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A ECONOMIA VERDE NO CONTEXTO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTVELA governana dos atores pblicos e privados

FGV Fundao Getulio Vargas Praia de Botafogo 190 Botafogo RJ CEP: 22250-900 Tels: 55 21 3799-5938/6000 E-mail: [email protected] FGV Direito Rio Escola de Direito do Rio de Janeiro Praia de Botafogo, 190 13 andar Tel: 55 21 3799-5445 E-mail: [email protected]

A ECONOMIA VERDE NO CONTEXTO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTVELA governana dos atores pblicos e privados Contribuies feitas Jornada Internacional Preparatria para a Rio + 20, 24 e 25 de Junho, Rio de Janeiro

Carina Costa de Oliveira e Rmulo Silveira da Rocha Sampaio (Orgs.) Prefcio: Paulo Affonso Leme Machado

2011 Fundao Getulio Vargas Direito RIO Programa em Direito e Meio Ambiente PDMA

ISBN: 978-85-63265-15-9 Obra licenciada em: Creative Commons EDIO FGV DIREITO RIO Praia de Botafogo 190 13 andar Botafogo Rio de Janeiro RJ CEP: 22.250-900 e-mail: [email protected] web site: www.direitorio.fgv.br Impresso no Brasil / Printed in Brazil Os conceitos emitidos neste livro so de inteira responsabilidade dos autores. 1 edio 2011-08-26 Superviso e Acompanhamento: Carolina Alves Vestena e Rodrigo Vianna Diagramao: Leandro Collares Selnia Servios Reviso de textos em portugus: Carolina Casarin Capa: Thales Estefani Ficha catalogrfica elaborada pela Biblioteca Mario Henrique Simonsen / FGV A economia do verde no contexto do desenvolvimento sustentvel : a governana dos atores pblicos e privados / Carina Costa de Oliveira, Rmulo Silveira da Rocha Sampaio (organizadores). Rio de Janeiro : FGV, Direito Rio, 2011. 344 p. Contribuies feitas Jornada Internacional Preparatria para a Rio + 20, 24 e 25 de Junho, Rio de Janeiro Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-63265-15-9 1. Propriedade intelectual 2. Economia ambiental. 3. Manejo florestal. 4. Desenvolvimento sustentvel. 5. Direito de propriedade 6. Transferncia de tecnologia. I. Oliveira, Carina Costa de. II. Sampaio, Rmulo Silveira da Rocha. III. Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundao Getulio Vargas. CDD 342.27

APRESENTAO

O Programa em Direito e Meio Ambiente da FGV-Direito Rio-PDMA realizou a Jornada Internacional Preparatria para a Rio + 20, nos dias 24 e 25 de junho de 2011, no Rio de Janeiro. O tema da Jornada, A economia verde no contexto do desenvolvimento sustentvel: a governana dos atores pblicos e privados, buscou encorajar, motivar e direcionar a reflexo acadmica de professores e de outros profissionais com o objetivo de gerar recomendaes normativas para as discusses da Conferncia Rio + 20 que ocorrer em 2012. Os temas centrais da Conferncia economia verde e o desenvolvimento sustentvel suscitam o debate por si mesmos. O que seria economia verde? A economia verde deveria ter como objetivo o desenvolvimento sustentvel e a erradicao da pobreza? Mas o que exatamente o desenvolvimento sustentvel? Uma definio mais precisa desses termos ser fundamental para que os aplicadores das normas no se ocupem tentando interpret-los durante todo o sculo 21. E exatamente isso que est ocorrendo. A noo de desenvolvimento sustentvel utilizada tanto para justificar polticas pblicas como para ilustrar o comportamento cvico de uma empresa e para mobilizar o cidado a cuidar do planeta. A expresso tem um enorme poder comercial. O problema que quando se trata de garantir direitos, de incluir a participao dos cidados e de implementar polticas que pretendam conectar os aspectos ambientais, sociais e econmicos, a vinculao a uma expresso abstrata imobiliza todo o seu potencial. O resultado que o objetivo de se preservar para garantir a existncia das geraes futuras no est conseguindo amparar a gerao presente. O conceito de desenvolvimento sustentvel, teoricamente positivado no Princpio 3 da Agenda 21, trata de atender equitativamente s necessidades, em termos de desenvolvimento e de ambiente, das geraes atuais e futuras. A grande questo : de quem seriam essas necessidades? Quais seriam essas necessidades? Uma pequena pista para a construo da juridicidade do termo ocorreu na deciso de 2005 da Corte Permanente de Arbitragem da Haia que

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teve como partes a Holanda e a Blgica. A Corte ponderou o direito da Blgica de construir uma ferrovia, garantida por um Tratado de 1939, com o direito de a Holanda demarcar reas de proteo ambiental. Os custos foram equilibrados entre as partes para que a sociedade pudesse ter acesso ao transporte de qualidade, para que a empresa pudesse realizar o seu empreendimento e para que o meio ambiente fosse protegido. A partir dessa deciso poderiam ser buscados critrios para construir uma melhor definio do que seria desenvolvimento sustentvel. E no momento em que os tribunais comearam a identificar critrios que possam mensurar a coordenao do mbito econmico, social e ambiental, mais uma expresso vaga ganha fora: a economia verde. Algumas tentativas de justificar o termo circulam em textos internacionais. Segundo o Relatrio para a segunda reunio preparatria para a Conferncia de Desenvolvimento Sustentvel da ONU, o conceito de economia verde traria uma resposta s mltiplas crises que o mundo tem enfrentado em temas como clima, alimentao e crescimento econmico. A economia verde traria um novo paradigma de crescimento econmico amigo dos ecossistemas e contribuiria diretamente para a diminuio da pobreza. De acordo com o PNUMA, a economia verde resultaria no desenvolvimento do bem-estar e da equidade social, visto que reduz os riscos ambientais e a escassez ecolgica. Diante desse conjunto de imprecises, uma pista mais esclarecedora foi dada no Relatrio preparado pela Secretaria Geral da Comisso de Desenvolvimento Sustentvel da ONU, de 1 de abril de 2010. Nesse documento, houve a tentativa de identificar possveis ideias do que poderia decorrer da economia verde, com algumas aes para implement-la. Duas perspectivas interessantes desse texto so: 1) a internalizao das externalidades dos custos sociais e ambientais. Algumas polticas para fomentar essa internalizao seriam a valorao dos recursos naturais por meio de taxas e os incentivos fiscais s prticas sustentveis; 2) a determinao de objetivos sociais que poderiam ser implementados pela economia verde. Os objetivos poderiam ser: o aumento de empregos, a diminuio do consumo, a produo mais sustentvel ou a garantia de moradia. As polticas correspondentes seriam promover licitaes com critrios sustentveis, viabilizar a regularizao fundiria e incentivar investimentos pblicos em reas prioritrias. Com relao economia verde, observa-se que quanto mais setorizada feita a anlise, mais facilmente podem ser identificadas polticas que possam fomentar a construo da perspectiva Verde. Cada rea especfica, como as construes, o turismo, a biodiversidade, a energia, as cidades, tem suas pe-

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culiaridades. O conceito de economia verde poderia ser tirado dos avanos de cada setor econmico. Para tanto, fundamental o engajamento e a incluso de todos os atores pblicos e privados, em seus direitos e responsabilidades, para que haja um resultado satisfatrio. Apesar de a Jornada no ter resolvido o problema da necessidade de definir os temas centrais, ela pde colaborar com a exemplificao de algumas polticas e instrumentos jurdicos que poderiam implementar a economia verde. Paralelamente, a incluso dos atores pblicos e privados foi tambm trabalhada na busca de uma maior efetividade da aplicao das regras por todos os envolvidos. Esse grande esforo acadmico foi iniciado pelo professor francs Michel Prieur, presidente do Centro Internacional de Direito Comparado do Meio Ambiente (CIDCE) e professor emrito da Universidade de Limoges. O professor Prieur conseguiu reunir uma equipe de juristas com uma vasta e incansvel experincia na construo dos desafios para o desenvolvimento sustentvel, sobretudo no seu pilar ambiental. Esse grupo identificou alguns temas que necessitariam de um tratamento no mbito internacional ou de um tratamento mais efetivo nos contextos nacionais. Seguindo esse exemplo, no que concerne economia verde, o PDMA se dedicou anlise de quais temas poderiam ser importantes para os pases em desenvolvimento e para os pases pobres. Enquanto o discurso de pases detentores de tecnologia est sendo necessitamos de servios verdes, os pases em desenvolvimento tm de dizer desde que com a transferncia de tecnologia. Enquanto o debate pode ser levado para a perspectiva de devemos incentivar a energia renovvel, deve existir um discurso que garanta que o incentivo seja sem subsdio. Com relao ao desenvolvimento sustentvel, esse conceito depende diretamente de quem governa e de como feita essa governana. Levando-se em considerao o critrio inclusivo da governana, destaca-se a importncia de incluir de forma mais cogente os atores privados nessas discusses. No mbito nacional e internacional fundamental que a responsabilidade desses atores seja exigida, alm do reforo do sistema de controle e de monitoramento de suas atividades. Ainda no contexto da governana, houve um esforo de identificao de temas que seriam prioridade para o contexto nacional e internacional. As reas para a anlise selecionadas para as Jornadas foram: as florestas, a questo fundiria e a energia renovvel. Na governana internacional o tema priorizado foi a biodiversidade. A Jornada, da qual o leitor poder ter uma ideia nas prximas pginas, testemunha por um lado o dinamismo que uma Conferncia pode suscitar nos

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temas nacionais e internacionais. Os dois dias de trabalho procuraram compreender os desafios de utilizar os instrumentos econmicos, a tecnologia, em favor do meio ambiente e da erradicao da pobreza. Coube aos juristas observar esse movimento para tentar identificar recomendaes normativas que possam dar maior efetividade a esse processo. A realizao do evento deve muito ao investimento, disponibilidade e gentileza da equipe do PDMA, em especial do professor Rmulo Sampaio, do professor Feliciano Guimares, da Mariana Monjardim, da Catarina Freitas, da Mariana Campos e do Patrick Brosnan. O evento no poderia ter ocorrido sem o excelente trabalho da equipe de Comunicao da FGV-Direito Rio e da contribuio responsvel e comprometida dos palestrantes, todos apoiados por suas instituies. Agradecemos em especial o apoio das seguintes instituies: o Centre International de Droit Compar de lEnvironnement, a Pace University, a Embaixada da Frana no Brasil, o Consulado Geral dos Estados Unidos da Amrica no Rio de Janeiro, o Ncleo de Estudos e Pesquisas do Senado Federal, o Instituto de Direito e Meio Ambiente Brasil-Estados-Unidos, a EMERJ Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, o Senado Federal, a Academia Paranaense de direito ambiental, o Ministrio Pblico da Unio, a PUC-Gois, a Secretaria de Assuntos Estratgicos, a Universidade Catlica de Braslia, a Universidade Federal do Par, o IEDC Instituto Estudos Direito e Cidadania e o TAI The Access Iniciative Um afetuoso agradecimento a todos. Carina Costa de Oliveira Professora e pesquisadora do Programa em Direito e Meio Ambiente da FGV-Direito Rio

