroportos mesmo que a crise não seja solucionada. As reclamações vão continuar, mas o tumulto e o

desassossego poderão ser mitigados‟. [...]”. Disponível na Internet em:

http://www.cnj.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=3201&Itemid=167. Acesso em 08 de

ago. 2007.

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Com efeito, segundo o disposto no art. 33, da Lei 9.099/1995: “todas as provas

serão produzidas na audiência de instrução e julgamento, ainda que não requeridas

previamente, podendo o Juiz limitar ou excluir as que considerar excessivas, impertinentes

ou protelatórias”.

Tal significa que, tanto o requerimento por parte do autor para realização da prova

(postulação), como o deferimento da realização da prova (decisão), e, assim, também a

produção efetiva (produção) da prova deferida, serão realizados na mesma audiência.

Controverte-se a respeito de eventual cerceamento de defesa, pelo fato de o réu ser

surpreendido pelos documentos apresentados pelo autor e também por tomar conhecimento

da identidade das testemunhas por aquele apresentadas apenas na audiência, na medida em

que, segundo o disposto no art. 34, da Lei dos Juizados Especiais Cíveis88

, a apresentação

de rol de testemunhas só será necessária se houver de ser a testemunha intimada por

Oficial de Justiça, hipótese em que se deverá respeitar a antecedência de cinco dias. Como

bem pondera Theotonio Negrão:

“a expressão „que as tenha arrolado‟ não corresponde à intenção da lei.

Em verdade, não há necessidade de arrolamento de testemunhas, salvo na

hipótese do § 1º, porque, de acordo com o art. 33, todas as provas se

produzem em audiência, „ainda que não requeridas previamente‟”89

.

Não há, a despeito da desnecessidade de prévio oferecimento de rol de testemunhas,

qualquer cerceamento de defesa em relação ao réu ou mesmo de cerceamento de prova,

relativamente ao autor, já que a faculdade de trazer testemunhas independentemente de

prévia intimação ao réu também se estende, sendo a faculdade a ambas as partes conferida.

88 Art. 34 - As testemunhas, até o máximo de três para cada parte, comparecerão à audiência de instrução e

julgamento levadas pela parte que as tenha arrolado, independentemente de intimação, ou mediante esta, se

assim for requerido.

§ 1º - O requerimento para intimação das testemunhas será apresentado à Secretaria no mínimo cinco dias

antes da audiência de instrução e julgamento.

§ 2º - Não comparecendo a testemunha intimada, o Juiz poderá determinar sua imediata condução, valendo-

se, se necessário, do concurso da força pública.

89 NEGRÃO, Theotonio e GOUVÊA, José Roberto Ferreira. Código de processo civil e legislação proces-

sual em vigor. 37. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 1.635.

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Ocorre, além disso, que, tanto os documentos das questões de menor complexidade

oportunizam a imediata impugnação da parte adversa, como também as testemunhas

arroladas, em situações singelas, também facilmente podem ser identificadas, ao efeito de

se sujeitarem a alguma alegação de impedimento ou suspeição. Aliás, mesmo quando

suspeitas ou impedidas, nada impede que o Juiz as inquira, atribuindo a seus depoimentos

o valor que possam merecer, como também autoriza o disposto no art. 405, § 4º, do Código

de Processo Civil.

3.5.2 – Do lugar dos atos processuais

Os atos processuais realizam-se, de ordinário, na sede do Juízo, tal como nos

procedimentos regulados no Código de Processo Civil (art. 176). Porém, assim como

autoriza o art. 222 do Código de Processo Civil, possível a citação de réu domiciliado em

outra comarca por intermédio do Correio, conforme autoriza a interpretação do disposto no

art. 18, inciso III, da Lei 9.099/199590

, que alude à citação por oficial de justiça

independentemente de carta precatória, mesmo que o réu resida em outra comarca.

Dessa forma, primeiro há de ser tentada a citação postal, frustrada a qual é possível

solicitar ao Juizado Especial da Comarca de residência do réu seja promovida a citação por

oficial de justiça, servindo qualquer meio idôneo de comunicação como forma hábil à

solicitação da prática de tal ato processual, sendo pois desnecessário expedir carta

precatória.

Da mesma maneira, e tendo em vista a regra do art. 13, § 2º, da Lei 9.099/199591

, é

possível solicitar a inquirição de testemunha residente em comarca diversa da do Juizado.

90 Art. 18 - A citação far-se-á:

I - por correspondência, com aviso de recebimento em mão própria;

II - tratando-se de pessoa jurídica ou firma individual, mediante entrega ao encarregado da recepção, que será

obrigatoriamente identificado;

III - sendo necessário, por oficial de justiça, independentemente de mandado ou carta precatória.

91 Art. 13 – [...]

§ 2º - A prática de atos processuais em outras comarcas poderá ser solicitada por qualquer meio idôneo de

comunicação.[...]

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Quanto a essa questão, embora a jurisprudência entenda não ser o Juiz obrigado à

inquirição de testemunha em outra comarca, existindo inclusive enunciado do FONAJE

(Forum Nacional dos Juizados Especiais) nesse sentido92

, não havendo condições conduzi-

la à sede do Juizado em que tramita o processo e sendo a testemunha essencial à apuração

dos fatos, deverá se garantir a sua inquirição, sob pena de vulneração das garantias do

contraditório e da ampla defesa. Nesse sentido:

“JUIZADOS ESPECIAIS. EXPEDIÇÃO DE PRECATÓRIA.

EXCEPCIONAL POSSIBILIDADE, QUANDO IMPRESCINDÍVEL

PARA GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. Conquanto ser

indevida, como regra, a expedição de carta precatória em sede de juizados

especiais, face à grade principiológica que preside tal sistema, em casos

excepcionais é admissível a ouvida de testemunhas por precatória. Caso

presente em que tal excepcionalidade está presente, tendo em vista que o

julgador que preside a instrução determinou a inversão do ônus da prova,

sendo que a testemunha essencial que poderá auxiliar a parte ré a se

desincumbir do ônus probatório que o juiz colocou sobre seus ombros

reside em outra cidade. Não sendo ela obrigada a se deslocar, é direito da

parte requerer sua inquirição na cidade onde ela reside, ainda mais que

residente em Porto Alegre, com endereço preciso e de fácil localização.

MANDADO DE SEGURANÇA CONCEDIDO. (Mandado de Segurança

Nº 71000800714, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais,

Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em 27/09/2005)”

“MANDADO DE SEGURANÇA. MEDIDA QUE VISA A

EXPEDIÇÃO DE CARTA PRECATÓRIA INQUIRITÓRIA DE

TESTEMUNHAS. EXCEPCIONALIDADE QUE SE JUSTIFICA, NA

HIPÓTESE, COMO FORMA DE GARANTIR O DEVIDO PROCESSO

LEGAL. Segurança concedida. (Mandado de Segurança Nº

92 Enunciado 33 - É dispensável a expedição de carta precatória nos Juizados Especiais Cíveis, cumprindo-se

os atos nas demais comarcas, mediante via postal, por ofício do Juiz, fax, telefone ou qualquer outro meio

idôneo de comunicação.

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71000998757, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais,

Relator: Ricardo Torres Hermann, Julgado em 29/03/2007)” 93

.

A questão relativa à prática de atos processuais em outras comarcas há de ser,

substancialmente, simplificada caso de fato haja condições de implantar nos Juizados

Especiais Cíveis Estaduais, de forma generalizada, o chamado “processo virtual”, ou seja,

o processo com autos eletrônicos, o que simplificaria em muito tarefas como a de simples

remessa de registros de inquirição de uma testemunha ou mesmo de um mandado de

citação ou intimação.

