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DIREITO AMBIENTALAUTOR: RMULO SAMPAIO

GRADUAO 2011.2

Sumrio

Direito AmbientalMDULO I. INTRODUO AO DIREITO AMBIENTAL ....................................................................................................... 3 Aula 1. O surgimento e a autonomia do Direito Ambiental ........................................................................... 5 Aula 2. Princpios do Direito Ambiental ................................................................................................. 30 Aula 3. Direito Ambiental na Constituio Federal de 1988 ........................................................................ 39 Aula 4. Competncias constitucionais em matria ambiental ..................................................................... 46 MDULO II. SISTEMA E POLTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE .................................................................................. 54 Aula 5. Princpios, Conceitos, Instrumentos e Estrutura Organizacional......................................................... 57 Aula 6. Zoneamento Ambiental e Padres de Qualidade Ambiental .............................................................. 65 Aula 7. Publicidade, Informao, Participao e Educao Ambiental ........................................................... 73 Aula 8. Avaliao de Impacto Ambiental (AIA) ......................................................................................... 79 Aula 9. Licenciamento Ambiental ......................................................................................................... 88 MDULO III. TUTELAS ESPECFICAS DO MEIO AMBIENTE ............................................................................................. 99 Aula 10. reas Protegidas (Cdigo Florestal) e Sistema Nacional de Unidades de Conservao (SNUC) ........................................................................................................ 101 Aula 11. Biodiversidade ................................................................................................................... 123 Aula 12. gua ................................................................................................................................ 128 Aula 13. Ar e Atmosfera ................................................................................................................... 135 Aula 14: Resduos Slidos ................................................................................................................. 141 MDULO IV. RESPONSABILIDADE AMBIENTAL ........................................................................................................ 148 Aula15. Responsabilidade como Tutela do Risco .................................................................................... 149 Aula 16. Responsabilidade Administrativa Ambiental ............................................................................. 154 Aula 17. Responsabilidade Penal Ambiental ......................................................................................... 160 Aula 18. Responsabilidade Civil Ambiental ........................................................................................... 165

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MDULO I. INTRODUO AO DIREITO AMBIENTAL A Revoluo Industrial o marco desencadeador de uma sociedade fundada no consumo. Esta sociedade impe presso cada vez maior sobre os recursos naturais, fazendo crescer preocupaes com o meio ambiente e, consequentemente, com a prpria sobrevivncia da vida no planeta. Diante das constantes agresses ao meio ambiente, comprovadas pela cincia e condenadas pela tica e moral, surge a necessidade de se repensar conceitos desenvolvimentistas clssicos. Neste sentido, se faz imperiosa a agregao de diversas reas do conhecimento cientfico, tcnico, jurdico e mesmo de saberes de comunidades tradicionais e locais em torno de uma nova teoria de desenvolvimento sustentvel. Uma forma de progresso que garanta tanto a presente quanto as futuras gerao o direito de usufrurem dos recursos naturais existentes. O direito ambiental est inserido neste contexto. Um ramo do direito que regule a relao entre a atividade humana e o meio ambiente. Por sua natureza interdisciplinar, o direito do ambiente acaba se comunicando com outras reas da cincia jurdica. Em alguns casos com peculiaridades prprias e distintas, em outros, se socorrendo de noes e conceitos clssicos de outras reas. Assim, o direito ambiental est intimamente relacionado ao direito constitucional, administrativo, civil, penal e processual. Pelo fato das atividades poluidoras e de degradao do meio ambiente no conhecerem fronteiras, o direito ambiental tambm est intimamente ligado ao direito internacional e, com ele, compe uma disciplina prpria conhecida como direito internacional ambiental. Tendo em vista a complexidade do bem tutelado pelo direito ambiental, faz-se imperiosa a ressalva de no ter o presente material a inteno de esgotar os temas. Pelo contrrio, o intuito organizar o processo educativo em torno de temas centrais e, sobretudo, instrumentais do direito ambiental. Ao final, o objetivo no outro seno o de agregar conceitos, noes e problematizaes tpicas do direito ambiental e que esto, em certo grau, intrinsecamente inseridas na moderna noo de direito da economia e da empresa. Sendo assim, os principais objetivos do presente mdulo so: Entender os conceitos formadores do direito ambiental, sua recente consolidao, autonomia em relao s demais disciplinas clssicas do direito e interdisciplinaridade. Diferenciar as concepes antropocntrica e ecocntrica; os conceitos amplos e restritos do direito ambiental; e como essas caracterizaes afetam a tutela dos interesses e direitos relacionados na prtica. Proporcionar a precisa identificao e caracterizao do bem ambiental, sob o prisma da dimenso fundamental, social e coletiva. Conhecer os princpios formadores do direito ambiental, entender a existncia desses princpios e justificar as suas aplicaes prticas. Diferenciar os conceitos de princpios similares para melhor articulao da aplicao prtica. Possibilitar a identificao dos princpios explcitos e implcitos em textos normativos.FGV DIREITO RIO 3

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Reconhecer a importncia de disposies constitucionais especficas em matria de defesa e proteo do meio ambiente. Trabalhar a idia de diviso de responsabilidades em aes de proteo e defesa do meio ambiente entre o Poder Pblico e a coletividade. Elaborar a noo do ambiente ecologicamente equilibrado como direito subjetivo de todos e dever fundamental do Estado. Entender o papel do Judicirio na consolidao da proteo ambiental constitucional. Identificar os instrumentos processuais constitucionais de defesa do meio ambiente. Identificar e diferenciar as diferentes competncias em matria ambiental. Trabalhar e aplicar o sistema de competncias na prtica.

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AULA 1. O SURGIMENTO E A AUTONOMIA DO DIREITO AMBIENTAL

SURGIMENTO DO DIREITO AMBIENTAL Conforme abordado na Introduo, a Revoluo Industrial ocorrida no Sculo XVIII, desencadeia e introduz uma nova forma de produo e consumo que altera significativamente prticas comerciais desde ento consolidadas. Como decorrncia, o direito passa por uma necessria adaptao e evoluo para regular e controlar os impactos nas relaes sociais e, mais tarde potencializado pela revoluo tecnolgica e da informao , nas relaes com consumidores e com o meio ambiente natural. O aumento da presso sobre os recursos naturais, relacionado tambm com o acelerado crescimento demogrfico do ltimo sculo, chamaram a ateno da comunidade internacional. Pases com avanado estgio de desenvolvimento econmico passaram a testemunhar com frequncia desastres ambientais em seus prprios territrios. Conjuntamente a este fator, o desenvolvimento cientfico, principalmente no ltimo sculo, comeou a confirmar hipteses desoladoras como o buraco na camada de oznio e o efeito estufa, por exemplo. em decorrncia desta sucesso de eventos e fatos resumidamente explorados no presente tpico que, em 1972, sob a liderana dos pases desenvolvidos e com a resistncia dos pases em desenvolvimento, a comunidade internacional aceita os termos da Declarao de Estocolmo sobre Meio Ambiente. Constituindo-se como uma declarao de princpios (soft law na terminologia do direito internacional), a Declarao de Estocolmo rapidamente se estabelece como o documento marco em matria de preservao e conservao ambiental. Apesar da resistncia da delegao brasileira que poca defendia irrestrito direito ao desenvolvimento, alegando que a pobreza seria a maior causa de degradao ambiental os conceitos e princpios da Declarao de Estocolmo vo sendo paulatinamente internalizados pelo ordenamento jurdico ptrio. Sensvel s presses internacionais, o Brasil cria a Secretaria Nacional do Meio Ambiente (SEMA) em 1973 (Decreto n. 73.030, de 30 de outubro) e aprova a Lei da Poltica Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/81). A Declarao de Estocolmo passaria a orientar no apenas o desenvolvimento de um direito ambiental brasileiro, mas muitos ao redor do mundo at que, em 1992, naquele que foi considerado o maior evento das Naes Unidas de todos os tempos, a comunidade internacional aprova a Declarao do Rio de Janeiro, durante a Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Esta Declarao no apenas reitera vrios princpios da Declarao de Estocolmo, mas os aperfeioa, alm de criar outros ainda no previstos. Nesta poca j eram inmeros os ordenamentos jurdicos domsticos contemplando a tutela do meio ambiente e, portanto, contribuindo para a autonomia cientfica e didtica da rea. Abaixo, analise e compare os textos das referidas declaraes, a de Estocolmo e a do Rio de Janeiro:

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Declarao da Conferncia de ONU no Ambiente Humano, Estocolmo, 5-16 de junho de 1972 (traduo livre) A Conferncia das Naes Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, reunida em Estocolmo de 5 a 16 de junho de 1972, e, atenta necessidade de um critrio e de princpios comuns que ofeream aos povos do mundo inspirao e guia para preservar e melhorar o meio ambiente humano, I Proclama que: 1. O homem ao mesmo tempo obra e construtor do meio ambiente que o cerca, o qual lhe d sustento material e lhe oferece oportunidade para desenvolver-se intelectual, moral, social e espiritualmente. Em larga e tortuosa evoluo da raa humana neste planeta chegou-se a uma etapa em que, graas rpida acelerao da cincia e da tecnologia, o homem adquiriu o poder de transformar, de inmeras maneiras e em uma escala sem precedentes, tudo que o cerca. Os dois aspectos do meio ambiente humano, o natural e o artificial, so essenciais para o bem-estar do homem e para o gozo dos direitos humanos fundamentais, inclusive o direito vida mesma. 2. A proteo e o melhoramento do meio ambiente humano uma questo fundamental que afeta o bem-estar dos povos e o desenvolvimento econmico do mundo inteiro, um desejo urgente dos povos de todo o mundo e um dever de todos os governos. 3. O homem deve fazer constante avaliao de sua experincia e continuar descobrindo, inventando, criando e progredindo. Hoje em dia, a capacidade do homem de transformar o que o cerca, utilizada com discernimento, pode levar a todos os povos os benefcios do desenvolvimento e oferecer-lhes a oportunidade de enobrecer sua existncia. Aplicado errnea e imprudentemente, o mesmo poder pode causar danos incalculveis ao ser humano e a seu meio ambiente. Em nosso redor vemos multiplicar-se as provas do dano causado pelo homem em muitas regies da terra, nveis perigosos de poluio da gua, do ar, da terra e dos seres vivos; grandes transtornos de equilbrio ecolgico da biosfera; destruio e esgotamento de recursos insubstituveis e graves deficincias, nocivas para a sade fsica, mental e social do homem, no meio ambiente por ele criado, especialmente naquele em que vive e trabalha. 4. Nos pases em desenvolvimento, a maioria dos problemas ambientais esto motivados pelo subdesenvolvimento. Milhes de pessoas seguem vivendo muito abaixo dos nveis mnimos necessrios para uma existncia humana digna, privada de alimentao e vesturio, de habitao e educao, de condies de sade e de higiene adequadas. Assim, os pases em desenvolvimento devem dirigir seus esforos para o desenvolvimento, tendo presente suas prioridades e a necessidade de salvaguardar e melhorar o meio ambiente. Com o mesmo fim, os pases industrializados devem esforar-se para reduzirFGV DIREITO RIO 6