PREFCIO AO LIVRO A ECONOMIA VERDE NO CONTEXTO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL: A GOVERNANA DOS ATORES PBLICOS E PRIVADOS

Carina Costa de Oliveira e Rmulo Silveira da Rocha Sampaio so os organizadores do livro A economia verde no contexto do desenvolvimento sustentvel: a governana dos atores pblicos e privados. Ambos so pesquisadores da Fundao Getlio Vargas Rio de Janeiro, na rea de Direito Ambiental. Carina Costa de Oliveira doutoranda na Universit de Paris II Panthon-Assas e Rmulo Sampaio Doutor pela Pace University, de New York. A presena ativa desses organizadores, por si s, j credencia esta obra a um timo acolhimento do pblico interessado. O livro est dividido em duas partes, sendo que a primeira trata da economia verde no contexto do desenvolvimento sustentvel, contendo: 1) a incluso dos atores provados na busca do desenvolvimento sustentvel e 2) a transferncia da tecnologia. A segunda parte aborda a governana dos atores pblicos e privados, contendo: 1) metodologia de anlise; 2) a governana nacional em reas especficas florestas, questes fundirias e energia renovvel; 3) a governana internacional, abarcando princpios, modelos de governana, governana internacional e biodiversidade. Os artigos aqui reunidos foram elaborados como contribuies feitas Jornada Internacional para a Rio + 20, realizada no Rio de Janeiro em 24 e 25 de junho de 2011. Os vinte anos da Conferncia de Meio Ambiente e Desenvolvimento das Naes Unidas, levada a efeito nessa mesma cidade, em 1992, vo dar oportunidade a muitos posicionamentos de cunho cientfico, poltico e jurdico, que podero embasar uma nova poltica internacional de meio ambiente. Analisada sob o prisma da cincia poltica, a governana freqentemente apresentada como o cadinho de novos procedimentos de participao de cidados na vida da sociedade, tornando a dar lugar ao debate pblico sobre questes que envolvem, s vezes, a vida presente e a futura dos habitantes do planeta. Ela aparece seno como substituta, pelo menos como uma alternativa

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possvel s formas de ao pblicas mais tradicionais, nas quais a ao do Estado impe-se pela regulamentao obrigatria.1 A Declarao Rio/92, em seu princpio 10, afirma que o melhor modo de tratar as questes do meio ambiente assegurando a participao de todos os cidados interessados, no nvel pertinente. O meio ambiente um bem de uso comum do povo (art. 225 da Constituio da Repblica Federativa do Brasil) e a participao um dos elementos do Estado democrtico de direito, pois todo o poder emana do povo (art.1, pargrafo nico da mencionada Constituio). Querer participar na formulao da poltica ambiental e na sua implementao no pode ser visto como um fato espordico ou pontual na vida de uma nao. A necessidade do controle social das decises que afetem o meio ambiente a nvel nacional e a nvel mundial cresceu diante da interveno estatal em alguns setores da economia: hidroeltricas, usinas nucleares, prospeco e produo na rea petrolfera, transportes (aeroportos, rodovias e portos). Nesses setores, vamos encontrar, muitas vezes, os Estados aliados ao capital global perdendo, portanto, os poderes pblicos a independncia e a imparcialidade para decidir em prol do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Os poderes pblicos, no licenciamento ambiental, acabam sendo atores e decisores, o que contamina pela parcialidade. O direito de participar no est sendo fcil de ser instaurado na ordem internacional. Os que esto no poder poltico e at intelectual resistem em compartilhar efetivamente. No entendo que a teoria da governana ambiental implique necessariamente a retirada do Poder Pblico, mas ocasionar a adoo de uma gesto compartilhada com a sociedade civil no concernente s responsabilidades ambientais.2 Etapas de implementao esto sendo realizadas, como o sistema de acompanhamento previsto na Conveno de Aarhus, no assumida, ainda, em escala planetria. A chamada excluso social no se verifica somente no campo da alimentao, da moradia e do emprego. As reivindicaes por participar esto na rua. A conscientizao do valor do meio ambiente equilibrado como essencial qualidade de vida est contribuindo para gerar a institucionalizao da participao. As reflexes inseridas neste livro, que me honra apresentar, contribuem

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BEAURAIN, Christophe. Gouvernance environnementale locale et comportement conomiques un nouvel clairage sur larticulation du temps et lespace. In: Dossier 2: Gouvernance locale et dveloppement durable/2004. http://developpementdurable.revues.org/1110 Acesso em 14/08/2011 (minha traduo). MACHADO, Paulo A. L. Direito Ambiental Brasileiro. 19 ed. So Paulo: Malheiros Ed., p.117, 2011.

PREFCIO

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significativamente para alimentar a esperana de que a mudana da poltica ambiental internacional possvel e depende, tambm, de cada um de ns. Piracicaba, 14 de agosto de 2011 Paulo Affonso Leme Machado3

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Professor na Faculdade de Direito da Universidade Metodista de Piracicaba UNIMEP. Coordenador do Curso de Especializao em Direito Ambiental/UNIMEP. Advogado. Mestre em Direito Ambiental pela Universidade Robert Schuman, de Strasbourg (Frana). Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual Paulista e Doutor em Direito pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo. Ps-Doutor Universidade de Limoges (Frana). Prmio Internacional de Direito Ambiental Elizabeth Haub (Prmio concedido pelo Conselho Internacional de Direito Ambiental-Bonn-Alemanha e pela Universidade de Bruxelas-Blgica 1985). Medalha Mrito Ambiental concedida pelo IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e de Recursos Naturais Renovveis (2009). Chevalier de La Lgion dHonneur, condecorao concedida pelo Governo da Frana (2011). Promotor de Justia no Estado de So Paulo (aposentado) e Professor na Universidade Estadual Paulista (UNESP) IB Rio Claro SP (aposentado). Professor Visitante na Universidade da Luisiana, Baton Rouge, EUA (1985). Professor Convidado: na Universidade do Quebec em Montreal, Canad (1994); na Universidade da Crsega, Frana (2001); na Faculdade de Direito e Cincias Econmicas da Universidade de Limoges, Frana (1986-2003); na Universidade de Lyon III, Frana (2003); na Universidade Internacional de Andalucia, Espanha (2004); na Universidade de Milano-Bicocca, Itlia (2007) e na Universidade Ecolgica de Bucareste, Romnia (2008). Foi Consultor do PNUMA/Qunia, da FAO/Cabo Verde, e do PNUD, em Moambique e na Argentina. Autor dos livros: Ao civil pblica e tombamento; Estudos de direito ambiental; Recursos hdricos direito brasileiro e direito internacional; Direito informao e meio ambiente; Direito ambiental brasileiro e Direito dos cursos de gua internacionais.

SUMRIO

A) A ECONOMIA VERDE NO CONTEXTO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL 1) A incluso dos atores privados na busca do desenvolvimento sustentvel Silvia Marina Pinheiro: O desenvolvimento sustentvel e as empresas Carina Costa de Oliveira: Solutions apportes par le droit international priv la responsabilisation insuffisante des entreprises dans le cas des dommages environnementaux internationaux Nitish Monebhurrun: Sustainable development in international investment law: reflection on the environmental responsibility of private companies investing abroad Sidney Hartung Buarque: A desconsiderao da pessoa jurdica diante dos prejuzos causados ao meio ambiente 2) A transferncia de tecnologia Carlos Henrique Rubens Tom Silva: O papel da transferncia de tecnologia na promoo do desenvolvimento sustentvel Maria Edelvacy Pinto Marinho e Renata de Assis Calsing: A relao entre direito de patentes, transferncia de tecnologia e proteo do meio ambiente nos acordos internacionais

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B) A GOVERNANA DOS ATORES PBLICOS E PRIVADOS a) A governana nacional 1) Metodologia de anlise Rmulo Sampaio, Patrcia Sampaio, Rafaela Nogueira e Fernando Penteado: The Effect of Municipal Environmental Governance Structure on Statewide Environmental Law Enforcement in the State of Rio de Janeiro: an empirical study 129 2) A governana nacional em reas especficas a) As Florestas Fernando Meneguin: Economia verde: a fixao de direitos de propriedade 135 Virglio Gibbon: Consideraes sobre os Conceitos de REDD e REDD+ 147 Maria Fernanda Gebara: REDD+ Institutions: A preliminary analysis 161 Jos Antnio Tietzzman e Silva: Apontamentos Sobre a Gesto Florestal no Brasil e o Necessrio Dilogo com a Esfera Internacional 177 b) A questo fundiria Jos Heder Benatti: Regularizao fundiria na Amaznia no contexto das mudanas climticas 199 c) As energias renovveis Luciene Martins de Arajo: Energias renovveis em busca da sustentabilidade 213 Meryem Deffairi: La promotion des nergies renouvelables vingt ans aprs la Confrence de Rio: de lincitation la contrainte 229

b) A governana internacional 1) Princpios Michel Prieur: De lurgente ncessit de reconnatre le principe de non rgression en droit de lenvironnement 2) Alguns modelos de governana Gerard Monediaire: LUnion europenne et le droit de lenvironnement: un exemple ou une exprience? Virglio Gibbon: Uma nova economia 3) A governana internacional em reas especficas: o exemplo da biodiversidade a) Biodiversidade Jessica Makowiak: Compensation et biodiversit Luiz Gustavo Escorcio Bezerra: International Regime for Biodiversity Offsets C) CONCLUSO BIOGRAFIA DOS AUTORES

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A) A ECONOMIA VERDE NO CONTEXTO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL 1) A INCLUSO DOS ATORES PRIVADOS NA BUSCA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL O DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL E AS EMPRESASSUPERVISO: SILVIA MARINA PINHEIRO1. AUTORES: ANDREA LAVOURINHA, ADRIANA REINO, JULIA DE LAMARE E LUIZA ANTONACCIO2

I INTRODUOO investimento estrangeiro direto IED uma forma crescente, em pases em desenvolvimento, de capitalizao de empresas. Em conjunto, empresa investidora e aquela alvo do investimento formam uma empresa multinacional quando, conforme disciplinado na UNCTAD Conferncia das Naes Unidas para Comrcio e Desenvolvimento,3 a matriz deve, por meio do investimento, adquirir o controle de sua filial. Desse modo, o IED pode ser caracterizado como a categoria de investimento internacional que reflete o objetivo de uma entidade residente em uma economia de obter um interesse duradouro em uma empresa residente em outra economia.4 Por meio do IED, i.e., de fluxos transfronteirios de capital, uma empresa estabelecida num dado pas pode criar ou expandir uma subsidiria noutro. O tema dos IED adquire relevncia no campo do desenvolvimento sustentvel e de sua regulao, na medida em que no contexto internacional, investimentos diretos so comumente executados por corporaes multinacionais engajadas em manufatura, extrao de recursos, ou servios.5 Sendo assim, necessrio avaliar em que medida uma sociedade empresria estrangeira que invista diretamente numa empresa brasileira, por exemplo, adquirindo seu controle (i.e., no mnimo, 10 % de suas aes ordinrias) cumpre com seus deveres e obrigaes.1 2 3 4 Professora de Direito Internacional do Desenvolvimento Sustentvel da FGV-Direito Rio. Alunos do curso de Direito Internacional do Desenvolvimento Sustentvel. Informaes disponveis no seguinte endereo eletrnico da conferncia: http://www.unctad.org/Templates/StartPage.asp?intItemID=2068. RIVERA, Edward Bernard B. de R. Y; TESTA, Rafael Siqueira; e CIA, Josilmar Cordenonssi. Um estudo macroeconomtrico da influncia do IED sobre as exportaes brasileiras. p. 158. Disponvel em http:// www.mackenzie.br/dhtm/seer/index.php/jovenspesquisadores/article/viewFile/817/341. Ibid., p. 159.