São inegáveis as virtudes do processo do Juizado Especial Cível, para que se realize

o projeto de informatização dos autos, conhecido popularmente pelo projeto de “processo

virtual”. Desenvolveu-se, no Rio Grande do Sul, na Comarca de São Sebastião do Caí, no

ano de 2001, uma experiência precursora nesse sentido, tendo sido alcançada a

virtualização dos autos ou o “e-filing” até a fase da audiência de instrução quando, pela

necessidade de apresentação de documentos e ante a dificuldade prática de digitalização

dos mesmos, eram transformados os documentos em papel. Embora tenha sido uma das

primeiras iniciativas no País, o projeto de tramitação eletrônica do processo dos Juizados

Especiais Cíveis no Estado do Rio Grande do Sul não avançou.

Paralelamente, foi desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça um projeto de

“processo virtual” para todo o Brasil.

O Sistema de “Processo Virtual”, segundo informação disponível no site do CNJ

(www.cnj.gov.br) “é totalmente WEB, voltado para utilização por parte dos Tribunais de

Justiça do judiciário brasileiro. Abrange os dois graus de jurisdição. Utiliza um antivírus e

faz uso de certificação digital na manipulação de documentos. É baseado nos softwares

Projudi (desenvolvido em Campina Grande-PB) e e-Proc (Rio Grande do Sul)”.

Nos processo com autos formados por arquivos digitalizados, toda a tramitação é

feita eletronicamente, por intranet e internet, facilitando e agilizando o trabalho de todos os

envolvidos - partes, advogados, promotores, magistrados - possibilitando mais

93 BRASIL. Turmas Recursais do Juizado Especial Cível do Rio Grande do Sul. Disponível na Internet em:

http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/index.php?PHPSESSID=75726217acfa591a8d578b07ed3a3ec2.

Acesso em 24 de ago. de 2007.

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transparência e agilidade, já que os processos podem ser acessados remotamente, de

qualquer local. Além disso, o “processo virtual” também permite economia e é mais

seguro. A tramitação eletrônica de processos foi regulamentada recentemente, com a

sanção, no dia 19 de dezembro de 2006, da Lei nº 11.419. Assim, deveriam os Juizados

Especiais Cíveis ser os primeiros a beneficiar-se desse tipo de tecnologia.

Inclusive, o Ministro Cesar Asfor Rocha noticia que, em cinco anos, todo o Poder

Judiciário haverá de contar com o processo com autos eletrônicos94

.

Na Justiça Federal do Rio Grande do Sul, há a tramitação eletrônica dos Processos

dos Juizados Especiais Cíveis, por intermédio do Sistema denominado “e-proc” que

permite o processamento do feito através de meios digitais, dispensando papel. Trata-se de

solução que já se mostra exitosa e inclusive serviu de inspiração para o desenvolvimento

da solução a ser implantada pelo Conselho Nacional de Justiça, denominada de

“Projudi”95

.

94 “Dentro de cinco anos, toda a Justiça brasileira deve usar o processo virtual. Este é o objetivo do Conselho

Nacional de Justiça, segundo o corregedor nacional de Justiça, ministro Cesar Asfor Rocha, que preside a

Comissão de Informatização do CNJ. O ministro participa, em Belo Horizonte (MG), nesta terça-feira

(07/08), do lançamento do sistema de processo virtual (Projudi) no Tribunal de Justiça do Estado. „Hoje o

TJMG, na linha das suas tradições, dá um passo de inovação muito grande, permitindo ainda mais rapidez e

segurança aos processos‟, disse o ministro”.

“O Tribunal de Justiça de Minas Gerais inaugurou nesta terça-feira a instalação do Projudi no Juizado Espe-

cial Cível que funciona na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. O sistema permite

a tramitação online, via internet, de processos judiciais, dispensando o papel. Ao longo de 2007, o CNJ deve

repassar ao TJMG 400 computadores e a mesma quantidade de digitalizadores. Já foram repassados até agora

ao Tribunal 32 computadores e 12 digitalizadores”.

“De acordo com o ministro, a disseminação do sistema de processo virtual se impõe em função do grande

número de processos que chegam à Justiça. „Isto decorre do fato de que a consciência de cidadania está cada

vez mais desenvolvida em cada brasileiro‟, avalia Asfor Rocha. O corregedor também disse que o processo

virtual é mais seguro que o processo em papel. „É mais fácil perder uma folha de papel que um documento

eletrônico‟, disse”. ROCHA, Cesar Asfor. Processo em papel tem data para acabar. Notícia do Sítio do

Conselho Nacional de Justiça. Online. Disponível na Internet:

http://www.cnj.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=3197&Itemid=167. Acesso em: 07

ago. 2007.

95 “O e-proc foi instituído pela Resolução nº 13, de 11 de março de 2004 da presidência do Egrégio Tribunal

Regional Federal da 4a Região, para permitir a tramitação de processos no Juizado Especial Federal Cível

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68

3.5.3 – Do modo dos atos processuais

O Processo da Lei 9.099/1995, ao dispor, no art. 13, “caput” que: “os atos

processuais serão válidos sempre que preencherem as finalidades para as quais forem

realizados, atendidos os critérios indicados no art. 2º desta Lei”, consagra

fundamentalmente o princípio da instrumentalidade do processo, pois privilegia o objetivo

final que é a resolução do conflito de interesses, ou seja, o conhecimento do mérito do

direito substancial buscado.

A simplificação de algumas formas orienta-se pelo princípio da “adaptabilidade”,

como propugna Dinamarco96

ou da “adaptação do procedimento”, que, como sustenta

Oliveira97

apresenta-se “sob o aspecto subjetivo, objetivo e teleológico”, os quais atuam

para conferir o “máximo de eficiência”.

Tal tipo de desiderato só será alcançado se de fato houver uma mudança de

mentalidade na forma de encarar o processo98

.

por meio totalmente eletrônico, visando a economia e celeridade na tramitação destas ações”. Online. Dispo-

nível na Internet: http://www.jfpr.gov.br/ninf/eproc.pdf. Acesso em: 10 set. 2007.

96 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 1993, p.

290.

97 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Do Formalismo no Processo Civil. 2ª ed.. São Paulo: Saraiva, 200, p.

116.

98 Segundo Carlos Alberto Alvaro de Oliveira: “A esse ângulo visual, não se trata, a nosso ver, tão-somente

de informalizar, deformalizar ou simplificar, mas de uma nova maneira de fazer justiça e distribuí-la, sem

estimular o conflito ou o seu prosseguimento (o que amiúde ocorre na justiça „normal‟). O desiderato funda-

mental consistiria na minimização e principalmente na humanização do litígio, de modo a restabelecer ou

estimular a pacífica coexistência entre os indivíduos do grupo social. [...].

Não se trata, bem entendido, da criação de uma justiça de primeira ou segunda classe, em relação à tradicio-

nal. O que se preconiza aqui é a instituição de uma justiça diferente. Ela só será de segunda classe se nela

prevalecer o espírito „profissional‟ dos juízes, decorrente das deformações da magistratura de carreira e da

formação de cunho positivista, marca indelével de uma preparação acadêmica cunhada com tal orientação e

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69

Nesse sentido, questão fundamental respeita à forma de citação das partes. Em

conformidade ao disposto no art. 18, inciso II, da Lei 9.099/1995, a pessoa jurídica de

direito privado considera-se citada, no âmbito do Juizado Especial Cível, mediante entrega

da carta de citação, enviada com aviso de recebimento de mão própria (ARMP) ao

encarregado da recepção, que será obrigatoriamente identificado. É evidente que tal

forma de citação reduz substancialmente a garantia formal prevista para a citação das

pessoas jurídicas no âmbito dos procedimentos regulados no Código de Processo Civil,

pois nesses exige-se que a citação da pessoa jurídica se dê na pessoa de seu representante

legal (art. 215), ou seja, na pessoa daquele designado em seus estatutos sociais (art. 12,

inciso VI); entretanto, tal se justifica, pois em relação às pessoas jurídica há de prevalecer

os valores da efetividade e celeridade em cotejo ao da maior segurança.