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a distncia que os separa dos pases em desenvolvimento. Nos pases industrializados, os problemas ambientais esto geralmente relacionados com a industrializao e o desenvolvimento tecnolgico. O crescimento natural da populao coloca continuamente, problemas relativos preservao do meio ambiente, e devem-se adotar as normas e medidas apropriadas para enfrentar esses problemas. De todas as coisas do mundo, os seres humanos so a mais valiosa. Eles so os que promovem o progresso social, criam riqueza social, desenvolvem a cincia e a tecnologia e, com seu rduo trabalho, transformam continuamente o meio ambiente humano. Com o progresso social e os avanos da produo, da cincia e da tecnologia, a capacidade do homem de melhorar o meio ambiente aumenta a cada dia que passa. Chegamos a um momento da histria em que devemos orientar nossos atos em todo o mundo com particular ateno s consequncias que podem ter para o meio ambiente. Por ignorncia ou indiferena, podemos causar danos imensos e irreparveis ao meio ambiente da terra do qual dependem nossa vida e nosso bem-estar. Ao contrrio, com um conhecimento mais profundo e uma ao mais prudente, podemos conseguir para ns mesmos e para nossa posteridade, condies melhores de vida, em um meio ambiente mais de acordo com as necessidades e aspiraes do homem. As perspectivas de elevar a qualidade do meio ambiente e de criar uma vida satisfatria so grandes. preciso entusiasmo, mas, por outro lado, serenidade de nimo, trabalho duro e sistemtico. Para chegar plenitude de sua liberdade dentro da natureza, e, em harmonia com ela, o homem deve aplicar seus conhecimentos para criar um meio ambiente melhor. A defesa e o melhoramento do meio ambiente humano para as geraes presentes e futuras se converteu na meta imperiosa da humanidade, que se deve perseguir, ao mesmo tempo em que se mantm as metas fundamentais j estabelecidas, da paz e do desenvolvimento econmico e social em todo o mundo, e em conformidade com elas. Para se chegar a esta meta ser necessrio que cidados e comunidades, empresas e instituies, em todos os planos, aceitem as responsabilidades que possuem e que todos eles participem equitativamente, nesse esforo comum. Homens de toda condio e organizaes de diferentes tipos plasmaro o meio ambiente do futuro, integrando seus prprios valores e a soma de suas atividades. As administraes locais e nacionais, e suas respectivas jurisdies so as responsveis pela maior parte do estabelecimento de normas e aplicaes de medidas em grande escala sobre o meio ambiente. Tambm se requer a cooperao internacional com o fim de conseguir recursos que ajudem aos pases em desenvolvimento a cumprir sua parte nesta esfera. H um nmero cada vez maior de problemas relativos ao meio ambiente que, por ser de alcance regional ou mundial ou por repercutir no mbito internacional comum, exigem uma ampla colaborao entre as naes e a adoo de medidas para as organizaes internacionais, no interesse de todos. A Conferncia encarece aos governos e aos povos que unam esforos para preservar e melhorar o meio ambiente humano em benefcio do homem e de sua posteridade.FGV DIREITO RIO 7

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II PRINCPIOS Expressa a convico comum de que: Princpio 1 O homem tem o direito fundamental liberdade, igualdade e ao desfrute de condies de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene obrigao de proteger e melhorar o meio ambiente para as geraes presentes e futuras. A este respeito, as polticas que promovem ou perpetuam o apartheid, a segregao racial, a discriminao, a opresso colonial e outras formas de opresso e de dominao estrangeira so condenadas e devem ser eliminadas. Princpio 2 Os recursos naturais da terra includos o ar, a gua, a terra, a flora e a fauna e especialmente amostras representativas dos ecossistemas naturais devem ser preservados em benefcio das geraes presentes e futuras, mediante uma cuidadosa planificao ou ordenamento. Princpio 3 Deve-se manter, e sempre que possvel, restaurar ou melhorar a capacidade da terra em produzir recursos vitais renovveis. Princpios 4 O homem tem a responsabilidade especial de preservar e administrar judiciosamente o patrimnio da flora e da fauna silvestres e seu habitat, que se encontram atualmente, em grave perigo, devido a uma combinao de fatores adversos. Conseqentemente, ao planificar o desenvolvimento econmico deve-se atribuir importncia conservao da natureza, includas a flora e a fauna silvestres. Princpio 5 Os recursos no renovveis da terra devem empregar-se de forma que se evite o perigo de seu futuro esgotamento e se assegure que toda a humanidade compartilhe dos benefcios de sua utilizao. Princpio 6 Deve-se por fim descarga de substncias txicas ou de outros materiais que liberam calor, em quantidades ou concentraes tais que o meio ambiente no possa neutraliz-

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los, para que no se causem danos graves e irreparveis aos ecossistemas. Deve-se apoiar a justa luta dos povos de todos os pases contra a poluio. Princpio 7 Os Estados devero tomar todas as medidas possveis para impedir a poluio dos mares por substncias que possam por em perigo a sade do homem, os recursos vivos e a vida marinha, menosprezar as possibilidades de derramamento ou impedir outras utilizaes legtimas do mar. Princpio 8 O desenvolvimento econmico e social indispensvel para assegurar ao homem um ambiente de vida e trabalho favorvel e para criar na terra as condies necessrias de melhoria da qualidade de vida. Princpio 9 As deficincias do meio ambiente originrias das condies de subdesenvolvimento e os desastres naturais colocam graves problemas. A melhor maneira de san-los est no desenvolvimento acelerado, mediante a transferncia de quantidades considerveis de assistncia financeira e tecnolgica que complementem os esforos internos dos pases em desenvolvimento e a ajuda oportuna que possam requerer. Princpio 10 Para os pases em desenvolvimento, a estabilidade dos preos e a obteno de ingressos adequados dos produtos bsicos e de matrias primas so elementos essenciais para o ordenamento do meio ambiente, j que h de se Ter em conta os fatores econmicos e os processos ecolgicos. Princpio 11 As polticas ambientais de todos os Estados deveriam estar encaminhadas para aumentar o potencial de crescimento atual ou futuro dos pases em desenvolvimento e no deveriam restringir esse potencial nem colocar obstculos conquista de melhores condies de vida para todos. Os Estados e as organizaes internacionais deveriam tomar disposies pertinentes, com vistas a chegar a um acordo, para se poder enfrentar as conseqncias econmicas que poderiam resultar da aplicao de medidas ambientais, nos planos nacional e internacional. Princpio 12 Recursos deveriam ser destinados para a preservao e melhoramento do meio ambiente tendo em conta as circunstncias e as necessidades especiais dos pases em desenvolvimento e gastos que pudessem originar a incluso de medidas de conservao do meioFGV DIREITO RIO 9

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ambiente em seus planos de desenvolvimento, bem como a necessidade de oferecer-lhes, quando solicitado, mais assistncia tcnica e financeira internacional com este fim. Princpio 13 Com o fim de se conseguir um ordenamento mais racional dos recursos e melhorar assim as condies ambientais, os Estados deveriam adotar um enfoque integrado e coordenado de planejamento de seu desenvolvimento, de modo a que fique assegurada a compatibilidade entre o desenvolvimento e a necessidade de proteger e melhorar o meio ambiente humano em benefcio de sua populao. Princpio 14 O planejamento racional constitui um instrumento indispensvel para conciliar s diferenas que possam surgir entre as exigncias do desenvolvimento e a necessidade de proteger y melhorar o meio ambiente. Princpio 15 Deve-se aplicar o planejamento aos assentamentos humanos e urbanizao com vistas a evitar repercusses prejudiciais sobre o meio ambiente e a obter os mximos benefcios sociais, econmicos e ambientais para todos. A este respeito devem-se abandonar os projetos destinados dominao colonialista e racista. Princpio 16 Nas regies onde exista o risco de que a taxa de crescimento demogrfico ou as concentraes excessivas de populao prejudiquem o meio ambiente ou o desenvolvimento, ou onde, a baixa densidade d4e populao possa impedir o melhoramento do meio ambiente humano e limitar o desenvolvimento, deveriam se aplicadas polticas demogrficas que respeitassem os direitos humanos fundamentais e contassem com a aprovao dos governos interessados. Princpio 17 Deve-se confiar s instituies nacionais competentes a tarefa de planejar, administrar ou controlar a utilizao dos recursos ambientais dos estado, com o fim de melhorar a qualidade do meio ambiente. Princpio 18 Como parte de sua contribuio ao desenvolvimento econmico e social deve-se utilizar a cincia e a tecnologia para descobrir, evitar e combater os riscos que ameaam o meio ambiente, para solucionar os problemas ambientais e para o bem comum da humanidade.