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A partir de tal reflexo, surgem dvidas relativas atual estrutura regulatria que existe em mbito internacional concernente s empresas. No tm as empresas responsabilidade internacional prevista em instrumentos de Direito. O que existe hoje um rol de mecanismos de soft Law que visam o cumprimento, pelas empresas, de determinados padres de conduta. Podem-se mencionar, a ttulo exemplificativo, as diretivas da OCDE e os princpios do Equador. Tais instrumentos no vinculantes visam o respeito, pelas empresas, de padres mnimos de direitos humanos. Importante notar, porm, que: no se pode dizer que exista uma relao direta entre precarizao de direitos e atrao das empresas multinacionais. Na maioria dos setores produtivos, as empresas multinacionais no vm para o Brasil com o objetivo de burlar direitos sociais, trabalhistas e ambientais. [...] mas a mera existncia de investimento no assegura o pleno respeito dos direitos.6 Em 2011, o ingresso de: investimentos externos diretos lquidos no pas somou US$ 6,791 bilhes em maro de 2011, acima do projetado pelo Banco Central (BC) para o perodo, de US$4,8 bilhes. Em maro de 2010, entraram US$2,083 bilhes em investimento direto.7 A importncia desses investimentos na economia brasileira clara. Deve-se, por isso, atentar para o desenho institucional e regulatrio brasileiro necessrio garantia de padres mnimos de proteo trabalhista, ambiental, consumerista e de direitos humanos em geral. Caso a fiscalizao das relaes fomentadas pelos IED da empresa filial com seus empregados, por exemplo no ocorra pelas entidades nacionais competentes, poder-se-ia advogar pela responsabilizao internacional da pessoa jurdica envolvida. Tal responsabilizao no est prevista, no entanto, de forma a vincular efetivamente a atuao das empresas. A partir desse cenrio, o presente trabalho tem como objetivo, em sua primeira parte, apresentar dados sobre investimentos diretos, principalmente na6 Informaes extradas do relatrio Os Investimentos das Multinacionais no Brasil Panorama Histrico, Tendncias Recentes e o Desafio do Desenvolvimento com Promoo de Direitos do Observatrio Social. Disponvel em http://www.observatoriosocial.org.br/download/ied-br.pdf. Informaes publicadas no endereo eletrnico do Valor Econmico. Disponveis em http://www.valoronline.com.br/online/contas/5/417355/investimento-externo-direto-bate-r-67-bi-em-marco.

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Amrica Latina, Caribe, destacando o Brasil, com base nos relatrios de investimentos mundiais da UNCTAD de 2006 e 2010, sendo traadas possveis tendncias do setor de investimentos diretos. A primeira parte tambm esclarece a pauta de investimentos e de exportaes da regio e o impacto para o desenvolvimento sustentvel. Na segunda parte do trabalho ser apresentada a discusso, bastante atual, sobre normas obrigatrias dirigidas ao controle dos impactos ambiental e social das atividades econmicas das empresas multinacionais, para em seguida, na terceira parte do estudo, ser analisado o conflito entre lei interna e Acordo Bilateral de Investimentos, envolvendo a salvaguarda de certa categoria de direitos humanos. Finalmente, na ltima parte so tecidas consideraes finais.

II.1 Unctad World Investment Report 2006A inexistncia de regulao internacional para o setor dos investimentos, diferente do que ocorre com o comrcio exterior, amplamente regulado pelos acordos multilaterais da Organizao Mundial do Comrcio (OMC), e o avano da tecnologia de comunicao deu ensejo a novas formas de IED geis que primam pela busca de oportunidades de ganhos em todo globo. O investidor transitrio, aquele que pode atuar da mesma forma em diversas companhias ao mesmo tempo, uma marca da atualidade. No entanto, pelos relatrios da UNCTAD 2005/2006 e 2009/2010, a maior parte dos IED ainda efetuada por meio das Fuses e Aquisies (F&A).8 Dependendo da rea especfica de atuao as F&A podem levar consolidao de toda uma cadeia produtiva sob o controle de poucos grupos transnacionais, provocando grandes concentraes. Ressaltando o fato de inexistirem, at o momento, regras que disciplinem as fuses em mbito global, necessrio estar atento s consequncias desse processo. Fica claro, portanto, que livres de regulaes internacionais multilaterais voltadas para o direito econmico (concorrncia internacional), bem como regras vinculantes na rea socioambiental, a magnitude das empresas e a criatividade nas formas de organizao as fazem sujeitos de Direito com direitos, mas com poucos limites e obrigaes. A seleo dos relatrios de 2004/2006 e 2009/2010 levou em conta os perodos anterior e posterior crise financeira de 2008. Chama ateno a incluso dos temas da Responsabilidade Social Corporativa (RSC) e dos investimentos em tecnologia low carbon, destacados nos perodos 2006 e 2010 respectiva8 Traduo livre da definio atribuda pelo Financial Times (disponvel em http://lexicon.ft.com/ Term?term=mergers-and-acquisitions).

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mente. A internacionalizao das empresas de origem dos pases em desenvolvimento por meio de investimentos no exterior fenmeno destacado pelo ento secretrio-geral das Naes Unidas, Kofi Annan, logo no prefcio do relatrio de 2006, o que permanece em 2010. Em sua totalidade, os fluxos de IED sofreram acrscimo de 29%, quando comparados os anos de 2005 e 2006. Neste perodo, em 126 das 200 economias dos pases membros da UNCTAD, os fluxos de investimentos aumentaram nos dois vetores, como receptores e como investidores, por meio de fuses e aquisies transfronteirias, mas ainda com destaque para as relaes entre pases desenvolvidos. O setor de servios foi o que mais se beneficiou com a crescente onda de investimentos diretos estrangeiros, principalmente os setores financeiro, de telecomunicaes e imobilirio. Paralelamente, houve um declnio acentuado de investimentos no setor industrial e um aumento do IED no setor primrio, principalmente no que se refere extrao de petrleo nos pases em desenvolvimento. As fuses e aquisies detectadas no perodo so tidas, no caso dos pases em transio, como um importante fator de incremento nas taxas de crescimento e desenvolvimento econmico. No entanto, preocupante a forte concentrao observada em certos setores da economia internacional, como siderrgico, minrio de ferro, qumico, petroqumico, voltados para insumos importantes que alimentam grande segmento de manufaturados. Tal concentrao setorial expressa na forma de grandes e poucos conglomerados internacionais que acumulam recursos muitas vezes superiores aos dos Estados em que se estabelecem. Da a dificuldade na tarefa de estabelecer regulao e normas vinculantes sobre padres internacionais de conduta para tais empresas em fruns multilaterais governamentais, cabendo a elas prprias tal tarefa por meio da autorregulao, contestada por setores da sociedade civil quanto a eficcia de seus propsitos. Em anlise mais especfica das sub-regies do globo, o relatrio da UNCTAD destaca que a Amrica Latina e o Caribe registraram ingresso de investimentos da ordem de US$ 104 bilhes no ano de 2005. Isto representou um pequeno aumento em relao a 2004, diferente das economias em transio e demais pases em desenvolvimento na sia e na frica. No entanto, a regio registrou excepcionais taxas de crescimento do PIB no perodo, superando a mdia mundial pela primeira vez em 25 anos, graas s exportaes de commodities cujos preos atingiram patamares bastante elevados. Ao contrrio da tendncia nos pases desenvolvidos, a participao do setor de servios nos IED diminui, enquanto a do setor primrio cresce e a do setor industrial mantm-se estvel ao longo de todo o perodo, no caso dos pases

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em desenvolvimento. O ambiente regulatrio para o IED em recursos naturais, petrleo e gs foi reforado em vrios pases da regio. Pretendendo se afastar das reformas liberais da dcada de 1990, esse novo ambiente criou momentaneamente insegurana aos investidores, o que pode ter contribudo para a pouca elevao do IED na regio da Amrica Latina e Caribe como um todo no perodo 2005/2006. Apesar do crescimento econmico da regio puxado pelas exportaes, foroso notar a atratividade excessiva do setor primrio. Deve-se atentar explorao de petrleo e gs, que se intensificou muito no Brasil aps a edio do relatrio em funo do pr-sal. Sabe-se que investimentos no setor primrio so responsveis pela emisso constante de poluentes e forte impacto ambiental. A combinao de fluxos de investimentos no setor primrio com regulao e superviso precrias quanto a impacto ambiental e social pode acarretar prejuzos impossveis de serem compensados a mdio e longo prazo. Tais dados, corroboram ainda mais a necessidade de se estabelecer um marco regulatrio seguro, principalmente no setor de petrleo e gs, alm da necessria vinculao das empresas a padres socioambientais internacionais, conferindo a necessria segurana jurdica aos investidores, bem como consequentes frutos a serem colhidos pela sociedade no pas receptor, com a obedincia de metas sobre desenvolvimento sustentvel. O tema mais destacado no relatrio de 2006 da UNCTAD foi o da responsabilidade social empresarial (RSE). Esta , conforme define o Instituto Ethos,9 uma forma de gesto que visa o desenvolvimento sustentvel. Pauta-se na relao tica e transparente da empresa com todos os pblicos com os quais se relaciona. Sustenta-se sobre quatro pilares principais: o trabalhista, o consumerista, o ambiental e a governana corporativa. A empresa no objetiva mais exclusivamente o crescimento econmico, e sim um crescimento acompanhado de elementos como promoo e efetivao dos direitos humanos, preservao dos recursos ambientais e qualidade de vida de seus empregados, familiares e da sociedade como um todo. As discusses referentes ao tema, tradicionalmente, giravam em torno de empresas transnacionais de pases desenvolvidos e seus comportamentos em pases em desenvolvimento. No entanto, com a internacionalizao das economias em desenvolvimento e em transio, a gesto das mesmas passa a ser avaliada nos mesmos moldes.