Relativamente à pessoa física, também, a jurisprudência vem entendo que se

considera válida a citação, com a entrega da carta de citação no endereço do réu, ainda que

não assinado por ele próprio, cabendo-lhe demonstrar que a carta não lhe chegou às mãos.

Nesse sentido dispõe o Enunciado 7 da Súmula das Turmas Recursais dos Rio Grande do

Sul, mencionando Chimenti (2004, p. 136-137) também entendimentos equivalentes dos

Estados de São Paulo, Bahia e Rio de Janeiro. Insta destacar igualmente o Enunciado 5 do

FONAJE, com o seguinte teor: “a correspondência ou contra-fé recebida no endereço da

parte é eficaz para efeito de citação, desde que identificado o seu recebedor”.

Ocorre que, neste caso, a presunção de ciência é efetivamente difícil de sustentar,

na medida em que não se verifica o critério diferenciador e o art. 18, inciso I, da Lei

9.099/1995, estabelece que:

“Art. 18 - A citação far-se-á:

I - por correspondência, com aviso de recebimento em mão

própria;

que parece ainda preponderar em nosso meio. A justiça „especial‟, compreenda-se, só preencherá sua finali-

dade se nela sobrepujar o espírito laico, internalizado na nova função e no novo papel esperado do juiz e de

conformidade com os princípios especiais que lhe traçam a conformação.

E à medida que a humanidade evoluir as duas justiças poderão aproximar seus métodos, embora integral

equalização não seja previsível ainda no horizonte. Utopia? Quem sabe!? Mas ao homem, apesar da verda-

deira crise moral e social que constitui marca indelével deste final de século, não deve ser retirado o direito

de sonhar”. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Garantia do Contraditório. In: TUCCI, José Rogério Cruz e

(coord.). Garantias Constitucionais do Processo Civil. São Paulo: RT, 1999, p. 131-132.

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70

[...] (grifo do autor)”.

Ora, estabelecendo, o legislador, como modo da prática do ato processual a

correspondência, cuja ciência pessoal é exigida (“aviso de recebimento de mão própria”) e

não havendo fator discriminante que justifique o tratamento diferenciado do destinatário do

ato processual – já que pessoa física, assim como o autor – não há como subsistir o

entendimento jurisprudencial.

O entendimento ora sustentado fundamenta-se, não só na pesquisa procedida na

presente monografia, como também é fruto de reflexão e de posição já externada, mesmo

que de maneira mais tópica, em alguns julgamentos99

, em que pese mais recentemente

tenha o autor, em respeito à ampla maioria dos integrantes das Turmas Recursais, aderido

ao entendimento da Súmula 7 das Turmas Recursais Gaúchas.

Não resta a menor dúvida de que o modo de praticar o ato, neste caso, não se revela

como formalismo estéril, mas representa sim a garantia de efetiva comunicação da

instauração do processo, o que imprescindível para a efetiva participação e para assegurar

o devido processo legal e o contraditório.

“Adverte Trocker, considerando a estreita relação entre

„notificazione‟ e contraditório, que é necessário garantir que a

efetividade do segundo não seja prejudicada pela inadequação e

99 NULIDADE DA CITAÇÃO. A CITAÇÃO DE PESSOA FÍSICA DEVE SER FEITA PESSOALMENTE, JÁ

QUE O ART. 18, I, DA LEI Nº 9.099/95, EXIGE AVISO DE RECEBIMENTO EM MÃO PRÓPRIA PARA A

CORRESPONDÊNCIA ENVIADA. Recurso a que se dá provimento, para anular o feito desde a citação. (Re-

curso Cível Nº 71000502559, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Ricardo Torres

Hermann, Julgado em 08/04/2004);

EMBARGOS À EXECUÇÃO DE SENTENÇA. NULIDADE DA CITAÇÃO. MATÉRIA PASSÍVEL DE DEDU-

ÇÃO, FORTE NO ART. 741, I, DO CPC. No âmbito dos juizados especiais, a citação da pessoa física por

carta AR, desde que entregue no endereço do citando, presume-se tenha chegado às suas mãos, nos termos

da Súmula 07 das Turmas Recursais Cíveis. Embargante que logrou elidir, mediante prova contundente em

sentido contrário, tal presunção, demonstrando que, à época do recebimento da carta citatória pelo porteiro

do prédio, não mais residia naquele endereço. RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO, PARA ANULAR O

PROCESSO DE CONHECIMENTO DESDE A CITAÇÃO. (Recurso Cível Nº 71000987008, Terceira Turma

Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Ricardo Torres Hermann, Julgado em 14/11/2006)

BRASIL. Turmas Recursais do Juizado Especial Cível do Rio Grande do Sul. Disponível na Internet em:

http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/index.php?PHPSESSID=75726217acfa591a8d578b07ed3a3ec2.

Acesso em 24 de ago. de 2007.

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71

ineficiência dos modos de execução da primeira: trata-se, segundo

o jurista italiano, de assegurar a concreta idoneidade do rito

notificatório a produzir o efeito conhecimento no sujeito

interessado. A interpretação das normas relacionadas com o

contraditório tem exigido muito da Corto Constitucional italiana.

Vicenzo Vigoritti lembra que a Corte, frisando que a finalidade da

comunicação é o conhecimento real, já deixou estabelecido que o

princípio constitucional não é respeitado quando, embora sendo

possível adotar uma forma de „notificazione‟ capaz de colocar o

conteúdo do ato na efetiva esfera de conhecimento do destinatário,

é feito recurso a uma forma de notificação da qual derive apenas

uma presunção legal de conhecimento”100

O problema é que, na situação sob análise, sequer presunção legal há, de vez que a

interpretação é feita jurisprudencialmente, a partir da permissão legal de considerar citada

a pessoa jurídica, por intermédio da comunicação entregue ao encarregado da recepção.

Ora, no caso da citação da pessoa física, a ponderação dos próprios princípios informativos

do processo do Juizado Especial Cível comprometem a conclusão consubstanciada no teor

da Súmula 7 das Turmas Recursais Gaúchas101

, pois a economia processual resta vulnerada

quando há a necessidade de repetir atos processuais inválidos pela nulidade da citação,

colidindo assim com os princípios da celeridade e informalidade que poderiam inspirar o

entendimento sumulado. Nesse sentido, não há como reconhecer a validade da citação pela

simples entrega da carta no endereço de seu destinatário102

.

100 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil V. 2 – Processo de

conhecimento. 6ªed. rev., atual. e ampl.. São Paulo: RT, 2006, p. 412.

101 CITAÇÃO: ENTREGA DO "AR". – É válida a citação de pessoa física com a entrega do "AR" no ende-

reço do citando, ainda que não assinado por ele próprio, cabendo-lhe demonstrar que a carta não lhe chegou

às mãos.