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Princpio 19 indispensvel um esforo para a educao em questes ambientais, dirigida tanto s geraes jovens como aos adultos e que preste a devida ateno ao setor da populao menos privilegiado, para fundamentar as bases de uma opinio pblica bem informada, e de uma conduta dos indivduos, das empresas e das coletividades inspirada no sentido de sua responsabilidade sobre a proteo e melhoramento do meio ambiente em toda sua dimenso humana. igualmente essencial que os meios de comunicao de massas evitem contribuir para a deteriorao do meio ambiente humano e, ao contrrio, difundam informao de carter educativo sobre a necessidade de proteg-lo e melhor-lo, a fim de que o homem possa desenvolver-se em todos os aspectos. Princpio 20 Devem-se fomentar em todos os pases, especialmente nos pases em desenvolvimento, a pesquisa e o desenvolvimento cientficos referentes aos problemas ambientais, tanto nacionais como multinacionais. Neste caso, o livre intercmbio de informao cientfica atualizada e de experincia sobre a transferncia deve ser objeto de apoio e de assistncia, a fim de facilitar a soluo dos problemas ambientais. As tecnologias ambientais devem ser postas disposio dos pases em desenvolvimento de forma a favorecer sua ampla difuso, sem que constituam uma carga econmica para esses pases. Princpio 21 Em conformidade com a Carta das Naes Unidas e com os princpios de direito internacional, os Estados tm o direito soberano de explorar seus prprios recursos em aplicao de sua prpria poltica ambiental e a obrigao de assegurar-se de que as atividades que se levem a cabo, dentro de sua jurisdio, ou sob seu controle, no prejudiquem o meio ambiente de outros Estados ou de zonas situadas fora de toda jurisdio nacional. Princpio 22 Os Estados devem cooperar para continuar desenvolvendo o direito internacional no que se refere responsabilidade e indenizao s vtimas da poluio e de outros danos ambientais que as atividades realizadas dentro da jurisdio ou sob o controle de tais Estados causem a zonas fora de sua jurisdio. Princpio 23 Sem prejuzo dos critrios de consenso da comunidade internacional e das normas que devero ser definidas a nvel nacional, em todos os casos ser indispensvel considerar os sistemas de valores prevalecentes em cada pas, e, a aplicabilidade de normas que, embora vlidas para os pases mais avanados, possam ser inadequadas e de alto custo social para pases em desenvolvimento.

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Princpio 24 Todos os pases, grandes e pequenos, devem ocupar-se com esprito e cooperao e em p de igualdade das questes internacionais relativas proteo e melhoramento do meio ambiente. indispensvel cooperar para controlar, evitar, reduzir e eliminar eficazmente os efeitos prejudiciais que as atividades que se realizem em qualquer esfera, possam Ter para o meio ambiente, mediante acordos multilaterais ou bilaterais, ou por outros meios apropriados, respeitados a soberania e os interesses de todos os estados. Princpio 25 Os Estados devem assegurar-se de que as organizaes internacionais realizem um trabalho coordenado, eficaz e dinmico na conservao e no melhoramento do meio ambiente. Princpio 26 preciso livrar o homem e seu meio ambiente dos efeitos das armas nucleares e de todos os demais meios de destruio em massa. Os Estados devem-se esforar para chegar logo a um acordo nos rgos internacionais pertinentes sobre a eliminao e a destruio completa de tais armas.

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Declarao do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (fonte: Ministrio do Meio Ambiente)

A Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, tendo se reunido no Rio de Janeiro, de 3 a 14 de junho de 1992, reafirmando a Declarao da Conferncia das Naes Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, adotada em Estocolmo em 16 de junho de 1972, e buscando avanar a partir dela, com o objetivo de estabelecer uma nova e justa parceria global mediante a criao de novos nveis de cooperao entre os Estados, os setores-chaves da sociedade e os indivduos, trabalhando com vistas concluso de acordos internacionais que respeitem os interesses de todos e protejam a integridade do sistema global de meio ambiente e desenvolvimento, reconhecendo a natureza integral e interdependente da Terra, nosso lar, proclama que: Princpio 1 Os seres humanos esto no centro das preocupaes com o desenvolvimento sustentvel. Tm direito a uma vida saudvel e produtiva, em harmonia com a natureza.

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Princpio 2 Os Estados, de acordo com a Carta das Naes Unidas e com os princpios do direito internacional, tm o direito soberano de explorar seus prprios recursos segundo suas prprias polticas de meio ambiente e de desenvolvimento, e a responsabilidade de assegurar que atividades sob sua jurisdio ou seu controle no causem danos ao meio ambiente de outros Estados ou de reas alm dos limites da jurisdio nacional. Princpio 3 O direito ao desenvolvimento deve ser exercido de modo a permitir que sejam atendidas equitativamente as necessidades de desenvolvimento e de meio ambiente das geraes presentes e futuras. Princpio 4 Para alcanar o desenvolvimento sustentvel, a proteo ambiental constituir parte integrante do processo de desenvolvimento e no pode ser considerada isoladamente deste. Princpio 5 Para todos os Estados e todos os indivduos, como requisito indispensvel para o desenvolvimento sustentvel, iro cooperar na tarefa essencial de erradicar a pobreza, a fim de reduzir as disparidades de padres de vida e melhor atender s necessidades da maioria da populao do mundo. Princpio 6 Ser dada prioridade especial situao e s necessidades especiais dos pases em desenvolvimento, especialmente dos pases menos desenvolvidos e daqueles ecologicamente mais vulnerveis. As aes internacionais na rea do meio ambiente e do desenvolvimento devem tambm atender aos interesses e s necessidades de todos os pases. Princpio 7 Os Estados iro cooperar, em esprito de parceria global, para a conservao, proteo e restaurao da sade e da integridade do ecossistema terrestre. Considerando as diversas contribuies para a degradao do meio ambiente global, os Estados tm responsabilidades comuns, porm diferenciadas. Os pases desenvolvidos reconhecem a responsabilidade que lhes cabe na busca internacional do desenvolvimento sustentvel, tendo em vista as presses exercidas por suas sociedades sobre o meio ambiente global e as tecnologias e recursos financeiros que controlam.

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Princpio 8 Para alcanar o desenvolvimento sustentvel e uma qualidade de vida mais elevada para todos, os Estados devem reduzir e eliminar os padres insustentveis de produo e consumo, e promover polticas demogrficas adequadas. Princpio 9 Os Estados devem cooperar no fortalecimento da capacitao endgena para o desenvolvimento sustentvel, mediante o aprimoramento da compreenso cientfica por meio do intercmbio de conhecimentos cientficos e tecnolgicos, e mediante a intensificao do desenvolvimento, da adaptao, da difuso e da transferncia de tecnologias, incluindo as tecnologias novas e inovadoras. Princpio 10 A melhor maneira de tratar as questes ambientais assegurar a participao, no nvel apropriado, de todos os cidados interessados. No nvel nacional, cada indivduo ter acesso adequado s informaes relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades pblicas, inclusive informaes acerca de materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar dos processos decisrios. Os Estados iro facilitar e estimular a conscientizao e a participao popular, colocando as informaes disposio de todos. Ser proporcionado o acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que se refere compensao e reparao de danos. Princpio 11 Os Estados adotaro legislao ambiental eficaz. As normas ambientais, e os objetivos e as prioridades de gerenciamento devero refletir o contexto ambiental e de meio ambiente a que se aplicam. As normas aplicadas por alguns pases podero ser inadequadas para outros, em particular para os pases em desenvolvimento, acarretando custos econmicos e sociais injustificados. Princpio 12 Os Estados devem cooperar na promoo de um sistema econmico internacional aberto e favorvel, propcio ao crescimento econmico e ao desenvolvimento sustentvel em todos os pases, de forma a possibilitar o tratamento mais adequado dos problemas da degradao ambiental. As medidas de poltica comercial para fins ambientais no devem constituir um meio de discriminao arbitrria ou injustificvel, ou uma restrio disfarada ao comrcio internacional. Devem ser evitadas aes unilaterais para o tratamento dos desafios internacionais fora da jurisdio do pas importador. As medidas internacionais relativas a problemas ambientais transfronteirios ou globais deve, na medida do possvel, basear-se no consenso internacional.

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Princpio 13 Os Estados iro desenvolver legislao nacional relativa responsabilidade e indenizao das vtimas de poluio e de outros danos ambientais. Os Estados iro tambm cooperar, de maneira expedita e mais determinada, no desenvolvimento do direito internacional no que se refere responsabilidade e indenizao por efeitos adversos dos danos ambientais causados, em reas fora de sua jurisdio, por atividades dentro de sua jurisdio ou sob seu controle. Princpio 14 Os Estados devem cooperar de forma efetiva para desestimular ou prevenir a realocao e transferncia, para outros Estados, de atividades e substncias que causem degradao ambiental grave ou que sejam prejudiciais sade humana. Princpio 15 Com o fim de proteger o meio ambiente, o princpio da precauo dever ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaa de danos graves ou irreversveis, a ausncia de certeza cientfica absoluta no ser utilizada como razo para o adiamento de medidas economicamente viveis para prevenir a degradao ambiental. Princpio 16 As autoridades nacionais devem procurar promover a internacionalizao dos custos ambientais e o uso de instrumentos econmicos, tendo em vista a abordagem segundo a qual o poluidor deve, em princpio, arcar com o custo da poluio, com a devida ateno ao interesse pblico e sem provocar distores no comrcio e nos investimentos internacionais. Princpio 17 A avaliao do impacto ambiental, como instrumento nacional, ser efetuada para as atividades planejadas que possam vir a ter um impacto adverso significativo sobre o meio ambiente e estejam sujeitas deciso de uma autoridade nacional competente. Princpio 18 Os Estados notificaro imediatamente outros Estados acerca de desastres naturais ou outras situaes de emergncia que possam vir a provocar sbitos efeitos prejudiciais sobre o meio ambiente destes ltimos. Todos os esforos sero envidados pela comunidade internacional para ajudar os Estados afetados.

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Princpio 19 Os Estados fornecero, oportunamente, aos Estados potencialmente afetados, notificao prvia e informaes relevantes acerca de atividades que possam vir a ter considervel impacto transfronteirio negativo sobre o meio ambiente, e se consultaro com estes to logo seja possvel e de boa f. Princpio 20 As mulheres tm um papel vital no gerenciamento do meio ambiente e no desenvolvimento. Sua participao plena , portanto, essencial para se alcanar o desenvolvimento sustentvel. Princpio 21 A criatividade, os ideais e a coragem dos jovens do mundo devem ser mobilizados para criar uma parceria global com vistas a alcanar o desenvolvimento sustentvel e assegurar um futuro melhor para todos. Princpio 22 Os povos indgenas e suas comunidades, bem como outras comunidades locais, tm um papel vital no gerenciamento ambiental e no desenvolvimento, em virtude de seus conhecimentos e de suas prticas tradicionais. Os Estados devem reconhecer e apoiar adequadamente sua identidade, cultura e interesses, e oferecer condies para sua efetiva participao no atingimento do desenvolvimento sustentvel. Princpio 23 O meio ambiente e os recursos naturais dos povos submetidos a opresso, dominao e ocupao sero protegidos. Princpio 24 A guerra , por definio, prejudicial ao desenvolvimento sustentvel. Os Estados iro, por conseguinte, respeitar o direito internacional aplicvel proteo do meio ambiente em tempos de conflitos armados e iro cooperar para seu desenvolvimento progressivo, quando necessrio. Princpio 25 A paz, o desenvolvimento e a proteo ambiental so interdependentes e indivisveis. Princpio 26 Os Estados solucionaro todas as suas controvrsias ambientais de forma pacfica, utilizando-se dos meios apropriados, de conformidade com a Carta das Naes Unidas.