9

Disponvel em http://www1.ethos.org.br/EthosWeb/pt/29/o_que_e_rse/o_que_e_rse.aspx.

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Uma parcela significativa de investimentos de fontes emergentes de IED se origina de pases que podem ser caracterizados por marcos regulatrios pouco restritivos e fragilidade quanto ao monitoramento das polticas ambientais de direitos humanos. Nesse cenrio, questes relacionadas RSE assumem uma importncia crescente. No entanto, detectada a importncia quanto adeso desses princpios nos mercados de consumo, algumas empresas transnacionais dos pases em desenvolvimento j incorporam polticas de RSE em suas estratgias de negcios, restando ainda um longo caminho a ser trilhado, uma vez que em seus Estados de origem so pouco cobradas. Embora a adeso a vrios princpios de RSE esteja vinculada a custos adicionais, a conscincia sobre a gerao de vantagens, no s para os pases receptores, como tambm para as empresas, vem contribuindo para a progressiva adeso das ltimas a tais normas. Contudo, o relatrio da UNCTAD de 2006 chama ateno para a necessidade de definio mais precisa de Responsabilidade Social Empresarial ou Corporativa (RSC). Segundo a OCDE, tal conceito se relaciona com um conjunto de polticas, muitas vezes voluntariamente adotadas por uma empresa a fim de reforar sua capacidade de cumprir a lei e satisfazer outras expectativas da sociedade, nem sempre expressas nas leis domsticas. Em termos bsicos, o comportamento corporativo socialmente responsvel significa abster-se de fazer mal, de causar danos. O conceito relaciona-se proteo ambiental, aos direitos humanos e s prticas de trabalho. Na XI Conferncia da UNCTAD, em 2004, a dimenso do desenvolvimento econmico foi introduzida discusso da responsabilidade empresarial. A recomendao do relatrio , portanto, que os Estados receptores e de origem das transnacionais criem e implementem um quadro jurdico que esteja em consonncia com normas de Direito Internacional. Um aspecto interessante abordado refere-se ao dever de as empresas de, no mnimo, respeitarem, em nome da boa-f, as leis dos pases onde estejam instaladas, de modo a no obterem vantagens decorrentes da fragilidade dos sistemas jurdicos e administrativos dos pases hspedes. Nos casos em que a estrutura legal inadequada, por exemplo, porque viola os padres mnimos estabelecidos internacionalmente, espera-se que as transnacionais se comprometam com padres mais elevados do que aqueles estipulados no pas onde se encontram.

II.2 UNCTAD World Investment Report 2010O foco do relatrio de 2010 o investimento em low carbon economies. Nesse cenrio, vem se destacando as empresas transnacionais de origem dos pases desenvolvidos. Seus pases de origem tm investido na reduo de emisses de

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gases de efeito estufa (GEE) visando o cumprimento das metas acordadas pelo Protocolo de Kyoto, alm da criao de um novo mercado de produtos low carbon por meio da combinao de incentivos a pesquisa, polticas especficas e regulamentao favorvel. importante salientar o fato de as TNC serem ainda as maiores poluidoras e causadoras de danos e impactos ambientais. Logo, pelo lado das empresas, o investimento direto em tecnologias low carbon cada vez mais um meio de buscar compensar suas prprias emisses e impactos ambientais, obtendo rentabilidade com a exportao de tecnologia limpa. No entanto, importante destacar que os investimentos diretos realizados atualmente em economias em desenvolvimento, na grande maioria, esto centrados em setores industriais tidos como sujos ou poluidores rejeitados nos pases de origem. Nesse sentido, hoje possvel observar fenmeno de investimentos na frica, em reas em que a estabilidade poltica foi alcanada. Estes so originalmente da China, Brasil, Mxico, Rssia e frica do Sul (BRICS). Ou seja, alm de pases receptores de investimentos passam as empresas de origem dos BRICS a atuarem como investidoras com o suporte financeiro de seus respectivos Estados. necessrio atentar, no caso do Brasil, s regras das Convenes Internacionais do Trabalho, Meio Ambiente e de Direitos Humanos, sob o risco de verem-se frustradas suas ambies de liderana regional e multilateral. Infelizmente, no o que se tem observado, pelo abaixo retratado, no caso do setor de minerao. Em 2010 a atividade: obteve lucros de 157 bilhes de dlares e gerou divisas que chegaram a 51 bilhes de dlares, o que corresponde a 25% do total das exportaes brasileiras. Assistimos, atualmente, a uma flexibilizao de leis e regras de controle ambiental, reduo da reserva legal dos imveis rurais e a um marco regulador da minerao caracterizado por baixas taxas de royalties e normas ambientais frgeis.10 Assim sendo, os investimentos em pases em desenvolvimento e menos desenvolvidos se pautam, principalmente, em regras no vinculantes e mais brandas do que aquelas nos pases das matrizes dos investidores. Ademais, nesse cenrio, normalmente as regras dos pases em desenvolvimento podem ser conflitantes com tratados internacionais, dificultando o prolongamento das boas prticas10 FIDH; Justia Global e Justia nos Trilhos. Sumrio Executivo. Quanto Valem os Direitos Humanos? Pg. 4.

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da matriz para suas filiais no exterior, estimulando um desenvolvimento nada sustentvel nos pases hspedes menos desenvolvidos, como destacado acima. nesse contexto que se situa a discusso sobre a obrigatoriedade de regras dirigidas s atividades econmicas das empresas multinacionais e transnacionais quando de suas atividade no exterior.

III Normas obrigatrias sobre direitos humanos voltadas para as atividades econmicas das empresas multinacionaisO cenrio internacional est diante de duas vertentes que, a princpio, parecem incompatveis: o crescimento econmico, de um lado, e a proteo do meio ambiente e dos direitos humanos, do outro. O resultado disto o surgimento de ramo do Direito Internacional conhecido como Direito Internacional do Desenvolvimento Sustentvel. Esta uma nova rea do Direito Internacional que vem ganhando fora. Por ser bastante nova, suas delimitaes e princpios ainda esto em fase de concretizao e alcance da opiniu iuris. cada vez maior a percepo de que envidar esforos que visem o respeito aos direitos bsicos do cidado garantia de reconhecimento no mercado e aumento de credibilidade. nesse passo que algumas empresas estabelecem suas estratgias de atuao, como pode ser observado pela declarao abaixo reproduzida da fala de diretor de grande conglomerado internacional: We believe corporations play an important role in supporting human rights, and that our presence in developing countries positively influences issues relating to the treatment of people. We condemn human rights violations in any form. We seek to be responsible corporate citizens, and recognize that we have both the opportunity and responsibility to improve the quality of life wherever we do business.11 As principais correntes acerca da aplicao de regras que tratam de padres mnimos de respeito aos direitos humanos a serem aplicadas s empresas multinacionais so unssonas quanto necessidade de sua existncia ante a percepo de que o crescimento econmico no fim em si mesmo, mas um meio para elevao da qualidade de vida das populaes. Divergem apenas em relao natureza e ao ritmo de vinculao das normas de conduta.

11 www.exxonmobil.com/corporate/Citizenship/Corp_citizenship_Com_transparency.asp

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imperioso afirmar que o desenvolvimento sustentvel traz a tona o surgimento de um novo bem jurdico. Esse novo bem representado por geraes futuras que, para existirem, precisam que o meio ambiente e os direitos humanos sejam devidamente protegidos. Sendo assim se iniciam as discusses sobre (i) a existncia de regras que disciplinem estes direitos, (ii) a quem estas regras devem ser dirigidas e (iii) quais as formas possveis para sua aplicao. Neste sentido, incluir as empresas enquanto agentes promotores do desenvolvimento sustentvel, dada a sua presena no cenrio internacional, poder econmico e mobilidade, um caminho natural e inexorvel. Diante desta constatao, surgem as seguintes indagaes: as multinacionais so sujeitos de Direito Internacional? Como definir a responsabilidade dessas empresas em relao aos direitos humanos? No seria esta uma responsabilidade dos Estados? Nos casos de Estados falidos, em que os governos esto sob o controle de faces que os usurparam, muitas vezes pela prtica de crimes internacionais, como o genocdio, at que ponto as empresas localizadas nessas reas podem ser consideradas cmplices, por ao ou omisso, na defesa de direitos humanos bsicos. Antes de adentrar especificamente no debate sobre as principais posies relativas vinculao de regras de proteo dos direitos humanos s multinacionais, vale ressaltar breve exposio histrica sobre o surgimento dessas regras.

III.1 A evoluo das negociaes sobre regras obrigatrias para as empresas multinacionais sobre direitos humanos Em 1970 a Organizao das Naes Unidas (ONU) deu incio primeira tentativa de regular a atuao de empresas multinacionais por meio de regras obrigatrias. Em 1976 a Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE) lanou as suas guidelines para as empresas multinacionais. No ano seguinte, a Organizao Internacional do Trabalho (OIT) editou a Declarao Tripartite de Princpios Voltados para a Regulao da Atuao das Empresas Multinacionais. Estas ltimas duas organizaes, a partir de 2000, passaram a incluir, em seus documentos, princpios de direitos humanos e so exemplos de regras soft law. Alm disso, em 2000, o Global Compact, documento de grande relevncia das Naes Unidas, ganhou operacionalidade e se revelou muito importante na promoo dos princpios da ONU de direitos humanos, de direito do trabalho, de proteo do meio ambiente e, a partir de 2004, de anticorrupo. Neste sentido, o Global Compact se tornou a maior iniciativa de responsabilidade social corporativa.1212 Traduo livre do conceito de corporate social responsibility.

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O primeiro esboo de regras, ou draft, para as empresas multinacionais foi apresentado perante a Comisso de Direitos Humanos (Comisso) na ONU para a adoo na sesso de 2004. Na poca, a Comisso, a despeito de confirmar a importncia da iniciativa, negou obrigatoriedade ao regime recm-elaborado, tratando-o como proposio merecedora de maior aprofundamento. Com vistas a dar continuidade discusso, a Comisso requereu ao secretrio-geral da ONU a nomeao de representante especial (SRSG Special Representative), inicialmente com mandato de dois anos, para a identificao de standards e polticas internacionais no que diz respeito a direitos humanos e negcios e melhor elaborar conceitos como cumplicidade corporativa e esfera de influncia que de acordo com o primeiro draft pareciam sem soluo. Vale destacar que no dia 25 de julho de 2005 o Conselho Econmico e Social da ONU aprovou o pedido da Comisso, e trs dias depois o secretrio-geral Kofi Annan nomeou John G. Ruggie para o cargo de secretario especial. A resistncia das empresas em concordarem com regras obrigatrias sobre direitos humanos a elas dirigidas reforou ainda mais a necessidade de as diretrizes a serem adotadas nesse sentido serem mais claras e objetivas. Alguns so os pontos nodais aos quais dedicaram-se os especialistas, e especialmente John Ruggie at tornado pblico, em 2011, os chamados Guiding Principles on Business and Human Rights, doravante denominados de princpios de 2011. Buscou-se nessa parte eleger a discusso de trs pontos que geraram controvrsias entre juristas e interessados no tema: serem as empresas sujeito de Direitos e obrigaes no mbito internacional, o escopo dos princpios e normas a serem obedecidos e promovidos por elas quando de suas atividades e a esfera de atuao das mesmas em relao s suas obrigaes, caso existentes. A escolha dos eixos acima deveu-se s caractersticas dos pases da Amrica Latina, inclusive Brasil, onde a perspectiva de investimentos estrangeiros no setor primrio concreta, sendo considerados pases em sua maior parte com instituies democrticas estabelecidas, dispondo de regulao slida sobre o tema dos Direitos Humanos e meio ambiente, mas onde ainda se observa fragilidade quanto sua capacidade de torn-las efetivas. No pargrafo 11, Parte II dos Princpios de 2011 assim disps o secretrio especial sobre as obrigaes das empresas em relao s suas atividades econmicas e promoo dos direitos humanos: Business enterprises should respect human rights. This means that they should avoid infringing on the human rights of others and should address adverse human rights impacts with which they are involved.