102 Nesse sentido, as conclusões apresentadas por Marco Aurélio Martins Rocha: “a) A lei determina que o

ato seja realizado através de uma forma (aviso de recebimento em mão própria). b) Os princípios da celerida-

de e da informalidade dependem de possibilidade fática e possibilidade jurídica para sua satisfação. c) Os

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3.6 - Do sistema recursal dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais

O sistema recursal dos juizados especiais cíveis é propositalmente simplificado,

sendo, o único recurso de mérito previsto na Lei 9.099/1995 (art. 41, §1º), dirigido ao

próprio Juizado e tendo competência para o seu julgamento Turma composta por três

Juízes togados, ou seja, embora instituindo dupla instância de julgamento de mérito, não

institui a Lei dos Juizados Especiais Cíveis “duplo grau” de jurisdição.

Vale ressalvar, entretanto, que, além do recurso contra a sentença de mérito, previu

ainda a Lei 9.099/1995, os embargos de declaração (art. 48), sendo também cabível o

recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal e, como sucedâneo de recurso, o

mandado de segurança às próprias turmas recursais, relativamente às decisões

interlocutórias que violem direito líquido e certo não protegido por habeas corpus (cujo

cabimento também é reconhecido no âmbito das Turmas Recursais).

Em razão da falta de previsão na Lei do Juizado Especial Cível de recurso a um

grau de jurisdição superior, diversos doutrinadores afirmam que, do ponto de vista de um

conceito específico do duplo grau de jurisdição, não observaria o processo do Juizado

Especial Cível tal garantia103

104

105

.

princípios são suscetíveis de ponderação e existem princípio, na situação em apreço, opostos e de maior „for-

ça‟ jurídica já que representam direitos e garantias fundamentais. d) Não pode o réu ser submetido a produzir

prova negativa. e) A não observância dos princípios da ampla defesa e do contraditório só depõe contra todos

os demais princípios informadores do procedimento no Juizado Especial, principalmente a economia proces-

sual. f) A citação, portanto, somente dirigida para o endereço do réu, sem que o próprio destinatário a tenha

recebido, não se presta ao fim almejado”. Considerações acerca da citação por carta da pessoa natural no

juizado especial cível. Revista dos Juizados Especiais: doutrina – jurisprudência TJRS. V. 3, nº 15, p.

32-37, dez. 1995.

103 Canotilho ressalta que: “Por duplo grau de jurisdição (cfr. Supra) entende-se, no seu sentido mais restrito,

a possibilidade de obter o reexame de uma decisão jurisdicional, em sede de mérito, por um outro juiz per-

tencente a um grau de jurisdição superior („instância de segundo grau‟). Direito Constitucional e Teoria da

Constituição. 2ª ed. Coimbra – Portugal: Almeidina, 1998, p. 583.

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Em que pese o recurso não tenha a designação de apelação (conquanto a ele dêem

esse nome FIGUEIRA JÚNIOR, 2006, p. 289 e ALEXANDRE CÂMARA, 2004, p. 141)

ou mesmo que não se dirija a um segundo grau de jurisdição, a verdade é que de fato

assegura-se o princípio do duplo juízo sobre o mérito, o que se entende suficiente para

assegurar o princípio do duplo grau de jurisdição. Com efeito, afastando-se a ultrapassada

ideologia da necessidade de revisão das decisões judiciais por instância de julgamento

hierarquicamente superiora, é evidente que o sistema instituído pela Lei dos Juizados

Especiais Cíveis cumpre o seu papel de permitir a revisão da decisão judicial por um

segundo juízo, a fim de aperfeiçoar a prestação jurisdicional e garantir ao jurisdicionado o

direito de recorrer106

.

104 “Compete ao legislador infraconstitucional tornar efetiva aquela regra maior da Constituição Federal, de

sorte a imprimir operatividade ao princípio do duplo grau. Aí a razão pela qual existem algumas leis que

restringem o cabimento de recursos, não devendo, contudo, ser consideradas inconstitucionais. É o caso, por

exemplo, da Lei de Execução Fiscal, que não admite apelação quando o valor da causa for inferior a 50

OTNs (LEF 34 caput), e também da Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais (Lei 9.099/95 – LJE), que

estipula o cabimento de „recurso‟ contra a sentença do juiz singular para o próprio Juizado, agora com com-

posição diversa (três juízes de primeiro grau), sem, todavia, falar em apelação para o segundo grau de jurisdi-

ção (LJE 41)”. NERY JÚNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 6ª ed. São Paulo: 2004, p. 42-43.

105 “Acreditamos, na esteira de BARBOSA MOREIRA, MOACYR AMARAL DOS SANTOS e ROGÉRIO

LAURIA TUCCI, que o simples reexame da causa não permite concluir pela existência do duplo grau de

jurisdição, sendo imprescindível que a segunda análise seja feita por um órgão de hierarquia superior”. To-

davia, ressalva: “A previsão da existência de recursos que permitam o reexame da matéria pelo mesmo órgão

prolator da decisão recorrida já satisfaz integralmente a compreensão exata da „ampla defesa‟”.

CHEIM JORGE, Flávio. Teoria Geral dos Recursos Cíveis. 3ª ed. São Paulo: 2007, p. 171 e 30.

106 “Todavia, inserido no contexto da necessidade de se buscar a efetividade do processo através da celerida-

de do procedimento, a legislação pátria desconstruiu a idéia da revisão tão-somente por um órgão de grau

superior, nesse sentido Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (2006, p. 505, grifo dos autores)

chegando a propor uma nova definição:

Na perspectiva do princípio do duplo grau, toda sentença, em princípio, deveria ser revista por um

órgão de grau superior. Entretanto, desejando-se minimizar a demora inerente a esse procedimento, entendeu-

se que a sentença impugnada poderia ser revista pelo mesmo juiz que proferiu a decisão impugnada (embar-

gos infringentes previstos no art.34 da Lei 6.830/80-Lei da Execução Fiscal) ou por juizes do mesmo grau de

jurisdição daquele que proferiu a sentença (recurso para a Turma Recursal composta por juizes em exercício

no primeiro grau de jurisdição; art.41, § 1°, da Lei 9.099/95 - Lei dos Juizados Especiais). Portanto, nessa

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74

Assim, num sentido mais amplo do conceito do princípio de duplo grau de

jurisdição, resta claro que o sistema recursal dos Juizados Especiais Cíveis assegura tal

garantia.

Eduardo Cambi, nesse sentido, acentua:

“Quanto aos recursos, a Lei 9.099/95 não abandonou a garantia do duplo

grau de jurisdição, prevendo, de modo acertado, meios de impugnação e

controle das decisões judiciais.

Entretanto, essa garantia foi mitigada, no âmbito dos Juizados Especiais,

não seguindo os mesmos moldes do CPC, já que a Lei 9.099/95 não

contemplou, por exemplo, o cabimento do agravo contra decisões

interlocutórias, nem os embargos infringentes, para rever as decisões não

unânimes da turma recursal.

Admitiu recurso, apenas, para o controle da sentença (art. 41 da Lei

9.099/95) e para a integração ou para a elucidação, mediante embargos

de declaração (art. 48 da Lei 9.099/95), da sentença ou do acórdão,

quando houver obscuridade, contradição, omissão ou dúvida”107

.

No mesmo sentido menciona Ricardo Cunha Chimenti:

linha, o denominado duplo grau de jurisdição poderia ser melhor redefinido como um duplo juízo sobre o

mérito.

Nesta esteira, similarmente, Antônio Carlos de Araújo Cintra, Cândido Rangel Dinamarco e Ada

Pelegrini Grinover ao comentarem sobre o princípio do duplo grau de jurisdição (2005, p. 78, grifo nosso):

A sistemática adotada na Lei dos Juizados Especiais foi muito bem sucedida, a ponto de vir a ser

consagrada no texto constitucional de 1988(art.98, inc. I). Com isso fica resguardado o duplo grau, que não

deve necessariamente ser desempenhado por órgãos da denominada „jurisdição superior‟”. In SILVA NE-

TO, Djalma Andrade da. A aplicabilidade do duplo grau de jurisdição em face à necessária efetividade do

processo . Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1447, 18 jun. 2007. Disponível em:

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10032. Acesso em: 29 ago. 2007.