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Princpio 27 Os Estados e os povos iro cooperar de boa f e imbudos de um esprito de parceria para a realizao dos princpios consubstanciados nesta Declarao, e para o desenvolvimento progressivo do direito internacional no campo do desenvolvimento sustentvel.

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Com base na anlise das duas declaraes transcritas acima, considere os seguintes questionamentos: 1) As duas declaraes transcritas acima representam pilares fundamentais do surgimento de um direito internacional ambiental. De que forma essas duas declaraes podem ter influenciado o surgimento do direito ambiental no Brasil? Nas negociaes pr-Estocolmo, os pases em desenvolvimento suspeitavam das reais intenes dos desenvolvidos em negociarem uma declarao sobre meio ambiente. Por qu? Quais eram as principais restries dos pases em desenvolvimento? Da anlise da linguagem empregada nas duas declaraes, como foi possvel um acordo entre os pases desenvolvidos e os pases em desenvolvimento? 2) Da anlise das duas declaraes, comeando pelo ttulo, quais so as principais semelhanas e diferenas entre elas? Quais so os princpios que podem ser extrados dos textos das duas declaraes e que influenciam a organizao de ordenamentos jurdicos nacionais? Qual o valor dos princpios consagrados internacionalmente para o direito ambiental brasileiro? A formao de um direito ambiental no Brasil foi influenciada pelo contexto geopoltico internacional das dcadas de 1960 e 1970. Em parte, deveu-se ao sentimento de que respostas normativas no mbito domstico barrariam tentativas dos pases industrializados de internacionalizar o direito ambiental. Contribuiu tambm o fato de que por ser um tema sensvel s economias desenvolvidas, evolues normativas ambientais domsticas poderiam favorecer transaes e acordos internacionais em outras reas. O perodo ps-Estocolmo inaugura uma nova era para a consolidao e a sistematizao do direito ambiental no Brasil. Contrariamente ao que vinha ocorrendo nos pases desenvolvidos poca, a incorporao dos anseios do movimento ambientalista pelo direito se viabiliza em grande parte como moeda de troca entre as economias emergentes e os pases industrializados. O direito ambiental nasce nos pases desenvolvidos do nacional para o internacional. Nos pases em desenvolvimento, nasce do internacional para o nacional. Sobre a influncia do direito internacional ambiental na formao do direito ambiental brasileiro, atente para o seguinte questionamento:

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3) Compare o texto do artigo 225 da Constituio Federal de 1988 abaixo com os textos das Declaraes de Estocolmo e do Rio de Janeiro. Aponte quais os dispositivos especificamente que podem ter sido influenciados direta ou indiretamente pelas deliberaes na esfera internacional.

Artigo 225, da Constituio Federal de 1988: CAPTULO VI DO MEIO AMBIENTEArt. 225. Todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Pblico e coletividade o dever de defend-lo e preserv-lo para as presentes e futuras geraes. 1Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Pblico: Ipreservar e restaurar os processos ecolgicos essenciais e prover o manejo ecolgico das espcies e ecossistemas; IIpreservar a diversidade e a integridade do patrimnio gentico do Pas e fiscalizar as entidades dedicadas pesquisa e manipulao de material gentico; IIIdefinir, em todas as unidades da Federao, espaos territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alterao e a supresso permitidas somente atravs de lei, vedada qualquer utilizao que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteo; IVexigir, na forma da lei, para instalao de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradao do meio ambiente, estudo prvio de impacto ambiental, a que se dar publicidade; Vcontrolar a produo, a comercializao e o emprego de tcnicas, mtodos e substncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VIpromover a educao ambiental em todos os nveis de ensino e a conscientizao pblica para a preservao do meio ambiente; VIIproteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as prticas que coloquem em risco sua funo ecolgica, provoquem a extino de espcies ou submetam os animais a crueldade. 2Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com soluo tcnica exigida pelo rgo pblico competente, na forma da lei. 3As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitaro os infratores, pessoas fsicas ou jurdicas, a sanes penais e administrativas, independentemente da obrigao de reparar os danos causados. 4A Floresta Amaznica brasileira, a Mata Atlntica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira so patrimnio nacional, e sua utilizao far-se-, na forma da lei, dentro de condies que assegurem a preservao do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.FGV DIREITO RIO 18

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5So indisponveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por aes discriminatrias, necessrias proteo dos ecossistemas naturais. 6As usinas que operem com reator nuclear devero ter sua localizao definida em lei federal, sem o que no podero ser instaladas. 4) Para ilustrar a influncia dos textos das Declaraes de Estocolmo e do Rio na formao de princpios que, posteriormente, so incorporados ao direito ambiental brasileiro, bem como dos conflitos de interesse existentes poca e que dividiam os pases do Norte e do Sul, considere o quadro abaixo, preparado pelos alunos da graduao da Escola de Direito da Fundao Getulio Vargas no Rio de Janeiro (FGV DIREITO RIO), Adriana Reino, Marcus Vinicius Rondinelli e Luiz Phillippe DEa:

Princpios e Interesses dos pases do Nortee do Sul | Declarao da Conferncia de ONU no Ambiente Humano 72Estocolmo 72Princpios Norte Sul

Direito sadia qualidade de vida

- 1 > Primeira parte (bem comum);

- 1 > primeira parte interesse comum (bem comum), segunda parte problemas histricos dos pases do sul; - 8 > Interesse do sul que busca se desenvolver

Acesso equitativo aos recursos naturais

- 2 > interesse comum (preservao); - 3 > interesse comum contudo uma preocupao primordial do norte devido a escassez de terra; - 4 > interesse do norte ao querer delimitar a forma de desenvolvimento; - 5 > Interesse do norte de ter acesso aos recursos naturais do sul; - 14 > interesse do norte ao querer delimitar a forma de desenvolvimento; - 16 > Interesse do Norte preocupao demogrfica. - 22 > interesse comum

- 2 > interesse comum (preservao); - 10 > interesse do sul, versa unicamente sobre os pases e, desenvolvimento

Precauo e preveno

- 15 > interesse do sul ao determinar o abandono dos projetos colonialistas; - 16 > interesse do sul em controlar o consumo nos pases do norte

Reparao

Informao

- 19 > Interesse do Norte em disseminar suas regras;

- 11 > Interesse do sul pois determina o incentivo ao crescimento dos pases em desenvolvimento; - 20 > Interesse do Sul de ter acesso a tecnologia

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Participao

- 1, primeira parte > interesse comum (bem comum); - 4 > Interesse do Norte ao querer delimitar a forma de desenvolvimento; - 6 > Interesse do Norte contra a industrializao do sul; - 24 > Interesse comum (origem norte); - 25 > Interesse Comum. - 7 > Interesse comum; - 11 > Interesse do sul pois determina o incentivo ao crescimento dos pases em desenvolvimento; - 13 > Interesse do Norte que busca delimitar a forma de crescimento do sul; - 17 > interesse do sul em proteger das influncias externas; - 22 > Interesse comum - 18 > Interesse comum - 2; 3; 4; 5; 6; 7; 13; 14; 15; 16

- 25 > Interesse Comum; - 26 > Interesse do Sul que no Possui tais armas.

Obrigatoriedade de interveno do Poder Pblico

- 7 > Interesse comum

Acesso tecnologia Desenvolvimento Sustentvel

- 18 > Interesse comum

Soberania Nacional

- 21 > Interesse comum; - 17 > interesse do sul em proteger das influncias externas.

- 21 > Interesse comum; - 23 > Interesse do sul ao se proteger de normas adequadas apenas aos pases do norte e dos altos custos de implementao destas.

Princpios e Interesses dos pases do Nortee do Sul | Declarao do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento 92

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Princpios das Declaraes de Estocolmo que aparecem na CF/88 CF/88Princpios CF/ 88

Direito sadia qualidade de vida

Art. 225, caput: (...) bem de uso comum do povo e essencial sadia qualidade de vida (...); Art 225, 1, V: controlar a produo, a comercializao e o emprego de tcnicas, mtodos e substncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida (...)

Acesso equitativo aos recursos naturais

Art. 225, caput: (...) todos tm direito ao meio ambiente (...). Art. 225, 2: Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado (...). Art 225, 3: sanes penais e administrativas, independente da obrigao de reparar os danos causados. Art 225, 1, IV: exigir, na forma da lei, para a instalao de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradao do meio ambiente, estudo prvio de impactos ambiental (...); Art 225, 1, V: controlar a produo, a comercializao e o emprego de tcnicas, mtodos e substncias que comportem risco (...) Art 225, 1, VII: vedadas, na forma da lei, as prticas que coloquem em risco sua funo ecolgica (...); Art 225, 6 (limitao na instalao e localizao de usinas nucleares). Art 225, 2: Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente; Art 225, 3: sanes penais e administrativas, independente da obrigao de reparar os danos causados. Art 225, 1, VI: promover a educao ambiental em todos os nveis de ensino e a conscincia pblica para a preservao do meio ambiente. Art 225, caput: impondo-se (...) e a coletividade o dever de defend-lo e preserv-lo (...). Art 225, caput: (...) impondo-se ao poder pblico (...) o dever de defend-lo e preserv-lo para as presentes e futuras geraes.; Art 225, 1, I, II, III, IV, V, VI, VII; Art 225, 2: soluo tcnica exigida por rgo pblico competente, na forma da lei.; Art 225, 4: (...), e sua utilizao far-se-, na forma da lei, dentro de condies que assegurem (...).