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Quanto s obrigaes dos Estados, definiu o mesmo relatrio, no pargrafo 1, parte I: States must protect against human rights abuse within their territory and/or jurisdiction by third parties, including business enterprises. This requires taking appropriate steps to prevent, investigate, punish and redress such abuse through effective policies, legislation, regulations and adjudication. de se notar a obrigao primria dos Estados em prevenir e promover abuso em relao aos Direitos Humanos em seus territrios ou jurisdies de terceiros pases, incluindo praticados por empresas. O texto do princpio expressa a obrigatoriedade dos Estados quanto elaborao de polticas e regras voltadas para reprimir e evitar tais abusos. No que se refere s empresas, segundo o observado no texto, observa-se claramente que a obrigao secundria e depende da atuao do Estado para que seja exercida. Isto coincide com a preocupao do autor expressa da seguinte forma: the same range of duties to corporations that currently apply to states, differentiated only in degree within undefined corporate spheres of influence, would generate endless strategic gaming and legal wrangling on the part of governments and companies alike. Ou seja, estabelecer regras obrigatrias para empresas e Estados relativamente aos direitos humanos poderia levar a um jogo de fuga de obrigaes, dada a duplicidade de competncias para a execuo dos direitos elencados. Lembra inclusive em seu texto, o autor, caso ocorrido no norte do Brasil entre a Cia. Vale do Rio Doce e a FUNAI, no que tange contribuio para fundo de compensao voltado para a proteo de reservas indgenas localizadas nas proximidades das operaes de extrao da empresa. As illustrated by a recent Brazilian case where a corporation and a government authority are contesting which one reneged on its legal obligations to provide support to communities of indigenous peoples, the rights of vulnerable groups and individuals are not well served in such circumstances.13

13 Idem. p. 826

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Ademais, quais as regras a que estariam as empresas sujeitas, uma vez que dependendo do Estado em que opera a filial podem no estar vigentes as principais convenes internacionais sobre meio ambiente e direitos humanos. The list included rights that states have not recognized or are still debating at the global level, including consumer protection, the precautionary principle for environmental management, and the principle of free, prior and informed consent of indigenous peoples and communities.14 Diante do poder econmico que detm as empresas e da fragilidade econmica de certos Estados, estes so muitas vezes cooptados na perspectiva do crescimento econmico e gerao de empregos, ficando incapazes de submeter as primeiras ao cumprimento das regras locais e promovendo, muitas vezes, sua flexibilizao, o que compromete a mdio prazo os objetivos iniciais do investimento. A extraterritorialidade da jurisdio faz-se necessria para o julgamento das empresas matrizes em seus pases de origem, por violaes de suas filiais s regras dos pases hspedes. O princpio 2 da parte I dos Guiding Principles de maro de 2011 assim dispe: States should set out clearly the expectation that all business enterprises domiciled in their territory and/or jurisdiction respect human rights throughout their operations. Nos comentrios ao referido princpio, a extraterritorialidade da jurisdio da matriz para alcanar as violaes de suas filiais no exterior tratado como mecanismo vlido. Ainda que no regulado internacionalmente, inexiste vedao. Bastaria apenas que internamente dispusessem os Estados de regulao prpria nesse sentido. A exemplo de mecanismos anticorrupo, j em funcionamento em diversos pases, poder-se-ia imputar s matrizes violaes de suas filiais aos princpios de direitos humanos, referendados no mbitos internacional. Quando o pas hspede dos investimentos no for signatrio das Convenes Internacionais sobre Direitos Humanos, ou da Organizao Internacional do Trabalho (OIT) e Tratados sobre Meio Ambiente, devem prevalecer as regras domsticas do pas de origem da matriz, podendo a mesma ser acionada em sua jurisdio pelas violaes cometidas por filial no exterior e com base na legislao domstica do pas investidor.14 Idem. p. 825.

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O incremento da efetividade do regime internacional de direitos humanos convive com o desafio de dar maior responsabilidade s corporaes transnacionais na rea dos direitos humanos, acarretar em enfraquecimento da capacidade regulatria, adjudicante e de governana do Estado. Nesta esteira, a despeito de almejarem regras obrigatrias s empresas transnacionais, reconhecem os autores que, num primeiro momento, no se aguarda que a adoo das mesmas seja vinculante, at que seja formada a necessria opiniu iuris em torno delas.15 Ou seja, para a aplicao vinculante das normas do draft faz-se primeiro fundamental que tornem-se prtica, costumes, fonte do Direito Internacional. Alm disso, aguarda-se a incluso das mesmas nos contratos internacionais, bem como acordos de investimentos, como se ver no tpico a seguir em que ser exposto caso que versa sobre conflito entre interesses econmicos e direitos humanos, quando o ltimo fica sacrificado em prejuzo da comunidade envolvida.

IV Caso Compaa de Aguas del Aconquija S.A. (CAA) e Vivendi Universal S.A. X Repblica Argentina em nome da Provncia de Tucumn16O caso diz respeito a problemas que se originaram a partir da relao estabelecida entre as partes acima especificadas, decorrente de um concession agreement, doravante denominado de contrato de concesso de prestao de servio de distribuio de gua. No direito brasileiro a figura a que este se assemelha a de um contrato de concesso de servio pblico, que ser analisado na prxima parte do estudo. Figuraram como demandantes a Compaa de Aguas del Aconquija S.A. (CAA) e Vivendi Universal S.A. (antiga Compagnie Gnrale des Eaux CGE) e como demandada a Repblica Argentina em nome da Provncia de Tucumn. O servio de distribuio de guas foi submetido a um procedimento de concesso realizado pelo governo argentino da Provncia de Tucumn. A empresa que ganhou a concesso foi a Compaa de Aguas del Aconquija S.A. (CAA). Esta, por sua vez, celebrou um contrato com a empresa francesa Vivendi Universal S.A. (antiga Compagnie Gnrale des Eaux CGE) para a prestao do servio.15 Neste sentido, ver trecho da pgina 914: the development of a treaty requires a high degree of consensus among nations. Although a few countries have already indicated their support for the Norms, as yet there does not appear to be an international consensus on the place of business and other nonstate actors in the international legal order. 16 Todas as informaes (caso, argumentos e fatos) referentes ao caso em questo foram retiradas do laudo arbitral Case No. ARB/97/3.

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Desse modo, h dois contratos em questo no plano interno: (1) Provncia de Tucumn com Compaa de Aguas del Aconquija S.A. (contrato de concesso) e (2) Compaa de Aguas del Aconquija S.A. com Vivendi Universal S.A. (contrato privado). No plano internacional h tambm dois instrumentos normativos em questo: (1) ICSID (Convention on the Settlement of Investment Disputes Between States and other Nationals of Other States) e (2) Contrato de Investimento (BIT) entre Argentina e Frana. Os demandantes enxergaram esse caso como exemplo de tratamento indevido do investidor estrangeiro. As autoridades de Tucumn teriam negado tratamento justo e equitativo ao investidor, sistematicamente privado dos direitos garantidos no Acordo Bilateral de Investimentos, BIT. Alm disso, as autoridades de Tucumn teriam usado de seu poder discriminatrio para impor mudanas de tarifas, violando os termos do contrato de concesso e gerando custos adicionais e imprevistos aos demandantes. Alegaram tambm que as autoridades da Provncia, ao se utilizarem da mdia para incitar a hostilidade da populao contra as concessionrias estrangeiras, incentivando que os consumidores no pagassem as contas, provocaram prejuzos intangveis com a destruio do valor econmico do contrato de concesso. Em meados de 1997, CGE/Vivendi e CAA no tinham outra opo a no ser dar fim ao contrato de concesso. Extinto o contrato, as demandantes alegam que foram obrigadas prestao do servio pelos prximos dez meses sem que fossem cobradas faturas pendentes nem ajuizadas quaisquer aes judiciais. As demandantes alegam que as violaes da Repblica da Argentina consistiriam em: (i) tratamento justo e equitativo previsto no art. 3 e 5(1) e (3) do BIT. (ii) expropriao do investimento estrangeiro, violando o art. 5(2) do BIT. Para a parte demandada, Governo da Argentina, o caso envolveria exclusivamente questes relativas ao contrato de concesso, a seu ver violado pela empresa concessionria, no fazendo parte da competncia do Tribunal (ICSID) o julgamento da questo, preliminar rejeitada pelo tribunal do ICSID. Preliminarmente, foi alegado pela demandada que o controle da CAA foi adquirido em junho de 1996, violando os termos do contrato de concesso, uma vez que esse exige o consentimento do Poder Executivo de Tucumn para concluir a transferncia. Como o consentimento nunca foi dado demandante empresa francesa, a alegao de violao do Acordo Bilateral seria incabvel, pois seus direitos foram adquiridos de forma ilegal. Respondendo acusao de que as autoridades de Tucumn aumentaram as tarifas de forma unilateral, o Governo da Argentina alega que a CAA, desde

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o primeiro momento e sem avisar a populao, dobrou o valor da tarifa de gua. Alm disso, houve o fornecimento de gua turva e no potvel ao longo de muitas semanas. Segundo a tese argentina, acordos bilaterais no tm como escopo proteger os investidores de suas prprias aes e erros, nem garantir regalias quanto atividade regulatria do Estado. Abandonado o contrato pela concessionria francesa, segundo argumentao do governo argentino, no teria restado outro caminho a Provncia seno assumir a prestao do servio e garantir o fornecimento de gua potvel para a populao. Longe de constituir uma desapropriao injusta e desigual, Tucumn apenas exerceu sua obrigao perante sua populao. Os pedidos da demandada foram: (i) se o Tribunal entender que so devidas reparaes por danos, que sejam apenas contabilizados os emergentes e no os lucros cessantes; (ii) pagamento das despesas relacionadas ao processo da arbitragem no caso de perda do procedimento.