107 CAMBI, Eduardo. Uniformização das questões de direito nos juizados especiais cíveis estaduais e fede-

rais: a criação do recurso de divergência. In: NERY JUNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim

(coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis. São Paulo: RT, 2002, p. 170.

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“Ada Pellegrini Grinover leciona: „O princípio do duplo grau, que

a nosso ver é de índole constitucional, indica a possibilidade

revisão, por via recursal, das causas já julgadas pelo juiz.

Entendemos que o princípio se satisfaz pelo controle interno

exercido por outros órgãos do Poder Judiciário, diversos do órgão

a quo”108

.

Como se vê, há o atendimento à garantia constitucional, pois o duplo grau exige

apenas o duplo grau sobre o exame de mérito, o que é feito por Turma Recursal que,

embora integrante do Sistema dos Juizados Especiais, tem composição e funcionamento

equivalente a de uma instância superior.

As Turmas Recursais, inclusive, em julgamentos perante o Supremo Tribunal

Federal são consideradas órgãos de “Segundo Grau”109

, embora, como visto, a doutrina

quanto a isso ainda tergiverse. Todavia, como não se constituem em Tribunal, das decisões

pelas Turmas Recursais proferidas, não cabe o Recurso Especial, interpretação essa

inclusive sumulada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça: Enunciado 203 – “Não cabe

recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados

Especiais".

A complementar tal entendimento, o Enunciado 62 do Fórum Nacional dos

Juizados Especiais (FONAJE) estabelece: “Cabe exclusivamente às Turmas Recursais

conhecer e julgar o mandado de segurança e o habeas corpus impetrados em face de atos

judiciais oriundos dos Juizados Especiais”. E o Enunciado 63 do FONAJE, assim dispõe:

108 CHIMENTI, Ricardo Cunha. Teoria e Prática dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais. 7ª

ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 212.

109 AGRAVO REGIMENTAL. INADMISSIBILIDADE DE RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO DE

DECISÃO PROLATADA POR ÓRGÃO DE SEGUNDO GRAU DOS JUIZADOS ESPECIAIS. Não cabe

recurso extraordinário para rever os requisitos de admissibilidade de recurso especial cujo seguimento foi

negado pelo Superior Tribunal de Justiça. Agravo regimental a que se nega provimento. 109

BRASIL. Su-

premo Tribunal Federal. AI-AgR 520351/ SP. Jb Import Importação e Exportação Ltda ., agravante; Milton

Domingues de Oliveira , agravado. Relator: Min. JOAQUIM BARBOSA. J.: 08/08/2006. Órgão Julgador:

Segunda Turma. Disponível na Internet em: http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/nova/pesquisa.asp. Acesso

em 20 de ago. de 2007.

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“Contra decisões das Turmas Recursais são cabíveis somente os embargos declaratórios e

o Recurso Extraordinário".

Esclareceu-se, ainda, no último FONAJE, por intermédio do Enunciado 124 que:

“Das decisões proferidas pelas Turmas Recursais em mandado de segurança não cabe

recurso ordinário”.

Como visto, pois, além de assegurar-se a garantia do duplo grau de jurisdição, em

observância aos princípios da celeridade, informalidade e economia processual, o

cabimento de recursos no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis é, felizmente, restrito, o

que não representa qualquer restrição ao princípio da ampla defesa.

3.6.1 – Da sentença confirmada por seus próprios fundamentos

Ainda, no que tange ao sistema recursal, insta examinar a possibilidade de o

acórdão dispensar fundamentação extravagante quando confirme a sentença por seus

próprios fundamentos. Nesses termos, estabelece o art. 46, da Lei 9.099/1995 o seguinte:

“O julgamento em segunda instância constará apenas da ata, com a indicação suficiente do

processo, fundamentação sucinta e parte dispositiva. Se a sentença for confirmada pelos

próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão”.

E, de fato, fundada em tal disposição normativa, tem sido dispensada, em diversos

acórdãos das Turmas Recursais, a fundamentação da rejeição dos argumentos deduzidos

nos recursos, limitando-se a enunciar na ementa os tópicos enfocados. Procede-se dessa

forma, por entender-se que as razões recursais não suplantariam a fundamentação já

explicitada na sentença e ainda, porque a sentença confirmada por seus próprios

fundamentos autorizaria a rejeição oral das alegações da parte, não havendo razão para

consignar por escrito no acórdão a rejeição de todos os seus argumentos.

Tal procedimento, vale ressaltar, é alvo de questionamentos, invocando-se para

tanto a inconstitucionalidade de tal dispositivo, em face dos princípios da necessidade de

fundamentação das decisões judiciais (art. 93, inciso IX, da CF), bem como do devido

processo legal (art. 5º, inciso LV, da CF) e do acesso à prestação jurisdicional, ou seja, da

inafastabilidade do controle jurisdicional contemplado no art. 5º, inciso XXXV, da Carta

Magna.

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Tais argumentos, entretanto, não encontraram ressonância no Supremo Tribunal

Federal, corte a quem incumbe a uniformização da interpretação constitucional da

legislação federal. De acordo com os acórdãos da Suprema Corte:

“SENTENÇA: EXIGÊNCIA CONSTITUCIONAL DE

FUNDAMENTAÇÃO: INTELIGÊNCIA.

O que a Constituição exige, no art. 93, IX, é que a decisão judicial seja

fundamentada; não, que a fundamentação seja correta, na solução das

questões de fato ou de direito da lide: declinadas no julgado as premissas,

corretamente assentadas ou não, mas coerentes com o dispositivo do

acórdão, está satisfeita a exigência constitucional”110

.

“A alegação de nulidade do acórdão por falta de fundamentação não se

justifica. Observa-se, da leitura da Súmula, que a Turma Recursal valeu-

se dos fundamentos expendidos na própria sentença para a sua

manutenção, procedimento disciplinado pelo art. 46 da Lei n. 9.099/95,

que autoriza aos Juizados Especiais adotar como acórdão a súmula

resultante do julgamento no qual a sentença tenha sido confirmada pelos

seus próprios fundamentos (AI 577.444-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes,

Segunda Turma, DJ 29.9.2006; e AI 480.160, Rel. Min. Marco Aurélio,

DJ 6.2.2006). Ademais, o art. 93, inc. IX, da Constituição da República

não exige que órgão judicante se manifeste sobre todos os argumentos de

defesa apresentados pelo então recorrente, mas que fundamente as razões

que entendeu suficientes à formação de seu convencimento (RE 463.139-

AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJ 3.2.2006; e RE

181.039- AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, Primeira Turma, DJ

18.5.2001)”111

.

110 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ementa. Recurso Extraordinário n. 140.370/MG. Guido Laine e

Cônjuge, Recorrentes; Fernando Gonçalves de Souza e outros, Recorridos. Relator Min. Sepúlveda Pertence.

J. 20.04.1993. DJU 21.05.1993, p. 09768.

111 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Excerto do Acórdão. Agravo Regimental em Agravo de Instrumento

n. 601595 / RJ. Viação Cidade do Aço Ltda., Agravante; Fernando José Barbosa de Oliveira e outros, Agra-

vados. Relator Min. Carmen Lúcia. J. 31.05.2007. DJU 29.06.2007, p. 00042.