Usurio-pagador e Poluidorpagador

Precauo e preveno

Reparao

Informao

Participao

Obrigatoriedade de interveno do Poder Pblico

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Acesso tecnologia

Art 225, 6 (usinas nucleares so possveis, mas com limitao). Art 225, 1: (...) patrimnio gentico do pas (...); Art 225, 4: (...) patrimnio nacional (...). Art 225, caput: Todos tm direito (...). Art 170, inc. VI A ordem econmica, fundada na valorizao do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existncia digna, conforme os ditames da justia social, observados os seguintes princpios: (...) IV defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e servios e de seus processos de elaborao e prestao:

Soberania Nacional

Igualdade

Desenvolvimento sustentvel

AUTONOMIA DO DIREITO AMBIENTAL Sobre a autonomia do direito ambiental, importante posicionamento pode ser extrado de obra sob a coordenao de Jos Joaquim Canotilho:Por nossa parte defendemos a idia segundo a qual se pode e deve falar em Direito do Ambiente no s como campo especial onde os instrumentos clssicos de outros ramos do Direito so aplicados, mas tambm como disciplina jurdica dotada de substantividade prpria. Sem com isso pr de lado as dificuldades que tal concepo oferece e condicionamentos que sempre tero de introduzir-se a tal afirmao.1

O direito ambiental rompe com a noo clssica da autonomia do direito pelo cientificismo que lhe foi atribudo pelas teorias da tradio civilstica. Trata-se de uma rea com origem em um paradigma social e econmico, tpico da sociedade ps-moderna ou de risco. Dentro dos estritos limites da hermenutica jurdica, o direito ambiental foi includo no rol dos denominados novos direitos. Novos para o direito porque inauguram a fase de quebra da restrita viso da autonomia e independncia do prprio direito. E, sobretudo, porque so direitos que desafiam a capacidade dos juristas de resolverem os problemas fticos pela via da construo de teorias a partir de pensamentos, julgados, textos de lei ou tcnicas argumentativas preexistentes. No estrito campo da cincia jurdica, esses novos direitos desafiam os juristas clssicos atravs de correntes doutrinrias que os definem como direitos de terceira gerao. Estariam enquadrados ou como um subramo do direito civil e, portanto, privado, ou como um subramo dos direitos constitucional e administrativo, logo, pblico. A resistncia autonomia do direito ambiental dentro da cincia jurdica no resiste ao processo interpretativo da identificao das suas fontes. Ao contrrio de ou-

1. Jos Joaquim Gomes Canotilho (coordenador), Introduo ao Direito do Ambiente, Universidade Aberta (1998).

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tras disciplinas consolidadas dentro da dicotmica diviso pblico / privado, o direito ambiental tem na cincia, na tcnica, nas grandes catstrofes e, como decorrncia, nos movimentos populares a sua fonte material maior. Com preciso, Antunes constatou o paradigma diferenciado das fontes materiais do direito ambiental. E, ento, dividiuas em sua obra entre fontes materiais e fontes formais. Segundo o autor, seriam fontes materiais os movimentos populares, as descobertas cientficas e a doutrina jurdica. J as fontes formais, segundo Antunes, elas (...) no se distinguem ontologicamente daquelas que so aceitas e reconhecidas como vlidas para os mais diversos ramos do Direito. Consideram-se fontes formais do DA: a Constituio, as leis, os atos internacionais firmados pelo Brasil, as normas administrativas originadas dos rgos competentes e jurisprudncia.2 A peculiaridade da constatao do diferencial de fontes materiais do direito ambiental decorrncia de uma chamada crise ecolgica que insere na sociedade psmoderna a necessidade de gerir o risco ambiental. Logo, a questo ambiental extrapola os limites do debate em torno da autonomia da matria no mbito da cincia do direito, para se transformar em um paradigma que exige adaptao reinterpretativa de todas as reas do conhecimento. No prprio direito, esse paradigma faz surgir um ramo autnomo, que impe regras de conduta entre pessoas e o meio ambiente. E vai alm: dentro da prpria cincia do direito, a questo ambiental exige que outros ramos, tidos como clssicos, como o constitucional, o administrativo e o prprio direito civil sejam reinterpretados. O reflexo prtico dessa constatao se concretiza, por exemplo, na recepo do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e a necessidade de significado a este conceito normativo; na necessria adequao dos instrumentos clssicos do direito administrativo s especificidades do papel do Poder Pblico na garantia desse direito; e na incorporao da noo da funo socioambiental da propriedade, para citar apenas alguns.

DIREITOS E INTERESSES COLETIVOS A complexidade e evoluo da sociedade moderna fizeram com que uma terceira gerao de direitos se delineasse, quebrando a diviso clssica do direito de tradio civilstica entre pblico e privado. Incluem-se dentro desta nova gerao, direitos como o do consumidor e o prprio ambiental. Caracterizam-se pela coletividade da titularidade e complexidade do bem protegido e das intervenes estatais por meio de regulao em reas antes estritamente privadas. Com isso, novas formas de tutela e proteo dos interesses e direitos que j no mais so individualizados, passam a exigir uma reestruturao da teoria clssica do direito, abrindo espao para novas disciplinas jurdicas, dentre elas, o direito ambiental. Desse debate, emerge corrente doutrinria em oposio que parte da noo de transindividualidade ou metaindividualidade do interesse ou do direito tutelado para enquadrar os direitos da terceira gerao, ou quarta, como preferem alguns,3 como direitos coletivos em sentido amplo. A caracterstica marcante desses direitos estaria no embasamento principiolgico da solidariedade. Esta categorizao ultrapassaria os objetivos

2. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2008, pp. 50-54. 3. Ver Ada Pellegrini Grinover, Parecer de 7 de dezembro de 2001, reimpresso in- Nelson Nery Junior, Autonomia do direito ambiental 194, 196,in Polticas Pblicas Ambientais Estudos em homenagem ao Professor Michel Prieur (Coord. Clarissa Ferreira Macedo DIsep, Nelson Nery Junior e Odete Medauar, Editora Revista dos Tribunais, 2009) ([N]as Liberdades Pblicas, os direitos ambientais integram a chamada quarta gerao dos direitos fundamentais (direitos de solidariedade);).

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meramente formais da necessidade de se desenvolver mecanismos de instrumentalizao desses direitos, para assumir contornos de um direito material em virtude da sua natureza e objeto da tutela. Diante da constatao de uma nova categoria de direitos de titularidade j no mais necessariamente individuais, mas tambm coletiva, surge a noo de direitos e interesses metaindividuais, tipificados pelo ordenamento jurdico brasileiro no art. 81, nico, incs. I, II e III da Lei 8.078/1990 (Cdigo de Defesa do Consumidor), o qual dispem:I interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Cdigo, os transindividuais, de natureza indivisvel, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstncias de fato; II interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Cdigo, os transindividuais de natureza indivisvel de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a outra parte contrria por uma relao jurdica base; III interesses ou direitos individuais homogneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Apesar da aparente complexidade terica dos conceitos expostos pelo referido dispositivo legal, alguns elementos distintivos podem ser destacadas para facilitar a compreenso dos conceitos. Primeiramente, preciso destacar que os trs grupos de interesses e direitos acima descritos fazem parte da categoria, ou melhor, so espcies do gnero direitos coletivos em sentido amplo. Este, portanto, formado por pelos direitos e interesses (i) difusos, (ii) coletivos em sentido estrito e (iii) individuais homogneos. Dois critrios so utilizados pela doutrina para distinguir os direitos metaindividuais, so eles: (i) objetivo (a anlise da divisibilidade ou no do bem tutelado) e (ii) subjetivo (anlise da possibilidade de determinao ou no dos titulares do direito e do elo de ligao entre eles: circunstncias de fato, relao jurdica-base ou origem comum)4. Dessa forma, nas lies de Yoshida (pp. 3 e 4), os direitos e interesses metaindividuais se diferenciam da seguinte forma:Os direitos e interesses difusos caracterizam-se pela indivisibilidade de seu objeto (elemento objetivo) e pela indeterminabilidade de seus titulares (elemento subjetivo), que esto ligados entre si por circunstncias de fato (elemento comum). J os direitos e interesses coletivos caracterizam-se pela indivisibilidade de seu objeto (elemento objetivo) e pela determinabilidade de seus titulares (elemento subjetivo), que esto ligados entre si, ou com a parte contrria por uma relao jurdica-base (elemento comum). Os direitos e interesses individuais homogneos, por sua vez, caracterizamse pela divisibilidade de seu objeto (elemento objetivo) e pela determinabilidade de seus titulares (elemento subjetivo), decorrendo a homogeneidade da origem comum (elemento comum). (negrito do original)

4. Sobre o tema ver YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizado. Tutela dos Interesses Difusos e Coletivos. So Paulo. Juarez de Oliveira, 2006, p. 3.

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Importa ressaltar que, ao contrrio dos direitos difusos e coletivos em sentido estrito, a natureza coletiva dos direitos e interesses individuais homogneos est muito mais afeta forma da legitimidade postulatria do que propriamente da indivisibilidade da leso a direito subjetivo. A relevncia prtica para o Direito Ambiental da precisa identificao e articulao dos conceitos e teoria dos direitos metaindividuais significativa. Segundo Fiorillo5, a Lei 6.938/81 (Poltica Nacional do Meio Ambiente) representou um grande impulso na tutela dos direitos metaindividuais e, nesse caminhar legislativo, em 1985, foi editada a Lei n. 7.347, que, apesar de ser tipicamente instrumental, veio a colocar disposio um aparato processual toda vez que houvesse leso ou ameaa de leso ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artstico, esttico, histrico, turstico e paisagstico: a ao civil pblica. (itlico do original). Foi a Constituio Federal de 1988 que consagrou a metaindividualidade do bem ambiental, ainda nas palavras de Fiorillo6, (...) alm de autorizar a tutela de direitos individuais, o que tradicionalmente j era feito, passou a admitir a tutela de direitos coletivos, porque compreendeu a existncia de uma terceira espcie de bem: o bem ambiental. Tal fato pode ser verificado em razo do disposto no art. 225 da Constituio Federal, que consagrou a existncia de um bem que no pblico nem, tampouco, particular, mas sim de uso comum do povo. (itlico do original).

CONCEPES DE DIREITO AMBIENTAL A partir do desenvolvimento e consolidao do direito ambiental como um ramo com princpios, normas e regulamentos prprios, surge a necessidade de interpretao desse direito luz de duas abordagens conceituais distintas, mas com reflexos prticos importantes. Trata-se, como convencionou a doutrina nacional e estrangeira, da abordagem antropocntrica e ecocntrica do direito ambiental. A primeira seria uma forma de interpretao do direito ambiental mais utilitarista. A segunda reconhece os valores intrnsecos aos elementos biticos e abiticos que compem o macro bem ambiental independentemente da relao de dependncia que a vida humana mantm com os bens, recursos e servios ambientais. Esse debate, apesar de instigar embates tericos desafiantes, pode apresentar consequncias prticas na forma de interpretao dos litgios ambientais. Segundo a abordagem antropocntrica, as regras de conduta do direito ambiental orientam a relao entre indivduo e natureza apenas enquanto necessria racional utilizao de bens e recursos essenciais para a sadia qualidade da vida humana. A proteo e a conservao do meio ambiente, nesse caso, justificam-se apenas enquanto interveno necessria garantia de padres de qualidade e bem-estar dos indivduos que compem determinada sociedade. Parte-se do princpio de que o simples direito vida j no mais suficiente para atender ao princpio constitucional da dignidade da pessoa humana. Logo, no basta mais a garantia da vida, preciso que ela seja usufruda com qualidade que, por sua vez, passa necessariamente por aes e medidas que propor-

5. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. So Paulo: Saraiva, 2008, p. 3. 6. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. So Paulo: Saraiva, 2008, p. 3.