IV.1 Acordo de investimentos e os direitos humanos Com a breve exposio dos fatos, surge a questo do interesse pblico nos acordos de investimentos, bem como nos contratos de concesso. No caso em tela, o governo argentino e as empresas prestadoras de servio falharam na proteo do interesse pblico em meio a processos judiciais, aumento de tarifas e medidas arbitrrias, restando populao o maior prejuzo. Os acordos de investimento (BIT) so amplos, ou seja, no dizem respeito a um empreendimento especfico, aplicam-se a qualquer investimento realizado, no caso pela Frana na Argentina, e vice-versa. Detendo papel passivo quando das negociaes do mesmo, sofre a sociedade, no caso, beneficiria direta da concesso do servio, as consequncias dos conflitos de competncia e choque entre legislaes interna e internacional. A questo crucial a desconsiderao, quando de sua negociao, da existncia de outros atores, alm das empresas e do Estado, impactados pelos empreendimentos que surgem em seu mbito, fazendo dos acordos de investimento uma ameaa ao criarem regime especial legalmente vinculante com grande impacto socioambiental. Um acordo de investimento celebrado entre pases em desenvolvimento e pases desenvolvidos com grande poder de barganha pode priorizar ganhos de capital para as empresas investidoras, prejudicando a populao diretamente afetada:

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A bilateral investment treaty between a developed and a developing country is founded on a grand bargain: a promise of protection of capital in return or the prospect of more capital in the future.17 Sheldon Leader, professor da Universidade de Essex, no artigo Two ways of linking economic activity to human rigths,18 apesar de reconhecer a desarmonia que sempre acompanhou as relaes entre investimentos, crescimento econmico e proteo dos direitos bsicos j enxerga uma mudana de paradigma e sugere formas de compatibilizaao entre os variados princpios. Segundo o autor, o paradigma da acumulao a qualquer custo j foi quebrado. No sculo XXI necessrio pens-lo em conjunto com o respeito aos direitos humanos. Esses devem ser orientadores da postura empresarial. A incluso dos direitos bsicos dos empregados aos de seus acionistas, bem como aos da comunidade afetada por suas aes, a sada.19 O professor Sheldon Leader, em seu artigo, trabalha algumas formas de incluso dos princpios dos direitos humanos na rotina das empresas e em suas relaes com fornecedores e clientes por meio dos contratos. Quando a implementao ou promoo de princpios dos direitos humanos vista como obstculo aos interesses econmicos das empresas, na ponderao, os interesses dos indivduos impactados pela atividade econmica so sacrificados. Sob esse prisma, possvel justificar um acordo de investimentos dispondo que durante sua vigncia o pas no poder modificar sua lei interna quando afetar a continuidade do investimento, mesmo que se refira a nova lei adoo de regras trabalhistas mais justas, por exemplo.20 O desafio proposto passa pela reformulao do processo de negociao e elaborao da norma, e por consequencncia das instituies, desde os contratos s instituioes governamentais. Espaos ampliados, transparncia dos processos e canais de comunicao contemporneos so novos meios de sano moral que contribuem para legitmidade e eficcia da norma. Diante das circunstncias atuais, o investidor no pode se eximir da preocupao com os direitos fundamentais, como se o campo do direito econmico fosse rea blindada e fora do escopo das regras cogentes. Alm disso, deve-se ter em mente que o conflito entre crescimento econmico e obedincia aos direitos

17 18 19 20

LEADER, Sheldon, Human Rights, Risks, and New Strategies for Global Investment, p.5. LEADER, Sheldon. pp.542. LEADER, Sheldon. pp.542. LEADER, Sheldon. pp.543.

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humanos j comea a ser transformado por meio de novos procedimentos de resoluo e normas cujas fontes no passam necessariamente pelos Estados. O Direito Privado surge ento como importante alternativa para a promoo dos direitos humanos pelas empresas e o fortalecimento do seu papel de agente transformador e promotor do desenvolvimento sustentvel. A insero de clusulas socioambientais e tambm a excluso das clusulas chamadas de estabilizao, que no permitem a adoo de regras de direitos humanos e ambientais ratificadas posteriormente assinatura dos acordos,21 so medidas sugeridas pelos autores que no enxergam muros entre a satisfao do indivduo e a promoo da riqueza num processo de mtuo reconhecimento de interesses que devem convergir numa eticidade sistmica. A adequao dos Acordos de Investimento aos princpios de direitos humanos pressupe certo limite liberdade de cada parte contratante (Estado e investidor), qual seja, o impacto sociedade civil, diretamente afetada. O acordo celebrado no s refletiria os interesses das partes signatrias, mas necessariamente o dos indivduos afetados por ele. A relao entre Estado e investidor passaria a contar com um terceiro componente, a sociedade.22

VI ConclusesComo ressaltado no estudo, a internacionalizao dos investimentos um caminho sem volta. Sequer as crises econmicas e financeiras mundiais tm a capacidade de inibir, por perodos mais longos, o fluxo do capital internacional. Ao contrrio, a crise econmica de 2008 acarretou em oportunidades para os pases em desenvolvimento e em transio, na medida em que estiveram mais imunes s suas causas, em razo de regras menos liberais voltadas para o setor financeiro e preos elevados das commodities no mercado internacional. No entanto, o foco dos investimentos dos pases em desenvolvimento, enquanto investidores e receptores de capital, no setor primrio preocupante. Alm das conhecidas razes para que se privilegie setores industriais com emprego de maior tecnologia, os impactos ambiental e social inerentes s atividades de extrao de recursos naturais tornam-se verdadeiro custo a ser contabilizado, principalmente por empresas desatentas com sua preveno. Por isso a discusso sobre regras obrigatrias para as empresas no que diz respeito aos direitos humanos vem alcanando variados setores da sociedade21 LEADER, Sheldon, Human Rights, Risks, and New Strategies for Global Investment, pp. 32,33. 22 LEADER, Sheldon, Human Rights, Risks, and New Strategies for Global Investment, ISSJ 185r UNESCO2005. Published by Blackwell Publishing Ltd., pp. 6 e 7.

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global, atentos magnitude dos grandes conglomerados e capacidade econmica e poltica para influenciarem os Estados onde esto, bem como executarem eles prprios polticas e medidas de promoo do desenvolvimento sustentvel nas reas em que atuam. Enquanto as normas de RSC esto no campo do voluntarismo tempo de internaliz-las, de modo que se configure prtica internacional generalizada, com benefcios a serem colhidos pelos pases mais pobres, que h muito sofrem com a explorao desordenada de seus recursos naturais pelas grandes empresas, muitas vezes em parceria com os Estados. A necessria ponderao dos princpios de direitos humanos quando da assinatura dos acordos econmicos e comerciais e na negociao de contratos entre agentes privados e/ou pbicos soluo que j vem acontecendo, mesmo que ainda timidamente e com pouca eficcia quanto superviso e ao monitoramento do cumprimento das correspondentes clusulas. Tambm as instituies financeiras tem responsabilidade e papel relevante na promoo do desenvolvimento sustentvel. Os Princpios do Equador so uma iniciativa a ser encorajada, pela adeso transparente e comprometida das instituies financeiras em promover atividades econmicas que tenham por objetivo o incremento do desenvolvimento sustentvel. Assim como em outros ramos do Direito Internacional, o do desenvolvimento sustentvel encontra-se em vias de consolidao gradual pelo fortalecimento de seus princpios e prticas, concretizando um novo regime legal em que a cooperao para promoo dos interesses coletivos uma prioridade, reflexo de um novo capitalismo em que os benefcios dos progressos advindos da globalizao devam, de fato, ser absorvidos por todos.

SOLUTIONS APPORTES PAR LE DROIT INTERNATIONAL PRIV LA RESPONSABILISATION INSUFFISANTE DES ENTREPRISES DANS LE CAS DES DOMMAGES ENVIRONNEMENTAUX INTERNATIONAUXCARINA COSTA DE OLIVEIRA1

La complexit des catastrophes environnementales loigne la perspective de pouvoir prvenir et rparer de manire efficace les dommages causs, tant au plan national que rgional et international, par le biais du droit international de lenvironnement, tel quil se prsente aujourdhui. Les dversements dhydrocarbures dans le Golfe du Mexique, la frontire de la France et de lEspagne, en Suisse, au Nigeria, dversements oprs par des socits connues comme BP, Exxon Valdez, Shell illustrent, dune part, cette complexit et dmontrent, dautre part, le traitement inefficace de la rparation des dommages qui sont plutt jugs par des tribunaux nationaux que par des tribunaux internationaux. Dans ce contexte, lutilisation de plusieurs mthodes est ncessaire pour mieux intgrer et encadrer des acteurs non-tatiques, tels que les entreprises, qui sont lorigine dune grande partie des dommages environnementaux. Leur capacit de dlocalisation, de circulation conomique et juridique dans plusieurs tats diminue la probabilit dun contrle effectif de leurs activits. Ressort de cette situation le besoin danalyser, dans un premier temps, linsuffisante responsabilisation des entreprises, auprs des tribunaux internationaux et nationaux, pour les dommages environnementaux internationaux (1) pour, dans un second temps, identifier quelles solutions pourraient tre apportes par le droit international priv (2).

1) Insuffisante responsabilisation des entreprises auprs des tribunaux internationaux et nationaux, pour les dommages environnementaux internationauxLes tribunaux internationaux et nationaux narrivent pas responsabiliser les entreprises pour les dommages environnementaux internationaux. Il convient donc, ce sujet, danalyser le contexte gnral et quelques raisons expliquant cette absence de responsabilisation dans le cadre international (a) et national (b).1 Doctorante Paris-II, Panthon-Assas, ATER FGV-Direito Rio, Chercheuse au PDMA- Programa em Direito e Meio Ambiente da FGV-Direito Rio.