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Releva salientar que a matéria não só é pacífica no âmbito do Supremo Tribunal

Federal quanto à possibilidade de a fundamentação do acórdão das Turmas Recursais dos

Juizados Especiais Cíveis dispensarem a fundamentação do acórdão que remete à sentença,

com base na norma do art. 46, da Lei 9.099/1995, como também a interpretação sobre a

constitucionalidade de tal regra vem sendo aplicada como paradigma quando da apreciação

de disposição semelhante, como o é o disposto no art. 103, §3º, do Regimento Interno do

Conselho Nacional de Justiça112

, merecendo reprodução o voto do Ministro Sepúlveda

Pertence no Julgamento do Agravo Regimental no Mandado de Segurança n. 25.879/DF:

“Não é o recurso de agravo regimental o meio processual idôneo para

suscitar omissões do julgado. Certo, ainda, que os pontos levantados pela

impetrante não interferem no resultado da decisão. Ademais, conforme

bem ressaltou a Procuradoria-Geral da República quanto ao único tópico

da decisão agravada impugnado – a alegada falta de fundamentação da

decisão do CNJ:

„(...) A inexistência de acórdão não significa que a decisão do Plenário

carece de fundamentação, mas, tão-somente, que adotou as razões da

decisão proferida pelo Presidente, pelo Ministro-Corregedor ou pelo

Relator, a depender das circunstâncias.

8. Saliente-se que a norma regimental, em epígrafe, se assemelha ao

disposto pelo artigo 46 da Lei nº 9.099/95, que cuida dos Juizados

Especiais Cíveis e Criminais. Este, ao tratar do julgamento em segundo

grau, reza: „Art. 46. O julgamento em segunda instância constará apenas

da ata, com a indicação suficiente do processo, fundamentação sucinta e

parte dispositiva. Se a sentença for confirmada pelos próprios

fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão.‟

9. O Supremo Tribunal Federal, reiteradamente, vem aplicando este

preceito, corroborando sua constitucionalidade (...)‟.

112 Art. 103. A parte ou o interessado que se considerar prejudicado por decisão do Presidente, do Ministro-

Corregedor ou do Relator poderá, no prazo de dez dias, contados da sua intimação, interpor recurso adminis-

trativo, a fim de que o Plenário conheça da decisão, confirmando-a ou reformando-a.

(...)

§ 3º Relatará o recurso administrativo o prolator da decisão recorrida, com voto, ficando dispensada a lavra-

tura de acórdão quando o Plenário mantiver o pronunciamento.

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Correto o parecer, nego provimento ao agravo: é o meu voto”. 113

Dessa forma, não há como deixar de reconhecer a constitucionalidade de tal

disposição legal, cumprindo, no entanto, ressalvar que, não contendo a sentença toda a

fundamentação suficiente para rejeitar as alegações do recurso, impossível será empregar a

regra da confirmação pelos próprios fundamentos, devendo-se neste caso, ao menos

relativamente à análise dos argumentos que não encontram resposta na fundamentação de

primeiro grau, complementar-se a fundamentação no acórdão da Turma Recursal.

3.7 – Da uniformização de jurisprudência nos Juizados Especiais Cíveis

Estaduais

É inegável que, conquanto se busque prestigiar o princípio da celeridade,

simplificando assim, no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais, o sistema recursal

que, em princípio, contempla recurso único contra a sentença de mérito, como disposto no

art. 41 da Lei 9.099/1995, há possibilidade de as turmas recursais atribuírem interpretação

divergente, principalmente, em relação à legislação federal, o que é fonte de insegurança

jurídica.

Releva salientar que, apesar da simplificação do sistema recursal dos Juizados,

admissível a interposição de recurso extraordinário para a uniformização da legislação

constitucional, restando, pois, apenas em discussão a uniformização relativa à Lei Federal.

A análise da necessidade de uniformização de interpretação entre Turmas Recursais

está ligada fundamentalmente ao Princípio da Segurança Jurídica, ou seja, a uma

preocupação de que situações jurídicas equivalentes não venham a receber tratamentos

díspares em Turmas Recursais de diferentes Estados da Federação e muito menos nas

Turmas Recursais existentes no próprio Estado, a causar descrédito, instabilidade e

incerteza nas relações sociais.

113 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão. Agravo Regimental em Mandado de Segurança n.

25.879/DF. Alcinete Nascimento de Souza., Agravante; Conselho Nacional de Justiça, Agravado. Relator

Min. Sepúlveda Pertence. J. 23.08.2006. DJU 08.09.2006, p. 00034.

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Como bem acentua Eduardo Cambi:

“O projeto, que desencadeou a Lei 9.099/95, também previa, no

art. 47, um recurso de divergência, nos seguintes termos: „A lei

local poderá instituir recurso de divergência desse julgamento ao

Tribunal de Alçada, onde houver, ou ao Tribunal de Justiça, sem

efeito suspensivo, cabível quando houver divergência com a

jurisprudência do próprio Tribunal ou de outra turma de Juízes, ou

quando o valor do pedido julgado improcedente ou da condenação

for superior a vinte salários mínimos‟”114

.

Tendo sido felizmente vetado o referido artigo 47 da Lei 9.099/1995, pois não só

instituía a uniformização de interpretação, como também criava novo recurso

relativamente às condenações em valores superiores a vinte (20) salários mínimos, restou

uma lacuna no que tange à uniformização da jurisprudência.

A lacuna deixada está, deveras, a merecer preenchimento através de reforma

legislativa, a fim de evitar a chamada “jurisprudência lotérica”, motivo de desprestígio aos

Juizados Especiais Estaduais.

No âmbito estadual, entretanto, por aplicação analógica do disposto no art. 476 do

Código de Processo Civil, é possível preencher a lacuna legal e, ao menos no Estado do

Rio Grande do Sul, tem sido feita, por intermédio do incidente de Uniformização de

Jurisprudência, cuja regulação encontra-se estabelecida no Regimento Interno das Turmas

Recursais dos Rio Grande do Sul115

.

114 CAMBI, Eduardo. Uniformização das questões de direito nos juizados especiais cíveis estaduais e fede-

rais: a criação do recurso de divergência. In: NERY JUNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim

(coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis. São Paulo: RT, 2002, p. 169 e ss..

115 Art. 19 Ocorrendo relevante questão de direito que, pela sua recorrência, indique a conveniência de se

prevenir ou compor divergência entre as turmas recursais cíveis, poderá o relator propor seja o recurso ou a

ação julgada por colegiado composto pelos integrantes de todas as turmas recursais cíveis; reconhecendo o

interesse público na assunção de competência, esse colegiado julgará o recurso.

Parágrafo único - quando a decisão for tomada pela maioria qualificada de dois terços (2/3), o órgão julga-

dor poderá editar enunciado sobre a matéria, que será publicado no órgão oficial e passará a integrar a súmula

da jurisprudência predominante das turmas recursais. O mesmo quorum será exigido para a hipótese de can-

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Notícia recentemente divulgada em jornal eletrônico da Câmara dos Deputados

Federais, a Comissão de Constituição Justiça e de Cidadania da Câmara aprovou, em

caráter conclusivo, o Projeto de Lei 4723/2004, do Poder Executivo, que introduz a

uniformização de jurisprudência nos Juizados Especiais Estaduais quando houver

divergência entre decisões sobre questões de direito material, proferidas por Turmas

Recursais, tendo o projeto sido encaminhado para análise no Senado116

.

Conferiu-se ao que se designou, no Projeto de Lei 4723/2004, pedido de

uniformização de lei, natureza jurídica de recurso, e não de mero incidente de

uniformização de jurisprudência, já que o caráter é corretivo e não preventivo como ocorre

no incidente de uniformização, provocado previamente ao julgamento originário.