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cionem um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Essa , portanto, a essncia da orientao antropocntrica da interpretao do direito ambiental. Por outro lado, ao se pensar o bem tutelado pelo direito ambiental como um conjunto de elementos biticos e abiticos que se estruturam em micro bens para efeitos da organizao dessa tutela (e.g., flora, fauna, ar, atmosfera, solo, gua, etc), reconhece-se que, embora no diretamente relacionados vida humana, so no apenas necessrios a ela, mas tambm s diversas outras formas de vida que se desenvolvem e dependem dos bens, servios e recursos ambientais. Logo, as regras de proteo e conservao do meio ambiente se justificam primeiramente pelo valor que a vida em suas diversas formas tem e, apenas subsidiariamente, pela garantia de qualidade de vida aos indivduos que do equilbrio do meio dependem. A essa orientao interpretativa do direito ambiental, tem-se convencionado chamar de ecocentrismo. Dela decorrem correntes dogmticas dentro do prprio direito ambiental, como o direito dos animais, por exemplo. Na prtica, um exemplo de escolhas normativas que poderiam diferenciar a abordagem antropocntrica das ecocntrica, resume-se diferenciao entre os termos conservao e/ou preservao e proteo. A Lei n. 9.985/2000 que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservao pode ser utilizada como parmetro para ilustrar a premissa aqui proposta. Por preservao, o referido diploma fez constar se tratar do conjunto de mtodos, procedimentos e polticas que visem a proteo a longo prazo das espcies, habitats e ecossistemas, alm da manuteno dos processos ecolgicos, prevenindo a simplificao dos sistemas naturais.7 Percebe-se, pois, a possibilidade da compatibilizao da noo de uso sustentvel e direto dos recursos naturais, tpica da concepo utilitarista do bem ambiental. Por outro lado, ao definir proteo integral, o legislador definiu a inteno de manuteno dos ecossistemas livres de alteraes causadas por interferncia humana, admitido apenas o uso indireto dos seus atributos naturais.8 Ou seja, uma manifestao de vontade que pode facilmente ser justificada por escolhas ecocntricas dentro do direito ambiental.

7. Artigo 2, inciso V, da Lei n. 9.985 de 18 de julho de 2000, disponvel em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ Leis/L9985.htm. 8. Artigo 2, inciso VI, da Lei n. 9.985, de 18 de julho de 2000, disponvel em http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/Leis/L9985.htm. 9. Ver Jos Afonso da Silva, Direito Ambiental Constitucional, 47-50 (Malheiros Editores, 7 Ed., 2009) (listando os dispositivos constitucionais que fazem meno explcita e implcita ao meio ambiente). 10. Jos Afonso da Silva, Direito Ambiental Constitucional, 46 (Malheiros Editores, 7 Ed., 2009) 11. Paulo Affonso Leme Machado, Direito Ambiental Brasileiro, 128 (Malheiros Editores, 18 Ed., 2010) (A Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988 a primeira Constituio Brasileira em que a expresso meio ambiente mencionada) 12. Jos Afonso da Silva, Direito Ambiental Constitucional, 46 (Malheiros Editores, 7 Ed., 2009) (As Constituies Brasileiras anteriores de 1988 nada traziam especificamente sobre a proteo do meio ambiente natural. Das mais recentes, desde 1946, apenas se extraa orientao protecionista do preceito sobre a proteo da sade e sobre a competncia da Unio para legislar sobre gua, florestas, caa e pesca, que possibilitavam a elaborao de leis protetoras como o Cdigo Florestal e os Cdigos de Sade Pblica, de gua e de Pesca.).

NOMENCLATURA E DIMENSES CONCEITUAIS O direito ambiental, enquanto regulador de condutas das pessoas em relao ao meio em que esto inseridas, foi constitucionalizado e marcado pela expresso meio ambiente. Aparece em captulo prprio, Captulo VI Do Meio Ambiente alm de em outros dispositivos da Constituio.9 Alis, como observado por Jos Afonso da Silva, a Constituio de 1988 foi a primeira a tratar deliberadamente da questo ambiental.10 Da mesma forma, referncia expressa ao termo meio ambiente nas Constituies brasileiras s aparece na de 1988.11 Nas Constituies anteriores, a proteo ambiental era garantia indireta de outros valores constitucionais como, por exemplo, o direito sade e vida e enquanto normas meramente de competncia legislativa que permitiam instrumentos legais infraconstitucionais.12 Ao ser inserida na Constituio Federal, a expresso meio ambiente ganha contornos jurdicos, o que enseja uma conceituao prpria e distinta das propostas por outras reas do conhecimento cientfico.

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Enquanto disciplina autnoma, a expresso direito do meio ambiente apenas uma dentre vrias utilizadas para se referir a este ramo do direito. Alguns exemplos incluem: direito ecolgico,13 direito da natureza, direito ambiental, direito do meio ambiente e direito do ambiente. As duas primeiras expresses so mais utilizadas quando se pretende delimitar o objeto da tutela. Nesses casos, reduzido ao ambiente natural apenas. Nas demais, o objeto da tutela incluiria tambm o meio artificial. Na prtica, independentemente da abrangncia da tutela, a nomenclatura mais usual direito ambiental ou direito do ambiente. A abrangncia da tutela seria determinada no pela nomenclatura, mas sim pela delimitao conceitual deste ramo do direito. Assim, uma noo estrita limita a tutela ao meio ambiente natural apenas. Uma noo ampla estende a tutela para incluir tambm o meio ambiente artificial e cultural. A relevncia prtica desta teorizao se justifica apenas enquanto definidora da abrangncia da tutela. Ao delimitar o objeto da tutela, o conceito de direito ambiental pode ser dividido em duas categorias distintas de nomenclatura: uma que associa o ramo do direito natureza, preservao dos ecossistemas, ecologia, etc.; e outra que tenha o condo de englobar o meio como um todo. A diferena entre nomes somente ter algum efeito prtico se a distino for entre uma ou outra categoria. Assim, dependendo da categoria utilizada, a nomenclatura estar limitando ou expandindo o objeto da tutela. Mas ainda que partindo da nomenclatura mais usual para definio deste direito, ou seja, direito ambiental ou do ambiente, por exemplo, pode-se pensar numa distino ligada ao objeto da tutela a partir de uma noo estrita ou de uma noo ampla de meio ambiente. Ou seja, focando apenas os elementos naturais, no primeiro caso, e englobando tambm os elementos naturais, no segundo caso.14 Em acrdo de 2005, em medida cautelar em ao direta de inconstitucionalidade, o STF fez constar que a defesa do meio ambiente (...) traduz conceito amplo e abrangente das noes de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espao urbano) e de meio ambiente laboral.15 Ao se admitir que o objeto da tutela do direito ambiental to amplo quanto abrangncia conceitual da palavra meio ambiente, surge a necessidade de compatibilizao das regras de conduta impostas pelo ordenamento jurdico ambiental com as de outros ramos do direito. Existe, portanto, uma relao diretamente proporcional entre a abrangncia da tutela a partir da delimitao conceitual e os potenciais conflitos dentro de uma ordem constitucional complexa, como a brasileira. Assim, quando a abrangncia da tutela engloba tambm o meio ambiente artificial e cultural, o conceito jurdico de meio ambiente pode suscitar conflitos endgenos. Ou seja, com outros valores e normas produzidos pela prpria cincia do direito. Como o direito ambiental um ramo da cincia jurdica que cria regras de condutas diante de situaes de incerteza, a expanso do conceito de meio ambiente para alm da ordem jurdica em que se insere pode conflitar com outros direitos igualmente fundamentais e, com isso, pode acabar diminuindo a proteo que supostamente o julgador quis garantir em deciso singular.

13. A expresso Direito Ecolgico foi utilizada em obra pioneira, de 1975, de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, com base em conceito que j havia sido proposto em um artigo de Srgio Ferraz publicado na Revista da ConsultoriaGeral do Rio Grande do Sul em 1972. Para Diogo F. M. Neto, Direito Ecolgico o conjunto de tcnicas, regras e instrumentos jurdicos sistematizados e informados por princpios apropriados, que tenham por fim a disciplina do comportamento relacionado ao meioambiente.. Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Introduo ao Direito Ecolgico e ao Direito Urbanstico, p. 26, Editora Forense, 1975. 14. Ver Cludia Maria Cruz Santos et al., Introduo ao Direito do Ambiente, 21-24, (Universidade Alberta, Coord. cientfica de Jos Joaquim Gomes Canotilho, 1998). 15. Med. Caut. Em Ao Direta de Inconstitucionalidade 3.540-1, Distrito Federal, STF, Tribunal Pleno, 1/ set.2005.

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ATIVIDADES16 Quais as razes que tornam a proteo do ambiente uma das preocupaes fundamentais dos cidados atualmente? 2. Por que razo os juristas encaram as questes ambientais com base numa abordagem interdisciplinar? 3. Quais os principais problemas com que se defrontam os juristas na regulao jurdica dos problemas ambientais? 4. Quais as pr-compreenses do Direito do Ambiente? Como se caracterizam? 5. De que forma a opo pela abordagem terica ecocntrica ou antropocntrica na construo de ordenamento jurdicos ambientais pode influenciar decisivamente questes prticas de conciliao entre desenvolvimento e conservao ambiental? 6. Qual a diferena entre o conceito de meio ambiente e o conceito de direito ambiental? Por que esta distino importante? 7. Em que consiste o conceito estrito de ambiente? Quais so as principais crticas que se lhe podem dirigir e quais as suas vantagens? 8. Pode-se considerar o ambiente como novo bem jurdico protegido pelo direito? Por qu? 9. Em que consiste a implicao ou referncia sistmico-social da noo de bem jurdico ambiental? 10. Articulando os dispositivos constitucionais pertinentes, possvel afirmar que o direito ao ambiente hoje um (novo) direito fundamental dos cidados? 1.