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a) Une insuffisante responsabilisation auprs des tribunaux internationaux Linsuffisante responsabilisation des entreprises auprs des tribunaux internationaux est une question qui concerne indirectement les tribunaux internationaux publics et directement les tribunaux internationaux privs. Dans le premier cas, les entreprises peuvent tre indirectement concernes dans la mesure o les tats doivent prendre des mesures internes en raison dune condamnation prononce par un tribunal international suite une pollution commise lchelle internationale par une entreprise ressortissant de cet tat. Cependant, les dommages environnementaux internationaux qui ont t jugs par ces tribunaux internationaux nont pas abouti une responsabilisation des tats. Les obstacles la responsabilisation sexpliquent par labsence dune bonne structure de rglement des diffrends, comme la CIJ2; et par la prpondrance de la prise en compte de la libert du commerce au dtriment de la protection de lenvironnement, ce qui se passe dans le cadre des dcisions manant des intgrations multilatrales comme lOMC3, ou rgionales comme lAlena4 et le Mercosur5. Dans le second cas, les entreprises peuvent tre directement responsabilises par les tribunaux internationaux privs. Deux exemples peuvent tre cits: les arbitrages effectus dans le cadre du Centre International de Rglement des Diffrends des Investissements CIRDI6 et de la Cour de Commerce Internatio2 Les deux principales affaires sur lenvironnement nont pas trait de la responsabilit des Etats dans les dommages causs: affaire Gabckovo-Nagymaros Project , Hongrie contre Slovakie, Rapport de 1997; Affaire Pte papiers, Argentine contre Uruguay, Disponible sur: . Accs: le 13 juin 2011. OMC. Affaire Brsil Pneumatiques Rechaps, WT/DS332/AB/R. Disponible sur: . Accs: le13 juin 2011; GATT, Thon I et II; Etats Unis-Automobiles, BISD 30S/107. Disponible sur: . Accs: le 13 juin 2011; Canada-Saumons, 35X/98. Disponible sur:< http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/gt47ds_e.htm>. Accs : le 13 juin 2011 ; OMC, Affaire Etats-Unis Essence, WT/DS2/AB/R. Disponible sur: . Accs: le 13 juin 2011; Affaire Etats-Unis-Crevettes. Disponible sur: . Accs: le 13 juin 2011. ALENA. Cas Reservatrio Silva. Disponible sur: . Accs : le 13 juin 2011 ; Cas Cozumel. Disponible sur: < http://www.nafta-sec-alena.org/fr/DecisionsAndReports.aspx?x=312 >. Accs: le 13 juin 2011; Cas Metales y derivados. Disponible sur: < Disponible sur: < http://www.nafta-sec-alena.org/fr/DecisionsAndReports.aspx?x=312 >. Accs: le 13 juin 2011. MERCOSUR Affaire Argentina et Uruguai pneus. Disponible sur: . Accs: le 13 juin 2011. CIRDI, Metalclad Corporation c. tats-Unis du Mexique, 30 aot 2000, Aff. no. ARB (AF) 97/1. Voir ce propos: GAILLARD (E.), La jurisprudence du CIRDI, Paris, Pedone, 2004, p. 669-680; Azurix Corp c. Rpublique dArgentine, 14 juillet 2006, Aff. no. ARB/01/12. Voir ce propos: FOURET (J.), KHAYAT (D.),Recueil des commentaires des dcisions du CIRDI (2002-2007), Bruxelles, Bruylant, 2009, p. 430-435; CIRDI, Biloune and Marine Drive Complex Ltd c. Ghana Investments Centre, 30 juin 1990. Disponible sur: . Accs le: 28 jan. 2010; Compaia

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nale CCI7. Il apparat alors que, par le moyen de larbitrage il devient possible de traiter la question de la rparation environnementale qui doit tre supporte par les entreprises. Mme si ce choix prsente des avantages comme la pratique des arbitres qui ont recours de manire rgulire aux experts, ce qui est observ paralllement, cest la considration par ces mmes arbitres, dans une proportion bien modeste, des principes du droit international de lenvironnement et des conventions environnementales8, ainsi que la faible participation des tiers9. La confidentialit et la production de preuves sont aussi des sujets qui restent dvelopper sur ce point, pour rpondre aux besoins de la protection de lenvironnement. Dans ce contexte, les rglements de diffrends internationaux environnementaux ne bnficient pas dune structure capable daboutir des rsultats, comme une Cour mondiale de lenvironnement pourrait le faire. Les dommages environnementaux sont difficilement rpars et les pollueurs, trs souvent des entreprises, sont difficilement touchs. Les traits environnementaux ne se proccupent pas dindiquer des systmes de rglements des diffrends effectifs10,del Desarrollo de Santa Helena S.A c. Rpublique du Costa Rica, 17 fvrier 2000, Affaire no. ARB/96/1. Voir sur le sujet: GAILLARD (E.), La jurisprudence du CIRDI, Paris, Pedone, 2004, p. 567-576. 7 Pour un rsum de 8 arbitrages lis a des dommages environnementaux voir: JOLIVET (E.), Chronique de jurisprudence arbitrale de la Chambre de commerce internationale (CCI): aspects du droit de lenvironnement dans larbitrage CCI, Gaz.Pal., 4 dcembre 2004, n. 339, p. 54; voir aussi: CLAY (T.), Arbitrage et environnement, Les cahiers de larbitrage, Gaz. Pal., 29 mai 2003, n. 149, p. 5. 8 Voir ce propos: MAYER (P.), Lapplication par larbitre des conventions internationales de droit priv, in, Linternationalisation du droit, Mlanges Yvon Loussouarn, Paris, Dalloz, 1994, p. 275; FOUCHARD (P.), Lapplication par larbitre des conventions internationales, Rec. Cours La Haye, juillet 1996. 9 ARB/02/3, Para. 17 et 18. Sur cette dcision voir: STERN (B.), Un petit pas de plus: linstallation de la socit civile dans larbitrage CIRDI entre Etat et investisseur, Revue de larbitrage, 2007, n. 1, janviermars, p. 9 12; ARB/ ARB/03/19, Order in Response to a Petition for Transparency and Participation as Amicus Curiae, le 19 mai, 2005, para. 13, 16, 29 et 33. Disponible sur:< http://icsid.worldbank.org/ ICSID/FrontServlet?requestType=CasesRH&actionVal=showDoc&docId=DC516_En&caseId=C19> Accs le: 12 juin 2011. Pour une analyse dtaille de ces affaires voir: TENYER (E.), Investissements internationaux et arbitrage, Gaz. Pal., 15 dcembre 2005, n. 349, p. 1-6. 10 Convention-Cadre des Nations unies sur les changements climatiques, signe New York, le 9 mai 1992, entre en vigueurle 21 mars 1994, Art. 14.2 a) CIJ, b) Larbitrage conformment la procdure quadoptera ds que possible la Confrence des Parties dans une annexe consacre larbitrage; Convention pour la protection de la couche dozone, Vienne, 22 mars 1985, entre en vigueurle 22 septembre 1988, Art. 11.3 a) Arbitrage; b) CIJ; Convention des Nations unies sur le droit de la mer, Montego Bay, le 10 dcembre 1982, entre en vigueur le 16 novembre 1994, Art. 188 Soumission des diffrends une chambre spciale du Tribunal international du droit de la mer ou une chambre ad hoc de la Chambre pour le rglement des diffrends relatifs aux fonds marins ou un arbitrage commercial obligatoire; 2. Arbitrage, c) En labsence, dans le contrat, dune disposition sur la procdure arbitrale applicable au diffrend, larbitrage se droule, moins que les parties nen conviennent autrement, conformment au Rglement darbitrage du CNUDCI ou tout autre rglement darbitrage qui pourrait tre prvu dans les rgles, rglements et procdures de lAutorit, Annexe VII Arbitrage; Convention OSPAR pour la protection de lAtlantique Nord-Est et ses ressources, Paris, 22 sep.1992, entre en vigueur le 25 mars 1998, Art. 32.1. Arbitrage; Convention internationale sur lintervention en haute mer en cas daccident entranant ou pouvant entraner une pollution par les hydrocarbures, Bruxelles, 29 novembre 1969, entre en vigueur le 19 juin 1975, Chapitre II: De larbitrage, Art. 13, Art. 16. Si une procdure a t

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capables de bien rsoudre un rglement et daboutir la responsabilisation de lauteur et, par voie de consquence, la rparation du dommage. De la mme manire, les tats narrivent pas non plus bien rendre les entreprises responsables des dommages environnementaux internationaux.

b) Les insuffisances de la responsabilisation des entreprises en matire de dommages environnementaux internationaux dans le cadre des tribunaux nationaux Les insuffisances de la responsabilisation des entreprises auprs des tribunaux nationaux peuvent tre tudies dans le contexte des dommages causs par des dversements dhydrocarbures11. tant donn que les traits qui sattachent la responsabilit pour dommages environnementaux sont difficilement ratifis12, ou bien ne prvoient aucun rgime de responsabilisation et de rparation13, il neengage entre deux Parties, toute autre Partie dont les ressortissants ou les biens ont t affects par les mesures considres, ou qui, en sa qualit dEtat riverain, a pris des mesures analogues, peut se joindre la procdure darbitrage en avisant, par crit, les Parties qui ont engag cette procdure moins que lune de celles-ci ne sy oppose; Convention de Ble sur le contrle des mouvements transfrontires de dchets dangereux et de leur limination, du 22 mars 1989, entre en vigueur le 05 mai1992, Art. 20.3 () a) la Cour internationale de Justice; e/ou b) larbitrage conformment aux procdures nonces dans lannexe VI; La Convention sur les effets transfrontaliers des accidents industriels, du 17 mars 1992, Art. 21. (a) CIJ; (b) Arbitrage, procdure: Annex XIII; Convention sur la diversit biologique, Rio de Janeiro, le 5 juin 1992, entre en vigueurle 29 dcembre 1993, Art. 27. 1 ngociation, Art. 27. 2 bons offices ou mdiation dune tierce Partie; Art. 27.3 Dclaration par crit prcisant si ltat accepte: a) larbitrage, conformment la procdure nonce la premire partie de lannexe II; b) la soumission du diffrend la Cour international de Justice; Convention sur la conservation des espces migratrices appartenant la faune sauvage, Bonn, 23 juin 1979, entre en vigueur le 01 novembre 1983, Art. XIII.2 Arbitrage, notamment celui de la Cour permanente dArbitrage de la Haye. 11 Lexemple des dommages nuclaires est aussi intressant, mais les problmatiques sont similaires celles des hydrocarbures. Voir ce propos: HEBERT (J.), La responsabilit dans le domaine de lnergie nuclaire, JCP, 1966, I, 1979; DEPRIMOZ (J.), Les innovations apportes par la loi n. 90.488 du 16 juin 1990 la mise en jeu de la responsabilit civile des exploitants nuclaires, JCP, 1990, I, 3467; FAGNART (J.-L), Recherches sur le droit de la rparation, in, Mlanges Roger O. Dalcq: responsabilits et assurances, Paris, Maison Larcier S.A., 1994, p. 141; HANQIN (X.), Transboundary Damage in International Law, Cambridge University Press, 2003, p. 100; VON BAR (C.), nvironmental Damage in Private International Law , Rec. cours, vol. 268, 1997, pp. 291-412; GUEGAN-LECUYER (A.), Dommages de masse et responsabilit civile, thse, Paris I, 2006, p. 143; BRUN (P.), Responsabilit civile extracontractuelle, Paris, Litec, 2005, p. 478-484. 12 Cest le cas de la Convention de Rgulation des ressources des activits en Antarctique adopte le 2 juin 1988 et de la Convention de Lugano du 16 septembre 1988. 13 Cest le cas de la Convention de Ble sur le contrle des mouvements trans-frontires de dchets dangereux et de leur limination adopte par la confrence des plnipotentiaires le 22 mars 1989, entre en vigueur le 5 mai 1992. Quant laspect oprationnel du transport de ces dchets, la convention renvoie aux normes internationales existantes, comme celles concernant lemballage, ltiquetage, larrimage ou la documentation, Celles qui sont affrentes au transport maritime de marchandises ou de dchets dangereux sont dordre prventif. Voir ce propos: SAHEB-ETTABA (A.), La protection juridique de lenvironnement marin dans le cadre du transport maritime de substances nocives et potentiellement dangereuses, Montral, Les ditions Thmis, p. 65.