Ao invés de suscitado pelo Juiz (Relator) no julgamento do recurso, como mero

incidente, o pedido de uniformização de interpretação há de ser interposto pela parte,

portanto, com natureza jurídica de recurso.

A competência para o julgamento do pedido de uniformização de interpretação

distingue-se do incidente de uniformização de jurisprudência, pois, quando se tratar de

“pedido fundado em divergência entre Turmas do mesmo Estado será julgado em reunião

conjunta das Turmas em conflito, sob a presidência de desembargador indicado pelo

Tribunal de Justiça”, na forma do disposto no art. 1º do Projeto de Lei, que institui o art.

50-A, § 1º, na Lei 9.099/1995.

Ocorre ainda que, “quando as turmas de diferentes Estados derem a lei federal

interpretações divergentes ou quando a decisão proferida estiver em contrariedade com

súmula ou jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o pedido será por este julgado”,

conforme dispõe o art. 50-A, § 2º, do Projeto em comento.

O Projeto de Lei estabelece também a competência do Superior Tribunal de Justiça

para apreciar pedido de uniformização “quando a orientação acolhida pelas Turmas de

uniformização de que trata o § 1º do art. 50-A desta Lei contrariar súmula ou

jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça” (Art. 50-B do Projeto de Lei

celamento ou revisão do enunciado. Disponível na Internet em: http://www.tj.rs.gov.br. Acesso em 22 de

ago. de 2007.

116 Jornal da Câmara. Brasília, segunda-feira, 27 de novembro de 2006 - Ano 8 Nº 1742. Disponível em:

http://www2.camara.gov.br/jornal. Acesso em 22 de ago. de 2007.

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4723/2004), estabelecendo ainda, no parágrafo primeiro do mesmo dispositivo, que

questões idênticas ficariam retidas, aguardando pronunciamento daquele Tribunal

Superior, podendo inclusive, de acordo como parágrafo segundo, o relator suspender o

andamento desses feitos. Por fim, estabelece o Projeto, no Art. 50-D, que o recurso

extraordinário, para os efeitos desta Lei, seria processado e julgado segundo o estabelecido

no art. 50-B, ou seja, com a possibilidade de suspensão de retenção de julgamento de feitos

em que discutida a mesma questão.

Quanto ao prazo para interposição do pedido de uniformização de interpretação,

como a esse respeito omitiu-se o Projeto de Lei 4.723/2004, entende a Ministra Fátima

Nancy Andrighi que “ele será de cinco dias da publicação da decisão proferida pelas

Turmas Recursais (ou pelas Turmas de Uniformização), por aplicação analógica do art.

185 do CPC, conforme permite o art. 4º da LICC (Dec.-lei 4.657/1942)”117

.

Embora adequado o remédio, a dose encontrada afigura-se exagerada, pois a

uniformização de jurisprudência haveria de ser feita, não pelo Superior Tribunal de Justiça,

que já se encontra abarrotado de recursos especiais e das demais atribuições que lhe são

cometidas, mas sim por Turma Nacional de Uniformização, nos mesmos moldes da

existente para os Juizados Especiais Federais e contemplada no art. 14, da Lei

10.259/2001118

, como, aliás, também propugna a Ministra Nancy Andrighi119

.

117 ANDRIGHI, Fátima Nancy. Primeiras reflexões sobre o pedido de uniformização de interpretação no

âmbito dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. In: FUX, e (coord.). Processo e Constituição – estudos

em homenagem ao Professor José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: RT, 2006, p. 461 ss.

118 Art. 14. Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei federal quando houver divergência entre

decisões sobre questões de direito material proferidas por Turmas Recursais na interpretação da lei.

§ 1o O pedido fundado em divergência entre Turmas da mesma Região será julgado em reunião conjunta das

Turmas em conflito, sob a presidência do Juiz Coordenador.

§ 2o O pedido fundado em divergência entre decisões de turmas de diferentes regiões ou da proferida em

contrariedade a súmula ou jurisprudência dominante do STJ será julgado por Turma de Uniformização, inte-

grada por juízes de Turmas Recursais, sob a presidência do Coordenador da Justiça Federal. [...]

119 “Com efeito, como se sabe, sendo de exclusiva previsão constitucional a competência dos tribunais supe-

riores, ela não pode ser aplicada por simples lei ordinária, o que força a conclusão de que o Projeto de Lei

4.723/2004, neste particular, encontra-se marcado pela pecha da potencial inconstitucionalidade.

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Além desse potencial óbice constitucional, haveria, ainda, um outro fator, de ordem prática, a obstar a

atribuição de competência ao STJ para julgar pedidos de uniformização de interpretação oriundos dos Juiza-

dos Especiais Cíveis e Criminais. Isso porque a maior agilidade no trâmite dos processos nos Juizados ficaria

comprometida com o julgamento dos pedidos de uniformização de interpretação pelo STJ, que já recebe

milhares de processos anualmente oriundos da justiça comum, ou seja, os processos da justiça especial seri-

am jogados na vala comum da justiça tradicional.

Por conseqüência, maxima venia concessa, o mais adequado – do ponto de vista constitucional e prático –

seria a criação de órgão análogo à Turma Nacional de Uniformização da Jurisprudência dos Juizados Especi-

ais Federais, com competência para o julgamento de divergência entre Turmas Recursais do mesmo Estado,

ou de diferentes Estados, ou quando houver contrariedade à sumula ou jurisprudência dominante do STJ”.

ANDRIGHI, Fátima Nancy. Primeiras reflexões sobre o pedido de uniformização de interpretação no âmbito

dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. In: FUX, e (coord.). Processo e Constituição – estudos em ho-

menagem ao Professor José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: RT, 2006, p. 465-466.

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CONCLUSÃO

Os Juizados Especiais Cíveis constituem um verdadeiro “divisor de águas na

história do Poder Judiciário”, como afirma Fátima Nancy Andrighi120

, porque são

tamanhas as alterações que promoveram que se permite entender constituam um

microssistema processual próprio.

O referido microssistema procura ampliar o acesso à justiça.

A importância de tratar o processo do Juizado Especial Cível como uma garantia

fundamental de acesso à Justiça às camadas mais pobres da população, assim como aos

cidadãos que pretendam solucionar seus litígios de menor valor e complexidade, resulta da

necessidade de se buscar dar efetividade à garantia de acesso à justiça. Dessa forma, não só

se verifica a ampliação do acesso à justiça com o aumento do número de pessoas obtendo a

prestação jurisdicional, como também com a ampliação das pessoas que obtêm a tutela

jurisdicional efetiva e célere.

Os Juizados Especiais Cíveis cumprem indiscutível papel da pacificação social,

inclusive no sentido de prevenção à violência.

Tal papel não anula a necessidade de buscar-se, tanto incrementar as vias de acesso

à justiça formal, quanto fortalecer os mecanismos alternativos de resolução de conflitos

como a mediação e iniciativas comunitárias, com vistas à redução o uso da violência.

A ponderação entre efetividade e segurança jurídica não pode ignorar a profunda

imbricação entre forma e conteúdo no exercício dos poderes públicos, não havendo pois

120 ANDRIGHI, Fátima Nancy. Primeiras reflexões sobre o pedido de uniformização de

interpretação no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. In: FUX, e (coord.).

Processo e Constituição – estudos em homenagem ao Professor José Carlos Bar-

bosa Moreira. São Paulo: RT, 2006, p. 461.

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como analisar o procedimento do Juizado Especial Cível, isolando a finalidade do

procedimento diferenciado.