MATERIAL COMPLEMENTAR (BIBLIOTECA VIRTUAL) Legislao 1. 2. 3. Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente (Declarao de Estocolmo de 1972); Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Declarao do Rio de Janeiro de 1992); Constituio Federal, Artigos 184, 186 e 225.16. Algumas das questes neste tpico foram extradas da obra Introduo ao Direito do Ambiente, Jos Joaquim Gomes Canotilho (coordenador) (1998), p. 37. 17. Presidente do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente (CEDOUA) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Portugal. O autor discorre sobre a formao de um direito autnomo especificamente dedicado tutela da relao entre homem e meio ambiente.

Leitura Indicada Jos Joaquim Gomes Canotilho17 (coordenador), Introduo ao Direito do Ambiente, Universidade Aberta (1998). Pp. 19-36.

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Jurisprudncia STF MS 22.164-0-SP (Impetrante: Antnio de Andrade Ribeiro Junqueira, Impetrado: Presidente da Repblica), 30/out./1995, pp. 16-22; Ementa: A QUESTO DO DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO DIREITO DE TERCEIRA GERAO PRINCPIO DA SOLIDARIEDADE. O direito integridade do meio ambiente tpico direito de terceira gerao constitui prerrogativa jurdica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmao dos direitos humanos, a expresso significativa de um poder atribudo, no ao indivduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, prpria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira gerao (direitos civis e polticos) que compreendem as liberdades clssicas, negativas ou formais realam o princpio da liberdade e os direitos de segunda gerao (direitos econmicos, sociais e culturais) que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas acentuam o princpio da igualdade, os direitos de terceira gerao, que materializam poderes de titularidade coletiva atribudos genericamente a todas as formaes sociais, consagram o princpio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expanso e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade.

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AULA 2. PRINCPIOS DO DIREITO AMBIENTAL A crescente preocupao social com as questes ambientais influenciou a comunidade internacional e as legislaes constitucionais e infraconstitucionais de diversos pases a enveredar para a elaborao de normas de proteo do meio ambiente. A conscientizao de que os recursos naturais renovveis ou no renovveis so limitados clamou por uma interveno legislativa capaz de reconstruir modelos clssicos desenvolvimentistas. Esta reconstruo passou a impor ao desenvolvimento econmico a racional utilizao dos recursos naturais e fez com que os processos industriais passassem a internalizar as externalidades ambientais. A este novo projeto de desenvolvimento econmico, resolveu-se incluir a noo de sustentvel como nica forma vivel de evitar a degradao do meio ambiente a nveis que permitam a sadia qualidade de vida no planeta. Para orientar esta atividade normativa, diversos princpios surgiram tanto em mbito internacional, como no plano nacional e serviram tambm para auxiliar na interpretao de conceitos legislativos e sanarem lacunas desta recm nascida disciplina jurdica. Por ser uma disciplina ainda em evoluo, com extrema dependncia de outras reas do conhecimento cientfico (interdisciplinaridade) e modelada de forma singular pelas circunstncias do caso concreto, a aplicao dos princpios do direito ambiental na soluo de controvrsias e na elaborao de polticas pblicas assume especial relevncia. Como integrante do rol dos direito fundamentais, o direito ambiental ainda convive com uma lista extensa de outros direitos igualmente fundamentais e constitucionalmente garantidos. A ponderao, no caso concreto, com recurso razoabilidade e proporcionalidade, torna-se instrumento indispensvel. Esta aula, portanto, pretende introduzir alguns dos mais importantes princpios do direito ambiental e trabalhar a aplicao dos conceitos a eles inerentes ao caso concreto. A seguir apresentamos breves consideraes tericas sobre os principais princpios que orientam o ordenamento jurdico ambiental brasileiro.

PRINCPIO DO DIREITO SADIA QUALIDADE DE VIDA O reconhecimento do direito vida j no mais suficiente. Passa-se a uma nova concepo de que o direito vida no completo se no for acompanhado da garantia da qualidade de vida. Os organismos internacionais passam a medir a qualidade de vida no mais apenas com base nos indicadores econmicos e comeam a incluir fatores e indicadores sociais. O meio ambiente ecologicamente equilibrado pressuposto de concretizao de satisfao deste princpio. No seu vis antropocntrico, o direito ambiental consagrada o princpio da sadia qualidade de vida como decorrncia do princpio da dignidade da pessoa humana, que pauta o regime constitucional brasileiro. A vida um direito fundamental que apenas se completa com as garantias sociais, econmicas e ambientais. O equilbrio do meio ambiente , assim, um pressuposto da garantia da qualidade da vida com dignidade. E, portanto, deve ser garantido pelo Poder Pblico enquanto gestor dos bens, recursos e servios ambientais.FGV DIREITO RIO 30

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A sadia qualidade de vida constitui-se como uma verdadeira aspirao, consequncia de um desejo social de proteo e conservao ambiental manifestado no artigo 225, da Constituio Federal de 1988. A materializao da sadia qualidade de vida depende de outros princpios com contedo mais concreto e de normas e regras tcnicas que reflitam o grau de aceitao dos riscos a que uma determinada sociedade ou comunidade est disposta a aceitar. Interessante notar que a doutrina do direito ambiental, em geral, no apresenta uniformidade sobre nomenclatura e contedo dos princpios que orientam a matria. Com frequncia os manuais, artigos e outras obras doutrinrias fazem referncia a uma multiplicidade de princpios, listando-os em sequncia que, por vezes, parece sem fim. Este trabalho procura relacionar aqueles princpios que constituem a base do sistema, sem com isso pretender esgotar a lista ou a possibilidade de existncia de outros comandos principiolgicos que aparecem em trabalhos doutrinrios ou mesmo em acrdos sobre direito ambiental.

PRINCPIO DO ACESSO EQUITATIVO AOS RECURSOS NATURAIS Noes de equidade na utilizao dos recursos naturais disponveis passam a ser correntes em diversos ordenamentos jurdicos. Esta equidade seria buscada no apenas entre geraes presentes, mas tambm e aqui reside uma grande quebra de paradigma com as geraes futuras. Assim, passa-se a adotar a noo de que a utilizao dos recursos naturais no presente somente ser aceita em quantidades que no prejudiquem a capacidade de regenerao do recurso, a fim de garantir o direito das geraes vindouras. Alis, a prpria definio deste princpio do acesso equitativo aos recursos naturais j se mostra insuficiente. Isso porque, o bem objeto da tutela ambiental no se resume aos recursos naturais. Engloba tambm os bens e servios ambientais. Diante do dever constitucional do Poder Pblico de garantir o equilbrio do meio, recai dentro da esfera de gesto dos rgos com competncia para tanto, no apenas a regulamentao do acesso aos recursos naturais, mas tambm do acesso em relao aos bens e servios ambientais. A aplicao prtica do princpio do acesso equitativo nem sempre pacfica. Regras de diferenciao da forma de acesso e de hierarquia para acessar o recurso natural devem ser ponderadas pelo gestor pblico responsvel pela deciso sobre a autorizao de acesso. Faz-se, por isso, necessrio diferenciar o acesso em trs categorias distintas: 1) visando impactar o ambiente; 2) visando utilizar os bens, recursos e servios ambientais; e 3) visando contemplar a paisagem. A partir desta categorizao, regras de hierarquia que considerem a proximidade de determinado conglomerado populacional ou comunidade do bem, recurso ou servio ambiental que se pretende acessar devem informar a atuao do gestor pblico. Alm disso, regras que exijam a comprovao de tecnologia para acesso, de necessidade, de racionalidade e razoabilidade, de proibio de autorizao para utilizao futura e de ponderao entre as exigncias presentes e o direito de futuras geraes, devem tambm fazer parte da rotina da gesto ambiental.FGV DIREITO RIO 31

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PRINCPIOS USURIO-PAGADOR E POLUIDOR-PAGADOR Os princpios do usurio-pagador e do poluidor-pagador, embora fundamentais para o direito ambiental, so muito mais instrumentais do que materiais. Isso quer dizer, que esto intimamente conectados implementao do princpio do acesso equitativo aos bens, recursos e servios ambientais. atravs dos princpios usurio-pagador / poluidor pagador que o gestor pblico lana mo de instrumentos para garantir a razoabilidade e a racionalidade na utilizao dos bens, recursos e servios ambientais. Como decorrncia, servem tambm para internalizar o impacto causado pelas diferentes formas de acesso do bem ambiental, tornando-se efetivo instrumento de garantia do direito das futuras geraes. Quando corretamente dosado no preo, o pagamento pelo acesso promove medidas de racionalizao do uso ou do impacto, alm de permitir que as receitas geradas sejam reinvestidas em programas de melhoria da qualidade ambiental e de investimento em tecnologias mais limpas. Como o termo poluidor juridicamente est conectado a uma conduta ilcita (artigo 3, incs. III e IV, da Lei n. 6.938/81), a nomenclatura empregada para o princpio em comento est equivocada. O acesso causando impacto nem sempre ser poluio, de acordo com a definio legal do termo contida no artigo 3, inc. III, da Lei n. 6.938/81. Por isso, parece mais apropriado a utilizao do termo impactador-poluidor, do que poluidor-pagador. Toda atividade pode impactar o meio, mas nem todo impacto ser considerado poluio. Para ser considerado poluio, preciso que o impacto prejudique a sade, a segurana e o bem-estar da populao; ou que afete desfavoravelmente a biota, ou que afete as condies estticas ou sanitrias do meio ambiente, ou ainda que lance matrias ou energia em desacordo com os padres ambientais estabelecidos. (artigo 3, da Lei n. 6.938/81). Portanto, o termo poluio est intimamente ligado noo de uma conduta ilcita. Ao passo que, impacto, ainda que em prejuzo das condies naturais do meio, pode ser admitido em graus e medidas previstas em normas e regulamentos prprios.