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reste pratiquement que lanalyse de la pollution due au transport maritime des hydrocarbures. Dautres domaines qui prvoient un systme de responsabilisation comme le nuclaire et larospatiale suivent la mme logique que celle tablie pour les dommages causs par les hydrocarbures. Partant, il est important dobserver les rgles applicables dans un tel contexte de dommages environnementaux, travers ltude des jurisprudences qui mettent en vidence les dveloppements et les insuffisances des tribunaux nationaux au plan de la responsabilisation des entreprises. Les principales Conventions qui traitent de la rparation des dommages causs par les hydrocarbures sont: la Convention sur la responsabilit civile pour les dommages dus la pollution par les hydrocarbures, du 29 novembre 196914, complte en 1992 par un Protocole; la Convention internationale portant la cration dun Fonds international pour les dommages dus la pollution par les hydrocarbures, conclue le 18 dcembre 1971 (FIPOL)15, le Fonds de 1992 qui a t prvu par le Protocole de 199216ainsi que le Fonds complmentaire, cr le 16 mai 200317. Dans ce cas, un systme uniforme pour la responsabilit civile en matire de dommages causs par les dversements dhydrocarbures des tats membres a t form indpendamment de ltat du pavillon et de la nationalit du propritaire du navire. Une des conditions poses est que la pollution doit affecter le territoire de ltat partie de la Convention et le rglement du diffrend doit tre fait par un tribunal national. En revanche, le retentissement international des effets de ces dommages dbouche sur limprvisibilit des consquences. tant donn que les dommages environnementaux internationaux peuvent tre des dommages de masse, les constructions juridiques telles que la responsabilit civile ou pnale deviennent difficilement adquates18. Les critres normalement utiliss pour ouvrir droit la rparation, comme le prjudice lgitime, personnel, direct et certain, sont mis en question19. De la mme manire, il ny a pas de valeur de march prcise pour les ressources naturelles20. Ces caractristiques peuvent tre observes dans les affaires suivantes.14 Disponible sur: . Accs: le 2 dc. 2009. Voir ce propos: HANQIN (X.), Transboundary Damage in International Law, Cambridge University Press, 2003, p. 260 ; WU (C.), La pollution du fait du transport maritime des hydrocarbures: responsabilit et indemnisation des dommages, Monaco, Pdone, 1994. 15 Entre en vigueur en 1978, mais qui a cess dexister le 24 mai 2002.Disponible sur: . Accs: le 2 dc. 2009. 16 Disponible sur: < http://fr.iopcfund.org/regs.htm>. Accs: le 17 dc. 2009. 17 En vigueur depuis le entr le 3 mars 2005 18 GUEGAN-LECUYER (A.), Dommages de masse et responsabilit civile, thse, Paris I, 2006, p. 135. 19 CADIET (L.), Les mtamorphoses du prjudice , in, Les mtamorphoses de la responsabilit, PUF, 1997, p. 39. 20 GUEGAN-LECUYER (A.), Dommages de masse et responsabilit civile, thse, Paris I, 2006, p. 192. ce propos voir aussi: PIERATTI (G.), Risque de pollution et scurit: un dfi pour les assureurs maritimes, Gazette du Palais, 13 juillet 2000, n. 195, p. 12.

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Dans le cas rika21, tout dabord, laccident de 1999 a dbouch sur 7.130 actions de compensation contre le Fonds FIPOL, estimes un total de 211 millions deuros. Le Fonds na pas accept lindemnisation des dommages environnementaux per se et na pas tendu la responsabilit plusieurs acteurs. En outre, la Convention du Fonds a considr que les autres actions ne pouvaient pas tre portes contre les personnes traites dans la Convention en dehors de laction concernant le Fonds. De toute faon, les plaideurs ont port plainte en France et ont vu quelques-uns de leurs droits reconnus dans le cadre du Tribunal de Grande Instance de Paris en janvier 200822. Ce tribunal a considr applicable le droit commun franais combin avec la Convention de 1992. Selon sa dcision, la Cour peut appliquer les rgles du for aux personnes qui ne sont pas exclues du rgime de la Convention23. La dcision a tendu la condamnation pnale au propritaire du bateau, ladministrateur du navire, la socit de classification et au propritaire de la cargaison. Toutes ces personnes ont t condamnes ensemble la compensation de la valeur de 192.8 millions deuros. Il faut ajouter que ce tribunal a jug possible la compensation de quelques dommages environnementaux24 et celle des dommages moraux en sus des dommages matriels. A travers ce jugement, le tribunal franais a largi les interprtations sur ce qui peut tre indemnis et sur qui doit le faire, face aux interprtations restrictives du Fonds. Une autre affaire na pas eu les mmes rsultats. Dans laffaire Prestige, en effet, la demande de rparation a t plus complexe car le dommage a touch lEspagne, la France et le Portugal. Le Bureau du Fonds a reu 844 demandes totalisant la valeur de 1.018.8 million deuros. Lassureur de Prestige, le London P&I Club a refus de payer la part lie la responsabilit du propritaire car il voulait attendre les jugements du tribunal espagnol25. En Espagne, les actions des victimes ont t concentres dans la Cour Criminelle de Corcubin. Malheureusement cette Cour ntait pas prpare pour juger un cas aussi complexe que celui-ci. Cest pourquoi, les demandes de rparation sont restes lies la poursuite criminelle26, fait qui a retard la rparation des dommages causs.21 RUIZ (J.-J), Compensation for pollution damage caused by oil tanker accidents: from Erika to Prestige, Aegean Rev. Law Sea, 2010, 1:37-60, p. 42. 22 Tribunal de Grande Instance de Paris, 11me chambre- 4me section, Jugement 16 janvier 2008. Disponible sur: . Accs: le 11 juin 2011. 23 Page 292 et s. de la dcision. Du TGIP. 24 P. 309 de la dcision du TGIP. 25 RUIZ (J.-J), Compensation for pollution damage caused by oil tanker accidents: from Erika to Prestige, Aegean Rev. Law Sea, 2010, 1:37-60, p. 53. 26 RUIZ (J.-J), Compensation for pollution damage caused by oil tanker accidents: from Erika to Prestige, Aegean Rev. Law Sea, 2010, 1:37-60, p. 55.

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Pour compliquer encore plus laffaire, le Gouvernement Basque et le Gouvernement Espagnol ont dcid de porter plainte contre la socit de classification amricaine, aux tats-Unis27. Dans cette affaire, le tribunal amricain ne sest pas considr comptent pour le cas car les tats-Unis navaient pas sign la Convention de 1992 sur la responsabilit civile. Mme si, dans le droit interne, les Etats-Unis ont adopt des rgles qui pourraient amener considrer la socit comme responsable, en particulier des rgles ouvertes lindemnisation des dommages causs par la ngligence des socits de classification, les juges ont considr quils navaient pas comptence pour juger cette affaire. Ce que ces cas font apparatre, cest que les Tribunaux nationaux qui ont sign la Convention peuvent interprter dune manire plus oriente vers la rparation que ne le font les rponses donnes par le Fonds, ce qui limite la porte de ce Fonds pour lvaluation et la rparation des dommages environnementaux. Le systme des Conventions ninclut pas toujours la rparation des dommages exclusivement environnementaux dans la notion de dommage par pollution. Lorsque les lois internes considrent la rparation du dommage environnemental pur, une distance entre le droit international et le droit interne est tablie. En revanche, lorsque la dcision dsigne un Tribunal qui nest pas prpar pour juger de cas complexes, ce qui est arriv avec le cas Prestige, ce jugement peut retarder la rparation du dommage. Do la conclusion que la loi qui doit tre applicable et le tribunal qui va juger le cas sont fondamentaux pour aboutir la responsabilisation des entreprises.Or, le droit international priv peut proposer des solutions pour amliorer ce contexte.

2) Solutions qui peuvent tre apportes par le droit international privLinteraction inefficace des systmes juridiques internationaux et des rgles de droit priv, comme la responsabilit, peut tre amliore par la mthode du droit international priv. Linteraction avec le droit international priv peut tre faite de deux manires: par la rgle de conflit de lois (a); et par le conflit de juridictions(b).

a) La rgle de conflit de lois, moyen dindiquer la loi qui va le mieux obtenir rparation du dommage La rgle de conflit de lois occupe une place ngligeable dans les traits environnementaux lorsquil est question dindiquer la loi qui va le mieux arriver la rparation du dommage. La plupart des traits nont pas de rgles de rattachement pouvant trancher sur les possibles conflits de lois ou bien ils les prvoient de manire27 United States New York Southern District Court. Comunidad Autnoma del Pas Basco et al c. American Bureau of Shipping, 1:2004cv00671, 29 janv. 2004. Dcision du 2 janv. 2008.

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alatoire. Les traits, soit renvoient expressment, sur des points particuliers, aux lois nationales28, soit prvoient des facteurs de rattachement qui dsignent le plus souvent la lex fori ou bien la loi du lieu de survenance du dommage. Quoi quil en soit, il convient de se pencher sur quelques exemples de rgles de conflit de loi releves dans les traits, sur le rle que les rgles de conflit de loi peuvent avoir et sur la manire de les utiliser pour mieux responsabiliser les entreprises. La plupart des traits environnementaux ne soccupent pas des rgles de conflit de lois, mme sils portent sur des sujets propos desquels la possibilit de dommages environnementaux internationaux est grande. Dans le domaine du climat, par exemple, le Protocole de Kyoto29 ninclut pas la prvision de ces rgles. En ce qui concerne la haute mer, les Conventions sur le sujet ne prvoient pas non plus quelle serait la rgle applicable en cas de dommage environnemental. Ni la Convention internationale sur lintervention en haute mer en cas daccident entranant ou pouvant entraner une pollution par les hydrocarbures30, ni le Protocole de 1973 sur lintervention en haute mer, en cas de pollution par des substances autres que les hydrocarbures, nont de prvisions sur les rgles de conflit de lois. Dans le domaine des produits chimiques, ni la Convention sur la procdure de consentement pralable en connaissance de cause, applicable certains produits chimiques et pesticides dangereux qui font lobjet dun commerce international31, ni la Convention de Stockholm du 22 mai 2001, sur les polluants organiques persistants32 nont de dispositifs sur le conflit de lois. Les Protocoles labors dans le cadre de la Convention sur la Diversit Biologique, comme le Protocole de Carthagne sur la prvention des risques biotechnologiques33 ne prsentent pas non plus ce type de rgle. Parmi les autres Traits qui prvoient des rgles de conflit, peuvent tre cits ceux qui sont lis au domaine de lnergie nuclaire34 et des hydrocarbures. Par28 BOUREL (P.), Un nouveau champ dexploration pour le droit international priv conventionnel: les domma