A partir da análise dos princípios informadores do processo do Juizado Especial

Cível, é possível verificar que a idéia de criação de uma via judicial, que possibilite maior

efetividade de acesso à justiça apresenta fundadas razões, havendo sem qualquer margem

de dúvida “fator discriminante” que justifica a criação de meio de prestação jurisdicional

mais rápida, simples, informal, gratuito, público e democrático e que concretiza o direito a

uma “ordem jurídica justa”.

Conquanto constituam os Juizados Especiais microssistema próprio dentro do

Direito Processual, não se trata de Jurisdição fora dos parâmetros do Direito.

O julgamento autorizado pelo art. 6º da Lei 9.099/95 é o julgamento com eqüidade

e não o julgamento por eqüidade.

O princípio da oralidade é orientado pela identidade física do juiz, pela

irrecorribilidade das decisões interlocutória e pela concentração dos atos processuais, que

permite concentrar, tanto a conciliação, como a instrução, na mesma audiência.

No âmbito da deformalização do processo, assume papel fundamental a liberdade

de formas e a instrumentalidade do processo, observadas com maior intensidade no

procedimento dos Juizados Especiais Cíveis.

Em homenagem ao princípio da simplicidade, a preocupação maior que orienta o

processo do Juizado Especial Cível é a de obtenção de uma decisão de mérito. O princípio

da simplicidade é de tal relevância que leva à facultatividade do advogado nas causas cujo

valor não exceda vinte salários mínimos, podendo quando houver representação por

advogado o mandato ser verbal (art. 9º, §§ 1º a 3º da Lei 9.099/1195).

Relativamente ao princípio do contraditório e fruto da necessidade de cooperação

ou colaboração das partes, resulta como de fundamental importância o princípio da

impossibilidade de o Juiz proferir decisões surpresa, aplicando-se no caso das Turmas

Recursais do Rio Grande do Sul subsidiariamente o disposto no art. 184, do Regimento

Interno do Tribunal de Justiça que consagra tal garantia no julgamento dos recursos.

Quanto aos princípios da economia processual e gratuidade judiciária, há

necessidade de revisar, ponderando-se também os princípios constitucionais de garantia do

acesso à justiça (de ação à ação) e do devido processo legal, a interpretação literal do

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disposto no art. 55, da Lei 9.099/1995, aplicando-se o princípio da sucumbência do Código

de Processo Civil quando vencido no recurso restar a parte recorrida.

Em atenção ao princípio da celeridade processual, os prazos são, efetivamente, mais

curtos que os do Código de Processo Civil, sendo o para recorrer da sentença de (10) dez

dias (art. 42) e o para os embargos de declaração, de (05) cinco dias (art. 49). A

interposição dos embargos de declaração contra a sentença apenas suspende e não

interrompe o prazo recursal (art. 50), o que importa dizer que o prazo decorrido até a

interposição dos declaratórios é abatidos do prazo para o recurso inominado após a decisão

de ditos embargos, descontando-se o dia da interposição dos embargos declaratórios do

prazo decorrido.

A partir de uma concepção substancialista da finalidade do processo, considera-se

que: “O processo deve legitimar – pela participação –, deve ser legítimo – adequado à

tutela dos direitos e aos direitos fundamentais – e ainda produzir uma decisão legítima”121.

No que respeita à competência, a interpretação sistemática dos arts. 3º, §3º, 15 e 39,

da Lei 9.099/1995, leva à convicção de que “mesmo as causas cíveis enumeradas no Art.

275, II, do CPC, quando de valor superior a quarenta salários mínimos, não podem, ser

propostas perante o Juizado Especial”, como dispõe, aliás, a Súmula 11 das Turmas

Recursais do Rio Grande do Sul.

Já, no tangente à obrigatoriedade da competência dos Juizados Especiais Cíveis,

embora, na atual conjuntura, dependa de disposição legal reafirmando-a, não resta a menor

dúvida da conveniência de sua adoção, seja por conferir jurisdição adequada à natureza dos

interesses em litígio, seja pela eficiência e eficácia dessa espécie de prestação jurisdicional,

não sem antes dotar os Juizados Especiais de melhor infra-estrutura material e pessoal.

A desnecessidade de contratação de advogado, para a propositura de ações de valor

até vinte salários mínimos não afronta qualquer princípio constitucional, já que, embora

seja o advogado essencial à Administração da Justiça, o objetivo da regra que a possibilita

é o de ampliação do acesso à Justiça.

121 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil, volume 1: teoria geral do processo. São Paulo:

RT, 2006, p. 401.

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Tanto a função de Juiz Leigo, como a de Conciliador, não apresentam

incompatibilidade para exercer a advocacia, mas sofrem impedimento para exercer a

advocacia nos juizados da comarca em que atuam.

Cumpre distinguir, porque enseja grande confusão, a conciliação da mediação,

reservando-se a mediação para pessoas com especialização nessa técnica, incentivando nos

Juizados Especiais principalmente a conciliação.

Para evitar o descrédito da atuação dos Juizados Especiais, há de se estimular a

efetiva supervisão do juiz togado, pois como dispõe o art. 40 da Lei nº 9.099/95, a

responsabilidade da decisão jurisdicional é do Juiz Togado.

Há necessidade de regulamentar o processo seletivo de conciliadores e juízes

leigos, mesmo que de forma mais flexível, todavia, exigindo que seja público e

transparente.

O princípio da concentração, decorrente da oralidade do procedimento do Juizado

Especial, impõe que as partes possam apresentar suas testemunhas sem prévio

oferecimento de rol, bem assim que os documentos também seja exibidos quando da

audiência de instrução, sem que isso represente qualquer violação ao direito de defesa, já

que se trata de demandas de menor complexidade que viabilizam a manifestação imediata.

Como destacado em precedente jurisprudencial acima citado: “conquanto ser

indevida, como regra, a expedição de carta precatória em sede de juizados especiais, face à

grade principiológica que preside tal sistema, em casos excepcionais é admissível a ouvida

de testemunhas por precatória”.

A instituição do processo eletrônico, com a digitalização de autos do processo deve

iniciar pelos Juizados Especiais Cíveis, cumprindo aos Tribunais aderirem ao projeto

Projudi do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

A citação de pessoa física deve ser feita pessoalmente, já que o art. 18, inciso I, da

Lei 9.099/1995, exige aviso de recebimento em mão própria para a correspondência

enviada.

Além de assegurar-se a garantia do duplo grau de jurisdição, em observância aos

princípios da celeridade, informalidade e economia processual, o cabimento de recursos no

âmbito dos Juizados Especiais Cíveis é, felizmente, restrito, o que não representa qualquer

restrição ao princípio da ampla defesa.

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No que concerne ao julgamento do recurso inominado, é possível a confirmação da

sentença por seus próprios fundamentos, não se verificando qualquer inconstitucionalidade

no disposto no art. 46, da Lei 9.099/1995. No entanto, não contendo a sentença toda a

fundamentação suficiente para rejeitar as alegações do recurso, impossível será empregar a

regra da confirmação pelos próprios fundamentos, devendo-se neste caso, ao menos

relativamente à análise dos argumentos que não encontram resposta na fundamentação de

primeiro grau, complementar-se a fundamentação no acórdão da Turma Recursal.

Finalmente, conveniente, tendo em vista o princípio da segurança jurídica, a

instituição de recurso de uniformização de jurisprudência federal, mas não nos termos em

que propugnados no Projeto de Lei 4723/2004, pois atribui competência ao Superior

Tribunal de Justiça para compor divergências entre Turmas Recursais de Estados distintos

da Federação quando tal atribuição poderia ser cometida às Turmas de Uniformização, nos

mesmos moldes do que se verifica nos Juizados Especiais Cíveis Federais.

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