PRINCPIOS DA PRECAUO E PREVENO O direito ambiental inaugura um tipo de demanda especfica pela regulao de condutas antes mesmo da efetiva ocorrncia de um dano ou da mera potencialidade de dano. Com isso, passa a exigir instrumentos sofisiticados de deciso diferenciados de outras reas do direito. O simples risco, ligado ou no concretude e iminncia da ocorrncia de um dano, suficiente para demandar uma resposta regulatria em matria ambiental. Diante da potencialidade do impacto e da natureza do bem protegido (pblico de uso comum), o recurso retrico embasado no incerto no pode ser fundamento para omisso regulatria sobre a matria. Esta premissa a traduo da espinha dorsal do direito ambiental: o princpio da precauo. Surge, ento, um direito tipicamente de risco, com princpios, normas e regulamentos prprios e bastante peculiares s circunstncias que este direito se prope a tutelar. AFGV DIREITO RIO 32

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noo de risco sobre a qual est construda a teoria do direito ambiental se espraia para outros ramos do direito, como o da concorrncia, penal, mdico, consumidor, entre outros. Diante da potencialidade de eventual dano e da sua caracterstica de irreparabilidade, a averso e o controle de determinadas situaes de risco assume contornos de verdadeiro direito material, tutelado, inclusive, pela ordem constitucional. Portanto, o recurso precauo, preveno e anlise custo-benefcio, passa a ser ferramenta de instrumentalizao dos chamados direitos de risco. Na prtica, isto quer dizer que a incerteza sobre determinado resultado, diante da complexidade do bem tutelado, da potencialidade de eventual dano e da sua caracterstica de irreversibilidade, demandam do direito uma resposta regulatria a priori, ainda que inexistente a iminncia do dano ou do dano propriamente considerado. Na prtica, isso quer dizer maior interveno seja do Estado, seja dos mecanismos privados de minimizao de risco e administrao de incertezas. Como instrumento decisrio, esta premissa terica se traduz em uma regra de reconhecimento do risco e regulao da incerteza para se evitar a concretizao de eventual externalidade negativa irreparvel ou de difcil reparao. A precauo autoriza, assim, maior presena e controle da atividade empreendedora antes mesmo da ocorrncia de um dano. As vantagens de uma maior interveno so to desafiadoras quanto o estudo das conseqncias socioeconomicas para os casos de excesso de precauo. Como o paradigma ambiental impe restries a diversas atividades econmicas que, por sua vez, so essenciais para a promoo de polticas sociais inclusivas e abrangentes, a percepo do risco e do grau de disposio para assumi-los de cada sociedade bastante distinto e, dependendo de maior ou menor averso a situaes de incerteza, pode significar maior ou menor desenvolvimento e maior ou menor degradao ambiental. Como num investimento financeiro, quanto maior o risco assumido, maior tende ser a realizao do lucro. Quanto mais conservadora for a opo, mais seguro ser a operao, mas menor tambm ser o resultado final. O grau de aceitao dos riscos em matria ambiental no Brasil est juridicamente refletido e vinculado s disposies que constam do artigo 225, da Constituio Federal, ao disposto na Poltica Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/1981) e nos diversos diplomas legais que lidam setorialmente obedecendo uma diviso por microbem, servio ou recurso ambiental. A instrumentalizao do grau aceitvel de risco feito por meio de resolues e normativas dos rgos que compem o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA). Finalmente, o controle do grau de risco juridicamente permitido e socialmente desejvel funo atribuda ao Poder Judicirio. Diante do que se exps, possvel caracterizar a precauo e preveno de acordo com o grau de incerteza sobre o dano e/ou a extenso do dano no caso concreto. O princpio da precauo orienta a interveno do Poder Publico diante de evidncias concretas de ocorrncia de um dano x (ou da extenso do dano x) como fruto de uma ao ou omisso y. Porm, a certeza quanto ao dano x (ou quanto extenso do dano x) no existe, no passando de mera suspeita. Em outras palavras, adotandose uma ao ou deixando-se de adotar uma ao y, h um indcio de ocorrncia de um dano x, mas no a certeza quanto a sua ocorrncia e/ou extenso. A precauo sugere, ento, medidas racionais que incluem a imposio de restries temporrias e oFGV DIREITO RIO 33

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compromisso da continuao de pesquisas tcnicas e cientficas para a comprovao do nexo de causalidade entre a ao ou omisso e o resultado danoso imaginado. No que diz respeito ao princpio da preveno, a sua contextualizao segue a mesma linha, entretanto, h a certeza de que se a ao ou omisso y ocorrer, ocorrer tambm o dano x. Nesse caso, impem-se a proibio, mitigao ou compensao da ao ou omisso y como forma de evitar a ocorrncia do dano ambiental.

PRINCPIO DA REPARAO Diante da complexidade do bem ambiental, toda vez que danificado, complexa tambm ser a reparao dos estragos realizados. O Direito Ambiental enfatiza em sua essncia sempre a precauo e a preveno. Mas, diante da ocorrncia de um dano e na medida do possvel, prevalece e impe-se a preferncia pela reparao ao estado anterior. Apenas na impossibilidade de recuperao do ambiente ao estado anterior que, subsidiariamente, a obrigao se converte em indenizao e/ou em medidas de compensao. O princpio garantidor da restaurao do ambiente degradado o princpio da reparao. No particular, o princpio da recuperao se diferencia do princpio do impactador poluidor, pois que tem natureza compensatria do dano produzido. Ao contrrio, pelo acesso causando impacto, a aplicao do princpio comumente denominado poluidorpagador tem natureza econmica de fomentar aes pautadas pela razoabilidade e racionalidade do acesso. Quando aplicado na esfera administrativa, por conduta ou omisso ilcita, o princpio poluidor-pagador se diferencia do princpio da reparao pela sua natureza punitiva.

PRINCPIOS DA INFORMAO E DA PARTICIPAO A Constituio Federal brasileira de 1988, no caput do seu art. 225, impem ao Poder Pblico e coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras geraes. Ou seja, se coletividade previsto o dever de defender e preservar o meio ambiente, esta obrigao somente poder ser exigida com a garantia da participao da sociedade como um todo. Para que a participao (que pode ser materializada atravs de consultas e audincias pblicas, por exemplo) seja qualificada imperioso garantir-se o direito informao ambiental. O art. 5, inc. XIV, da Constituio Federal, assegura a todos o acesso informao. No mbito ambiental, a Poltica Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81) estabelece, no art. 4, inc. V, como um de seus objetivos a divulgao de dados e informaes ambientais e, alm disso, fixa como um dos instrumentos, previsto no art. 9, inc. XI, a garantia da prestao de informaes relativas ao meio ambiente, ficando o Poder Pblico obrigado a produzir tais informaes, quando inexistentes. A Declarao do Rio de Janeiro de 1992, tambm consagra o princpio em comento (Princpio 10 da Declarao).FGV DIREITO RIO 34

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O direito informao deve ser entendido em sua concepo geral, abrangendo o acesso a informaes sobre atividades e materiais perigosos, assim como o direito s informaes processuais, tanto no mbito judicial quanto na esfera administrativa.

PRINCPIO DA OBRIGATORIEDADE DA INTERVENO DO PODER PBLICO Este princpio est intimamente ligado soluo do problema da tragdia do bem comum, caracterstica dos bens de uso comum do povo. Em sntese, significa que em um ambiente sem regulao (ou interveno estatal) o comportamento racional humano tenderia ao esgotamento dos recursos naturais. Isso porque, se o acesso aos bens, recursos e servios ambientais no for regulado, a utilizao gratuita por um indivduo implica na privatizao do lucro e na diviso da perda. Logo, se uma determinada rea no for preservada por lei, o simples apelo a sua importncia ecolgica para o ecossistema da regio e para o bem-estar da populao no suficiente para influenciar o comportamento do indivduo racional. Esse indivduo agindo racionalmente tender a utilizar a rea para maximizar o seu ganho individual, e o custo ambiental da utilizao da mesma rea compartilhado com toda a sociedade. Essa constatao clama pela interveno de um gestor para os bens, servios e recursos ambientais compartilhados por toda a sociedade. Por isso, estabelece o artigo 225, da Constituio Federal de 1988, ser dever do Poder Pblico, a garantia do meio ambiente ecologicamente equilibrado. O princpio da obrigatoriedade da interveno do Poder Pblico se assemelha em muito teoria do public trust doctrine do direito norte-americano. Significa, de forma bastante resumida, que a titularidade dos bens, recursos e servios ambientais da populao (todos), e o gestor o Poder Pblico. No caso brasileiro, a gesto de responsabilidade do Poder Pblico das trs esferas da Federao, mais o Distrito Federal (artigos 23 e 24 da Constituio Federal de 1988).

ATIVIDADES 1. 2. 3. 4. 5. O que distingue os princpios da precauo e da preveno? De que forma o princpio da precauo se aplica ao caso Unio Federal e Monsanto vs. IDEC e Greenpeace, cuja ementa transcrita abaixo? O que se entende por princpio da participao? Qual a sua importncia e relevncia prtica? Qual a natureza jurdica e justificativa do princpio do poluidor-pagador? De que forma princpios gerais como o da razoabilidade e proporcionalidade se relacionam com a instrumentalizao dos princpios de direito ambiental?

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MATERIAL COMPLEMENTAR (BIBLIOTECA VIRTUAL) Legislao 1. 2. 3. 4. 5. 6. Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente (Declarao de Estocolmo de 1972); Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Declarao do Rio de Janeiro de 1992); Constituio Federal, Artigo 225; Lei 6.938/1981; Lei 9.605/1998; Lei 10.650/2003.

Leitura Indicada Paulo Affonso Leme Machado, Direito Ambiental Brasileiro, 16 Edio, Editora Malheiros (2008), pp. 57-72 e 74-108.18

Doutrina Utilidade dos Princpios Apesar de terem um contedo relativamente vago, quando comparado com o contedo, muito concreto, de uma norma, a utilidade dos princpios reside fundamentalmente: em serem um padro que permite aferir a validade das leis, tornando inconstitucionais ou ilegais as disposies legais ou regulamentares ou os atos administrativos que os contrariem; no seu potencial como auxiliares da interpretao de outras normas jurdicas e, finalmente, na sua capacidade de integrao de lacunas19. Jos Joaquim Gomes Canotilho [coordenador], Introduo ao Direito do Ambiente, Universidade Aberta [1998], p. 43.)

Jurisprudncia TRF 1 Regio, AC 2000.01.00.014661-1-DF (Apelantes: Unio Federal e Monsanto do Brasil Ltda., Apelados: Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor [IDEC] e Associao Civil Greenpeace), 8/ago./2000.18. O autor descreve em detalhes cada um dos principais princpios formadores do direito ambiental. 19. Uma lacuna a no previso de um caso na lei e a integrao da lacuna consiste na criao da disciplina jurdica para aquele caso concreto.

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